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    F. A. ArAujo

    1 Edio - 2012

    CApA E ilustrAEs: rodolFo lACErdA

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    d E d i C A t r i A

    A q e b c a m m a v a g e n n a m e n e c a .

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    Lucas andava de um lado para outro, ansioso pela chegada do pai. Oapartamento de quarenta e nove metros quadrados no o impediade fazer uma pequena maratona enquanto refletia. Sua mesadaestava atrasada, e as notcias que sua me daria durante o jantar

    fariam com que o garoto ficasse sem ver a cor do dinheiro por mais tempo.

    Em uma atitude que j tinha virado rotina, Jaime Bezerra, homemsrio e trabalhador, abriu a porta e colocou a mala preta sobre aescrivaninha ocre, marcada pela gua formada por copos de usque.

    Esta noite no quero falar de trabalho, nem de dinheiro Jaimedespejou, desarmando os ombros tensos. Quero relaxar, porque amanhser uma dureza aguentar o chefe.

    Quando era menor, Lucas adorava aquela mala preta, mas, com otempo, comeou a perceber que ela estava cada vez mais pesada, virandoum fardo para seu velho.

    No forno micro-ondas, uma torta de batatas recheada com carnemoda, ovo cozido e azeitonas verdes em pedaos estava quase prontapara o jantar.

    J sentados mesa, segundos antes do apito da mquina, asdesavenas j haviam comeado.

    Precisamos arrumar o vazamento do banheiro e pintar esse

    i

    A CAsAdos BezerrA

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    apartamento! disparou a esposa, acrescentando em seguida. Tambmrecebemos um aviso de que a taxa do condomnio aumentar no prximo

    ms.

    Sem dar tempo para resposta, esboando um largo sorriso, amulher finalizou, com a ingnua sensao de que alegraria o marido.

    Finalmente uma notcia agradvel! Seremos padrinhos decasamento da Ceclia com o Luiz.

    Apertando os talheres entre os dedos, o marido desabafou irritado.

    Voc s sabe falar em gastos? Meu salrio um s, e muito

    limitado! Pai, quanto voc ganha? intrometeu-se Lucas, com os olhos

    fixos em Jaime.

    Quase instantaneamente, o garoto recebeu um tapa no rosto, queparecia ter vindo do outro lado do mundo.

    Voc no ouviu seu pai dizer que no quer falar de trabalho?Alis, perguntar quanto uma pessoa ganha uma ofensa! Nunca maisfaa isso.

    Ainda zonzo, mas anestesiado pelo aroma do recheio da torta queescapava pela camada de batatas, Lucas sentiu que no devia reagir eseguiu cabisbaixo para seu quarto.

    Eu nem perguntei sobre o trabalho , ele pensou desanimado.

    No auge de seus quatorze anos de idade, o menino j entendiamuita coisa, embora no compreendesse o motivo de sua famlia estarsempre sem dinheiro, alm de brigar muito.

    Aqui em casa, este assunto parece secreto! Pensativo, o garotoarrastava o passo. Ela traz as ms notcias, eu apanho e ainda fico semmesada. De seu pequeno aposento, Lucas ficou de butuca, ouvindo aconversa dos pais, a ladainha de sempre.

    As contas desse ms estouraram de novo! Parece que tudoaumentou! gritava o marido.

    A culpa no minha defendeu-se a esposa. Eu tento economizarem tudo!

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    Para evitar um confronto que no levaria a nenhuma concluso,Jaime preferiu se calar. Era preciso descansar para a labuta do dia

    seguinte. Os relatrios de fechamento do seu departamento precisavamser concludos naquela semana.

    Percebendo o nervosismo de Jaime, a esposa comeou a matutarem como resolver aquela situao e, arquitetado em minutos, seu planoseria comunicado no dia seguinte famlia.

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    L

    cia era uma mulher bem intencionada. Quando adolescente,sonhava em construir uma famlia de comercial de televiso, comuma casa grande e ordenada, filhos felizes, marido com empregoestvel, carro na garagem e viagens de frias. Entretanto, a

    realidade da vida adulta no a possibilitou alcanar seu sonho juvenil, eo seu atual modo de vida no correspondia s suas expectativas. Porm,muitas vezes, suas atitudes eram prprias de quem vivia aquele ideal defamlia.

    O Jaime est muito estressado e precisa descansar, Lcia pensou,segurando nas mos o folheto da empresa de turismo. Ela tinha chegadoem casa antes do marido e do filho e j tinha arranjado tudo. Lucas estavade frias escolares, Jaime vivia reclamando que precisava de alguns diasde descanso daquele escritrio cheio de doidos e, em seu emprego, ela

    tinha crdito no banco de horas.

    Precisamos relaxar, e por isso vamos passar uma semana emBelm do Par Lcia anunciou aos dois homens da casa, assim que osviu passar pela porta.

    Jaime apenas suspirou e nada disse. Como sempre, Lcia falou portodos.

    Ns estamos muito estressados, ento fechei um pacote defrias imperdvel! Embarcamos no prximo sbado, depois dessa semana

    infernal. No se preocupem com nada, pois consegui parcelar o valor da

    II

    A soLuodos ProBLemAs

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    viagem em dez vezes sem juros.

    Lucas se animou, pois logo teria algo novo para contar na escola.Jaime no queria ser grosseiro e engoliu as perguntas sobre o custo daviagem, convencendo-se de que aquela era uma boa ideia. Afinal, Lciatinha preparado aquela surpresa com carinho, e certamente, alguns diaslonge das preocupaes viriam a calhar.

    Nos dias seguintes, Jaime fez horas extras para terminar osrelatrios a tempo, Lucas pesquisou na internet informaes sobre odestino da viagem, e a senhora Bezerra organizou sua folga com suassuperioras.

    Finalmente, quando chegou o sbado e a famlia Bezerra foi parao aeroporto, todos combinaram de falar apenas sobre assuntos leves.Trabalho, escola ou dinheiro ficariam fora de questo, porque aquelaviagem seria exclusivamente para relaxar.

    No balco do check-in, enquanto aguardavam a vez, de repenteuma senhora e seu pequeno cachorro comearam um alvoroo. O animalde estimao roeu a porta da caixinha que devia transport-lo e correupelo saguo do aeroporto. Um ativista do Greenpeace gritou palavras deliberdade, apoiando o animal que dava um verdadeiro exemplo por lutar

    pelos seus prprios direitos, sendo respeitado por isso.No entanto, a tal luta teve fim quando um funcionrio da limpeza

    conseguiu agarrar o valente co. Um pouco sem graa, a dona agradeceua gentileza, apanhou o novo smbolo da luta pela liberdade e o fez comerum bolo de chocolate recheado com sonfero.

    Durante os passeios por Belm, aquela histria fez companhia aosBezerra, que se divertiam lembrando a cena do cachorrinho libertrio, doativista do Greenpeace e do sonfero inserido no bolo de chocolate.

    Na estao das docas, Lucas experimentou um sorvete de bacuri,e acreditando se tratar de uma espcie de peixe raro, arrancou risos daatendente da sorveteria.

    Bacuri uma fruta amaznica saborosa, de polpa branca, tpicada regio norte do pas a moa explicou educadamente.

    Jaime e Lcia gostaram da apresentao dos msicos que, suspensosno ar sobre uma estrutura metlica, tocaram e cantaram. Realmente, beira do caudaloso rio amaznico, o passeio era bastante relaxante.

    Mas, apesar do prazer que sentiam, sem que percebessem, a semana

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    havia passado to rapidamente, que j estava na hora de embarcar.

    Nossa! Nem me dei conta que as aulas comearo na segunda-feira Lucas torceu o canto dos lbios ao comentar.

    Sem esconder o desapontamento pela volta, Jaime passou a mona cabea do filho, e mesmo sem dizer nada, deixou evidente sua lstima.

    Por fim, os novos relatrios aguardam Jaime no escritrio , Lciapensou enquanto olhava em silncio para o marido. A viagem foraprazerosa, mas seu efeito relaxante acabaria em breve.

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    o demorou muito para Jaime perceber que aquela semanade frias no fez com que a carga de trabalho no escritriodiminusse. Ao contrrio, alguns relatrios teriam de serrefeitos, e as obrigaes do prximo ms j chegavam sua

    mesa.

    A viagem para Belm do Par figurava em sua mente como umsonho distante. Um dia nesse escritrio parece durar mais que a semanade frias meditou enquanto voltava para casa ao final do expediente.

    Assim que Jaime entrou no prdio onde morava, o porteiro ocumprimentou e entregou a correspondncia acumulada. Em meio apropagandas e folhetos de desconto, estava o extrato do carto de crdito.

    Sem perder tempo, ele abriu o envelope, e depois de percorrer

    rapidamente a lista de gastos, fixou os olhos no valor total da fatura.

    O que isso? ele bradou, sentindo o pulsar das veias em seupescoo, enquanto entrava no elevador.

    As compras parceladas do aparelho de televiso e da reviso docarro ainda no haviam terminado. Ele tinha se esquecido. A primeiraparcela da viagem j constava na fatura. Faltavam nove. Alm disso,tambm estavam computadas as compras, refeies e passeios daviagem, somadas a algumas aquisies que a senhora Bezerra no havia

    comunicado. Resultado: o estrago estava feito.

    III

    o extrAto

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    teem qe aea cn ebe jamenaqea ne.

    Mais um tempo sem mesada, cnc lca, em eenamen egna.

    A me se defendeu dizendo que estava fazendo economia faziameses e que Jaime era muito preocupado com contas e com o dinheiro. Vamos dar um jeito ela declarou, sem definir como fariam para que osrendimentos durassem at o fim do ms.

    Jaime ainda sentia a adrenalina correr em suas veias. No era porcausa apenas daquela fatura que sua presso subiu. Uma bola de neve

    vinha se formando e ele no conseguia determinar o que o irritava haviatanto tempo. Sua eficincia no trabalho j no era a mesma.

    Aps mais alguns comentrios sobre o tema carto de crdito, osmembros da famlia preferiram voltar suas atenes para a televiso. Asdesgraas do mundo no amenizavam a situao deles, mas traziam umasensao de que, pelo menos, eles no estavam sozinhos naquele estado.O mundo tambm parecia injusto com os outros.

    Na famlia Bezerra, as conversas sobre temas espinhosos apenas

    comeavam e, assim que algum levantava a voz ou se colocava no papelde vtima, o assunto cessava abruptamente. Aquela fatura do cartode crdito, mais um desses temas no resolvidos, ainda resultaria emdesagradveis consequncias.

    Naquela noite Jaime dormiu pouco. Pensamentos circulares oatormentaram pela madrugada adentro. Ele devia pagar apenas umaparte da fatura do carto de crdito? Devia deixar para pagar a conta noms seguinte ou devia esquec-la no fundo de uma gaveta? Por fim, semtomar nenhuma deciso, de repente ouviu o alarme tocar.

