sociedade e natureza: percepção dos produtores rurais... solano de ...

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDNIA - UNIR

    SOCIEDADE E NATUREZA: PERCEPO DOS

    PRODUTORES RURAIS DO ENTORNO DA

    FLORESTA NACIONAL DO JAMARI/RO

    SOLANO DE SOUZA FERREIRA

    PORTO VELHO RO

    2014

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    SOLANO DE SOUZA FERREIRA

    SOCIEDADE E NATUREZA:

    PERCEPO DOS PRODUTORES RURAIS DO ENTORNO DA FLONA DO

    JAMARI/RO

    Dissertao apresentada Universidade Federal de Rondnia,

    como parte das exigncias do Programa de Ps-Graduao

    Mestrado em Geografia (PPGG), rea de concentrao

    Amaznia e Polticas de Gesto Territorial, para obteno do

    ttulo de Mestre.

    Orientador: Prof. Dr. Josu da Costa Silva

    PORTO VELHO, 2014

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    FICHA CATALOGRFICA

    Bibliotecria Responsvel: Cristiane Marina Teixeira Girard/ CRB 11-897

    Ferreira, Solano de Souza.

    F383s

    Sociedade e natureza: percepo dos produtores rurais do entorno da Floresta Nacional do Jamari-RO / Solano de Souza Ferreira. Porto Velho, Rondnia, 2014.

    224 f.

    Dissertao (Mestrado em Geografia) Fundao Universidade Federal de Rondnia/UNIR.

    Orientador: Prof. Dr. Josu da Costa Silva

    1. Geografia. 2. Percepo. 3. Fenomenologia. 4. Sustentabilidade. 5. Historia oral. 6. Mediao miditica. I. Silva, Josu da Costa. II. Ttulo.

    CDU: 91

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    DEDICATRIA

    ilustre senhora Maria dos Anjos Costa, que com

    muita dificuldade me gerou, criou, educou, e me

    fez no que hoje sou.

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    AGRADECIMENTOS

    DEUS, o Todo Poderoso, que fez os cus e a terra, e tudo governa para a sua glria!

    Ao professor doutor Josu da Costa Silva que compreendeu minhas dificuldades

    pessoais, relevou alguns aperreios, e me ajudou com sua sabedoria, pacincia e didtica

    de um homem apaixonado pelo ensino e que ama a Geografia.

    Aos professores doutores que somaram nessa aprendizagem e aos demais professores e

    todos os servidores da UNIR que atuaram e atuam diretamente no Ncleo de Ps-

    Graduao Mestrado em Geografia: Adnilson de Almeida Silva, Dorisvalder Dias

    Nunes, Josu da Costa Silva, Maria das Graas S. N. Silva, Adriana Cristina da Silva

    Nunes, Lucileyde Feitosa Sousa e Ricardo Gilson da Costa Silva excelentes doutores

    que contriburam para a minha compreenso e apreenso das riquezas da Geografia para

    a pesquisa e para o meu saber.

    Ao amigo gegrafo Alexis de Souza Bastos que incentivou e at insistiu para que eu

    entrasse nesse Programa de Ps-Graduao, e no bastando muito contribuiu no decurso

    da pesquisa e dissertao.

    A amiga gegrafa Fabiana Barbosa Gomes e sua equipe da RIOTERRA que contribuiu

    na elaborao dos mapas inseridos nesta dissertao.

    Aos colegas de turma que nos momentos estressantes de estudos e descobertas

    contriburam nas atividades em sala e extra-sala.

    A amiga Telma Ferreira que muito apoiou e ajudou em diversas fases deste Mestrado e

    como legitima pedagoga sempre se preocupa com a turma.

    Aos meus irmos e irms ureo (in memorian), Irene, Regina, Aurlio, Carminha,

    Teonlia, Natlia, Antelmo, Cremilda, ao meu pai Antnio de Souza Ferreira, minha

    me Maria dos Anjos Costa; todos torceram pela concluso dessa etapa em minha vida.

    Famlia grande que no d para citar aqui todos os descendentes, mas amo a todos e

    todas.

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    Aos colegas de trabalho e aos meus superiores que compreenderam e colaboraram em

    minhas ausncias para aulas e atividades de campo, na certeza de que a minha

    aprendizagem renderia ao grupo bons resultados.

    s dezenas de irmos em Cristo que tambm incentivaram e compreenderam essa fase.

    E a minha amada Eliane Maria Krupinski que me trouxe motivao e alegria depois de

    uma fase difcil que atravessei, e com sua paz de esprito e comprometimento

    sentimental bem soube me ajudar na retomada de minha vida.

    Enfim, a todos e todas que aqui no esto, mas muito contriburam. Muito obrigado!

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    RESUMO

    A dissertao resultado de pesquisa de percepo dos produtores rurais, a partir dos 26 anos,

    sendo faixa etria adulta, sobre o ambiente composto pelo entorno da Floresta Nacional do

    Jamari, em Itapu do Oeste, Rondnia, analisando e compreendendo a formao do espao, suas

    representaes e identidades, de perspectivas de produo, cultura, comunicao e espacialidade

    ambiental. Aps reviso crtica de estudos foi centrado no mtodo fenomenolgico, com

    abordagens nas tcnicas geogrficas de estudos agrrios, cultural e religioso, da histria oral

    temtica e de recepo miditica. Os resultados so apontados de forma analtica descrevendo a

    percepo do sujeito sobre o objeto. O espao pesquisado composto por agricultura familiar

    com presso de minerao, indstria madeireira e monocultura e tende para o esvaziamento das

    pequenas propriedades diante da falta de polticas pblicas que possam fixar no campo as

    famlias de pequenos agricultores. A pesquisa foi desencadeada com agricultores em regime

    familiar que desenvolvem suas atividades rurais com modelo de agricultura no condizente com

    a realidade amaznica, o que causou desgaste do solo agrcola, reduo da produo, estagnao

    econmica da populao e avano da pecuria. Compreender os fenmenos presentes no lugar

    trouxe orientaes que podem auxiliar em outros estudos e nas diversas anlises para orientao

    de polticas pblicas que possam conciliar desenvolvimento econmico com preservao

    ambiental, compensando ao agricultor familiar diante das presses da pecuria e monocultura. O

    pequeno produtor do entorno percebe o objeto como espao de produo, e a rea de reserva

    florestal como espao coletivo de bem ambiental que poderia ser explorado pelos moradores e

    no por empresas concessionrias oriundas de outros estados.

    Palavras-chave: Geografia, Percepo, Fenomenologia, Sustentabilidade, Historia oral,

    Mediao miditica.

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    ABSTRACT

    The dissertation is the search result of perception of rural producers, from 26 years and adult

    age group, about the environment consisting of the surroundings of Jamari national forest in

    Itapu do Oeste, Rondnia, analyzing and understanding the formation of the space, its

    representations and identities, with prospects of production, culture, communication and

    environmental space. After critical review of studies was centered on the phenomenological

    method, with geographical techniques approaches of agricultural, cultural and religious studies,

    oral history and thematic media reception. The results are aimed at describing the subject's

    perception analytical about the object. The search space consists of small farming, mining

    pressure wood industry and monoculture and tends to the emptying of the small farms on the

    lack of public policies that can attach to the families of small farmers. The search was triggered

    with farmers in family scheme to develop their rural activities with agriculture model not

    befitting the Amazon reality, which caused agricultural soil wear, reduced production, economic

    stagnation of population and livestock feed. Understand the phenomena present in the place

    brought guidelines that can assist in other studies and in various analyses for orientation of

    public policy that can reconcile economic development with environmental preservation,

    compensating the family farmer in the face of the pressures of livestock and monoculture. The

    small surrounding producer realizes the object as production space, and the area of forest

    reserve as well environmental collective space that could be exploited by locals and not by

    concessionary companies from other States.

    Keywords: Geography, Perception, Phenomenology, Sustainability, Oral history, Mass media.

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    SIGLAS UTILIZADAS

    APP rea de Preservao Permanente

    AROESTE Associao dos Produtores Rurais de Itapu do Oeste

    BASA Banco da Amaznia S/A

    CONAMA Conselho Nacional de Meio Ambiente

    COOPERAMA Cooperativa de Produtores da Amaznia Ltda

    CSN - Companhia Siderrgica Nacional

    EMATER Associao de Assistncia Tcnica e Extenso Rural

    FLONA DO JAMARI Floresta Nacional do Jamari

    IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis

    IBDF Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    ICMBIO Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade

    IDARON Agncia de Defesa Sanitria Agrosilvopastoril do Estado de Rondnia

    INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria

    INSS Instituto Nacional do Seguro Social

    ITAPU FM Associao Comunitria de Radiodifuso Novo Horizonte

    EMBRATEL Empresa Brasileira de Telecomunicaes S/A

    FNO Fundo Constitucional e Operacional do Norte

    MTE Ministrio do Trabalho e Emprego

    PF Polcia Federal

    PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

    RADIOBRAS Empresa Brasileira de Comunicao S/A

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    RIOTERRA Centro de Estudos da Cultura e do Meio Ambiente da Amaznia

    STTR Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Itapu do Oeste

    SUCAM Superintendncia de Campanhas de Sade Pblica e Combate a Malria

    SUFRAMA Superintendncia da Zona Franca de Manaus

    UC Unidade de Conservao de Uso Sustentvel

    UNIR Fundao Universidade Federal de Rondnia

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1. Faixa etria ........................................................................................................... 91

    Tabela 2. Organizao social ................................................................................................ 93

    Tabela 3. Principais atividades das propriedades ................................................................ 96

    Tabela 4. Importncia econmica do gado ........................................................................... 96

    Tabela 5. Principal fonte de renda do gado .......................................................................... 97

    Tabela 6. Quantitativos e tipos de animais criados .............................................................. 98

    Tabela 7. Quantitativos da produo agrcola da propriedade ........................................... 99

    Tabela 8. Ciclo de comercializao ..................................................................................... 100

    Tabela 9. Principais problemas para o cultivo agrcola ..................................................... 101

    Tabela 10. Nvel de escolaridade......................................................................................... 102

    Tabela 11. Documento da propriedade .............................................................................. 103

    Tabela 12. Tempo de residncia no lugar ........................................................................... 104

    Tabela 13. Fontes de gua existentes .................................................................................. 106

    Tabela 14. Tipos de tratamento dgua .............................................................................. 107

