Sobre Pozzobon

2
Horizontes Antropológicos , Porto Alegre, ano 8, n. 18, p. 311-312, dezembro de 2002 POZZOBON, Jorge. Vocês, brancos, não têm alma : histórias de fronteira. Belém, EDUFPA: MPEG, 2002. Jane Felipe Beltrão Universidade Federal do Pará – Brasil Nós brancos decerto não temos alma, mas alguém entre nós sabe como conseguir alma. O Jorge/Yossi é um guerreiro, de água boa e doce, que sai em busca de alma e encontra! Ao encontrar, ressurge na pele de contador de histórias, desses que encantam em pleno luar de agosto. Suas histórias são desalmadamente irônicas, contadas de forma pouco habitual, meio he- rética, coisa que os aprendizes de feiticeiro, chamados na academia de antropólogos, só contam na hora do cafezinho, em congressos, quando cansados de nos fazer compreender as abordagens teóricas mais recentes, relaxam e relembram as histórias chamadas anedotas. Histórias que estão ausentes da literatura antropológica, mas que precisam ser registradas. Transformado em Maku , Jorge/Yossi aponta a nossa estupidez de amocambados na doutrina dos brutos, justo nós que nos pensamos civiliza- dos! Nós que rezamos à Virgem Nhé-Nhé tentando ultrapassar fronteiras, mas, sem diárias, caímos em tentação e aplicamos a teoria da punição sobre o primeiro passante. Histórias contadas a partir de roteiros de filmes, pá- ginas de caderno de campo, aventuras pela mata ou no chavascal que, por linhas tortas, ajudará muitos estudantes a desmistificar a pesquisa e compre- ender os imponderáveis da vida real, conferindo os lados patéticos, cômi- cos e trágicos do métier do antropólogo. Formas enviesadas de narrativa antropológica que transformam a obra em uma deliciosa leitura, ensinando sem didatismos e encantando incrédulos. Leitor amigo, não pense que esse é um livro para iniciados. Os iniciados foram transformados em protagonis- tas e, teremos, todos, oportunidade de rir das situações quixotescas em que antropólogos, índios, indigenistas, polícia federal e tantos outros personagens se enredam no dia-a-dia. Leia no bar, no barco, na escola, no metrô, para crianças, para experientes, todos vão aprender um pouco do que, como diz a canção, não se aprende na escola. Assim, quem sabe? Menos domes- ticados e pouco colonizados poderemos revelar nossa faces: Maku, Tucano, Ticuna, Aikewára, Parkatêjê, Xikrin, Kayapó e tantas outras e, em lugar de inscrever os exóticos nomes das nações indígenas nas placas das ruas

description

etnologia - maku

Transcript of Sobre Pozzobon

  • Horizontes Antropolgicos, Porto Alegre, ano 8, n. 18, p. 311-312, dezembro de 2002

    ! "##"

    Jane Felipe BeltroUniversidade Federal do Par Brasil

    Ns brancos decerto no temos alma, mas algum entre ns sabe comoconseguir alma. O Jorge/Yossi um guerreiro, de gua boa e doce, que saiem busca de alma e encontra! Ao encontrar, ressurge na pele de contadorde histrias, desses que encantam em pleno luar de agosto. Suas histriasso desalmadamente irnicas, contadas de forma pouco habitual, meio he-rtica, coisa que os aprendizes de feiticeiro, chamados na academia deantroplogos, s contam na hora do cafezinho, em congressos, quandocansados de nos fazer compreender as abordagens tericas mais recentes,relaxam e relembram as histrias chamadas anedotas. Histrias que estoausentes da literatura antropolgica, mas que precisam ser registradas.Transformado em Maku, Jorge/Yossi aponta a nossa estupidez deamocambados na doutrina dos brutos, justo ns que nos pensamos civiliza-dos! Ns que rezamos Virgem Nh-Nh tentando ultrapassar fronteiras,mas, sem dirias, camos em tentao e aplicamos a teoria da punio sobreo primeiro passante. Histrias contadas a partir de roteiros de filmes, p-ginas de caderno de campo, aventuras pela mata ou no chavascal que, porlinhas tortas, ajudar muitos estudantes a desmistificar a pesquisa e compre-ender os imponderveis da vida real, conferindo os lados patticos, cmi-cos e trgicos do mtier do antroplogo. Formas enviesadas de narrativaantropolgica que transformam a obra em uma deliciosa leitura, ensinandosem didatismos e encantando incrdulos. Leitor amigo, no pense que esse um livro para iniciados. Os iniciados foram transformados em protagonis-tas e, teremos, todos, oportunidade de rir das situaes quixotescas em queantroplogos, ndios, indigenistas, polcia federal e tantos outros personagensse enredam no dia-a-dia. Leia no bar, no barco, na escola, no metr, paracrianas, para experientes, todos vo aprender um pouco do que, como diza cano, no se aprende na escola. Assim, quem sabe? Menos domes-ticados e pouco colonizados poderemos revelar nossa faces: Maku, Tucano,Ticuna, Aikewra, Parkatj, Xikrin, Kayap e tantas outras e, em lugarde inscrever os exticos nomes das naes indgenas nas placas das ruas

  • 312 Srgio F. Ferretti

    Horizontes Antropolgicos, Porto Alegre, ano 8, n. 18, p. 311-312, dezembro de 2002

    Jane Felipe Beltro

    de nossas cidades, sejamos polidos diplomatas como Nyaam Hi,Krohokrenhum e Mair que pelejam no meio dos brancos para construiruma sociedade justa e plural na Amaznia. Junte as contas do quebra-cabea, ultrapasse a fronteira, mas use como pedra de responsa: carinho,afeto, ternura, compreenso e infinito amor. Aquebrantando a soberba, vocencontra a alma, vira gente, transforma-se em cidado. Mos obra, otempo se esvai, leia Jorge/Yossi! Sonhar e cavalgar em sua companhia preciso! Como indica Beto Ricardo no prefcio.

    A publicao foi preparada com esmero, do projeto grfico, feito apartir do Instituto Socioambiental, edio, chancelada pela UniversidadeFederal do Par e pelo Museu Paraense Emlo Goeldi, iniciando uma par-ceria editorial tecida por Jorge que veio de longe, de Livramento no RioGrande do Sul para unir, uma vez mais, instituies que formam antroplogosna Amaznia, como, anteriormente, fizeram Napoleo Figueiredo e EduardoGalvo.

    Jorge deve estar navegando, nas guas do rio da aquarela de RubensMatuck, sorrindo das lembranas que deixou em ns.