    Aps um rpido caf da manh, Jaime pegou sua mala preta efugiu para o escritrio onde, pelo menos, podia lidar com outros assuntose interromper aquela tortura.

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    d

    esde os sete anos de idade, Lucas estudava na mesma escola,e como um veterano, conhecia cada centmetro daqueleterritrio. Na poca, querendo proporcionar um pouco deliberdade e rea verde para aquele menininho que acabava

    de ser alfabetizado, Jaime escolheu o colgio que dispunha de bastanteespao, diferentemente de seu pequeno apartamento e o cubculo noescritrio.

    A escola tinha mudado pouco naqueles sete anos. Ela resistia especulao imobiliria do bairro. Incorporadoras estavam de olhonaquele terreno para construir torres comerciais.

    O colgio no se resumia a um prdio com salas de aula empilhadas.Na escola de Lucas, os espaos de aprendizado eram espalhados. Logo

    na entrada havia um laboratrio de informtica e uma biblioteca. Apsalguns metros, viam-se rvores e jardins, e s depois de caminhar poralguns minutos que se encontravam as primeiras salas de aula.

    O terreno da escola era ngreme, de modo que os fundos ficavamem uma rea mais baixa, sendo um pesadelo para os professores efuncionrios do colgio, pois, no intervalo das aulas, a meninada saaem disparada pelas rampas, em direo quele espao, onde tinhaquadra, horta, campo de futebol e um pequeno bosque com laguinho.Na extremidade do terreno, havia ainda uma pequena marcenaria, umriacho e uma sala abandonada. Muitos que a visitavam diziam que a

    IV

    A esCoLA

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    escola parecia um stio.

    Juntamente com o professor de biologia, Lucas tinha observadoque o antigo ninho de pica-pau, localizado no alto da rvore que habitavao terreno desde antes da criao do colgio, tinha se tornado a casa de umesquilo. Apesar de morar em uma cidade onde a cor predominante eracinza, o garoto tinha o privilgio de vivenciar um pouco da vida animal evegetal.

    Os alunos da srie de Lucas teriam de cinco a seis aulas por dia,com intensos perodos de cinquenta minutos. Naquele ano, entre outrasmatrias, eles teriam matemtica com o professor Everaldo, gramtica

    com o professor Saliva, e educao fsica com o professor Toni. Aqueleseram algumas estrelas do colgio.

    O professor Everaldo era uma figura carismtica. Parecia um PapaiNoel de pele morena e bochechas carnudas. Gabava-se por ter dado aulaaos pais de alguns daqueles meninos e, experiente, inovava nos mtodosde ensino. No havia aluno que se esquecesse das musiquetas didticasnem das brincadeiras em sala de aula. Quando um aluno respondiacorretamente a uma de suas indagaes, ele logo gritava.

    Pont! que acordava o mais cansado dos adolescentes.

    O mtodo do aluno alavancadortambm era criao do professorEveraldo. Ele selecionava aqueles que tinham mais facilidade com amatria e colocava junto com algum aluno com mais dificuldade. Umera o alavancador, e o outro, o alavancado. Dizem que assim surgirammuitas amizades, e at namoro.

    A sorte de Lucas que aquele era ano de Copa do Mundo. Everaldoera um colecionador de figurinhas, e estimulava a troca delas em anode competio. Desde 1978, ano da Copa da Argentina, ele completavalbuns, juntamente com os meninos e as meninas.

    Naquele ano, entre os novos alunos estava Vini. Seu nome eraVincius, mas todos s o chamavam pelo apelido. A alcunha vinha desde apoca de criana e o garoto estava to acostumado que, quando algum ochamava pelo nome completo, ele no respondia. Vincius no era gordo. Tenho ossos largos e boa massa corporal explicava antes de gargalharmostrando a arcada dentria perfeita e incrivelmente branca.

    J Lucas era magricelo e no gostava de cortar os cabelos. Ele eraum menino estudioso, mas aprontava de vez em quando. Sua nova mania

    era puxar a ola quando o professor se virava para o quadro negro. A ola

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    era uma coreografia em que os participantes levantavam-se e erguiamos braos em fileiras sucessivas, perpendicular ao centro, criando o efeito

    visual de uma onda que percorria a sala de aula.

    Alguns professores levavam aquilo na brincadeira, mas o professorde histria tinha um temperamento diferente. Ao perceber o incio da olaem sua aula, ele se virou, e apontando para Lucas, ordenou.

    Lucas, j para a sala da diretoria. Voc o responsvel por essabaguna.

    Atnito, Lucas j se preparava para sair da sala quando ouviu a vozdo novo aluno.

    Eu vou com ele. Estava junto quando isso comeou interveio odecidido Vini, seguindo com passos firmes em direo a Lucas.

    Acho injusto culparem s a voc afirmou, dando vazo ao seusenso de justia. Dividiremos a culpa completou.

    A ida diretoria rendeu apenas uma advertncia aos garotos. Aindaera incio do semestre e a diretora estava de bom humor.

    Como retribuio, na hora do recreio Lucas deu metade do seu

    lanche ao novo amigo. Era fcil conquistar Vini pelo estmago.

    Os meninos comearam a conversar e a trocar confidncias, quandoVini disse que tinha muito nojo de ir ao banheiro em lugares pblicos.

    Rindo, Lucas disse que ele no conhecia o ritual, mas que no teriaproblema, pois ele tinha sete anos de experincia em usar aqueles toaletese o ensinaria seus truques. Em matria de banheiro da escola, Lucas eraum PhD.

    Primeiramente, descubra os horrios em que as faxineiras fazem

    a limpeza. Depois de cinco minutos o melhor momento para usar obanheiro, pois as tampas dos vasos j esto secas e voc ser o estreantedo trono explicou o pequeno professor, de forma didtica.

    At ento, Lucas guardava aquelas informaes apenas para si,mas, por cumplicidade, resolveu compartilhar com o amigo. Devido competio pelo nico banheiro do apartamento, era impossvel esvaziaros intestinos logo pela manh e, para piorar, sua me gostava de darrecados gritando do lado de fora do banheiro, de modo que Lucas j tinhadesistido da privada de casa havia algum tempo.

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    A segunda regra tentar usar os sanitrios dos locais menosfrequentados. O da biblioteca o melhor. O que fica prximo ao bebedouro

    o pior deles confidenciou Lucas ao novo amigo.

    Prefira os banheiros para uma s pessoa, embora sejam poucos.Em vestirios com diversos boxes, escolha aquele que tem a porta meiofechada e com menos iluminao. Com certeza o menos usado e o quetem mais chances de estar limpo continuou.

    Vini parecia no acreditar que algum pensou em todas aquelasestratgias para o uso do banheiro.

    No se esquea de forrar o vaso com papel higinico e fazer uma

    pequena cama de papel na gua do vaso, para evitar que voc leve umjato de gua gelada em sua bunda completou Lucas, antes de explodirnuma gargalhada unssona com Vini.

    Enquanto se divertiam com o pequeno tratado sobre como utilizaros banheiros da escola, eles no imaginavam o quanto Vini poderia sergil, mesmo com aquele tamanho.

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    J

    aime e Lcia se conheceram quando estavam na metade de seusvinte anos e se casaram depois de alguns anos de namoro. Ele erabisneto de portuguesese ela tinha ascendncia italiana. Lucas veionos primeiros anos de casamento.

    J na casa dos quarenta, Jaime faz carreira em uma empresa decontabilidade, de mdio porte, enquanto Lcia enfermeira em umhospital.

    Diferentemente de seus pais e avs, em muitos aspectos, eles secasaram com mais idade e, em consequncia, com mais vivncia que seusprecursores. Assim, Jaime e Lcia j tinham alguns hbitos e um jeitoprprio de ser. Durante a poca em que eram solteiros, desenvolveramamizades, preferncias e rotinas. Tanto Jaime como Lcia prezavam o

    individualismo e a independncia.No entanto, as regras de convivncia a dois pouco mudaram em

    relao aos pais e avs, pois o casal viveu sob a gide de modelos antigos,nos quais as regras eram a existncia de caixa nico para a famlia, assimcomo o pressuposto masculino de responsabilidade pela seguranafinanceira da casa, o que gerou diversos dilemas e problemas.

    Voc sempre reclama dos meus gastos em roupas Lcia seindignava diante dos protestos de Jaime.

    E eu pago as principais contas da casa, e nunca sobra dinheiro

    V

    deseNCoNtros

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    para usar no que realmente gosto ele respondia resignado.

    Certa vez, Lcia confidenciou a uma amiga que sentia falta depegar a bolsa e sair sem dar satisfao a ningum. Ela tambm confessouque apesar de pagar parte das contas de casa, o marido no a ajudavanas tarefas domsticas.

    Angamene, cm a ea e caavam ma ce,na fae aa mamn eava cna, em qeveem em e ca hb nva.O dinheiro geradopelo casal era a receita familiar. E, ponto fundamentalmente diferentedos dias atuais, os papis eram distintos: ao homem cabia trabalhar e

    sustentar a famlia, e mulher, cuidar da casa e dos filhos.Na tentativa de evitar problemas, o casal Bezerra ocultava um do

    outro o quanto ganhava, alm de tentar disfarar seus gastos pessoais,fazendo com que as contas de casa sofressem com esse jogo de esconde-esconde.

    Essa viagem foi em hora errada Jaime desabafou, parecendoirritado.

    Espantada com a reao do marido, Lcia choramingou.

    Voc s sabe criticar o que fao. Nada parece estar certo.

    Eu no estou me referindo surpresa, querida. Apenas estoudizendo que devamos ter esperado um pouco mais ele tentou convenc-la.

    Na defensiva, e sem inteno de criar um clima ruim, Jaimeargumentou.

    Eu s estou cansado de tanto trabalhar e nunca ter dinheiro para

    nada. Parece que estou correndo atrs do prprio rabo, Lcia. Eu no saiodo lugar. Apenas quero que voc entenda a minha posio argumentouJaime, na defensiva.

    dane agm em, jame e lca e eeneneame, em me acae, mavam a e em,nan mve ecnhece mv nca a c,m men cm eveam eve aqee cnf.

    Mem cm a fne e ena, ee n cnegam

    chega a m ac aa e ma va ma hamna e

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    eem fee. Na hora de usar o dinheiro, pareciam ter noo do queera certo e errado, mas, na prtica, pressionados pelas necessidades e

    urgncias cotidianas, essa percepo ficava prejudicada.

    O apartamento tinha pouco espao para sustentar as frustraesdos dois, que precisavam urgentemente espairecer. Assim, Jaimeapanhou a chave do carro e saiu, batendo a porta da casa, enquanto Lciapermaneceu na sala, com os olhos midos pelas lgrimas, pensando quetinham chegado ao fundo do poo.

    Mas, o que ela no sabia, era que a situao ainda podia piorar.

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    o

    interfone tocou e tirou Lcia do transe em que se encontrava.Eram dez horas da manh. Eu no estou esperando ningum,ela pensou. Quem ser a essa hora?