    Tabela 15. Benefcios de projetos ambientais ..................................................................... 112

    Tabela 16. Tipos de equipamentos e acessrios para aplicao de agrotxicos ................ 117

    Tabela 17. Religio dos proprietrios rurais ...................................................................... 123

    Tabela 18. Como toma conhecimento de notcias e informaes ....................................... 130

    Tabela 19. Preferncia na programao de televiso ......................................................... 132

    Tabela 20. Nvel de tomada de deciso pela programao da televiso............................. 133

    Tabela 21. Tipos de deciso tomada pela programao da televiso ................................. 133

    Tabela 22. Frequncia com que houve rdio ...................................................................... 134

    Tabela 23. Preferncia na programao do rdio .............................................................. 135

    Tabela 24. Nvel de tomada de deciso pela programao do rdio .................................. 136

    Tabela 25. Tipos de deciso tomada pela programao do rdio ...................................... 137

    Tabela 26. Tipo de informativo impresso a que tem acesso ............................................... 144

    Tabela 27. ndice de tomada de deciso por informativo impresso ................................... 145

    Tabela 28. Nvel de tomada de deciso por comunicao oral/verbal ............................... 146

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    SUMRIO

    Sumrio

    APRESENTAO ............................................................................................................... 16

    INTRODUO..................................................................................................................... 21

    CAPTULO 1 ESTUDO DO PROBLEMA ...................................................................... 25

    1.1 Contextualizao do lugar pesquisado............................................................................ 25

    1.2 Procedimentos metodolgicos da pesquisa ..................................................................... 32

    1.3 A Fenomenolgica como mtodo analtico .................................................................... 38

    1.4 Considerando a geograficidade ...................................................................................... 42

    1.5 Aporte das medidas quantitativas e qualitativas.............................................................. 46

    1.6 Construo da Histria Oral ........................................................................................... 47

    CAPTULO 2 REVISO DA LITERATURA ................................................................. 52

    2.1 PERCEPO COMO ELEMENTO DA FENOMENOLOGIA ..................................... 52

    2.1.1 Contribuies aos estudos brasileiros da Percepo Ambiental ................................ 57

    2.1.2 Populaes tradicionais e suas relaes mticas com a natureza ............................... 53

    2.1.3 Topofilia, as sensaes e outros sentidos ................................................................. 62

    2.1.4 O espao cultural da f e da religiosidade ................................................................ 64

    2.2 O ESPAO AMBIENTAL EM REA DE ENTORNO................................................. 66

    2.2.1 Impactos da fragmentao florestal ......................................................................... 67

    2.2.2 Corredores Ecolgicos e interligao de reas Fragmentadas ................................. 69

    2.2.3 A importncia das matas ciliares ............................................................................. 70

    2.3 MEIOS, MEDIAO E RECEPO DA COMUNICAO SOCIAL ........................ 71

    2.3.1 A medio miditica para compreender a recepo geogrfica ................................ 72

    2.3.2 A cotidianidade familiar e a mediao .................................................................... 74

    2.3.3 A temporalidade social e a mediao ...................................................................... 76

    2.3.4 A competncia social e a mediao ......................................................................... 77

    2.3.5 A espacialidade nos usos miditicos........................................................................ 78

    2.3.6 Mdias e o campo: a mobilidade do rdio e o atrativo da TV ................................... 78

    2.3.7 A composio da mensagem ................................................................................... 81

    2.4 ESTRUTURA DO DISCURSO AMBIENTAL ............................................................. 84

    CAPTULO 3 ANLISES DOS RESULTADOS ............................................................ 89

    3.1 ASPECTOS SOCIOECONOMICOS ............................................................................. 89

    3.2 PERCEPO AMBIENTAL ...................................................................................... 106

    3.3 ESPACIALIDADE CULTURAL E RELIGIOSA ........................................................ 124

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    3.4 COMUNICAO E RECEPO............................................................................... 128

    CAPTULO 4 HISTRIA VIVIDA E REGISTRADA ................................................. 149

    CONCLUSO ..................................................................................................................... 197

    REFERNCIAS .................................................................................................................. 201

    ANEXOS ............................................................................................................................. 206

    Anexo 1. Formulrio de pesquisa qualitativa/quantitativa .................................................. 206

    Anexo 2. Autorizaes e cesses autorais .......................................................................... 214

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    APRESENTAO

    Conhecia Itapu do Oeste de ouvir falar e por passar no curtssimo trecho urbano

    cortado pela BR-364, a uma hora de viagem de Porto Velho. J estive na rea de

    minerao como reprter e tambm a trabalho onde andei em algumas trilhas da

    Floresta Nacional do Jamari. At ai, nada mais sabia do municpio que tem uma ponte

    que sai do nada e vai para lugar nenhum, pois nunca foi concluda, da extinta pastelaria

    que servia o saboroso suco de cacau e da vida pacata perceptvel na populao que

    escolheu esse lugar para viver.

    Durante a participao como tcnico em um projeto socioambiental

    desenvolvido no municpio, comecei a andar um pouco mais, conhecer pessoas e sentir

    que nessa parte da Amaznia havia um contexto socioeconmico mais amplo, pessoas

    que chegaram para ganhar a vida e realizar sonhos, famlias que acreditaram na

    possibilidade de um tempo melhor, e um setor rural que produz e que convive ao lado

    de uma enorme rea de reserva numa relao de vizinhana com o meio natural que

    precisava ser compreendida. Andei, conversei, observei, trabalhei e percebi que a minha

    atividade profissional no municpio no deveria se limitar em aes de comunicao

    social temporria. Senti que precisava saber mais e de alguma maneira contribuir para

    que o meu tempo nesse lugar resultasse em algo que pudesse servir para o

    desenvolvimento, para a comunicao e para a histria. Percebi que o universo de meu

    trabalho estava inserido na Geografia, e a Comunicao era um elemento dentre tantos

    outros na tentativa de reconstruir o espao alterado pela migrao camponesa, pela

    extrao mineral e pela explorao madeireira.

    Durante trs dias em que ajudei na coordenao de uma pesquisa de recepo de

    mdia, entendi que ainda mais precisava ser conhecido e compreendido, e havia outras

    indagaes que ultrapassavam os limites da Comunicao. Busquei e descobri que a

    Geografia me ajudaria no apenas num momento, mas acrescentaria em muito minha

    carreira profissional, numa interdisciplinaridade de mtodos, tcnicas e elementos que

    ajudariam encontrar respostas a tantos porqus que surgiram na atuao como

    profissional de Comunicao Social.

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    Nesta dissertao est uma parte de conhecimentos que adquiri nos alm de dois

    anos que participei do Programa de Ps-graduao Mestrado em Geografia, da

    Universidade Federal de Rondnia UNIR, onde pude conhecer no apenas esta cincia

    maravilhosa, mas criei afinidade com pessoas que mergulhadas no universo acadmico,

    possuem rica contribuio para o desenvolvimento deste Estado, e para o

    desenvolvimento da Geografia com seus incansveis momentos dedicados a

    compreender tantas indagaes da presena humana no espao amaznico. Nos meus

    empolgantes estudos descobri na natureza do espao, a dinmica da ao do homem e

    os diversos fenmenos que podem construir, desconstruir e reconstruir o espao

    humanizado.

    Busquei nessa dissertao contribuir para a compreenso dos fenmenos da

    ocupao do espao e que construram a percepo dos produtores rurais quanto a rea

    de entorno definida tambm como rea de amortizao da Floresta Nacional do Jamari,

    numa comunidade formada pelas Linhas 605, 616 e 618 do setor rural do municpio de

    Itapu do Oeste, tendo como sujeitos produtores rurais em regime de agricultura

    familiar.

    A formao desse espao rural e agrrio foi conturbada com a liberdade de

    desmatar e comercializar madeiras nas dcadas de 1970 e 1980, sem controle e sem

    fiscalizao, e pelas limitaes que surgiram a partir da criao da unidade de

    conservao, mudando o aspecto legal da rea, mas no alterando o modelo de

    ocupao e de percepo do espao. Divergncias, incompreenses, represses e

    educao ambiental esto presentes na construo e compreenso da percepo desses

    produtores que percebem o meio natural como importante para a preservao, mas no

    percebem esse mesmo espao como fonte de importncia econmica local que, apesar

    de ser permitido o uso sustentvel da reserva, poucos benefcios chegam aos cidados

    itapuaenses.

    As anlises dos fenmenos presentes e observados demonstram a fragilidade

    desse ambiente que sofre presses econmicas de alto valor como minerao, industrias

    madeireiras e a monocultura que tornou a mais recente presso nesse espao. Apesar do

    volume econmico dessas atividades, os valores empregados nesses investimentos no

    so percebidos como benefcios diretos para a populao do entorno. A representao

    de valor observada nas pequenas propriedades est na pecuria leiteira destacada como

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    a alternativa econmica mais vivel diante das poucas condies financeiras desses

    proprietrios para recuperar os ciclos de lavouras. Tais limites vm promovendo o

    xodo rural, o que facilita a entrada da pecuria em grande escala e da monocultura

    diante do envelhecimento e escassez da mo-de-obra agrcola, em reas que foram

    colonizadas pela agricultura familiar, e por essa presena humana criou na comunidade

    sua identidade local, que poder suprimir por causa de uma possvel substituio de

    pequenas propriedades por grandes propriedades rurais. As atividades de agricultura

    familiar observadas so de pura subsistncia com venda de excedentes e a lucratividade

    das propriedades se firma no negcio da criao de gado.

    No primeiro capitulo apresento os mtodos utilizados na pesquisa, dando nfase

    a fenomenologia, tendo includo a histria oral temtica e a recepo miditica como

    ferramentas para captao das informaes que serviram para as anlises e concluses a

    partir das percepes dos sujeitos dentro dos objetivos de compreender os modelos de

    ocupao do espao. A fenomenologia foi escolhida por oferecer elementos que possam

    descrever o espao vivido no pela individualidade, mas pelo conjunto de modos de

    vida que definem as percepes, no separando o sujeito do objeto, mas integrando-os

    num universo espacial que define o recorte. Pela fenomenologia possvel compreender

    a conscincia no pela ao direta e presente na paisagem, mas pela subjetividade

    carregada nos sentimentos e demais atos do interior humano, e isso no est expressado

    no que sentido, mas sim no que vivido. O sujeito sente e percebe aquilo que vive,

    aquilo que tem valor, aquilo que lhe traz apego. Pelas representaes o indivduo

    constri sua identidade e esta define a geograficidade que no esta definitivamente

    construda, mas alterada medida que novas representaes surgem no processo de

    reduo fenomenolgica.

