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IMES

Instituto Mantenedor de Ensino Superior Metropolitano S/C Ltda.

William Oliveira

Presidente

Samuel Soares Superintendente Administrativo e Financeiro

Germano Tabacof Superintendente de Ensino, Pesquisa e

Extensão

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SUMÁRIO

SOCIOLOGIA E A CONTRIBUIÇÃO PARA AS ORGANIZAÇÕES.............................................................5

Tema 01 - A SOCIOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES ........................................................................................5

CONTEÚDO 1 – AS CONTRIBUIÇÕES DO POSITIVISMO NUMA PERSPECTIVA

ORGANIZACIONAL.................................................................................................................................................6

CONTEÚDO 2 – KARL MARX E O CAPITALISMO: ANÁLISE DO TRABALHO E ALIENAÇÃO ....... 11

CONTEÚDO 3 – A CONSTITUIÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES E AS CONTRIBUIÇÕES DE MAX

WEBER...................................................................................................................................................................... 32

Tema 02 - AS ORGANIZAÇÕES SOB UM OLHAR SOCIOLÓGICO....................................................... 39

CONTEÚDO 1 – ELTON MAYO E A EXPERIÊNCIA DE HAWTHORNE.................................................. 39

CONTEÚDO 2 – O PAPEL DO ESTADO E AS FORMAS DE PODER ORGANIZACIONAL ............... 41

CONTEÚDO 3 – CARACTERÍSTICAS DO CAPITALISMO E A GLOBALIZAÇÃO NAS

ORGANIZAÇÕES................................................................................................................................................... 49

BLOCO 2 – A ANÁLISE ANTROPOLÓGICA DAS ORGANIZAÇÕES......................................................... 56

TEMA 3 – CONTRIBUIÇÕES DOS CLÁSSICOS ............................................................................................. 56

CONTEÚDO 1 – BRONISLAW MALINOWSKI E O ESTUDO DOS RITUAIS.......................................... 56

CONTEÚDO 2 – A ANTROPOLOGIA ESTRUTURAL DE CLAUDE LÉVI-STRAUSS ............................ 58

CONTEÚDO 3 – A NOVA ESTRUTURA DA ORGANIZAÇÃO SOB A ANÁLISE DE DOMENICO DE

MASI ......................................................................................................................................................................... 62

TEMA 4 – ANTROPOLOGIA E ANTROPOLOGIA CULTURAL ................................................................ 64

CONTEÚDO 1 – A ORGANIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA: PERFIL CULTURAL E AS RELAÇÕES DE

TRABALHO ............................................................................................................................................................. 65

CONTEÚDO 2 – ÉTICA E TRABALHO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA ..................................... 76

CONTEÚDO 3 – SOCIEDADE BRASILEIRA E A ANÁLISE DE ROBERTO DAMATTA ........................ 82

REFERÊNCIAS .........................................................................................................................................................102

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CARTA DE APRESENTAÇÃO Prezado (a) aluno (a): A disciplina Sociologia apresenta conteúdos riquíssimos referentes às Ciências Sociais.

Alguns autores consagrados compõem o quadro dos temas que trabalharemos ao longo da disciplina.

Dialogaremos sobre assuntos importantes para o futuro profissional, como definição de sociologia e antropologia das organizações, definição dos fundamentos antropológicos: indivíduo, cultura e sociedade, passando pela abordagem sociológica do trabalho: relações sociais e relações de trabalho intercalando com o indivíduo e a organização empresarial moderna, propondo a compreensão da cultura das organizações e a relação entre as pessoas e as organizações e os impactos da globalização - fenômeno histórico que visa quebrar as fronteiras que dividem os países em todos os aspectos.

É por esses e outros motivos que convidamos você a mergulhar nessa ciência maravilhosa.

Saudações, Professora Eliete Barros

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Bloco Temático 01

SOCIOLOGIA E A CONTRIBUIÇÃO PARA AS ORGANIZAÇÕES

Mas... O que é Sociologia ??? Sociologia é uma ciência que tem como objeto de estudo científico as relações sociais, as

formas de associação, levando em conta as características gerais comuns a todas as classes e os fenômenos sociais, que ocorrem nas relações de grupos entre seres humanos no corpo social. Estuda, também, o homem e o meio que interage.

Ela é uma ciência que não emite juízo de valor, não apresenta como principio, normas, se baseia em estudos objetivos que melhor podem relevar a verdadeira natureza dos fenômenos sociais. A sociologia, assim, é a ciência que estuda e busca conhecer a realidade social. Como toda ciência, é passível de questionamento e de revisão, pois se assim não o fosse, não seria ciência.

Há alguns termos específicos da sociologia que designam atividades particulares da área, por exemplo, “contexto social”, “movimentos sociais”, “classe”, “estrato”, “camada”, conflito social” são expressões que ouvimos a todo momento em nosso cotidiano devido à propagação dos meios de comunicação.

A sociologia possibilita / facilita estudos de profissionais de outras áreas. Podemos citar algumas das atividades que requerem a participação da sociologia: uma campanha publicitária, lançamento um produto no mercado, apresentação de um candidato político, abertura de uma loja, edificação de um prédio etc., porque os profissionais especializados procuram dados sobre a população. Assim, antes de lançar um produto novo no mercado, procura-se conhecer os comportamentos do consumidor: hábitos, comportamentos de consumo, faixa salarial etc. Dessa forma, em todos os ambientes os estudos da sociologia se apresentam. Resulta disso a idéia de que a sociologia é uma ciência que se define pela abordagem que faz, pela maneira como usa a pesquisa, como analisa e como interpreta os fenômenos sociais.

Assim, dizer que “o objeto da sociologia é a sociedade” é dar ao cientista social um objeto sem muito amplo e sem limites precisos. Tudo que existe, desde que o homem se reconhece como tal, existe em sociedade. Portanto, não é por fazer parte da sociedade ou de um meio social, que um fato se torna objeto de pesquisa sociológica. Um fenômeno é sociológico quando sobre ele se debruça o sociólogo, tentando entendê-lo no que diz respeito às relações entre os homens e às influências sociais de seu comportamento.

SOCIOLOGIA SEGUNDO DICIONÁRIO AURÉLIO (2005) [De socio- + -logia.] Substantivo feminino. 1.Tratado ou compêndio de sociologia. 5.Exemplar de um desses tratados ou compêndios. Sociologia do conhecimento. 1. Análise das condições sociais em que se produzem os

conhecimentos. Sociologia econômica. 1. Estudo das leis, instituições e sistemas econômicos enquanto

produtos das relações entre indivíduos que vivem socialmente. Sociologia vegetal. 1. Fitossociologia. http://www.cienciapolitica.org.br/encontro/teopol5.2.doc http://www.administradores.com.br/noticias/

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TEMA 01 - A SOCIOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES

A Sociologia das Organizações é um ramo aplicado da Sociologia que se ocupa em analisar os aspectos sociológicos de organizações, isto é, de empresas, fundações, órgãos públicos e congêneres.

O objetivo da Sociologia das Organizações é estudar os aspectos da sociedade que influem na organização e no desenvolvimento desta, bem como prover uma melhor compreensão dos fenômenos que ocorrem dentro de uma organização sob um ponto de vista sociológico.

Vamos ver a seguir algumas teorias sociológicas e de que modo elas contribuem para a análise e compreensão do campo organizacional.

CONTEÚDO 1 – AS CONTRIBUIÇÕES DO POSITIVISMO NUMA PERSPECTIVA ORGANIZACIONAL

O Positivismo destaca a importância da cientifização do pensamento e do estudo

humano, visando a obtenção de resultados claros, objetivos e completamente corretos. Os pensadores desse movimento acreditavam num ideal de neutralidade, isto é, na separação entre o pesquisador/autor e o objeto estudado: esta, em vez de mostrar as opiniões e julgamentos de seu elaborador, retrataria de forma neutra e clara uma dada realidade a partir de seus fatos, mas sem os analisar.

Dentre os principais que contribuíram para fazer do Positivismo e da cientifização do saber um posicionamento poderoso no século XIX, podemos citar Auguste Comte, na Filosofia; Émile Durkheim, na Sociologia; Fustel de Coulanges, na História, entre outros.

Os positivistas apontam para o fato de que o conhecimento se explica por si mesmo, necessitando apenas seu estudioso recuperá-lo e colocá-lo à mostra. Pode-se inclusive dizer que o Positivismo reduz o papel do homem enquanto ser pensante, crítico, para um mero coletor de informações e fatos presentes nos documentos, capazes de fazer-se entender por sua conta. "Os fatos históricos falam por si mesmos", dizia Coulanges, historiador francês.

Assim, para os positivistas que estudaram a História, esta assume o caráter de ciência pura: é formada pelos fatos cronológicos e o que realmente significam em si. São objetivos à medida que possuem uma verdade única em sua formação (que é o seu sentido e sua única possibilidade de compreensão) e não requerem a ação do historiador para serem entendidos: como já dito, o papel deste é coletá-los e ajeitá-los, constatando pela análise minuciosa e liberta de julgamentos pessoais sua validade ou não. O saber histórico, dessa forma, provém do que os fatos contêm, e assume um valor tal qual uma lei da Física ou da Química, Ciência Exatas.

Você Sabia? Que a frase de nossa bandeira nacional é de influência positivista, baseada na frase de

Comte “O amor por princípio, a ordem por base, o progresso por fim.”

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LINKS http://www.culturabrasil.pro.br/durkheim.htm

http://www.klepsidra.net/klepsidra7/annales.html

Émile Durkheim, sociólogo francês, representa na Sociologia uma

transição na maneira de conceber e praticar os estudos relacionados a essa ciência, pois, ao mesmo tempo em que defende um posicionamento conservador ao analisar a importância da sociedade sobre o indivíduo, avança em direção ao Positivismo, propondo a objetividade e o empirismo nos estudos humanos.

Durkheim foi um pensador ligado a correntes conservadoras do estudo social, defensor da visão de que a sociedade é mais importante e forte do que os interesses individuais, de uma ordem social coesa baseada na integração entre os humanos, constituindo sociedades e grupos sociais fortes nos quais exista uma complementaridade entre as partes formadoras desse todo. Durkheim nega as correntes individualistas do pensamento sociológico, que pregam a noção de indivíduo como objeto de devoção e destaque para a compreensão da evolução histórica e social de uma sociedade.

As perspectivas do ser indivíduo O ser individual na perspectiva do Iluminismo no século XVIII: racional, livre dos dogmas religiosos que limitavam sua ação, capaz (ele por si próprio e de acordo com sua vontade e capacidade exclusivamente) de transformar as sociedades e a humanidade. Para o Individualismo, o indivíduo é o elemento a ser destacado; não se nega a existência da sociedade e de suas relações, mas coloca estas abaixo do ser individual. Este último seria o conceito mais importante e principal transformador da sociedade. E é esta visão que Durkheim vai combater ao longo de seus estudos e vida. O conceito de indivíduo seria uma criação do modelo filosófico moderno, mas não se pode esquecer que foi criado pela própria sociedade, pelos seres que a formam. Isso comprova que a noção coletiva, ou seja, a organização social existia antes mesma do conceito de indivíduo surgir. Indivíduo segundo o Dicionário Aurélio [Substantivo masculino] 1. Qualquer corpo ou ser que constitui um todo distinto em relação à espécie a que pertence; 2. Exemplar de uma espécie qualquer, orgânica ou inorgânica; 3. Pessoa; 4. Sujeito.

Durkheim deixa evidente a sua compreensão sobre o ser indivíduo no Método para determinar a função da divisão do trabalho: os indivíduos necessitam de relacionamentos sociais porque, sozinhos, são incompletos.

Não há humano que baste a si mesmo, sendo completo: ele cumpre uma determinada função na sociedade, mas necessita de outros humanos para complementar as funções que não exerce.

O que distingue o homem dos animais? Durkheim poderia confortavelmente responder: “nada”. Este autor, de influências positivistas, chega a afirmar explicitamente que não há

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distinção entre homens e animais a não ser de grau. Veremos, no entanto, que apesar de ver o ser humano como um animal entre outros, Durkheim ainda assim lhe confere um lugar elevado em uma hierarquia valorativa. O indivíduo humano é, ainda aqui, valioso, apenas com a diferença de que tal valor decorre de características que lhe são emprestadas pela sociedade, não de características imanentes ao indivíduo.

Na verdade, para Durkheim é a sociedade que é algo valioso. Ela supera os indivíduos. Ela lhes confere aquilo que os torna homens. Sem ela, estes seres não são mais que mamíferos bípedes. Aliás, o correto seria dizer que devido à sociedade os homens chegam a ser mais do que meros mamíferos bípedes. Durkheim valoriza o indivíduo, sua personalidade, sua liberdade, sua maneira de pensar, agir, sentir, porém vislumbra que é a sociedade que confere ao indivíduo tais características, donde é ela, e não ele, que seria dotada de valor.

Estas crenças valorativas a respeito do ser humano também influenciam a obra de Émile Durkheim. Esse autor abraça o holismo metodológico muito em função de que em sua concepção uma explicação em termos intencionais jamais poderia ser completa. Ele não rejeita a explicação intencional, antes a leva em consideração e a utiliza em vários momentos ao longo de sua obra. Tal forma de explicação não seria, no entanto, suficiente, uma vez que a própria intencionalidade careceria de explicação. Esta explicação seria encontrada na sociedade enquanto um sistema funcional, com suas necessidades e evolução. A intencionalidade se explica à ação humana, é explicada pela sociedade.

A sociedade ultrapassa os indivíduos, logo não pode ser explicada apenas com referência a eles. Mas os indivíduos são constituídos por ela. Assim, elementos acerca da natureza humana, como os derivados de pesquisas em psicologia experimental, podem até ser levados em conta por sociólogos, mas não são capazes de explicar a sociedade, que, sendo uma realidade sui generis, deve ser explicada com recurso a fatos sociais.

Esta visão numa perspectiva organizacional: Daí a divisão do trabalho, por ele analisada: a complementação de deveres sociais

interliga e aproxima os indivíduos, faz com que constituam entre si relações de solidariedade bem como uma coesão social. Cada ser conhece seu papel e procura desempenhá-lo da melhor forma, para que depois possam compartilhar seus esforços, solidarizá-los. E isso se estende não só ao campo do trabalho, mas a todas as esferas da vida social. Como diz no Método: os indivíduos são ligados uns aos outros (...) em vez de se desenvolverem separadamente, eles ajustam seus esforços; são solidários, por meio de uma solidariedade que não age somente nos curtos períodos em que trocam serviços, mas que se estende muito além.

Essa coesão social deve ser regida por leis, ou seja, pelo Estado de Direito, de modo a assegurar a boa ocorrência dessas relações. A vida social exige um padrão de organização, ou seja, certas regras a serem cumpridas para garantir a permanência de sociedades baseadas na solidariedade. Para o autor, a vida geral da sociedade não pode se desenvolver num certo ponto sem que a vida jurídica se desenvolva ao mesmo tempo e no mesmo sentido. A aceitação das regras implica na integração individual à sociedade, ao abandono dos interesses particulares para aceitar a visão de todo social, ou seja, assumir sua função social e complementar-se com os outros seres. Já o não-cumprimento das mesmas acarreta punições a quem não procura integrar-se. O papel das leis, então, é impedir que as relações sociais, calcadas basicamente na solidariedade, tornem-se frágeis e, em vez de contribuir para a verdadeira coesão social, não passem de laços intermitentes e frágeis. A lei é, pois, a aplicação das relações sociais, o elemento fundamental para a perfeita integração entre os homens.

Logo em conjunto vem o conceito de fato social de Durkheim. Para ele, o fato social é toda forma de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior.

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Nessa definição entram os costumes e hábitos sociais, bem como a legislação vigente; desde cedo, somos guiados e orientados a seguir um comportamento correto para vivermos em sociedade. Esse comportamento implica no conhecimento e incorporação das leis e hábitos dessa sociedade; são estes que nos darão a base para que entremos no rol da solidariedade e das relações com nossos semelhantes e permitirão a nossa aceitação no meio social.

Para o teórico francês, tais fatos sociais devem ser estudados como coisas, ou seja, objetos do conhecimento que a inteligência não penetra de maneira natural. Seu estudo deve ser abordado a partir do princípio de que se ignora o que são e de que suas propriedades características não podem ser descobertas nem mesmo pela mais atenta das introspecções.

Se, por um lado, Durkheim afirma, sem hesitar, que o homem é um sistema de células e representações, isso não o impede de atribuir a ele um valor. Durkheim é um “individualista” no sentido de que valoriza positivamente a liberdade individual, liberdade de expressão e de crença, etc. O autor comunga também com muitos dos valores que se costuma associar à “Modernidade”. Durkheim também adere aos ideais que valorizam o indivíduo. A sua singularidade está em que não deriva tais valores de características do indivíduo, mas de características da sociedade, e não desta em abstrato, mas da sociedade moderna.

Características dos Fatos Sociais: Generalidade: é a comunhão no pensar, agir e sentir de um grupo de pessoas. Todos têm

os ‘mesmos’ comportamentos, seguem os mesmos parâmetros e limites. Exterioridade: é aquele fato que está intrínseco no indivíduo. Mesmo que o indivíduo

queira roubar, matar ou cometer qualquer ato ilícito, ele não o fará, mas não por que está proibido pela lei para tais atos, mas por estar acima de sua vontade o limite do que pode ou não ser feito.

Coercitividade: é a obrigação do indivíduo de seguir determinada orientação, conceito ou norma já preestabelecida pela sociedade (Estado).

Para Durkheim, é função da Sociologia estudar os fatos sociais e as relações de solidariedade e complementaridade existentes nas sociedades, pois é por meio deles que se entende as formas de organização e coesão das mesmas, mantidas por processos de coesão externos que são incorporados ao indivíduo desde cedo e que minam suas tentativas de emancipação pessoal, ou seja, viver de acordo com sua conduta pessoal. São, pois, objetos sociológicos por que determinam a constituição das diferentes sociedades, suas normas de manutenção e até mesmo como se renovam.

Durkheim define as funções do educador e da família no processo de integração das crianças à sociedade. São estes porta-vozes que apenas transmitem as regras sociais válidas; não podem emitir nenhum juízo de valor pessoal a respeito das mesmas. Aqui Durkheim mostra seu lado positivista, ou científico. As regras sociais, ao serem ensinadas, devem falar por si mesmas, mostrar espontaneamente às crianças sua força e a necessidade de sua obediência. Dispensam a intervenção pessoal dos transmissores; pelo contrário, esta é totalmente descartada. Com isso, Durkheim procura estudar a Sociologia como se fosse uma ciência pura e exata, ou seja, que contenha verdades absolutas em seu próprio conhecimento, dispensando juízos particulares. Seria estudar os fatos sociais como um químico realiza experimentos: as fórmulas a que este último chega falam por si, o químico não coloca seus valores na experiência; ele apenas a comprova e a apura. O sociólogo deve agir da mesma forma: comprovar os fatos e nada mais. O mesmo se espera do educador e da família: transmissão dos valores que mantêm a sociedade em coesão e nada mais. Eles ensinam o que deve ser seguido, ou não, por si mesmos.

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Tópicos de Resumo Para Émile Durkheim: 1. Os fatos sociais devem ser tratados como coisas; 2. A análise dos fatos sociais exige reflexão prévia e fuga de idéias pré-concebidas; 3. O conjunto de crenças e sentimentos coletivos é a base da coesão da sociedade; 4. Destaca o estudo da moral dos indivíduos; e 5. A própria sociedade cria mecanismos de coerção internos que fazem com que os indivíduos aceitem de uma forma ou de outra as regras estabelecidas (a explicação dos fatos sociais deve ser buscada na sociedade e não nos indivíduos – os estados psíquicos, na verdade, são conseqüências e não causas dos fenômenos sociais).

E o Positivismo? O Positivismo pregava a cientifização do pensamento e do estudo humano, visando a

obtenção de resultados claros, objetivos e completamente corretos. Os seguidores desse movimento acreditavam num ideal de neutralidade, isto é, na separação entre o pesquisador/autor e sua obra: esta, em vez de mostrar as opiniões e julgamentos de seu criador, retrataria de forma neutra e clara uma dada realidade a partir de seus fatos, mas sem os analisar.

Principais autores que seguiram a corrente positivista: Auguste Comte, na Filosofia; Émile Durkheim, na Sociologia; Fustel de Coulanges, na

História, entre outros, contribuíram para fazer do Positivismo e da cientifização do saber um posicionamento poderoso no século XIX.

Os positivistas crêem que o conhecimento se explica por si mesmo, necessitando apenas seu estudioso recuperá-lo e colocá-lo à mostra.

Pode-se, inclusive, dizer que o Positivismo reduz o papel do homem enquanto ser pensante, crítico, para um mero coletor de informações e fatos presentes nos documentos, capazes de fazer-se entender por sua conta. "Os fatos históricos falam por si mesmos", dizia Coulanges, historiador francês. Assim, para os positivistas que estudaram a História esta assume o caráter de ciência pura: é formada pelos fatos cronológicos e o que realmente significam em si. São objetivos à medida que possuem uma verdade única em sua formação (que é o seu sentido e sua única possibilidade de compreensão) e não requerem a ação do historiador para serem entendidos: como já dito, o papel deste é coletá-los e ajeitá-los, constatando pela análise minuciosa e liberta de julgamentos pessoais sua validade ou não. O saber histórico, dessa forma, provém do que os fatos contêm e assume um valor tal qual uma lei da Física ou da Química, ciência exatas.

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Você Sabia?

Que a frase de nossa bandeira nacional é de influência positivista.

Sites recomendados:

http://www.culturabrasil.pro.br/durkheim.htm http://www.klepsidra.net/klepsidra7/annales.html

CONTEÚDO 2 – KARL MARX E O CAPITALISMO: ANÁLISE DO TRABALHO E ALIENAÇÃO

Karl Marx Economista, filósofo e socialista alemão, Karl Marx nasceu em

Trier, em 5 de maio de 1818, e morreu em Londres, a 14 de março de 1883. Estudou na Universidade de Berlim, principalmente a filosofia hegeliana, e formou-se em Iena, em 1841, com a tese Sobre as diferenças da filosofia da natureza de Demócrito e de Epicuro. Em 1842 assumiu a chefia da redação do Jornal Renano, em Colônia, onde seus artigos radicais-democratas irritaram as autoridades. Em 1843, mudou-se para Paris, editando, em 1844, o primeiro volume dos Anais

Germânico-Franceses, órgão principal dos hegelianos da esquerda. Entretanto, rompeu logo com os líderes deste movimento, Bruno Bauer e Ruge.

Em 1844 conheceu, em Paris, Friedrich Engels, começo de uma amizade íntima durante a vida toda. Foi expulso da França no ano seguinte, radicando-se em Bruxelas e participando de organizações clandestinas de operários e exilados. Ao mesmo tempo em que na França estourou a revolução, em 24 de fevereiro de 1848, Marx e Engels publicaram o folheto O Manifesto Comunista, primeiro esboço da teoria revolucionária que, mais tarde, seria chamada marxista. Voltou para Paris, mas assumiu logo a chefia do Novo Jornal Renano, em Colônia, primeiro jornal diário francamente socialista.

Depois da derrota de todos os movimentos revolucionários na Europa e do fechamento do jornal, cujos redatores foram denunciados e processados, Marx foi para Paris e daí expulso para Londres, onde fixou residência. Em Londres, dedicou-se a vastos estudos econômicos e históricos, sendo freqüentador assíduo da sala de leituras do British Museum. Escrevia artigos para jornais norte-americanos sobre política exterior, mas sua situação material esteve sempre muito precária. Foi generosamente ajudado por Engels, que vivia em Manchester em boas condições financeiras.

Em 1864 Marx foi co-fundador da Associação Internacional dos Operários, depois chamada I Internacional, desempenhando dominante papel de direção. Em 1867 publicou o primeiro volume da sua obra principal, O Capital. Dentro da I Internacional Marx encontrou a oposição tenaz dos anarquistas, liderados por Bakunin, e, em 1872, no Congresso de Haia, a associação foi praticamente dissolvida. Em compensação, Marx podia patrocinar a fundação, em

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1875, do Partido Social-Democrático alemão, que foi, porém, logo depois, proibido. Não viveu bastante para assistir às vitórias eleitorais deste partido e de outros agrupamentos socialistas da Europa.

Para Marx, as relações sociais são inteiramente interligadas às forças produtivas e econômicas, sendo estas as determinantes. Adquirindo novas forças produtivas, os homens modificam o seu modo de produção, bem como modificam a maneira de ganhar a vida, modificando todas as relações sociais.

Na medida em que mudam os modos de produção, a consciência dos seres humanos também se transforma. Por isso, ao contrário do que muitos afirmam, não são as idéias humanas que movem a história, mas as condições históricas que produzem as idéias em cada época. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual. Para o autor: não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência.

Partindo do pressuposto de que as ações humanas se desenvolvem mediante o conflito de classes, temos que a história não é retilínea, ou seja, um progresso linear e contínuo, uma seqüência determinada de causa e efeitos, mas, sim, dialética. A história é processual, marcada por transformações sociais determinadas pelas contradições entre os meios de produção e as forças produtivas. A luta dos contrários move a história. A história é uma permanente dialética das forças entre poderosos e fracos, opressores e oprimidos, a história da humanidade seria constituída por uma permanente luta de classes. Marx deixa essa sua visão bem clara na frase de inicio do primeiro capítulo do livro O Manifesto Comunista: “A história de toda sociedade passada é a história da luta de classes”.

Nesta seqüência da compreensão da construção da história a partir da história da luta de classes trazemos um dos principais temas discutidos por Marx: o capitalismo.

Marx e o Capitalismo = Trabalho e Alienação

(crédito da charge http://www.zaniratti.net/jpg/capitalismo.jpg)

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Karl Marx tentou demonstrar que no capitalismo sempre haveria injustiça social, em que a riqueza é resultante de um processo de exploração sobre o trabalhador. O capitalismo, de acordo com Marx, é selvagem, considerando que o operário produz para o seu patrão, produz riqueza e colhe pobreza. O capitalismo se apresenta necessariamente como um regime econômico de exploração e degradação da vida, sendo a mais-valia a lei fundamental do sistema.

Considerando que o fruto do trabalho não pertence ao trabalhador, e este permanece preso ao patrão, ocorre então o fenômeno da alienação do trabalho, na medida em que se manifesta como produção de um objeto que é alheio ao sujeito criador. Dessa forma, o operário se nega (é negado) no objeto criado. É o processo de objetificação, coisificação ou reificação.

Por isso, o trabalho que é alienado permanece alienado até que o valor nele incorporado pela força de trabalho seja apropriado integralmente pelo trabalhador. Havendo essa apropriação do valor incorporado ao objeto graças à força de trabalho do sujeito-produtor, promove-se a negação da negação.

Origens Encontramos a origem do sistema capitalista na passagem da Idade Média para a Idade Moderna. Com o renascimento urbano e comercial dos séculos XIII e XIV, surgiu na Europa uma nova classe social: a burguesia. Esta nova classe social buscava o lucro através de atividades comerciais. Neste contexto, surgem também os banqueiros e cambistas, cujos ganhos estavam relacionados ao dinheiro em circulação, numa economia que estava em pleno desenvolvimento. Historiadores e economistas identificam nesta burguesia, e também nos cambistas e banqueiros, ideais embrionários do sistema capitalista: lucro, acúmulo de riquezas, controle dos sistemas de produção e expansão dos negócios. Primeira Fase: Capitalismo Comercial ou Pré-Capitalismo Este período estende-se do século XVI ao XVIII e inicia-se com as grandes navegações e expansões marítimas européias, fase em que a burguesia mercante começa a buscar riquezas em outras terras fora da Europa. Os comerciantes e a nobreza estavam à procura de ouro, prata, especiarias e matérias-primas não encontradas em solo europeu. Estes comerciantes, financiados por reis e nobres, ao chegarem à América, por exemplo, vão começar um ciclo de exploração cujo objetivo principal era o enriquecimento e o acúmulo de capital. Neste contexto, podemos identificar as seguintes características capitalistas: busca dos lucros, uso de mão-de-

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obra assalariada, moeda substituindo o sistema de trocas, relações bancárias, fortalecimento do poder da burguesia e desigualdades sociais. Segunda Fase: Capitalismo Industrial No século XVIII a Europa passa por uma mudança significativa no que se refere ao sistema de produção. A Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra, fortalece o sistema capitalista e solidifica suas raízes na Europa e em outras regiões do mundo. A Revolução Industrial modificou o sistema de produção, pois colocou a máquina para fazer o trabalho que antes era realizado pelos artesãos. O dono da fábrica conseguiu, desta forma, aumentar sua margem de lucro, pois a produção acontecia com mais rapidez. Se, por um lado, esta mudança trouxe benefícios (queda no preço das mercadorias), por outro a população perdeu muito. O desemprego, os baixos salários, as péssimas condições de trabalho, a poluição do ar e rios e acidentes nas máquinas foram problemas enfrentados pelos trabalhadores deste período. O lucro ficava com o empresário, que pagava um salário baixo pela mão-de-obra dos operários. As indústrias, utilizando máquinas a vapor, espalharam-se rapidamente pelos quatro cantos da Europa. O capitalismo ganhava um novo formato. Muitos países europeus, no século XIX, começaram a incluir a Ásia e a África dentro deste sistema. Estes dois continentes foram explorados pelos europeus, dentro de um contexto conhecido como neocolonialismo. As populações destes continentes foram dominadas à força e tiveram suas matérias-primas e riquezas exploradas pelos europeus. Eram também forçados a trabalhar em jazidas de minérios e a consumirem os produtos industrializados das fábricas européias. Terceira Fase: Capitalismo Monopolista-Financeiro Iniciada no século XX, esta fase vai ter no sistema bancário, nas grandes corporações financeiras e no mercado globalizado as molas mestras de desenvolvimento. Podemos dizer que este período está em pleno funcionamento até os dias de hoje. Grande parte dos lucros e do capital em circulação no mundo passam pelo sistema financeiro. A globalização permitiu às grandes corporações produzirem seus produtos em diversas partes do mundo, buscando a redução de custos. Estas empresas, dentro de uma economia de mercado, vendem estes produtos para vários países, mantendo um comércio ativo de grandes proporções. Os sistemas informatizados possibilitam a circulação e transferência de valores em tempo quase real. Apesar das indústrias e do comércio continuarem a lucrar muito dentro deste sistema, podemos dizer que os sistemas bancário e financeiro são aqueles que mais lucram e acumulam capitais dentro deste contexto econômico atual.

Partindo da teoria do valor, exposta por David Ricardo, Karl Marx, seu principal propugnador, postulou que o valor de um bem é determinado pela quantidade de trabalho socialmente necessário para sua produção. Segundo Marx, o lucro não se realiza por meio da troca de mercadorias, que se trocam geralmente por seu valor, mas sim em sua produção. Os trabalhadores não recebem o valor correspondente ao seu trabalho, mas só o necessário para sua sobrevivência. Nascia assim o conceito da mais-valia, diferença entre o valor incorporado a um bem e a remuneração do trabalho que foi necessário para sua produção. Porém, para Marx, não é essa a característica essencial do sistema capitalista, mas precisamente a apropriação privada dessa mais-valia. A partir dessas considerações, Marx elaborou sua crítica ao capitalismo numa obra que transcendeu os limites da pura economia e se converteu numa reflexão geral sobre o homem, a sociedade e a história

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Marx alterou alguns fundamentos da Economia Clássica, estabelecendo uma distinção entre valor de uso e valor de troca.

Valor de Uso: representa a utilidade que o bem proporciona à pessoa que o possui Valor de troca: exige um valor de uso, mas não depende dele. Tal como Ricardo, Marx acredita que o valor de troca depende da quantidade de trabalho

despendida, contudo a quantidade de trabalho que entra no valor de troca é a quantidade socialmente necessária (quantidade que o trabalhador gasta em média na sociedade, e que, obviamente, varia de sociedade para sociedade).

Como facilmente se pressupõe, Marx defendia a teoria da exploração do trabalhador. Marx dizia que só o trabalho dava valor às mercadorias, a tal mais-valia que referi no

trabalho sobre Karl Marx. Equipamentos não davam valor, apenas transmitiam uma parte do seu valor às

mercadorias, não contribuindo, portanto, para a formação de valor. Pelo contrário, o homem, através do seu trabalho, fazia com que as matérias-primas e os

equipamentos transmitissem o seu valor ao bem final e, ainda por cima, criava valor acrescentado (por exemplo, Marx falava, em O Capital, das fiandeiras que pegavam o algodão e o transformavam em camisolas, criando um valor acrescentado que só mesmo o trabalho humano pode dar).

Para Marx existe uma apropriação do fruto do trabalho que, contudo, não pode ser considerado um roubo por parte do capitalista por que, ao fim ao cabo, o trabalhador está sendo pago para fazer aquele trabalho.

O valor é formado tendo em conta o seu custo em termos de trabalho e, desse valor, o capitalista apropria-se da mais-valia através da utilização do seu capital.

Toda esta teoria da repartição do rendimento nos leva para um conceito fundamental em Marx, que é precisamente o da mais-valia.

Mais-valia Portanto, Marx afirmava que a força de trabalho era transformada em mercadoria, o valor da força de trabalho corresponde ao socialmente necessário. Tudo estaria bem, contudo o valor deste socialmente necessário é um problema. Na realidade, o que o trabalhador recebe é o salário de subsistência, que é o mínimo que assegura a manutenção e reprodução do trabalho. Mas, apesar de receber um salário, o trabalhador acaba por criar um valor acrescentado durante o processo de produção, ou seja, fornece mais do que aquilo que custa. É esta diferença que Marx chama de mais-valia. A mais-valia não pode ser considerada um roubo, pois é apenas fruto da propriedade privada dos meios de produção. Mas os capitalistas e os proprietários procuram aumentar os seus rendimentos diminuindo o rendimento dos trabalhadores, é justamente esta situação de exploração da força de trabalho pelo capital que Marx mais critica. Ele critica a essência do capitalismo, que reside precisamente na exploração da força de trabalho pelo produtor capitalista e que, segundo Marx, um dia haverá de levar à revolução social.

Para complementar os estudos, dispomos de um resumo do livro “O Capital”, de Karl Marx, que inclui todas as suas discussões sobre o capitalismo.