    Ao atender, ouviu a voz do zelador. Havia um envelope na portaria,e algum responsvel da famlia precisava apanh-lo.

    Logo aps desligar o aparelho, Lcia vestiu um moletom porcima da camiseta amassada, calou uma sandlia de dedo e entrou noelevador, sem imaginar sobre o que se tratava.

    Ao chegar portaria, ela cumprimentou o zelador, pegou a carta edeu um visto no caderninho que ele lhe passou. O envelope era destinado

    ao senhor Jaime Bezerra e o carimbo de urgncia na extremidade dopapel a impressionou.

    Na sala de casa, ainda em p, Lcia abriu o aviso extrajudicial etentou decifrar o que estava escrito. Ela teve dificuldade para compreendero linguajar jurdico da correspondncia. Assustada e chorando, telefonoupara Jaime. O homem pensou que havia ocorrido algum acidente e tentouacalm-la. Entre soluos e lgrimas, Lcia leu para o marido a mensagemgrafada no papel.

    A carta trazia uma m notcia. Em resumo e numa linguagem mais

    VI

    o AVIso

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    simples, informava que, caso eles no pagassem as prestaes atrasadasdo financiamento imobilirio, perderiam o apartamento.

    Eu no acredito que voc no pagou as prestaes da nossa casa choramingou Lcia.

    Jaime tinha deixado de pagar algumas parcelas desde que suaconta bancria tinha entrado no vermelho. Devido vergonha que sentiapor no ser capaz de lidar com aquele problema, ele no contou a ningumque estava devendo ao banco. Ele amava a esposa e detestava brigar comela, ento ele preferiu esquecer a situao e se concentrar nas atividadesrotineiras do seu trabalho.

    Eu achei que ia resolver esse assunto antes de chegar a esseponto ele se desculpou do outro lado da linha. Vou j para casa disse,desligando o telefone e apanhando sua mala preta.

    Logo que Jaime chegou em casa, eles releram o aviso diversas vezes,na esperana de estarem equivocados, mas a mensagem no deixavadvidas de que deveriam quitar a dvida ou perderiam o apartamento.

    O casal estava to cansado e assustado que no brigou naqueledia. Eles apenas agradeceram pelo fato de o filho estar longe, na escola.

    Os problemas financeiros pareciam ter chegado a uma situao limite. Osdois no conseguiam encontrar uma soluo e se sentiam incapazes defazer um plano. Eles no enxergavam maneiras de gerar mais renda ou dediminuir as despesas.

    No fim da tarde, Lucas chegou da escola e, enquanto despejavaseu material pelos mveis da sala, percebeu que a casa estava silenciosa.A nica televiso da casa, que ficava acesa vinte e quatro horas por dia,estava surpreendentemente desligada. Seu pai perguntou como foi aaula, coisa pouco usual, e sua me estava deitada descansando, outrofato pitoresco. O garoto de pernas magras e dono de um nariz que noescondia sua ascendncia italiana percebeu que os pais agiam de modoartificial. Eles estavam plidos e no tocaram no assunto para tentarpoupar Lucas daquele pesadelo.

    Ma, qan em aqee ea ea a?

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    ucas era muito curioso. primeira vista, parecia se tratar de ummenino tmido e recatado, mas assim que se sentia vontade como ambiente e com as pessoas, ele se soltava. Outra caractersticasua era ser questionador. Certa vez, quando mais novo, embaraou

    seus pais na frente dos amigos questionando-os sobre sexo e reproduohumana, e enquanto no ficasse satisfeito com a resposta, no parava deperguntar. Seu amigo Vini o apelidou de Senhor Ranzinza, pois Lucas setornava irritadio com assuntos que no compreendia.

    Naquele incio de noite o Senhor Ranzinza entrou em ao.

    O garoto selecionou algumas interrogaes que habitavam suamente, estalou a mandbula e disparou a perguntar.

    O que est acontecendo? Por que vocs esto agindo desse jeito

    estranho? Algum morreu?

    Lcia no conseguiu segurar a emoo e comeou a chorar. Semencarar o menino cabeludo, abriu a porta de casa e anunciou sua idapara a casa da me. Aquilo era muito sofrido para ela. Jaime, arrasado,narrou os ltimos acontecimentos para Lucas.

    Como a situao chegou nesse ponto? indagou Lucas, espantado.

    Jaime tinha uma tnue ideia do que havia ocorrido, mas noconseguia se exprimir de maneira convincente. Apenas abriu os braos

    VII

    A resoLuo

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    e apertou os lbios, sem emitir som algum. Como o assunto dinheirosempre fora um tabu naquela famlia, agora que estavam em crise, teriam

    que lidar com um problema de tamanho colossal.

    Aea e 75% a fama baea enem agmafcae em chega a fm m cm enmeneceb1, n ea eca aa Beea eaemnaqea a.

    O casal sempre teve um estilo de vida conhecido como zero a zero.Ou seja, tudo o que recebiam, eles gastavam para manter o estilo. Quandoganhavam um aumento salarial, melhoravam um pouco o padro.

    Eles achavam que dessa forma estavam com as finanasequilibradas, mas isso no era verdade. Quando tiveram um imprevisto,o carro quebrou, no puderam se socorrer, pois no tinham uma reservafinanceira.

    A soluo foi usar o limite do cheque especial do banco em queJaime tinha uma conta. Ele desconhecia o valor que pagaria em juros, umvalor cobrado pelo emprstimo do dinheiro, e a dvida cresceu. Atordoado,agiu como um avestruz, escondendo a cabea embaixo da terra, ou melhor,no trabalho. A bola de neve aumentou fazendo com que a prestao doapartamento tambm entrasse na lista das contas no pagas.

    Essa uma breve histria do nascimento do aviso extrajudicial queos Bezerra receberam naquela manh. Porm, ningum naquela casa eracapaz de entender aquele processo de criao de um endividado.

    Como no via como consolar seu pai e o silncio o incomodava,Lucas deu um beijo em seu progenitor e dirigiu-se ao seu aposento.

    Sozinho, resguardado em seu aposento, o menino se ajoelhou, eem uma posio tpica de quem reza, ele tomou uma deciso resoluta edecretou em voz baixa, porm firme.

    o nhe nnca me aaaha.

    1 Pesquisa de Oramentos Familiares POF 2008/2009 IBGE.

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    o

    dia amanheceu ensolarado. No havia nuvens nem ventava. Atranquilidade proporcionada pelo clima parecia fazer chacotada famlia Bezerra.

    Lucas havia combinado de encontrar Vini e irem caminhandoat a escola. Durante o trajeto, uma revista exposta na banca de jornalchamou a ateno dos garotos. Era um exemplar da revista Forbes, com alista das pessoas mais ricas do mundo. A publicao mostrava que havia1.226 pessoas no planeta com mais de um bilho de dlares, sendo trintae seis delas brasileiras. A edio mostrava o ranking dos cheios da granade diversas maneiras: por sexo, por pas, por ordem alfabtica e porsegmento de atuao, alm de exibir tabelas com os maiores ganhadores

    e os maiores perdedores de um ano para outro.Os garotos ficaram inebriados. A curiosidade era imensa e

    as sensaes, variadas. Um senhor que estava ao lado dos meninosblasfemou: Uns com tanto e outros sem nada!

    O dono da banca perguntou a um cliente se ele no se sentia pobreao se comparar com os ricaos. O consumidor, com a revista em mos,respondeu que via os bilionrios como modelos a serem seguidos.

    Lucas e Vini voltaram a caminhar em direo a escola, conversando

    sobre aquela reportagem e em como seria bom caso fossem milionrios.

    VIII

    mILIoNrIos

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    A SociedAde dA FortunA24

    Eu jogaria tudo para o alto. Acho que nem iria mais para a escola brincou Vini, chutando uma tampinha largada na calada.

    Quem tem dinheiro livre para escolher o que fazer todo dia exagerou Lucas, acompanhando o movimento parablico da tampinhacom os olhos. Esses bilionrios podem tudo. No precisam se preocuparem fazer economias, eles podem comprar e pagar pelo que desejam.Tenho a impresso que so os mais felizes do mundo discursou Lucas,ainda ferido pela experincia da noite anterior.

    Eles esto seguros contra qualquer problema. Outro dia a geladeirade casa quebrou e meu pai ficou bravo, pois gastaria um dinheiro danadono conserto confidenciou o amigo.

    Eu experimentaria muitas coisas caso eu fosse milionrio. Euandaria de balo e faria um curso de mergulho.

    Com esse nariz gigante voc nem precisar do tanque de oxigniopara mergulhar debochou Vini, levantando os braos em posio dedefesa, temendo a reao de Lucas.

    Pode tirar sarro, Vini Lucas deu com os ombros. Mesmoassim eu deixaria voc assistir uma sesso de cinema em minha casa. Eu

    compraria uma televiso gigante e todos os equipamentos para montarum home theater.

    Tudo bem agradeceu. Em retribuio eu compraria umapassagem de avio para voc me visitar em minha fazenda. Nada depassagem de nibus para meu amigo ele completou e abriu um sorriso.

    o ga eavam e ecan naqea vagem menabe mn ennhea.

    S de pensar em ser milionrio eu j me sinto bem confessou

    Lucas, olhando para o nada.

    Teramos realmente muito conforto assentiu o amigo.

    E ainda por cima poderamos investir naqueles cursos carosque voc viu na internet falou Lucas. Eu pagaria com gosto frisou,enquanto olhava para o relgio.

    A aula de educao fsica estava prestes a comear e os garotosno podiam se atrasar. Visitar a sala da diretoria pela segunda vez nosemestre no era uma boa opo.

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    Os garotos se apressaram para no perder a chamada. A vantagemda correria foi a de chegarem aquecidos para a aula.

    O professor Toni no perdeu tempo, jogou os coletes para osmeninos e lanou a bola de basquete para o alto. O jogo j havia comeado,mas Lucas s conseguia pensar em como transformar aqueles sonhos emrealidade.

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    e

    u tenho um plano disse Lucas, enquanto separavaos ingredientes para fazer a torta de biscoitinhoscrocantes. Jogo de loteria anunciou ao amigo Vini,na cozinha de sua casa.

    Lucas tinha dotes culinrios. Ele tinha aprendido algumas receitascom sua av, uma cozinheira que guardava as receitas na cabea. QuandoLucas ia a casa dela, levava um caderno para anotar os ingredientes e modode preparo dos quitutes da vov. Mas ela fazia tudo to rapidamente quemuitas vezes era preciso acompanh-la durante mais de uma preparao.

    Ela dizia para colocar sal a gosto e Lucas a questionava sobre oque aquilo significava. Devia adicionar uma colher de ch ou uma de

    sopa do ingrediente? A vov italiana respondia sempre da mesma forma,voltando-se para suas caarolas e encerrando o assunto.

    Sal a gosto sal a gosto,figlio mio! Na Itlia assim.

    A torta de biscoitinhos crocantes foi uma das primeiras receitasaprendidas pelo garoto. verdade que a av preparou o recheio debrigadeiro nas primeiras tentativas, mas isso no tirava o mrito doadolescente.

