Sobre Paul Sweezy

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5PAUL SWEEZY: ANATOMIA DE UM INTELECTUAL REVOLUCIONRIOPAUl sWeeZY: ANAtOMY OF A reVOlUtiONArY iNtellectUAlIvan Cotrim Doutor em Cincias Sociais pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP). Professor do Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e da Fundao Santo Andr. Rua da Consolao, 930 So Paulo SP CEP 01302-907 e-mail: [email protected]

Revista de Economia Mackenzie Volume 7 n. 2 p. 91-111

Resumo

Buscamos apresentar a trajetria intelectual de Paul Sweezy, pesquisador, economista, ativista poltico e editor, por meio das motivaes terico-poltico-revolucionrias que assumiu em sua vida. Apontamos as sinuosidades que se refletiram em sua produo terico-marxista, bem como as crticas que lhe foram dirigidas. Indicamos, tambm, sua dedicao na construo de um instrumento de defesa do marxismo e da revoluo: a Monthly Review. Registramos, por fim, sua opo em dedicar sua existncia defesa do marxismo e da revoluo. Palavras-chave: Economia crtica; Revoluo; Socialismo.

This article intends to present Paul Sweezys intellectual trajectory as a scholar, economist, political activist, and publisher through pointing out theoretical-political-revolutionary motivations that drove him along his life. It indicates some twists and turns reflected on his theoretical-Marxist production, as well as some relevant criticisms directed to his work. It also stresses Sweezys dedication to set up an instrument at the service of Marxism and revolution: Monthly Review. Eventually, his choice to devote his life to the defense of Marxism and revolution is brought into focus. Keywords: Critical economy; Revolution; Socialism.

Abstract

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Paul Sweezy: anatomia de um intelectual revolucionrio, Ivan Cotrim

1IntRoduoEm 1931, aps graduar-se em economia em Harvard, Paul Marlor Sweezy1 (nascido em 10 de abril de 1910, em Nova York) vai para a London School, onde procura os cursos e professores na linha da utilidade-marginal, que adotara nos anos anteriores nos Estados Unidos. Contudo, os contatos com obras como A Revoluo Russa, de Trotsky, com os economistas de esquerda, como Lask e Joan Robinson, alteraram suas antigas convices. De volta para Harvard, depara com as novas concepes econmicas que esto vicejando na universidade e com a presena do pensamento marxista, que tivera incio com a ida de Schumpeter para l. Seus novos contatos sero agora Oscar Lange, Wassily Leon Pier e outros, todos, em medidas diferenciadas, simpticos ao marxismo, e, obviamente, o prprio Schumpeter do qual Sweezy se tornara assistente. De 1933 em diante, Sweezy vai demonstrando ser um brilhante intelectual; publica vrios ensaios sobre a concorrncia imperfeita, estagnao econmica e anlises keynesianas, no jornal do qual foi cofundador, Review of Economics Studies. Trava contato com Keynes, e, a partir das leituras da Teoria geral, envolve-se nas polmicas que ela suscita. Depois de colaborar tecnoprofissionalmente com o projeto do New Deal, em 1937, torna-se central em suas discusses e artigos o capital monopolista, cujo estudo iniciara ainda em Harvard, em 1927, e que ser mais tarde completado com Paul Baran e publicado em conjunto, na obra mais importante deste ltimo. Esse tema, e os artigos que o retrataram, rendera-lhe um prmio acadmico, concedido em Harvard por uma banca de examinadores da qual fez parte Schumpeter. Em Harvard, torna-se professor em 1938, passando a atuar politicamente na academia e a colaborar na formao da associao de docentes, atuando na Federao dos Professores dos Estados Unidos. Tambm ministra cursos de Economia socialista, e das leituras feitas com esse fim retira alguns fundamentos de sua obra mais conhecida, Teoria do desenvolvimento capitalista. Princpios de economia poltica marxista (1942). Essa obra publicada no mesmo perodo em que Capitalismo, socialismo e democracia, de Schumpeter, dada ao pblico; em ambas, o futuro tanto do socialismo quanto do capitalismo 1 Encontramos na Apresentao de Helga Hoffmann Teoria do desenvolvimento capitalista. Princpios de economia poltica marxista, de Sweezy (1983), e em Paul M. Sweezy, de John Bellamy Foster, publicado em edio especial, eletrnica, da Monthly Review, parte das informaes contidas neste texto, com o qual pretendemos registrar homenagem por ocasio da morte de Sweezy ocorrida em fevereiro de 2004.

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posto em questo. Quanto ao capitalismo, a eminente crise, particularmente norte-americana, que se mantm em curso, analisada por ambos. Contudo, enquanto para Schumpeter os fundamentos da crise dizem respeito a questes polticas, Sweezy trata-a como fenmeno embutido na prpria realizao do capital. Com base em Marx, diz ele ser o capital barreira para si mesmo, isto , uma entificao contraditria em si prpria, pois apresenta-se periodicamente em crise. Observe-se que, embora com marcadas diferenas concepcionais, Schumpeter e Sweezy estabeleceram uma relao de respeito e mtua admirao intelectual. Sweezy recebe o artigo A teoria da inovao do professor Schumpeter afirmando que esse havia percebido melhor do que qualquer outro analista a objetividade contraditria e as leis que regem o capitalismo; isso revela o elevado perfil intelectual que envolvia o entorno desses militantes crticos. At o final da dcada de 1930, Sweezy constituiu diversos grupos de pesquisa e discusso, singularmente dinmicos, cujas atividades tericas e envolvimentos polticos punham em revista as contradies mundiais, o bipolarismo capitalismo/socialismo, e que tinham em Harvard o centro aglutinador e difusor de sua produo. Por intermdio dessas atividades, Sweezy construiu seu prprio patamar terico-ideolgico. A defesa intransigente de uma transformao mundial, da superao do capitalismo, no afastou o conjunto de elogios pelo seu brilhantismo intelectual vindos mesmo de pensadores conservadores, como Paul Samuelson e outros. A Segunda Guerra Mundial imprime um novo caminho na vida de Sweezy. Luta contra o fascismo e contra a prpria guerra participando em ligas antifascistas e vrias organizaes populares. Contudo, no considera suficiente permanecer nesses organismos. Sua impetuosidade o leva a abandonar Harvard e candidatar-se a oficial no exrcito americano em 1942, sendo destacado para os servios de estratgia econmica, que ele realiza para o governo ingls. Tendo se separado de sua primeira esposa, Maxine Yaple Sweezy, casa-se novamente, em 1944, com Nanci Adams, com quem vir a ter, mais tarde, trs filhos; essa modificao na sua vida privada favorece a deciso de retornar para os Estados Unidos em 1945, onde passa a dedicar-se profissionalmente funo de editor. Nos Estados Unidos, Sweezy procurara retomar a posio de pesquisador que havia tido em Harvard, mas as portas da universidade haviam se fechado para o marxismo, frustrando seu intento. Retoma suas relaes com Leo Hubermann, que se mantinha como historiador, jornalista, economista e grande editor de livros, atividades todas voltadas para os movimentos revolucionrios, populares. Sweezy estabelece com Hubermann as condies para a pu-

