Socioeconomia e Geopolitica

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  • Universidade do Sul de Santa Catarina

    UnisulVirtual

    Palhoa, 2013

    Socioeconomia e Geopoltica

  • ReitorAilton Nazareno SoaresVice-ReitorSebastio Salsio HerdtChefe de Gabinete da ReitoriaWillian Mximo

    Crditos

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    Unidades de Articulao Acadmica (UnA)

  • Livro didtico

    Designer instrucionalMarina Melhado Gomes da Silva

    Agostinho Schneiders Luciano Gonalves Bitencourt Rogrio Santos da Costa

    Socioeconomia e Geopoltica

    UnisulVirtual

    Palhoa, 2013

  • Livro Didtico

    Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Universitria da Unisul

    Copyright UnisulVirtual 2013

    Professor(es) Conteudista(s)Agostinho Schneiders Luciano Gonalves Bitencourt Rogrio Santos da Costa

    Designer instrucionalMarina Melhado Gomes da Silva

    Projeto grfico e capaEquipe UnisulVirtual

    Diagramador(a)Daiana Ferreira Cassanego

    Revisor(a)Perptua Guimares Prudncio

    ISBN978-85-7817-543-6

    Nenhuma parte desta publicao pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prvia autorizao desta instituio.

    320.12S34 Schneiders, Agostinho

    Socioeconomia e geopoltica : livro didtico / Agostinho Schneiders, Luciano Gonalves Bitencourt, Rogrio Santos da Costa ; design instrucional Marina Melhado Gomes da Silva. Palhoa : UnisulVirtual, 2013.

    104 p. : il. ; 28 cm.

    Inclui bibliografia.ISBN 978-85-7817-543-6

    1. Geopoltica. 2. Economia Aspectos sociolgicos. I. Bitencourt, Luciano Gonalves. II. Costa, Rogrio Santos da. III. Silva, Marina Melhado Gomes da. IV. Ttulo.

    iniciais_socioeconomia_e_geopolitica.indd 4 21/11/14 13:40

  • Sumrio

    Introduo I 7

    Captulo 1Espao geogrfico e organizao humana I 9

    Captulo 2Economia e poltica internacional I 29

    Captulo 3Relaes sociais de produo e consumo I 55

    Consideraes Finais I 95

    Referncias I 97

    Sobre o(s) professor(es) conteudista(s) I 103

  • 7Introduo

    Prezado (a) estudante,

    Neste incio de sculo XXI, estamos inseridos em um mundo desafiador, marcado pelas rpidas e importantes descobertas da cincia, com reflexos imediatos nos aparatos tecnolgicos, que provocam alteraes constantes na vida individual e coletiva. Por vezes, parece que no conseguiremos apreender e acompanhar todas as mudanas da sociedade. Por outras, tem-se a impresso de que o conhecimento no mais suficiente para a compreenso de tantas modificaes. E mais: um mundo marcado por guerras, conflitos, tenses, divises sociais, desemprego estrutural e problemas ambientais de graves consequncias.

    Ao mesmo tempo em que vivemos nesse contexto profundamente preocupante, vivemos sob extraordinrias perspectivas e promessas de melhorias para nosso futuro. Neste livro, objetivamos o estudo da vida social humana, dos grupos sociais e econmicos constitudos e seus respectivos conflitos decorrentes de processos intensos de trocas e conquistas de novos mercados. Portanto, compreender o prprio comportamento em sociedade baseado em relaes entre pequenos grupos ou processos globais tarefa fascinante e ao mesmo tempo inquietante para o ser humano.

    Nossos maiores objetivos esto na fundamentao terica e, para alcanar tais objetivos, caracterizaremos a globalizao e a fragmentao da sociedade atual, bem como o espao geogrfico como local das mudanas e das permanncias. A sociedade do conhecimento como principal fator da fora de trabalho promovendo mudanas significativas nas relaes de trabalho tambm foco deste livro.

    sabido que os ltimos 20 anos tm sido de grandes transformaes mundiais, proporcionadas pelo fim da Guerra Fria e pela extraordinria manifestao de avanos tecnolgicos. Esses elementos colocaram de vez as principais reas do planeta conectadas umas s outras, formando definitivamente um planeta globalizado. Dessa forma, estudar e entender um pouco dos fenmenos mundiais fundamental para a formao bsica de qualquer pessoa.

    Ser abordado o Sistema Internacional, que formado principalmente por Estados e suas soberanias, que, ao lado de empresas transnacionais, Organizaes Internacionais Governamentais e organizaes no governamentais, formam uma dimenso de atores principais. As relaes entre

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    esses atores so enfocadas de forma histrica com foco na economia e poltica, elencando suas principais caractersticas e suas implicaes para os seres humanos vivendo em sociedades nacionais.