    Numa rea de entorno com presses expressivas, o sujeito estar em constante

    reconstruo espacial, e sua trajetria de vida estar definindo a histria do lugar, e

    percebemos que essas existncias e suas aes temporais so carregadas de elementos

    de fatos vividos que podem descrever pela percepo a trajetria do lugar, por isso,

    inclu o mtodo historia oral temtica para extrair das declaraes dos personagens as

    aes determinantes para a espacialidade percebida. J a incluso metodolgica de

    investigar pela recepo miditica as influncias ou no da comunicao massiva na

    construo da percepo, no foi meramente para citar a Comunicao Social, minha

    rea de atuao profissional, numa pesquisa geogrfica, mas sim, para ajudar

  • 19

    compreender como o sujeito recebeu no passado as informaes que formaram o

    modelo de ocupao do espao e como os meios miditicos influenciam ou no na

    reconstruo espacial diante de influncias e poder de mobilizao social que esses

    meios possuem. Partindo do pressuposto de que o discurso progressista do Governo

    Federal replicado pelos rgos governamentais que relacionavam diretamente com os

    colonos, e que esse mesmo discurso, fundamentado no desenvolvimentismo, foi

    inserido nos meios miditicos que comunicavam com esse pblico tenha norteado a

    formao do espao agrrio ainda em vigor e que no se adqua a uma rea de entorno

    de unidade de conservao na Amaznia.

    O segundo captulo dessa dissertao traz o contexto terico que auxiliou nas

    interpretaes e anlises da percepo do sujeito sobre o objeto, discorrendo de

    princpios epistemolgicos a elementos mais recentes de estudos da espacialidade. Est

    incluso os arranjos tericos da Fenomenologia que contribuem para as anlises, da

    Geografia Cultural e da Religio, das relaes mticas, das representaes, e das

    sensaes que geram o apego e criam a identidade do lugar. Procurei discorrer sobre o

    espao ambiental para compreender como o homem se relaciona com os demais seres

    vivos e como o meio natural reage s interferncias humanas, para entender a

    importncia da unidade de conservao como espao coletivo til para a humanidade e

    para os seres naturais presentes no ambiente. Ainda nesse captulo so apresentadas as

    caractersticas dos meios miditicos, as formas de mediao e como o indivduo recebe

    e percebe a mensagem destinada pela mdia e pelas demais formas de comunicao.

    Discorri sobre as relaes da comunicao com os sistemas sociais, a abrangncia e

    importncia da comunicao rural e direcionada, a competncia social dos meios e a

    espacialidade da utilizao dos meios.

    As anlises apresentadas no captulo trs tiveram como base para as

    interpretaes, os mtodos e elementos referenciais contidos nos captulos anteriores.

    Para facilitar as anlises, os dados da pesquisa foram subdivididos em Aspectos

    Socioeconmicos analisando produo, organizao social, cadeias e a descrio social

    do grupo de amostra; Percepo Ambiental analisando como o sujeito percebe o espao

    objeto e quais as representaes mais influentes; Espacialidade Cultural e Religiosa para

    compreender as influncias da f na formao cultural e na identidade do lugar; e

    Comunicao e Recepo analisando como os meios miditicos atuaram no perodo de

    formao do espao e qual a capacidade de influncia atual para utiliz-los como

  • 20

    ferramenta da integrao socioambiental e concepo de nova percepo caso seja

    necessrio.

    O Captulo 4 constri atravs de imagens fotogrficas a visualizao e contexto

    observado e pesquisado no espao. A sequncia das fotos foram definidas de modo que

    possa causar no leitor uma viagem ao ambiente a partir da Linha 618 (Embratel),

    passando pelo ncleo da Comunidade Nossa Senhora Aparecida, seguindo na Linha 616

    (General Carneiro) e na Linha 605 at a chegada no ncleo urbano de Itapu do Oeste.

    Os registros buscaram a captao da paisagem, do cotidiano rural e urbano, e a incluso

    de elementos humanos na visualizao composta dos modos de vidas.

    Compreender o espao vivido nessa parte da Amaznia brasileira rever um

    pouco do passado ainda presente nos testemunhos dos pioneiros, indagar o morador

    sobre suas representaes que definem o presente, observar o cotidiano dessa gente

    em busca de respostas que possam dimensionar o apego e valor do lugar, entender a

    percepo sobre um futuro que pode constituir outra paisagem alterando o espao rural

    e ambiental, dando assim com esses elementos analticos condies para a observao

    necessria sobre que destino dar a esta parte do Brasil que foi ocupada com sonhos e

    realizaes de vidas dentro de perspectivas de cultivar, crescer e prosperar.

  • 21

    INTRODUO

    Viver em Itapu do Oeste estar ao lado da Floresta Nacional do Jamari (Flona

    do Jamari), criada pelo Decreto n 90.224, de 25 de setembro de 1984, enquadrada

    como unidade de conservao de uso sustentvel (UC), que permite a explorao dos

    recursos naturais renovveis atravs de planos de manejos e outros projetos

    sustentveis. Com rea total estimada de 215.000 hectares, a Flona do Jamari est

    localizada no estado de Rondnia, nos municpios de Itapu do Oeste com 95% da rea

    compreendida e 5% da rea de Cujubim, numa regio de bioma amaznico que sofre

    presso econmica em virtude da vocao agrcola com avano da pecuria e da

    indstria madeireira. A Flona do Jamari foi a primeira UC que passou por processo de

    concesso para explorao de madeiras atravs de plano de manejo sustentvel, que

    apesar de polmica, essa atividade econmica tornou-se uma necessidade j que a rea

    da Flona constantemente era invadida por madeireiros que exploravam de forma

    predatria, ilegal e sem qualquer responsabilidade com o futuro da floresta, enquanto

    que no sistema de manejo sustentvel as concessionrias tm obrigaes que definem os

    critrios de cortes seletivos das rvores em ponto de comercializao, respeitando as

    espcies protegidas, as rvores matrizes e cumprem as exigncias de recomposio das

    reas desmatadas.

    Esta dissertao busca compreender a percepo dos produtores rurais que

    declaram proprietrios e que exercem a atividade em regime de agricultura familiar, no

    entorno da Floresta Nacional do Jamari, a partir do olhar desses sujeitos quanto aos

    apectos de produo, organizao, proteo ambiental, relao de cultura e identidade

    com o lugar, e o entendimento sobre o modelo atual de ocupao do espao, reunindo

    elementos de comunicao social que compem na interdisciplinaridade um sistema de

    estudo da compreenso da percepo geogrfica do espao, considerando o poder de

    influncia que a comunicao exerce na construo de conscincia, e desde a formao

    desse espao, a comunicao gerada aos produtores no considerou a sustentabilidade,

    mantendo sempre o dialogo do imediatismo da poltica governamental de integrar a

    Amaznia como forma de soberania, e no de desenvolvimento local ou regional

    sustentvel.

  • 22

    sabido que esse espao foi organizado no modelo aplicado na dcada de 1970

    em diversos municpios de Rondnia onde, colonos vindos de outros estados brasileiros

    foram instalados sem um planejamento sustentvel que pudesse garantir aos colonos a

    manuteno da vida no campo, pois a falta de polticas agrcolas no permitiu a

    consolidao de uma agricultura forte e prospera o suficiente. At mesmo a assistncia

    tcnica e o extensionismo rural no observaram as adversidades da regio Amaznica,

    seguindo modelos agrrios de outros ecossistemas que no conseguiram se manter

    sustentveis nesta regio. A alternativa dos produtores rurais em migrar de lavouras

    para a pecuria ocorreu como forma de sobrevivncia diante de tantas incertezas no

    campo composto por reas degradadas, baixas perspectivas de produo e

    comercializao, ausncia do poder pblico no planejamento e execuo de aes

    bsicas necessrias para o desenvolvimento local, e a tendncia migratria do campo

    para a cidade que reprime o crescimento produtivo e muda a vocao da populao mais

    jovem. Incerto tambm o destino desse espao que sofre a presso da minerao, da

    explorao madeireira e da monocultura com a expanso da soja, novidade esta que

    desperta a cobia de pequenos produtores.

    Pressupomos que a continuidade das aes de desmatamentos na zona de

    amortecimento tenha efeito dentro da unidade de conservao j que nesse permetro

    ocorrem movimentaes de espcies que buscam habitats propcios para expanso da

    alimentao ou reproduo de proles. Circulando pela rea compreendida por esta

    pesquisa foi possvel verificar animais silvestres cruzando as estradas, principalmente

    noite, o que caracteriza a importncia do entorno como zona de amortecimento,

    necessitando de um espao organizado de modo que atenda as demandas dos produtores

    rurais e ao mesmo tempo contribua com o meio natural, servindo de corredores

    ecolgicos para a interligao de ilhas, utilizando para isso as matas ciliares e as reas

    de preservao permanentes (APPs).

    Existem motivos diversos que justificam a preservao ambiental no planeta e,

    dentre tantos, consideramos o que estima Brown (2006) de que h entre 5 milhes a 50

    milhes de tipos de seres viventes sobre a Terra, entre plantas, micrbios, peixes, aves,

    mamferos e outros animais que existem por alguma razo, em que na poca dessa

    expressiva quantidade, menos de dois milhes eram conhecidos, catalogados e descritos

    em literaturas de conhecimento cientifico e pblico. Conforme Keipi apud Zarin (2005)

    a Amrica Latina possua 25% das florestas nativas do mundo e a metade de florestas

  • 23

    tropicais remanescentes, porm o desmatamento crescente em taxa media anual

    estimada pelo autor em torno de 7,5 milhes de hectares, equivalente a 0,8% da

    totalidade, j requeria ateno especial para manuteno da cobertura nativa pelo menos

    nas reas de reservas. O Brasil concentrava a maior biodiversidade do planeta, liderando

    entre os 17 pases com maiores concentraes botnicas e de animais do mundo,

    destacando-se ainda com a maior rede hidrogrfica (ARRUDA, 2006). Segundo o autor,

    apesar de tamanha riqueza natural, as reas cobertas por unidades de conservao de

    proteo integral e de uso sustentvel, ocupavam na poca menos que 10% do territrio

    nacional. Nesse contesto, a Amaznia considerada o maior celeiro de seres vivos e, na

    maioria, ainda desconhecidos e no catalogados, numa biodiversidade rica em espcies,

    em que essa ampla variedade faz desse ecossistema um aporte diferente, onde a

    sobrevivncia das espcies indica interdependncia tanto na composio da cadeia

    alimentar quanto nas demais relaes de sobrevivncia. Por esses motivos j seriam

    suficientes para a determinao da importncia da preservao ambiental na Amaznia,

    o que proporcionaria a manuteno da ampla diversidade de seres vivos, mas as

    derrubadas colocam em riscos a cobertura vegetal que ainda encobre muitos seres

    desconhecidos que podem ser eliminados do planeta.