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blicao de livros de economia que continham, entre outros temas. os problemas da transformao dos valores em preo, tema tratado com grande profundidade por Marx, mas que vinha sendo motivo de debates e controvrsias, especialmente pelos detratores diretos de Marx como Bohm-Bawerk. A publicao rene tanto as crticas e as distores provocadas nas teorizaes de Marx quanto a resposta em defesa deste ltimo empreendida por Rudolf Hilferding. As preocupaes de Sweezy em cercar-se de uma compreenso sempre mais adequada sobre a teoria econmica marxista avanam, especialmente agora que a academia inicia um processo de recusa radical da produo e reproduo desse contedo crtico-econmico. O final da dcada de 1940 marca em definitivo a vida intelectual e poltica de Sweezy, pois entre 1948 e 1949 que ele estrutura as condies para a formao da Monthly Review, publicao criada para efetivar o pensamento crtico-marxista ante o avano das anlises pr-imperialistas, pr-capitalistas, que se avolumam nessa fase de guerra fria. Em 1948, com Leo Hubermann adquire as condies financeiras para realizar o ousado projeto, na rea editorial, e dar a pblico uma revista socialista independente. Amigo dos tempos de Harvad, F O. Mattihessens garante economicamente por trs anos sua pu. blicao, que ter em seu primeiro nmero (maio de 1949) o artigo de Albert Einstein, Por que o socialismo. Posteriormente, com a morte de Schumpeter, Sweezy escreve uma introduo reedio de seu livro Imperialismo e classes sociais (1949) e, em 1953, publica Socialismo e o presente como histria, obviamente sob os olhares cautelosos da censura ideolgica que est dando os primeiros passos no interior dos Estados Unidos. Sua inquietante e incansvel conscincia de pesquisador militante leva-o, nesse perodo, a travar uma frtil e positiva polmica terica com Maurice Dobb sobre a transio do feudalismo ao capitalismo. Suas ponderaes s posies expostas por Dobb, em seu livro Estudos sobre o desenvolvimento do capitalismo, de 1945 (no qual enfatiza o papel da expanso do comrcio no plano mundial na desmontagem do feudalismo), colocam-no diante de uma temtica cuja importncia ele retrata afirmando que no trabalho de Dobb cerca de um tero de todo o volume dedicado ao declnio do feudalismo e ascenso do capitalismo (SWEEZY et al., 1977, p. 19) e, portanto, rene um conjunto suficiente de informaes sobre a transio de um para outro modo de produo. Observe-se que as preocupaes e a especial ateno que ele dedica a essa obra de Maurice Dobb so explicadas, pois, diz Sweezy, Vivemos no perodo de transio do capitalismo para o socialismo; e este fato empresta particular

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interesse ao estudo de anteriores transies de um sistema social a outro (SWEEZY et al., 1977, p. 19). Ele procura aprofundar o diagnstico da transio elaborando um longo artigo no qual aborda, analtica e criticamente, as formulaes tericas mais amplas de Dobb sobre o feudalismo e sua teorizao sobre o declnio desse modo de produo, e o surgimento do capitalismo. Seu objetivo no ser outro seno o de apreender algo que facilite a compreenso e permita a formulao de proposituras tericas e prticas de outra transio: esta, agora, para o socialismo. Nessa empreitada, Sweezy ir sustentar-se em referncias tericas extradas da produo intelectual de Marx e de suas correspondncias com Friedrich Engels sobre a complexidade que envolve essa nova transio, para cotejar com o contedo da polmica travada com Dobb e outros. Seu artigo provoca entusiasmo e estmulo terico em outros pensadores, pois, como diz Dobb, h nele um sem-nmero de importantes questes cuja discusso apenas pode ser benfica para uma compreenso tanto do devir histrico quanto do marxismo enquanto mtodo de estudo desse devir (SWEEZY et al., 1977, p. 61). Eis a ento o alcance que a polmica de Sweezy suscitou: discusso e aprofundamento da compreenso sobre a transio, mas tambm uma retomada do pensamento de Marx na orientao dessas posies; e com essa perspectiva que Dobb se remete Rplica, respondendo aos questionamentos de Sweezy e avanando em suas posies com a mesma cordialidade de seu oponente, pondo em relevo as positividades daquela abordagem para expor suas divergncias tericas. Dobb acrescenta, positividade inerente polmica em si, que sua difuso suscitou um grande interesse no Japo, na ndia e em outros pases cujo atraso capitalista em relao Inglaterra, pioneira nessa transio, era motivo de estudos: Uma edio especial de Thought (Shiso, julho de 1951), de Tquio, dedicada a ela e assuntos cognatos [...] A questo foi tambm debatida no peridico italiano Cultura e Realt, ns. 3-4, pp. 140-180 (SWEEZY et al., 1977, p. 11). De fato, o interesse pelo debate aproxima de ambos (Sweezy e Dobb) o marxista H. K. Takahashi, que, aps ler o artigo de Sweezy, A transio do feudalismo para o capitalismo2, que deu origem ao debate, cotejando-o com a obra de Dobb, resolve participar dessas importantes abordagens com uma contribuio polmica, o que fez despertar em Dobb a necessidade de completar sua Rplica com Um comentrio posterior. Sweezy avana suas abordagens iniciais escrevendo uma Trplica Rplica de Dobb. Satisfeitos em expor suas divergncias, eles encerram o debate; contudo, a polmica aglutinou, pos2 Publicado em Science & Society, v. XIV, n. 2, p. 134-157, 1950.