    Jogo de loteria? questionou Vini. As chances so mnimas

    Ix

    o Jogode LoterIA

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    afirmou, mostrando-se descrente.

    Lucas tentava equilibrar nas mos a lata de leite condensado, acaixinha de creme de leite e o pote de chocolate em p. J as caixas debis preto e a manteiga sem sal estavam sobre a bancada da cozinha,enquanto o pote de sorvete de flocos aguardava no congelador. Todos osingredientes necessrios para montar a sobremesa estavam disponveis.

    A guloseima era o que Lucas podia oferecer para tentar amenizar aangstia de seus pais, adoando um pouco a vida da famlia.

    As chances so mnimas apenas para os amadores falouLucas. Ns teremos critrios concluiu o confiante cozinheiro, baseado

    na pesquisa que tinha feito na noite anterior em algumas pginas nainternet.

    A panela em fogo baixo abrigava o leite condensado, a manteigae o chocolate em p. Vini seguia as orientaes de Lucas e no paravade mexer os ingredientes com uma colher de pau para alcanar o pontodo brigadeiro. O segredo, nessa receita, era adicionar uma caixinha decreme de leite ao brigadeiro para cortar um pouco do gosto doce. Afinal,as outras camadas da sobremesa eram biscoitinhos crocantes e sorvetede flocos.

    Que raio de critrio? questionou Vini, enquanto despejava noralo da pia um pouco do soro do creme de leite.

    Sistema matemtico inteligente retrucou o pequeno chef,mostrando seu otimismo.

    A maioria dos apostadores gosta de apontar os nmeros baseadosem datas de aniversrio. Isso significa que os nmeros mais apostadosvo de 1 a 31 explicou, enquanto picava os biscoitinhos de chocolate paraforrar a vasilha, formando a camada crocante do doce. Isso significa

    que, caso voc aposte nesses nmeros e ganhe, ter que dividir o prmiocom muita gente concluiu Lucas.

    Depois de uma pequena pausa, o menino tornou a falar.

    Outro mtodo popular o jogo de mltiplos, como a escolha dosnmeros 10-15-20-25-30-35, por exemplo. Com essa estratgia, voc tero mesmo problema advertiu.

    Desconfiado, Vini acompanhava a explicao com ateno, apesarde parte do seu crebro tentar lan-lo em direo aquele pote de

    brigadeiro que esfriava sobre a pia.

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    Analisei os nmeros que mais e menos saram nos ltimos

    concursos. Quanto mais tempo faz que um nmero no sorteado, maiora chance dele sair no prximo concurso explicou Lucas. So as dezenasatrasadas definiu, retirando o pote de sorvete do congelador.

    Vini despejou o contedo marrom escuro do brigadeiro sobreo forro de biscoitinhos triturados. Com o auxlio de uma esptula desilicone, ele garantiu que a segunda camada ficasse homognea em cimada primeira. Era difcil controlar a tentao de no mergulhar naqueladelcia.

    Tcnica dos quadrantes! Eis o toque final do sistema matemtico

    inteligente explodiu Lucas, num sobressalto de alegria gerado pelateoria e pela sobremesa.

    Uma cartela da loteria com sessenta nmeros pode ser divididaem quatro quadrantes com nmero igual de dezenas. Distribumos o jogopor todos os quadrantes ensinou o aprendiz de cozinheiro, gesticulandocomo um poltico em poca de eleio.

    A concluso da teoria coincidiu com a finalizao da receita.

    Enquanto cobria a camada de brigadeiro com meio pote de sorvete,tomando o mesmo cuidado que Vini teve para deix-la homognea, Lucasconcluiu seu plano. Vini, s precisamos juntar essas tcnicas em um

    jogo e ficaremos milionrios.

    Os garotos colocaram o doce no congelador e correram atrsde moedinhas que pagassem pelo jogo. Lucasconseguiu algumas em uma gaveta da sala eVini retirou outras, em meio a migalhas depo, do bolso de sua bermuda.

    Os meninos correram at a casalotrica, registraram seu jogo evoltaram para casa para guardaro bilhete. Lucas colocou ocomprovante da aposta embaixo da imagem da santinhaque a famlia tinha no altodo armrio da cozinha.

    Lucas e Vini estavamansiosos pela sobremesaguardada no congelador e

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    pela fortuna que os aguardava em algum cofre de banco. o ea g aa em a, em fcene aa anea qe fae cm aqea mnanha e nhe.

    O estado de euforia em que se encontravam fez com que eles nopercebessem que estavam sendo observados.

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    J

    aime era um trapo de vergonha e medo. Apesar de andar com oolhar pregado ao cho, os dias que se passaram ajudaram a diluir aadrenalina em seu sangue e a acalmar seus batimentos cardacos.Mesmo assim ele no conseguiu saborear o doce que o filho

    preparou. Se algum lhe dissesse que se tratava de uma torta de atum,ele no duvidaria.

    A realidade estava sendo dura com os Bezerra. Ee enam-e m ea a fnancea e afeava eamane e a va, faen cm qe a eeafama fe na.

    Para piorar a situao, o hospital em que Lcia trabalhava estavasobrecarregado. Ela cobria as frias de uma colega. Com Jaime no era

    diferente, seu chefe parecia ter tomado ch de bhut jolokia, uma pimentaindiana. O homem parecia cuspir fogo contra seus subordinados.Atordoados pela presso do trabalho e pelos problemas familiares, Jaimee Lcia no tinham tempo para pensar em uma soluo racional.

    Eu no pedirei emprstimo para meu gerente desabafou Jaime. Isso muita humilhao completou, cobrindo o rosto com as mosmolhadas de suor.

    Lcia no sabia o que dizer. Como ela sempre deixou que o marido

    cuidasse de todas as burocracias e papeladas da famlia, ela tambm no

    x

    CoNsequNCIAs

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    se envolvia com as decises de emprstimos e investimentos. N eaa ea eqece a enha e e ca banc. paa ea,

    ema fnana ea m cha e cmca.

    Entretanto, nem Jaime nem Lcia notaram que, na realidade, jtinham pedido um emprstimo ao banco, s no perceberam esse fato.Quando o saldo da conta zerou, eles automaticamente comearam a usaro dinheiro do banco, um limite pr-aprovado e disponvel. Anos antes,ao abrir a conta corrente, Jaime no atinou que tinha contratado aqueleservio.

    Como eram quase analfabetos quando se tratava do tema dinheiro

    e estavam emocionalmente machucados, eles praticamente no sefalavam. O relacionamento foi afetado pelas questes financeiras.

    A algumas quadras dali, na escola de Lucas, o professor de biologiaterminou a aula cinco minutos mais cedo do que o previsto, um alviopara Vini. Ele saiu em disparada, pois pretendia fazer exerccios fsicospara queimar as calorias acumuladas pelo excesso de pedaos de tortadoce que ele comeu. J Lucas ficou at tarde na escola, pois ele estavaenvolvido em sua elucubrao sobre o uso do dinheiro que podia ganharcom o jogo da loteria. Era melhor pensar nisso do que aguentar o clima

    sombrio de sua casa. noite, quando todos j tinham ido embora, Lucas foi posto para

    fora da escola, educadamente, pelo encarregado que segurava enormescadeados para fechar o porto.

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    t

    omara que meus pais estejam dormindo pensou Lucas aointroduzir a chave na fechadura da porta de casa. Jaime e Lciaestavam acordados na sala, mas no notaram a entrada do garoto.Eles pareciam monges entorpecidos em seus pensamentos.

    Lucas correu para a cozinha e fuou as panelas. Seu estmago ron-cou, lembrando-lhe de que ele no comeu nada desde a hora do almoo.Sobre o fogo estava uma frigideira grande tampada. Em seu interior ha-via uma receita que sua me no preparava havia anos: ninhos de ovos.

    A receita da av de Lucas foi ensinada Lcia na poca do seu ca-samento.

    para quando voc tiver pouco tempo disse a nonna, na poca.

    O prato era simples e rpido, bastando um molho de tomate decaixinha, uma lata de ervilha, ovos frescos, leo e sal. Aps aquecer um fiode leo na frigideira, era preciso despejar um pouco do molho de tomatetemperado e as ervilhas escorridas. Aps os ingredientes refogarem, comajuda de uma colher, escavavam-se buraquinhos, os ninhos, onde os ovoseram inseridos. Um pouquinho de sal para temperar e a tampa para aba-far davam o toque final receita.

    A viso do prato trouxe para Lucas a sensao que sua famlia po-dia se reerguer. Sua me sempre fora muito amorosa.

    xI

    INsoNe

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    Entretido em seu pensamento, ele ouviu seu estmago dar umnovo aviso. O garoto esquentou dois dos ninhos e os comeu como uma

    raposa. Antes que os ovos chegassem a seu estmago, ele passou pelasala, despediu-se de seus pais e se trancou em seu quarto.

    Lucas queria que o dia seguinte chegasse logo para torn-lo milio-nrio, e a melhor maneira de fazer isso era indo dormir.

    Toda noite, quando eu vou dormir, morro. E, na manh seguinte,quando acordo, renaso. Lucas se lembrou da frase de Mahatma Gandhique o professor de histria tinha dito na aula sobre a independncia dandia. Com certeza Gandhi no cunhou a frase para o propsito de Lucas,mas ela caa bem naquela noite.

    Porm, a ttica falhou. Lucas no conseguiu dormir, parecia queseu sangue tinha sido substitudo por cafena. O motivo da inquietaoera que toda sua esperana estava depositada em um pequeno pedaode papel, o bilhete de loteria.

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    N

    o foi preciso que nenhum dos dois despertadores armados porLucas um ao lado da cama, e outro, longe , tocasse para queele acordasse. Ele j estava alerta e motivado para as atividadesmatinais, pois se tratava do dia em que tudo se resolveria, afinal, os

    nmeros da loteria foram escolhidos com muito critrio.O ponto de encontro acertado com Vini era em frente casa lotrica.

    Os meninos no queriam conferir os nmeros pela internet, desejavam v-los no painel da casa de apostas e, se fosse possvel, toc-los.

    Lucas e Vini chegaram praticamente juntos ao local combinado.Enquanto Lucas segurava o bilhete, uma funcionria de cabelos encaracoladospendurou uma faixa com o resultado do jogo, apurado na noite anterior:prmio acumulado, no houve ganhador.

    A decepo aflorou nos rostos dos meninos.

    No acertamos nenhum dos nmeros vociferou Vini, aps conferiro resultado com mais ateno.

    No possvel, usamos o sistema matemtico inteligente murmurou Lucas, com os olhos fixos no frgil bilhete.

    Vou mandar para o inferno esse sistema! rebateu Vini, tomando obilhete de Lucas e o atirando no lixo.