Introdução ao Capital, de Karl Marx

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"O Capital" foi a suprema conquista de Marx, o centro da obra de sua vida. Seu objeto era, como Marx colocou no Prefácio ao Volume I, "revelar a lei econômica do movimento da sociedade moderna". Pensadores econômicos anteriores haviam captado um ou outro aspecto do funcionamento do capitalismo. Marx procurou entendê-lo como um todo. Coerente com o método de análise e concepção de história (discutido nos dois capítulos anteriores), Marx analisou o capitalismo não como o fim da história, como a forma de sociedade correspondente à natureza humana, mas como um modo de produção historicamente transitório cujas contradições internas o levariam à queda.

Trabalho e Valor A base de cada sociedade humana é o processo de trabalho, seres humanos cooperando entre si para fazer uso das forças da natureza e, portanto, para satisfazer suas necessidades. O produto do trabalho deve, antes de tudo, responder a algumas necessidades humanas. Deve, em outras palavras, ser útil. Marx chama-o valor de uso. Seu valor se assenta primeiro e principalmente em ser útil para alguém. A necessidade satisfeita por um valor de uso não precisa ser uma necessidade física. Um livro é um valor de uso, porque pessoas necessitam ler. Igualmente, as necessidades que os valores de uso satisfazem podem ser para alcançar propósitos vis. O fuzil de um assassino ou o cassetete de um policial é um valor de uso tanto quanto uma lata de ervilhas ou o bisturi de um cirurgião. Sob o capitalismo, todavia, os produtos do trabalho tomam a forma de mercadorias. Uma mercadoria, como assinala Adam Smith, não tem simplesmente um valor de uso. Mercadorias são feitas, não para serem consumidas diretamente, mas para serem vendidas no mercado. São produzidas para serem trocadas. Desse modo cada mercadoria tem um valor de troca, a relação quantitativa, a proporção na qual valores de uso de um tipo são trocados por valores de uso de um outro tipo. Assim, o valor de troca de uma camisa poderá ser uma centena de latas de ervilhas. Valores de uso e valores de troca são muito diferentes uns dos outros. Para tomar um exemplo de Adam Smith, o ar é algo de um valor de uso quase infinito aos seres humanos, já que sem ele nós morreríamos, mas que não possui um valor de troca. Os diamantes, por outro lado, são de muito poucas utilidades, mas têm um valor de troca muito elevado. Mais ainda, um valor de uso tem que satisfazer algumas necessidades humanas específicas. Se você tem fome, um livro não poderá satisfazê-lo. Em contraste, o valor de troca de uma mercadoria é simplesmente o montante pelo qual será trocado por outras mercadorias. Os valores de troca refletem mais o que as mercadorias têm em comum entre si do que suas qualidades específicas. Um pão pode ser trocado por um abridor de latas, seja diretamente ou por meio de dinheiro, mesmo que suas

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utilidades sejam muito diferentes. O que é isso que eles têm em comum que permite a ocorrência dessa troca? A resposta de Marx é que todas as mercadorias têm um valor, do qual o valor de troca é simplesmente o seu reflexo. Esse valor representa o custo de produção de uma mercadoria à sociedade. Pelo fato de que a força de trabalho é a força motriz da produção, esse custo só pode ser medido pela quantidade de trabalho que foi devotada à mercadoria. Mas por trabalho Marx não se refere ao tipo particular de trabalho envolvido em, digamos, assar um pão ou manufaturar um abridor de latas. Esse trabalho real, concreto, como disse Marx, é variado e complexo demais para nos fornecer a medida de valor que necessitamos. Para encontrar essa medida nós devemos abstrair o trabalho de sua forma concreta. Marx escreve: "Portanto, um valor de uso ou um bem possui valor, apenas porque nele está objetivado ou materializado trabalho humano abstrato" (O Capital, p. 47). Assim, o trabalho tem um "caráter dual": "Todo trabalho é, por um lado, dispêndio de força de trabalho do homem no sentido fisiológico, e nessa qualidade de trabalho humano igual ou trabalho humano abstrato gera o valor da mercadoria. Todo trabalho é, por outro lado, dispêndio de força de trabalho do homem sob forma especificamente adequada a um fim, e nessa qualidade de trabalho humano concreto útil produz valores de uso” (O Capital, p. 53). Marx não estava interessado especificamente em preços de mercado. Sua meta era entender o capitalismo como uma forma de sociedade historicamente específica, descobrir o que faz o capitalismo diferente das formas anteriores de sociedade e que contradições levariam à sua futura transformação. Marx não queria saber em que medida o trabalho formava o valor de troca das mercadorias, mas em que forma o trabalho realizava essa função e por que sob o capitalismo a produção era de mercadorias para o mercado e não de produtos para uso direto como nas sociedades anteriores. O caráter dual do trabalho é crucial para responder esta questão, porque o trabalho é uma atividade social e cooperativa. Isto é verdade não apenas no que toca a tipos particulares de trabalho, mas para a sociedade como um todo. O trabalho de cada indivíduo ou grupo de indivíduos é trabalho social no sentido de que ele contribui para as necessidades da sociedade. Essas necessidades exigem todo tipo de diferentes produtos - não só vários tipos de alimentos, mas também vestuário, meios de transporte, instrumentos necessários na produção e assim por diante. Isto quer dizer que é necessário que diferentes tipos de trabalho útil sejam levados a cabo. Se cada um produzisse somente um tipo de produto, então logo a sociedade entraria em colapso. Cada sociedade, portanto, necessita de alguns meios para distribuir o trabalho social entre diferentes atividades produtivas. "Essa necessidade da distribuição de trabalho social em proporções definidas não pode possivelmente ser suprimida por uma forma particular de produção social", escreve Marx. Mas há uma diferença fundamental entre o capitalismo e outros modos de produção. O capitalismo não possui mecanismos através dos quais a sociedade pode decidir coletivamente o quanto de seu trabalho será direcionado a tarefas particulares.

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Para entender por que é assim, devemos olhar para os modos de produção pré-capitalistas, nos quais o objetivo da atividade econômica era primeiramente a produção de valores de uso, e cada comunidade podia satisfazer todas ou a maior parte de suas necessidades a partir do trabalho de seus membros. Assim, na "indústria rural patriarcal de uma família camponesa que produz para seu próprio uso cereais, gado, fio, linho, peças de roupa, etc.(...) diferenças de sexo e de idade e as condições naturais do trabalho que mudam com as estações do ano regulam sua distribuição dentro da família e o tempo de trabalho dos membros individuais da família" (O Capital, p.74). A distribuição do trabalho é regulada coletivamente mesmo em sociedades pré-capitalistas onde existem exploração e classes. Assim, no feudalismo: "O trabalho e os produtos (...) entram na engrenagem social como serviços e pagamentos in natura. (...) Portanto, como quer que se julguem as máscaras que os homens ao se defrontarem aqui vestem, as relações sociais entre as pessoas em seus trabalhos aparecem em qualquer caso como suas próprias relações pessoais, e não são disfarçadas em relações sociais das coisas, dos produtos de trabalho" (O Capital, p.74). No caso do escravismo e do feudalismo, ambos modos de produção baseados na exploração de classe, a massa da produção está voltada inteiramente para satisfazer as necessidades dos produtores e da classe exploradora. A questão principal não é o que é produzido, mas sim a divisão do produto social entre exploradores e explorados. No capitalismo as coisas são muito diferentes. O desenvolvimento da divisão de trabalho significa que a produção em cada local de trabalho é agora altamente especializada e separada dos outros locais de trabalho: cada produtor não pode satisfazer suas necessidades a partir de sua própria produção. Um trabalhador numa fábrica de abridores de latas não pode comer abridores de latas. Para viver ele deve vendê-los a outros. Os produtores são, portanto, interdependentes em dois sentidos: eles precisam cada um dos produtos dos outros, mas eles também precisam uns dos outros como compradores de seus produtos para que eles possam obter o dinheiro com o qual compram aquilo que precisam. A este sistema Marx chama de produção generalizada de mercadoria. Os produtores estão ligados entre si somente pelo intercâmbio de seus produtos: "Objetos de uso se tornam mercadorias apenas por serem produtos de trabalhos privados, exercidos independentemente uns dos outros. O complexo desses trabalhos privados forma o trabalho social total. Como os produtores somente entram em contato social mediante a troca de seus produtos de trabalho, as características especificamente sociais de seus trabalhos privados só aparecem dentro dessa troca. Em outras palavras, os trabalhos privados só atuam, de fato, como membros do trabalho social total por meio das relações que a troca estabelece entre os produtos do trabalho e, por meio dos mesmos, entre os produtores" (O Capital, p.71). Até aqui, o trabalho social concreto era diretamente trabalho social, em que a produção era para o uso, para satisfazer algumas necessidades específicas, seu papel social era óbvio. Onde a produção é destinada para

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a troca, contudo, não há uma conexão necessária entre o trabalho útil realizado por um produtor particular e as necessidades da sociedade. Só podemos descobrir, por exemplo, se os produtos de uma fábrica específica atendem algumas necessidades sociais apenas depois de eles terem sido colocados à venda no mercado. Se ninguém quiser comprar esses bens, então o trabalho que os produziu não era trabalho social. Há um segundo aspecto no qual existe uma diferença entre o trabalho social e privado no capitalismo. Fabricantes de um mesmo produto irão competir pelo mesmo mercado. Seu relativo sucesso dependerá em como possa vender seus produtos por um menor preço. Isso implica em aumentar a produtividade do trabalho: "Genericamente, quanto maior a força produtiva do trabalho, tanto menor o tempo de trabalho exigido na produção de um artigo, tanto menor a massa de trabalho nele cristalizado, tanto menor o seu valor" (O Capital, p.49). A pressão da concorrência força os produtores a adotarem métodos de produção similares aos dos seus rivais, ou se vêem forçados a rebaixarem seus preços para poderem competir. Conseqüentemente o valor das mercadorias é determinado não pela quantidade total de trabalho usada para produzi-las, mas sim pelo tempo de trabalho socialmente necessário, isto é, o tempo de trabalho "requerido para produzir um valor de uso qualquer, nas condições dadas de produção socialmente normais, e com o grau social médio de habilidade e de intensidade de trabalho" (O Capital, p.48). Um produtor ineficiente, que usa mais do que o trabalho socialmente necessário para produzir algo, achará que o preço que ele obtém pela mercadoria não compensará o seu trabalho extra. Somente o trabalho socialmente necessário é trabalho social. Trabalho social abstrato é, assim, não apenas um conceito, algo que existe somente nas nossas mentes. Ele domina a vida das pessoas. A menos que os produtores sejam capazes de alcançar as "condições normais de produção" eles se verão forçados a sair do negócio. Mas isso não é tudo. Nós vimos que o trabalho privado útil somente se torna trabalho social uma vez que seu produto tenha sido vendido. Mas para ocorrer a troca deve haver algum modo de aferir o quanto de trabalho socialmente necessário está contido em cada mercadoria. A sociedade não pode fazer isso coletivamente, porque o capitalismo é um sistema no qual os produtores relacionam-se uns com os outros somente através de seus produtos. A solução é que uma mercadoria assuma o papel de equivalente universal, em relação a qual os valores de todas as outras mercadorias possam ser mensuradas. Quando uma mercadoria particular se fixa no papel de equivalente universal, ela se torna dinheiro. E, escreve Marx, "a representação da mercadoria enquanto dinheiro implica (...) que as diferentes magnitudes de valores-mercadoria (...) estão todas expressas em uma forma na qual existem como a corporificação de trabalho social”. Assim, o capitalismo é um sistema econômico no qual os produtores individuais não sabem de antemão se os seus produtos atenderão uma necessidade social. Eles podem descobrir somente tentando vender esses produtos como mercadorias no mercado. A concorrência entre produtores que procuram tomar mercados vendendo a preços mais baratos reduz os seus diferentes trabalhos a uma medida, trabalho social

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abstrato corporificado em dinheiro. Onde a oferta de uma mercadoria excede a sua demanda, seu preço cairá e os produtores irão mudar para outras atividades econômicas mais lucrativas. É desse modo, e somente indiretamente, que o trabalho social é distribuído entre diferentes ramos de produção. A análise marxista do valor está, portanto, direcionada ao que faz do capitalismo uma forma de produção social única. O seu foco é "a real estrutura interna das relações burguesas de produção". Seu propósito é mostrar que "como valores, as mercadorias são magnitudes sociais, (...) relações entre homens na sua atividade produtiva (...). Onde o trabalho é comunal as relações entre homens em sua produção social não se manifestam como ‘valores’ de coisas”. Assim que O Capital foi publicado, economistas burgueses objetaram que a abordagem do valor feita por Marx no começo do volume I não prova que as mercadorias são realmente trocadas em proporção ao tempo de trabalho socialmente necessário exigido para produzi-las. Eles têm continuado com essa objeção até os dias de hoje. Marx comentou acerca de um desses críticos: "O desafortunado camarada não vê que, mesmo se não houvesse um capítulo sobre "valor" em meu livro, a análise das reais relações que eu dou conteria a prova e a demonstração da real relação-valor (...) “A ciência consiste precisamente em demonstrar de que maneira a lei do valor se afirma. Assim, se alguém quiser ‘explicar’ logo de início todos os fenômenos que aparentemente contradizem a lei, ele deve proporcionar a ciência antes da ciência”. Todo O Capital é uma prova da teoria do valor-trabalho. Marx considerava que o método científico correto era o de "ascender do abstrato ao concreto". Ele começa por estabelecer a teoria do valor-trabalho na forma bastante abstrata, tal como a consideramos até agora. Mas este é somente o ponto de partida de sua análise. Ele avança passo a passo para mostrar como o comportamento complexo e freqüentemente caótico da economia capitalista pode ser entendido a partir da teoria do valor-trabalho, e somente a partir dela. Mais-valia e exploração O modo de produção capitalista envolve, de acordo com Marx, duas grandes separações. A primeira nós já discutimos - a separação das unidades de produção. Em outras palavras, a economia capitalista é um sistema dividido em produtores interdependentes e concorrentes entre si. Do mesmo modo, importante é a divisão no interior de cada unidade de produção, entre o proprietário dos meios de produção e os produtores diretos, isto é, entre capital e trabalho assalariado. Marx assinalou que as mercadorias podem existir sem capitalismo. Dinheiro e comércio são encontrados em sociedades pré-capitalistas. Todavia, a troca de mercadorias em tais sociedades é principalmente um meio de obter valores de uso, as coisas das quais as pessoas necessitam. A circulação de mercadorias em tais circunstâncias toma a forma de M-D-M, onde M é mercadoria e D dinheiro. Cada produtor toma sua mercadoria e vende-a por dinheiro para comprar uma outra mercadoria de outro produtor. O dinheiro é apenas o intermediário na transação.

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E mais, o dinheiro que o capitalista ou investidor consegue após a transação é maior do que o dinheiro investido inicialmente. O dinheiro extra, ou lucro, Marx chamou "mais-valia". De onde vem a mais-valia? A força de trabalho é uma mercadoria e, como toda mercadoria, tem um valor e um valor de uso. Seu valor é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário envolvido para manter o trabalhador vivo e para educar as crianças que irão substituí-lo. "O seu valor, como o de qualquer outra mercadoria, estava determinado antes de ela entrar em circulação, pois determinado quantum de trabalho social havia sido gasto para a produção da força de trabalho, mas o seu valor de uso consiste na exteriorização posterior dessa força" (O Capital, p. 143). O valor de uso da força de trabalho é o trabalho e, uma vez que o trabalhador tenha sido empregado, o capitalista coloca-o para trabalhar. Mas o trabalho é a fonte de valor e, além disso, o trabalhador criará durante um dia de trabalho mais valor do que o capitalista paga por seus dias de trabalho. Mas o decisivo [para o capitalista] foi o valor de uso específico desta mercadoria ser fonte de valor, e de mais valor do que ela mesma tem" (O Capital, p. 160). Por exemplo, consideremos que em um dia de trabalho de 8 horas o trabalho de 4 horas baste para compor o valor total do salário a ser pago pelo patrão pelas 8 horas. As demais 4 horas são embolsadas pelo patrão. Mais-valia, ou lucro, é meramente a forma peculiar de existência do trabalho excedente no modo de produção capitalista. A importância desta análise da compra e venda da força de trabalho é que permite a Marx relacionar as origens da mais-valia à exploração do trabalhador pelo capital. Mais ainda, ela ilumina o fato de que os padrões traçados pelos economistas clássicos não são nem naturais nem inevitáveis, mas relações de produção historicamente específicas. Marx é capaz de realizar esta análise ao mesmo tempo em que assume que todas as mercadorias, incluindo a força de trabalho, são vendidas pelo seu valor. Em outras palavras, o capitalista não ganha seus lucros pagando pela força de trabalho menos do que o equivalente ao tempo de trabalho socialmente necessário para reproduzi-la. A exploração não é nada anormal, é um típico resultado do funcionamento regular do modo de produção capitalista. Ela surge da diferença entre o valor criado pela força de trabalho e o valor da própria força de trabalho. A compra e venda da força de trabalho depende da separação do trabalhador dos meios de produção. Desse modo, o trabalhador é "livre no duplo sentido de que ele dispõe, como pessoa livre, de sua força de trabalho como sua mercadoria, e de que ele, por outro lado, não tem outras mercadorias para vender, solto e solteiro, livre de todas as coisas necessárias à realização de sua força de trabalho" (O Capital, p.140). A troca entre capital e trabalho assalariado pressupõe "a distribuição dos elementos da própria produção, os fatores materiais que estão concentrados de um lado, e a força de trabalho isolada, de outro". Marx mostra no volume I, parte 8, de O Capital como essa "distribuição" foi o resultado de um processo histórico, no qual o campesinato foi privado de sua terra e os meios de produção - inicialmente a própria terra - tornaram-se monopólio de uma classe cujo objetivo era o lucro.

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Portanto, Marx foi capaz de explicar o contraste entre a aparente igualdade política de todos os cidadãos da sociedade capitalista e a desigualdade real da exploração de classe. A troca entre capital e trabalho assalariado é uma troca de equivalentes. A força de trabalho é paga por seu valor - o custo de sua reprodução. Tanto trabalhador quanto capitalista são proprietários de mercadoria: um, da força de trabalho, e outro, de dinheiro. A força de trabalho é paga por seu valor - o custo de sua reprodução. Então, onde está a exploração? Tanto quanto permaneçamos no "reino da circulação", o mercado onde todo mundo é proprietário de alguma coisa agindo de acordo com o seu interesse, a exploração é invisível. É somente quando adentramos o local oculto da produção, em cujo limiar se pode ler: A exploração é possível por causa da propriedade peculiar da mercadoria vendida pelo trabalhador, notadamente do fato de que seu valor de uso é o trabalho, a fonte de valor e de mais-valia. E é na produção que a força de trabalho é posta em movimento. Mas, antes de olharmos o processo de produção no capitalismo, necessitamos precisar o que é capital. Da maneira mais simples, o capital é uma acumulação de valor que atua para criar e acumular mais valor. Bem antes do capitalismo, homens ricos acumularam riqueza pela expropriação de trabalho excedente de escravos e servos. Mas essa riqueza era usada para consumo, sendo que eles podiam ter uma maior porção das necessidades e luxúrias da vida. Essa riqueza não era capital, embora venha de uma fonte comum - trabalho excedente. Capital, portanto, é definido por duas coisas: o que ele é e como atua. Ele é uma acumulação de mais-valia produzida pelo trabalho, e essa acumulação pode tomar a forma de dinheiro, mercadoria ou meios de produção - e usualmente uma combinação dos três. Ele atua para assegurar acumulação posterior. Marx descreveu isso como "a auto-expansão de valor". Capital não é necessariamente identificado com capitalistas individuais. No desenvolvimento inicial do capitalismo, indivíduos ricos jogaram um papel importante, mas isso está longe de ser o caso nos dias de hoje. De fato está na natureza do capitalismo que o capital assuma vida própria, operando de acordo com uma lógica econômica que transcende quaisquer indivíduos. Unidades individuais de capital, as quais são usualmente chamadas de "capitais", podem ser desde uma pequena companhia a uma grande corporação, uma instituição financeira a um Estado-nação. Para compreender a natureza peculiar do processo de produção capitalista, Marx formulou uma série de novos conceitos. Nós vimos no capítulo anterior que existem dois principais elementos em qualquer processo de trabalho - força de trabalho e os meios de produção. Sob o modo de produção capitalista ambos elementos tomam a forma de capital. O capitalista tem que investir dinheiro para comprar tanto a força de trabalho quanto os meios de produção antes de poder aumentar seu investimento inicial. Ao dinheiro para comprar a força de trabalho Marx chamou-o capital variável; e o dinheiro investido para obter o prédio,

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equipamentos, matérias-primas e outros meios de produção ele chamou capital constante. A razão para esses nomes deve ser óbvia à luz da teoria do valor-trabalho. O capital variável, por que é investida a força de trabalho, a mercadoria que é a fonte de valor expande em valor. O capital constante não. A produção capitalista envolve tanto trabalho vivo - o trabalho do operário que substitui o valor da força de trabalho e ao mesmo tempo cria mais-valia - quanto trabalho morto, acumulado nos meios de produção. Esse trabalho morto é o trabalho acumulado pelos trabalhadores que fabricaram os meios de produção em primeiro lugar. Como a maquinaria deteriora-se gradualmente através de seu uso para produzir novas mercadorias, o seu valor é transferido para essas mercadorias. Algumas das páginas mais brilhantes de O Capital são aquelas nas quais Marx descreve como, especialmente nas fases iniciais da Revolução Industrial, os capitalistas procuraram estender a jornada de trabalho tanto quanto possível, forçando até mesmo meninos de nove anos a trabalharem três turnos de doze horas nas terríveis condições das fundições de ferro. "O Capital", ele escreve, "é trabalho morto, que apenas se reanima, à maneira dos vampiros, chupando o trabalho vivo e que vive quanto mais trabalho vivo chupa" (O Capital, p.189). Existem, todavia, limites objetivos para aumento da jornada de trabalho. Se aumentada demais produz "não apenas a atrofia da força de trabalho, a qual é roubada de suas condições normais, morais e físicas, de desenvolvimento e atividade", como também "produz a exaustão prematura e o aniquilamento da própria força de trabalho" (O Capital, p.212). O capital que depende da força de trabalho como fonte de valor atua, assim, contra seus próprios interesses. Ao mesmo tempo, o impiedoso aumento da jornada engendra a resistência organizada de suas vítimas. Marx relata o papel cumprido pela ação coletiva dos trabalhadores para forçarem os capitalistas britânicos a aceitarem o "Factory Acts" (leis fabris limitando as horas de trabalho): "E assim a regulamentação da jornada de trabalho apresenta-se na história da produção capitalista como uma luta ao redor dos limites da jornada de trabalho - uma luta entre o capitalista coletivo, isto é, a classe dos capitalistas, e o trabalhador coletivo, ou a classe trabalhadora" (O Capital, p.190). O capital pode, entretanto, aumentar a taxa de mais-valia também pela produção de mais-valia relativa. Um aumento na produtividade do trabalho levará a uma queda no valor das mercadorias produzidas. Se alguma melhoria técnica nas condições de produção barateia os bens de consumo que os trabalhadores compram com seus salários, então o valor da força de trabalho também cai. Menos trabalho social será necessário para reproduzir a força de trabalho e a porção da jornada de trabalho dedicada ao trabalho necessário cairá, deixando mais tempo gasto criando mais-valia. Marx afirma que embora tanto a mais-valia absoluta como a relativa sejam encontradas em todas as fases do desenvolvimento capitalista, tende a haver uma mudança histórica em suas importâncias. Quando as relações de produção capitalistas foram introduzidas inicialmente, o foram sobre a base de métodos de produção herdados das indústrias

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artesanais da sociedade feudal. Esses métodos artesanais não são, de início, alterados fundamentalmente: os trabalhadores são simplesmente agrupados em maiores unidades de produção e sujeitos a uma mais complexa divisão de trabalho. Novas relações de produção são enxertadas a um velho processo de trabalho: "Dado o modo de trabalho preexistente (...) a mais-valia só pode ser criada pela ampliação do dia de trabalho, isto é, aumentando a mais-valia absoluta". Em um modo de produção como o feudalismo, no qual nem o explorador nem o explorado têm necessariamente um interesse forte em expandir as forças produtivas, mais trabalho excedente só pode ser extraído dos produtores diretos fazendo-os trabalharem mais horas. O capitalismo, contudo, introduz um novo método de aumentar a taxa de exploração, conseguindo que os trabalhadores trabalhem mais eficientemente. A mais importante conseqüência é que o processo de trabalho torna-se crescentemente socializado. A produção ocorre agora em amplas unidades organizadas em torno de máquinas e envolvendo uma divisão de trabalho altamente complexa. A verdadeira alavanca do processo de trabalho global é cada vez mais não o trabalhador individual, mas a força de trabalho socialmente combinada. O capitalismo, portanto, cria o que Marx chama de "trabalhador coletivo", do qual os indivíduos são membros agrupados pelo esforço conjunto de produzir mercadorias. Concorrência, preços e lucros A análise de Marx do processo de produção capitalista realizada no primeiro volume de O Capital é feita num nível de abstração bastante elevado. Mais importante é o fato de que ele presume que as mercadorias são trocadas pelos seus valores, isto é, em proporção ao tempo de trabalho socialmente necessário para sua produção. Em particular, ele exclui os efeitos da concorrência e das flutuações na oferta e procura das mercadorias. Este procedimento era justificado porque Marx tinha como objetivo compreender as características essenciais da economia capitalista e buscar as suas fontes na extração de mais-valia dos trabalhadores no processo de produção. O objeto de Marx ao analisar o processo capitalista de produção era o que ele chamou "capital em geral como distinto dos capitais particulares". Isso, ele reconheceu, era uma abstração, não "uma abstração arbitrária, mas uma abstração que apanha as características específicas que distinguem o capital de todas as outras formas de riqueza - ou modos pelos quais a produção social se desenvolve. Esses são os aspectos comuns a cada capital enquanto tal, ou que transformam cada soma específica de valores em capital". Os aspectos comuns "a cada capital enquanto" tal desmoronam diante do fato de que o capital é a auto-expansão de valor, que surge da exploração do trabalhador na produção. Portanto, o que distingue o capital dos outros "modos pelos quais a produção social se desenvolve" é a mais-valia, enquanto "a forma econômica específica na qual trabalho excedente não pago é extraído dos produtores diretos". A análise do "capital em geral" está voltada para desvelar a base das relações capitalistas de produção.

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Há, porém, um outro estágio na análise do capitalismo feita por Marx. Vimos que este modo de produção envolve duas separações: uma entre a força de trabalho e os meios de produção, a qual subjaz à troca entre trabalho assalariado e capital e assim torna possível a extração de mais-valia; a outra entre as unidades de produção, que surgem do fato de que não há, no capitalismo, um modo coletivo para distribuir o trabalho social entre diferentes atividades, e por isso produtores individuais relacionam-se uns com os outros através da troca de seus produtos. É um traço essencial do capitalismo que nenhum produtor único controla a economia. "O capital existe e só pode existir como muitos capitais", escreve Marx. A esfera dos "muitos capitais" é a da concorrência. Capitais individuais lutam entre si por mercados, procurando ganhar o controle de setores particulares. O comportamento desses capitais só pode ser entendido à luz da análise feita por Marx do "capital em geral" e especialmente do processo de produção. O que os torna capitais é a auto-expansão de valor na produção. Mas, em um sentido muito importante, a análise de Marx sobre a concorrência completa a do processo de produção. Para apreciar este ponto plenamente, devemos primeiro dar uma olhada nos três volumes de O Capital. "o modo capitalista de produção, considerado como um todo, é unidade de processo de produção e de circulação (...). As configurações do capital, como as desenvolvemos neste livro, aproximam-se, portanto, passo a passo, da forma em que elas mesmas aparecem na superfície da sociedade, na ação dos diferentes capitais entre si, na concorrência e na consciência costumeira dos agentes da produção" (O Capital). A lei do valor - a troca de mercadorias proporcionalmente ao tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-las - depende da competição em dois aspectos. Marx distingue entre o valor de uma mercadoria e o seu preço de mercado. O valor é o trabalho social despendido nela; o preço de mercado é a quantidade de dinheiro que ela alcançará num determinado momento. Freqüentemente os dois irão diferir, porque o preço de mercado flutuará em resposta às oscilações na oferta e na procura. Marx argumenta que essas flutuações cancelarão uns aos outros no decorrer do tempo. O valor de uma mercadoria, contudo, como vimos na primeira seção deste capítulo, é o trabalho socialmente necessário envolvido em sua produção. Isso pode diferir bem da quantidade real de trabalho usado para produzi-la. Marx, portanto, faz distinção entre o valor individual de uma mercadoria, o tempo de trabalho nela corporificado e seu valor social ou de mercado, o qual reflete as condições de produção predominantes naquele ramo industrial. O valor de mercado da mercadoria é determinado pela concorrência entre os capitais naquele ramo industrial, cada um tentando ganhar uma maior parcela do mercado, cada um procurando com isso aperfeiçoar suas condições de produção e assim reduzir o valor de suas mercadorias. Usualmente o valor de mercado resultante será o valor de bens produzidos nas condições médias de produção no setor. Os produtos de um capital individual, como resultado dessa competição, serão vendidos pelo valor de mercado, mesmo se o trabalho real usado

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para produzir essas mercadorias, seus valores individuais, for maior ou menor que o valor de mercado. Existe, além disso, um segundo modo no qual a concorrência interfere no funcionamento da lei do valor. Isso surge do fato de que mercadorias são "produto do capital". Em outras palavras, o capitalista investe seu capital na produção de mercadorias, não como um fim em si, mas para produzir mais-valia. Agora, como vimos na seção anterior, a fonte de mais-valia é o capital variável, em outras palavras, os trabalhadores que o capitalista emprega em troca de salários. Mas o capitalista não emprega o dinheiro apenas para pagar esses salários; ele também tem que desembolsar dinheiro para a maquinaria, prédios, matérias-primas e em tudo o que for necessário para haver produção de mercadorias. O que conta para o capitalista não é simplesmente o retorno que ele faz sobre o capital variável, mas sim aquele sobre seu investimento total, capital variável mais o capital constante. O reconhecimento deste fato levou Marx a distinguir entre a taxa de mais-valia e a taxa de lucro. A taxa de mais-valia é simplesmente a razão entre mais-valia e capital variável. A taxa de lucro, por outro lado é a razão entre mais-valia e capital total, capital variável mais capital constante. Do ponto de vista da compreensão do capitalismo, a taxa de mais-valia é mais importante porque a força de trabalho é a fonte de valor. Mas o que importa ao capitalista é a taxa de lucro, porque ele precisa de um retorno adequado sobre o seu investimento total e não só sobre o que ele gasta com salários. A existência de uma taxa de lucro é uma ilustração de como, de acordo com Marx, a concorrência oculta as verdadeiras relações de produção. Pois é a taxa de lucro que os capitalistas usam em seus cálculos cotidianos. Como esse conceito relaciona a mais-valia ao capital total, o fato de que a força de trabalho é a fonte de mais-valia fica oculto. Parece como se o capital constante investido nos meios de produção fosse também responsável por criar valor e mais-valia. Este é um exemplo do que Marx chama fetichismo da mercadoria, o modo como o funcionamento da economia capitalista leva as pessoas a acreditarem que suas relações sociais são, de algum modo, místicas, governadas por objetos físicos - valores de uso e a maquinaria usada para produzi-los. O seu efeito é justificar a existência de lucros, já que o capitalista, como proprietário dos meios de produção, parece tão merecedor quanto o trabalhador de uma parte do produto que supostamente foi produto de cooperação entre ambos. Em relação à taxa de lucro existe, todavia, mais do que esta mistificação. Marx afirma que a taxa de lucro diferirá de indústria para indústria, dependendo das condições de produção predominantes. Para explicar isso, ele usa um outro conceito, o de composição orgânica de capital. Esta é a razão do capital constante ao capital variável. Em outras palavras, ela reflete (em termos de valor) o montante de maquinário, matérias-primas e tudo que é necessário para produzir uma dada mercadoria em relação à força de trabalho necessária. Isto é, de fato, uma medida da produtividade do trabalho. Pois quanto mais eficiente é a força de trabalho, mais o trabalhador produzirá com um maquinário, mais matérias-primas serão utilizadas pelo trabalhador, e

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assim por diante. Então, quanto mais alta for a produtividade do trabalho, maior será também a composição orgânica do capital. Como o capital procura continuamente pelo retorno mais alto, o aumento de investimento em indústrias com baixa utilização de edifício, maquinário e matérias-primas em relação à força de trabalho, em outras palavras com uma composição orgânica de capital baixa e, portanto, alta taxa de lucro, tenderá a uma baixa nos preços e redução da taxa de lucro. O oposto acontecerá em indústrias com elevada composição orgânica de capital. Como escreve Marx: "Esse incessante fluxo e influxo", através do qual o capital é constantemente redistribuído entre as diferentes esferas de produção dependendo da sua relativa lucratividade, continuará até que "ele crie uma tal razão de oferta e procura que o lucro médio nas esferas de produção se torne o mesmo, e os valores sejam, portanto, convertidos em preços de produção". Acumulação e Crises

Uma das principais características do capitalismo, que o diferencia dos outros modos de produção, é a acumulação de capital. Nas sociedades escravistas ou feudais, o explorador consumia a massa de produto excedente abocanhado dos produtores diretos. A produção é ainda dominada pelo valor de uso: seu objetivo é o consumo. Isso muda uma vez que o modo de produção capitalista de produção prevalece. A maior parte da mais-valia extorquida dos trabalhadores não é consumida. Ao invés disso, é investida na produção. É este processo, através do qual a mais-valia é reinvestida constantemente na produção, que Marx chama de "acumulação de capital". Em uma famosa passagem, no volume 1 de O Capital, Marx mostra como isto dá lugar, na classe capitalista, a uma ideologia da "abstinência", na qual a burguesia é encorajada a negar mesmo o seu próprio consumo e poupar mais-valia tanto quanto possível para ser reinvestida: "Acumulai, acumulai! Isso é Moisés e os profetas! "A indústria fornece o material que a poupança acumula". [diz Adam Smith] “Portanto, poupai, poupai, isto é, retransformai a maior parte possível da mais-valia e do mais-produto em capital! A acumulação pela acumulação, produção pela produção, nessa fórmula a Economia Clássica expressou a vocação histórica do período burguês." Mas, diz Marx, o motivo para isso não é a cobiça (embora como indivíduo o capitalista deva ser bem cobiçoso). Nós não precisamos procurar por alguma propensão natural à ambição na natureza humana. O próprio sistema proporciona o motivo para os capitalistas: "(...) na medida em que ele é capital personificado (...) não é o valor de uso a satisfação, mas o valor de troca e sua multiplicação o móvel de sua ação. (...) Como tal ele partilha com o entesourador o instinto absoluto do enriquecimento. O que neste, porém, aparece como mania individual, é no capitalista efeito do mecanismo social, do qual ele é apenas uma engrenagem".