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teriormente, textos constitudos por abordagens de novos ngulos da mesma temtica, redundando na publicao do livro Do feudalismo ao capitalismo em 1977 pela editora da Monthly Review, nos Estados Unidos. Nela foram agregados, ainda, dois comentrios, um de Rodney Hilton e outro de Christopher Hill, ambos historiadores de padro internacional inconfundvel. Em seguida, dando seguimento aos seus empreendimentos prtico-tericos, associado intelectualmente a Hubermann funda a Monthly Review Press, brao editorial da revista que serviu como polo editorial de trabalhos crticos, rejeitados por outras editoras, como A histria secreta da Guerra da Coreia, de I. F Stone, pelo contedo carregado de denncias e esclarecimentos sobre a . poltica imperialista norte-americano naquela regio. Nesse perodo, em que est se iniciando globalmente a chamada guerra fria, os Estados Unidos passam a investir pesadamente no policiamento ostensivo e na censura ideolgico-intelectual, processo que ficou conhecido como macarthismo. Os editores da Monthly Review foram duramente interpelados e interrogados pelos comits de censura. Hubermann sofreu interrogatrios em 1953 e 1954, e Sweezy teve sua priso decretada, e embora essa no tenha se efetivado, ele foi mantido sob vigilncia do Estado, e seu processo s se extinguiu em 1957. Mesmo assim, Hubermann e Sweezy continuaram analisando e difundindo sua oposio Guerra da Coreia editando, em 1954, longo artigo sobre a guerra, destacando a subsuno dessa aos interesses poltico-econmicos do imperialismo norte-americano. Na dcada de 1960, passada essa fase mais repressiva, a Monthly Review Press amplia suas publicaes de autores crticos. No final da dcada de 1950, Sweezy estreitara relaes com Paul Baran, publicando e difundindo, em 1957, A economia poltica do desenvolvimento, obra de grande importncia para os analistas crticos da economia em geral e, particularmente, para reconhecimento da estrutura socioeconmica do capitalismo subdesenvolvido. A anlise contida nessa obra abriu uma porta para a compreenso do subdesenvolvimento como forma reflexa do capital monopolista, e, portanto, do capitalismo que veio se agigantando em todo o globo no ps-guerra. A aproximao desses autores foi muito fecunda, na medida em que fizeram convergir suas anlises do capitalismo monopolista para a do capitalismo subdesenvolvido, dando consistncia global economia que se desenvolve nos pases perifricos. Com Baran, Sweezy completa suas pesquisas e concepes sobre o carter do capitalismo do ps-guerra, identificando em suas leis imanentes o carter imperialista nele impresso. Aps a morte de Baran, ocorrida em 1964, publicada a segunda edio daquela obra, agora com a incluso de O capitalismo monopolista como um de seus captulos. Esse trabalho expandiu os interes-

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ses pelas anlises crticas de Sweezy, tendo servido de base para a formao de jovens interessados nos estudos sobre o capitalismo imperialista e os fundamentos crticos de seu autor. O final da dcada de 1960 vai descortinar empreendimentos novos e mais dinmicos tanto do ponto de vista editorial quanto da militncia poltico-terica de Sweezy. Em 1968 forma-se, nos ciclos de sua orientao, uma linha de pesquisa poltico-econmica, a Unio pela Economia Radical, composta pelos jovens estudiosos da tese de Sweezy. Ele havia mostrado que as condies favorveis para a expanso do capitalismo imperialista do ps-guerra haviam se concentrado nos Estados Unidos. Com a segunda revoluo industrial, automobilstica, aquele pas ganhara estmulos adicionais para sua expanso, por exemplo, nas empresas de vidro, ao e borracha. Contudo, o declnio desses estmulos adicionais conduzira os Estados Unidos a depender agora de uma ampliao do desperdcio, por exemplo, com os gastos militares, expanso do crdito, para estimular o aumento de produo e de venda. Sweezy traduzia essa conduta do governo norte-americano como forma direta de decadncia a que havia chegado nessa etapa de expanso do capital monopolista. Com a morte de Leo Hubermann, em 1968, Harry Magdoff assume ao lado de Sweezy a direo da revista e da editora; em 1970, Sweezy e Magdoff retomam as crticas sobre a expanso beligerante dos Estados Unidos, agora no Vietn; vale lembrar que suas crticas s guerras empreendidas pelo imperialismo norte-americano haviam sido iniciadas no final da dcada de 1950, com Hubermann, dando conta passo a passo daquela situao e suas consequncias. Nesse mesmo perodo, Harry Bravermann, autor de Trabalho e capital monopolista, aproxima-se da Monthly Review Press, demonstrando-se plenamente capacitado, poltica e teoricamente, para se tornar dirigente da editora. Bravermann vinha empreendendo, havia alguns anos, um amplo quadro de pesquisas sobre o mundo do trabalho, cuja publicao enriquece terica e politicamente a editora. Expande-se tambm o quadro de autores de esquerda, crticos, que sero publicados, tais como: Andr Gunder Frank, Che Guevara, Ernest Mandel, Louis Althusser, Eduardo Galeano, Aim Cesaire, Samir Amin, Charles Bettelheim e outros. Com essa nova etapa da Monthly Review Press, as discusses sobre a classe operria revolucionria, que haviam sido reduzidas a partir da dcada de 1960, so repostas. Contudo, Sweezy j vinha percebendo que as derrotas polticas dessa classe, a homogeneizao e degradao a que fora submetida nos processos de produo pela especializao e parcelamento do trabalho ao lado da pulverizao sindical, haviam reduzido acentuadamente sua conscincia, especialmente nos pases desenvolvidos. Dessa forma, o proletariado vinha se pautando por uma orientao menos

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revolucionria e mais reformista. Sua anlise o leva a assumir uma linha de ao poltica que, desde Lenin, nunca se mostrara frtil, seno como retaguarda revolucionria. O sculo XX, diz Sweezy, inverteu o polo revolucionrio, que agora se concentra no Terceiro Mundo, ou seja, um proletariado similar ao do perodo de Marx encontra-se disponvel nessa faixa territorial do globo, concluindo, com isso, que a revoluo teria de ser buscada na periferia.