    So muitas as consequncias da ocupao da Amaznia como: a destruio da

    biodiversidade conhecida e desconhecida, eliminao total das matas ciliares

    comprometendo as bacias hidrogrficas, secando igaraps, riachos e rios, findando

    nascentes que sustentam e irrigam fauna e flora. O estudo dessa temtica contribui para

    orientar novas aes no sentido de (re)construir esse espao rural, com alinhamento para

    o desenvolvimento local sustentvel, incluindo a preservao ambiental necessria para

    a manuteno desse ecossistema. Assim, a anlise e a compreenso da percepo dos

    produtores rurais so necessidades para conter o (des)ordenamento e encontrar respostas

    para alguns questionamentos sobre a ocupao espacial no entorno da Floresta Nacional

    do Jamari, onde a paisagem continua sofrendo alterao devido ao modelo agrrio ainda

    em vigor, marcado pelo avano do desmatamento com a prtica de queimadas causando

    o descontrole do ecossistema.

  • 24

    CARACTERIZAO DA PESQUISA

    CARACTERIZAO

    CARACTERIZAOCARACTERIZAO

  • 25

    CAPTULO 1 ESTUDO DO PROBLEMA

    1.1 Contextualizao do lugar pesquisado

    O municpio de Itapu do Oeste est localizado no Estado de Rondnia, s

    margens da BR-364, com distncia de 105 quilmetros de Porto Velho, a capital, tendo

    sua localizao em latitude 0912'18" sul e longitude 6310'48 oeste, com altitude de 0

    (zero) metros do nvel do mar, economia predominante de agropecuria, indstria e

    servios (Mapa 1). O bioma amaznico com clima tropical e temperatura media anual

    de 26C. A hidrografia composta pela bacia do rio Jamari, tendo no territrio do

    municpio uma grande parte do lago da Usina Hidroeltrica de Samuel, responsvel pela

    elevao do lenol fretico, o que prejudica algumas culturas em virtude do excesso de

    gua no solo (IBGE, 2010).

    Estudos sobre as origens das famlias e a dinmica populacional migratria da

    bacia do rio Jamari, onde est localizada a Flona do Jamari, constatou 31,98% de

    nascidos em Rondnia, e desses, 75% com idade inferior a 25 anos, e os demais

    habitantes da regio eram compostos por 16,28% de mineiros, 13,68% de paranaenses,

    7,95% de baianos, e 7,76% de capixabas (ALMEIDA SILVA apud ALMEIDA SILVA,

    2009). O autor considera que essas origens tambm contriburam para a apreenso do

    espao pela populao local, pois nesses estados de origens a ocupao agrcola foi

    base da substituio da floresta nativa por cobertura cultivada, modelo que no se

    adequou realidade amaznica considerando as diferenciaes das caractersticas

    naturais de solo, clima, relevo e at do ciclo de chuva que em nada se assemelha com as

    tipologias do Sul e Sudeste brasileiro. Mesmo que muitas propriedades foram vendidas

    e parte desta populao pioneira no resida mais no lugar, o modelo implantado

    permanece o mesmo do incio da colonizao na dcada de 1970.

  • 26

    Mapa 1. Localizao do municpio de Itapu do Oeste - RO

  • 27

    Para entender a presena humana na regio, se faz necessrio conhecer o

    contexto histrico do lugar. O ento povoado de Jamari foi elevado a distrito de Porto

    Velho em 22 de dezembro de 1981, conforme Lei Municipal n 213. As poucas famlias

    que viviam no lugar sobreviviam principalmente do trabalho na atividade mineral j que

    a localidade servia de base de entrada para a minerao de cassiterita. Na dcada de

    1980 a colonizao agrcola impulsionou a chegada de novas famlias atradas pela

    distribuio gratuita de terra pelo INCRA, que implantou o Projeto de Assentamento

    (PA) Machadinho, em 15 de fevereiro de 1982, consolidado atravs do Decreto-lei

    Federal n 88.225 de 1983. Nessa poca chegaram 2.934 famlias que foram assentadas

    pelo PA Machadinho desencadeando o ciclo agrcola de desenvolvimento. Com o

    surgimento da vocao agrcola, o distrito de Jamari ganhou dimenso econmica e na

    dcada seguinte foi elevado a categoria de municpio pela Lei Estadual n 364, de 13 de

    fevereiro de 1992, desmembrando rea territorial dos municpios de Porto Velho e

    Ariquemes perfazendo uma rea de 4.081,583 quilmetros quadrados. O nome do

    municpio no agradava a maioria da populao que atravs de plebiscito decidiu-se

    pela alterao toponmica1 municipal passando de Jamari para Itapu do Oeste mudana

    esta oficializada em 24 de outubro de 1997, por meio da Lei Estadual n 747.

    A populao estimada para o municpio de Itapu do Oeste em 2013 foi de 9.661

    habitantes, com base de projeo a partir do ltimo senso realizado pelo IBGE no ano

    de 2010, quando o municpio apresentou a contagem de 8.566 habitantes

    (IBGE/http://cod.ibge.gov.br/2348M). nesse universo que se encontra os produtores

    rurais sujeitos desta pesquisa, onde definimos como recorte espacial de amostra para as

    anlises da pesquisa dessa dissertao.

    A ocupao humana no entorno da Flona do Jamari tornou-se mais concentrada

    a partir da dcada de 1970, com a poltica de reforma agrria implantada pelo Governo

    Federal, quando famlias vindas de outras regies do pas, principalmente do Sul e

    Sudeste, recebiam terras e incentivos financeiros para o desenvolvimento de lavouras.

    Os agricultores foram impulsionados pelo discurso progressista do governo militar de

    que o novo estado seria o eldorado brasileiro, lugar de prosperidade e de

    desenvolvimento, gerando a prtica de desmatar em grande escala as propriedades rurais

    para o cultivo agrcola e pecurio, na esperana de riquezas ou de pelo menos um

    1 (Gr) Mudana de nome do lugar com base em estudo lingstico, (FERNANDES, 2003). Esta parte da

    lingstica tem forte ligao com a Geografia, histria e Arqueologia.

  • 28

    padro de vida estvel. O desmate imediato e em grande escala era tido como

    benfeitoria que garantia a permanncia do assentado na propriedade, gerando a

    representao de que quanto maior a rea desmatada maior seria as benfeitorias da

    propriedade, representando que o colono estava trabalhando na terra. Essas informaes

    aparecem com naturalidade nos discursos dos agricultores que esto na regio desde a

    era da colonizao.

    O modelo de ocupao territorial no estado de Rondnia seguiu os mesmos

    implantados nos ciclos da castanha, da borracha, minerao e colonizao agrria em

    que a majorao econmica estaria acima das questes ambientais. Esse modelo com a

    crescente expanso agrcola continua com a mesma dinmica de ocupao espacial em

    que o desmate da floresta nativa se faz necessrio para dar lugar s culturas econmicas.

    Para Soares-Filho (2006) o modelo econmico adotado na Amaznia poder promover

    a eliminao total de 40% da floresta nativa at o ano de 2050. Na maioria das

    propriedades pesquisadas, at as reservas legais definidas por lei foram desmatadas

    dando lugar ao gado e a lavouras. Essa proporo torna-se preocupante uma vez que o

    crescimento populacional numa rea de entorno, quando expressivo, demanda que

    novas reas de florestas nativas sejam desmatadas para a constituio da espacialidade

    agrcola seguindo o modelo at aqui vigente.

    O mosaico do entorno da Flona do Jamari apresenta constantes alteraes com

    novos focos de desmatamentos (Mapa 2). Nota-se a repetio de erros do passado com a

    ausncia de polticas pblicas que possam desenhar um modelo de espacialidade

    agrcola exequvel na Amaznia, o repetitivo ciclo de desmate para plantar lavoura sem

    oferecer condies para a recuperao de solo proporciona a continuidade de impactos

    promovidos no passado e que atualmente apresentam reflexos ao meio ambiente, como

    observado no recorte espacial desta pesquisa.

  • 29

    Mapa 2. Carta imagem de desmatamento em 2013 no municpio de Itapu do Oeste - Ro

  • 30

    No municpio de Itapu do Oeste, o cultivo agropecurio crescente com vasta

    rea ocupada por pastagens e por lavouras constituindo as principais fontes econmicas

    da populao rural e urbana. O senso agropecurio do IBGE 2012

    (http://cod.ibge.gov.br/23RXK) apontou o rebanho bovino em 73.071 unidades de

    animais cultivados nas pastagens do municpio, numa proporo de 8,5 reses por

    habitante, num momento em que o rebanho no estado contou 12.218.437 de reses total.

    Se comparando a populao de bovinos com a populao humana de Rondnia, teremos

    uma media de 6,9 animais para cada habitante, proporo esta menor que a apresentada

    em Itapu do Oeste. No entorno da Flona do Jamari encontramos grandes propriedades

    que cultivam o gado para o corte e leite, em reas de pastagens amplas j que o gado

    criado pasto, mas existem tambm as pequenas propriedades em regime familiar que

    possuem reses que servem para a sustentao dessas propriedades com o abastecimento

    de leite aos laticnios.