    As principais caractersticas destas OIGs, bem como seus limites e possibilidades em influenciar o Sistema Internacional, principalmente os Estadosnao soberanos, tambm sero estudadas. Para isso, so apresentadas as principais OIGs nos campos poltico, como a ONU, militar; a OTAN, de integrao; a Unio Europeia, o Mercosul e a OMC, econmicas; e especializadas, como a OMS.

    Acreditamos que a mensagem mais importante neste livro a compreenso de que a sociedade uma construo coletiva. Ela nos ensina que o que, s vezes, parece-nos natural e inevitvel uma construo histrica e social envolvendo atores que s vezes aparecem de forma individual; outras, de forma coletiva em poderosas organizaes governamentais (pblicas) e privadas. Compreender esses processos vital para nos entendermos como atores sociais e no apenas como expectadores da sociedade.

    Precisamos acreditar no potencial da nossa inteligncia e criatividade para compreendermos o contexto do mundo social em que estamos inseridos, para sermos sujeitos mais atuantes na sociedade.

    Um excelente incio de estudos a voc!

    Professores Agostinho Schneiders, Luciano Gonalves Bitencourt e Rogrio Santos da Costa.

  • 9Sees de estudo

    Habilidades

    Captulo 1

    Espao geogrfico e organizao humanaAgostinho Schneiders

    Neste captulo, desenvolveremos habilidades que permitem ao estudante, no final dos estudos, realizar uma reflexo crtica sobre problemas do cotidiano, identificar e relacionar situaes e variveis, buscar e criticar informaes que so vinculadas nas diversas mdias disponveis, administrar conflitos, interpretar linguagens diversas e projetar aes de interveno sobre o espao geogrfico, local de ao e atuao do homem.

    Seo 1: A produo do espao geogrfico pela sociedade

    Seo 2: Meio ambiente e dinmicas socioambientais

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    Captulo 1

    Seo 1A produo do espao geogrfico pela sociedade

    A palavra espao de uso corrente, utilizada tanto no dia a dia como nas diversas cincias, sendo descrita por acepes distintas e numerosos qualificativos. Entre os astrnomos, matemticos, economistas e psiclogos, dentre outros, utilizam-se, respectivamente, as expresses espao sideral, espao topolgico, espao econmico e espao pessoal.

    Desde os primeiros anos que mantivemos contato com a disciplina de Geografia, nossos professores a relacionavam com o espao. Por isso, no raro lembrarmo-nos de espao geogrfico quando nos referimos a essa cincia.

    A expresso espao geogrfico ou simplesmente espao, por outro lado, aparece de maneira vaga, ora estando associada a uma poro especfica da superfcie da Terra identificada seja pela natureza, seja por um modo particular como o Homem ali imprimiu as suas marcas, seja com referncia simples localizao. Portanto, o espao geogrfico aquele que foi modificado pelo homem ao longo da histria, que contm um passado histrico e foi transformado pela organizao social, tcnica e econmica daqueles que habitaram ou habitam os diferentes lugares.

    Adicionalmente a palavra espao tem o seu uso associado indiscriminadamente a diferentes escalas: global, continental, regional, da cidade, do bairro, da rua, da casa e de um cmodo no seu interior. Percebemos, assim, que no existe uma determinao quanto ao tamanho do espao, ou seja, tudo o que est a nossa volta pertence a esse espao geogrfico. Ao longo desta seo, ser discutido o que , afinal, o espao geogrfico.

    As cincias sociais, entre as quais destacamos a Histria, a Antropologia, a Geografia e a Sociologia, estudam a sociedade. Esta muito complexa, multifacetada, sendo constituda por elementos como as classes sociais, as artes, a cidade, o campo, o Estado, os partidos, as religies, etc. Os numerosos componentes da sociedade esto articulados e imbricados de tal modo, que se fala de uma totalidade social, cuja complexidade abarca as contradies internas e o movimento de transformao. Assim, torna-se difcil a compreenso da sociedade a partir de uma nica cincia social concreta, bem como as suas possveis articulaes.

    A anlise da sociedade, no entanto, feita a partir de diversos ngulos. As cincias acima citadas estudam-na na perspectiva do mesmo objeto, ou seja, objetivado, diferentemente. esta objetivao que as distingue entre si. O longo processo de organizao e reorganizao da sociedade

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    deu-se concomitantemente transformao da natureza primitiva em campos, cidades, estradas de ferro e de rodagem, minas, voorocas, parques nacionais, shopping centers, etc, (CORRA, 1998).