2A tEoRIA MILItAntE SoBRE A AMRICA LAtInADesde o incio da dcada de 1960, mas especialmente com a associao intelectual a Paul Baran e o desenvolvimento analtico deste sobre o subdesenvolvimento, Sweezy aprofunda seus contatos com os intelectuais militantes da Amrica Latina; desde ento, a revoluo cubana exerce destacada importncia para Sweezy, que j a recebera com grande entusiasmo. Em 1960, com Baran, vai para Cuba, onde trava relaes com Fidel Castro no sentido de levar seu apoio poltico e disponibilizar seu meio de difuso para ampliar o alcance revolucionrio cubano. Nesse mesmo ano publica Cuba: anatomia da Revoluo e, bem mais tarde, em 1969, Socialismo em Cuba. importante assinalar as preocupaes de Sweezy com o subdesenvolvimento indicando que a Monthly Review Press publicara A economia poltica do desenvolvimento, de Paul Baran, obra que, como vimos, tem parte substancial de sua anlise centrada exatamente nos problemas econmicos dos pases subdesenvolvidos, buscando revelar a forma do capitalismo desses pases e as consequncias sociais da advindas. O entusiasmo de Sweezy com a revoluo em Cuba revela-se tambm no apoio a Salvador Allende no Chile, que desde finais da dcada de 1950 reflete uma postura poltica combativa ante as intervenes norte-americanas nesse pas, bem como expressa uma capacidade organizativa da vida social, que envolve amplos setores do trabalho na colaborao de uma gesto popular, pr-socialista e emancipatria para a vida chilena. Dez anos mais tarde (1970), Allende conquista efetivamente o poder, apoiado nos segmentos sociais por ele construdos no longo de quase vinte anos. Sweezy abre seu canal de difuso, sua revista e editora, para ampla difuso e defesa do governo de Allende. Contudo, a compreenso que ele tem das intervenes do governo norteamericano nos pases subdesenvolvidos o leva a insistir em que o governo chileno de Allende permanecesse armado, pois, alm de tudo, o Chile encontrava-se j cercado por pases capitalistas que pressionavam por sua derrota,

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especialmente os Estados Unidos. Depois do golpe que derrubou Allende, confirmando uma das alternativas que havia indicado em suas anlises, Sweezy publicou o livro Revoluo e contra-revoluo no Chile, por ele organizado. Os eventos chilenos reafirmaram, para Sweezy, a necessidade de se desenvolver, nos pases da periferia do capitalismo, a revoluo armada, com apoio integral de seu canal de difuso. A aposta de Sweezy e dos demais responsveis pela Monthly Review nas possibilidades revolucionrias latino-americanas foi intensa. Vale citar uma observao de Hubermann e Sweezy (1964, p. 7) sobre esse continente para termos uma noo dessa aposta:Em termos histricos, a Amrica Latina est nos espasmos de um dos grandes movimentos revolucionrios dos tempos modernos. tal movimento iniciou-se h cinqenta anos, no Mxico, e sua mais recente manifestao ocorreu em Cuba. Muito antes de se passar outro meio sculo, ele ter abalado e transformado toda a regio.

Obviamente, suas esperanas no lograram xito, pois no se formou aqui o potencial necessrio para a transio revolucionria para o socialismo. Os contatos diretos de Sweezy com os setores revolucionrios dos distintos pases latino-americanos, e em especial com Cuba, se fizeram ora por meio de conferncias por ele proferidas, ora por entrevistas colhidas para a Monthly Review e outras publicaes. De qualquer forma, a revista manteve plena abertura s publicaes sobre a Amrica Latina daquele perodo. Em artigo elaborado em 1963, com Leo Hubermann (HUBERMANN; SWEEZY, 1964), colocando em revista vrios pases latino-americanos, tanto do ponto de vista econmico quanto poltico, a fim de destacar o sentido revolucionrio daquele momento, discute o carter de uma possvel revoluo no continente (pas a pas), se de perspectiva burguesa ou socialista, indicando que as primeiras tiveram seu ciclo histrico mximo estendido para o perodo das guerras mundiais. Alm disso, a revoluo burguesa s pode se dar onde a burguesia ainda no dominante, e esse no o caso da Amrica Latina. Alm disso, diz ele, nenhuma reforma de tipo burgus-capitalista, embora os pases sejam diferentes entre si, apresenta-se com potencial para solucionar as demandas que o drama humano reclama em todo o continente. Em suas anlises sobre a questo agrria nesse continente, procura demonstrar que a reforma agrria est fora do horizonte das classes dominantes, j que a composio de classe nesse setor, o mais tradicional do continente, funde os proprietrios de capital e os proprietrios de terra, resultando num cumpliciamento de interesses que baniu qualquer possibilidade de alterao

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ou reforma da estrutura agrria. Essa agudeza de viso se contrapunha frontalmente a diversos setores da esquerda latino-americana do perodo, como o PCB, que no caso brasileiro manteve como pauta poltico-revolucionria revoluo burguesa nuclearizada numa ampla reforma agrria. Sweezy reconheceu as posturas revolucionrias, dentro da Amrica Latina, por seu grande porte humanista como o de Fidel Castro, Che Guevara, Allende e outros, e destacou o papel histrico de Lzaro Crdenas Del Rio que, embora, restrito aos limites da revoluo burguesa, avanou na radicalidade das transformaes sociais e humansticas, participando ativamente de todo o percurso revolucionrio mexicano desde 1913, e como militar, revolucionrio e nacionalista completou projetos de reforma radical no setor agrrio, oriundos da propositura poltica de Zapata. Sweezy entrevistou Crdenas no incio da dcada de 1960 e dedicou-lhe um artigo de ttulo Um grande americano (SWEEZY, 1964, p. 40-48), para retratar as impresses que dele recolhera e destacar seu papel na histria mexicana e, consequentemente, latino-americana. A partir de fins da dcada de 1960 e incios de 1970, contudo, os golpes militares e as ditaduras, por meio de sua opresso e represso sobre a massa trabalhadora, sobre seus sindicatos, associaes a partidos, tiram da cena histrica as possibilidades de organizao e acumulao de foras revolucionrias na Amrica Latina; isso fez que a presena de Sweezy se reduzisse sensivelmente nos meios polticos ativos e revolucionrios.