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Esse "mecanismo social" é a concorrência entre "muitos capitais". Nós vimos que Marx acreditava que “influência de capitais individuais sobre outros tem precisamente como efeito que eles devem conduzir-se como capital". Isto é especialmente verdadeiro na acumulação. Um capital que não reinvista mais-valia logo se verá superado pelos rivais que investem em métodos aperfeiçoados de produção e que são, portanto, capazes de produzir mais barato e podem obrigar ao rebaixamento dos preços de bens do primeiro capital. Um capital que falha em acumular logo se verá em direção à bancarrota. O processo de acumulação, justamente porque é inseparável da concorrência entre capitais, não é nada tranqüilo ou uniforme. Marx argumenta que o processo de acumulação é também a reprodução das relações capitalistas de produção. O que ele quer dizer é que a sociedade não pode seguir existindo a menos que a produção seja constantemente renovada, e isso depende de os capitalistas reinvestirem o valor realizado no mercado na produção. Marx distingue entre duas formas de reprodução. A reprodução simples ocorre quando a produção é renovada ao mesmo nível anterior - e a economia estagna ao invés de crescer. A reprodução ampliada, contudo, implica na utilização do mais-produto para aumentar a produção. Este último caso é a norma no capitalismo. Mas se essas proporções entre os diferentes setores da economia são realmente alcançadas é uma questão, em grande parte, acidental. Os capitalistas produzem, não para si, mas para o mercado. Não há qualquer garantia de que o que foi produzido será consumido. Se isso acontece ou não depende da existência de uma efetiva demanda para a mercadoria. Em outras palavras, não só deve ter alguém que queira comprá-la, mas esse alguém deve possuir dinheiro para comprá-la. Freqüentemente essa demanda não existe. O resultado é uma crise econômica. A possibilidade de crises econômicas é inerente à natureza mesma da mercadoria. Uma mercadoria é vendida e o dinheiro é usado para comprar outra mercadoria. Mas não há razão para que uma venda deva ser seguida necessariamente por uma outra compra. Tendo vendido a mercadoria o vendedor pode decidir guardar o dinheiro recebido. Existem freqüentes condições nas quais capitalistas decidem fazer precisamente isso, porque a taxa de lucro é baixa demais para valer a pena um investimento. A fonte das crises é, portanto, em última instância, o caráter não planejado da produção capitalista, em que "um balanço é ele mesmo um acidente devido à natureza espontânea de sua produção", como afirma Marx. Entretanto, isso apenas mostra que as crises são possíveis. Para entender porque elas acontecem de fato temos que adentrar mais na natureza do processo de acumulação. A explicação de Marx às crises econômicas está baseada no que ele chamou de tendência à queda da taxa de lucro, "em todos os aspectos a mais importante lei da moderna economia política, e a mais essencial para entender as mais difíceis relações", escreveu Marx. A taxa de lucro tem uma tendência geral à queda sob o capitalismo, diz Marx. Não apenas em áreas específicas da economia, nem apenas em períodos particulares, mas em geral, e a razão disso, segundo ele, é o

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contínuo crescimento da produtividade do trabalho. Para usar suas próprias palavras: "A tendência progressiva à queda da taxa de lucro é apenas uma expressão, peculiar ao modo de produção capitalista, do desenvolvimento progressivo da produtividade social do trabalho”. Quanto mais alta a produtividade do trabalho, mais maquinário e matérias-primas sob a responsabilidade de um trabalhador individual. Em outras palavras, a quantidade de capital constante investido no prédio, equipamentos e matérias-primas, cresce em relação ao capital variável usado para pagar os salários dos trabalhadores. Em termos de valor, isso significa que a composição orgânica do capital é mais elevada. E nós já vimos que pelo fato de a força de trabalho ser a fonte de mais-valia, quanto mais elevada a composição orgânica de capital, menor a taxa de lucro. Assim, enquanto a produtividade do trabalho aumenta, a taxa de lucro cai. Mas, se é assim, então porque os capitalistas buscam sempre uma maior produtividade? A resposta é que, em curto prazo, ele se beneficia agindo assim, e a longo prazo ele é forçado a agir assim pela concorrência. Relembremos que o valor individual de uma mercadoria, o trabalho real corporificado nela, pode diferir do valor de mercado, o qual é determinado pelas condições médias de produção naquela indústria. Agora tomemos o caso de um capitalista individual que utiliza essas condições médias de produção. Suponhamos que ele introduza uma nova técnica, o que aumenta a produtividade de seus trabalhadores acima da média. O valor individual de suas mercadorias ficará abaixo do valor social ou de mercado, porque elas foram produzidas mais eficientemente do que é normal naquele setor. O capitalista pode agora fixar os seus preços a um nível mais baixo do que o valor social, obrigando os rivais a baixarem os seus preços, mais ainda num valor mais alto que os seus valores individuais, realizando, assim, um lucro extra. Mas essa situação não permanecerá indefinidamente. Outros capitalistas adotarão a nova técnica tentando impedir que sejam passados para trás. Uma vez que essa inovação se torne a norma na indústria, o valor social de seus produtos cairá para emparelhar o valor individual das mercadorias, acabando com a vantagem do capitalista inovador. Entretanto, o resultado de todas essas ações dos capitalistas visando aumentar a quantidade de mais-valia e superar seus concorrentes é trazer para baixo a taxa geral de lucro: “nenhum capitalista jamais introduz voluntariamente um novo método de produção, não importa o quão produtivo ele possa ser e o quanto ele possa aumentar a taxa de mais-valia, supondo que ele reduz a taxa de lucro. Contudo cada novo método de produção barateia as mercadorias. Portanto, o capitalista vende-as originalmente por um valor maior que os seus preços de produção, ou, talvez, acima do seu valor. Ele embolsa a diferença entre seus custos de produção e os preços de mercado das mesmas mercadorias produzidas com custos de produção mais elevados. Ele pode fazer isso, (...) porque seu método de produção está acima da média social. Mas a concorrência torna-o geral e sujeito à lei geral. Segue-se uma queda na taxa de lucro - talvez primeiro nessa esfera de produção, e finalmente atinge um equilíbrio com o resto -, o qual ocorre, portanto, totalmente independente da vontade do capitalista”. (O Capital).

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Essa tendência à queda da taxa de lucro é um reflexo do fato de que "além de um certo ponto, o desenvolvimento das forças de produção se torna uma barreira para o capital; e daí a relação-capital uma barreira para o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho". A maior produtividade do trabalho, o que reflete o crescente poder da humanidade sobre a natureza, toma a forma, no interior das relações de produção capitalistas, de uma crescente composição orgânica de capital, e, então, de uma taxa de lucro decrescente. É este processo que subjaz às crises econômicas. "A crescente incompatibilidade entre o desenvolvimento produtivo da sociedade e as relações de produção existentes até então se expressa em contradições mais amargas, crises, espasmos". A taxa decrescente de lucro é, contudo, somente o ponto de partida da análise de Marx das crises capitalistas. Ele sublinha que existem "influências contrariantes em funcionamento, que cruzam e anulam o efeito da lei geral e que lhe dá meramente a característica de uma tendência", "uma lei cuja ação absoluta é controlada, retardada, debilitada". De fato, "as mesmas influências que produzem uma tendência à queda da taxa de lucro, também fazem surgir os contra-efeitos que dificultam, retardam e paralisam parcialmente essa queda". Por exemplo, a crescente composição orgânica de capital significa que um número menor de trabalhadores pode produzir uma certa quantidade de mercadorias. O capitalista pode muito bem reagir com a demissão dos trabalhadores excedentes - isso pode ter sido mesmo o seu objetivo ao introduzir a nova técnica de produção. O resultado é que a acumulação de capital implica na constante expulsão de trabalhadores da produção. Está criada o que Marx chama de "superpopulação relativa". Conseqüentemente, a economia capitalista gera um "exército industrial de reserva" de trabalhadores desempregados, o que cumpre um papel crucial no processo de acumulação. Os desempregados não proporcionam somente uma reserva de trabalhadores que podem ser lançados a novos ramos ou células de produção. Eles também ajudam a impedir que os salários aumentem demais. A força de trabalho, como qualquer mercadoria, tem um valor - o tempo de trabalho envolvido em sua produção, e um preço - a quantidade de dinheiro pago por ela. O preço da força de trabalho é o salário, e como todos os preços de mercado os salários flutuam em resposta aos aumentos e quedas na oferta e na demanda de força de trabalho. A existência do exército industrial de reserva mantém a oferta da força de trabalho o suficiente para impedir que o preço da força de trabalho aumente acima do seu valor. Escreve Marx: "Os movimentos gerais dos salários são exclusivamente regulados pela expansão e contração do exército industrial de reserva". A existência de um exército industrial de reserva fortalece a posição do capitalista e torna-lhe mais fácil aumentar a taxa de mais-valia. Se a quantidade total de capital permanece a mesma, então a taxa de lucro aumentará. Assim, uma maior intensidade de exploração é uma influência contrariante à queda na taxa de lucro.

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A análise da maneira como as crises surgem no interior do processo de acumulação de capital, a qual Marx desenvolve em O Capital, é conduzida a um nível de abstração bastante elevado. Ela precisa ser elaborada, como nós veremos no capítulo final, a partir de uma abordagem de como, com o desenvolvimento posterior do sistema, a centralização e a concentração de capital torna mais difícil para as crises cumprirem o seu papel de restaurar as condições de acumulação lucrativa. Todavia, O Capital fornece a base fundamental para qualquer tentativa de entender a economia capitalista. Conclusão O modo de produção capitalista ilustra a tese geral de Marx de que a realidade é dialética, que ela contém contradições dentro de si. Pois, de um lado, a mudança tecnológica, com a introdução de novos métodos de produção, é parte da existência mesma do capitalismo. A pressão da concorrência força os capitalistas a inovarem constantemente e, desse modo, a ampliar as forças de produção. Por outro lado, o desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo leva inevitavelmente a crises. Como Marx colocou em O Manifesto Comunista: "A burguesia só pode existir com a condição de revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção e, com isso, todas as relações sociais. A conservação inalterada do antigo modo de produção constituía, pelo contrário, a primeira condição de existência de todas as classes industriais anteriores. Essa subversão contínua da produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação permanente e toda essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes." A diferença entre o capitalismo e os seus precursores surge das relações de produção: "É claro, entretanto, que se numa formação sócio-econômica predomina não o valor de troca, mas o valor de uso do produto, o mais-trabalho é limitado por um círculo mais estreito ou mais amplo de necessidades, ao passo que não se origina nenhuma necessidade ilimitada por mais-trabalho do próprio caráter da produção" (O Capital, p.190). O senhor feudal, por exemplo, se satisfazia tanto quanto ele recebia suficiente renda de seus camponeses para sustentar a ele próprio, sua família e seus empregados, dentro do estilo ao qual estavam acostumados. O capitalista, entretanto, tem um "apetite voraz", uma "fome de lobisomem por mais-trabalho", que brota das necessidades de se igualar aos aperfeiçoamentos técnicos de seus concorrentes, ou ir à falência. Marx foi um firme defensor do que ele chamou de "a grande influência civilizatória do capital" contra aqueles que, tais como os românticos, olhavam nostalgicamente para as sociedades pré-capitalistas. Ele elogiou Ricardo por "ter seus olhos unicamente para o desenvolvimento das forças produtivas". "Afirmar, como fizeram oponentes sentimentais de Ricardo, que a produção como tal não é o objeto, é esquecer que a produção por seu próprio fim não é nada senão o desenvolvimento das

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forças produtivas humanas, em outras palavras, o desenvolvimento da riqueza da natureza humana como um fim em si". Assim, o capitalismo foi historicamente progressivo. Ele conduz para "além das barreiras nacionais e preconceitos (...), assim como de todas as tradicionais, confinadas, complacentes e incrustadas satisfações das necessidades humanas, e reproduções de velhos modos de vida. Ele é destrutivo para tudo isso, e constantemente o revoluciona, rompendo todas as barreiras que obstruem o desenvolvimento das forças produtivas, a expansão das necessidades, o desenvolvimento multi-polar da produção e a exploração e a troca de forças naturais e mentais". Ao mesmo tempo, porém, a tendência à queda da taxa de lucro mostra que o capitalismo não é, como os economistas políticos acreditaram, a forma mais racional de sociedade, mas é, ao invés disso, um modo de produção historicamente limitado e contraditório, que aprisiona as forças de produção, ao mesmo tempo em que as desenvolve. "A verdadeira barreira da produção capitalista é o próprio capital", escreve Marx. "A violenta destruição de capital, não por relações externas a ele, mas antes como uma condição de sua auto-preservação, é a forma mais impressionante na qual está dada a sua partida, cedendo lugar a um estágio mais elevado de produção social". Contrário ao que muitos analistas, entre eles alguns marxistas, têm dito, Marx não acreditava que o colapso do capitalismo fosse inevitável. "Crises permanentes não existem", ele insistiu. Como vimos, as crises são sempre soluções momentâneas e forçosas das contradições existentes. Não existe crise econômica tão profunda da qual o capitalismo não possa recuperar-se, uma vez garantido que a classe trabalhadora pague o preço do desemprego, deterioração dos padrões de vida e das condições de trabalho. Se uma crise irá levar a "um estágio mais elevado de produção social" dependerá da consciência e da ação da classe trabalhadora.

Sites recomendados: http://cienciadaeducacao.vilabol.uol.com.br/Pensadores.htm##karlmax

http://www.espacoacademico.com.br/038/38tc_callinicos.htm

CONTEÚDO 3 – A CONSTITUIÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES E AS CONTRIBUIÇÕES DE MAX WEBER

“Por mais que a vida tenha um sentido, só conhece o

combate eterno que os deuses travam entre si, ou, evitando a metáfora, só conhece a incompatibilidade dos pontos de vista últimos possíveis, a impossibilidade de regular os seus conflitos e, portanto a necessidade de se decidir a favor de um ou de outro”.

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Max Weber

Breve histórico de vida e obra Max Weber nasceu e teve sua formação intelectual no período em que as primeiras

disputas sobre a metodologia das ciências sociais começavam a surgir na Europa, sobretudo em seu país, a Alemanha. Filho de uma família da alta classe média, Weber encontrou em sua casa uma atmosfera intelectualmente estimulante. Seu pai era um conhecido advogado e desde cedo o orientou no sentido das humanidades. Weber recebeu excelente educação secundária em línguas, história e literatura clássica. Em 1882, começou os estudos superiores em Heidelberg, continuando-os em Göttingen e Berlim, em cujas universidades se dedicou, simultaneamente, à economia, à história, à filosofia e ao direito.

Concluído o curso, trabalhou na Universidade de Berlim, na qualidade de livre-docente, ao mesmo tempo em que servia como assessor do governo. Em 1893 casou-se e, no ano seguinte, se tornou professor de economia na Universidade de Freiburg, da qual se transferiu para a de Heidelberg, em 1896. Dois anos depois, sofreu sérias perturbações nervosas que o levaram a deixar os trabalhos docentes, só voltando à atividade em 1903, na qualidade de co-editor do Arquivo de Ciências Sociais (Archiv tür Sozialwissenschatt), publicação extremamente importante no desenvolvimento dos estudos sociológicos, na Alemanha. A partir dessa época, Weber somente deu aulas particulares, salvo em algumas ocasiões em que proferiu conferências nas universidades de Viena e Munique, nos anos que precederam sua morte, em 1920.

Dentro das coordenadas metodológicas que se opunham à assimilação das ciências sociais aos quadros teóricos das ciências naturais, Weber concebe o objeto da sociologia como, fundamentalmente, "a captação da relação de sentido" da ação humana. Em outras palavras, conhecer um fenômeno social seria extrair o conteúdo simbólico da ação ou ações que o configuram. Por ação, Weber entende "aquela cujo sentido pensado pelo sujeito ou sujeitos é referido ao comportamento dos outros; orientando-se por ele o seu comportamento". Tal colocação do problema de como abordar o fato significa que não é possível propriamente explicá-lo como resultado de um relacionamento de causas e efeitos (procedimento das ciências naturais), mas compreendê-lo como fato carregado de sentido, isto é, como algo que aponta para outros fatos e somente em função dos quais poderia ser conhecido em toda a sua amplitude.

O método compreensivo, defendido por Weber, consiste em entender o sentido que as ações de um indivíduo contém e não apenas o aspecto exterior dessas mesmas ações. Se, por exemplo, uma pessoa dá a outra um pedaço de papel, esse fato, em si mesmo, é irrelevante para o cientista social. Somente quando se sabe que a primeira pessoa deu o papel para a outra como forma de saldar uma dívida (o pedaço de papel é um cheque) é que se está diante de um fato propriamente humano, ou seja, de uma ação carregada de sentido. O fato em questão não se esgota em si mesmo e aponta para todo um complexo de significações sociais, na medida em que as duas pessoas envolvidas atribuem ao pedaço de papel a função do servir como meio de troca ou pagamento; além disso, essa função é reconhecida por uma comunidade maior de pessoas.

Segundo Weber, a captação desses sentidos contidos nas ações humanas não poderia ser realizada por meio, exclusivamente, dos procedimentos metodológicos das ciências naturais, embora a rigorosa observação dos fatos (como nas ciências naturais) seja essencial para o cientista social. Contudo, Weber não pretende cavar um abismo entre os dois grupos de ciências. Segundo ele, a consideração de que os fenômenos obedecem a uma regularidade causal envolve referência a um mesmo esquema lógico de prova, tanto nas ciências naturais quanto nas humanas. Entretanto, se a lógica da explicação causal é idêntica, o mesmo não se

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poderia dizer dos tipos de leis gerais a serem formulados para cada um dos dois grupos de disciplinas. As leis sociais, para Weber, estabelecem relações causais em termos de regras de probabilidades, segundo as quais a determinados processos devem seguir-se, ou ocorrer simultaneamente, outros. Essas leis referem-se a construções de comportamento com sentido e servem para explicar processos particulares. Para que isso seja possível, Weber defende a utilização dos chamados “tipos ideais”, que representam o primeiro nível de generalização de conceitos abstratos e, correspondendo às exigências lógicas da prova, estão intimamente ligados à realidade concreta particular.

Weber e as análises das organizações Weber definiu poder como sendo a possibilidade de impor a vontade de alguém através

do comportamento de outras pessoas e a relação de poder foco de seu estudo foi a dominação. Dominação é um tipo de poder em que o dominador acredita ter o direito de exercer o poder. Os subordinados devem cumprir seus deveres e cumprir ordens. Ou seja, neste tipo de autoridade estabelecida alguém encontra crenças que legitimam o exercício do poder aos olhos do líder e dos liderados. Outra crença refere-se à necessidade de aparato administrativo.

Weber distingue três tipos de dominação: Dominação carismática: Carisma significa "presente da Graça", uma qualidade excepcional pela qual alguém se torna líder. Sua capacidade e atributos justificam a dominação, que os discípulos aceitam por terem fé na sua pessoa. Os seguidores usualmente tornam-se intermediários entre o líder e as massas. Dominação tradicional: A legitimidade do poder vem da crença no passado, na certeza de que o método tradicional de fazer as coisas é o mais adequado. O líder comanda em virtude de seu status hereditário. Suas ordens são pessoais e arbitrárias, mas dentro de limites fixados pelo costume. Dominação legal: A crença na correção da lei é o que sustenta a legitimidade deste tipo de dominação. Neste caso, as pessoas obedecem às leis não devido a qualidades do líder, mas pela crença de que estas regras são editadas por um procedimento correto, um procedimento considerado correto pelos legisladores e legislados.

PARE!

Nenhum destes tipos de dominação é encontrado na forma pura. Sistemas de dominação reais constituem uma mistura dos elementos pertencentes aos três tipos de dominação.

Quando exercida sobre um elevado número de pessoas, a dominação precisa de um staff administrativo que execute os comandos e que sirva como ponte entre dominantes e dominados. Na construção da tipologia da dominação, Weber adotou esses dois princípios básicos: legitimidade e aparato administrativo.

Weber observou o crescente aumento de organizações burocratizadas de larga-escala. A burocracia, como um tipo de organização, gradualmente penetrou todas as instituições sociais. A racionalização dos modos de produção, a busca de aumento de produtividade passou a ser

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uma preocupação constante das organizações. Weber também usou o termo burocratização com um sentido mais amplo para se referir aos modos de agir e pensar que não são encontrados apenas no contexto organizacional, mas permeiam todos os aspectos da vida social.

O tipo ideal de burocracia é uma construção conceitual de alguns elementos empíricos dentro de uma lógica precisa e de uma forma consistente, uma forma que, em sua pureza ideal, nunca será encontrada na realidade concreta.

As principais características do tipo burocrático de organização são: - Elevado grau de especialização; - Estrutura de autoridade hierárquica que determina áreas de comando e responsabilidade; - Impessoalidade dos relacionamentos entre os membros da organização; - Recrutamento e seleção baseados na habilidade e conhecimento técnico; - Existência de um sistema de controle baseado em regras racionais, regras que tentam regular a completa estrutura e processos organizacionais com base no conhecimento técnico e buscando obter a máxima eficiência.

Podemos, então, inferir que o que torna uma organização mais ou menos burocrática não é a simples existência de regras, e sim a qualidade destas regras. O feudalismo, por exemplo, era regulado por regras, mas essas regras baseavam-se em tradição e não em conhecimento e perícia técnica e pensamento racional.

Visão geral sobre a teoria das organizações

O otimismo de Marx, sua fé em uma sociedade sem divisão de classes, não permitiu que ele identificasse os problemas organizacionais que são comuns tanto a sociedades industriais quanto a sociedades não-industriais. É neste sentido que as análises de Weber são complementares à crítica marxista dos aspectos estritamente capitalistas da sociedade moderna. Em seus estudos o foco é dado aos aspectos organizacionais de nossa sociedade. Continua a haver preocupação com os problemas de alienação e liberdade, mas estes itens tomam um aspecto diferente. O problema não é tanto a dominação de classe, mas a dominação burocrática – as tendências totalitárias de organizações de grande escala que ameaçam as instituições democráticas do mundo ocidental e, em nível de indivíduo, as potencialidades humanas para razão e livre arbítrio.

A eficiência e a eficácia organizacional/teoria organizacional de Weber A interação de Weber ao valorizar os fatores formais das corporações envolve a suposição

de que todos os desvios destes requisitos formais são especificamente particulares e que não têm grande interesse para o conhecimento da organização.

Os mais recentes estudos de Administração, tanto pelo ângulo da Psicologia como da Sociologia, mostram que esse enfoque é enganoso. As relações sociais e as práticas informais que ocorrem nas empresas revelam uma forma particular de organização não-oficialmente aceita.

Entretanto, a maior contribuição vem de Elton Mayo ao valorizar as relações não-formais dentro das organizações das empresas. O ponto de vista de Weber supõe que, na medida em que ocorrer o desvio da estrutura formal, o fenômeno poderá provocar restrições à eficiência do

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processo administrativo, uma vez que a empresa é um sistema aberto, incorpora todas as diferenças existentes a seu respeito, o que acaba interferindo na sua eficiência.

Vários fatos têm demonstrado exatamente o inverso: que as relações informais têm contribuído para a eficiência das práticas administrativas, como por exemplo: organização de times de futebol, basquete, academias internas de ginástica, artes marciais, corais, abertura do ambiente de trabalho para conhecimento dos familiares e outras formas de integração social.

Sociologia das Organizações

Do ponto de vista da sociologia das organizações, uma empresa ou uma instituição nada mais é do que um conjunto de pessoas trabalhando e se relacionando organizadamente na busca de um objetivo comum, formando uma unidade social, considerando quatro estágios no seu processo evolutivo: poder, papel, tarefa e pessoa. Uma empresa ou uma instituição, via de regra, nasce centrada no poder, isto é, cria uma unidade centralizadora que determina e decide tudo, procurando controlar todas as variáveis externas e internas, administrando diretamente seus impactos sobre a organização. Muitas empresas, entretanto, permanecem nesta fase durante muito tempo, gerando uma profunda dependência nas pessoas em termos de decisões e prejudicando o desenvolvimento da organização. Passa a seguir à fase do papel. Com o crescimento da empresa ou da instituição, o poder começa a “delegar”. Esta delegação ocorre de forma bastante controlada e se apóia em normas, regulamentos, circulares, etc. Na realidade, pouco ou quase nada existe de delegação, pois a liberdade de atuação está condicionada ao cumprimento rigoroso das normas e regulamentos aprovados pelo próprio “poder”. Em organizações em que predomina esta situação, são ouvidas frases como esta: “Você pode errar dentro das normas, mas não acerte fora delas.” Estas organizações, geralmente, apresentam fortes instrumentos de controle e pressão para garantir o perfeito cumprimento dessas normas. A organização centrada na “pessoa”, além de oferecer a possibilidade de realização profissional, abre um leque de alternativas claras para a realização pessoal. Pessoas são consideradas, ouvidas e os relacionamentos internos vivem uma realidade de compreensão e apoio mútuos, de busca constante de consenso. A distribuição dos trabalhos procura respeitar as preferências pessoais e as atividades menos estimuladoras são repartidas igualmente. É o triunfo do “indivíduo” dentro da realidade interna das organizações. Estes “estágios” são também “construtivos”. De forma mais simplificada, podemos dizer que a realidade de uma entidade centrada na pessoa só poderá ser construída a partir do instante em

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que ela atingir um determinado grau de maturidade e houver criado, internamente, um clima de valorização da responsabilidade que só se obtém na realidade centrada na tarefa.

Para melhor entender este tema, passearemos pela história da sociologia com sua definição:

Auguste Comte A Sociologia foi fundada por Auguste Comte, que, conduzido pelo positivismo, cunhou a expressão física social, influenciado pelo método das ciências biológicas e físicas. Mais tarde, receberia a denominação SOCIOLOGIA. Ele buscou criar uma ciência da sociedade que pudesse explicar as leis do mundo social da mesma forma que a ciência natural explicava o funcionamento do mundo físico. Comte desenvolveu o método científico para revelar leis universais na sociedade. A descoberta de leis no mundo natural nos permite controlar e predizer acontecimentos ao nosso redor. Desvendar as leis que governam a sociedade humana poderia nos ajudar a modelar o nosso destino e a melhorar o bem-estar da humanidade.

A LEI DOS TRÊS ESTÁGIOS DE EVOLUÇÃO DA SOCIEDADE Estágio Teológico Os pensamentos eram guiados por idéias religiosas e pela crença de que a sociedade era uma expressão da vontade de DEUS: Baseado em revelações; O sagrado assume centralidade; A explicação está no sagrado. Estágio Metafísico Abstrato – fase de transição (entre: teológico – científico); Predomínio da natureza - sem o real a explicação encontra-se dentro do próprio fato (subjetivismo); Espírito especulativo (busca da origem e destino das coisas). Estágio Científico Introduzido pelas descobertas e conquistas de Copérnico, Galileu e Newton, encorajou a aplicação de técnicas científicas no mundo social: “Positivo: Estado Racional”; Estado definitivo e fixo do conhecimento humano; Método - observação mais experiência.

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Mas... O que é Sociologia? Sociologia é uma ciência que tem como objeto de estudo científico as relações sociais, as formas de associação, levando em conta as características gerais comuns a todas as classes e os fenômenos sociais que ocorrem nas relações de grupos entre seres humanos no corpo social. Estuda, também, o homem e o meio em que interage. Ela é uma ciência que não emite juízo de valor, não apresenta como princípio normas, se baseia em estudos objetivos que melhor podem relevar a verdadeira natureza dos fenômenos sociais. A sociologia, assim, é a ciência que estuda e busca conhecer a realidade social. Como toda ciência, é passível de questionamento e de revisão, pois, se assim não o fosse, não seria ciência. Há alguns termos específicos da sociologia que designam atividades particulares da área. Por exemplo, “contexto social”, “movimentos sociais”, “classe”, “estrato”, “camada”, conflito social” são expressões que ouvimos a todo momento em nosso cotidiano devido à propagação dos meios de comunicação. A sociologia possibilita/facilita estudos de profissionais de outras áreas. Podemos citar algumas das atividades que requerem a participação da sociologia: uma campanha publicitária, lançamento de um produto no mercado, apresentação de um candidato político, abertura de uma loja, edificação de um prédio, etc., porque os profissionais especializados procuram dados sobre a população. Assim, antes de lançar um produto novo no mercado procura-se conhecer os comportamentos do consumidor: hábitos, comportamentos de consumo, faixa salarial, etc. Dessa forma, em todos os ambientes os estudos da sociologia se apresentam. Resulta disso a idéia de que a sociologia é uma ciência que se define pela abordagem que faz, pela maneira como usa a pesquisa, como analisa e como interpreta os fenômenos sociais. Assim, dizer que “o objeto da sociologia é a sociedade” é dar ao cientista social um objeto muito amplo e sem limites precisos. Tudo que existe, desde que o homem se reconhece como tal, existe em sociedade. Portanto, não é por fazer parte da sociedade ou de um meio social que um fato se torna objeto de pesquisa sociológica. Um fenômeno é sociológico quando sobre ele se debruça o sociólogo, tentando entendê-lo no que diz respeito às relações entre os homens e às influências sociais de seu comportamento. SOCIOLOGIA SEGUNDO DICIONÁRIO AURÉLIO (2005) [De socio- + -logia.] Substantivo feminino. 1. Tratado ou compêndio de sociologia. 5. Exemplar de um desses tratados ou compêndios. Sociologia do conhecimento. 1. Análise das condições sociais em que se produzem os conhecimentos. Sociologia econômica. 1. Estudo das leis, instituições e sistemas econômicos enquanto produtos das relações entre indivíduos que vivem socialmente. Sociologia vegetal. 1. Fitossociologia.

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Sites recomendados: - http://www.cienciapolitica.org.br/encontro/teopol5.2.doc

- http://www.administradores.com.br/noticias/a_sociologia_das_organizacoes/6142/

TEMA 02 - AS ORGANIZAÇÕES SOB UM OLHAR SOCIOLÓGICO

Um olhar inverso! Como as organizações compreendem as contribuições sociológicas e seus teóricos.

CONTEÚDO 1 – ELTON MAYO E A EXPERIÊNCIA DE HAWTHORNE

A teoria das relações humanas tem suas origens nos Estados Unidos, como resultado das experiências de Elton Mayo, denominadas Experiências de Hawthorne. Professor da Universidade de Harvard, Mayo, após Durkheim, ao iniciar as primeiras pesquisas dentro das empresas, contribuiu para mostrar com fatos concretos que as relações humanas no trabalho são fatores decisivos para o aumento de produtividade, que são fenômenos fora do alcance da tecnologia e das técnicas de organização social.

A teoria das relações humanas originou-se quando Mayo

percebeu a necessidade de tornar a administração mais humana e democrática e quando as ciências humanas influenciaram as organizações.

Experiência de Hawthorne Em 1927, Elton Mayo coordenou uma experiência numa empresa de equipamentos e

componentes telefônicos, chamada Western Eletric Company, onde percebeu que os trabalhadores eram conduzidos pela fadiga, excesso de trabalho, acidentes no trabalho, rotatividade do pessoal, causas da má condição do local de trabalho.

A experiência foi dividida em fases: Na primeira fase, os pesquisadores observaram dois grupos de trabalhadores que

executavam o mesmo serviço, porém em iluminações diferentes. Um grupo trabalhava sob iluminação constante enquanto outro trabalhava sob iluminação variável. Perceberam que o fator psicológico influenciava na produção, quando a iluminação aumentava produziam mais e quando a iluminação diminuía produziam menos.

Na segunda fase os pesquisadores mudaram o local de trabalho, a forma de pagamento, estabeleceram pequenos intervalos de descanso e distribuíram lanches leves nesses intervalos. Perceberam, então, que os trabalhadores apresentaram maior rendimento na produção, pois trabalhavam satisfeitos.

Na terceira fase os pesquisadores se preocuparam com as relações entre funcionários e os entrevistaram para conhecer suas opiniões, pensamentos e atitudes acerca de punições

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aplicadas pelos superiores e pagamentos, e descobriram uma espécie de organização informal dentro da organização que se manifestava por padrões formados pelos próprios trabalhadores.

Na quarta fase os pesquisadores analisaram a organização informal, fizeram pagamentos de acordo com a produção do grupo e não mais individualmente. Perceberam que os trabalhadores se tornaram mais solidários.

Concluíram que: O nível de produção é determinado pela expectativa do grupo, pelos benefícios cedidos

pela organização, como intervalos de descanso e refeições durante esses, e sábado livre. Os trabalhadores esperavam ser reconhecidos, compreendidos e aceitos e produziam

mais quando estavam entre seu grupo informal.

Com suas pesquisas, Elton Mayo concluiu que toda direção (organização) se defronta continuamente com três tipos de problemas: 1. O da aplicação da Ciência e da habilidade técnica; 2. O de sistematização das operações; e 3. O de organização de cooperação permanente.

Na administração, por seu turno, Elton Mayo desenvolve a teoria das relações humanas, que insere na teoria das organizações a preocupação psicossocial. Essa escola trata o conflito como anomia. Portanto, é preciso abordá-lo com ação terapêutica.

De acordo com Morgan, os estudos de Mayo indicam “[…] a importância das necessidades sociais no local de trabalho e a forma pela qual os grupos de trabalho podem satisfazer a essas necessidades, diminuindo a produção pelo fato de se engajarem em todos os diferentes tipos de atividades não planejadas pela direção”. Mayo pontua, também, o fato de que “[…] as atividades de trabalho são tanto influenciadas pela natureza dos seres humanos como pelo planejamento formal […]” (MORGAN, 1996, p. 45). Assim, Mayo ressalta a questão da informalidade como fator de possível redução da eficiência da produtividade. Aqui, a preocupação é a de fazer coincidir os interesses dos grupos informais com os da Organização.