    Essas obras do homem so as suas marcas, apresentando um determinado padro de localizao que prprio a cada sociedade. Organizadas espacialmente, constituem o espao do homem, a organizao espacial da sociedade ou, simplesmente, o espao geogrfico. A objetivao do estudo da sociedade pela Geografia, por exemplo, fazse atravs de sua organizao espacial, enquanto as outras cincias sociais concretas estudam-na atravs de outras objetivaes.

    Para Corra (2007), no longo e infindvel processo de organizao e do espao, o Homem estabeleceu um conjunto de prticas atravs das quais so criadas, mantidas, desfeitas e refeitas as formas e as interaes espaciais. So as prticas espaciais, isto , um conjunto de aes espacialmente localizadas, que impactam diretamente sobre o espao, alterando-o no todo ou em parte ou preservando-o em suas formas e interaes espaciais.

    Figura 1.1: Espao geogrfico: a grande cidade

    Fonte: Espao Geogrfico, 2012.

    As prticas espaciais resultam, por um lado, da conscincia que o Homem tem da diferenciao espacial. Conscincia esta que est ancorada em padres culturais prprios a cada tipo de sociedade e nas possibilidades tcnicas disponveis em cada momento, que fornecem significados distintos natureza e organizao espacial, previamente j diferenciadas. Essas prticas resultam, de outro lado, dos diversos projetos, tambm derivados de cada tipo de sociedade, que so engendrados para viabilizar a existncia e a reproduo de uma atividade ou de uma empresa, de uma cultura especfica, tnica ou religiosa, por exemplo, ou a prpria sociedade como um todo.

  • 12

    Captulo 1

    As prticas espaciais so aes que contribuem para garantir os diversos projetos. So meios efetivos atravs dos quais objetiva-se a gesto do territrio, isto , a administrao e o controle da organizao espacial em sua existncia e reproduo. Se elas resultam da conscincia da diferenciao espacial, de outro lado so ingredientes atravs dos quais a diferenciao espacial valorizada, parcial ou totalmente desfeita e refeita, ou permanece em sua essncia por um perodo mais ou menos longo. A seletividade espacial, fragmentao ou remembramento espacial, antecipao espacial, marginalizao espacial e reproduo da regio produtora so exemplos de prticas espaciais, segundo Corra. (2007).

    Eis o espao geogrfico, a morada do Homem. Absoluto, relativo, concebido como plancie isotrpica (superfcie plana e homognea com as mesmas propriedades fsicas em todas as direes), representado atravs de matrizes e grafos, descrito atravs de diversas metforas, reflexos e condies sociais, experienciado de diversos modos, rico em simbolismos e campo de lutas, multidimensional. Aceitar esta multidimensionalidade do espao geogrfico aceitar por prticas sociais distintas que, como Harvey (1973) se refere, permitem construir diferentes conceitos de espao. Decifrando-o, como diz Lefbvre (1974), revelamos as prticas sociais dos diferentes grupos que nele produzem, circulam, consomem, lutam, sonham, enfim, vivem e fazem a vida caminhar.

    Milton Santos (1977), em um de seus magnficos textos, trata justamente dessa temtica inicial da discusso entre a cincia geogrfica e o espao. De acordo com o texto, constatamos que o papel do espao em relao sociedade tem sido frequentemente minimizado pela Geografia. Esta disciplina considera o espao mais como teatro das aes humanas, e o encaminhamento dos gegrafos partem em geral do solo e no da sociedade. Pode-se dizer que a Geografia interessouse mais pela forma das coisas do que pela sua formao e a histria da sociedade mundial ou local.

    1.1 Formao Econmica e Social: teoria para o entendimento do espao geogrfico

    A categoria Formao Econmica e Social (FES), baseada nos estudos de Marx e Lnin, e aprofundada pelo gegrafo brasileiro Milton Santos, durante a dcada de 1970, parece-nos a mais adequada para auxiliar na formao de uma teoria vlida do espao. A base de explicao desta teoria seria a produo, isto , o trabalho do homem para transformar utiliza-se da categoria do espao, ou seja, a prpria histria da formao econmica e social est inserida no espao. Segundo essa teoria, natureza e espao so sinnimos, desde que se considere a natureza como uma natureza transformada, uma segunda natureza como Marx a chamou: uma concepo que ultrapasse as fronteiras do ecolgico e abranja toda a problemtica social. (SANTOS, 1977, p. 84).