3A PoSItIVA oBStInAo CRtICo-MARXIStAA face terica de Sweezy primou por manter a cincia crtico-econmicopoltica de Marx como estrutura basilar de toda sua anlise de realidade. Desenvolveu mltiplas anlises da realidade poltico econmico do ps-guerra, abordando os temas que lhe foram sendo colocados, como economia marxista do imperialismo, anlises econmico-conjunturais dos movimentos polticos revolucionrios etc. Contudo, nem toda a sua produo terica foi acolhida pelos marxistas internacionais sem alguma crtica. O ncleo para o qual se dirige a maior parte das ponderaes e dos reparos diz respeito s interpretaes que ele faz de algumas categorias desenvolvidas pelo prprio Marx. Destaque-se que seu esforo analtico vai na direo de compreender o dinamismo do capital, em sua expresso mais universal, no padro empreendido pelo prprio Marx, tendo como fundo de orientao abstraes razoveis sem as quais tal abordagem no poderia ter nenhum efeito concreto. Por essa razo

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que as crticas que lhe foram dirigidas vieram de intelectuais marxistas de padro inconfundvel como Rosdolsky e Mandel. Em sua formao inicial em Harvard, Sweezy incorporara as concepes utilitaristas da economia poltica; contudo, sua passagem pela London School descortinou-lhe as teorizaes crtico-marxista sobre a economia poltica, mediante suas leituras de Leon Trotsky, de V. I. Lenin, Rosa Luxemburg e outros. Na Europa, ele assimilara concepes como o duplo carter do trabalho, sua bifurcao em qualitativo e quantitativo, a mais-valia; enfim, uma nova teoria do valor, pois fundada na atividade humana do trabalho. Essas concepes apresentaram-se-lhe como descoberta fundamental do brilhante pensador alemo (Marx) ao mesmo tempo que ele compreende ser esse o caminho e a concepo que permitiu a Marx explicar o capital, sua expanso, sua acumulao e crise. Seu esforo de pesquisador revolucionrio o leva a avanar para a problemtica que envolve a transformao dos valores em preos (que, tendo incio com David Ricardo, encontra sua mais adequada soluo em Marx), alm de outros temas que ele no mais ir abandonar. Contudo, seu ponto de partida encontra-se registrado naqueles autores marxistas, clssicos da fase prticorevolucionria que so tambm os que fornecem mais elementos para compreenso do estgio monoplico do capital e abrangem, com isso, as polmicas sobre a realizao do valor, questo evidenciada por esses autores do perodo imperialista. Dessa maneira, sua trajetria intelectual e poltica revela-se mais intensa na assimilao das teses oriundas dos prticos, como Rosa Luxemburg, Lenin e outros. Tambm nesse perodo, despertam-se nele preocupaes filosfico-metodolgicas sobre a produo terica marxista, e ele busca resoluo na produo tida como de ponta sobre o tema, Histria e conscincia de classe, de Lukcs, num perodo em que este no havia ainda apreendido os fundamentos ontolgicos do pensamento marxiano. Sweezy assimila, com isso, noes que mais tarde foram submetidas crtica pelo prprio autor (Lukcs escreve um posfcio em 1967 a essa obra, no qual aponta os limites terico-ideolgicos em que ele se encontrava na fase de sua redao). Dessa maneira, manteve em sua concepo a noo de que, em Marx, a exemplo da postura filosfica hegeliana, o mtodo se pe como uma exigncia instrumental e prvia anlise da realidade objetiva. (Observe-se de passagem que o procedimento analtico de Marx define-se por exigncia daquilo que se pe sob anlise, o que demandou intenso esforo em demonstrar constantemente seu pleno respeito imanncia e objetividade realidade sob anlise. No sem razo que em sua produo terica no se encontra nenhum tratado gnosioepist-

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mico ou propositura metodolgica descolada da objetividade real (CHASIN, 1995, p. 506-507).) Outra temtica que ocupar o pensamento de Sweezy ser expressa em sua obra conjunta com Paul Baran, Capitalismo monopolista. Trata-se da noo de que, nessa etapa de desenvolvimento do capitalismo, a estagnao econmica se torna sua caracterstica fundamental, de sorte que o que tem de ser explicado : o que ter levado o capitalismo a se expandir e a ter impulsos de crescimento, numa ambientao histrica de crise estagnacionista? Essa tese remete ao problema da lei tendencial da queda da taxa de lucro, que, conforme ele, s poderia ser barrada ocasionalmente, e que agora, aps a Segunda Guerra Mundial, parece ter-se invertido, substituindo-a por uma tendncia inusitada lei tendencial da elevao da mais-valia. Diante dessa inverso, o atual perodo do capitalismo monopolista, em vez da promoo tendencial de queda nos preos pela concorrncia no mercado, estaria promovendo um recuo na produo, do qual gerava uma capacidade ociosa que tendia a se tornar crnica. Ao mesmo tempo, os preos estariam sofrendo uma elevao, expandindo, por sua vez, as taxas de lucro. (Tal no se verificava realmente.) Embora o autor no tenha captado a determinao da crise de final dos anos 1950 e incio dos 1960, insistir em que o capitalismo se apresentava em crise fornecia, no mnimo, sustentao sua perspectiva revolucionria. Ao contrrio, porm, do pensamento social-democrata do entreguerras, Sweezy mostra que a concentrao do capital, na fase imperialista, no o converte num capitalismo organizado, mas, sim, aprofunda a anarquia na produo, a desproporo entre os departamentos produtivos, tendo o Estado que assumir novas funes, tais como intervir diretamente na substituio das leis de oferta e procura. Sweezy percebe que, embora tenham proliferado falncias e outros eventos semelhantes na fase de livre concorrncia, com o imperialismo as consequncias de tais fenmenos revelam maior gravidade para todo o tecido socioeconmico, obrigando o Estado, em plena cumplicidade com os grandes grupos, a assumir os seus prejuzos. Sweezy toma como referncia, para compreenso e desdobramento crtico do capitalismo imperialista, as teorizaes leninistas, por consider-las a fonte mais confivel sobre essa temtica. Reproduzindo algumas das principais caractersticas do capitalismo monopolistas, do imperialismo, desveladas pelo revolucionrio russo, como a necessidade intrnseca desse novo padro de acumulao de expandir planetariamente seus mercados, mas sob a proteo dos Estados imperialistas, o autor denunciar a emerso do protecionismo internacional e de sua inaudita intensidade. Alm disso, a expanso do domnio das fontes energticas e de matrias-primas tem sua necessidade potencia-