Importa destacar que essa década é marcada pela grande depressão econômica responsável pela ascensão dos movimentos de extrema-direita (tais como o Nazismo na Alemanha, o Fascismo na Itália e o anti-comunismo nos EUA) em resposta às reivindicações trabalhistas insufladas, principalmente, pelas idéias socialistas a partir da Revolução Russa de 1917. Os princípios basilares dos movimentos de extrema-direita consistiam em: disciplina, ordem, obediência/respeito à hierarquia.

Portanto, na perspectiva organizacional, o conflito apresenta-se como responsável pelo caos e, por sua vez, a participação cooperativa é percebida como aceitação das diretrizes administrativas. É, principalmente, para atingir esse estado de cooperação que as organizações passam a considerar aspectos psicossociais, tais como segurança, aprovação social, afeto, prestígio e auto-realização, ou seja, a contenção pregada por Taylor dá lugar à manipulação de Elton Mayo.

Enquanto as idéias de Taylor materializam (-se) uma (numa) comunicação de caráter informativo (“eu mando, tu obedeces”), as concepções de Mayo exigem comunicação persuasiva, pois é necessário dissimular as intenções da Organização. Assim, através de consultas e da pseudo-participação, ela procura cooptar os trabalhadores.

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A Teoria da Motivação A teoria da motivação procura explicar os porquês do comportamento das pessoas.

Vimos na Teoria da Administração Científica que a motivação era pela busca do dinheiro e das recompensas salariais e materiais do trabalho.

A experiência de Hawthorne veio demonstrar que o pagamento, ou recompensa salarial, não é o único fator decisivo na satisfação do trabalhador. Elton Mayo e sua equipe passaram a chamar atenção para o fato de que o homem é motivado por recompensas sociais, simbólicas e não-materiais.

A compreensão da motivação do comportamento exige o conhecimento das necessidades humanas. A Teoria das Relações Humanas constatou a existência de certas necessidades humanas fundamentais:

A – Necessidades fisiológicas – São as chamadas necessidades vitais ou vegetativas, relacionadas com a sobrevivência do indivíduo. Exigem satisfação periódica e cíclica. As principais necessidades fisiológicas são as de alimentação, sono, atividade física, satisfação sexual, abrigo e proteção contra os elementos e de segurança física contra os perigos.

A experiência de Hawthorne revelou que a Western Eletric desenvolvia uma política com relação ao seu pessoal que atendia plenamente às necessidades mais básicas dos empregados. Uma vez satisfeitas essas necessidades, elas passaram a não mais influenciar o comportamento deles. Deste modo, o comportamento passou a ser motivado por outras necessidades mais complexas: as necessidades psicológicas.

B – Necessidades psicológicas – São necessidades exclusivas do homem. São aprendidas e adquiridas no decorrer da vida e representam um padrão mais elevado e complexo de necessidades. As necessidades psicológicas raramente são satisfeitas em sua plenitude.

C – Necessidades de auto-realização – São produto da educação e da cultura e também elas, como as necessidades psicológicas, raramente são satisfeitas em sua plenitude, pois o homem vai procurando gradativamente maiores satisfações e estabelecendo metas crescentemente sofisticadas. A necessidade de auto-realização é a síntese de todas as outras necessidades. É o impulso de cada um realizar o seu próprio potencial, de estar em contínuo auto-desenvolvimento no sentido mais elevado do termo.

A partir da Teoria das Relações Humanas todo o acervo de teorias psicológicas acerca da motivação humana passou a ser aplicado dentro da empresa. Verificou-se que todo comportamento humano é a tensão persistente que leva o indivíduo a alguma forma de comportamento visando à satisfação de uma ou mais determinadas necessidades.

Sites recomendados: http://www.redealcar.jornalismo.ufsc.br/cd3/rp/rudimarbaldissera.doc

http://www.professorcezar.adm.br/Textos/Teoria%20das%20relacoes%20humanas.pdf

CONTEÚDO 2 – O PAPEL DO ESTADO E AS FORMAS DE PODER ORGANIZACIONAL

O que significa “Estado”? A sociedade civil é constituída pelas classes sociais e grupos, que têm um acesso

diferenciado ao poder político efetivo, enquanto o Estado é a estrutura organizacional e política, fruto de um contrato social ou de um pacto político, que garante legitimidade ao governo. Em outras palavras, a sociedade civil é o povo, ou seja, o conjunto dos cidadãos, organizado e ponderado de acordo com o poder de cada indivíduo e de cada grupo social, enquanto que o Estado é o aparato organizacional e legal que garante a propriedade e os contratos.

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Estado é uma instituição organizada política, social e juridicamente, ocupando um território definido, normalmente onde a lei máxima é uma Constituição escrita, e dirigida por um governo que possui soberania reconhecida tanto interna como externamente. Um Estado soberano é sintetizado pela máxima "Um governo, um povo, um território". O Estado é responsável pela organização e pelo controle social, pois detém, segundo Max Weber, o monopólio legítimo do uso da força (coerção, especialmente a legal). O reconhecimento da independência de um estado em relação aos outros, permitindo ao primeiro firmar acordos internacionais, é uma condição fundamental para estabelecimento da soberania. O Estado pode também ser definido em termos de condições internas, especificamente (conforme descreveu Max Weber, entre outros) no que diz respeito à instituição do monopólio com o uso da violência. O conceito parece ter origem nas antigas cidades-estados que se desenvolveram na Antiguidade em várias regiões do mundo, como a Suméria, a América Central e no Extremo Oriente. Em muitos casos, estas cidades-estados foram a certa altura da história colocadas sob a tutela do governo de um reino ou império, seja por interesses econômicos mútuos, seja por dominação pela força. O Estado como unidade política básica no mundo tem, em parte, evoluído no sentido de um supranacionalismo, na forma de organizações regionais, como é o caso da União Européia. Os agrupamentos sucessivos e cada vez maiores de seres humanos procedem de tal forma a chegarem à idéia de Estado, cujas bases foram determinadas na história mundial com a Ordem de Westfalia (Paz de Vestfália), em 1648. A instituição estatal, que possui uma base de prescrições jurídicas e sociais a serem seguidas, evidencia-se como “casa forte” das leis que devem regimentar e regulamentar a vida em sociedade. Desse modo, o Estado representa a forma máxima de organização humana, somente transcendendo a ele a concepção de Comunidade Internacional.

O Estado, em regime político monárquico ou republicano, é a organização política da comunidade histórica que constitui a nação. Formado por um conjunto de instituições, o Estado constitui-se como uma espécie de parte especializada ao serviço dos interesses do todo, por forma a que a comunidade, assim organizada em Estado, seja capaz, enquanto entidade autônoma, de tomar e assumir decisões sócio-políticas.

“O governo do estado moderno não é mais que uma junta que administra os negócios

comuns de toda a classe burguesa“ (Manifesto Comunista, 1848). Vimos que a dependência econômica dos trabalhadores é assegurada essencialmente

graças à propriedade privada da classe dominante sobre os meios de produção. No entanto, a simples dependência econômica não é suficiente para a manutenção duradoura de um modo de produção baseado na exploração. Os trabalhadores assalariados e os explorados em geral continuam sendo a imensa maioria da população, enquanto os opressores constituem uma ínfima minoria. Para que os minoritários exploradores possam manter em obediência a maioria explorada é necessário um instrumento político eficaz. E este instrumento é o Estado.

Aprendemos na escola que o Estado se destina a salvaguardar o interesse geral da população, proteger o país, etc. Esforçam-se, assim, em fazer-nos crer que o Estado não tem nenhuma relação com a existência das classes sociais e com a luta que se trava entre elas. A concepção marxista do Estado vem sendo desenvolvida partindo exatamente da recusa da tese burguesa da neutralidade do aparelho do Estado. Sendo, portanto, “um produto e manifestação do fato das contradições de classe serem inconciliáveis. O Estado surge no momento e na medida em que, objetivamente, as contradições de classe não podem conciliar-se. E

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inversamente: a existência do Estado prova que as contradições de classe são inconciliáveis” (Manifesto Comunista, 1848).

Para Marx, o Estado é um organismo de dominação de classe, um organismo de opressão de uma classe por outra; é a criação de uma "ordem" que legaliza e fortalece esta opressão.

Estado pode ser concebido como a res publica, ou seja, como a coisa pública, “como a propriedade coletiva de todos os cidadãos”. Dessa forma, o Estado é, na teoria, o espaço da propriedade pública, reservado às ações dos cidadãos; contudo, na prática, só o é se a democracia assegurar esse fato.

Pereira (1995) ainda apresenta que “nas sociedades pré-democráticas, o Estado era por definição ‘privado’: estava a serviço da classe ou do grupo poderoso que controlava o Estado e, através dele, se apropriava do excedente social. O avanço da democracia é a história da desprivatização do Estado”.

Como propõe Weber, o Estado, organização política, detém o monopólio da violência institucionalizada, ou seja, tem o poder de estabelecer um sistema legal e tributário e de instituir uma moeda nacional. Dessa forma, além do governo, da burocracia e da força pública, que constituem o aparelho do Estado, o Estado é adicionalmente constituído por um ordenamento jurídico impositivo, que extravasa o aparelho do Estado e se exerce sobre toda a sociedade.

Assim, Estado é uma organização burocrática ou aparelho que se diferencia essencialmente das demais organizações porque é a única que dispõe do poder extroverso - de um poder político que ultrapassa os seus próprios limites organizacionais. Enquanto as organizações burocráticas possuem normas que apenas a regulam internamente, o Estado é adicionalmente constituído por um grande conjunto de leis que regulam toda a sociedade. Ao deter esse poder o Estado torna-se maior do que o simples aparelho do Estado. Este aparelho, regulado pelo direito administrativo e dividido em três poderes (legislativo, executivo e judiciário), é uma organização burocrática. O poder do Estado se exerce sobre um território e uma população, os quais não são propriamente elementos constitutivos do Estado, mas do estado-nação. Na verdade, são os objetos sobre os quais se exerce a soberania estatal, ao mesmo tempo em que a população, transformada em povo, de conjunto dos cidadãos, assume o papel de sujeito do próprio Estado.

Em síntese, o Estado é a única organização dotada do poder extroverso. É o aparelho com capacidade de legislar e tributar sobre a população de um determinado território. A elite governamental, a burocracia e a força militar e policial constituem o aparelho do Estado. O Estado, porém, é mais do que seu aparelho, porque inclui todo o sistema constitucional-legal que regula a população existente no território sob sua jurisdição. Esta população, por sua vez, assume o caráter de povo ao se tornar detentora do direito da cidadania e se organiza como sociedade civil. Sociedade Civil e Estado constituem o estado-nação.

Em “Lições de Sociologia”, Durkheim polemiza com a doutrina do jusnaturalismo em um ponto especialmente relevante para uma antropologia filosófica.

Durkheim tem em mente especialmente autores como Rousseau, Kant e Spencer. Em cada um desses autores, mesmo de maneiras diferentes, há deduções de direitos individuais a partir da natureza mesma dos indivíduos.

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Por jusnaturalismo entenda-se aqui qualquer doutrina que afirme que o ser humano é dotado de determinados direitos devido a características que lhe são inerentes ou se

encontrem na natureza das coisas, na linguagem ou na razão.

Durkheim apresenta um argumento empírico contra tais teses. Em primeiro lugar, o autor pretende ter demonstrado que o Estado e o indivíduo têm interesses divergentes. Ora, constata-se que o individualismo, os direitos individuais, aumenta com o decorrer da evolução. O Estado também aumenta em tamanho e importância. Tal situação, segundo Durkheim, não se coaduna com as doutrinas que atribuem ao indivíduo direitos intrínsecos, uma vez que, se tais direitos são dados com o indivíduo, caberia ao Estado apenas evitar que um indivíduo viole o direito de um outro. Assim, os direitos individuais deveriam ser tanto mais respeitados e fazer-se tanto mais presentes quanto menos importante fosse o Estado.

Para Durkheim, chegamos a uma antinomia insolúvel. Por um lado, constatamos que o Estado vai se desenvolvendo cada vez mais; por outro, que os direitos do indivíduo, que são vistos como opostos aos direitos do Estado, se desenvolvem paralelamente. Se o órgão governamental assume proporções cada vez mais consideráveis é por que sua função se torna cada vez mais importante, por que os fins que ele persegue, que estão ligados à sua própria atividade, se multiplicam; e, no entanto, negamos que ele possa perseguir outros fins que não os que interessam ao indivíduo. Ora, estes são vistos, por definição, como pertencentes ao âmbito da atividade individual. Se, como se supõe, os direitos do indivíduo são dados com o indivíduo, o Estado não tem de intervir para constitui-los; eles não dependem do Estado. Mas, então, se não dependem dele, se estão fora de sua competência, como os limites dessa competência podem se ampliar constantemente, ao passo que, por outro lado, eles devem conter cada vez menos coisas estranhas ao indivíduo?

O único meio de eliminar a dificuldade é negar o postulado segundo o qual os direitos do indivíduo são dados com o indivíduo, é admitir que a instituição desses direitos é obra do próprio Estado.

O Estado, no entanto, interfere cada vez mais em cada recanto da vida individual e, ao mesmo tempo, garante e aumenta os direitos individuais. Se é assim, os direitos individuais aumentam na medida em que o Estado interfere mais, e não menos, na vida dos indivíduos. Daí que não possam tais direitos ser inerentes à natureza destes indivíduos. Enquanto deixados por si não têm direitos, quando atingidos pelo Estado passam a tê-los. Logo, tais direitos devem “advir” do Estado (Durkheim, 2000, p. 80).

O indivíduo ou o grupo dotado de poder pode influenciar o comportamento e os resultados de outras pessoas. Pode conseguir o que quer de acordo com seus interesses. “O poder influencia quem consegue o quê, quando e como” (MORGAN, 1996, p.163).

Para que o poder exista é necessário que alguém queira algo que está sob controle de outro. Existe, dessa forma, uma relação de dependência de indivíduos ou grupos em relação a outros. Nenhum agente está totalmente destituído de alguma parcela de poder. Mesmo aqueles que ocupam uma posição subalterna nunca deixam de dispor de algum contrapoder: podem resistir e produzir efeitos sobre seus superiores e sobre seus colegas de trabalho.

O poder só poderá ser exercido quando houver consentimento das pessoas envolvidas na organização. Seu uso “(...) é muito distante da idéia de indivíduos solitários com lampejos de esplendor; em lugar disso, o poder é parte de um processo comportamental sistemático, congenitamente ligado à liderança” (BOWDITCH e BUONO, 1997, p. 120).

As relações de poder têm um significado muito importante dentro da organização, pois elas fazem parte e levam características da estrutura organizacional de cada empresa.

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Atualmente, proprietários e donos do poder estão dissociando cada vez mais o exercício do mesmo e repassando-o a pessoas reconhecidas como capazes de exercê-lo. Esse reconhecimento pode vir pelo conhecimento de atividades e procedimentos ou pela liderança que a pessoa exerce na empresa, por exemplo.

Formas de Poder Analisando as estruturas organizacionais, o modo como as pessoas se comportam no

ambiente de trabalho e como se relacionam, entendemos que existem várias formas de se exercitar o poder nas organizações. Compreendendo estas formas, fica mais claro também o significado da palavra poder.

Poder de Posição ou de Autoridade Formal Segundo BOWDITCH e BUONO (1997, p. 118), existem dois tipos de líderes que exercem

poder nas organizações. O primeiro deles é o líder nomeado, que se refere “àqueles indivíduos que ocupam um papel organizacional específico, tais como executivo, gerente, supervisor e assim por diante”, que têm o poder de executar certas tarefas organizacionais. Já os líderes naturais “(...) recebem poder dos demais membros da organização devido a sua capacidade de conseguir a realização da tarefa ou a manutenção da rede social do grupo”. Estes não têm o papel do líder formal, mas foram reconhecidos pelo grupo.

Este último caso citado no parágrafo anterior é o poder de posição ou de autoridade formal.

Como o sociólogo alemão Max Weber apontou, em seus estudos, a legitimidade é uma forma de aprovação social essencial para a estabilização das relações de poder, aparecendo quando as pessoas reconhecem que alguém tem direito de mandar em alguma área da vida humana e quando aquele que é mandado considera como um dever obedecer.

ALERTA Para MORGAN (1996, p. 164), podemos fundamentar a autoridade formal por três características: carisma, tradição e lei. A autoridade carismática surge quando as qualidades especiais dos indivíduos são enxergadas. A autoridade tradicional ocorre quando as pessoas respeitam costumes e práticas do passado, conferindo autoridade a quem simboliza e encarna tais valores. A burocrática ou legal-racional ocorre quando as pessoas acreditam que para se exercer o poder é preciso a aplicação correta de regras formais e procedimentos. Este tipo de autoridade torna-se eficaz somente à medida que seja legitimada pelos níveis hierárquicos mais baixos na empresa. Portanto, se constituirmos uma pirâmide demonstrando o poder nas organizações, ele estará parte no topo da pirâmide e parte em sua base, pois o topo o exercitará se a base assim consentir.

Poder Coercitivo O Poder Coercitivo é utilizado para se conseguir o que quer com base

em ameaças e punições. Por exemplo, se um indivíduo não desempenhar seu

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trabalho adequadamente ou se não acatar as ordens de seu superior, ele pode ser ameaçado de demissão.

Alguém reage a este poder por medo dos resultados negativos que possam ocorrer se falhar na concordância. Ele se apóia na aplicação ou na ameaça de aplicação de sanções físicas como infligir dor, geração de frustração através de restrições de movimento ou de controle à força de necessidades básicas fisiológicas ou de segurança.

Poder de Recompensa O Poder de Recompensa é o oposto do Coercitivo, pois as pessoas concordam com os

desejos ou orientações de outrem porque fazer isso produz benefícios positivos. O indivíduo que oferecer recompensas consideradas valiosas pelas outras pessoas em troca de favores estará exercendo poder sobre elas.

Essas recompensas podem ser qualquer coisa que as pessoas desejam, como dinheiro, tarefas de trabalho interessantes, promoções, aumento de mérito, informações importantes, colegas amigáveis, aceitação no grupo e posições de trabalho preferidas.

Tanto este poder como o coercitivo não precisam ser, necessariamente, exercidos por alguém de alto nível hierárquico na empresa, pois recompensas como aceitação e elogio ou punições podem ser oferecidas por qualquer um.

Poder de Competência

O Poder de Competência “(...) é baseado

no domínio de um indivíduo sobre certos assuntos, se isso for percebido como um recurso valioso” (BOWDITCH e BUONO, 1997, P. 118). O domínio de especializações, habilidades especiais ou conhecimentos está se tornando uma das fontes mais poderosas de influência à medida que o mundo está mais orientado à tecnologia. Os empregos estão se tornando mais especializados e exigem mais conhecimentos específicos.

Devido a isso, pessoas especializadas em determinadas tarefas não transmitem seu conhecimento para outros membros da organização para não perderem sua indispensabilidade e seu “status de especialista”. Dessa forma, as empresas tendem a rotinizar aptidões e habilidades de valor para não se tornarem dependentes de alguns empregados.

Indivíduos que detêm conhecimentos e informações conseguem fazer com que estas cheguem às outras pessoas da maneira que lhes convém. Disseminam o conhecimento de acordo com a visão de mundo que favoreça os seus interesses.

Poder de Referência “O Poder de Referência é baseado no magnetismo

ou carisma pessoal. Em muitos casos, as pessoas se identificam, umas com as outras, devido a certos traços pessoais ou características de personalidade” (BOWDITCH e BUONO, 1997, p.119).

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Ele se desenvolve da admiração por alguém ou de um desejo de ser como aquela pessoa.

Esse carisma pode influenciar até mesmo pessoas que não se encontrem sob controle direto ou formal daquela.

Outras Formas de Poder Os indivíduos ou grupos podem, ainda, exercer outras formas de poder com base em

outros fatores, considerados por BOWDITCH e BUONO (1997, p. 119) como variáveis dependentes ou situacionais. Elas dão poder a partir de uma situação específica dentro da organização.

AS FORMAS DE PODER na organização podem ser: Capacidade de lidar com a incerteza A habilidade de lidar com incertezas que surgem no dia-a-dia das empresas é uma grande fonte de poder. Organização implica certo grau de interdependência de tal forma que situações descontínuas ou imprevisíveis em algum lugar da empresa têm consideráveis implicações para o funcionamento das demais partes. Uma habilidade em lidar com essas incertezas dá ao indivíduo, grupo ou subunidades considerável poder no todo organizacional (MORGAN, 1996, p. 176). As empresas buscam meios de reduzir suas incertezas, mas algumas sempre permanecem. Por isso, quem sabe lidar com elas exerce forte influência sobre a organização. Para MORGAN (1996, p. 177), quando se compreende o impacto da incerteza sobre a maneira como uma organização opera, têm-se meios importantes de compreender as relações de poder entre os diferentes grupos ou departamentos. Também se chega à melhor compreensão das condições sob as quais o poder do especialista e de quem resolve problemas é levado em conta. Substitubilidade “A dificuldade de uma pessoa ser substituída por qualquer outra da organização dá poder à primeira” (BOWDITCH e BUONO, 1997, p. 119). Quanto mais insubstituível for a pessoa, maior poder ela exerce. Com a disseminação do conhecimento e das informações, conforme citado anteriormente, as empresas conseguem fazer com que as pessoas se tornem menos insubstituíveis. Centralidade Organizacional “Quanto mais central uma pessoa ou um grupo for para os trabalhos ou processos da organização, maior será o seu poder” (BOWDITCH e BUONO, 1997, p. 119). O processo decisório, dessa forma, também fica centralizado. “(...) o indivíduo ou grupo que possa agir de modo claro no processo de tomada de decisão tem o poder de exercer uma grande influência nos negócios da organização à qual pertence” (MORGAN, 1996, p. 171).

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Interdependência do papel e da tarefa

Segundo BOWDITCH e BUONO (1997, p. 119), se as atividades de uma pessoa ou grupo dependerem das atividades de outra pessoa ou grupo, supõe-se que o segundo terá um

controle maior sobre diversas contingências. Isto pode ocorrer entre setores diferentes dentro da organização.

Conclusões: Na maioria das vezes, as pessoas precisam mesclar várias formas de uso do poder. Isso

ocorre porque, devido a circunstâncias organizacionais, como divisão do trabalho e limitação dos recursos, os detentores do mesmo terão que se adaptar e ser capazes de “adquirir e manter um poder suficiente para administrar de maneira positiva os conflitos inevitáveis que surgirão entre grupos tão diversos, porém interdependentes” (BOWDITCH e BUONO, 1997, p. 120).

Pode-se afirmar que o poder é uma relação de mando e dependência entre pessoas ou grupos nas organizações. Embora seja possível separar suas diversas formas, elas não são utilizadas isoladamente, pois o poder é um fenômeno que envolve todas as pessoas nas organizações e que só pode ser exercido se houver consentimento dos envolvidos.

O poder não está presente somente nos altos níveis gerenciais, ele pode ser conquistado e aparecer também em níveis hierárquicos mais baixos das organizações. Pode vir como forma de conhecimentos, informações ou habilidades adquiridas. Ou ainda através de chantagens ou ameaças em prol de benefícios próprios.

Conclui-se, então, que todas as pessoas estão sujeitas a alguma forma de poder, seja de superiores, seja de colegas de trabalho. Da mesma forma que todos exercem algum poder sobre outra pessoa.

REFLITA! Percebe-se que o ambiente organizacional vem sofrendo mudanças, “adaptações” ou “rearranjos”, principalmente após o século XVIII, que culminaram no atual cenário incerto e volátil. Das grandes estruturas das antigas fábricas às estruturas enxutas, da mão-de-obra semi-analfabeta a colaboradores qualificados, da desconsideração à valorização do cliente, do sistema que empurrava a produção para o sistema de puxar a produção, da redução dos ciclos de vida dos produtos, da otimização pela logística, da valorização do meio ambiente e da área social; “quase todas” as áreas das organizações mudaram, ou se adaptaram, buscando manter a “sobrevivência” e se manterem competitivas. O poder pode ser considerado como um tema que encanta e desperta a atenção, tanto de pesquisadores acadêmicos ou profissionais. Observa-se que o poder é uma “ferramenta” para elevar a eficiência e eficácia das organizações, mesmo sendo usado por uma perspectiva coercitiva ou democrática. A natureza dinâmica, intrigante e, até, desafiadora do tema reflete um campo fértil em que se desenvolveram e são desenvolvidas as teorias, que passam por vertentes diferenciadas das ciências sociais e humanas. Da gestão autocrática e coercitiva à democracia participativa! Será que houve uma evolução em relação ao poder no ambiente organizacional?

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Sites recomendados: http://www.apagina.pt/arquivo/Artigo.asp?ID=609

http://www.fae.edu/intelligentia/includes/imprimir.asp?lngIdNoticia=4506

CONTEÚDO 3 – CARACTERÍSTICAS DO CAPITALISMO E A GLOBALIZAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES

Uma primeira acepção restrita de Capitalismo designa uma forma particular, de agir econômico, ou um modo de produção em sentido estrito. Esse subsistema é considerado parte de um mais amplo e complexo sistema social e político, uma relação social geral. Mais exatamente, um processo histórico da industrialização e da modernização político-social, liberal-democrática.

O Capitalismo é, sobretudo, uma questão de identificação do mundo moderno e contemporâneo, que envolveu e envolve a identidade e a ideologia de vastos grupos sociais que se caracterizam num conjunto de comportamentos individuais e coletivos, atinentes à produção, distribuição e consumo de bens.

Como já desenvolvemos o tema Capitalismo no tema 1, com Karl Marx, apenas pincelaremos o assunto para nortear o assunto a seguir: Globalização.

Características do Capitalismo: - Propriedade privada dos meios de produção; - Sistema de mercado baseado na iniciativa e na empresa privada; - Modernização dos meios e métodos para a valorização do capital e a exploração das

oportunidades de mercado para efeito de lucro.

Capitalismo, segundo o Dicionário Aurélio (2005) [De capital + -ismo.]

Substantivo masculino. Econ. Sistema econômico e social baseado na propriedade privada dos meios de produção, na organização da produção visando o lucro e empregando trabalho

assalariado, e no funcionamento do sistema de preços.

VOCÊ SABIA?

A etimologia da palavra Capitalismo vem da palavra Capital, que por sua vez vem da

palavra cabeça. Você lembra os termos decapitar, decapitação que significam cortar a

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cabeça? Pois bem, o capital é o topo, se assim podemos chamar, das relações humanas e é nele que buscamos chegar.

A generalização da forma-mercadoria é a tendência

fundamental e força motor do capitalismo, procurando produzir sempre mais valores de uso enquanto valores de troca na forma de mercadorias mediante trabalho assalariado. Os estágios de desenvolvimento se definem precisamente de acordo com as condições em que tal tendência pode se concretizar. Nos primórdios do capitalismo, em seu estágio extensivo, a expansão da produção de mercadorias se dá primordialmente pela extensão do assalariamento às relações pré-capitalistas: servos, produção para subsistência, produtores independentes, acrescida do efeito do aumento da produtividade.

Capitalismo no Brasil A base material da reprodução da sociedade brasileira é

capitalista, na medida em que, a partir de 1850 (Lei das Terras; suspensão do tráfico negreiro), o trabalho assalariado torna-se predominante e generalizado. O princípio da acumulação fica, no

entanto subordinado ao princípio da expatriação, resultando em acumulação entravada e perpetuando o padrão de expatriação de excedente, condição da reprodução da sociedade de elite de extração colonial.

Globalização, ontem e hoje

(CRÉDITO SOBRE A CHARGE GLOBALIZAÇÃO

WWW.CEFETSP.BR/EDU/ESO/INTRODUCAOGLOB.HTML)

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A expressão "globalização" tem sido utilizada mais RECENTEMENTE NUM sentido marcadamente ideológico, no qual se assiste no mundo inteiro a um processo de integração econômica sob a égide do neoliberalismo, caracterizado pelo predomínio dos interesses financeiros, pela desregulamentação dos mercados, pelas privatizações das empresas estatais e pelo abandono do estado de bem-estar social. Esta é uma das razões dos críticos acusarem-na, a globalização, de ser responsável pela intensificação da exclusão social (com o aumento do número de pobres e de desempregados) e de provocar crises econômicas sucessivas, arruinando milhares de poupadores e de pequenos empreendimentos.

O que é Globalização? Chama-se globalização, ou mundialização, ao crescimento da interdependência de todos os povos e países da superfície terrestre. Alguns falam em “aldeia global”, pois parece que o planeta está ficando menor e todos se conhecem (assistem a programas semelhantes na TV, ficam sabendo no mesmo dia o que ocorre no mundo inteiro). Um exemplo: Você vê hoje uma indústria de automóveis que fabrica um mesmo modelo de carro em montadoras de 3 países diferentes e os vende em outros 5 países. As empresas não ficam mais restritas a um país, sejam como vendedoras ou produtoras.

Globalização e suas perspectivas O processo produtivo mundial é formado por um conjunto de umas 400-450 grandes

corporações (a maioria delas produtora de automóveis e ligada ao petróleo e às comunicações) que têm seus investimentos espalhados pelos cinco continentes. A nacionalidade delas é majoritariamente americana, japonesa, alemã, inglesa, francesa, suíça, italiana e holandesa. Portanto, pode-se afirmar sem erro que os países que assumiram o controle da primeira fase da globalização (a de 1450-1850), apesar da descolonização e dos desgastes das duas guerras mundiais, ainda continuam obtendo os frutos do que conquistaram no passado. A razão disso é que detêm o monopólio da tecnologia e seus orçamentos, estatais e privados, dedicam imensas verbas para a ciência pura e aplicada.

Enquanto que no passado os instrumentos da integração foram a caravela, o galeão, o barco a vela, o barco a vapor e o trem, seguidos do telégrafo e do telefone, a globalização recente se faz pelos satélites e pelos computadores ligados à Internet. Se antes ela martirizou africanos e indígenas e explorou a classe operária fabril, hoje se utiliza do satélite, do robô e da informática, abandonando a antiga dependência do braço em favor do cérebro, elevando o

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padrão de vida para patamares de saúde, educação e cultura até então desconhecidos pela humanidade.

A globalização em seu conceito é apresentada em debates na política, nas discussões dos negócios e também na mídia. Ela significa que estamos na iminência de um “único mundo”, em que os indivíduos, os grupos e as nações tornaram-se mais interdependentes. A globalização é um fenômeno político, econômico, histórico e sociocultural. Apesar de a globalização ser regida pelo capital, é um equívoco afirmar que ele sozinho a produz, porque a globalização “é criada pela convergência de fatores políticos, sociais, culturais e econômicos”. Foi conduzida, especialmente, pelo desenvolvimento de tecnologias da informação e da comunicação que intensificaram a velocidade e o alcance da interação entre as pessoas ao redor do mundo.

Não existe uma definição que seja aceita por todos, mas é basicamente um processo ainda em curso de integração de economias e mercados nacionais. No entanto, ela compreende mais do que o fluxo monetário e de mercadoria; implica a interdependência dos países e das pessoas, além da uniformização de padrões e está ocorrendo em todo o mundo, também no espaço social e cultural. É chamada de "terceira revolução tecnológica" (processamento, difusão e transmissão de informações) e acredita-se que a globalização define uma nova era da história humana.