    A explorao madeireira representa importante fonte de emprego e renda ao

    municpio. A ilegalidade na atividade industrial e a explorao indiscriminada de

    madeira, fez com que, em 2008, durante uma operao conjunta do IBAMA, Polcia

    Federal PF e outros rgos resultassem no fechamento de diversas empresas do ramo

    que operavam de forma irregular na regio do entorno da Flona do Jamari, sendo que a

    proporo do negcio foi tamanha que o desemprego causou problema social evidente

    principalmente no municpio Cujubim, onde concentrava o maior nmero de indstrias

    legais e ilegais (BASTOS, 2011). Desde ento a presena da Fora Nacional constante

    na regio para reprimir a explorao ilegal de madeiras e ajudar os rgos fiscalizadores

    no controle da UC. As aes de controle e represso deixaram os produtores

    apreensivos a ponto de que, durante esta pesquisa, percebemos certa cautela e at

    omisses em respostas relacionadas a temtica ambiental e a Flona, o que nos obrigou a

    eliminar alguns entrevistados para no comprometer as anlises, substituindo esses

    entrevistados por outros que propuseram a dar respostas de formas mais claras e

    objetivas.

    A atividade de minerao dentro e no entrono da Flona do Jamari atrai o

    interesse de empreendedores de todos os portes de capital, j que desde a retirada de

    material bsico para a construo civil como pedra britada, areia e cascalho at a

    minerao em escala industrial, so atrativos que refletem na economia local e regional,

    diante do potencial dos recursos naturais renovveis existentes nesta floresta

    http://cod.ibge.gov.br/23RXK

  • 31

    (ALMEIDA SILVA, 2009). No interior da Flona do Jamari est a Minerao Jacund

    que opera a mais de meio sculo, atualmente controlada pela Companhia Siderrgica

    Nacional (CSN), que explora o minrio de cassiterita2 de alto valor de mercado por ser

    essencial para diversos processos industriais da siderurgia. Na dcada de 1980, durante

    o apogeu da minerao, a Flona abrigou em seu interior, nas vilas instaladas pela

    mineradora, cerca de cinco mil pessoas, um contingente que trabalhava, estudava e vivia

    integralmente dentro da UC. Essa populao interna chegou a ser maior do que o

    nmero de moradores na sede do distrito de Jamari, hoje cidade de Itapu do Oeste. A

    minerao diminuiu o quantitativo de trabalhadores ao aumentar o potencial de

    maquinrios, mas ainda lembrada no entorno da Flona por causa dos empregos

    gerados. Esta pesquisa sondou a percepo dos agricultores quanto a atividade de

    minerao, que demonstrou ser mais conhecida do que a Flona na qual est inserida.

    O espao objeto desta pesquisa vasto em fauna e flora que precisam ser

    estudadas e compreendidas. Algumas espcies florestais existentes na Floresta Nacional

    do Jamari esto ameaadas de extino como o mogno (Swietheniama crophila), o

    cedro (Cedrela odorata) e a cerejeira (Amburana cearencis) (IBAMA apud BASTOS,

    2011). Espcies animais ameaadas de extino tambm so encontradas nesta rea,

    como a Ona pintada (Panthera ona), o Gavio real (Harpia harpyja), e o Cachorro do

    mato (Atelocynus microtis).

    Como a presena desses animais so bioindicadores de ambientes conservados

    (RIOTERRA, 2011) representa que, apesar das invases e desmatamentos ilegais, e

    ainda, do extrativismo vegetal e mineral, atividades autorizadas por meio de concesses

    pblicas, a Flona do Jamari se mantm conservada mesmo diante de tamanha ameaa

    desenvolvimentista no entorno com as presses econmicas existentes dentro e fora da

    UC. Apesar de que o indicador seja de ambiente conservado, no seria motivo para

    acomodar j que o processo de desmatamento registrado anualmente na regio do

    entorno acentuado e perceptvel atravs de imagens obtidas de satlites que mostram

    constantes mudanas na paisagem atravs da construo de mosaicos.

    O uso de agrotxicos e a presena de monocultura so observados ao longo da

    extenso compreendida como zona de amortecimento nos municpios de Itapu do

    Oeste e Cujubim. Nas margens das rodovias BR-364 e RO-205 a soja cultivada em

    2 Bioxido natural de estanho, (FERNANDES, 2003).

  • 32

    alta escala e tem atrado os pequenos agricultores para o arrendamento de suas

    propriedades para a monocultura. A explorao madeireira tambm causa de alterao

    do espao natural na zona de amortizao, espao este que requer cuidados no apenas

    com a flora, mas pela circulao da fauna, rica e vasta, que necessita ampliar a busca de

    alimentos na demanda de expanso de territrio de sobrevivncia. comum encontrar

    animais silvestres as margens ou cruzando s estradas vicinais ou rodovias, bem como

    possvel encontrar com frequncia, restos de animais mortos por atropelamentos.

    1.2 Procedimentos metodolgicos da pesquisa

    Desde a aprovao do projeto em 2012 foram iniciadas as visitas de campo na

    rea pesquisada para conhecer o lugar, fazer as primeiras observaes empricas e

    descritivas, entender os modos de vida e iniciar a compreenso do fenmeno objeto da

    pesquisa. Essas visitas aconteceram em intervalos mdios de trs meses, consistindo nas

    trs linhas rurais pesquisadas que integram a regio da Comunidade Nossa Senhora

    Aparecida. Os primeiros signos obtidos foram utilizados para a compreenso da

    hermenutica no sentido de desvendarmos os objetivos e iniciarmos o processo de

    escolha de mtodos. Thomaz (2009) orienta que nessa fase o pesquisador deve se

    conduzir pelo terreno e no pelos mapas para a construo de documentos primrios,

    aproveitando as habilidades do pesquisador em geografia de perceber o objeto com um

    olhar diferente do morador acostumado com a paisagem e com a realidade vivida. A

    autora considera que ao se inserir no campo o pesquisador encontra problemas para

    observar, interpretar, registrar e tomar decises sobre coletas de dados j que nesse

    momento tornou-se parte do campo pesquisado, cabendo ao pesquisador as tomadas de

    decises sobre mtodo e tcnicas a serem aplicadas em busca dos resultados definidos

    nos objetivos. Conforme a autora o olhar do pesquisador para a realidade social dar a

    este, as possibilidades de definir o que observar com maior ou menor relevncia, a partir

    da escolha de quem deve ser abordado e como devem ser procedidas as abordagens

    visando obter as informaes necessrias para a pesquisa.

    Durante as visitas de observaes foram contactados cerca de 50 produtores e

    produtoras rurais que atravs de conversas informais foram descrevendo o universo do

    lugar, suas histrias e perspectivas. A partir dessas pessoas foram selecionadas as 20

    que pudessem melhor contribuir com as respostas, diante do conhecimento do espao

    pesquisado, o tempo de residncia no lugar, da participao ou no nos eventos e aes

  • 33

    que compem a coletividade, habilidades de diagologar e responder aos questionrios.

    Esse quantitativo selecionado representa o universo de forma no redundante, dando

    uma margem que pudesse compor as anlises e interpretaes.

    Quando se refere a pesquisa rural, Thomaz (2009) orienta que as coletas de

    entrevistas e as respostas aos questionrios quantitativos ou qualitativos devem preceder

    de modo que o colaborador no se sinta vigiado ou de algum modo pressionado. Tudo

    deve ser observado no espao pesquisado e a autora orienta que o silncio e as pausas

    dos entrevistados so carregados de significados que precisam ser compreendidos a

    partir do contexto ao qual est inserido. As abordagens foram feitas em momentos e

    horrios em que os entrevistados estavam livres de suas tarefas cotidianas, sem a

    presena de outros membros da famlias ou da vizinhana que pudessem interferir na

    pessoalidade das respostas, e de maneira que desse ao entrevistado a liberdade de

    responder s perguntas.

    Este mtodo calhou ao ambiente da pesquisa sendo uma rea de entorno de uma

    unidade de conservao que j foi alvo de muitas invases e, consequentemente, de

    conflitos entre rgos fiscalizadores com madeireiros, garimpeiros, agricultores e outros

    exploradores. Thomaz (2009) tambm considera a dificuldade para obter informaes e

    interpretaes em ambiente rural marcado por algum tipo de tenso, e para maior

    compreenso importante que o pesquisador retorne diversas vezes ouvindo pessoas

    diferentes de gneros e idades, e quando necessrio, at ouvir a mesma pessoa mais de

    uma vez. Nesta pesquisa aplicamos essa tcnica j que as percepes no entorno da

    Flona do Jamari sofrem presses e nos primeiros contatos entre pesquisador e

    entrevistados foi observada desconfiana e, consequentemente, respostas no

    condizentes com a realidade do meio vivido.

    no primeiro momento da pesquisa que Suertegaray (2002) considera que o

    pesquisador visualiza o espao em sua totalidade complexa e dialtica, sem a

    preocupao de compreender o sistema, agindo puramente como observador

    transformador de si mesmo, num mundo que ao mesmo tempo real composto por tudo

    que existe e virtual com suas imagens e representaes. Esse mundo ainda desconhecido

    pelo pesquisador composto de elementos significativos que descrevem quem so os

    sujeitos e suas relaes no sistema apreendido. Segundo a autora, esse primeiro

    momento revelador, mas ainda sem explicaes, sem respostas, sem origens, e o

  • 34

    fenmeno ainda um objeto a ser explorado e descoberto. Foi nessa orientao que

    aconteceram as primeiras visitas realizadas no espao da pesquisa, dando uma viso

    generalizada do objeto. As observaes indicaram que no perodo da manh os

    produtores estavam mais ocupados com as tarefas de campo e somente depois do

    descanso do almoo, a partir das 14 horas, que tornou possvel encontr-los mais

    disponveis para responder aos questionrios e entrevistas. Para alguns, no perodo das

    10 horas ao meio dia, enquanto aguardavam o almoo e j terminadas as atividades

    agrcolas na propriedade, tambm dispuseram a colaborar com a pesquisa. Outra

    observao importante que aos domingos e feriados no seriam propcios para as

    entrevistas porque geralmente os familiares que moram na cidade passam o dia em

    visita na propriedade, e tambm o dia das atividades religiosas e de lazer como as

    visitas aos amigos e as partidas de futebol. Os contatos nesses dias foram mais para

    observao dos modos de vida e cotidianidade, considerando que a aplicao de

    questionrio, na presena de familiares ou outros visitantes, sofreria interferncias nas

    respostas. O primeiro momento serviu ainda para certificar de que o mtodo

    fenomenolgico seria o mais apropriado para compreender a percepo dos produtores

    rurais quanto a preservao ambiental e demais objetivos desta pesquisa, considerando

    que a Fenomenologia oferece elementos tericos de compreenso da totalidade a partir

    da individualidade dos sujeitos pesquisados.