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lizada para garantia do novo dinamismo industrial. Da mesma forma, o Estado aprofunda sua imbricao no capital de tal forma que a expanso do complexo militar ganha posio de destaque no alavancamento da acumulao do capital monopolista. Apenas como ilustrao, vale lembrar que sua leitura e assimilao das teorias desenvolvidas pelos prticos, desde Lenin, Rosa e outros, fora um marco em sua produo terico-ideolgica, e se, do ponto de vista terico, nem sempre tenha convergido concretamente para Marx, em momento algum ele sups, como Kautsky e a social-democracia em geral, que se pudesse alcanar o socialismo sem revoluo, sem a ditadura revolucionria dos trabalhadores. A anlise de Sweezy sobre o Estado pressupe-no como instrumento de acumulao do capital monopolista em face do que trata por depresso crnica do capitalismo na fase imperialista. A seu ver, essa depresso decorreria do subconsumo capitalista interpretao dominante num segmento da social-democracia alem, no perodo do entreguerras, defendida, entre outros, por Otto Bauer e Leon Sartre. Nessa linha concepcional, Sweezy supe possvel minimizar o alcance das crises com base na expanso da base salarial que dinamiza o consumo. Apesar das defasagens em relao s teorias econmicas de Marx, como o caso da teoria do subconsumo, deve ser registrado o esforo terico de Sweezy em repor, insistentemente, o pensamento de Marx num perodo, como o do ps-guerra, e tentar dar conta, criticamente, a despeito de algumas insuficincias, da produo terica antimarxista que irrompia naquele momento. Na segunda metade dos anos 1960, nova fase de expanso do imperialismo, Sweezy estar identificando outra nova contradio do sistema capitalista monopolista, que o problema da realizao da mais-valia, e ao seu lado, a impossibilidade de ocupao produtiva da capacidade instalada nos pases desenvolvidos. Novamente, Sweezy coloca a questo do Estado como instrumento para dar sequncia acumulao de capital, fundamentando-se na tese de que o monoplio imperialista aprofunda a anarquia da produo, pois agora se verifica tambm uma grande produo de bens suprfluos e aumento do desemprego; com isso, a vida social sofre nova onda de degradao. Portanto, nem a presena ativa do Estado pode alterar o curso da crise capitalista, visto sua realizao s poder se dar por meio de contradies, superveis apenas por sua prpria eliminao e instalao de uma nova sociedade. Vale ressaltar que a inflexibilidade de Sweezy na direo das anlises crtico-marxistas expressa uma atividade intelectual de relevante importncia na difuso de categorias terico-revolucionrias do pensamento marxista nos ltimos cinquenta anos

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do sculo XX, perodo histrico complexo e com marcante presena manipulatria no quadro intelectual voltado para o descarte da revoluo3. No se podem negar, ao contrrio, as vrias crticas sofridas em sua produo terica, especialmente por desvios notados em suas formulaes, dada sua orientao fortemente calcada nos terico-prticos e menos nas formulaes originrias marxianas, sem que, com isso, se reduzissem a importncia e o significado de sua postura de editorialista e difusor marxista e de dedicao integral de sua vida s tarefas terico-revolucionrias. Assim, em O capitalismo tardio, Mandel abre uma linha crtica ao trabalho conjunto de Baran e Sweezy, afirmando no terem percebido os limites que se impunham aos lucros do capital monopolista dada a quantidade finita de mais-valia social. Tal descuido tem origem na conciliao que cometem entre a teoria do valor-trabalho e a teoria neoclssica de Keynes sobre a demanda total, afirma Mandel. No compatvel a tendncia do excedente a elevar-se oriunda de Keynes e a queda tendencial da taxa mdia de lucro; no cabe a uma tendncia de aumento da quantidade de mais-valia. Mandel observa que em Sweezy h uma contradio muito pronunciada entre determinados artigos da Monthly Review e o artigo escrito em conjunto com Baran, Monopoly capital, para a mesma revista. Enquanto nos primeiros o fenmeno da queda dos lucros em geral leva derrubada dos lucros monoplicos, em Monopoly capital ele se aferra tese de autonomia financeira monoplica e, consequentemente, contraditria autossustentao das taxas monoplicas de lucro, obliterando, em vez de esclarecer, uma das teses centrais de O capital de Marx, que afirma a interdependncia do capital financeiro e produtivo. Outro aspecto que move Mandel a expor crtica as teorizaes de Sweezy reside na relao contraditria entre valor de uso e valor de troca que se explicita no artigo em questo. Observe-se que Roman Rosdolsky j havia dirigido uma crtica a essa mesma construo terica destacada por Mandel. Este ltimo afirmara que, em sua obra de difuso da teoria econmica marxista, Teoria do desenvolvimento capitalista, Sweezy revela, no mnimo, uma incompreenso da teoria econmica marxista quando afirma que Marx exclui o valor de uso (ou, como agora seria chamada, a utilidade) da esfera de investigao da3 Sujeito a presses e obstculos de ordem poltico-ideolgica, Sweezy manteve-se inflexvel na sustentao da Monthly Review, acompanhando o desenvolvimento do imperialismo mundial e em particular dos Estados Unidos; seu percurso ideolgico pr-socialista manteve visibilidade em toda sua produo terico-crtica sobre o imperialismo. Seu primeiro grande produto intelectual voltado difuso do marxismo, tendncia terica qual se filiou antes da Segunda Guerra Mundial, Teoria do desenvolvimento capitalista. Posteriormente, com Paul Baran, publicou artigo que alcanou um amplo arco internacional de reconhecimento de seu valor intelectual: Monopoly capital, publicado inicialmente na Monthly Review e posteriormente ampliado e includo na obra principal de Baran (1985): Economia poltica do desenvolvimento.