Para reflexão, indicamos a leitura do artigo “Efeitos Culturais da Globalização”

Efeitos culturais da globalização Revista Espaço Acadêmico – Ano III – Nº 26 – Julho de 2003 Por ANTONIO INÁCIO ANDRIOLI “Nós vivemos na era da globalização, tudo converge, os limites vão desaparecendo”. Quem não ouviu, no mínimo, uma destas expressões nos últimos anos? A globalização é um chavão de nosso tempo, uma discussão que está na moda, onde opiniões fatalistas conflitam com afirmações críticas, e o temor de uma homogeneização está no centro do debate. Suposições de uma sociedade mundial, de uma paz mundial ou, simplesmente, de uma economia mundial, surgem seguidamente, cujas conseqüências levariam a processos de unificação e adaptação, aos mesmos modelos de consumo e a uma massificação cultural. Mas há que se perguntar: trata-se apenas de conceitos em disputa ou há algo que aponte, de fato, nesta direção? Quais são, afinal, os efeitos culturais da globalização? O processo de constituição de uma economia de caráter mundial não é nada novo. Já no período colonial houve tentativas de integrar espaços intercontinentais num único império, quando a idéia de “dominar o mundo” ficou cada vez mais próxima. Por outro lado, a integração das diferentes culturas e povos como “um mundo” já foi desejada há muito tempo e continua como meta para muitas gerações. Sob esta ótica, o conceito de globalização poderia ter um duplo sentido, se ele não fosse tão marcado pelo desenvolvimento neoliberal da política internacional. Conforme o sociólogo alemão Ulrich Beck, com o termo globalização são identificados processos que têm por conseqüência a subjugação e a ligação transversal dos estados nacionais e sua soberania através de atores transnacionais, suas oportunidades de mercado, orientações, identidades e redes. Por isso, ouvimos falar de defensores da globalização e de críticos à globalização, num conflito pelo qual diferentes

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organizações se tornam cada vez mais conhecidas. Neste sentido, não se trata de um conflito stricto sensu sobre a globalização, mas sobre a prepotência e a mundialização do capital. Esse processo, da forma como ele atualmente vem acontecendo, não deveria sequer ser chamado de globalização, já que atinge o globo de forma diferenciada e exclui a sua maior parte – se observamos a circulação mundial de capital, podemos constatar que a maioria da população mundial (na Ásia, na África e na América Latina) permanece excluída. Essa forma de globalização significa a predominância da economia de mercado e do livre mercado, uma situação em que o máximo possível é mercantilizado e privatizado, com o agravante do desmonte social. Concretamente, isso leva ao domínio mundial do sistema financeiro, à redução do espaço de ação para os governos – os países são obrigados a aderir ao neoliberalismo –, ao aprofundamento da divisão internacional do trabalho e da concorrência e, não por último, à crise de endividamento dos estados nacionais. Condições para que essa globalização pudesse se desenvolver foram a interconexão mundial dos meios de comunicação e a equiparação da oferta de mercadorias, das moedas nacionais e das línguas, o que se deu de forma progressiva nas últimas décadas. A concentração do capital e o crescente abismo entre ricos e pobres (48 empresários possuem a mesma renda de 600 milhões de outras pessoas em conjunto) e o crescimento do desemprego (1,2 bilhão de pessoas no mundo) e da pobreza (800 milhões de pessoas passam fome) são os principais problemas sociais da globalização neoliberal e que vêm ganhando cada vez mais significado. É evidente que essa situação tem efeitos sobre a cultura da humanidade, especialmente nos países pobres, onde os contrastes sociais são ainda mais perceptíveis. Em primeiro lugar, podemos falar de uma espécie de conformidade e adaptação. Em função da exigência de competitividade, cada um se vê como adversário dos outros e pretende lutar pela manutenção de seu lugar de trabalho. Os excluídos são taxados de incompetentes e os pobres tendem a ser responsabilizados pela sua própria pobreza. Paralelamente a isso, surge nos países industrializados uma nova forma de extremismo de direita, de forma que a xenofobia e a violência aparecem entrelaçadas com a luta por espaços de trabalho. É claro que a violência surge também como reação dos excluídos, e a lógica do sistema, baseada na competição, desenvolve uma crescente “cultura da violência” na sociedade. Também não podemos esquecer que o próprio crime organizado oferece oportunidades de trabalho e segurança aos excluídos. Embora tenham sido desenvolvidos e disponibilizados mais meios de comunicação, presenciamos um crescente isolamento dos indivíduos, de forma que as alternativas de socialização têm sido, paradoxalmente, reduzidas. A exclusão de muitos grupos na sociedade e a separação entre camadas sociais têm contribuído para que a tão propalada integração entre diferentes povos não se efetive; pelo contrário, isso tem levado a um processo de atomização da sociedade. O valor está no fragmento, de modo que o engajamento político da maioria ocorre de forma isolada como, por exemplo, o feminismo, o movimento ambientalista, movimentos contra a discriminação ética e sexual, etc. Tudo isso sem que

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se perceba um fio condutor que possa unificar as lutas isoladas num projeto coletivo de sociedade. Nessa perspectiva fala-se de um “fim das utopias”, que se combina com uma nova forma de relativismo: “a verdade em si não existe; a maioria a define”. No que se refere à educação, cresce a sobrevalorização do pragmatismo, da eficiência meramente técnica e do conformismo. O mais importante é a formação profissional, concebida como único meio de acesso ao mercado de trabalho. A idéia é a de que, com uma melhor qualificação técnica, se tenha maiores possibilidades de conseguir um emprego num mercado de trabalho em declínio. Em conseqüência a isso, a reflexão sobre os problemas da sociedade assume cada vez menos importância; e valores como engajamento, mobilização social, solidariedade e comunidade perdem seus significados. Importante é o luxo, o lucro, o egocentrismo, a “liberdade do indivíduo” e um lugar no “bem-estar dos poucos”. Esses valores são difundidos pelos grandes meios de comunicação e os jovens são, nisto, os mais atingidos. A diminuição do sujeito/indivíduo surge como decorrência, pois o ser humano é cada vez mais encarado como coisa e estimulado a satisfazer prazeres supérfluos. Os excluídos são descartados sem perspectiva e encontram cada vez menos espaço na sociedade que, afinal de contas, está voltada aos consumidores, enquanto o acesso público é continuamente reduzido. Por outro lado, há reações que se desenvolvem internacionalmente contra essa tendência. A ampliação das possibilidades de comunicação tem contribuído para que protestos isolados pudessem se encontrar e constituir redes. O lema: “pensar globalmente e agir localmente” pôde ser superado, de forma que uma ação global se tornou possível, o que alterou a visão de mundo e os limites de tempo e espaço. Para além das diferenças étnicas, religiosas e lingüísticas dos povos, podemos falar de uma nova divisão do mundo: de um lado, uma minoria que é beneficiada pela globalização neoliberal e, de outro, a maioria que é prejudicada com a ampliação do livre mercado. Esse conflito está no centro do debate atual da humanidade, cujos efeitos caracterizam o espírito do nosso tempo e influenciarão a cultura da humanidade futura. Se a imagem das futuras gerações será fragmentada ou mais homogeneizada, ainda não se sabe, mas a possibilidade de uma crescente desumanização é muito grande.

A Globalização e seus efeitos nas Organizações Os anos 80 e 90, culminando com a entrada do século XXI, trouxeram uma nova ordem

mundial. Os efeitos da globalização estão abrindo as fronteiras, adentrando em diferentes línguas e costumes, criando uma aldeia global única e inteiramente nova. Esta nova situação oferece oportunidades inéditas de prosperidade, mas pode ser extremamente exigente no preparo das organizações e da nação como um todo para delas usufruir.

As organizações funcionam dentro de um conjunto de interesses próprios e gerais que, com outras organizações, formam uma grande rede de relacionamentos, tornando-se aptas a participarem do complexo competitivo. O que se quer afirmar é que todo processo produtivo e de geração de riquezas só se torna viável através da participação conjunta de diversos parceiros, escala esta elevada com o efeito do processo de globalização. Nesta nova realidade de negócios,

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as organizações precisam modernizar não só os aspectos estruturais e tecnológicos, mas também em relação aos aspectos humanos, culturais e intelectuais.

A reestruturação nos processos organizacionais, nas estratégias e na cultura das organizações empresariais faz parte do novo cenário das empresas. A ampliação do ganho de escala, a conquista de novos mercados de consumidores e a necessidade de produzir os preços cadentes para ampliar faixas de mercado e enfrentar a concorrência só se realizará se a organização estiver num ambiente de trabalho cooperativo, em que prevalecem a segurança do emprego e a contínua formação e qualificação do pessoal. Este novo paradigma produtivo - que mais cedo ou mais tarde todas as empresas deverão praticar para não perecer economicamente - resulta num aumento de produtividade, de rendimento fabril, de rentabilidade econômica e de elevada qualidade.

As organizações preocupadas com o seu futuro estão sintonizadas com os seguintes desafios:

Globalização - a preocupação com a visão global do negócio, mapeando os concorrentes e avaliando a posição dos seus produtos e serviços.

Pessoas - treinamento, educação, motivação, liderança paras as pessoas que trabalham na organização, despertando o espírito empreendedor e oferecendo a elas uma cultura participativa ao lado de oportunidades de plena realização pessoal.

Clientes - a capacitação de conquistar, manter e ampliar o universo de clientes, sendo este o melhor indicador de sobrevivência e crescimento da organização.

Produtos e serviços - a necessidade de diferenciar os produtos e serviços em termos de qualidade e de atendimento.

Mas hoje, em plena era da informação e da globalização do mundo dos negócios, a crescente mudança e a instabilidade ambiental não comportam mais o antigo modelo organizacional. Atualmente, as organizações se tornam instáveis e imprescindíveis são as mudanças e adaptações.

Aliada a algumas transformações sociais em todo o mundo, a chegada do século XXI implica uma nova ordem a ser incorporada pelas organizações no atendimento aos seus objetivos, que é a produção de bens e serviços em atendimento a uma sociedade consumidora mais exigente. Nesta nova ordem mundial, as organizações precisam modernizar tanto os aspectos estruturais e tecnológicos quanto os humanos, culturais e intelectuais.

As organizações procuram atender ao novo perfil do consumidor, prestando atendimento personalizado, tratando-o como se fosse o único cliente e este, por sua vez, já está sendo.

Sites recomendados: - http://www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/c_deak/CD/4verb/capitalism/index.html

- http://www.icpg.com.br/artigos/rev01-03.pdf

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BLOCO 2 – A ANÁLISE ANTROPOLÓGICA DAS ORGANIZAÇÕES

Como a Antropologia analisa e contribui para as organizações? Saiba mais!

TEMA 3 – CONTRIBUIÇÕES DOS CLÁSSICOS

Os clássicos e suas análises e estudos sobre a estruturação organizacional. Veja a importância de compreender as teorias antropológicas para a estruturação organizacional.

CONTEÚDO 1 – BRONISLAW MALINOWSKI E O ESTUDO DOS RITUAIS

Breve histórico de vida e obra do autor Antropólogo polonês nascido em Cracóvia, um dos mais importantes antropólogos do século XX e conhecido como o fundador da antropologia social. Formado em Filosofia pela Universidade Jagelloniana de Cracóvia (1908), matriculou-se na Escola de Ciências Econômicas e Políticas de Londres (1910) onde a Antropologia acabara de entrar para o currículo. Conquistou renome nos círculos antropológicos com ensaios sobre os aborígines australianos. Viajou para a Nova Guiné (1914) a fim de pôr em prática um projeto de pesquisa e desenvolver estudos de campo entre os aborígines da Oceania. Doutorado em Ciência pela Universidade de Londres (1916), mudou-se para as ilhas Trobriand, no sudoeste do Pacífico (1915-1918), onde conviveu com os nativos, morou numa tenda, aprendeu a língua e os costumes e, assim, desenvolveu um estudo profundo sobre suas instituições sociais, relações de trabalho, sexo, casamento e vida familiar, suas leis e costumes, magia e mitos, criando as bases da sua antropologia social. Voltou à Universidade de Londres (1927) e foi para os Estados Unidos (1938) ensinar na Universidade de Yale. Casou-se com a pintora Anna Valetta Hayman-Joyce (1940) e foi para o México realizar pesquisas antropológicas sobre comunidades indígenas. Morreu em New Haven, Connecticut, Estados Unidos, e suas principais publicações foram The Natives of Mailu (1915), Argonauts of the Western Pacific (1922) e a póstuma A Scientific Theory of Culture (1944).

Segundo o antropólogo Ernest Gellner, Malinowski tomou uma posição original em relação aos conflitos de idéias do seu tempo. Ele não repudiou o nacionalismo, uma das ideologias nascentes e marcantes do século XIX. Mas ele fusionou o romantismo com o positivismo de uma nova maneira, tornando possível investigar as velhas comunidades, mas ao mesmo tempo recusando conferir autoridade ao passado. Ele rejeitou a especulação evolucionista e a manipulação do passado para fins do presente, pecados vulgares do seu tempo.

Sem dúvida, a principal contribuição de Malinowski à Antropologia foi o desenvolvimento de um novo método de investigação de campo, cuja origem remonta à sua intensa experiência de pesquisa na Austrália, inicialmente com o povo Mailu (1915) e posteriormente com os nativos das Ilhas Trobriand (1915-16; 1917-18).

O funcionalismo de Bronislaw Malinowski se baseia na idéia de que a sociedade é uma junção de partes interdependentes que desempenham funções específicas. Até mesmo os rituais aparentemente mais despropositados teriam, para ele, uma função naquela sociedade.

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A função básica a ser exercida por tais rituais, segundo Malinowski, é a de preencher as necessidades fisiológicas, em primeiro lugar, e psicológicas, secundariamente. Para demonstrar sua teoria, Malinowski viajou para as Ilhas Trobriand, na parte melanescia da Nova Guiné, onde fez um trabalho de campo com os nativos, vivendo entre eles - a chamada pesquisa participante.

Um dos rituais investigados por Malinowski foi o chamado kula: uma troca de presentes valiosos feita entre pessoas das diferentes ilhas do arquipélago. Malinowski, em contato com os nativos, acabou por descobrir o quão importante e sagrado era considerado esse ritual, apesar da aparente falta de propósito e do grande perigo a que se expunham as pessoas. A função do ritual era a de dar sensação de poder e prestígio aos membros daquela sociedade.

Podemos fazer um paralelo entre esse comportamento dos nativos de Trobriand e as trocas de presentes que ocorrem no dia em que se comemora o nascimento de Cristo, na sociedade ocidental. O Natal é freqüentemente lembrado como a época do ano em que as pessoas reforçam seus laços de amizade e amor e encontram pessoas queridas de quem estão distantes durante o restante do ano.

A função desse ritual seria, a partir das idéias de Malinowski, aumentar a coesão social e fortalecer os laços familiares.

Malinowski estudou, também, um outro ritual que os nativos das Trobriand executavam antes da saída das canoas para o kula. Esses rituais serviam como controle das emoções e, principalmente, preenchiam a necessidade psicológica advinda da ansiedade.

A função identificada por ele era a de tirar dos navegantes sentimentos de tensão e incapacidade, já que a tecnologia não era tão segura.

A modernidade na Antropologia caracteriza-se pela separação entre observador e observado no texto, com o presente etnográfico proposto por Malinowski. A reflexão teórica feita pelo autor justifica-se pela crítica ao método evolucionista do período anterior, em que, a partir da coleta de materiais, independente de seus contextos, faziam-se elaborações imaginativas sobre a história da humanidade como um todo, o que ficou conhecido como história conjectural.

O grande diferencial entre o trabalho realizado por Malinowski e seus antecessores foi a criação de um novo modelo de coleta de dados, sendo o primeiro antropólogo profissional a realizar um trabalho de campo intensivo, como o aprendizado obrigatório da língua nativa e, portanto, com o recolhimento de materiais diretamente dos nativos sem qualquer mediação. Sendo também o primeiro a ter uma permanência prolongada no campo com um intervalo para repensar e organizar os dados coletados.

Nota-se a realização de um fazer antropológico qualitativamente diferente dos praticados pelos antropólogos anteriores, como a tentativa de colocar-se no lugar do outro e, assim, conhecer a realidade na qual o outro se insere. Na relação sujeito e objeto, o sujeito cognoscente possui uma atitude de neutralidade e imparcialidade perante a realidade em foco, garantia da objetividade do conhecimento, segundo o referencial teórico do funcionalismo. A verdade da ciência, para o funcionalismo, deve estar de acordo com a própria realidade, descartando-se o sujeito cognoscente.

Todavia, não podemos deixar de reconhecer que a contribuição fornecida por Malinowski foi muito rica, quando comparada aos trabalhos realizados anteriormente, porém, tornando-se algo, na maioria das vezes, irrealizável. É a ausência do pesquisador na elaboração da etnografia, ausência que Caldeira (1988) denomina de presença ambígua, porque o etnógrafo revela-se ao outro, revelando também a sua experiência enquanto pessoa, e como membros de uma determinada cultura. Desta forma, com a prática de campo, no entanto, a Antropologia adota uma nova postura, quebrando com as concepções que dominavam este fazer até então.

A crítica contemporânea ao modelo etnográfico, desenvolvida principalmente por autores norte-americanos, analisa a maneira pela qual os antropólogos têm aparecido em seus textos, desde Malinowski, e a relação entre eles e seus sujeitos de pesquisa. Ao criticar o tipo de

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autoria de texto que marca a Antropologia nos últimos anos, segundo estes autores, quebram-se as condições que permitem a produção de textos comprometidos teoricamente com o ideal de verdade do positivismo. Com a busca de novos referenciais teóricos, atualmente os antropólogos estão repensando a nova realidade com que se deparam, abrindo-se algumas alternativas diferentes e inovadoras em relação ao antigo método e técnicas desenvolvidas por Malinowski.

Sites recomendados: - http://pt.wikipedia.org/wiki/bronislaw_Malinowski

http://www.portalppgci.marilia.unesp.br/ric/include/getdoc.php?id=26&article=7&mode=pdf

CONTEÚDO 2 – A ANTROPOLOGIA ESTRUTURAL DE CLAUDE LÉVI-STRAUSS

Lévi-Strauss e a Antropologia Estrutural

Claude Lévi-Strauss na verdade possui uma formação filosófica: a etnologia é para ele apenas uma curva no caminho que lhe permite ter acesso a uma reflexão sobre o homem, objetivo final de sua caminhada. Não devemos, no entanto, nos enganar. Nascido em 1908, em Bruxelas (Bélgica), de uma família abastada e artista, ele jamais se deixará levar pelo mito do "bom selvagem". A arte ocidental - tanto a pintura como a música e a literatura, sobre as quais ele fará uma reflexão em Olhar, Escutar, Ler (1993) - continuará sendo para ele o remate perfeito da civilização. Mas sua abordagem das outras culturas

será profundamente original, marcada por uma observação científica minuciosa e apaixonada. Suas grandes monografias sobre povoações limitadas em número e confinadas a um território estreito abrem, na realidade, uma ampla reflexão filosófica.

No campo dos estudos da antropologia e do mito, o trabalho foi levado adiante por Claude Lévi-Strauss, no período imediato à II Guerra Mundial, que divulgou e introduziu os princípios do estruturalismo para uma ampla audiência, alcançando uma influência quase que universal, fazendo com que o seu nome, o de Lévi-Strauss, não só se confundisse com o estruturalismo como se tornasse um sinônimo dele. O estruturalismo virou "moda" intelectual nos anos 60 e 70. Os livros de Strauss: "O Pensamento Selvagem", “Tristes Trópicos”, “Antropologia Estrutural”, “As Estruturas Elementares do Parentesco” tiveram um alcance que transcendeu em muito aos interesses dos especialistas ou curiosos da Antropologia. Desde aquela época o estruturalismo de Lévi-Strauss tornou-se referência obrigatória na filosofia, na psicologia e na sociologia. De certo modo, ainda que respeitando a indiferença dele pela história, pode-se entender a antropologia estrutural como um método de tentar entender a história de sociedades que não a têm, como é o caso das sociedades primitivas.

É com essa frase de provocação que começa Tristes Tópicos (1955), no qual ele narra o nascimento de sua vocação como etnólogo durante sua primeira expedição às tribos indígenas do Brasil. Esse é um dos textos fundadores da etnologia contemporânea, de acordo com a opinião geral, de nossa concepção dos outros povos nesta aurora do século XXI.

Seu método é novo: depois de se encontrar com o lingüista americano Jakobsen, em 1941, ele teve a idéia de aplicar o conceito de estrutura aos fenômenos humanos e, para começar, ao parentesco. Em As Estruturas Elementares do Parentesco (1949) Claude Lévi-Strauss

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analisa a proibição do incesto como meio positivo de assegurar a comunicação e o intercâmbio das mulheres entre os grupos, e vê nisso o critério de passagem da natureza à cultura.

Em O Pensamento Selvagem (1962) ele mostra, contrariamente à noção de mentalidade primitiva "pré-lógica", que esta é guiada por uma rigorosa lógica classificatória. Finalmente, e sobretudo, ele aplica esse método ao estudo dos mitos (Mitológicos, 1964-1971), relativos principalmente ao campo da nutrição, mostrando que eles são construídos sobre sistemas de oposição (O Cru e o Cozido, 1964, Do Mel às Cinzas, 1967, etc.). A partir da observação e da descrição das relações sociais, o etnólogo estabelece, portanto, modelos formais capazes de colocar em evidência a estrutura das sociedades e de explicar a maior parte dos fenômenos observados.

A Associação para a Divulgação do Pensamento Francês (ADPF) realizou uma exposição sobre Claude Lévi-Strauss em quinze painéis comportando, em sua maioria, extratos de textos que cobrem a totalidade das publicações do etnólogo. Os doze temas escolhidos - citemos, por exemplo, "a ilusão arcaica", "a magia da ciência", ou ainda "o pensamento mítico" - são algumas das introduções a um trabalho que ainda hoje não perdeu em nada sua pertinência e sua vitalidade.

Graças a um olhar desembaraçado dos antigos preconceitos sobre os povos ditos "primitivos", o antropólogo Claude Lévi-Strauss revolucionou a etnologia contemporânea e criou um método original, associando análise estrutural e contribuição psicanalítica para interpretar os mitos, descobrir os grandes sistemas de pensamento ou explicar o funcionamento social. Sua obra deu novo sentido às noções de "raça", "cultura" e "progresso".

O relativismo cultural faz parte hoje tão intimamente de nosso modo de pensamento que temos dificuldade em imaginar que formidável abertura pôde representar, depois de 1945, o pensamento do antropólogo Claude Lévi-Strauss. Os "primitivos", antes dele, eram apreendidos pelos antropólogos como referência à civilização ocidental: povos sem escrita e sem maquinismo, eles eram considerados como fora da História e dotados de um sistema arcaico de pensamento.

Foi necessário um olhar novo e desprovido de qualquer idéia pré-concebida para se observar que a complexidade social e familiar de certos grupos aborígines tornava a nossa, em comparação, extremamente rudimentar, e sair da escala de valores excessivamente estreita que fazia do antropólogo um distribuidor de coeficiente de civilização.

As narrativas mitológicas e sua valorização Enquanto a ciência racionalista e positivista do século XIX desprezava a mitologia, a

magia, o animismo e os rituais fetichistas em geral, Lévi-Strauss entendeu-as como recursos de uma narrativa da história tribal, como expressões legitimas de manifestações de desejos e projeções ocultas, todas elas merecedoras de serem admitidas no papel de matéria-prima antropológica.

Strauss tinha como objetivo provar que a estrutura dos mitos era idêntica em qualquer canto da Terra, confirmando, assim, que a estrutura mental da humanidade é a mesma, independentemente da raça, clima ou religião adotada ou praticada. Contrapondo o mito à história o autor separou as sociedades humanas em “frias” e “quentes”, formando, então, o seguinte quadro delas:

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Partindo-se das idéias de Saussure, do lingüista Roman Jakobson e do antropólogo Lévi-

Strauss, especificaram-se quatro procedimentos básicos ao estruturalismo:

1. A análise estrutural examina as infra-estruturas inconscientes dos fenômenos culturais; 2. Considera os elementos da infra-estrutura como "relacionados," não como entidades independentes; 3. Procura entender a coerência do sistema; 4. Propõe a contabilidade geral das leis para os testes padrões subjacentes no sentido da organização dos fenômenos.

Deixamos em destaque um trecho de uma entrevista de Lévi-Strauss à revista Veja de 24 de setembro de 2003.

O francês Claude Lévi-Strauss, hoje com 100 anos, é um dos últimos representantes da espécie renascentista de sábio numa época em que o conhecimento tende a se especializar cada vez mais. Estudou pintura, música, lingüística, filosofia e direito. Dedicou-se à antropologia, pois achava que o estudo do homem reunia todas essas disciplinas. Seu objetivo era descrever padrões de pensamento e comportamento humano comuns a várias culturas. Nos anos 30, enquanto vivia seu período de formação intelectual, Lévi-Strauss lecionou na então recém-fundada Universidade de São Paulo, o que liga umbilicalmente sua biografia ao Brasil. Foi aqui que Lévi-Strauss estudou índios pela primeira vez – e seu deslumbramento com o modo de vida selvagem serviu de inspiração para os ecologistas da fase romântica. Com base em sua experiência brasileira, Lévi-Strauss escreveu uma de suas obras mais conhecidas, Tristes Trópicos. Nesta entrevista a VEJA, de 1983, ele fez um resumo de suas idéias fundamentais. VEJA – O que as sociedades modernas poderiam aprender com as primitivas? LÉVI-STRAUSS – Mais do que se imagina. Por mais humildes e modestas que possam parecer, essas sociedades têm um prodigioso conhecimento de seu meio natural. Dificilmente esse meio natural poderá ser desenvolvido sem a incorporação, por parte das sociedades modernas, desse saber. VEJA – Como isso poderia acontecer? LÉVI-STRAUSS – Há muitos casos de países, como o Brasil, que tentaram transformar florestas em áreas cultiváveis. Ao final de poucos anos sempre se descobre que não existem mais solos férteis, porque eram justamente as raízes das grandes árvores que garantiam a riqueza das

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terras. Os índios não fariam uma coisa dessas. Por isso eu acho que, nas regiões em que ainda existem populações indígenas, deveríamos desenvolver uma colaboração com elas – e não atuar contra elas. VEJA – Na época em que o senhor esteve no Brasil, estiveram no país intelectuais franceses, como o sociólogo Roger Bastide e o poeta Blaise Cendrars. Como era para esse grupo conviver com o ambiente cultural brasileiro? LÉVI-STRAUSS – A oportunidade de participar da criação da Universidade de São Paulo nos estimulou muito a ir para lá. E naquela época um francês poderia se sentir em casa no Brasil. Todo brasileiro um pouco cultivado falava francês. Havia pessoas de uma vitalidade extraordinária. VEJA – Quem, por exemplo? LÉVI-STRAUSS – O professor Paulo Duarte, que continua meu amigo até hoje. Também guardo ótimas lembranças de Mário de Andrade, um dos grandes poetas que conheci. E havia outros, como Oswald de Andrade. VEJA – Apesar de ter sido um entusiasta da arte moderna na juventude, o senhor foi um dos primeiros a se afastar dela e a denunciar suas deformações. Como se sente na posição de uma das poucas pessoas com prestígio intelectual, em todo o mundo, que não gostam de Pablo Picasso? LÉVI-STRAUSS – Minha voz não conta para grande coisa. Tenho enorme admiração por Picasso, e não há dúvida de que se tratava de um gênio. Sua capacidade de se exprimir em gêneros tão diferentes e de fazer exatamente o que queria, sem dar importância à opinião dos outros, é algo que merece nossa admiração. Dito isso, creio que ele não era um grande pintor. A genialidade de Picasso consistia em outra coisa. VEJA – Por que Picasso seria gênio, se não era um grande pintor? LÉVI-STRAUSS – Ele conseguiu nos dar a ilusão de que ainda fazia pintura, ao se servir, com extraordinária maestria, dos restos da pintura de antigamente. Mas não fazia, na verdade, mais do que uma retórica sobre a pintura. Não era mais uma pintura. Era uma espécie de discurso sobre a pintura do passado. VEJA – O senhor acredita que a humanidade progride ao longo da história? LÉVI-STRAUSS – Não acredito que se possa falar em progresso com "P" maiúsculo. Nós não temos nenhum sistema de valores que nos permita dizer que uma escolha é superior a outra. Para mim, seria mais adequado falar em progressos, no plural. Não há dúvida de que em vários domínios – na ciência, por exemplo – um considerável progresso foi realizado.

Sites recomendados: http://veja.abril.com.br/especiais/35_anos/p_088.html

http://www.zaz.com.br/voltaire/cultura/2002/07/05/003.htm

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CONTEÚDO 3 – A NOVA ESTRUTURA DA ORGANIZAÇÃO SOB A ANÁLISE DE DOMENICO DE MASI

Domenico De Masi

Você já imaginou fazer apenas o que gosta a vida inteira? Mas e daí, viveria do quê? Sonhos? Se imaginarmos o trabalho como um fardo, a situação realmente parece impossível. Mas e se o trabalho, o lazer e o estudo começassem a se misturar em nossas vidas de tal forma que não desse mais para diferenciar uma coisa da outra?

Esta é a proposta de Domenico De Masi, sociólogo italiano da Universidade La Sapienza, de Roma, e presidente da Escola de Especialização em Ciências Organizativas, a S3 Studium. Ele defende a idéia que é chegado o momento de cultivarmos o ócio criativo para uma nova era. Utopia? Não. Cada vez mais pessoas e empresas aderem aos seus conceitos e passam a ter vidas mais felizes e produtivas.

De Masi defende a tese do ócio criativo que consiste, exatamente, em saber empregar o tempo livre. "Chegou o tempo de trabalhar sem o suor do rosto", afirma De Masi. "Temos o direito de trabalhar aproveitando o trabalho. O ócio criativo une o trabalho com o estudo (conhecimento) e o lazer (jogo e diversão). Podemos organizar nosso tempo e fazer com que todos os três coincidam. Esta é a única forma de produzir idéias geniais".

Para as empresas da era pós-industrial, voltadas para a produção de bens imateriais (valores, serviços, informação, estética, etc.) e que dependem da criatividade para permanecer no mercado, De Masi propõe uma revisão das regras que controlam a produção intelectual. "No trabalho manual, dobrando o tempo, tínhamos o dobro de quantidade, mas não se pode dizer o mesmo do trabalho intelectual, que não tem tempo nem lugar. O controle não serve para nada, senão para inibir a criatividade".

De Masi - Nós produzimos bens materiais quando muito controlados, e produzimos boas idéias quando muito motivados. As empresas, normalmente, costumam usar o controle, e não a motivação. Mas algumas empresas começam a compreender essa nova realidade.

A competência te dá segurança e a segurança é um prazer, é uma das formas de prazer. Por isso é importante desenvolver a competência. Mas, infelizmente, hoje a competência não é adquirida por todos. Mas ela pode ser continuamente reciclada.

Para Domenico, a sociedade industrial não sobrevive ao ócio, mas, sim, é o ócio que sobrevive à sociedade industrial.

De Masi acredita que na nova conjuntura mundial, com avanços tecnológicos, as facilidades de comunicação nas organizações possibilitam ócio e, com isto, há ganhos tangíveis que consistem no fato de que se consegue produzir mais bens e serviços com menor esforço físico e menos stress intelectual. Os ganhos intangíveis estão na possibilidade de se usufruir, em tempo real, de uma rede de interlocutores, de amigos, de colaboradores. Para ele, o ócio criativo é uma arte que se aprende e se aperfeiçoa com o tempo e com o exercício. Existe uma alienação por excesso de trabalho pós-industrial e de ócio criativo, assim como existia uma alienação por excesso de exploração pelo trabalho industrial. É necessário aprender que o trabalho não é tudo na vida e que existem outros grandes valores: o estudo para produzir saber; a diversão para produzir alegria; o sexo para produzir prazer; a família para produzir solidariedade; etc.

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Na sociedade industrial a maioria das funções de trabalho exigia pouquíssimas aptidões profissionais. Mesmo um macaco poderia trabalhar na linha de montagem. Na sociedade pós-industrial a maioria das funções de trabalho exige notáveis aptidões intelectuais. Disso deriva o perigo de um superpoder das classes profissionais, de uma ditadura dos clérigos sobre os leigos. A exemplo dos call-center, que, para ele, são linhas de montagem muito “parecidas com aquelas com as quais a Ford construía o velho Modelo T”. As empresas pós-industriais “ponto-com” administram os recursos humanos como se fossem velhas empresas industriais. Ainda ninguém inaugurou modelos organizacionais baseados na motivação (no lugar do controle), na desestruturação do tempo e do espaço, na redução do horário de trabalho, na perfeita igualdade entre homens e mulheres.

Eu não gosto do ócio puro: depois de um pouco de tempo, me aborrece. Eu gosto do ócio "criativo": isto é, a síntese do trabalho, do estudo e da diversão. O ócio criativo nunca me

aborrece. Domenico De Masi.

Domenico De Masi constata que a maioria das pessoas que concordam com suas idéias sente uma real necessidade de modificar o modelo de vida imposto ao ocidente americanizado sob o impulso do pensamento empresarial: competitividade cruel, stress existencial, prevalência da esfera racional sobre a esfera emocional. Sendo a tecnologia favoravelmente a um estilo de vida enriquecedor, porém esta se tornará bem mais hábil quando destinar-se ao enriquecimento humano: “quando substituirmos uma sociedade competitiva por uma sociedade solidária”. Para ele, isso não se trata de humanizar o capitalismo, já que este é “baseado no egoísmo e na competitividade: isto é, sobre premissas brutais, não humanas. Portanto é impossível humanizá-lo”.

FRASES PARA REFLETIR

"A produção de idéias é mais rentável e menos poluente que a produção de bens materiais. Na sociedade pós-industrial, os países ricos produzem idéias, enquanto as

fábricas de bens materiais migram para países do Terceiro Mundo, onde a mão-de-obra é mais barata e as leis de proteção ao meio-ambiente são menos exigentes. O fator determinante para fazer parte do primeiro grupo é a produção de arte e ciência".

Sites recomendados: - http://www.mariopersona.com.br/domenico.html

http://www.eja.org.br/cadernosdeeja/tempolivreetrabalho/tlt_txt28.php?acao3_cod0=8862b636fb2169a0c1321f8f045b3169

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TEMA 4 – ANTROPOLOGIA E ANTROPOLOGIA CULTURAL

Antes de iniciarmos a trabalhar os temas dos conteúdos a seguir, faremos uma pausa para entender o que é Antropologia.

A Antropologia é uma ciência social surgida no século XVIII. Porém, foi somente no século XIX que se organizou como disciplina científica. A palavra tem o seguinte significado: antropo = homem e logia = estudo. Estudo antropológico Esta ciência estuda, principalmente, os costumes, crenças, hábitos e aspectos físicos dos diferentes povos que habitaram e habitam o planeta. Portanto, os antropólogos estudam a diversidade cultural dos povos. Como cultura, podemos entender todo tipo de manifestação social. Modos, hábitos, comportamentos, folclore, rituais, crenças, mitos e outros aspectos são fontes de pesquisa para os antropólogos. A estrutura física e a evolução da espécie humana também fazem parte dos temas analisados pela Antropologia. Os antropólogos utilizam, como fontes de pesquisa, os livros, imagens, objetos, depoimentos entre outras. Porém, as observações, através da vivência entre os povos ou comunidades estudadas, são comuns e fornecem muitas informações úteis ao antropólogo. A Antropologia estuda o homem como ser biológico, social e cultural. Sendo cada uma destas dimensões por si só muito ampla, o conhecimento antropológico geralmente é organizado em áreas que indicam uma escolha prévia de certos aspectos a serem privilegiados, como a “Antropologia Física ou Biológica” (aspectos genéticos e biológicos do homem), “Antropologia Social” (organização social e política, parentesco, instituições sociais), “Antropologia Cultural” (sistemas simbólicos, religião, comportamento) e “Arqueologia” (condições de existência dos grupos humanos desaparecidos). Além disso, podemos utilizar termos como Antropologia, Etnologia e Etnografia para distinguir diferentes níveis de análise ou tradições acadêmicas. Para o antropólogo Claude Lévi-Strauss a etnografia corresponde aos primeiros estágios da pesquisa: observação, descrição e o trabalho de campo. A etnologia, com relação à etnografia, seria “primeiro passo em direção à síntese e a antropologia uma segunda e última etapa da síntese, tomando por base as conclusões da etnografia e da etnologia”. Qualquer que seja a definição adotada é possível entender a Antropologia como uma forma de conhecimento sobre a diversidade cultural, isto é, a busca de respostas para entendermos o que somos a partir do espelho fornecido pelo “Outro”; uma maneira de se situar na fronteira de vários mundos sociais e culturais, abrindo janelas entre eles, através das quais podemos alargar nossas possibilidades de sentir, agir e refletir sobre o que, afinal de contas, nos torna seres singulares, humanos.

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CONTEÚDO 1 – A ORGANIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA: PERFIL CULTURAL E AS RELAÇÕES DE TRABALHO

Como iniciaram os processos de relações de trabalho no Brasil? Em que período da nossa história? Como foi?