    Vale ressaltar o que orienta Suertegaray (2002), de que a ocorrncia das

    primeiras sensaes originadas pelo olhar emprico somado aos conhecimentos que

    comearam a aguar a curiosidade em saber mais e penetrar no universo que comeava

    a ser desvendado. Nessa fase utilizamos os instrumentos tecnolgicos disponibilizados

    obter informaes e coletamos os materiais necessrios para as anlises. Para a autora,

    nesse momento que a viso do mundo pelo pesquisador comea a ser mais analtica e o

    uso de instrumentos como mapas, mquinas fotogrficas e laboratrios passa a definir a

    sntese da construo geogrfica. As leituras se tornam mais compreensveis e alm das

    utilizaes de instrumentos, o pesquisador comea a definir os procedimentos para

    continuar a pesquisa. Seguindo os procedimentos orientados pela autora, muitas

    fotografias foram produzidas nesse momento para que servissem s anlises e dar a

    estruturao da sntese da realidade geogrfica.

    Tanto a aplicao do questionrio qualitativo/quantitativo quanto as entrevistas

    gravadas, ocorreram em momentos bem distintos de modo que favorecesse a

  • 35

    compreenso das mltiplas representaes dos diferentes personagens em temporalidade

    e espacialidade. Foram aplicados os questionrios e tambm utilizada a tcnica de

    conversa informal onde perguntas similares as contidas no questionrio foram aplicadas

    infor4malmente, como se fossem em conversa cordial de uma curiosidade do

    pesquisador quanto ao lugar. Notamos que, ao perceber que o questionrio estava

    concludo, o colaborador se sentia mais a vontade e respondia com mais naturalidade e

    com maior convico, mesmo em questes relativas ao meio ambiente e propriamente a

    unidade de conservao. Dessas respostas informais surgiram dados importantes para as

    compreenses que mais adiante sero expostas, e ao mesmo tempo contriburam para

    orientar as pautas e escolhas de personagens que responderam as entrevistas gravadas

    realizadas pelo mtodo de histria oral. A coleta dessas entrevistas aconteceu sempre no

    momento em que j havia mais confiana dos entrevistados quanto importncia da

    pesquisa. Uma preocupao surgiu quanto ao tipo de equipamento a ser utilizado para

    coletar o mximo das expresses e sentimentos dos colaboradores sem inibir.

    Um pr-teste com filmagem em julho de 2013 revelou certa inibio e gerou a

    necessidade de buscar outro recurso para a captao dos depoimentos. O mais propcio e

    que adotamos nessa fase foi um gravador de udio digital marca Sony, modelo IC

    Recorder ICD-B26, medindo 11cm x 5cm x 1,5 cm que cabe bem dentro da mo, e por

    ter excelente sensibilidade de captao de udio no havia necessidade de muita

    aproximao, gerando menor inibio. O aparelho contm em seu sistema uma

    subdiviso em duas pastas, e que efetua cada gravao em um respectivo arquivo digital

    no formato MP3, facilitando a reproduo e a transferncia de dados j que os arquivos

    so formatados automaticamente. Para fazer as transcries do contedo gravado para a

    verso descritiva em textos que pudessem compor a dissertao, utilizamos o software

    Express Scribe Pro, disponvel gratuitamente, que possui uma interface muito prtica

    onde todos os recursos necessrios como captura de udio, cones de manejo do udio e

    janela para editorao de texto ficam tudo numa nica tela, dando agilidade e

    simplicidade ao processo.

    A pesquisa aconteceu primeiramente atravs de um questionrio nas variveis

    quantitativo/qualitativo composto por 60 perguntas aplicadas aos 20 produtores e

    produtoras rurais em regime de agricultura familiar, residentes no recorte compreendido

    como amostra (Mapa 3). A escolha dessa comunidade se deu por ser uma das mais

    antigas nesse entorno, considerando que foi possvel encontrar moradores da poca da

  • 36

    colonizao, bem como, moradores mais recentes que j chegaram na comunidade

    depois que as propriedades j estavam abertas, as estradas em boas condies, energia

    eltrica e outros benefcios.

    Para responder aos questionrios foram escolhidos os 20 produtores e produtoras

    que se declararam donos das propriedades em regime familiar, constitudos aqui como

    amostra do universo de pessoas residentes na regio, que se dispuseram a contribuir

    voluntariamente com a pesquisa, e que responderam aos questionrios sem a presena

    de pessoas que pudessem causar algum tipo de influncia nas respostas. Esta etapa foi

    realizada no ms de maio de 2013, durante o vero, e nos meses de janeiro e fevereiro

    de 2014, durante o inverno, para que pudssemos observar as condies das

    propriedades e das estradas nas duas estaes predominantes na Amaznia, e apesar de

    que no inverno compreendido ao perodo desta pesquisa foi de intensas chuvas, as

    estradas permaneceram em condies de trafegabilidade para qualquer tipo de

    transporte. Foi possvel observar a motivao desses produtores rurais nas diferentes

    estaes, sendo que no inverno declaram que as propriedades so mais produtivas do

    que no vero.

    No perodo de janeiro a maro de 2014, foram realizadas pesquisas com

    entrevistas gravadas para colhermos os depoimentos que pudessem render declaraes

    importantes para compor a fase de anlise desta dissertao. Para esta etapa utilizamos o

    mtodo de histria oral, que mais adiante ser detalhado, ouvindo e gravando no

    apenas com produtores rurais sujeitos do objeto desta pesquisa, como tambm, outros

    personagens que puderam contribuir com as informaes necessrias para responder as

    indagaes que tivemos durante a realizao desta pesquisa. Esses entrevistados

    compem uma rede formada a partir dos questionamentos surgidos e das indicaes

    surgidas naturalmente no processo de captao das informaes necessrias e que sero

    expostas no decorrer dessa dissertao.

  • 37

    Mapa 3. Localizao das linhas 605, 616 e 618 que compreende a Comunidade Nossa

    Senhora Aparecida, no municpio de Itapu do Oeste - RO

  • 38

    1.3 A Fenomenologia como mtodo analtico

    Criado por Edmund Husserl (1859-1938), o mtodo fenomenolgico surgiu no

    sculo XX como um movimento filosfico fundado por Franz Brentano, mas logo se

    estendeu a todas as reas das cincias humanas, numa ruptura com o sculo anterior e

    que proporcionou a construo da filosofia contempornea. Pelo mtodo husserliano a

    anlise do fenmeno parte da essncia do dado, renunciando a deduo, pouco

    importando com a linguagem, e descartando os fatos empricos. A fenomenologia

    surgiu como o oposto ao naturalismo psicologista que at ento, concentrava a anlise

    do fenmeno apenas nas coisas naturais, naquilo que fsico e pode ser materializado.

    No pensamento de Husserl o fenmeno precisa ser estudado pelas essncias, pelas aes

    humanas, pelas motivaes de vivncias, enquanto que o naturalismo propunha a

    anlise do que fsico. So muitas as definies do mtodo fenomenolgico. Chau

    apud Bertol (2003) destaca a evoluo do conceito de fenomenologia a partir de

    Immanuel Kant (1724-1804) que definiu como sendo as formas do espao e do tempo

    sobre o entendimento que o mundo externo oferece ao sujeito do conhecimento;

    tambm por Friedrich Hegel (1770-1831) que numa evoluo conceitual acrescentou

    que o fenmeno somente percebido pela conscincia e esta conscincia o prprio

    fenmeno percebido pelo sujeito; e subsequentemente o conceito definido por Edmund

    Husserl de que tudo fenmeno e o fenmeno toda existncia real de coisas

    percebidas pela conscincia do indivduo. A autora, ao estudar a percepo espacial e

    fenomenolgica, destaca outros trs conceitos: a partir de Maurice Merleau-Ponty

    (1908-1961) em que o espao o mundo da experincia vivida pelo corpo; a

    fenomenologia analtica existencial de Martin Heidegger (1889-1976) que define como

    sendo a relao entre sujeito-objeto, onde o espao a intersubjetividade do objeto; e a

    fenomenologia do esprito de Hegel que define o espao como o mundo da

    autoconscincia, onde a conscincia se movimenta em busca do rompimento da

    alienao material visando o reencontro com o sujeito-objeto idntico.

    Seguimos pelo conceito de Merleau-Ponty (1999), considerando ser mais

    adequado para esta pesquisa em que, a fenomenologia da percepo o estudo das

    essncias na existncia, onde o objeto est inserido num mundo que existe antes de

    qualquer anlise. Podemos afirmar que o lugar o mundo que est na existncia antes

    do fenmeno, e toda anlise deve discorrer no que real na existncia interior do

    indivduo que ali vive. Ao usar a fenomenologia como mtodo de estudo, o autor

  • 39

    destaca que preciso fazer um relato do espao, do tempo e do mundo vivido

    descrevendo as experincias vividas pelo sujeito no mundo ao qual est inserido, sendo

    este o seu mundo construdo a partir de suas inspiraes e necessidades. Desse modo, o

    mundo vivido o meio natural, o mundo real, um lugar constitudo conforme as

    percepes do indivduo, dentro de seu modo de vida e de seus hbitos de

    sobrevivncia, onde seus pensamentos representam o que ele realmente vive. O mundo

    real precisa ser descrito como ele visto no espao, descrito no tempo e na forma em

    que vivido. O espao construdo e percebido pelo sujeito em sua forma de vida,

    enquanto que o seu pensamento est relacionado com a representao desse espao pela

    maneira que o indivduo o sente.

    Considerando as orientaes marleau-pontynianas descrevemos o mundo real do

    entorno da Flona do Jamari semelhante s diversas pequenas propriedades dos demais

    municpios de Rondnia, com os lotes trazendo frente uma rea de pastagem, um

    curral, a residncia, o jardim ou uma horta caseira, enfim, um modelo de ocupao do

    espao que nada difere de uma regio comum para a agricultura e pecuria, que em um

    primeiro momento nada indica ser uma rea de entorno de uma unidade conservao.

    primeira vista a paisagem segue o modelo de ocupao do espao dominante no Estado.