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economia poltica, pois o valor de uso no expressa diretamente uma relao social (ROSDOLSKI, 2001, p. 76-77). Para Marx, ao contrrio, afirma Rosdolsky, mesmo nas formulaes mais abstratas do valor, este no representa nunca a si prprio, e sim algo til, indicando, entre outros trabalhos de Marx, as Glosas marginais ao Tratado de economia poltica de Adolf Wagner na sustentao de seu argumento. Em sua anlise crtica, ento, Mandel (1983, p. 377) reafirma ser o valor de uso fenmeno inseparvel da realizao do capital mesmo na fase monoplica desse, mostrando que a transferncia sistemtica de mais-valia do setor no monopolizado para o setor monopolizado no pode continuar por muito tempo sem causar grandes distrbios; ou seja, aquela caracterstica j demonstrada por Lenin na realizao do capital imperialista de fugir da clssica concorrncia de preo, embora com existncia garantida dentro do percurso monoplico do capital, pe-se diante de fortssimas limitaes, j que depende da transferncia concomitante do consumo de produtos (valores de uso) oriundos de processos no monopolistas para processos monopolistas, o que no pode ocorrer sem contradies novas. Nas palavras de Mandel (1983, p. 377), Os preos de mercado dessas mercadorias subiro, no de forma absoluta, mas relativamente aos bens produzidos pelos monoplios, e assim haver um declnio peridico na transferncia de mais-valia, isso no caso de o setor monopolista no reestruturar sua produo para incluir os setores no monopolistas. Se, no entanto, houver reestruturao, haver reduo dos superlucros e consequente queda da taxa mdia de lucro. Por um ou por outro, essa lei tendencial queda das taxas do lucro permanece sendo inevitvel, especialmente quando se consideram no apenas os fenmenos oriundos do valor, mas as alteraes nas composies orgnicas e tcnicas do capital e, portanto, os fenmenos da ordem dos valores de uso. Nas anlises de Rosdolsky, Sweezy sofre ainda crticas pontuais, dadas as incompreenses que revela sobre teoria do valor de Marx. As anlises empreendidas por Rosdolsky, aquelas feitas sobre a obra de Sweezy, do-se por meio de suas leituras cuidadosas, da ampla maioria dos principais difusores do marxismo, revelando uma profunda preocupao de que tal difuso, das teorias de O capital, no corresponda ao seu fundamento cientfico correto. Rosdolsky indica a proximidade Sweezy e de Joan Robinson na sua crtica lei tendencial da queda da taxa de lucro, qual seja, a de que Marx teria formalizado nessa teoria uma taxa constante de mais-valia para conseguir validar sua premissa da queda tendencial da taxa de lucro; essa posio ante as teses de Marx estava presente j em Ladislaus von Bortkiewicz, em artigo de 1907, conforme cita Rosdolsky (2001, p. 5). Ele rebate essa posio explicando que,

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em Marx, no se trata de formalidade, mas, sim, de reflexo objetivo da complexidade real, afirmando que se permanece constante a taxa de mais-valia, ou o grau de explorao do trabalho por parte do capital, este paulatino acrscimo do capital constante em relao ao varivel resulta necessariamente em uma gradual queda da taxa geral de lucro (ROLDOSLKY, 2001, p. 334). E, mais adiante, Rosdolsky (2001, p. 335) cita Marx para mostrar o quanto estava ele atento a esse problema: A lei da taxa decrescente de lucro, na qual se expressa a mesma taxa ou at mesmo uma taxa crescente de mais-valia, permanece vlida, pois[...] uma parte alquota cada vez menor de capital global desembolsado se transforma em trabalho vivo. Por isso, esse capital global absorve cada vez menos mais trabalho como proporo de sua magnitude, mesmo que cresa a proporo entre a parte no paga e a parte paga do trabalho empregado.

O que torna evidente que Marx no tratou de maneira meramente formal, ou mesmo com pouco rigor matemtico, como Bortkiewicz alegou, mas tratou a questo com fundamento concepcional revelado na intimidade das relaes entre capital e trabalho. E num adequado arremate, Rosdolsky (2001, p. 335) o cita mais uma vez:A taxa de lucro no diminui porque o trabalho se torna menos produtivo, mas sim porque se torna mais produtivo. tanto o aumento da taxa de mais-valia como a queda da taxa de lucro so formas particulares que expressam, no modo capitalista de produo, a crescente produtividade do trabalho.

De forma que as indicaes de Rosdolsky so preciosas na luta cientfica para restaurao do pensamento de Marx, ainda que para tanto tenha sido necessrio submeter anlise crtica um conjunto de posies no afinadas, em alguns pontos, com a concretude de O capital, dentre elas as de Robinson, Bortkiewicz e Sweezy. Rosdolsky luta pela impugnao de que alguns equvocos possam expandir e ocupar o lugar das corretas formulaes de Marx. De qualquer forma, o que pretendemos aqui , acima de tudo, destacar o pensamento de Sweezy e sua positiva obstinao na defesa do marxismo, bem como a singular resistncia no longo tempo de durao, e a localizao sui generis da Monthly Review, em Nova York, publicao que atraiu e atrai colaboradores de todo o mundo, tanto do mundo desenvolvido quanto do subde-

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senvolvido, todos, de uma ou outra forma, participando e colaborando no mbito terico, acentuadamente plural, do marxismo. Sweezy construiu um patrimnio difusor crtico-marxista no interior dos Estados Unidos, vale dizer, enfrentando uma das mais fortes e contundentes adversidades: o parque industrial de (des)informao daquela populao; populao fortemente manipulada por interesses cada vez mais reacionrios, garantidos no seio de grande parcela dessa, por efeito dessa mesma manipulao. Objetivamente foi aps a Segunda Guerra Mundial que os Estados Unidos conquistaram uma posio de inconfundvel hegemonia internacional no plano dos pases capitalistas, avanando e consolidando seu carter imperialista; tambm o perodo de idealizao e efetivao do ousado projeto editorial anti-imperialista: a Monthly Review. A partir da dcada de 1960, intervenes militares norte-americanas como no Vietn, a propsito de uma guerra limitada, expresso branda difundida pelo Pentgono para tranquilizar seu povo, como observou Sweezy revelaram atitudes sanguinrias de assassinato, tortura e destruio da populao civil, homens, mulheres e crianas, todos inocentes, esmagados sob as aes blicas dos Estados Unidos. A Monthly Review ser nesse momento, para Sweezy, o necessrio ponto de apoio e difuso de sua radical oposio a essa aventura militar do imperialismo norte-americano. O carter reacionrio do poder norteamericano revelado quando as investidas contra o Vietn, sua continuidade, so decididas no Pentgono, com direta participao do Conselho de Segurana Nacional, da CIA, do FBI e de outras agncias invisveis do governo, numa total inverso dos processos democrticos internos to alardeados. A dominao dos meios de comunicao a partir desse perodo, pelo aparelhamento ideolgico das agncias oficiais e invisveis, at o financiamento de departamentos ideolgicos dentro das universidades, tendo como estratagema a defesa da democracia, dificulta, nesse momento, populao compreender os objetivos imperialistas das aes militares e polticas dentro e fora de suas fronteiras. O procedimento de Sweezy nesses anos de recrudescimento ideolgico dos setores pr-imperialista, at seu arrefecimento, com as crises que se iniciam, nacional e internacionalmente, na primeira metade da dcada de 1970, no foi outro seno o de pr em evidncia a estratgica postura do imperialismo norte-americano, permanecendo e resistindo, com a Monthly Review, dentro dos Estados Unidos. As crises que despontam na dcada de 1970 nos Estados Unidos e na Europa ocuparo as anlises crticas de Sweezy e Magdoff. O pano de fundo de suas preocupaes continuou sendo a estagnao estrutural do capitalismo