Para tirar suas dúvidas e reforçar seus conhecimentos sobre o histórico das relações de

trabalho no Brasil, veja o texto a seguir:

BREVE HISTÓRICO SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA RELAÇÃO DE TRABALHO NO BRASIL O desenvolvimento brasileiro foi marcado pela formação tardia de seu mercado de trabalho. Somente no final do século XIX foi abolido o trabalho escravo. Nas primeiras três décadas do século passado, a expansão econômica esteve centrada no complexo cafeeiro sustentada nas formas de trabalho do colonato/parceria, havendo um restrito núcleo urbano de trabalho assalariado vinculado às atividades industriais emergentes, ao sistema de transporte urbano e intermunicipal e ao Estado. O mercado de trabalho do complexo cafeeiro se consolidava, ao mesmo tempo em que na região nordeste, grande espaço de concentração populacional, uma transição lenta do trabalho escravo para o trabalho livre se fazia nas propriedades latifundiárias. Até 1930, não se pode falar de uma economia nacional e nem de um mercado de trabalho integrado. A produção e trabalho eram organizados por regiões, que tinham suas relações econômicas predominantemente estabelecidas com o exterior do país. Somente com a Crise de 1929, que impôs à nação a tarefa de desenvolver sua base produtiva para o mercado interno, se verifica um processo de integração regional e do próprio mercado de trabalho. Os ventos da industrialização potenciaram o crescimento do trabalho assalariado, acompanhado por mobilizações em favor da consolidação de organização sindical. Esse movimento deu continuidade à tendência já observada, de modo localizado, nas décadas de 10 e 20, surgindo, portanto, uma demanda em favor do direito da representação e organização dos trabalhadores. A necessidade de se organizar um sistema nacional de relações de trabalho foi assumida pelo Estado autoritário, estabelecido na década de 30. Em 1940, uma regulamentação pública extensa é estabelecida, a qual atuava tanto sobre as relações de trabalho como sobre a própria estrutura de representação dos trabalhadores brasileiros. Essa regulação se circunscrevia às atividades urbanas, mantendo os trabalhadores agrícolas fora desse sistema de proteção social. O forte controle do Estado sobre a atividade sindical impediu um desenvolvimento mais extenso da negociação coletiva e de uma representação sindical autônoma. Ademais, o Estado transferiu para um aparelho judicial especializado, a Justiça do Trabalho, a arbitragem dos conflitos. Observa-se, somente com a democratização depois de 1945, um avanço do sistema de representação sindical e das negociações coletivas, ainda restrito a um processo de

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industrialização incipiente. Na segunda metade dos anos 50, a implantação da industrialização pesada induziu uma ampliação importante do mercado nacional de trabalho, dando a emergência de novas categorias de trabalhadores que reivindicavam o fim da tutela do Estado sobre a negociação coletiva e seu sistema de representação. A solução autoritária das crises econômicas e políticas do início dos anos 60 postergou o processo de transformação do sistema de relações de trabalho estabelecido no início dos anos 40. Em 1966, é realizada uma reforma da legislação trabalhista que mantém o modelo anterior e, ao romper a estabilidade do contrato de trabalho, flexibiliza as relações de trabalho. Essa reforma irá produzir um mercado de trabalho marcado por uma alta rotatividade da mão-de-obra, que chancelou um padrão de baixos salários e qualificação no mercado nacional de trabalho. A retomada da cena política pelos atores sociais, que induziu o movimento de abertura política a partir do final dos anos 70, desembocou na elaboração de uma nova Constituição Nacional em 1988. Apesar do reconhecimento explícito do direito de representação sindical, pouco foi alterado do modelo de regulação estabelecido nos anos 40. Modificações nesse modelo foram, entretanto, observadas a partir do início dos anos 90. A abertura da economia brasileira em um contexto de recessão econômica exigiu que os atores sociais negociassem modificações nas relações de trabalho estabelecidas. Desde 1992, inicia-se uma discussão sobre a flexibilização da jornada de trabalho e do processo de formação dos salários. Em 1995-96, o Governo regulamenta a remuneração e jornadas de trabalho flexíveis e, também, a maior liberdade de uso do trabalho aos domingos. Essas alterações foram encaminhadas em um contexto de crescimento dos problemas de emprego no mercado nacional de trabalho. Ao mesmo tempo, o Governo realizou um esforço ponderável em favor de um programa de qualificação de mão-de-obra, sob a justificativa de melhorar as condições de exercício do trabalho em condições de maior exposição à concorrência externa de nossa estrutura produtiva. Contudo, os problemas de emprego impediram maior efetividade desse esforço, bem como não induziram uma melhora das condições de uso do trabalho que permitiriam as mudanças realizadas no modelo de regulação das relações de trabalho. Nesse início de século, o país continua necessitando de um sistema de relações de trabalho e de um perfil de qualificação da mão-de-obra mais favoráveis, os quais dependem da retomada de uma trajetória de crescimento sustentado que produza resultados fortemente positivos sobre o nível de emprego no mercado nacional de trabalho e que viabilize condições adequadas para o debate sobre a reforma do sistema nacional de relações de trabalho.

Cultura Organizacional é um conjunto de representações imaginárias sociais; isso significa que ela é de ordem simbólica, dado que o imaginário precisa do simbólico para existir e expressar-se. O imaginário é a criação de significações e a criação de imagens e figuras que são o seu suporte. O simbólico é a relação entre esses dois elementos (Castoriadis, apud Motta, Calda, 1995).

Porém a cultura organizacional também é a forma expressiva de repasse de um projeto, de uma missão, a que os membros de uma organização devem querer aderir. Sendo assim, ela também expressa uma visão da organização (imagem atual e/ou futura) e de mundo existente ou a construir.

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LEMBRETE

É a cultura organizacional que comunica quais são os comportamentos, as propriedades e as ações que darão sustentação à construção dos projetos profissionais, pessoais e

organizacionais. É ela quem diz quais os valores e crenças, compatíveis ou não compatíveis, aos quais os membros organizacionais devem se agarrar. A Cultura

Organizacional determina modelos que devem ser seguidos, aplaudidos, reconhecidos; é ela que define o espaço invisível/visível entre o “Nós/Não-Nós”. É, ainda, a cultura

organizacional que cria, pelo esforço da palavra repetida, sustentada ou não em atos (sem a sustentação em atos, a palavra vai perdendo força), a idéia de comunidade, de orgulho

de pertencimento ao grupo exclusivo ou de ‘clube dos raros’. É nesse sentido, do institucional, da ordem, da lei, da marcação territorial e da definição de um “mundo”, que

podemos dizer ser a cultura um instrumento político.

A Cultura Organizacional e as relações de trabalho na contemporaneidade É certo que vivemos um momento de grandes transformações, em que as mudanças

aceleradas trazem uma série de conseqüências para o indivíduo, para a família, para as organizações e para a sociedade em geral. A quebra dos padrões culturais tradicionais altera a importância dos papéis da religião, da autoridade, da ética, do trabalho, da autoridade, etc., abrindo espaço para a discussão sobre uma crise de paradigmas ou, ainda, uma crise de identidade no mundo ocidental. E nesse processo as organizações têm uma estrutura, regras e normas, elas têm também o ideal, que é assumido pelo indivíduo que nela atua, sendo neste que se dá à relação de trabalho homem/organização.

A sociedade moderna, com sua formação no início do século XIX, apresenta-se indiferente à pertinência espacial dos indivíduos. O controle espacial já permanece garantido, independente do local. O tempo das pessoas – de vida e existência - passa a ser utilizado como aparelho de produção e a se constituir tempo de trabalho. Ocorre que as extrações do tempo, associadas às necessidades de controlar as economias dos trabalhadores, passam pelo controle de instituições, como caixas econômicas e de assistência, a partir da década de 1820, especialmente anos 40 e 50, cuja finalidade era de não existir gasto antes do desemprego.

O homem produz sua existência por meio do trabalho, desenvolvendo relações econômicas e sociais. Em pleno século XX e início do XXI é vivenciado o confronto com o mercado de trabalho, permeado de incertezas e de concorrência. O indivíduo que trabalha o faz de acordo com valores e princípios da cultura organizacional, sendo observado e valorizado pelos resultados que seu trabalho traz à organização. Os valores compartilhados a partir da linguagem levam a cultura organizacional a estruturar a ação dele, direcionando suas atitudes e controlando a sua forma de atuação.

Na medida em que o trabalho implica um exercício de si mesmo, o ser é requisitado a investir no seu contínuo aprendizado, colocando-se como agente de sua própria evolução. Chega-se à ética como exercício de si mesmo, a um desafio ao fenômeno de dominação.

O ser humano vive um momento crucial de identidade profissional, que constitui também uma projeção de si no futuro, por sua trajetória de empregabilidade, aspirações de reconhecimento e sobrevivência num contexto de acesso desigual, complexo e instável.

A formação pessoal e profissional se constitui em um componente cada vez mais valorizado, não somente de acesso, mas de manutenção e valorização do indivíduo no trabalho. Para Foucault, a atribuição de valor à ética pode ser entendida como desdobramento da

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politização da noção de identidade, em meio às fronteiras frágeis na contemporaneidade entre o pessoal, o privado e o público.

Por suas competências, a identidade do sujeito requer a articulação entre a construção da identidade para si e para outrem. O homem produz sua existência por meio do trabalho, desenvolvendo relações econômicas e sociais. Em pleno século XX e início do XXI é vivenciado o confronto com o mercado de trabalho, permeado de incertezas e de concorrência. O indivíduo que trabalha o faz de acordo com valores e princípios da cultura organizacional, sendo observado e valorizado pelos resultados que seu trabalho traz à organização. Os valores compartilhados a partir da linguagem levam a cultura organizacional a estruturar a ação dele, direcionando suas atitudes e controlando a sua forma de atuação.

Atualmente, nos modelos de organização empresarial e profissional, encontra-se dupla fonte de poder e legitimidade: os dirigentes da empresa, representados pelo capital, e os profissionais e assalariados excluídos da sua acumulação; são duas fontes de poder e de relações de trabalho e capital. A primeira objetiva reduzir o custo e garantir a sobrevivência da empresa. Quanto à segunda, cabe-lhe negociar as condições, a remuneração e a valorização de sua força de trabalho. Portanto, são fontes de poder divergentes e antagônicas.

A formação pessoal e profissional dos dirigentes empresariais, em sua maioria, baseia-se em uma filosofia organizativa que acentua a divisão social e técnica do trabalho; assim, encontram-se despreparados para agir com consciência democrática e espírito colaborativo, pois uns são educados para pensar e decidir, outros o são para obedecer e fazer.

Sobre uma grande questão devemos nos pôr à reflexão: Como promover a construção do sujeito com consciência democrática para ser autor de sua biografia pessoal e profissional,

sem ser excluído do processo de produção capitalista?

A cultura organizacional ou cultura corporativa é o conjunto de hábitos e crenças estabelecidos através de normas, valores, atitudes e expectativas, compartilhados por todos os membros da organização. Ela refere-se ao sistema de significados compartilhados por todos os membros e que distingue uma organização das demais. Constitui o modo institucionalizado de pensar e agir que existe em uma organização. A essência da cultura de uma empresa é expressa pela maneira como ela faz seus negócios, a maneira como ela trata seus clientes e funcionários, o grau de autonomia ou liberdade que existe em suas unidades ou escritórios e o grau de lealdade expresso por seus funcionários com relação à empresa. A cultura organizacional representa as percepções dos dirigentes e funcionários da organização e reflete a mentalidade que predomina na organização. Por esta razão, ela condiciona a administração das pessoas.

Em outras palavras, a cultura organizacional representa as normas informais e não escritas que orientam o comportamento dos membros de uma organização no dia-a-dia e que direcionam suas ações para o alcance dos objetivos organizacionais. No fundo, é a cultura que define a missão e provoca o nascimento e o estabelecimento dos objetivos da organização. A cultura precisa ser alinhada juntamente com outros aspectos das decisões e ações da organização como planejamento, organização, direção e controle para que se possa melhor conhecer a organização.

Pode-se mudar a cultura de uma Organização? Deve-se mudar a cultura da Organização em busca de resultados?

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Segundo estudos, para que a organização possa sobreviver e se desenvolver, para que existam revitalização e inovação, deve-se mudar a cultura organizacional. Esse conceito responde plenamente esta questão, na qual o autor sugere que a revitalização e a inovação são fatores importantes para as empresas, e de certo modo só se consegue isso mudando a cultura da organização.

O esforço de entendimento mútuo dentro da empresa é uma maneira de garantir uma estrutura consistente e manter o ritmo de produtividade da organização. Para montar as equipes com um perfil variado é preciso um enfoque cultural e escolher as pessoas que são diferentes. O que faz uma empresa forte é o respeito mútuo interno, é ele que poderá gerar respostas rápidas e eficientes. Se as diversidades forem integradas em torno de um único compromisso, a empresa estará sempre pronta para administrar as mudanças que forem necessárias. Só se consegue isso com uma cultura organizacional forte, em que as pessoas têm os valores e princípios da empresa disseminados de forma clara e todos têm orgulho de fazer parte de uma organização transparente e focada no sucesso.

Ferramentas que ajudam na mudança na cultura da Organização Clareza de objetivos, valores e princípios: Em que a empresa tem seus objetivos claros,

definidos, formalmente estabelecidos e orientados para médio e longo prazo. Para dar certo, a empresa deve fazer com que todos os funcionários tenham acesso aos seus objetivos, ter definidos os valores e princípios, sendo relembrados periodicamente (ex.: reunião mensal). Isso auxilia no processo de mudança e seu retorno pode ser de médio prazo, caso bem divulgado e aplicado.

Imagem de produtos e serviços: Grau em que os vários públicos (internos e externos) percebem a qualidade dos produtos e serviços oferecidos. Não basta o cliente externo ter percepção da empresa, mas também os funcionários, a "venda" interna é muito importante, divulgação de projetos que estão sendo executados, conquistas, detalhes sobre a qualidade de seus produtos e serviços devem ser do conhecimento dos clientes internos e externos, fazendo com que o funcionário tenha orgulho do seu trabalho. Seu resultado na mudança pode ser notado no longo prazo. Deve ser também ser trabalhado constantemente, para manter os funcionários informados.

Integração e comunicação: Em que a estrutura da organização permite a comunicação interna entre os diversos níveis de forma simples e aberta. Tendo também a colaboração e parceria como meio existente como auxílio mútuo, sendo tanto internamente (funcionários) quanto externamente (fornecedores). A comunicação flexível entre subordinados e gestores, caso a empresa seja muito fechada, se dará num período de longo prazo, porém, sendo um pouco mais flexível, se dará no curto ou médio prazo. A política de "portas abertas" deve ser incentivada pelos gestores até se tornar comum na organização.

Abertura a novas idéias: Grau em que a empresa é dinâmica, está atenta às mudanças, tem senso de oportunidade, estabelece objetivos arrojados, é líder de tendências e cria um ambiente motivador. Nesse ambiente a empresa valoriza e incentiva as novas idéias de seus colaboradores. Podem ser feitos incentivos financeiros como premiações por economia na mudança de algum processo, criar uma caixa de sugestões, ter reuniões periódicas entre setores na busca de melhorias, criar um grupo de melhoria, etc. Depende muito da comunicação, ela deve ser aberta a ponto de o funcionário ter a ousadia de expor e criar novos métodos e procedimentos. É um trabalho que pode trazer resultados no curto, médio ou longo prazo.

Desempenho profissional: O trabalho é estimulante para os funcionários e oferece desafios profissionais, possibilidade de crescimento e valorização pessoal. A própria prática de idéias faz com que o profissional sinta-se mais valorizado. Pode-se também fazer rodízios nos

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quais o funcionário deixa de ser um especialista numa função e começa a ter conhecimento de outras atividades, ajudando no entendimento do todo do processo e seu objetivo final. A construção de um plano de carreira também é importante, mas certamente é mais viável em empresas de grande porte. Seus resultados são de médio a longo prazo.

Aprendizado: A empresa estimula e proporciona oportunidade de desenvolvimento profissional para os funcionários. A empresa não passa da fase de apenas cobrar qualificação do quadro funcional, mas passa a incentivar. Pode-se fazer isso com cursos internos, auxílio financeiro nos estudos (faculdade, curso de línguas, cursos profissionalizantes específicos, etc.). Pode ser implantado com divulgação de uma nova política de valorização dos funcionários, incentivando aos estudos. Tem um reflexo muito bom e seus resultados podem ser de curto prazo.

Critérios para recrutamento, seleção, promoção de empregados. Os tipos de pessoas que são contratadas e os que têm sucesso são aqueles que aceitam e comportam-se de acordo com os valores da organização. É fundamental não ter o favoritismo de algumas pessoas, em que o caráter paternalista pode ser visto muito fortemente em empresas familiares tornando a organização desacreditada internamente. Aplica-se com um recrutamento e seleção feitos por profissionais qualificados, nos quais são buscados profissionais que se encaixam com o perfil da vaga e os objetivos da organização. Seu retorno é de longo prazo.

É importante ressaltar, porém, que antes de qualquer atitude deve-se primeiramente fazer um diagnóstico da atual cultura da organização, para poder assim fazer um plano de ação e finalmente executá-lo e controlá-lo.

Para complementar os estudos, indicamos a leitura do texto “Cultura e Ética Organizacional”.

Cultura e Ética Organizacional Autora: Sara Fichman Raskin O tema “As Organizações e A Teoria Organizacional” foi tratado em algumas edições anteriores do BateByte em 2002. Os primeiros artigos divulgados abordaram as questões básicas sobre o que são as organizações e por que elas existem, a finalidade da teoria organizacional e sua relação com o desenho organizacional, como os gerentes podem usar a teoria e o desenho organizacional para tornarem as empresas mais eficientes. Na seqüência, foram tratados com mais detalhes os aspectos do desenho da estrutura organizacional com relação às dimensões vertical e horizontal da estrutura: Hierarquia de Autoridade, e Especialização e Coordenação, respectivamente. Os desafios de desenhar a estrutura organizacional de forma a atingir os objetivos dos stakeholders, como controlar os recursos humanos, financeiros e físicos, como coordenar as atividades para motivar as pessoas e maximizar a habilidade da organização para criar valor foram questões discutidas. Retomando, este artigo discute a cultura organizacional, seu conceito, seus valores e normas, como as pessoas aprendem a cultura e os fatores que influem nas diferenças culturais entre as organizações. Assim como a estrutura, a cultura organizacional também pode ser desenhada e gerenciada. Ressalta-se que esses textos são baseados no livro Organizational theory: text and cases, do autor Jones Gareth, e foram produzidos como forma de estudo e aprendizagem da disciplina Teoria das Organizações, do Mestrado em Administração da PUC.

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A Cultura Organizacional é um conjunto de valores e normas que controlam as interações dos membros da organização entre si e com as pessoas externas, como fornecedores e clientes. Pode ser usada para alcançar vantagem competitiva e para promover os interesses dos stakeholders , uma vez que controla como as pessoas se comportam, tomam decisões e gerenciam o ambiente organizacional. Valores são critérios gerais, padrões ou princípios que as pessoas utilizam para determinar quais comportamentos, eventos e situações são desejáveis ou indesejáveis. Valor terminal é uma situação final que as pessoas desejam alcançar e pode estar refletido na missão e objetivos oficiais da empresa. Excelência, confiabilidade, lucratividade, inovação, economia, qualidade e moralidade são exemplos que devem ser adotados como princípios de orientação. Valor instrumental é um modo de comportamento desejável, por exemplo, trabalhar pesado, respeitar tradições e autoridade, ser conservador e cuidadoso, ser criativo, corajoso e honesto, aceitar riscos e manter os padrões altos. A cultura organizacional consiste em uma combinação de seus valores terminais e instrumentais, podendo tender para ser mais conservadora ou empreendedora. Muitos valores importantes não estão escritos, existindo apenas na forma de pensar, agir e no jeito de enfrentar os problemas que as pessoas aprendem umas com as outras e que são consistentes com os valores aceitáveis pela empresa. Valores e normas influenciam fortemente o comportamento das pessoas. A cultura organizacional, baseada nos valores incorporados em suas normas, regras, procedimentos operacionais e objetivos orientam as pessoas em suas ações, decisões e comportamentos e são também facilitadores para o ajuste mútuo, pois fornecem um ponto de referência comum auxiliando a interação entre os membros da organização. A Cultura Organizacional é transmitida à medida que as pessoas aprendem os valores com as práticas formais de socialização e com as estórias, cerimônias e linguagem organizacional que se desenvolvem informalmente com o amadurecimento de sua cultura.

Socialização e Táticas de Socialização Os novos empregados, para serem aceitos, devem aprender os valores e normas que orientam o comportamento de seus membros e agir de acordo com essas normas. Eles podem obter informações sobre esses

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valores indiretamente, através da observação do comportamento dos membros atuais inferindo o que é apropriado ou não. Para a organização, a socialização (processo de aprendizagem e internalização de normas da cultura organizacional) é a forma mais efetiva de aprendizagem. Orientação por papel é a maneira que os novatos respondem a uma situação ou buscam soluções. Existem algumas táticas de socialização que influenciam a orientação por papel, que poderá ser institucionalizada ou individualizada. A orientação institucionalizada é quando os indivíduos aprendem a responder a um novo contexto da mesma forma que os membros atuais o fazem; ela incentiva a obediência e a conformidade com regras e padrões. A orientação individualizada é quando os indivíduos são incentivados a serem criativos e a experimentarem mudanças nas normas e valores. Algumas táticas usadas para socialização de novatos, contrastando a orientação institucionalizada com a individualizada, são: coletiva ou individual; formal ou informal; seqüencial ou randômica; fixa ou variável; serial ou disjuntiva. A escolha entre uma socialização mais institucionalizada ou mais individualizada depende da missão da organização. Uma empresa que queira padronizar a maneira que seus empregados desempenham suas atividades precisa de um programa de socialização forte que reforce seus valores culturais. Já uma organização cuja missão é produzir produtos inovadores deve incentivar as experiências informais e randômicas nas quais seus membros vão obtendo as informações necessárias realizando seu trabalho. Assim, as práticas de socialização não só influem no aprendizado dos valores culturais como também suportam a missão organizacional. Histórias, Ritos e Linguagem Organizacional Os valores culturais estão sempre evidenciados em histórias e na linguagem da organização e podem ser comunicados através de diversos tipos de ritos: rito de passagem, usado quando um indivíduo entrada ou sai da empresa; ritos de integração, usados para construir vínculos comuns entre os membros da empresa; ritos de intensificação, para motivar o comprometimento com as normas e valores. A linguagem e as histórias são importantes meios para a comunicação da cultura, fornecendo pistas sobre valores e normas. O estudo das histórias e linguagem pode revelar os valores que orientam o comportamento. O conceito de linguagem organizacional engloba também a maneira das pessoas se vestirem, os escritórios que ocupam, como elas se tratam formalmente. Os símbolos organizacionais transmitem os valores culturais para seus membros e também para pessoas externas à empresa. A Cultura Organizacional se desenvolve pela interação de quatro fatores que produzem diferentes culturas em organizações diferentes: as características pessoais e profissionais das pessoas; a ética organizacional; os direitos que a organização dá a seus empregados; e a estrutura da organização.

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Características das Pessoas Internas à Organização As pessoas são a principal fonte da cultura organizacional. Para saber por que as culturas diferem, basta olhar para os seus membros. As empresas selecionam as pessoas que compartilham os seus valores, por isso as pessoas internas se tornam cada vez mais parecidas. Os fundadores de uma organização têm uma influência importante na cultura inicial por causa de seus valores e crenças pessoais, que ao longo do tempo serão perpetuados pelas pessoas contratadas.

Muitos valores culturais derivam da personalidade e das crenças dos fundadores e dos gerentes de alto escalão e estão fora de controle da organização. Entretanto, as organizações podem conscientemente desenvolver valores éticos para controlar o comportamento de seus membros. Ética organizacional são os valores morais, crenças e regras que estabelecem um jeito para os stakeholders lidarem uns com os outros e com o ambiente da empresa. A alta gerência, para escolher constantemente as coisas certas a serem feitas, se baseia nos valores éticos da cultura organizacional. Os valores éticos, assim como as regras e normas incorporadas, são parte inseparável da cultura organizacional, porque eles ajudam a formatar os valores que as pessoas usam para gerenciar situações e tomar decisões. Ética organizacional envolve negociação, compromisso e barganha entre os stakeholders. Regras éticas envolvem conflitos e competições nas quais a habilidade de um grupo de stakeholder para impor sua solução decide a regra ética a ser seguida. A ética organizacional é o produto das éticas individual, profissional e social. A ética social é a ética da sociedade na qual a organização está inserida, são valores morais formalizados pelo sistema legal da sociedade, seus costumes e práticas e as normas não escritas que as pessoas seguem no seu dia-a-dia. A ética profissional são os valores morais que um grupo de pessoas desenvolve para controlar seu desempenho ou uso de recursos. A ética individual são os valores morais pessoais que os indivíduos usam para estruturar suas interações com outras pessoas. Como a ética pessoal influi na forma de agir, a cultura organizacional é fortemente afetada pelas pessoas em posição de estabelecer valores éticos. Direitos de Propriedade Na cultura organizacional, os valores refletem a ética dos indivíduos, dos grupos profissionais, da sociedade e também a forma de distribuição dos direitos de propriedade (direitos que as pessoas têm para usar os recursos

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da empresa). Esses direitos definem os direitos e responsabilidades de cada grupo de stakeholder e influem no desenvolvimento das normas, valores e atitudes. Os acionistas são o grupo que possui o maior direito de propriedade. Os altos gerentes possuem grande direito de propriedade, pois recebem uma grande quantidade dos recursos organizacionais, refletidos em sua autoridade para tomar decisões e controlar os recursos. Eles têm poder para estabelecer os termos de seus empregos e ainda para determinar os direitos de propriedade que serão recebidos pelos outros. Alterar o sistema de direito de propriedade afeta a cultura organizacional, pois afeta os valores instrumentais que motivam e coordenam os empregados. Por exemplo, supervisão e regras rígidas que controlam comportamentos podem ser substituídas por times que cooperam e são motivados pelo compartilhamento do valor criado no novo sistema. Os direitos dos trabalhadores para utilizarem os recursos estão refletidos na sua responsabilidade e nível de controle de suas próprias tarefas. Algumas empresas conservadoras protegem tanto os seus empregados que eles não têm motivação para desempenhar e aceitar riscos. A distribuição dos direitos de propriedade afeta os valores instrumentais que formatam o comportamento e motivam os membros da organização e determina a cultura organizacional. Por isso, os gerentes devem estar sempre avaliando esse sistema, privilegiando um que crie uma cultura empreendedora, baseando-se no desempenho para distribuição de prêmios. A cultura reflete os valores que resultam do sistema de direitos de propriedade da organização. Estrutura Organizacional A estrutura organizacional é a quarta fonte dos valores culturais. Diferentes estruturas fazem surgir diferentes culturas e as estruturas orgânicas e mecânicas fazem surgir valores culturais completamente diferentes. A estrutura mecânica favorece uma cultura na qual previsibilidade e estabilidade são situações desejáveis. Numa estrutura orgânica na qual as pessoas possuem mais liberdade de ação, a cultura favorece inovação, criatividade e flexibilidade. O gerente é apenas um árbitro, provocando debates, confrontos criativos e incentivando novas idéias. As organizações com estruturas de times de desenvolvimento de produtos ou matriciais são mais flexíveis, pois o contato direto entre os especialistas leva ao desenvolvimento de valores compartilhados e formas comuns de resolverem problemas. Entretanto, em algumas organizações, os empregados não devem tomar decisões e a centralização pode ser usada para criar valores culturais que reforcem a obediência. Em resumo, a estrutura organizacional afeta os valores culturais que guiam seus membros no desempenho de suas atividades e a habilidade para desenhar uma estrutura que combine com a cultura pode ser uma fonte de vantagem competitiva.

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Gerenciando a Cultura Organizacional Os gerentes interessados em compreender a relação entre cultura organizacional e efetividade na criação de valor devem prestar atenção aos fatores que produzem cultura: as características dos membros da organização (em especial seus fundadores), a ética organizacional, o sistema de direitos de propriedade e a estrutura organizacional. Para mudar sua cultura, uma organização precisa redesenhar sua estrutura, revisar seu sistema de direitos de propriedade e até mudar as pessoas, especialmente seu time de alto escalão. O comportamento ético possui vantagens. Como a ética forma uma parte importante dos valores culturais, numa época de grande competição, a organização não pode agir de forma a ferir sua reputação nem permitir que seus empregados tirem vantagem de suas posições para agir de forma antiética. Uma das principais prioridades dos gerentes deve ser criar uma cultura ética através de seu comprometimento pessoal com esses valores e transmiti-los aos seus subordinados. Se o comportamento da empresa segue uma regra ética aceitável o efeito de reputação é positivo. Na teoria, as pessoas aprendem princípios éticos à medida que amadurecem: a ética é aprendida com a família, amigos, escolas e outras instituições. Na prática, comportamentos antiéticos ocorrem, pois as pessoas passam a acreditar que qualquer atitude que promova ou proteja a organização é aceitável. Normalmente nos confrontamos com questões éticas quando pesamos nossos interesses contra os efeitos que nossas ações terão em outras pessoas; os que acreditam que seus interesses são mais importantes são mais propensos a agirem antieticamente. Da mesma forma, as empresas com mais dificuldade de sobrevivência são as que mais provavelmente irão cometer atos antiéticos ou ilegais. Se o desempenho da empresa não é bom, a alta gerência sofre pressão dos stakeholders e pode se comportar antieticamente. Nesse caso, é grande a tentação para a empresa se engajar coletivamente num comportamento antiético. A Responsabilidade Social Corporativa é a responsabilidade moral para com os grupos de stakeholders que são afetados pelas ações da organização. Uma organização de postura estreita acredita que seu comportamento tem responsabilidade social desde que seus atos estejam de acordo com a lei e as regras de seu meio ambiente. Elas acham que é papel da sociedade criar uma referência ética para as empresas e para decidir as regras de tratamento dos membros da organização, empregados, fornecedores e clientes. As organizações seriam responsáveis apenas por seguirem as regras existentes. Uma organização de postura ampla aceita a premissa de que as organizações são agentes morais e, como os indivíduos, devem examinar cada situação sob uma perspectiva moral. Depois que os valores morais e princípios são aplicados para analisar ações e comportamentos, os gerentes podem desenvolver regras morais que especificam comportamentos apropriados para os membros da organização. A postura ampla requer muito mais pensamento e julgamento pela organização e seus membros que a postura estreita. Em resumo, se a ética

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organizacional violar a ética social a empresa estará agindo ilegalmente e poderá sofrer sanções. Se violar as regras de negócios genericamente aceitas, poderá perder sua reputação. Criando uma Organização Ética A ética influencia a escolha da estrutura e cultura que irão coordenar os recursos e motivar os empregados. Uma organização pode incentivar as pessoas a agirem eticamente colocando em prática incentivos para comportamento ético e punição caso contrário. A alta gerência é quem estabelece a ética cultural, pois possui responsabilidade pelo estabelecimento da política da empresa. Normalmente as empresas utilizam sua missão para orientar os empregados nas decisões éticas. Valores éticos fluem na organização de cima para baixo, mas podem ser reforçados ou enfraquecidos pelo desenho de sua estrutura.

Sites recomendados: http://www.pr.gov.br/batebyte/edicoes/2003/bb133/cultura.shtml

http://www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/economia/merctrab/reltrab/apresent.htm

CONTEÚDO 2 – ÉTICA E TRABALHO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Ética e trabalho na sociedade contemporânea

Temos observado, nos últimos anos, uma série de mudanças no mundo das organizações e do trabalho. No bojo dessas mudanças podemos observar um movimento crescente de envolvimento das pessoas com o seu trabalho e a vida profissional. Algumas vezes podemos notar até certa devoção de alguns indivíduos ao trabalho e à empresa, que nos faz pensar em laços relacionais similares àqueles mantidos com suas igrejas por fanáticos fiéis. Este trabalho propõe-se a refletir um pouco sobre esse contexto.

O mundo do trabalho e das organizações sofreu mudanças significativas ao longo dos tempos.

Partiremos da Idade Moderna. No século XVII, as sociedades mercantilistas já estão desenvolvidas. Surge a burguesia, oriunda dos segmentos dos antigos servos que compraram sua liberdade e se dedicaram ao comércio e que começa, pela primeira vez na história do mundo, a modificar o sentido do trabalho. Até então, sua conotação era negativa, o trabalho era considerado uma atividade inferior e sem valor algum, destinado aos escravos. Com o surgimento da burguesia, há o início da valorização do trabalho e da crítica à vida ociosa. A partir dos avanços científicos do século XVII, da passagem do feudalismo ao capitalismo e de todas as mudanças sócio-históricas daí advindas, a prática do trabalho se consolida na sociedade.

Apresentada como reflexão, a ética diz respeito à decisão, que incumbe a cada indivíduo e a cada sociedade, de julgar, escolher e instituir em sua própria existência os princípios, os valores que deverão guiar suas relações com o mundo, com as coisas, com os outros homens,

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submetendo-os a permanente questionamento. As decisões relativas ao trabalho dependem, quanto a elas, do que se poderia chamar, numa acepção bastante ampla, de técnica: escolha dos saberes a serem convocados, dos instrumentos, dos procedimentos, das ações a serem empregados na consecução do resultado final.

Encarnando-se em tipos antropológicos específicos, os indivíduos formados e socializados em e por uma sociedade específica dão existência e realidade às significações que cada sociedade institui para si, que a fazem ser como tal sociedade, e não uma outra. São precisamente essas significações imaginárias sociais que fornecem, de maneira mais ou menos explícita, e de acordo com o grau de autonomia da sociedade, sentido para as atividades humanas. Ora, a reflexão ética começa, exatamente, quando os sentidos para a existência que nos são fornecidos pela sociedade passam a ser objeto de nosso questionamento consciente e contínuo. Por isso, a relação que buscamos entre ética e trabalho nos impõe o questionamento dos sentidos que são associados a essa atividade e da centralidade que lhe foi concedida por toda a sociedade ocidental contemporânea.

A grande novidade introduzida pela Modernidade: que o trabalho – e, muito particularmente, o trabalho industrial - tenha se estabelecido como referência absoluta para todas as atividades da vida.

Ops!

Conhecemos bem as condições objetivas que serviram de base para essa profunda transformação radical da sociedade: acúmulo de riquezas sob a forma de capital

financeiro, rápido avanço da ciência e de suas aplicações tecnológicas, incessante invenção de máquinas e procedimentos destinados à atividade industrial. E conhecemos,

também, suas condições históricas e culturais: declínio das formas tradicionais de organização política e social, emergência de nova atitude de confiança indiscriminada na

razão humana e suas possibilidades, instituição do projeto de domínio absoluto da natureza e de um verdadeiro fascínio pela idéia de progresso.