    A agricultura de baixa produtividade por causa da baixa fertilidade do solo, problema

    este muito questionado por esses proprietrios que desejam uma propriedade com mais

    rendimento, com mais culturas, mas as condies no permitem. O cultivo de

    subsistncia com a venda do excedente em feiras livres e para comerciantes que

    revendem na cidade. A principal renda dos agricultores vem dos benefcios como

    aposentadoria rural, bolsa famlia, e o rendimento do leite vendido aos laticnios.

    Quem vive no lugar chegou na terra para constituir o sonho de criar a famlia, e

    ter um espao para produzir e ter a independncia econmica, o que no se consolidou

    num todo diante do sistema de produo artesanal, sem auxilio de mquinas agrcolas e

    implementos que muito ajudariam no preparo e correo do solo. Esse sonho de

    prosperar na terra percebido em todas as conversas em que os moradores relatam suas

    histrias de vidas, recordam dos momentos mais difceis e fazem questo de comparar

    com as facilidades que consideram ter no momento sempre expressando a vontade de

    ver a terra produzindo e rendendo o suficiente para um padro de vida que inclua o

    conforto no lar e a ajuda aos filhos para um futuro melhor, e esse futuro melhor para o

    jovem rural do entorno da Flona do Jamari, deixou de ser no campo e agora consiste em

  • 40

    ir para a cidade para dar continuidade aos estudos, que no passam do ensino mdio nas

    localidades. Essa juventude acaba empregada no comrcio ou indstria e no voltam

    mais para o campo. Enquanto isso, na propriedade rural, homens e mulheres imergem

    num cotidiano de trabalho duro, de vida difcil, de esperana que nunca acaba. O

    homem vai para o trabalho pesado no campo, e a mulher e o jovem, e at crianas se

    revezam nas inmeras rotinas desde a alimentao dos animais no terreiro, jogar gua

    nas plantas, o cultivo da horta, a limpeza e as prendas domsticas. Um cotidiano comum

    de famlia agrcola de qualquer regio de Rondnia.

    Se para Hussel a fenomenologia o estudo das essncias, para encontrar esse

    princpio preciso voltar as coisas mesmas. Discorrendo sobre o tema, Zuben (1994)

    ressalta o caminho proposto por Hussel, chamado de reduo fenomenolgica, que a

    busca de um ponto de partida para o pensamento na inteno de reencontrar a

    experincia refletida no mundo, que deve sair de si mesma para ser considerada

    verdadeira. A reduo proposta por Hussel sugere mostrar o mundo como ele realmente

    o , voltando-se as primcias, e que a palavra a descrio perceptiva do mundo sentido

    e vivido. J Merleau-Ponty (1999) considera que o real inesgotvel e voltar s coisas

    mesmas no leva a apreender todas as coisas uma vez que sempre haver essncias

    antes dos fenmenos. Nisso, Merleau-Ponty destaca o cogito que o fato da existncia

    fenomenolgica, ou seja, a ao em que o fenmeno acontece, tendo o sujeito como o

    ator social do evento. No cogito o pensamento do indivduo revela quem ele no espao

    vivido, j que no pensa o que sente e, sim, sente o que vive e isso o que pensa. O

    cogito reconhece o pensamento do sujeito como o fato e o ser no mundo vivido. O

    cogito est na essncia que emerge consigo as relaes vivas da experincia do

    indivduo que v o mundo como ele vive e no como ele pensa. Assim, o pensamento

    que revela de dentro de si surge a partir daquilo que ele e vive, e no necessariamente

    daquilo que realmente pensa sobre o espao objeto.

    Fazendo uma reduo e voltando ao incio do fenmeno percebemos que o

    morador do entorno da Flona do Jamari, ainda pensa como viveu no tempo em que

    chegou no lugar. Mantm o sonho de ter uma terra frtil e produtiva, onde a renda do

    cultivo a cada colheita traria ao lar o suprimento, a bonana, o complemento ante as

    necessidades e a realizao de sonhos de consumo, apesar de que esse morador

    aparentemente de vida simples e no impede de ter ambies pessoais, o que comum

    em grupos sociais. Por repetidas vezes ouvimos palavras que declararam a vontade de

  • 41

    ter uma grande lavoura produtiva, mais gado no pasto, mais dinheiro para investir.

    Tornar a propriedade cada vez mais produtiva a essncia do homem do campo que

    tem na agricultura sua forma de viver e de sobreviver. O sonho est parado na

    impossibilidade de adquirir um trator agrcola que seria para esses agricultores a

    redeno do campo produtivo conforme almejam, acreditando que a correo do solo

    daria mais produtividade ao campo.

    Outra representao de valor observada pelo cogito que ainda almejam pela

    explorao madeireira que no passado era uma atividade sem restries legais, e a venda

    dessa matria prima representava dinheiro na mo na hora que precisasse. Essa

    representao ainda est presente e nas conversas se ouvem declaraes que almejam a

    liberdade de comercializar madeira e ter uma renda valiosa com esse negcio, mas nas

    propriedades j no existem mais madeira de lei, tornando uma ameaa unidade de

    conservao. O morador do entorno questiona a explorao dentro do Flona do Jamari

    feita por empresas concessionrias oriundas da regio sudeste do pas. Para a maioria, a

    explorao deveria ser feita por empresa local que na percepo dos produtores rurais

    daria mais distribuio de renda no municpio. O que mantm ainda a esperana e o

    apego ao lugar, so as recordaes presentes no espao onde os filhos cresceram, onde

    desbravaram cada palmo terra, onde a malria que no sai da lembrana afligiu corpos e

    vidas, mas essas dificuldades no romperam a esperana de superar doenas, distncias,

    isolamentos e com a perseverana conseguiram os objetivos que os trouxeram para o

    lugar. A Flona do Jamari representa potencial econmico, mesmo sendo percebida

    tambm como espao de valor ambiental.

    Pelas definies conceituais merleau-pontynianas, podemos afirmar que o

    mundo representado como aquilo que ele, o sujeito, vive e sente, incluindo a empatia

    que adquire pelo lugar, a confiana dos fatos existenciais, a memria que guarda dos

    fatos vividos e presenciados, e a imaginao que constri a percepo que tem do

    espao. Na definio de Bertol (2003), com base no conceito de Merleau-Ponty, a

    percepo que o ser humano tem do seu mundo est relacionado a sua cultura e/ou

    formao educacional, ao meio ambiente, as suas emoes e outros fatores que esto

    dentro do sujeito e no seu exterior, mesmo que tudo isso esteja numa subjetividade. Se o

    lugar de sua vivncia proporciona condies adequadas e satisfatrias, o sujeito ter a

    percepo de uma representao agradvel e valorosa desse espao, o que no ocorre

    quando o cogito vem de eventos insatisfatrios, uma vez que, o sujeito percebe o

  • 42

    fenmeno a partir do seu ponto de vista, dentro de sua capacidade de apreender, e no

    contexto daquilo que ele vive.

    1.4 - Considerando a geograficidade

    Holzer (1997) considera que o estudo da fenomenologia no pode restringir as

    experincias do conhecimento e da vida como reveladas na Histria, mas deve se ater as

    anlises das vivncias intencionais da conscincia, j que o sujeito se insere no

    fenmeno a partir da produo do sentido do espao total para o local. Discorrendo

    sobre o conceito de geograficidade de Dardel, o autor considera que o conhecimento

    que o sujeito traz do mundo o que move o indivduo na construo de seu espao, e

    esse espao construdo intencional a partir das aes de ligaes existenciais humanas,

    que enuncia a paisagem como resultado das interaes do homem com os diferentes

    espaos.

    No pensamento fenomenolgico de Dardel (2011) d destaque ao conceito de

    geograficidade onde o mundo percebido pelo sujeito vai alm do espao vivido e

    abrange a totalidade, sendo que a percepo obtida num campo mais amplo, num

    horizonte maior, em que o indivduo v o lugar num contexto holstico. E nesse aspecto

    Dardel define a geograficidade em dois conceitos: o espao geomtrico dado como

    nico, composto de caracterstica fsica que o identifica, formado por uma paisagem que

    est em determinado lugar, e que a mo do homem molda esse espao a seu modo,

    dando uma singularidade. composto por tudo que est no horizonte e tem forma,

    caracterstica, cor, densidade e demais aspectos abstratos do mundo natural e mundo

    real. Enquanto que o espao geogrfico a descrio da paisagem representada no olhar

    do gegrafo ou de qualquer outro sujeito que observa e procura descrever as formas do

    ambiente que est a sua frente a medida de sua percepo, dentro de suas

    representaes. tudo que est no mesmo horizonte, mas alcanado pelas

    representaes que formam as percepes, aquilo que percebido pelo sujeito, algo

    esttico que existe e permanece e pode ser medido em dimenso, densidade, cheiro,

    clima e outros aspectos de composio fsica. Esse espao vivido e sentido, e

    descrito como fenmeno pela potica do observador que oferece a imaginao e

    sensibilidade os valores reais de sua experincia humana. Conforme Dardel (2011), a

    geograficidade implica no reconhecimento da realidade em sua materialidade e no estilo

    descritivo que registra o ambiente dando a dimenso temporal e espacial.

  • 43

    Observando pela geograficidade de Dardel, para os moradores do entorno da

    Flona do Jamari, o espao geomtrico formado pela unidade de conservao que ali est

    com suas partes ainda intactas e outras j impactadas, enquanto que o espao geogrfico

    percebido pelo sujeito um espao do bem, til para a natureza e formadora de um ciclo

    fsico benfico como mais chuvas, deixa o clima mais fresco, necessrio preservar,

    por causa do oxignio, definidas assim pelos argumentos dos moradores que, talvez

    tenham apreendidos por meio de represses fiscalizadoras ou mesmo nas palestras

    educativas que sempre renovam os conceitos e reforam a importncia da floresta nativa

    para a fauna, para a flora, para a pesquisa e para o uso sustentvel. Percebe-se um

    discurso construdo e apreendido, um discurso que se repete e se aceita, uma persuaso

    talvez pela repetio ou pela represso, porm um discurso existente e evidente. O

    espao geogrfico que percebido e sentido denota rea ambiental que poderia dar

    renda a quem do municpio e no para empresas de fora do estado, que no investem

    em compensaes sociais, a ponto disso no ser percebido pelos moradores que

    declaram desconhecer os benefcios das empresas de minerao e madeireiras que

    atuam dentro da Flona. percebida certa frustrao quanto a importncia dessas aes

    de forma industrial, enquanto que o morador prefere o garimpo artesanal e a explorao

    de madeiras por empresas locais, o que na percepo desses, essas atividades trariam

    mais empregos e o dinheiro circularia no municpio de forma mais abrangente e justo.