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monopolista (tese criticada por amplos setores do marxismo). Repem o argumento de que a acumulao elevada e acelerada da dcada de 1960, aps a Segunda Guerra Mundial, seria a exceo, pois a regra continuaria sendo a legalidade da estagnao por ele identificada. Por sua vez, as contradies que vo se avolumando lhes permitem compreender a reduo abrupta das teorias keynesianas e a retomada liberal, que comea a ser sinalizada. Ainda nos anos 1970, as sociedades ps-revolucionrias, o socialismo real, ocuparam tambm a ateno de Sweezy, pois estas vinham apresentando sinal de esgotamento econmico. Em Sobre a transio para o socialismo, escrito em conjunto com Charles Bettelheim em 1971, Sweezy trava uma dura luta contra as teses que propunham solucionar os problemas daqueles pases reorganizando-os sob a forma de socialismo de mercado. Segundo Sweezy e Bettelheim, o problema continuava girando em torno do stalinismo e da burocracia, que determinavam os passos de planejamento centralizado. De acordo com os autores, esse padro de controle no resultou positivamente em dinamismo econmico e impediu o controle pelos trabalhadores, que, a essa altura de sua histria, estavam submetidos a um processo fetichista, bloqueador da conscincia revolucionria. Sweezy, aps debates com Bettelheim, entende que haveria dois caminhos possveis na dinamizao dessas sociabilidades ps-revolucionrias, afastando-se, obviamente, a incluso da lei de mercado: 1. enfraquecer a burocracia e politizar as massas, ampliando as responsabilidades e iniciativas dos trabalhadores; e 2. retroceder a um padro de organizao como o que fora proposto pela NEP de Lenin e depois buscar um avano mais eficiente que o atual. Sweezy observara a necessidade de tomar qualquer um desses caminhos quando a economia, por estar administrada burocraticamente, entrasse em dificuldade, tal qual se apresentava naquele momento. De qualquer forma, tomar o segundo caminho seria retroceder ao capitalismo e, portanto, recrudescer o fetichismo. Em Socialismo ps-revolucionrio, escrito uma dcada depois (1980), insiste na crtica aos obstculos deixados pelo stalinismo e avana sua anlise enfatizando a positividade da Revoluo de Outubro, indicando que a ruptura do processo revolucionrio fora devida ao stalinismo, pois da que reemerge um sistema de classes sociais que empurra a Unio Sovitica a uma crise sem soluo. Mais tarde, com a emerso de Gorbatchov, Sweezy vai dizer que a Perestroika pe um ponto final no stalinismo, mas ao preo de uma estagnao da qual a Unio Sovitica no mais sairia.

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Aqui so necessrias algumas observaes em relao abordagem desses autores e, por consequncia, sua proposta. Em primeiro lugar, de suma importncia sua oposio proposta de soluo que se esboava na direo de um socialismo de mercado, na medida em que essa formulao carrega em si a objetiva desqualificao dos termos que a compem, pois socialismo exclui, em essncia, o carter mercantil de sua organizao, e o mercado exclui os fundamentos coletivos e sociais da propriedade coletiva, j que os processos de troca s fazem reproduzir a propriedade privada. As anlises de Sweezy e Bettelheim esbarram, contudo, num limite: restringem-se ao ponto de vista da poltica, como superao da degenerao burocrtica, deixando sem crtica a ordem do capital estagnado que ali se ps, bem como a ordem da propriedade, coletiva e no social4, ali estabelecida, e por fim, o fato de que a revoluo ali permaneceu nos limites da poltica, no avanando, por seus limites histricos, para a revoluo social. Mas, a despeito de algumas incompreenses sobre a complexidade que se impe s tendncias e possibilidades revolucionrias daqueles pases, Sweezy apresentou-se sempre de maneira criticamente ativa e disposta a pr em movimento o que entendeu por contradio e desumanismo por parte do capital imperialista. Sua positiva ambio revolucionria e sua perspectiva de avano humano o fizeram proceder com rigor em suas posies ideolgicas, nas reas em que interveio. Vale lembrar, por exemplo, seu interesse pelas questes ecolgicas; parte em defesa das fontes naturais, apoiando sempre seu aproveitamento pela utilidade cientfica e humanstica, negando o aproveitamento meramente comercial. Critica severamente a expanso do parque industrial automobilstico e todo o conjunto de empreendimentos energticos (petrleo), urbanizao forada etc., e por fim a irreversvel poluio que se produzira. Toma em seu apoio as posies de Marx sobre ecologia e prope no uma lenta desacelerao dos destratos com o meio ambiente, mas uma superao eficiente e drstica do capitalismo. Sweezy abordou no final da dcada de 1980 a questo da globalizao, mostrando que esse processo vinha se desenvolvendo havia quase dois sculos, mas sob a orientao do capital. Dessa forma, trata-se de fenmeno histrico e incontornvel cuja verdadeira positividade s poderia efetivar-se para alm do controle social pelo capital, isto , somente uma ordem social regida pelo homem e no pelo capital conferiria globalizao o significado que deveria historicamente realizar. Em artigo escrito em conjunto com Magdoff, A Pax americana, apresenta um breve histrico das intervenes norte-americanas4 Ver, a esse respeito, Chasin (1983).

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(terminando com a interveno no Iraque em 1991) e prope uma ao da populao americana no embargo dessas empreitadas de interveno norteamericana, uma vez que o seu prprio Estado que as tem executado. Revelou-se, at o final, satisfeito por ter conseguido manter a Monthly Review politicamente autnoma, tanto em termos partidrio quanto em acadmicos, de ter sido capaz de formar um centro de pesquisa crtico-marxista que se propagou mundialmente, e se disse afortunado por ter compreendido dentro do pensamento marxista o significado e o alcance da mais-valia, pois isso possibilitou, indubitavelmente, ao seu empreendimento editorial (prtico e terico) tratar objetiva e criticamente o capital. Paul Sweezy morreu em Larchmont, Nova York, em 27 de fevereiro de 2004. Sua vida um marco de elevado humanismo revolucionrio para todos ns.

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