    Aps alguns segundos, os garotos se acalmaram, voltaram a sentir afirmeza do solo abaixo dos seus ps e tomaram o rumo da escola. A realidade

    das aulas os aguardava e todos os planos que fizeram teriam que aguardar.

    xII

    A deCePo

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    No caminho, Lucas e Vini conversaram sobre os motivos pelos quaisconsideravam ser to ruim no ter dinheiro.

    Odeio querer uma coisa e no poder comprar! desabafou Lucas.

    A e caaa ea faa e nhe ncmava.

    Eu fico chateado em deixar de fazer coisas por no ter grana devolveu Vini, irritado. s vezes sinto inveja dos riquinhos que vejo nateleviso e quero...

    Quando ia comear a explicar os motivos, o moreno, dono de umabela arcada dentria, foi interrompido.

    Podemos perder nossa casa revelou Lucas, de repente, ao amigo. Meu pai no dorme h vrias noites. Caso ele no arrume dinheiro parapagar as parcelas atrasadas do financiamento, iremos perd-la completou.

    Nossa! No sabia que a situao estava to ruim disse Vini, tocadopela preocupao de seu companheiro.

    Os passos dos garotos eram lentos. Parecia que nada mais importavadepois que seus nmeros no foram sorteados pela loteria, pois os problemasfamiliares de Lucas traziam preocupao e insegurana.

    A aula de gramtica estava prestes a comear, mas a raiva que osgarotos sentiam com a situao os impedia de entrar em sala. Para noserem pegos cabulando a aula, os meninos correram para o uma espciede esconderijo que existia na escola, uma sala abandonada nos fundos doterreno. Ali, estariam a salvo do professor Saliva e podiam desabafar semserem incomodados. Ledo engano.

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    L

    ucas se assustou ao entrar no esconderijo. A luz estava acesa e a portaapenas encostada. Ser que os alunos do oitavo ano descobriramnosso lugar secreto? ele pensou, enquanto explorava o local.Gesticulando, Vini fez sinal para o amigo se acalmar, pois qualquer

    barulho poderia despertar a ateno do invasor.

    Confirmando sua suposio, Vini avistou, em um canto da sala,sentado tranquilamente em uma cadeira de madeira, o professor deeducao fsica.

    Bom dia, Lucas. Bom dia, Vini disse Toni, o atltico professor,cordialmente.

    Os meninos no entenderam nada. Naquele dia, as aulas deeducao fsica s comeariam s dez e meia. Ser que o professor estavaem busca de alunos fujes, a pedido da diretora? pensou Vini. Umasuspenso escolar era o que me faltava suspirou Lucas, imaginando queseriam conduzidos para a sala da diretoria.

    Sistema matemtico inteligente? riu Toni. FrancamenteLucas... Voc um garoto esperto para cair numa dessas completou,levantando-se.

    Os garotos estavam assustados e o professor tratou de acalm-los.Toni era um dos professores queridos dos alunos. Ele disse aos meninos

    que podiam ficar tranquilos e que sua visita ao esconderijo nada tinha a

    xIII

    um eNCoNtro INesPerAdo

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    ver com o currculo escolar.

    Tenho acompanhado o comportamento dos alunos da escola epercebi que vocs tm muito interesse no assunto dinheiro, estou certo? questionou o professor.

    Os garotos assentiram com um gesto de cabea.

    Acho injusto que s os ricos possam fazer as coisas adiantou-seVini, enquanto se acomodava em um banco, ao lado de Lucas.

    Essa uma viso equivocada, meu caro. Eu tenho uma histriapara lhes contar disse Toni.

    Interessados, Lucas e Vini se ajeitaram no banco para ouvir comateno.

    Vamos fazer um exerccio imaginrio em que um brasileiro declasse mdia dos nossos dias se encontra com um senhor feudal europeudo sculo XIV, e conversam sobre suas vidas. Elenco cinco tpicos dessebate-papo histrico completou Toni, com ares de professor de histria.

    Toni comeou com o item notcias.

    Ele contou que o nobre europeu disse que seus vassalos traziam asnotcias at ele. Os fatos ocorridos em terras de outros senhores feudaischegavam a seus ouvidos em algumas semanas ou em poucos meses. J obrasileiro, disse que recebia em sua casa, todo dia pela manh, um jornalcom o ocorrido no mundo inteiro nas ltimas 24 horas. Especialistasem economia, esportes, cultura e poltica davam suas opinies e lheapresentavam fatos e tendncias sobre sua cidade, seu pas e o mundo.

    Diante dos olhos atentos dos meninos, Toni concluiu.

    O brasileiro passou a valorizar mais o seu jornal e a l-lo com

    mais prazer.

    Lucas e Vini se entreolharam, enquanto o professor continuoucom sua histria.

    Prximo tpico: hora do banho! entusiasmou-se o professor.

    Nosso amigo da idade mdia comeou se glorificando que sditosfaziam fogueiras para esquentar a gua de seu banho, que era colhidado rio pela manh. Eles enchiam sua banheira e misturavam algumaservas, cultivadas na sua propriedade. Assim, ele podia tomar um bom

    banho quente. Bastava avisar os serviais com um dia de antecedncia

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    palestrou Toni.

    O brasileiro riu e disse que existia o chuveiro eltrico, com guacristalina e quentinha brotando do teto. Ele falou sobre sabonetes exampus especiais, e que no precisava se agendar para tomar um banho continuou o professor.

    Isso sem falar em suas felpudas toalhas de algodo completouLucas, envolvendo-se no tal encontro imaginrio.

    Assim, o momento do banho do nosso conterrneo passou a valermais a pena o professor concluiu o tpico.

    Os garotos balanavam as pernas e se inclinaram para frente,envolvidos pela histria que Toni contava.

    Dor de cabea disse o professor, anunciando o terceiro tema.

    Ele contou que, naquele momento do encontro, o europeu comeoua ter dores de cabea. Ele disse que o nobre chamou o pessoal da Igrejae o curandeiro com maior conhecimento na regio. Eles rezariam e lhedariam um ch para curar as dores. Vendo isso o brasileiro tirou do bolsouma plula comprada na farmcia e ofereceu ao novo amigo.

    Em poucos minutos voc se sentir aliviado disse, com d de seunobre colega.

    Vini e Lucas soltaram um riso tmido, e fizeram sinal para oprofessor continuar.

    A conversa seguiu para o tema comunicao anunciou Toni. O nobre, um dos mais abastados de sua poca, disse que tinha muitosserviais, e que conseguia se comunicar com facilidade com outros nobres,pois seus vassalos podiam levar e trazer mensagens a qualquer momento.

    Ento, o brasileiro tirou do bolso um pequeno aparelho, discoualguns nmeros e comeou a falar com seu irmo, localizado em outroestado. Pediu at para ele dar um al, via telefone celular, para seu amigoto nobre e rico, fazendo o europeu emudecer finalizou o professor.

    Para terminar, eles conversaram sobre transporte falou Toni.

    O nobre do sculo XIV, quando conseguiu recuperar a fala,disse que tinha muitos cavalos e uma carreta de quatro rodas que lheproporcionava ir de uma aldeia a outra em poucos dias contou, imitandoa voz de locutor de rdio.

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    O brasileiro chamou o amigo para espiar pela janela, e elesvisualizaram seu veculo de motor um ponto zero, conhecido como carro

    popular. O tupiniquim disse que o automvel tinha setenta cavalos depotncia dentro dele e percorria cento e vinte quilmetros em apenasuma hora disse Toni, agora com voz de ator de comercial de televiso.

    O professor concluiu a histria contando que, quando o brasileiroterminou de falar, ele teve que sair correndo para fugir do no to nobreassim europeu. O brasileiro pulou em seu carro e fugiu, carregandoconsigo uma recm-adquirida sensao de bem estar.

    Depois de uma pequena pausa, Toni finalizou.

    J sou rico! deliciou-se o brasileiro.

    Os garotos suspiraram aliviados. A histria levou uma sensao deacalento, aliviando um pouco da dor que sentiam. Eles estavam digerindovagarosamente cada palavra. Pela primeira vez, sentiram que o dinheirono era algo que resolveria tudo. Eles concluram que tinham muito maisdo que muitas pessoas que viveram no passado.

    Quando se deram conta, o professor havia sumido do esconderijo,e eles precisavam se apressar, pois estava quase na hora da prxima aula.

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    A

    histria do nobre europeu, contada pelo professor Toni, permeoua mente dos garotos por dias, at que Vini e Lucas decidiramabordar o professor de educao fsica durante um dos recreios,com a inteno de conhecer mais histrias como aquela.

    Satisfeito por despertar interesse nos alunos, Toni concordou comnovos encontros.

    Ento podemos nos reunir depois da aula, na sala dos fundos docolgio.

    Ao final das aulas, os garotos despistaram os colegas de turma edesceram para encontrar Toni, que j os aguardava.

    Como voc inventou aquela histria? perguntou Lucas, sem fa-

    zer rodeio.

    tn ce can b, e e e ma beveaa, fe a evea.

    E fa ae e ma ceae eeca, m g eea qe cnhece ege nhe.

    Sociedade especial? questionou Vini, coando o queixo sujo dechocolate.

    Sim, a Sociedade da Fortuna revelou. Nossa misso auxiliar

    xIV

    A reVeLAodA soCIedAde

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    as pessoas, compartilhando os segredos do dinheiro.

    Eu nunca ouvi falar em nada parecido, nem sabia que dinheirotinha segredo falou Lucas, desconfiado.

    O professor sorriu. Ele j esperava aquela reao.

    Durante muito tempo a Sociedade da Fortuna utilizou tcnicaspara difundir os seus princpios que no surtiram efeito. As pessoasachavam que os conceitos sobre administrao do dinheiro eram muitocomplicados e tcnicos.

    Aps dcadas de intensas discusses e testes, a Sociedade voltou

    revigorada. Foram feitas pesquisas e estudos sobre o modo de agir doser humano e sobre o poder de suas emoes. Tambm foram incorpora-dos conhecimentos especializados sobre finanas pessoais. Com isso, osmembros do grupo criaram mtodos eficazes de ensino e transformaodas pessoas que genuinamente queriam fazer uma boa gesto de suasfinanas.

    As pessoas esto muito ocupadas e no percebem o que est asua volta filosofou o professor.

    Caso vocs comecem a prestar ateno, percebero que existe

    um ou mais membros da Sociedade da Fortuna em vrias famlias. Elespossuem adereos especiais que os fazem enxergar oportunidades re-lacionadas ao dinheiro e tambm a perceber as armadilhas financeiras.

    Ento nos conte logo os tais segredos do dinheiro disparou Lu-cas, descrente, colocando as mos nos fundos dos bolsos vazios de suabermuda.

    Toni se levantou e ajeitou a gola da camisa polo que vestia.

    Os segredos precisam ser conquistados. Vocs precisam se pre-parar para conhec-los disse, deixando uma sensao de mistrio no ar.

    Os meninos se entreolharam num misto de euforia e inquietao.Ser que aquela histria era verdadeira? Estava claro que o professor noentregaria os segredos de bandeja e, portanto, eles teriam que conquis-tar a sua confiana.