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    A categoria de Formao Econmica e Social ou simplesmente formao social teve em Sereni (1976, p. 76), uma importncia mpar. Segundo esse autor, ela

    [...] se coloca inequivocadamente no plano da histria, que o da totalidade e a unidade de todas as esferas (estruturais, supraestruturais econmica, poltica, social e cultural) da vida social na continuidade e ao mesmo tempo na descontinuidade do seu desenvolvimento histrico. (SERENI, 1976, p. 76).

    Partindo do pressuposto de que a noo de formao social est ligada evoluo de uma dada sociedade em sua totalidade histrico-concreta, Santos (1977) demonstra que essa formao no pode ser tratada sem a noo de espao geogrfico, afinal, este aparece tanto como produto quanto como uma condio da (re)produo social. Assim que a noo adquire o status de formaes histricas e geograficamente localizadas, isto , formaes socioespaciais.

    1.1.1 Mas o que realmente a categoria Formao Econmica e Social?

    Foi lembrando por Santos (1977) que a categoria de FES, apesar de sua importncia para os estudos das sociedades, no mereceu, durante um longo perodo, estudos e discusses que levassem a renovar e aperfeioar o conceito. S recentemente, h menos de vinte anos, retomou-se o debate.

    O interesse dos estudos sobre as formaes econmicas e sociais est na possibilidade que eles oferecem de permitir o conhecimento de uma sociedade na sua totalidade e tambm nas suas fraes. Esse conhecimento especfico e apreendido num dado momento de sua evoluo. Nenhuma sociedade tem funes permanentes; a sociedade evolui sistematicamente.

    A noo de formao econmica e social indissocivel do concreto representado por uma sociedade historicamente determinada. Uma FES um objeto real que existe independentemente de seu conhecimento, mas que no pode ser definido a no ser por seu conhecimento.

    Modo de produo, formao social e espao so trs categorias interdependentes (produo propriamente dita, circulao, distribuio, consumo), alm disso, so histrica e espacialmente determinadas num movimento de conjunto por meio de uma formao social.

    A formao social compreende uma estrutura produtiva e uma estrutura tcnica. Tratase de uma estrutura tcnicoprodutiva expressa geograficamente por certa distribuio da atividade de produo, sendo as diferenas entre lugares resultados do arranjo espacial dos modos de produo particulares.

    A localizao dos homens, das atividades e das coisas no espao pode ser explicada pelas necessidades externas, aquelas do modo de produo puro,

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    Captulo 1

    podendo ser representadas, essencialmente, pela estrutura de todas as procuras e a estrutura das classes, isto , a formao social propriamente dita.

    O modo de produo pode ser expresso pela luta e por uma interao entre o novo que domina e o velho. As relaes entre espao e formao social so de outra ordem, pois elas se fazem num espao particular e no num espao geral, tal como para os modos de produo. Os modos de produo escrevem a histria no tempo; as formaes sociais escrevem-na no espao.

    Cada combinao de formas espaciais e de tcnicas correspondentes constitui o atributo produtivo de um espao, sua virtualidade e sua limitao, sendo o movimento do espao, isto , sua evoluo ao mesmo tempo um efeito e uma condio do movimento de uma sociedade global. Com relao ao espao e totalidade, as formaes econmicas e sociais so uma organizao histrica,

    [...] a totalidade da unidade da vida social. (SANTOS, 1977, p. 84).

    O dado global, que o conjunto de relaes que caracterizam uma dada sociedade, tem um significado particular para cada lugar, mas este significado no pode ser aprendido seno ao nvel da totalidade. O espao construdo e a distribuio da populao, por exemplo, no tm um papel neutro na vida e na evoluo das formas econmicas e sociais. O espao reproduz a totalidade social, na medida em que essas transformaes so determinadas por necessidades sociais, econmicas e polticas.

    Para Santos (1977, p. 91), o espao reproduz a totalidade social, na medida em que essas transformaes so determinadas por necessidade sociais, econmicas e polticas. Assim, o espao reproduz-se, ele mesmo, no interior da totalidade, quando evolui em funo do modo de produo e de seus momentos sucessivos. Mas o espao influencia tambm a evoluo de outras estruturas e, por isso, torna-se um componente fundamental da totalidade social e de seus movimentos.

    A ideia da dupla anlise feita das redes, buscando seu vis fsico-territorial e, ao mesmo tempo, seu sentido scio-poltico-econmico-cultural. Assim, o relativo abandono da maioria da populao pelo circuito capitalista moderno no que diz respeito manifestao das relaes sociais de produo e de consumo (com seus infinitos desdobramentos) forma par com a estrutura fsica das redes incorporadas no territrio, uma vez que, importante relembrar, elas so os paradigmas tcnicos responsveis pelas relaes socioeconmicas capitalistas.