Em poucos séculos, o trabalho passou do lugar de desconfiança e desprezo a que foi relegado tradicionalmente para o topo da hierarquia das atividades humanas: entre os séculos XVII e XIX ele se transformou em fonte de toda propriedade legítima, em condição da própria humanidade e expressão máxima do homem (Marx).

O trabalho moderno modificou definitivamente os hábitos e as mentalidades, modelando as antigas culturas às suas novas exigências: urbanização, aparelhamento burocrático, racionalização dos comportamentos e vínculos.

A realidade organizacional na contemporaneidade revelou-se, porém, outra: longe de promover um sempre crescente e ampliado bem-estar, o modelo de organização social correspondente ao trabalho moderno só fez acentuar as desigualdades e exclusões, tanto entre os países, como no interior de praticamente todos os países do mundo. Assentado sob a ilusão de uma exploração ilimitada da natureza, o modelo civilizatório que produziu a ascensão do trabalho conduziu à rápida devastação das reservas de matérias-primas e de energia necessárias à produção – e não é um detalhe que, ao fazê-lo, colocou em risco as próprias condições de vida no planeta.

Marx definia o domínio do trabalho como o da objetivação humana: para ele, o trabalho cria o homem. Mais do que nunca antes, a afirmação é valida para os tempos modernos – e para a contemporaneidade, também. Mas, de forma mais geral, é igualmente verdadeiro que, pelo

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trabalho, o sujeito faz existir aquilo que não existia anteriormente, que não estava na natureza, que só existe em função da vida social: o mundo objetivo das coisas.

Assim, o trabalho passa a ser o que há em comum entre os homens, a produtividade critério de todo o valor, o correlato objetivo, universalmente válido e inapelavelmente fiel a partir do qual todos os homens devem passar a ser medidos e hierarquizados, tanto em sua representação de si quanto em seu lugar na sociedade. Ocorre que o desaparecimento da esfera pública, que é correlativo à expansão desmesurada da atividade privada, resulta na própria fragilização do sentido da existência: pois é agora o modelo de uma produção de objetos cada vez mais efêmeros, prontos a serem consumidos e substituídos, que serve de base para a criação das referências e valores que estabelecem o mundo comum.

Um mundo do qual a perenidade, a estabilidade foram inteiramente banidas. Analisando os impasses da ética na sociedade atual, a correntes sociológicas que

consideram que o sujeito contemporâneo é, na verdade, um ser duplamente dividido: apartado dos outros, ele foi instituído como indivíduo, ser solitário para quem já não contam as dimensões coletivas da existência humana.

A ausência do outro priva o sujeito de modos de pertinência, de produção de sentidos para a vida, de filiação, de amparo simbólico, enfim, das referências que forneciam sustentação à sua constituição como sujeito social, à sua socialização. Mas é também da própria experiência de si, que tanto depende dos outros, que o sujeito contemporâneo se encontra privado: ele se desconhece, não entende mais o que determina seus próprios impulsos, tendências, não reconhece o seu desejo.

O trabalho é constituinte do sujeito. Tomar consciência de si, de suas necessidades, de sua vocação e de suas escolhas pode acordar o indivíduo desse sono e o implicar com seu desejo e sua vocação reais, o que pode permitir a ele trilhar um encontro mais verdadeiro e prazeroso com o trabalho, revestindo-o de significado e sentido. Contato, enquanto relação eu-trabalho-mundo.

Evolução da Sociedade

Quaisquer que sejam os fundamentos em que os cientistas sociais se baseiam, todos estão de acordo em que a sociedade sofreu um processo gradual de transformação ao longo do tempo. O tipo mais primitivo de organização social que se conhece é a ordem comunal ou

tribal, em que os indivíduos viveram juntos para garantir a sobrevivência de todos. Esses agrupamentos dedicavam-se à busca nômade de alimentos e instalavam-se de

forma provisória em cavernas e acampamentos. À medida que se esgotavam as reservas naturais ou as condições climáticas assim o exigissem, mudavam-se para outros sítios mais

favoráveis ao grupo.

O domínio do fogo deflagrou uma verdadeira revolução tecnológica

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Permitiu o aperfeiçoamento dos utensílios e sua transformação em armas para a caça

que, junto à extração de alimentos vegetais, era a fonte de alimentação. A domesticação de animais marcou uma etapa importante da evolução da sociedade primitiva: o momento da transição de um estado nômade para uma forma de vida sedentária, em locais geográficos permanentes. Surgiram as tribos, agrupamentos de indivíduos ligados por laços de parentesco. Mas a permanência em espaço circunscrito limitou o acesso às fontes alimentares, basicamente caça, pesca e coleta de frutos e raízes silvestres. A necessidade de ampliar os estoques alimentares levou à atividade agrícola e mais uma etapa foi alcançada com a conversão do pastoreio e da agricultura nas principais fontes de subsistência. Surgiram os primeiros proprietários da terra, dominadores da economia tribal.

A sociedade escravista surgiu quando a propriedade sobre os objetos e a terra ampliou-se para a posse de seres humanos, os prisioneiros de guerra. Seu fundamento econômico reside na possibilidade de cada indivíduo ser capaz de produzir mais do que o necessário para a própria sobrevivência, ou seja, um excedente, passível de ser apropriado por outrem. O processo de acumulação de riqueza acentuou-se e algumas famílias tornaram-se mais ricas com o uso da mão-de-obra escrava, barata e abundante.

O modelo de sociedade baseado no trabalho escravo declinou em função da inexistência de estímulo para que o trabalhador escravizado executasse as funções mais complexas que progressivamente lhe foram sendo exigidas. O progresso das técnicas produtivas e a necessidade de maior produtividade impuseram uma revolução nas relações de produção: o trabalho livre, com retribuição de certa forma proporcional ao esforço despendido, que se implantou com o sistema feudal.

Em suma... A ética que pode, hoje ainda, significar o trabalho depende de outra coisa que não é o próprio trabalho, por si só: depende de uma decisão que, tomada solitariamente, é insuportável; depende da consciência de que o sentido da existência individual se ancora nos sentidos coletivamente construídos; depende da decisão de conceber a verdadeira finalidade da atividade humana no mundo como sendo muito mais do que a produção de bens materiais ou imateriais; como sendo, antes de qualquer coisa, o da auto-criação, por parte de cada humano, de sentidos mais generosos para sua existência individual e coletiva. E como dessa auto-criação, o outro tem, necessariamente, que participar. Pensemos, então, que a ética depende, finalmente, da decisão de abandonar os móveis de fruição e gozo individuais pelo projeto de construção comum da sociedade em que habitaremos. “A ética profissional e a aplicação da ética geral no campo das atividades profissionais; a pessoa tem que estar imbuída de certos princípios ou valores próprios do ser humano para vivê-los (Camargo, 1999).

Reforce sua compreensão sobre o tema com a leitura do texto Evolução da Sociedade.

Com uma hierarquia rígida, o feudalismo fundava-se basicamente na existência de três classes: a nobreza e o clero, que formavam a classe dominante, no topo da pirâmide social; um segmento intermediário formado por artesãos e comerciantes; e, na base, os servos que eram, em sua maioria, descendentes dos antigos escravos ou camponeses arruinados. A posição dentro da hierarquia social era determinada pelos

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costumes e leis, que davam à classe dominante, enormes privilégios políticos, econômicos e sociais.

Cultura Ao longo do processo de mudanças econômicas e sociais dos agrupamentos sociais, surgiram e desenvolveram-se, ao mesmo tempo, as formas de comportamento e as ideologias que se traduzem nas manifestações culturais do grupo social. A cultura condicionou todas as atividades dos indivíduos e do grupo social - habitação, hábitos de convivência, papéis sociais, relações dos indivíduos entre si, dos indivíduos com os diferentes grupos, dos grupos entre si e com o conjunto social, ritos religiosos, alimentação, trabalho, legislação e outras áreas. Essas mesmas atividades exerceram sobre a cultura uma ação recíproca. Surgiram as artes, a linguagem, os costumes, as leis, as religiões, as concepções filosóficas e ideológicas, em resumo, tudo o que integra uma cultura e identifica uma sociedade.

Características da sociedade tecnológica moderna Na sociedade tecnológica, o ser humano não vive mais num meio natural, e sim num meio técnico que interpõe entre o homem e a natureza uma rede de máquinas e técnicas apuradas. O homem explora a natureza, domina-a e a utiliza para seus fins. Em decorrência da expansão dos recursos técnicos, a estrutura da sociedade tecnológica resulta muito mais complexa do que a da sociedade tradicional. Quatro fatores contribuíram para essa mudança social tão profunda: a tecnologia, um avançado sistema monetário e creditício, a crescente divisão do trabalho e a migração em massa da mão-de-obra do setor primário de produção (agricultura, caça, pesca e mineração) para os setores secundário (indústria) e terciário (comércio, transportes, profissões liberais, etc). Em conseqüência da ruptura entre as funções de produtor e consumidor, desempenhadas no passado pelos mesmos indivíduos, e da multiplicação artificial das necessidades de consumo (e por isso esse tipo de sociedade também é denominado "sociedade de consumo"), a organização social desdobrou os papéis sociais atribuídos a uma mesma pessoa. Um indivíduo é ao mesmo tempo pai de família, empregado de uma fábrica e membro de um clube, de um partido político, de um sindicato, de uma igreja, etc. Por conseguinte, os riscos de conflito entre os papéis são muito maiores do que na sociedade tradicional. As sociedades modernas apresentam uma extrema divisão de trabalho As profissões se especializam cada vez mais e uma forte competitividade atua como meio de seleção no mercado de trabalho. A necessidade de controle nas empresas, na administração pública e nas inumeráveis instituições (esportivas, políticas, profissionais, religiosas, etc.) confere a essas sociedades um caráter eminentemente burocratizado. É também

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uma sociedade basicamente urbana, na qual a concentração demográfica, a diversidade das profissões e as desigualdades na distribuição de renda promovem uma profunda divisão de classes com interesses conflitantes. A fraqueza do indivíduo isolado levou à proliferação de grupos de interesse (sindicatos, associações profissionais, sociedades agrárias, etc.). A multiplicidade de associações dá lugar à existência de diversas elites que representam, ou dizem representar, uma determinada comunidade (etnia, sindicato, partido político, etc.). Essas elites lutam entre si, atuando como pontas-de-lança de seus respectivos grupos de interesse, o que leva o conflito a constituir-se em elemento permanente da organização social fragmentada e diversificada da sociedade tecnológica. A mentalidade dominante na sociedade tecnológica também difere sensivelmente da que predomina na sociedade tradicional. A força da tradição é substituída pela racionalidade e a valorização da instrução. A mentalidade tecnológica prefere a mudança, que associa ao progresso, à permanência de costumes e valores. Em conseqüência, a desmitificação do mundo pela racionalidade e a ciência supõe uma profunda transformação da ética e da moral tradicionais, minando profundamente as crenças religiosas, num processo denominado "secularização". Organização social A unidade estrutural do grupo ou da sociedade se traduz no conjunto das diferentes maneiras de co-adaptação e coordenação das atividades individuais e sociais, isto é, na organização social. Sistema de relações entre os membros de um grupo ou entre os grupos de uma sociedade, a organização social implica sempre direitos e deveres reciprocamente aceitos. Seu princípio básico é o da coordenação social, isto é, da harmonia social, que equivale ao papel que cada membro exerce em cooperação com os demais integrantes do grupo. Em cada sociedade há uma hierarquia de valores materiais e não-materiais que diferem segundo os grupos e de acordo com a importância que se atribui a cada um dos elementos que integram sua cultura. Assim, observam-se na organização social as diversas formas de casamento, os tipos de parentesco, a estrutura da família, as formas de governo, as relações comerciais e de trabalho e muitas outras. A organização social depende basicamente da conservação das funções sociais e da divisão social do trabalho. A conservação das funções sociais se refere à permanência e à continuidade da vida social: a sociedade deve manter íntegras suas instituições, ao longo das gerações que se sucedem, embora adote modificações naturais introduzidas de modo gradual pelos novos integrantes. A divisão social do trabalho garante que todas as funções necessárias ao funcionamento da sociedade sejam preenchidas. Disponível em: http://colegioweb.uol.com.br/geografia/evolucao-da-sociedade

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Sites recomendados: http://www.uff.br/trabalhonecessario/Lilian%20do%20Valle%20TN3.htm

http://www.estudantedefilosofia.com.br/conceitos/evolucaodasociedade.php

CONTEÚDO 3 – SOCIEDADE BRASILEIRA E A ANÁLISE DE ROBERTO DAMATTA

Roberto DaMatta - Nascido em Niterói, a 29 de julho de 1936, DaMatta é um importante antropólogo brasileiro.

O Brasil que aparece na televisão, completamente inserido nas maravilhas da tecnologia, pode parecer moderno, civilizado, completamente apartado - pelo tempo e pelo espaço - daquele Brasil dito primitivo, mítico, “selvagem”. A tarefa principal da Antropologia Social é, no mínimo, duvidar desse homem “racional” encontrando na raiz de muitos dos seus comportamentos, mesmo naqueles aparentemente mais “lógicos”, uma matriz mítica, ou mesmo mágica. O antropólogo Roberto DaMatta vem dedicando seus estudos para nos mostrar esse Brasil em sua realidade antropológica, e mesmo tribal, com seus tipos e rituais: o carnaval, o futebol, o malandro e, até mesmo, o “brasileiro”. Desconfiando das certezas absolutas e dos grandes esquemas teóricos que se pretendem canônicos, o que DaMatta pretende é fazer uma leitura do nosso mundo social a partir de um homem que se mantenha sempre misterioso, que nunca se curve a nenhuma ideologia ou a um modelo sociopsicológico. Um homem que é sempre mais o que tudo o que ele mesmo criou.

Perfil : Roberto DaMatta Possui graduação e licenciatura em História pela Universidade Federal Fluminense (1959 e 1962). Curso de especialização em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1960); mestrado (Master in Arts) e doutorado (PhD) em 1969 e 1971, respectivamente, pela Universidade Harvard. Foi Chefe do Departamento de Antropologia do Museu Nacional e Coordenador do seu Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (de 1972 a 1976). É Professor Emérito da Universidade de Notre Dame, USA, onde ocupou a Cátedra Rev. Edmund Joyce, c.s.c., de Antropologia de 1987 a 2004. Atualmente é professor associado da Pontifícia Universidade

Católica do Rio de Janeiro e da Universidade Federal Fluminense. Realizou pesquisas Etnológicas entre os índios Gaviões e Apinayé. Foi pioneiro nos estudos de rituais e festivais em sociedades industriais, tendo investigado o Brasil como sociedade e sistema cultural por meio do carnaval, do futebol, da música, da comida, da cidadania, da mulher, da morte, do jogo do bicho e das categorias de tempo e espaço. Considerado um dos grandes nomes das Ciências Sociais brasileiras, DaMatta é autor de diversas obras de referência na Antropologia, Sociologia e Ciência Política, como Carnavais, Malandros e Heróis, A casa e a rua ou O que faz o brasil, Brasil?. Uma de suas grandes influências é o antropólogo estadunidense David Maybury-Lewis (grande especialista na etnia Xavante), a quem auxiliou durante seus estudos na Universidade de Harvard, entre as décadas de 60 e 70. Desde 1971, reside nos Estados Unidos. Em 1974, Oswaldo Caldeira realizou para o Ministério da Educação e Cultura, com finalidades didáticas, o documentário de média metragem Aukê. O filme é uma aula de Antropologia

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baseada no estudo de Roberto DaMatta, de 1970, chamado Mito e anti-mito entre os Timbira, que conta o surgimento do homem branco do ponto de vista indígena. O próprio Roberto DaMatta apresenta e explica seu trabalho ao longo do filme, que foi selecionado e exibido no Festival de Brasília de 1975. Em 2001, recebeu a Ordem do Mérito do Rio Branco no grau de Comendador.

Profissional de múltiplas atividades – conferencista, professor, consultor, colunista de jornal, produtor de TV –, Roberto DaMatta é acima de tudo antropólogo. Estudioso do Brasil, de seus dilemas e de suas contradições, mas também de seu potencial e de suas soluções, DaMatta não se afasta de seu país mesmo quando desenvolve outros temas. A comparação com o Brasil é inevitável.

DaMatta revela o Brasil, os brasileiros e sua cultura através de suas festas populares, manifestações religiosas, literatura e arte, desfiles carnavalescos e paradas militares, leis e regras (quando respeitadas e quando desobedecidas), costumes e esportes. Daí surge um Brasil complexo, que não se submete a uma fórmula ou esquema único. Para DaMatta, o Brasil é tão diversificado como diversificados são os rituais, conjunto de práticas consagradas pelo uso ou pelas normas, a que os brasileiros se entregam.

Ritual [Adjetivo]. Relativo a ritos;

[Substantivo masculino]. Livro que indica os ritos ou consigna as formas que se devem

observar na prática de uma religião; cerimonial; protocolo; formalidade.

Todos esses temas são abordados em sua relação com duas espécies de sujeito, o indivíduo e a pessoa, e situados em dois tipos de espaço social, a casa e a rua.

Temas interessantes elaboradas por DaMatta A distinção entre indivíduo e pessoa é bem demarcada em seu original trabalho sobre a conhecida e ameaçadora pergunta: Você sabe com quem está falando?. Os seres humanos que se sentem autorizados a se dirigir dessa forma aos outros, colocam-se na posição de pessoas: são titulares de direito, são alguém no contexto social. Os seres humanos a quem tal pergunta é dirigida são, para as pessoas, meros indivíduos, mais um na multidão, um número. A rua é o espaço público. Como é de todos, não é de ninguém, logo, tem-se ali um espaço hostil onde não valem as leis e os princípios éticos, a não ser sob a vigilância da autoridade. A convivência na rua depende de uma negociação constante, entre iguais e desiguais. A casa, considerada num sentido amplo, é o espaço privado por excelência, onde estão “os nossos”, que devem ser protegidos e favorecidos ( DaMatta).

“Pode-E-Não-Pode” Em sua obra “O Que Faz o Brasil, Brasil?”, o antropólogo Roberto DaMatta compara a

postura dos norte-americanos e a dos brasileiros em relação às leis. Explica que a atitude formalista, respeitadora e zelosa dos norte-americanos causa admiração e espanto nos brasileiros, acostumados a violar e a ver violadas as próprias instituições; no entanto, afirma que

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é ingênuo creditar a postura brasileira apenas à ausência de educação adequada. Pode-se creditar à pouca-vergonha do brasileiro.

Roberto DaMatta prossegue explicando que, diferente das norte-americanas, as instituições brasileiras foram desenhadas para coagir e desarticular o indivíduo. A natureza do Estado é naturalmente coercitiva; porém, no caso brasileiro, é inadequada à realidade individual. Um curioso termo – Belíndia – define precisamente esta situação: leis e impostos da Bélgica, realidade social da Índia.

Ora, incapacitado pelas leis, descaracterizado por uma realidade opressora, o brasileiro deverá utilizar recursos que vençam a dureza da formalidade, se quiser obter o que muitas vezes será necessário à sua mera sobrevivência. Diante de uma autoridade, utilizará termos emocionais. Tentará descobrir alguma coisa que possuam em comum – um conhecido, uma cidade da qual gostam, a “terrinha” natal onde passaram a infância. Apelará para um discurso emocional, com a certeza de que a autoridade, sendo exercida por um brasileiro, poderá muito bem se sentir tocada por esse discurso. E muitas vezes conseguirá o que precisa.

Nos Estados Unidos da América as leis não admitem permissividade alguma e possuem franca influência na esfera dos costumes e da vida privada. Em termos mais populares, diz-se que, lá, ou “pode” ou “não pode”. No Brasil, descobre-se que é possível um “pode-e-não-pode”. É uma contradição simples: a exceção a ser aberta em nome da cordialidade não constitui pretexto para que novas exceções sejam abertas. O jeitinho jamais gera formalidade, e esta jamais sairá ferida após o uso do jeitinho.

"Você sabe com quem está falando?" Ainda de acordo com Roberto DaMatta, a informalidade é também exercida por esferas

de influência superiores. Quando uma autoridade "maior" vê-se coagida por uma "menor", imediatamente ameaça fazer uso de sua influência; dessa forma, buscará dissuadir a autoridade "menor" e aplicar-lhe uma sanção.

A fórmula típica de tal atitude está contida na célebre frase "você sabe com quem está falando?". Num exemplo clássico, um promotor público que vê o carro sendo multado por uma autoridade de trânsito imediatamente fará uso (no caso, abusivo) de sua autoridade: "Você sabe com quem está falando? Eu sou o promotor público!". Como esclarece Roberto DaMatta, de qualquer forma um "jeito" foi dado.

O Jeitinho Brasileiro O jeitinho brasileiro foi um dos aspectos abordados pelo

antropólogo Roberto DaMatta em seu livro ‘’Carnavais, Malandros e Heróis”, publicado em 1979. Nele, o autor serviu-se de aspectos culturais, como festas populares, religiosas, procissões, desfiles, paradas militares para analisar a sociedade brasileira e a personalização das relações sociais – caracterizada, entre outros fatores, pela expressão “você sabe com quem está falando?”

A grosso modo, o jeitinho pode ser visto como uma forma "especial” de resolver algum problema ou situação difícil ou proibida. Visualizado de maneira linear, o jeitinho está entre o favor e a corrupção. O que determina a passagem de uma categoria para outra é mais o contexto em que a situação ocorre e o tipo de relação existente

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entre as pessoas envolvidas do que, propriamente, uma natureza peculiar de cada uma. O que Roberto DaMatta não consegue sugerir de forma satisfatória são maneiras pelas

quais estas estruturas sociais mais profundas podem ser alteradas. Ele desconfia das transformações e revoluções de tipo político, já que elas teriam por objetivo, essencialmente, trocar a posição de alguns atores dentro de estruturas basicamente imutáveis. A modernização capitalista não consegue fazer do Brasil um país capitalista no sentido anglo-saxão, porque encontraria em nosso meio raízes sociológicas e culturais imunes, ou quase, aos eventos da história. Mas, para DaMatta, no caso das situações concretas, daquelas que a "vida" nos apresenta, seguimos sempre o código das relações e da moralidade pessoal, tomando a vertente do "jeitinho", da "malandragem" e da solidariedade como eixo de ação. Na primeira escolha, nossa unidade é o indivíduo; na segunda, a pessoa. A pessoa merece solidariedade e um tratamento diferencial. O indivíduo, ao contrário, é o sujeito da lei, foco abstrato para quem as regras e a repressão foram feitos (DaMatta, 1981, p. 169).

De acordo com essa ótica, a lei geral e abstrata teria uma validade de primeira instância. Afinal, ela pressupõe uma igualdade de "partida" que bem pode ser confirmada como verdadeira no ponto de "chegada", ou seja, nos casos concretos do dia-a-dia e do cotidiano de todos nós. No entanto, em caso de conflito, o caso concreto obedeceria a outros imperativos que não àquele da lei geral. Precisamente aqui entraria o componente das relações pessoais, do "capital" que se acumula em termos de contato e influência. Seria como se as relações pessoais entre nós desempenhassem o papel do Judiciário nos países individualistas e igualitários. Como cabe ao Poder Judiciário dirimir conflitos a partir dos casos concretos, teríamos, no nosso caso específico, uma resolução "informal", sem burocracia e rápida: através da "carteirada", do jeitinho, da ameaça velada e do "você sabe...". No caso concreto, não aplicamos a lei geral ao caso específico, mas a força relativa de nossas relações pessoais. Em outras palavras, ou melhor, nas palavras do próprio autor: "’o você sabe...' permite estabelecer a pessoa onde antes só havia o indivíduo" (DaMatta, 1981, p. 170).

Esse tipo de solução é extremamente problemático sob o ponto de vista da fundamentação teórica do dualismo proposto por DaMatta. Afinal, levada às suas últimas conseqüências, essa solução implica afirmar que os brasileiros se comportam de um modo inverso aos estímulos das instituições sociais fundamentais como: Estado e mercado. Esse nó conceitual não é de fácil solução já que DaMatta vincula habilmente a auto-imagem folclórica do brasileiro com análises concretas de rituais facilmente observáveis na realidade cotidiana. A evidência e eficácia desse tipo de discurso são enormes.

Fique Atento!

Qual seria seu comportamento ao chegar ao cinema e se deparar com uma longa fila? Iria até a frente para encontrar um amigo que o deixe passar em sua frente? Cômodo, não!

Então, pense. "Qual a diferença de passar na frente dos demais em uma fila do cinema e na fila da previdência?

O jeitinho é assim denominado nas relações sociais, mas quando passa para o campo da política ou economia é logo intitulado como corrupção ou negociata. "É preciso estar

alerta para verificar que as situações são semelhantes e que, se não queremos ser enganados por nossos governantes, não devemos agir da mesma maneira em nosso

cotidiano. O ‘jeitinho brasileiro’ é, no final das contas, a expressão de uma sociedade onde as regras nem sempre funcionam bem”.

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Você sabia?

No ano de 1939, numa noite de forte tempestade, nasceu uma das mais importantes músicas de nosso cancioneiro popular. “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso, que ganhou o

mundo exaltando as belezas desse país e, de certa forma, acabou se tornando uma bem-vinda autodenominação do povo brasileiro.

Curioso é descobrir que, na ocasião do lançamento da música, o DIP - órgão de censura do Estado Novo - considerou depreciativo o verso “terra do samba e do pandeiro”, no entanto

não fez restrições a “mulato inzoneiro”. Talvez os censores simplesmente não tivessem conhecimento do significado da expressão, pois “Inzoneiro” quer dizer malandro,

mentiroso, manhoso. Não por coincidência, “Aquarela do Brasil” virou tema do desenho dos Estúdios Disney que nos apresentou a Zé Carioca, um papagaio malandro e conquistador

que graciosamente dá um baile em Donald, o “pato” americano. O Zé Carioca, com a sua ‘malandragem’, poderia ser até considerado o mascote do

‘jeitinho brasileiro’.

Ary Barroso – Aquarela do Brasil, 1939

Brasil, meu Brasil Brasileiro Meu mulato inzoneiro

Vou cantar-te nos meus versos Ô Brasil, samba que dá

Bamboleio, que faz gingar Ô Brasil do meu amor

Terra de Nosso Senhor Brasil, Brasil, prá mim, prá mim...

Ô abre a cortina do passado Tira a mãe preta do cerrado

Bota o rei congo no congado Deixa cantar de novo o trovador

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A merencória a luz da lua Toda canção do meu amor...

Quero ver essa Dona caminhando Pelos salões arrastando O seu vestido rendado

Brasil!... Brasil! Prá mim ... Prá mim! Brasil, terra boa e gostosa

Da moreninha sestrosa De olhar indiferente

Ô Brasil, verde que dá Para o mundo admirá Ô Brasil, do meu amor Terra de Nosso Senhor

Brasil,...Brasil! prá mim!... prá mim Esse coqueiro que dá coco

Oi onde eu amarro a minha rede Nas noites claras de luar, Brasil... Brasil,

Ô oi estas fontes murmurantes Oi onde eu mato a minha sede

E onde a lua vem brincar Ôi, esse Brasil lindo e trigueiro

É o meu Brasil Brasileiro Terra de samba e pandeiro,

Brasil!... Brasil!

Para fechar o tema propomos a leitura do texto “Considerações Sócio-Antropológicas

sobre a Ética na Sociedade Brasileira”, do autor Roberto DaMata.

Considerações Sócio-Antropológicas sobre a Ética na Sociedade Brasileira Roberto DaMata Preliminares e Introdução Ao apresentar este “informe”, devo explicitar alguns pontos que guiam minha perspectiva. Primeiro, o fato de que estas considerações têm como ponto de partida um conjunto de trabalhos que venho desenvolvendo relativamente ao Brasil a partir do final da década de 70. Assim sendo, o leitor encontrará aqui e ali repetições ou reformulações de idéias apresentadas anteriormente, sobretudo do Capítulo 4 do meu livro Carnavais, Malandros e Heróis; Para uma Sociologia do Dilema Brasileiro, publicado em 1979; e no Capítulo 2 do meu ensaio, A Casa & a Rua: Espaço, Cidadania, Mulher e Morte no Brasil, publicado em 1985. A grande desvantagem deste enfoque é a ausência de considerações detalhadas relativamente aos meandros, labirintos e atitudes do aparato burocrático-estatal por dentro: nas suas manias e manhas, nas suas micro e macro-histórias, e, acima de tudo, na sua prática. A perspectiva antiacadêmica sugere não isolar a “ética” das rotinas da administração

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pública, um universo social constituído por uma pletora de agências e regras já implementadas e em operação. Deste modo, qualquer trabalho com um pouco mais de distância, como é o caso das considerações que virão a seguir, teria o defeito de sair do assunto, “pois tudo já estaria pronto”. E se algo há para ser feito, seria apenas aquele meta-decreto brasileiro da “vergonha na cara” que imediata e magicamente levaria tudo a funcionar eficientemente. Em outras palavras, ética é um problema de “Estado” e de “poder”, dispensando qualquer sociologia comparada, histórica ou profunda, porque as instituições já estão articuladas e o que falta é apenas calibrar a sua implementação por meio de “vontade política”. Mas o fato concreto é que leituras atentas dos relatórios e informes preliminares, bem como as entrevistas que fizemos em Brasília, junto aos membros da Comissão de Ética Pública e de outros órgãos, na semana de 10 de setembro do corrente, revelaram um conjunto de questões que merecem tanto a visão próxima e administrativamente interessada, que diz: vamos pôr as coisas em prática, dispensando as teorias; quanto a visão distanciada, cujo alvo é a compreensão dos problemas à luz do contexto histórico e sociológico brasileiro. Por ter em mente essas perspectivas, e tomá-las como complementares, este informe segue dividido em duas partes. Na primeira, apresento um conjunto de reflexões de caráter sociológico relativamente ao lugar da ética no serviço público brasileiro. Nela, focalizo, sobretudo, as relações entre ética e a administração pública nacional, ressaltando o fato de que a dimensão ética promove uma ênfase na conduta do funcionário, algo inovador (para não dizer, revolucionário) num sistema administrativo marcadamente político e baseado na eficiência burocrática e “política” (e/ou clientelística) dos seus atores. Na segunda, faço considerações de ordem prática, inclusive esboçando um projeto de investigação sócio-antropológico da elite brasileira, porque estou convencido que continuamos a desconhecer grande parte do pensamento das elites, sobretudo das elites políticas, relativamente ao poder, às rotinas administrativas e à sociedade brasileira como um todo. Finalmente, em Apêndice, reproduzo, com os devidos ajustes, a conferência “Ética: uma visão sócio-antropológica” que proferi no dia 13 de setembro do corrente, na abertura do Seminário Internacional: “Ética como Instrumento de Gestão”. Com isso, pretendo compartilhar com os leitores aspectos que não foram desenvolvidos com a devida ênfase no decorrer do informe. Administração Pública e Ética na Sociedade Brasileira A primeira questão a considerar diz respeito ao lugar da ética como instrumento de gestão no contexto da administração pública brasileira. Introduzida como programa no meio de um aparato estatal bem estabelecido, repleto de normas e muito hierarquizado, no qual o Estado (ou o “serviço público”, como se diz correntemente) tem sido sistematicamente pensado como a principal alavanca para o desenvolvimento e para a salvação da pátria, dentro de um clima ideológico nacionalista e exageradamente estatizante, o advento da ética na gestão pública é uma novidade e um problema.