    Como surgiu a Sociedade da Fortuna? perguntou Lucas, me-xendo na cabeleira despenteada.

    Percebendo o entusiasmo dos jovens, Toni explicou calmamente.

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    A SociedAde dA FortunA42

    A Sociedade surgiu durante a Revoluo Francesa, no fim do scu-lo XVIII, com base em ideais iluministas. Criada para difundir informaes

    sobre conceitos e produtos financeiros, seus membros fundadores logoperceberam que com o crescimento da liberdade individual, do comrcioe dos direitos civis, o dinheiro passaria a ter influncia na qualidade devida das pessoas, sendo fundamental fazer uma boa gesto.

    Nada estabelece limites to rgidos liberdade de uma pessoaquanto a falta de dinheiro falou Toni, engrossando a voz. A frase deJohn Kenneth em uma das reunies do grupo lembrada at hoje disse,mostrando as bases da Sociedade.

    Enquanto Lucas refletia sobre a afirmao, Vini se levantou e es-piou pela janela da sala. Queria se certificar que no estavam sendo ob-servados.

    Conte-nos mais, professor sugeriu Vini. Como podemos des-vendar esses segredos?

    Homens fracos acreditam na sorte. Homens fortes acreditam emcausa e efeito o professor repetiu a frase do americano Ralph WaldoEmerson, filsofo que defendeu a independncia do homem, a autossufi-cincia, a liberdade e a capacidade de realizao que cada pessoa tem em

    si, e servia de inspirao para os membros da Sociedade da Fortuna.Sentindo que os garotos tinham interesse genuno nos segredos, o

    professor os incentivou.

    Poucos tiveram o privilgio de conhecer o que eu vou explicaragora para vocs.

    Ao ouvir aquilo, os garotos ficaram imveis e suas pupilas se dila-taram.

    Os mestres da Sociedade da Fortuna dedicam parte do seu tempopara orientar novos membros, fornecendo informao e servindo comoinspirao. Alm disso, montam as provas do desafio que mostraro se osescolhidos fazem jus revelao contou-lhes Toni.

    A afirmao que Toni fez na sequncia mostrou a dinmica para adescoberta dos segredos.

    Cada membro da Sociedade responsvel por selecionar e de-safiar, de tempos em tempos, potenciais conhecedores dos segredos. Odesafio consiste em cinco grandes provas, cada uma delas composta por

    uma srie de exerccios. Ao final do desafio, aquele que o completa com

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    F. A. ArAuJo 43

    sucesso, presenteado com a mquina do dinheiro, um acessrio perso-nalizado que expandir sua viso sobre o mundo das finanas contou

    Toni, arrumando o cabelo molhado.

    Lucas e Vini se levantaram em um pulo.

    Eu quero a mquina do dinheiro! eles exclamaram praticamen-te juntos.

    Tenham pacincia e o convite chegar o professor respondeu, eem seguida se despediu dos garotos, pois j estava quase atrasado paraseus compromissos.

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    A SociedAde dA FortunA44

    A

    lm de dar aulas no colgio, Toni tambm era dono de duaslojas de lanches e sucos naturais, pertencentes a uma rede defranquias. Poucos sabiam disso. Ele e sua esposa trabalharampara juntar dinheiro, e investiram na primeira loja.

    A conquista no foi fcil, e o casal teve que trabalhar por vriasnoites e nos finais de semana, mas o esforo foi recompensado. Em poucotempo eles conseguiram abrir uma nova unidade da loja. Assim, os ganhosda famlia de Toni vinham tanto dos seus trabalhos como funcionriosquanto dos seus empreendimentos.

    Naquela tarde, o professor foi para seu escritrio e preparou a cartaque enviaria aos garotos. Seria maneira antiga, uma carta selada com asregras do desafio. A mensagem era confidencial, pessoal e intransfervel;os selecionados deveriam responder se aceitavam ou no participar do

    desafio.

    Ao colocar o lacre com o braso da Sociedade da Fortuna, Tonirecordou sua entrada na Sociedade. Ter sido selecionado para desvendaros segredos do dinheiro mudou a sua vida, e podia fazer o mesmo com osgarotos.

    Um mensageiro selecionado por Toni, um simptico senhor decabelos brancos, levou as duas cartas e as entregou em mos a cada umdos garotos.

    Assim que chegou a Lucas, o envelope foi imediatamente aberto ea mensagem foi lida.

    xV

    o desAfIo

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    Prezado Lucas,

    A Sociedade da Fortuna tem a honra de convid-lo aparticipar de um desafio com o objetivo de desvendar ossegredos do dinheiro.

    Voc passar por quatro tarefas que, se completadas com sucesso,

    daro o direito a participar do desafio final.

    O total de cinco provas visa desenvolver atitudes e tcnicas paralidar com o dinheiro. Mestres da Sociedade da Fortuna sero os juzes queavaliaro se os desafiados atingem os objetivos e se merecem receber oprmio, a mquina do dinheiro, um acessrio personalizado que expandira viso sobre o mundo das finanas e melhorar a qualidade de vida doparticipante e de sua famlia.

    A condio para ser aceito no desafio se comprometer a participar

    com afinco das provas, dedicando o tempo necessrio. A disciplina fatorfundamental para o sucesso.

    Em caso de falha ou desistncia, o desafio ser automaticamentecancelado e o participante no receber a mquina do dinheiro.

    Os desafiados tero um tutor que os acompanharo durante todo odesafio, que ter durao de quatro meses. Ele os orientar e explicar asregras de cada uma das provas.

    Voc tem vinte e quatro horas para aceitar esse convite.

    Cordialmente,

    T.

    Aps ler a carta, Vini desejava encontrar Lucas e berrar que aceitavaparticipar do desafio, mas Lucas, receoso, tinha consideraes a fazer.

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    A SociedAde dA FortunA46

    H

    avia alguns dias que Lucas no dormia bem, e naquela noites conseguiu pegar no sono pesado pouco antes do alarme dodespertador tocar. Assim que ouviu o som irritante do relgio, elepensou angustiado. Meu Deus, s vou poder dormir novamente

    noite.

    Antes de se encontrar com Vini, no caminho para a escola, Lucasrefletia sobre suas inquietaes. Ser que o professor Toni um charlato?Por que ele no entrega logo os tais segredos? Talvez queira nos fazer sofrer.

    O professor Toni no parece to rico assim ele comentou comVini, logo que o viu. Ele trabalha na escola, e seu salrio no deve seralto. Acho que a histria da Sociedade da Fortuna fantstica demais, eme parece uma inveno dele.

    E voc parece um limo! Vini exclamou, ao ouvir as consideraesdo amigo. Que azedo, Lucas ele completou, balanando a cabea deum lado para o outro.

    Caminhando juntos, os dois ficaram calados, at que Viniinterrompeu o silncio.

    Para mim, a histria que ele contou bem convincente, e seaceitarmos participar do desafio, vamos ter de abrir mo do lazer e nosdedicar um bocado.

    xVI

    INdeCIso

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    O professor Toni nos alertou sobre isso, mas o que pareceuma oportunidade pode mudar completamente nossas vidas Lucas

    resmungou irritado.

    Agora temos pouco tempo para tomar a deciso e comunicarao professor Vini comentou, enquanto relia a carta recebida na noiteanterior.

    Lembrando-se do aviso que estava sobre a mesa da sala, ondedizia que seus pais deveriam pagar a dvida ou perderiam a casa, Lucasconfessou ao amigo.

    Acho que no tenho escolha, e minha famlia depende da minha

    deciso.

    Vini esboou um sorriso, pegou Lucas pelo brao e correu paraavisar Toni que eles aceitavam o convite.

    Entre animados e assustados, os garotos j se sentiam fazendoparte da aventura.

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    A

    o ver os garotos caminhando em sua direo, Toni levantouos braos demonstrando satisfao. Ele ficou feliz em saberda aceitao do convite pelos meninos. Por mais estranho queparea, muitos se recusam a participar do desafio ou demoram

    para tomar a deciso e perdem a oportunidade.

    Por favor, me acompanhem para iniciarmos essa empreitada disse Toni, apanhando uma sacola e sinalizando para os garotos oseguirem.

    A primeira prova chama-se O Mapa e consiste na montagem deum oramento anunciou.

    A primeira fase do desafio consistia em aprender a fazer umoramento financeiro, uma ferramenta importante para melhorar a

    gesto das finanas pessoais e familiares. O pessoal da Sociedade daFortuna dizia que o nome correto daquela tarefa era Construa seu Mapa,pois a confeco de um oramento fazia com que cada pessoa pudesseperceber seu padro de ganhar e de usar o dinheiro. Com o resultado, ouseja, o mapa em mos, seria muito mais fcil caminhar em direo aossegredos do dinheiro e fazer uma boa gesto financeira.

    O que medido, melhora diziam os membros da Sociedade daFortuna.

    Eles estavam atrs de Toni, segurando suas mochilas. O caminho

    xVII

    1a

    ProVA: o mAPA

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    indicava que eles rumavam para o esconderijo. Durante o trajeto, oprofessor aproveitou para lhes contar uma histria sobre a ferramenta

    financeira.

    A maioria das pessoas concorda que fazer um oramento pessoalgera benefcios comeou Toni. O oramento ajuda a identificardesperdcios, nos faz enxergar com clareza para onde est indo nossarenda e enseja a poupana. Alm disso, uma excelente ferramenta paracolocar em prtica alguns planos, como a compra de um computador ouat mesmo de um carro, pois ele nos auxilia a disciplinar as aes.

    Lucas e Vini acompanhavam o raciocnio com ateno. Tonicontinuou a discursar.

    Como benefcio secundrio, podemos dizer que a adoo deum oramento pessoal, com acompanhamento constante, evita oendividamento. O usurio da ferramenta consegue antever o problema.Logo, gasta menos com juros e multas.

    Ento, a maioria das pessoas segue um oramento, no ? questionou Vini, no contendo a curiosidade.

    Infelizmente no, meu caro. Poucos o fazem respondeu Toni,

    baixando o olhar para o caminho de terra batida. A chace amen maa faa e cme em eca ema an faem cm qe a feamena ea baa.M acmanham a eea aena e exa acna-cene e ca e c.

    Aps aquele papo, Toni e os garotos chegaram ao esconderijo etomaram cuidado para entrar sem serem notados, pois a misso mereciacuidados. Toni colocou sua sacola no cho e agachou para abri-la. Antes,porm, concluiu seu discurso.

    Montar um oramento chato, fazer anotaes de despesas trabalhoso e a comparao entre o gasto previsto e o realizado trazdesapontamento. A maioria dos modelos de oramento existentes temmuitos detalhes e so difceis de controlar. Os indivduos que tm fora devontade para elaborar um, desistem dele no meio do caminho finalizou,preparando-se para abrir seu saco de ferramentas.

    O professor retirou de sua sacola algumas engenhocas de metale fios de cobre cobertos por borrachas coloridas. Os garotos deram umpasso para trs e observaram a construo com curiosidade.