    Oliveira & Souza (2010) discorrendo sobre geograficidade nas formas

    simblicas, consideram que os mtodos e tcnicas que estudam essas formas geralmente

    contextualizam como um nico estudo, sendo a Geografia Cultural, legado do

    positivismo que ordenou o estudo fenomenolgico a partir de uma base fsica, o que nos

    dificultam a compreender contedos to abstratos como os culturais e os simblicos,

    possuidores de bases especializadas que no podem ser medidas e sim, sentidas e

    vividas, enquanto que os estudos trariam as percepes dessas expresses que so

    subjetivas. Os autores elogiam a renovao da Geografia Cultural a partir da dcada de

    1970, principalmente com autores como Claval, Tuan, Rosendhal, Santos, Corra dentre

    outros que passaram a explorar em suas anlises o simblico das formas e os efeitos

    espaciais perante a vida humana. A influncia cultural est relacionada com o rural e o

    urbano num misto de relaes e razes que integram esses dois espaos contidos no

    entorno da Flona do Jamari.

  • 44

    A principal tradio a festa da padroeira Nossa Senhora Aparecida que

    movimenta a comunidade na organizao e une os moradores urbanos e rurais nas

    celebraes e demais realizaes. Nessa regio de Itapu do Oeste a populao

    predominante catlica apesar de que o senso de 2010 do IBGE aponte no municpio a

    maioria de cristos evanglicos, o que no minimiza o efeito das comemoraes santa

    que, num misto de profano e sagrado, motiva um bom nmero de pessoas at de outros

    municpios durante os festejos. A mtica religiosa que acompanha o catolicismo desde a

    era medieval est inserida na cultura do morador dessa comunidade que tem a f crist

    sustentada paralelamente em Jesus Cristo com a interveno de Maria em suas

    diferentes representaes de gnero, e nesse caso a Aparecida. A cavalgada que sai da

    cidade de Itapu do Oeste rumo a comunidade a ligao do urbano e rural nessa

    realizao que cresce a cada ano e j entrou no calendrio municipal como festa

    tradicional. Criada como forma de atrair o morador da cidade para acompanhar o evento

    no setor rural, a cavalgada foi a forma mais prtica para chamar a ateno de visitantes.

    Outra tradio que surge com importncia para a cultural local a festa do

    abacaxi, uma forma de promover a produo do fruto que vem ganhando espao nas

    terras cidas do municpio. Com a produo crescente, os produtores resolveram

    divulgar e abrir novos mercados por meio do festejo que envolve toda a comunidade

    desde os preparativos at os momentos finais do evento, que tambm rene em suas

    caractersticas a unidade de urbano e rural. Apesar de mais recente do que a festa da

    padroeira, a festa do abacaxi tambm conquistou espao e integra o calendrio

    municipal devido a grande participao de pessoas vindas at mesmo de outros

    municpios. Esses eventos trazem em seus formatos idias de festas rurais com a

    incluso da religiosidade e da identidade que o lugar apresenta dentro de uma totalidade.

    Sobre o conceito de totalidade, Santos (2008a) estudando a globalizao,

    considera que, os espaos modernos sofrem transformaes buscando a adaptao com

    as novas necessidades que emergem, porm esses espaos no crescem na mesma

    temporalidade de que os desejos de consumo. Faz crtica ao sistema global em que os

    espaos minoritrios tornam apenas em subsistemas do espao global, privilegiando

    apenas uma minoria em detrimento da maioria. O autor preocupa-se com a compreenso

    e explicao do espao geogrfico no mundo globalizado e considera que os estudos

    devem partir de um contexto socioespacial agrupando informaes relativas a elementos

    econmicos, sociais, culturais e polticos que so fundamentais na espacialidade. O

  • 45

    mundo existe em seu tempo e seu lugar, e para Santos, a totalidade a expresso de um

    momento integralizado pelo modo de produo, formao social e espao que serve

    como o palco das aes sociais. Destinos da economia, a nova espacialidade no

    contexto sistema-mundo, e at mesmo os novos conceitos de territrio e lugar so

    abordados na crtica que o autor faz ao propor uma nova Geografia que venha

    considerar as divergncias modernas na busca de convergncias para a geograficidade.

    Orienta que o espao global inexistente e ressalta a existncia de espao globalizado,

    em que o mundo um conjunto de possibilidades, cuja efetivao depende das

    oportunidades oferecidas pelos lugares (SANTOS 2008.a, p.169), e que cada lugar

    disponibilizar condies peculiares para aes distintas. Se o mundo globalizado

    reconstri normas, para Santos o lugar prprio e possuidor de suas normas regidas

    pelas formas que podem individualmente compor o espao globalizado.

    O sentido globalizado nos eventos culturais do entorno da Flona do Jamari vem

    da influncia da f, da religiosidade e da performance de eventos tradicionalmente

    rurais, num composto geral, mas a importncia do local ganha fora na incluso da

    promoo da agricultura e pecuria como forma de identidade e de representaes. A

    facilidade da informao totalizada que chega atravs da televiso, o principal meio de

    comunicao de massa, de certo modo exerce influncia nos consumos dessa

    comunidade rural, mas no chega impactar a identidade local que resiste. O desejo de

    consumo percebido nos lares desses produtores rurais que declararam com satisfao

    possuir produtos eltricos e eletrnicos como geladeira, freezer, liquidificador,

    batedeira, triturador de alimentos e at lavadoras de roupas. Notamos que o falar de

    produtos comumente de residncia urbana uma satisfao de consumo que conota

    prosperidade.

    O rdio e a televiso esto nas listagens de eletroeletrnicos, e a antena

    parablica rompe com o isolamento trazendo notcias dos grandes centros do pas e do

    mundo, e ao mesmo tempo revelando a globalizao de modos de vida como o impacto

    da violncia, onde observamos certo interesse por programao com notcias de

    segurana pblica, mesmo o campo sendo um lugar tranquilo para se viver. E so pelos

    meios de comunicao que chegam as novas formas de consumo e de compreenso do

    universo social e econmico em evidncia no mundo e que refletem no pas, no estado e

    no municpio. O morador do entorno sabe discernir entre o que l de fora com o que

    daqui mesmo, mas de alguma forma as influncias chegam e ocupam espaos, como

  • 46

    na preferncia musical que em nada difere do que tocado nas rdios nas rdios de

    cidades maiores, e as msicas mais tocadas na rdio local so as mesmas que compem

    a listagem das demais emissoras do pas.

    1.5 - Aporte das medidas quantitativa e qualitativa

    A observao e o sentimento tem valor na descrio espacial, mas para que haja

    preciso na afirmao do espao percebido se faz necessrio agregar mtodos que

    possam dar condies de anlise. Sobre a fenomenologia, Giorgi (1988, et all.)

    discorrendo sobre o pensamento de Hussel, orienta que o estudo fenomenolgico

    precisa ser acompanhado de pesquisas quantitativas e qualitativas que daro suporte aos

    elementos analticos, compondo informaes primarias que possam descrever e

    interpretar o fenmeno. Explica que a pesquisa quantitativa estabelecida com questes

    fechadas, apresentadas ao colaborador que dar suas respostas a medida das hipteses

    sugeridas e que depois de tabuladas daro um quantitativo perceptivo. J a pesquisa

    qualitativa aberta e o colaborador responde de acordo com suas convices ou

    percepes dando pessoalidade a cada questo que na soma de pensamentos podemos

    estabelecer uma compreenso total de um grupo pesquisado.

    Garnica (1997) referindo ao uso de pesquisa qualitativa diz que uma

    concepo de gerao de conhecimento, e destaca que os procedimentos da natureza

    exata de testes de fundos matemticos trazem neutralidade ao pesquisador que figura

    como narrador da pesquisa. O autor define a pesquisa como uma trajetria ao que se

    pretende compreender, dando nfase a qualidade da informao e dos elementos

    significativos que remetem s indagaes, que geram a compreenso das coisas que o

    homem convive e, assim, no h neutralidade do pesquisador em relao a pesquisa,

    pois o homem atribui significados e define o que pretende ser visto dispondo a

    comunicar e relatar do modo de sua inteno. Por isso, Garnica afirma que no h

    concluso numa pesquisa qualitativa e, sim, relatos de resultados obtidos e tabulados

    que serviro para as interpretaes que podem mudar de representaes conforme o

    olhar do interpretante.

    Considerando o que Santos (2008.b) define para o espao dois componentes

    sendo a configurao territorial que so os dados naturais modificados pela ao

    consciente humana, e a dinmica social que considera o conjunto de relaes sociais

    existentes numa sociedade em momento especifico. O autor ressalta a importncia da

  • 47

    temporalidade para as interpretaes e anlises numa pesquisa, sendo que de um tempo

    para outro, mesmo sendo mantidos os fluxos e fixos do objeto, a percepo do indivduo

    altera devido a diversas mudanas vividas e sentidas nas fases de ascenso e declnios

    sofridos em cada tempo. Quando muda as relaes sociais, consequentemente, muda a

    cotidianidade, e a cada tempo tem a incluso de novas relaes sociais e formaes de

    sistemas que promovem alteraes no espao vivido.

    1.6 A construo da histria oral

    Durante a fase de coleta de informaes atravs de pesquisa quantitativa e

    qualitativa, alguns produtores fizeram declaraes importantes para serem registradas

    como Histria, e percebemos que poderiam na fase de anlise contribuir para ilustrar o

    pensamento crtico. O entendimento foi que tais depoimentos poderiam enriquecer o

    contedo analtico desta pesquisa pela originalidade e pela importncia dos elementos

    narrados pela percepo dos colaboradores. Decidimos incluir partes dessas narrativas

    como suporte aos resultados apresentados na pesquisa, e utilizamos o mtodo de historia

    oral para colher os depoimentos e fazer todo o processo de transcrio e descrio do

    contedo apurado.

    Entre os gneros da histria oral, Meihy (2007) destaca trs tipos, sendo:

    histria oral de vida, histria oral temtica e tradio oral. Na histria oral de vida as

    histrias so construdas pelas narrativas inspiradas em fatos, incluindo