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Mesmo quando faz parte do programa de modernização do Estado brasileiro, iniciado no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, de acordo com uma agenda mundial e na trilha aberta por muitos outros países, a proposta da gestão pública informada e emoldurada pela ética repercute no sistema, provocando reações de espanto e decepção em Brasília e alhures. Pelo que pude deduzir, ouvindo alguns membros da Comissão de Ética e lendo os jornais, não deixa de ser contraditório, em termos do estilo brasileiro de exercer o poder, sobretudo o “poder federal” (a mais alta instância na hierarquia dos poderes nacionais entre nós), que um administrador do “primeiro escalão” (um ministro, um diretor de um Banco Central, ou secretário de Estado, por exemplo) sinta-se legal e moralmente obrigado a concordar em seguir preceitos gerais e exteriores relativos ao cargo que ocupa. Especialmente quando esses preceitos atingem seus ocupantes no nível pessoal e não no mero plano da “eficiência” ou do “realismo” político-administrativo, englobando - eis um requisito raro no caso de um país formalista como o Brasil - até mesmo um período posterior a sua saída do cargo. Ou seja: o que a “ética como instrumento de gestão” surpreendentemente demanda não é um diploma de doutor, nem os devidos relacionamentos pessoais, partidários e profissionais, mas - eis a novidade perturbadora - um perene esforço de autoconsciência relativamente às implicações morais (e não apenas instrumentais ou racionais) do cargo. Em outras palavras, se uma das premissas básicas do “poder à brasileira” é que o “alto administrador” “tudo pode” e, assim, não precisa dar satisfação a ninguém, exceto é claro ao “povo” ou ao “Brasil” por suas ações, por que então o “governo” teve que inventar essa chatice de ética? E se as pessoas ocupam cargos satisfazendo requisitos formais e informais (têm títulos e pistolões, passam em concursos e são do partido apropriado), para que essa ênfase numa avaliação dos aspectos íntimos do comportamento? Ou seja, essa avaliação permanente da conduta, focalizando aspectos que sempre foram tidos como íntimos, implícitos e ultra-pessoais? Essa, parece-me, é a questão que percorre os corredores e forma o sub-texto difícil e complexo de quem tem a obrigação de tratar do problema em Brasília. Este me parece também ser o ponto central quando olhamos o tema por um prisma sócio-antropológico. Pois as reações concretas e emocionalmente carregadas à “ética no serviço público” só podem ser plenamente entendidas quando se trazem à tona as premissas básicas da prática e da teoria do poder à brasileira, bem como a visão que as elites do poder têm de si mesmas e do meio social onde atuam. Creio que a surpresa e o contraste decorrem do fato de que, no Brasil, as palavras reforma e “revolução” são conceitos reiteradamente aplicados a quaisquer experiências de governo com ênfase em mudança. São conceitos que, a partir da experiência republicana de 1889, foram incorporados à retórica política nacional. Tanto que, reza a história, D. Pedro II, numa visita a Feira Mundial de Boston, ao ser apresentado a uma moderníssima máquina a vapor, capaz de realizar “centenas de revoluções por minuto”, comentou para a delícia de sua comitiva e dos

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seus anfitriões americanos que, no Brasil, vários políticos eram capazes de fazer mais “revoluções” do que aquele motor. Quero acentuar que um funcionalismo público consciente e praticante da “ética como instrumento de gestão pública”, contraste fortemente com a conduta habitual do administrador, freqüentemente sabedor dos planos de mudança da organização estatal e igualmente certo de que essas transformações só devem acontecer num plano formal e externo, sem atingir suas atitudes para com as instituições e o público. Realmente, estamos mais acostumados a ouvir propostas de modificação da estrutura do Estado do que a considerar a conduta dos funcionários desse Estado, uma demanda que fatalmente promove um tabu: a junção do Estado com a sociedade. Pois os preceitos éticos atuam tanto no governo quanto na vida diária, o que causa problema, posto que subitamente apresenta-se um projeto “moralizador” não como uma cruzada moral demagógica (como ocorreu no udenismo lacerdista), mas como parte inclusiva e normal das rotinas administrativas. Essa proposta de reformar o Estado incluindo a dimensão ética, surpreende, portanto, porque, no Brasil, mudar o sistema ou a coletividade como um todo ficou sendo sinônimo de atuar apenas junto ao Estado. Como se o Estado fosse capaz de englobar todo o sistema. Conforme indica sabiamente Gilberto Freyre (citado no texto de minha conferência, no Apêndice deste Informe), transformamos o Estado, absurdamente imaginando que os servidores e os políticos responsáveis por essas transformações não fizessem parte da sociedade que essas supostas reformas objetivam modificar. Em outros termos, o foco de nossos programas de mudança tem sido sempre o Estado e jamais a sociedade que, afinal de contas, deveria ser igualmente preparada (e assim transformada) para receber essas mudanças. Mas quando falamos em ética como instrumento de gestão, não podemos deixar de convidar a sociedade como um todo para o programa de reformas. Se, como acentuou Albert Hirschman, num ensaio importante, a partir do séc. XIX a América Latina, em contraste com os países europeus, centrou-se exclusivamente no Estado e no universo do político, para corrigir o seu atraso, o que se espera quando se fala em “reforma do Estado” é mais uma redefinição das agências públicas do ponto de vista formal, burocrático e externo do que uma proposta efetiva de mudança de comportamento. Essa expectativa das elites, segundo a qual “reformar” significa mexer no desenho do Estado, tem sido confirmada por vários governos que, não obstante a retórica reformista ou revolucionária, mudaram a administração pública apenas na forma. Deste modo, “reformar” ou “revolucionar” significa normalmente promover uma reorganização formal e exterior do serviço público. Tanto que se tinha a impressão, como eu mesmo acentuei num ensaio publicado em 1994, que a mudança formal explícita, escondia a manutenção implícita do status quo. As elites políticas, sugeria eu naquele artigo, sempre preferiram transformar abertamente o Estado para que a sociedade permanecesse inalterada. Mudam-se nomes, formas, normas e regras. Complicam-se, em nome da modernidade e da racionalidade, os procedimentos, mas deixa-se de lado

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as pessoas: os funcionários encarregados do gerenciamento dessas estruturas nas suas ações, decisões e, acima de tudo, posturas, relativamente ao que fazem. Esse cenário ajuda a entender os problemas engendrados quando a “ética” (que contempla a consciência individual) entra em cena num ambiente administrativo marcado pelas relações pessoais e aparências. Porque quando se fala da “ética como instrumento de gestão pública”, não se trata simplesmente de criar uma nova estrutura ou agência cujo objetivo seria “cuidar” (como se diz coloquialmente no Brasil) de certos assuntos, como ocorreu com o petróleo, a energia elétrica ou a telefonia, mas algo inteiramente novo e relativamente contundente. O que se pretende com a Comissão de Ética Pública e as posturas que ela está programada para disseminar, é ir além da trivial invenção de um novo órgão, para implementar uma agência que objetiva supervisionar, “normalizar” e rotinizar um estilo de gerenciamento da coisa pública, no qual o agente tem plena consciência do seu papel e, mais ainda, dos seus limites em termos administrativos e morais. Em outras palavras, uma das maiores fontes de resistência ao trabalho da Comissão de Ética não diz respeito apenas a sua novidade, mas especialmente ao fato de que a Comissão dissemina e faz com que os agentes situados no mais alto escalão do Estado tenham consciência do seu papel e assim atuem de acordo com premissas universais, válidas para todos, inclusive e principalmente eis a grande novidade para eles próprios. Como, pois, tornar aceitável numa sociedade personalista, relacional e hierárquica, o fato de que todos, inclusive (e especialmente) os agentes do Estado, estão submetidos aos mesmos princípios e devem ser tratados do mesmo modo que o cidadão comum em termos de seus conflitos de interesses, é uma das dimensões críticas do trabalho deste novo órgão. Para que isso venha a ocorrer será preciso redesenhar os estilos de conceber e de exercer o poder político-administrativo no Brasil. E não se chega a essa mudança sem garantir a continuidade do programa e da Comissão, no que seria um impulso na implementação de posturas isonômicas, algo inovador e sem paralelo na história do país. Paralelamente, será preciso divulgar com todas as letras algumas das implicações sociológicas desse sistema, algo de difícil realização considerando, como estou buscando revelar aqui, as premissas básicas do sistema que, como vemos, mas não gostamos de enxergar, confunde nome de família, parentesco, o cargo ocupado e as relações pessoais, com privilégio, arrogância, irresponsabilidade pública e impunidade. É fundamental, assim, entender que, concreta e realisticamente, a questão da gestão pública emoldurada pela ética passa por um lado ainda pouco discutido no caso do poder à brasileira, qual seja: o fato de que, no Brasil, os agentes públicos federais projetam suas personalidades sociais e suas redes de relações pessoais nos cargos que ocupam. Se, em outros países, eles são teórica e idealmente controlados pelos seus partidos ou por fortes premissas ideológicas, no Brasil eles se apropriam dos seus cargos, tomando, como diz o ritual, “posse” dos mesmos. Tal tendência que, diga-se de passagem, tende a ocorrer em todos os sistemas, acentua-se em nosso país devido, de um lado, à frouxidão, à

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instabilidade e à ausência de confiança no arcabouço institucional e nas estruturas administrativas e, de outro, no fato de que o personalismo é um valor social no Brasil. Quando, pois, a Comissão de Ética “legisla” ou sugere procedimentos, sancionando negativamente certos tipos de comportamento, ela não está simplesmente aplicando racionalmente um conjunto de normas, mas está indo contra práticas e valores sociais tão profundamente estabelecidos que os atores tomam como “naturais”, “essenciais” ou “tradicionais”. Se tivermos em mente a dimensão personalista do nosso sistema social, entende-se por que a questão da ética nos leva ao fundo do que chamei, no meu livro Carnavais, Malandros e Heróis, de “dilema brasileiro”. No fundo, trata-se de encontrar um ponto de equilíbrio entre um estilo de “governo” pessoal e particularista, no qual as decisões administrativas são calculadas, calibradas e tomadas por considerações pessoais e relacionais, e um modo de governar motivado por um cálculo universal, impessoal, englobado pelos interesses do Estado, do país e de ideais políticos. Enfatizo que não se trata de realizar uma escolha rígida e verdadeiramente impossível entre universalismo e particularismo ou entre a racionalidade burocrática e o personalismo do carisma. Tal escolha é impossível, já são poucas as decisões humanas, sejam no plano pessoal ou administrativo, que não levam em conta fatores universais e particulares, normas abstratas e pessoas e situações concretas. A questão, sem dúvida, é de equilíbrio e de hegemonia. Sabemos que países como o Brasil são interessantes e problemáticos, precisamente porque o moderno (concretizado pela necessidade de decisões isonômicas e universais) não conseguiu superar o tradicional. Mas, em compensação, o tradicional também não conseguiu alienar ou inibir os valores modernos. Ou seja, o primeiro impulso é de nomear o parente; mas o segundo é de ser fortemente criticado (e concordar com a crítica) por causa disso. De tal modo que o que tipifica o nosso sistema é exatamente a presença do que chamei, inspirado em Max Weber, de uma “ética dupla” na qual ora se tomam decisões seguindo valores modernos e impessoais, ora se age em função da família, das simpatias pessoais e das relações que consideram o caso de “João” ou de “José” diferente porque eles são amigos e estão acima da lei. O problema, conforme demonstrei no meu ensaio “Você sabe com quem está falando?” é essa existência de um cálculo duplo e freqüentemente dilemático. O que conduz, para além da ética, a um sistema cuja ambigüidade constitutiva contém um elemento enormemente criativo e mágico, o que lhe dá uma enorme capacidade adaptativa num mundo globalizado marcado, ao que tudo indica, por uma grande instabilidade estrutural. A existência do cálculo duplo só pode ser compreendida quando se verifica que o conjunto de elos pessoais (ordenados a partir do universo da “casa”), ainda compete e exerce coerção sobre o mundo ordenado e simbolizado pelo espaço público, chamado de “rua” no Brasil e vice-versa. Daí, sem dúvida, nossa imensa dificuldade de resolver pendengas morais e políticas, pois cada caso pode ser lido e interpretado pelo lado da casa ou da rua, pelo ângulo das dimensões universalistas ou particularistas. O

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que me faz, sob pena de ser acusado de academicismo, lembrar de uma passagem mencionada por um notável especialista em história social do direito, Harold Berman, no seu livro, Law and Revolution: The formation of the Western legal tradition, tomada de um sistema social estruturalmente semelhante ao brasileiro. Conta a história que uma autoridade em lei e teologia islâmica, um Mullah, ouve um caso de disputa e, diante dos belos argumentos do queixoso, diz: "Creio que você tem razão". O escrivão pede a autoridade para se conter e ouvir também a defesa. Quando o faz, o Mullah novamente encantado repete: "Acredito que você está certo". Horrorizado com essas afirmativas, o escrivão argumenta que: "ambos não podem estar certos". Ao que o Mullah responde, dizendo: "Você também está certo". Qual a moral dessa história tão nossa conhecida? Berman acentua que "a resposta não se encontra na pergunta 'quem está certo?”, mas no esforço para salvar a "honra dos partidos envolvidos, restaurando a relação correta entre eles". Do ponto de vista de minhas ponderações sobre a nossa ética dupla, o Mullah faz como todo brasileiro: lê a situação utilizando vários pontos de vista não porque é imoral, irracional, subdesenvolvido ou mentiroso, mas porque: a) não existe uma dimensão hegemônica que determine uma leitura exclusiva (ou fundamentalista) que ilegitime todos os outros princípios; b) naquela coletividade a verdade não surge individualizadamente, em compartimentos estanques, dentro da lógica do "sim-ou-não" (culpado-ou-não-culpado), mas relacionalmente, isto é, dentro da noção de que "todos têm razão" e "têm o rabo preso". Trata-se de fazer justiça, sim, mas, como acentua o Mullah da história, salvando a honra de todos os implicados. A novidade e a importância da implementação da Comissão de Ética jaz exatamente no fato de que ela promove a consciência dessas dimensões. Pois o que é o “conflito de interesse” senão a encruzilhada onde se encontram as demandas das lealdades pessoais (ou da casa) em conflito com o chamado das dimensões universais e igualitárias do sistema? Ao lado do princípio de “livrar a cara de todos” e de, sempre que for possível, “não humilhar ninguém”. A ética como instrumento de gestão lança luz na complexa e difícil dialética entre o princípio da compaixão (para os “nossos”) e da justiça (para os “outros”). Ela traz à tona um tanto brutalmente - daí as mais diversas reações negativas à sua implementação e, sobretudo, operação prática -, o dilema colocado com cinismo realista pelo moto “aos inimigos a lei; aos amigos, tudo”. É justamente esse deslocamento do “cuidar” ou do “fazer” para a dimensão (ou dimensões) do “como”, do “por que” e, sobretudo do “quem” e “para quem” se cuida e faz que singulariza o trabalho dessa Comissão. Pois quando falamos em ética, não estamos simplesmente nos referindo a uma relação de eficiência entre uma agência governamental e suas tarefas junto ao Estado ou à sociedade, mas estamos pondo em cena, pela primeira vez no caso do Brasil, uma atitude que deve guiar o que se está fazendo.

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Ora, é essa conscientização do papel do agente do (e no) Estado, nas suas implicações sociais (e morais) o dado mais promissor e mais importante dessa discussão. Seria precisamente essa consciência das demandas múltiplas e complexas da “casa” e da “rua”, dos parentes, amigos e compadres de um lado, e dos pressupostos racionais e instrumentais que manda escolher os melhores e mais eficientes, do outro, que tem mudado o Brasil no seu nível mais profundo e menos demagógico. Neste sentido, a “ética” introduz uma forte e irrevogável dimensão moral no âmbito da administração pública. Agora não se trata mais de multiplicar eficiência e recursos, mas de realizar isso dentro de certos limites e com uma certa atitude. Se, antigamente, os fins justificavam os meios - e os fins da administração pública brasileira sempre se confundiram com os objetivos políticos imediatos e práticos de quem governava -, agora a equação entre meios e fins muda de figura, pois os agentes devem estar conscientes e preparados para levantarem objeções relativamente a essa equação. Realmente, a ética sugere que nem todas as combinações entre meios e fins são moralmente coerentes ou aceitáveis. Ser eficiente pode levar a uma subversão dos meios relativamente aos fins. Ser ético, porém, conduz a um exame permanente entre meios e fins. Por causa disso, o foco na ética obriga imediatamente a redefinir equações bem conhecidas e estabelecidas no âmbito do nosso realismo político, como a do “roubo, mas faço!” ou a do “em política vale tudo!”. Porque o que a postura ética tem em mente é precisamente separar uma eficiência a qualquer preço de uma eficiência obtida dentro dos parâmetros do bom-senso (que se sente obrigado a contemplar egoísmos e conflitos de interesse) e da honestidade pública, o que na maioria das vezes choca-se com as demandas impostas pelo “familismo”, pelo clientelismo e pelo corporativismo brasileiros. A questão da “ética” na gestão pública realiza, finalmente, uma aproximação entre administração pública e moralidade social. Entre os propósitos imediatos dos objetivos administrativos, ainda que sejam muitas vezes devotados aos interesses nacionais, e os modos pelos quais esses objetivos podem e devem ser realizados. Uma coisa é construir conjuntos habitacionais em nome do combate ao déficit de residências; outra é realizar isso contratando para sua construção firmas de parentes, amigos e correligionários. Uma coisa é servir como diretor do Banco Central, construindo políticas monetárias eficientes e duradouras, outra é deixar o cargo e, sem o menor pudor ou constrangimento, tornar-se assessor de um banco de investimentos nacional ou estrangeiro. Tal aproximação, reitero, é um dos pontos críticos da modernização do Estado no caso do Brasil, porque a nossa forma de exercer o “poder político” tinha como ingrediente básico, senão crítico, a separação das razões do Estado das da sociedade. O “bem público”, governado sem qualquer moldura ética, era uma verdadeira terra de ninguém. Pertencendo a todos e não sendo eticamente administrado por ninguém, ele era devida e “legitimamente” vítima de apropriações indébitas e fraudulentas.

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Nesse sentido é preciso chamar atenção para certos pontos tocados na minha obra, fatos simples, mas freqüentemente esquecidos pelos desenhadores de políticas públicas. Refiro-me ao princípio segundo o qual as novidades institucionais e políticas (sejam elas novas regras, agências administrativas ou planos governamentais) não caem num vazio institucional, mas em cadinhos sociais repletos de normas, princípios, mandamentos e relações. De fato, uma das maiores dificuldades dos projetos que objetivam mudanças e que, por isso mesmo, têm um apelo profundo junto às elites e ao povo, como é o caso da criação da Comissão de Ética, é que as novas diretrizes que querem implementar inevitavelmente se misturam a velhas instituições, hábitos e atitudes. O fato político pode ser novo, mas a sociedade é velha. Pois bem: essa mistura do “novo” com o “velho”, essa “resistência” às vezes trágica e obstinada contra o novo, em seus vários graus, facetas e nuances, é o que constitui a história das nações emergentes. Nelas - e eu penso principalmente nos países da América Latina - combinam-se, em graus variados, processos de fusão, sincretismo ou aculturação de modelos, instituições, regras e leis internas e externas. Normas e práticas que os grupos tomavam como parte de sua Comissão de Ética Pública, “natureza” ou “essência” e preceitos externos introduzidos por novos governos e por novas ondas históricas. Com o agravante de que freqüentemente nos esquecemos que coisas como direitos humanos e “ética” são resultados de sistemas individualistas e, como tal, demandam uma implementação que dispensa a sociedade e os valores sociais. Algo impossível de realizar, principalmente quando conhecemos as demandas relacionais do nosso sistema. A criação da Comissão de Ética pelo governo Fernando Henrique Cardoso é um dos melhores exemplos destes processos aculturativos que, de resto, caracterizam o mundo contemporâneo. Pois o que a ênfase na ética apresenta claramente, no caso das práticas sociais brasileiras, é a possibilidade de um procedimento administrativo único, que deve ser seguido por todos: tanto os usuários, para quem o Estado deve servir, e para os agentes desse Estado que, tanto como todo mundo, estão sujeitos às mesmas normas morais: a mesma ética e a mesma dolorosa obrigação de pensar o mundo buscando calibrar, com justiça e honestidade, os meios e os fins. Sugestões Todas as considerações acima conduzem a um ponto: um conhecimento mais detalhado e sofisticado de nossas elites políticas. Estou plenamente consciente de que processos de mudança são mais efetivos e duradouros quando acompanhados de avaliações internas e externas que permitam conhecer cada vez mais e melhor as reações positivas e negativas aos programas que implementam. No caso da “ética como instrumento de gestão pública”, temos uma oportunidade única de implementar, em paralelo às ações da Comissão, a criação de um banco de dados sobre as elites brasileiras, num esforço de compreensão de nós mesmos que jamais foi realizado. Em outras palavras, a Comissão de Ética está na posição estratégica de realizar, em convênio com uma universidade, uma pesquisa em profundidade das elites nacionais. Um projeto de investigação do

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comportamento das elites na sociedade brasileira. Tal projeto estaria centrado em quatro dimensões: - Nos componentes sociológicos dessas elites: seu tamanho, composição, local de origem, relação profissional, etc. - Na sua história e trajetória. - Na suas inter-relações, alianças e pactos. - Nas suas concepções de sociedade, história, poder, política, religião, ética, moral, etc. Tal pesquisa seria realizada utilizando tanto técnicas quantitativas quantos métodos qualitativos, de observação-participante, por meio de entrevistas abertas, pelo estudo de caso, da história de vida e pela investigação detalhada de biografias e memórias. Eu teria o máximo interesse em dirigir tal empreendimento através do Departamento de Antropologia da Universidade de Notre-Dame, em conjunto com instituições brasileiras. Estou convencido que o conhecimento mais profundo, “objetivo” e, acima de tudo, comparativo, histórico e sociológico das elites e, dentro delas, da elite política brasileira, seria de crucial importância para tornar o trabalho da Comissão mais eficiente, além de permitir que a difusão de certos valores e procedimentos fosse realizada com mais realismo e precisão. Duas ou Três coisas que eu Gostaria de Falar sobre a Ética como categoria Sociológica no caso Brasileiro: Quando falamos de ética de um ponto de vista sócio-antropológico, discutimos aquela dimensão da vida social devotada ao entendimento, apreciação e, acima de tudo, consciência, entre o que deve ser (os ideais morais de uma sociedade, cultura e/ou civilização) e o que é: o que ocorre rotineiramente e existe de fato. Como todo projeto de aprimoramento moral, falar de ética tanto pode conduzir a um moralismo inflexível e acusatório, quando um grupo se apropria de um postulado universalmente válido (deve haver sempre coerência entre teoria e prática social, deve existir um paralelismo entre o que se diz e o que se faz) para atirar não a primeira, mas todas as pedras nos seus adversários; quanto pode levar a um estado de cinismo institucional no qual a aceitação conformista (ou “realista”) das situações imorais e dos dilemas mais absurdos é tomada como normal. No caso da vida política brasileira, é comum ouvir que “quem não pensa assim não é moderno ou não é correto”, com a mesma força que se afirma como “o Brasil é diferente”; “que é assim mesmo”; “que você não está nos Estados Unidos” em argumentos que, consagrando o princípio da singularidade cultural, faz com que se institucionalize o impasse moral pelas contradições flagrantes entre normas legais e práticas sociais, especialmente no que diz respeito a dois campos perturbadores e sempre problemáticos da ação política: o da relação entre a verdade e a mentira, onde sobressai o uso da mentira como saída para claros desvios morais. E o da chamada apropriação e uso íntimo ou particular do espaço e dos bens públicos. Dimensão problemática no caso do Brasil, sobre o qual falarei mais adiante, porque dele tratei extensivamente em meu trabalho.

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Um dos problemas da sociologia não é bem o assunto, que todo mundo conhece e tem opinião formada, mas o modo pelo qual se fala deste assunto. O grande sociólogo francês Émile Durkheim foi acusado de amoralismo quando disse, no seu clássico As regras do método sociológico - publicado em Paris, 1895 - quando no Brasil inventávamos o nosso popular jogo do bicho que, sendo um jogo simultaneamente ético, posto que aprovado pela sociedade, mas ilegal; posto que “dutra” e brasileiramente foi colocado no caldo da contravenção penal em 1945, pelo decreto número 6.259, é uma das nossas instituições mais intrigantes que: Primeiro: não existe sociedade sem crime ou desvio de conduta. O crime, como a doença, é normal, desde que não seja encorajado, procurado ou estimulado. Como a doença, o crime permite enxergar o estado de nossas defesas e de nossas normas. Segundo: que o crime dizia alguma coisa importante sobre a sociedade no qual ele ocorria. O que dizem os casos de corrupção na esfera pública sobre a sociedade brasileira e sobre o Brasil? Eis uma pergunta que Durkheim certamente faria se aqui vivesse. E nós até hoje, com raras exceções, jamais fazemos. E, finalmente, em terceiro lugar, que o crime era relativo ao grupo social. Numa sociedade de assassinos, assassinar é normal. Numa sociedade onde os seguidores da lei são classificados como otários o “gato” e o assalto aos bens públicos são correntes. O crime contra o estado não é desvio, é oportunidade. A corrupção pública se confunde com gastos legítimos com as bases e com certos ideais (como a eleição dos que podem salvar a pátria). É uma apropriação devida porque se eu não fizer, outro vai certamente realizar. E o que é pior, nada vai lhe ocorrer porque as leis são detalhadas na configuração do crime, mas inteiramente falhas na sua aplicação. Elas prendem o quarteirão, mas deixam escapar os bandidos. No paraíso, dizia o velho Durkheim, as faltas mais leves seriam consideradas pecados graves. Esses pressupostos gerais ajudam a clarificar minhas perspectivas, o plano do qual eu vou abordar o assunto. II No caso da ética, não deixa de ser curioso assinalar que embora a motivação tenha sido a densa e vergonhosa experiência brasileira com a chamada corrupção política (que, para o povo, refere-se à corrupção praticada rotineiramente pelos políticos), mesmo assim a iniciativa de enfrentar o problema foi deixada ao Estado naquela tradição segundo a qual se pode resolver problemas sociais, morais e éticos por decreto. Basta pedir pela lei e fazer o decreto que tudo está resolvido. Formados e conformados pela tradição legisferante do código civil, nosso modo de percepção sempre invoca o Estado como um instrumento central de resolução de conflitos e problemas. E, talvez mais sintomático que isso, como um instrumento corretor da sociedade. Temos uma visão de vida coletiva que, salvo mais investigação, sempre trata a sociedade como fraca e o Estado como forte e, pior que isso, que

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está convencida que os poderes do Estado nada têm a ver com os da sociedade. Como conseqüência, tendemos a demonizar ou divinizar o Estado e a divinizar ou demonizar a sociedade (sempre representada por uma visão brasileiríssima de povo - camada social equacionada aos pobres e destituídos, como os explorados em geral), como se entre essas dimensões sociais não houvesse nenhuma relação de parentesco, de casamento, de compadrio, de amizade, de política, comércio, valores ou religião. Como se Estado e sociedade não fossem parte de uma mesma coletividade ou, melhor ainda, expressões distintas de um mesmo sistema social. O fato é que nós, as elites, seja por ingenuidade, arrogância ou onipotência, temos uma paixão incurável pelo Estado e uma visão primária da sociedade, dos valores e da cultura e seu simbolismo. Tudo se passa como se, olhando para a vida coletiva, só conseguíssemos ver o Estado, com seus ritos jurídicos e políticos, deixando de enxergar a sociedade com seus ritmos, suas crenças, seus hábitos e, acima de tudo, suas relações e sua força. Neste sentido, as elites se comportam exatamente como as quatrocentas e noventa aranhas do conto de Machado de Assis, A Sereníssima República [publicado em 1882 em Papéis Avulsos], aqueles aracnídeos que absurdamente acreditavam não ter ideologia, valor ou organização social e política e pediam ao bom Cônego que havia decifrado sua língua que as organizassem politicamente. Hoje, lamentamos a ausência de ética quando de fato todo o nosso mal-estar com a modernidade que construímos no Brasil tem tudo a ver não com a ausência, mas com a presença instável e contraditória de muitas éticas. Como ocorria com as moedas inflacionadas, nossa questão não era a ausência de dinheiros, mas a presença de muitos meios de troca indexados entre si. O que, a meu ver, tipifica a globalização em países como o Brasil é precisamente a adoção de valores modernos - a isonomia legal, o sufrágio universal, a lógica do mercado, o individualismo, a transparência e a igualdade na esfera das instituições políticas e, sobretudo, no desenho das administrações públicas - sem, entretanto, a transformação ou a discussão dos valores tradicionais. Adotamos moedas novas sem nos desfazermos das antigas e, pior ainda, sem dizer à sociedade que tais moedas não valem coisa alguma. Assim, adotamos o princípio de que todos são iguais perante a lei, mas não destruímos as moedas fortes das hierarquias e dos compadrios que justificam “furar” sinais quando se é doutor, se vai a uma reunião importante e se dirige um carro de luxo e de nomear um parente para um cargo importante. Pela mesma lógica, queremos uma polícia impecável e justa, bem como promotorias modernas e atuantes, mas não queremos que nossos filhos e correligionários sejam presos ou acusados. Abraçamos a letra do universalismo político, mas não abrimos mão dos particularismos que permeiam os nossos “sabe com quem está falando?” e o nosso “jeitinho”.

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Nossa ingenuidade relativamente ao papel do Estado junto à modificação da sociedade me obriga a citar um autor conhecido, quando ele diz: "O que se fez com a Marinha desde os primeiros dias da civilização da República de 89, foi o que se fez com o Exército, com o Rio de Janeiro, com os portos, com as indústrias: cuidou-se da modernização das coisas e das técnicas sem se cuidar ao mesmo tempo da adaptação dos homens ou das pessoas a novas situações criadas pela ampliação ou pela modernização tecnológica da vida brasileira". Gilberto Freyre (em Ordem e Progresso). A mesma advertência deve ser aplicada às transformações que assistimos hoje em dia. Temos o desejo de tudo mudar, mas não mudamos os receptores e alvos da mudança: os segmentos sociais aos quais a mudança se destina. Como temos uma visão, eu reitero, ingênua e chã da sociedade, falamos de igualdade, competição, mercado, etc... sem nos darmos conta que cada um desses princípios faz parte de um sistema cultural e constitui um fato social total. Não pode haver funcionalismo público eficiente com segmentos que transformaram privilégio e proximidade do poder em direito. Mas também não se reforma o Estado e se institui um funcionalismo moderno e eficiente, sem meritocracia: sem contemplar os mais capazes e os melhores com prêmios e elogios. Não pode haver choque e muito menos conflito de interesse numa sociedade hierarquizada, onde as elites sempre se definiram pelo “sabe com quem está falando?” e pela certeza da impunidade. Como um ex-ministro (ou diretor) de um governo pautado pelos valores da autoridade e pela hierarquia (que, a todo o momento, a sociedade demanda, solicitando murros na mesa e afirmações contundentes) pode imaginar em autodisciplinar-se se todo o seu período no poder foi um aprendizado de que ele, como ministro, pode tudo? Ademais, como um detentor de um alto cargo público deve proceder diante das expectativas de sua família, casa e correligionários? Será que ele pode governar ou assumir sem dar nada de volta aos que lhe deram apoio nos duros e insultuosos momentos da campanha? Faria ele como Pedro Honorato que, tornando-se prefeito de uma cidade do interior, foi tão profundamente ético que não deu ouvidos aos pedidos da mãe, do pai, da mulher e dos irmãos e terminou no mais negro abandono como um ser abjeto por que desprezou e foi desleal aos parentes e aos amigos, aquelas pessoas da casa, a quem se deve respeito e lealdade perpétua? Quer dizer, a corrupção nacional, mesmo quando abre contas em Berna, Aruba ou Jersey, faz isso fundada nas razões da família e dos amigos. Roubo? Não! Tiro do Estado para dar aos meus amigos e correligionários. Dou de volta, na forma de empregos, o que devo aos meus aliados. Só estrangeiros desnaturados podem passar por cima dessas regras, como afirmam os jornalistas e alguns observadores da cena nacional. A reciprocidade - dou para receber ou, mais brasileiramente: quem dá recebe - negada pela impessoalidade da vida política moderna, é seguramente um guia poderoso na vida nacional. Seria imoral apoiar os amigos e partidários? Claro que não, caso o sistema não estivesse fundado no princípio da impessoalidade e da eqüidade. Por isso, a regra de ouro do nepotismo esbarra na letra dura e fria da lei.

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Como, então, conciliar os interesses, as lealdades pessoais que devem ser honradas, com um sistema institucional fundado em princípios opostos? Como conciliar igualdade política e hierarquia familística e social? A resposta mais nua e crua é a da corrupção, a da tara de origem e do atraso histórico. A mais sutil é da mentira, da malandragem e a dos vários populismos que prometem melhorar a vida de todos, sem tirar de ninguém. A resposta mais adequada, entretanto, é discutir o problema como uma questão ética importante, dentro do universo social brasileiro, como, permita-me a ausência de modéstia, tenho feito na minha obra. Haveria algo singular na corrupção nacional? Um algo especial revelador de uma ética brasileira que se diz igualitária no plenário do congresso nacional, mas que é hierárquica em casa, junto aos amigos e partidários? E que quanto mais legisla, buscando a transparência, mais se defende com compadrios e “sabe com quem estão falando”? Estou convencido que sim. Diante desses dilemas que apenas afloro, eu gostaria de sugerir que o grande desafio para esse nosso Brasil, que finalmente conseguiu introduzir a palavra estabilidade em seu dicionário institucional, seria o seguinte: Primeiro, trabalhar a ética pensando não apenas em legislação, mas, sobretudo, na disseminação de certas atitudes, chamando a atenção para os conflitos entre as demandas impessoais dos cargos públicos que são serviços que as pessoas prestam à comunidade e os legítimos reclamos das relações pessoais, da casa e da família. Não se pode isolar por lei a esfera pública da vida pessoal e íntima de cada um. Mas podem-se estabelecer limites mais claros para certos cargos, criticando suas atribuições e seus limites. Coisa, aliás, que pouco fizemos no caso do Brasil. Muito pelo contrário, todo o estilo político, fundado no confronto inquisitorial entre um governo que sai e um outro que quer entrar, funda-se precisamente na promessa de que com o poder o Salvador da Pátria vai finalmente realizar o sonho coletivo. O que, obviamente aumenta o poder dos cargos públicos, sobretudo os do poder executivo. O “rouba, mas faz” é o melhor exemplo dessa ética dúplice que tem permeado o pior ângulo da vida política brasileira. Segundo, a legislação é importante, mas ela não pode ficar confinada a sua dimensão acusatória, que identifica a falta sem apontar os modos de coerção e punição. A abundância de leis que permitem abrir processos fundados nas melhores e mais nobres dimensões éticas, mas que são incapazes pelas contradições legais e morosidade do processo jurídico de resolvê-los, apenas engendra mais frustração e mais desconfiança relativamente ao governo sob cuja égide esses processos ocorrem. Nesse sentido, essa legislação precisa contemplar processos punitivos especiais, pelo menos no que diz respeito à instância do poder em foco, bem como de tornar positivas as condutas exemplares por meio de prêmios. Finalmente, não se pode falar em ética sem falar em sociedade. E, no caso do Brasil, falar em processos políticos implica em tentar compreender realisticamente a mentalidade das nossas elites. Suas raízes aristocráticas

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e autoritárias, sua ignorância e desprezo por certos processos e instrumentos de conhecimento social. E o seu amor pelo Estado como instrumento de mudança e de transformação social. Implica também em discernir, como jamais foi feito até agora, que essa elite opera coletivamente, em segmentos, turmas, grupos e cliques. Que ela se sustenta mais por simpatia pessoal do que por antipatia ideológica. Que ela se funda, salvo engano e alguma exceção que confirma a regra, naquele velho moto, simétrico inverso do “sabe com quem está falando?” que diz: aos inimigos a lei, aos amigos tudo! E que compreende e lamenta, como dizia Oliveira Vianna num vislumbre sociológico nem sempre seguido na sua obra, falando de um intransigente político do Segundo Império: “Sou capaz de todas as coragens, menos da coragem de resistir aos amigos”. E acrescentava Oliveira Vianna, junto comigo: Aí está a síntese de toda a nossa psicologia política: a incapacidade moral de cada um de nós para resistir às sugestões da amizade e da gratidão, para sobrepor às contingências do personalismo os grandes interesses sociais, que caracteriza a nossa índole cívica e define as tendências mais íntimas da nossa conduta no poder. Se pudermos ter alguma certeza, é a de que estamos, nessas confluências, ambíguos, situados entre as obrigações para com os cargos, como serviços impessoais, e como grandes instrumentos de poder, onde vamos encontrar os nossos mais eminentes dilemas éticos. Jardim Ubá, 9 de setembro, e Notre-Dame, 20 de novembro de 2001. Disponível no site: http://www.codigodeetica.es.gov.br/artigos/Etica%20Roberto%20da%20Matta.pdf

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