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    Os mtodos da Sociedade da Fortuna no so tradicionais confidenciou Toni, sem tirar os olhos da bugiganga que montava.

    Com algumas marteladas, juno de partes, colocao de bateriase amarrao de fios, Toni instalou uma mquina em um dos cantos doesconderijo de Lucas e Vini. Na parte de cima do equipamento havia umpequeno teclado para a insero de dados e uma tela de cristal lquido.

    Essa prova ter a durao de sessenta dias. Vocs tero quealimentar essa mquina com dados que devero ser coletados diariamente.O equipamento dar as instrues ao final de cada fase dessa prova Toniorientou os alunos.

    Quando vamos comear a fazer esse tal oramento? perguntouLucas.

    Toni tirou de sua sacola dois bloquinhos de papel e deu aos alunos.O presente tinha o braso da Sociedade da Fortuna grafado na capa dura.

    Nos prximos trinta dias, metade do tempo da primeira prova,vocs devem anotar nesse bloquinho todas as receitas da famlia de Lucase tambm todas as despesas orientou Toni.

    As receitas, ou seja, tudo aquilo que os Bezerra recebem de

    dinheiro, so bem simples de perceber pois acontecem uma vez por ms.J as despesas ocorrem praticamente todos os dias explicou o professor.

    Temos que anotar tudo? perguntou Lucas, virando as pginasdo bloquinho que continha apenas folhas pautadas em branco.

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    Tudinho o professor frisou. Marquem a data, o nome do gastoe o valor. Cada uma das linhas das folhas do bloquinho serve para cada

    item. Aproveitem que hoje o primeiro dia do ms, e mos obra elecompletou.

    Por fim, juntando rapidamente suas ferramentas, Toni se despediude seus alunos e saiu do esconderijo sem olhar para trs.

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    A SociedAde dA FortunA52

    q

    ue aventura mais estranha! Lucas exclamou,franzindo a testa.

    Acho que teremos muito trabalho falou Vini.

    Como eu vou conseguir os dados dos salrios e dos gastos dosmeus pais? perguntou o Senhor Ranzinza, desanimado. A ltima vezque fiz isso eu levei um belo tapa.

    Diga que se trata de um trabalho para a escola, e voc precisados dados para a aula do professor Everaldo sugeriu Vini, quase sem

    flego. Seus pais adoram o professor de matemtica e no se negaro acolaborar finalizou.

    Brilhante! empolgou-se Lucas. O restante dos dados no serto difcil de conseguir. O extrato da conta corrente deles fica na gavetada sala. Alm disso, a cada dia eu posso pedir os gastos para minha mee para meu pai.

    O duro ser esperar esses trinta dias para essa bugiganga eletrnicanos contar algum segredo sobre o dinheiro disse Vini, arrancando umsorriso do amigo cabeludo.

    xVIII

    mos oBrA

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    Fae 1: ana

    Os trinta dias seguintes foram trabalhosos para os garotos. Elesandaram para todos os cantos acompanhados pelo bloquinho, e qualquerdinheirinho que saa da carteira de seu Jaime ou de Lcia gerava umaanotao no bloco dos vigilantes garotos. A data, o motivo e o valor dodesembolso ocupavam as linhas do pequeno caderno.

    Em casa, noite, Jaime passava para Lucas os gastos das contasque pagou no banco ou pelo computador, como a de luz e a do telefone.Eram contas que ele no pagava com cdulas e moedas, mas que tambmdeviam ir para as anotaes, alm, claro, dos gastos no carto de crdito.

    Jaime estava contente em ajudar o filho no trabalho da escola. Elesabia que o professor Everaldo sempre inovava nos mtodos de ensino e,

    j que o objetivo era educacional, Jaime e Lcia no ligaram em mostraro valor dos seus rendimentos para o filho.

    Perto do final do perodo de trinta dias, os garotos j estavamansiosos para inserir os dados anotados no bloquinho na tralha eletrnicado professor Toni.

    Fae 2: aga

    No primeiro dia do ms seguinte, Lucas e Vini correram para oesconderijo carregando seus inseparveis bloquinhos. Enquanto Viniditava, Lucas, com seus dedos finos, digitava os dados no pequeno teclado.

    Dia dois, conta de luz, noventa e dois reais e dez centavos Vinirelatou. Dia trs, combustvel, sessenta reais o garoto continuou, atditar todos os dados anotados na cadernetinha.

    Ao digitar o ltimo valor, a mquina cuspiu uma nova instruo.

    Agrupem o total de receitas e despesas do perodo mostrou a telada bugiganga. Mostrarei novamente cada um dos itens e vocs devemindicar em que classe de gastos eles se enquadram: alimentao, habitao,vesturio, transporte, higiene e cuidados pessoais, sade, educao, lazere cultura, impostos, servios financeiros e outras despesas. orientou amquina.

    Realmente seria muito difcil analisar separadamente os centoe cinquenta e dois itens que anotamos falou Lucas, expondo seu

    raciocnio.

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    A cada um dos itens que a mquina mostrava, os garotos apertavamo boto para agrup-lo em cada uma daquelas onze caixinhas, que mais

    parecia um antigo joguinho de videogame. Assim, Lucas e Vini no tiveramdificuldade em realizar a segunda fase da tarefa.

    Fae 3: anaa

    Avaliem os resultados ordenou a mquina, mostrando os dadosdas receitas e despesas j agrupados nas caixinhas.

    A terceira fase da primeira prova estava prestes a comear.

    Naquele momento, com sua vestimenta de educao fsica, esuando bastante, o professor entrou no esconderijo. Era o horrio da aulada turma do oitavo ano e Toni tinha acabado de ordenar que os alunosdaquele grupo aquecessem por quinze minutos. Com isso, ele deu umaescapada para orientar seus pupilos, Lucas e Vini, antes deles seguirempara a fase de anlise.

    Por que os oramentos pessoais falham? perguntou Toni,colocando o dedo mdio e o indicador no pulso, para contar seusbatimentos cardacos.

    Lucas e Vini se entreolharam e nada disseram. Toni respondeu suaprpria indagao.

    o amen ea faham qe fe cmbae n qe gaam qe ee fem e n na maneacm n cmam eamene afirmou.

    Quando a realidade no bate com o previsto, a pessoa se frustrae, consequentemente, o acompanhamento oramentrio termina disse

    Toni, utilizando um linguajar tcnico.Com o rosto coberto por gotculas de suor, Toni apanhou um giz

    que ele achou no cho, e desenhou numa velha lousa abandonada na sala.

    O processo padro de montagem de um oramento o seguinte Toni continuou sua pequena aula.

    Em primeiro lugar a pessoa imagina, ou seja, faz uma estimativade receitas e despesas, e as coloca no papel. Muitas vezes essa estimativa baseada naquilo que o indivduo acha que o ideal, e no no seu

    comportamento real.

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    O passo seguinte comear a anotar os valores das receitas edespesas mensais. Em seguida, faz-se a comparao do imaginado com

    o real. O resultado desanimador e frustrante, pois a distncia entre oimaginado e o real costuma ser imensa disse o professor, lanando ogiz numa pequena lixeira como se ela fosse uma cesta de basquete.

    Vini abriu a boca, espantado com a habilidade esportiva doprofessor.

    Com isso, a pessoa desiste da ferramenta concluiu Toni,soltando um sorriso amarelo.

    Ento quer dizer que o oramento uma pea de fico?

    perguntou Lucas, resignado.

    Gastamos um tempo danado e no deu em nada? perguntouVini, demonstrando seu desnimo.

    Toni olhou bem no fundo dos olhos dos meninos.

    A adoo do processo padro de imaginar, anotar, ver o resultado,frustrar-se e desistirleva as pessoas a concluses parecidas com a de vocs disse o professor. Elas no se beneficiam dos frutos de um oramentobem feito.

    Mas vocs esto fazendo um processo diferente. Agora vocsvo avaliar e agir, pelos prximos trinta dias, com base na realidade dafamlia de Lucas, ou seja, dados reais falou Toni, entusiasmado.

    Agora sim que vocs vo montar o oramento da famliaBezerra. A imaginao da previso de gastos ser embasada em dadosreais, que demonstram o comportamento da famlia. Assim, as previsesficam mais realistas e as metas de diminuio de gastos mais prximasde serem atingidas ensinou Toni.

    Lucas piscou os olhos, enquanto Vini ia anotando o mximopossvel do ensinamento.

    Com a adoo desse mtodo, tenho certeza que o oramentose tornar uma ferramenta de fcil utilizao, capaz de mudar ocomportamento, gerando hbitos mais saudveis e conscientes deadministrao financeira concluiu o mentor dos garotos.

    Antes de voltar para a aula da turma do oitavo ano, Toni deu umaltima dica.

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    No deixem de inserir nas suas estimativas para os prximostrinta dias, a previso de um valor para imprevistos. Ela servir como

    um amortecedor, fazendo com que seu oramento no quebre logo noprimeiro ms.

    Depois que Toni os deixou, Lucas e Vini passaram a hora seguintedebruados sobre os dados compilados pela mquina.

    No sabia que gastvamos tanto com transporte concluiu Lucas,ao ver os gastos com combustvel, estacionamento e seguro do automvel.

    Mas o gasto com gs de cozinha menor do que eu imaginava disse Vini, ajeitando os culos que usava exclusivamente para fazer lio

    de casa.

    Ao finalizar a conversa sobre a avaliao, os garotos esperarampela ordem final.

    Fae 4: ema

    A mquina fez um pequeno barulho e soltou a ltima orientaodaqueles primeiros trinta dias: estimem as receitas e despesas para os

    prximos trinta dias e ajam para atingi-las.Como os garotos eram inexperientes com o tema e tinham pouco

    poder para mudar os gastos da famlia em to escasso tempo, elesestimaram que o padro do ms seguinte seria parecido com o do msatual. Algo bastante sensato nessa situao.

    Eles tentariam reduzir o custo da energia eltrica e os gastos coma padaria, itens que eles tinham algum controle. Os garotos traaramalgumas metas de diminuio de gastos e pretendiam comunic-las aoJaime e Lcia.

    Os primeiros trinta dias tinham sido completados com sucesso.Pela primeira vez Lucas teve contato com o padro do uso do dinheiroem sua casa. Logicamente, ele no entendeu alguns termos e muitas dasdenominaes de impostos. Mas s o fato de saber que podia anot-los,agrup-los, analis-los e avali-los, para mudar alguma coisa no msseguinte, j proporcionou uma sensao de bem-estar ao garoto.

    Eles teriam que repetir o processo de anotar tudinho pelos prximostrinta dias e s se reencontrariam com a mquina no dia primeiro do ms

    seguinte.

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    Vamos para o segundo tempo dessa partida disse Vini,aplicando uma gravata no pescoo do seu amigo mais magro.

    Lucas se desvencilhou do golpe do colega de ossos largos e correupara fora do esconderijo, carregando seu bloco recheado de anotaes.

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    d

    urante os trinta dias seguintes os meninos repetiram o processode anotar todas as receitas e despesas dos Bezerra. Jaime e Lcianunca os viram to envolvidos em um trabalho escolar. Lciaapelidou o filho e o amigo de carrapatos, pois eles a seguiam,

    anotando seus gastos naquele bloquinho.

    Lucas e Vini agiram para reduzir os gastos. Eles apagaram as luzesde ambientes vazios e influenciaram Jaime e Lcia a economizarem napadaria, pois eles queriam ver se teriam resultados no final do segundoms.

    Durante o segundo ciclo de trinta dias os meninos tiveram brevesconversas com Toni. Algumas dicas e aprendizados surgiram desses bate-papos.

    Teremos que fazer esse tipo de anotao para sempre? perguntouLucas, preocupado com a trabalheira que estavam tendo.

    No ser necessrio respondeu o professor calmamente. de qe vc cnheceem a e ga, baa macmanhamen emana aa e benefca a feamena.A eca e agn mn emana fcene.

    Os meninos pareciam aliviados com a notcia.

    Esse processo de anotao diria de gastos para quem nunca

    xIx

    A rePetIodo CICLo

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    fez um oramento ou para quem est muito endividado continuou ohomem de porte atltico.

    No adianta se trancar em casa, economizar no papel higinicoe anotar que comprou um cafezinho. Isso torna o controle financeiromuito chato e vira um desestmulo. O mais importante ter conscinciade como voc utiliza o dinheiro completou Toni.

    Eu percebi que devemos manter o padro de agrupamento parapoder comparar os gastos ao longo do tempo disse Lucas ao professor.

    Se consideramos que jantar fora de casa um gasto de lazer,no ms seguinte devemos lan-lo novamente como lazer, e no

    como alimentao, seno nossa comparao fica furada Vini falou,completando o raciocnio de Lucas.

    Toni estava orgulhoso dos seus desafiados, mas ainda era apenaso comeo.

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    N

    o primeiro dia do ms seguinte, a cidade amanheceu nublada edebaixo de uma fina garoa. O clima no condizia com a animaodos garotos por chegarem ao dia final da primeira prova dodesafio da Sociedade da Fortuna. Porm, o clima sombrio

    combinaria perfeitamente com o resultado que os meninos veriam embreve.

    Ao colocar os dados no sistema e classific-los, os garotos seassustaram com a cor emitida pela mquina. O vermelho invadiuo esconderijo, colorindo as paredes como se a mquina tivesse setransformado em uma potente lanterna.

    Os gastos com energia eltrica e com padaria tinham diminudo,mas os Bezerra estavam endividados, e os gastos com juros e multas

    fizeram com que eles fechassem o ms no vermelho, ou seja, gastarammais do que receberam.

    Toni era experiente e sabia que aquele resultado ocorreria com ooramento da famlia Bezerra. Lucas e Vini cumpriram a primeira provado desafio da Sociedade da Fortuna com maestria.

    o me ege ea ma cncnca a afnancea e e hb em ea a nhe.

    Eles aprenderam a construir os seus prprios mapas e podiam

    passar para a segunda fase. Era hora de comunicar isso aos meninos.

    xx

    o resuLtAdoem VermeLHo

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    Ao entrar na sala, que mais parecia um boteco com segundasintenes devido colorao avermelhada e parca decorao, Toni

    encontrou os garotos desapontados.

    Eles pensaram que no cumpriram a misso, mas o professou oscongratulou, mostrando que eles tinham tido sucesso. O importante,naquele momento, era saber montar o seu mapa e tomar conscincia dasituao. Resolv-la com um passe de mgica era impossvel.

    Chegamos ao final da primeira prova proferiu Toni.

    O resultado requerido no sentar uma vez por ms em frente auma planilha para analisar nmeros ou ficar anotando todo e qualquer

    desembolso em uma folha de papel. O efeito desejado que, ao passarsessenta dias vivenciando intensamente o comportamento financeirode sua famlia e refletindo sobre ele, vocs tenham adquirido os bonshbitos de quem usa o oramento adicionou.

    O semblante dos garotos estava menos abatido.

    O objetivo no apenas reduzir, mas melhorar a qualidade dosseus gastos concluiu.

    Lucas comeou a respirar mais tranquilamente, enquanto Vini se

    espreguiou de forma relaxada.

    Com a prova finalizada, vocs tm uma ideia mais clara dos seusgastos, pois tomaram conscincia deles. Assim, sero capazes de tomardecises mais conscientes de consumo continuou Toni.

    Eu passei a dar valor a desligar a luz em ambientes onde no hningum disse Lucas, percebendo a mudana de hbito.

    E eu a pechinchar descontos em lojas e ajudar a minha me afazer uma lista de compras disse Vini, imaginando o que sua me fariapara o jantar com os ingredientes do supermercado.

    Agora vocs sabem que a economia gerada por essas atitudes fonte de poupana e folga no oramento Toni completou, aproveitandoa deixa dos pupilos.

    Como eu adiantei, aps um perodo, um acompanhamentosemanal de gastos, anotando-os em uma planilha, deve ser suficiente disse Toni, retirando um papel com anotaes do bolso traseiro de suacala.

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    As consideraes de Toni estavam no fim, faltava apenas explicar osignificado das cores que poderiam sair da mquina, ao trmino da prova.

    O professor o fez de forma didtica.

    Ele explicou que a luz verde seria emitida caso o oramento fossesuperavitrio, ou seja, a famlia gastasse menos do que recebia. Esse o objetivo de qualquer oramento familiar. S assim possvel realizarinvestimentos e viver com tranquilidade.

    J a luz amarela apareceria se o oramento fosse neutro, ou seja,os Bezerra gastassem exatamente o valor que receberam no ms. Seganhassem dez, gastariam dez, sem sobrar nada, mas sem gastar a mais.Nessa situao, de aparente equilbrio, caso ocorresse algum imprevisto,a famlia teria que se socorrer em algum emprstimo emergencial, queacarretaria em pagamento de juros. Os juros, na viso de quem deve, soum valor que se paga pelo emprstimo do dinheiro.

    Mas a luz que saiu foi a vermelha, ou seja, mostrou um oramentodeficitrio. A famlia gastou mais do que gerou no ms. Isso faz com queeles gerem dvidas e paguem juros. Nesse caso, eles tm que montar umplano para sair do buraco.

    Os garotos entenderam a classificao do resultado dos oramentos

    e esboaram um sorriso. Eles estavam evoluindo, apesar de a famliaBezerra estar no vermelho. Lucas e Vini desbravaram o primeiro segredodo dinheiro, pois aprenderam a construir os seus prprios mapas, ou seja,o oramento financeiro.

    Lucas fez uma ltima anotao em seu bloco antes de sair doesconderijo e voltar para casa: o oramento uma ferramentaque possibilita tomar conscincia da situao, ajudando aidentificar e entender os hbitos em relao ao dinheiro.

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    garoa fina j havia se dissipado quando Lucas chegou suacasa. O frio ainda persistia, mas o garoto no ligou muito parao tempo, pois ele se sentia revigorado com o sucesso obtido naprimeira prova. Ao encontrar seu pai e sua me em casa foi logo

    falando.

    Finalmente terminamos aquele trabalho de matemtica erecebemos elogios pelo resultado disse orgulhoso. Obrigado pelaajuda agradeceu, abraando a me com ternura.

    O telefone tocou antes que Lucas pudesse mostrar o resultado deseu trabalho para seus pais, e Jaime correu para atend-lo, largando suamala preta em um canto da sala. Era o gerente do banco do outro lado dalinha.

    Lucas escutou a conversa de seu pai com o funcionrio dainstituio financeira. O dilogo deixou claro que o tempo para a famliaconseguir o dinheiro para pagar as parcelas atrasadas do financiamentodo apartamento estava se esgotando. O gerente informou que o nome deJaime foi parar em um cadastro de devedores e o prximo passo seria aretomada do apartamento pelo banco para venda em leilo.

    A me nme e e jame, cabbax. onme ea a nca heana qe me a me exaam!

    Os primeiros sentimentos de Lucas ao ouvir aquela conversa foram

    xxI

    um INdeseJAdo CAdAstro

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    de tristeza e de raiva, mas ele no se abateu. Ele pegou seu bloquinhoe fixou o olhar no braso da Sociedade da Fortuna desenhado na capa.

    Com a descoberta dos demais segredos do dinheiro, ele tinha esperanade ajudar a tirar a famlia daquela situao embaraosa.

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    ara Lucas, conhecer a ferramenta do oramento foi um grandepasso, mas no o suficiente. A cor vermelha mostrava que suafamlia estava com o oramento deficitrio, e nessa situao preciso pegar emprstimos e contrair dvidas para equilibrar as

    finanas. Muitas vezes, o custo desses emprstimos elevado.

    A segunda fase do desafio era fazer a gesto do resultado dooramento. No caso dos garotos, o caminho era fazer a gesto de umoramento negativo, o que significa que eles teriam que apreender a geriras dvidas e a sair do buraco.

    A egna va cnheca cm A Rota, vce qe cn m camnh aa a a va annc tn, naquela manh de sbado, ao abrir a porta do carro

    para a entrada dos garotos.

    Dependendo da cor da luz que a mquina emitisse, verde,amarela ou vermelha, tomaramos um rumo diferente explicou Toni,enquanto seguia em direo ao endereo escolhido. Como o resultadofoi o vermelho, devemos nos dirigir ao ltimo andar do edifcio localizadona Rua do Atoleiro, nmero 100 completou.

    Lucas coou o nariz e Vini fez uma bola com o chiclete sabormelancia que mascava.

    No fiquem chateados. A prova do atoleiro a mais completa das

    xxII

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    ProVA: A rotA

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    trs possveis falou Toni, enquanto dirigia.

    Prximos ao endereo indicado, o professor diminuiu a velocidadedo carro e procurou uma vaga. Por sorte, ele avistou um carro que estavade sada e estacionou o veculo na vaga em frente a um velho edifcio queficava no centro da cidade.

    Na entrada do prdio, o zelador, um senhor grisalho e bembarbeado, recepcionou os trs visitantes. Ele indicou o caminho do nicoelevador do edifcio, que ficava bem no centro do lobby.

    O elevador estava vazio e o professor rapidamente apertou o botoque indicava o ltimo andar.

    A subida foi sem escalas. Aps o soar de um apito, a porta se abriurevelando a existncia de um enorme salo, repleto de pessoas de todosos tipos. Toni levou os garotos para uma extremidade do espao para quepudesse passar as instrues da segunda prova.

    Quanta gente! exclamou Lucas, vendo as pessoas caminharempelo andar, aparentemente sem rumo.

    Quem so essas pessoas? perguntou Vini, lanando o chicletemascado em um cesto de lixo.

    Essas so pessoas endividadas, que precisam de ajuda explicouo professor. A Sociedade da Fortuna organizou esse evento para ajud-las e tambm para form