    A fragmentao scio-espacial advm enquanto processo resultante da seletividade social e territorial das tcnicas e dos seus usos, que se do de acordo com as vantagens locacionais de cada fragmento territorial usado. Ao se impor como modelo scio-poltico-econmico dominante, o capitalismo monopolista neoliberal articula-se de maneira seletiva nos espaos das cidades dos pases subdesenvolvidos, criando a descontinuidade existente

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    entre as classes dominantes e mdias; e suas territorialidades mantm-se verdadeiramente includas, enquanto as classes dominadas esto marginalizadas neste circuito.

    Os objetos geogrficos aparecem nas localizaes correspondentes aos objetivos da produo num dado momento e, em seguida, pelo fato de sua prpria presena, influenciamlhes os momentos subsequentes da produo.

    O campo de preocupao da cincia geogrfica o espao da sociedade humana, em que homens e mulheres vivem e, ao mesmo tempo, produzem modificaes que o (re)constroem permanentemente. Indstrias, cidades, agricultura, rios, solos, clima, populaes: todos esses elementos, alm de outros, constituem o espao geogrfico, isto , o meio ou a realidade material em que a humanidade vive e do qual parte integrante.

    Tudo nesse espao depende do ser humano e da natureza. Esta ltima fonte primeira de todo o mundo real. A gua, a madeira, o petrleo, o ferro, o cimento e todas as outras coisas que existem nada mais so que aspectos da natureza. Mas o ser humano refaz esses elementos naturais ao fabricar os plsticos a partir do petrleo, ao represar rios e construir usinas hidreltricas, ao aterrar pntanos e edificar cidades, ao inventar velozes avies, para encurtar as distncias. Assim, o espao geogrfico no apenas o local de morada da sociedade humana, mas principalmente uma realidade que a cada momento (re)construda pela atividade do ser humano.

    As modificaes que a sociedade humana produz em seu espao so hoje mais intensas que no passado. Tudo o que nos rodeia transforma-se rapidamente. Com a interligao entre todas as partes do globo e com o desenvolvimento dos transportes e das comunicaes, passa a existir um mundo cada vez mais unitrio. Pode-se dizer que, em nosso planeta, h uma nica sociedade humana, embora seja uma sociedade plena de desigualdades e diversidade. Os mundos ou sociedades isoladas, que viviam sem manter relaes com o restante da humanidade, cederam lugar ao espao global da sociedade normal.

    Na atualidade, no existe nenhum pas que no dependa dos demais, seja para o suprimento de partes das suas necessidades materiais, seja pela internacionalizao da tecnologia, da arte, dos valores, da cultura. Uma guerra civil, fortes geadas com perdas agrcolas, a construo de um novo tipo de computador, a descoberta de enormes jazidas petrolferas, enfim, qualquer acontecimento importante que ocorra numa parte qualquer da superfcie terrestre provocar repercusses em todo o conjunto do globo. Isso porque muito do que acontece em reas distantes acaba afetando-nos de uma forma ou de outra, mesmo que no tenhamos conscincia disso. No vivemos mais em aldeias

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    Captulo 1

    relativamente independentes, como nossos antepassados longnquos, mas num mundo interdependente e no qual as transformaes sucedem-se numa velocidade acelerada.

    Para nos posicionarmos inteligentemente a este mundo temos de conheclo bem. Para vivermos nele de forma consciente e crtica, devemos estudar os seus fundamentos, desvendar os seus mecanismos. Ser cidado pleno em nossa poca significa antes de tudo estar integrado criticamente na sociedade, participando ativamente de suas transformaes. Para isso, devemos refletir sobre o nosso mundo, compreendendoo do mbito local at os mbitos nacional e planetrio. (VESENTINI, 2007).

    Tratase de um tipo de conhecimento (cincia geogrfica) que entende o espao geogrfico como produto da atividade humana, que transforma a natureza original em segunda natureza, isto , em uma natureza humanizada, (re)elaborada pela sociedade. Assim, pode-se dizer que a agricultura, as cidades, os meios de transporte e de comunicao etc. nada mais so que elementos naturais que foram (re)elaborados pelas atividades do ser humano. E a sociedade moderna, especialmente aps a Revoluo Industrial, domina e transforma a natureza, submetendo-a aos interesses econmicos e polticos dos indivduos e das classes que compem essa sociedade.

    As mudanas so quantitativas, mas tambm qualitativas. Se at mesmo nos incios dos tempos modernos as cidades ainda contavam com jardins, isso vai-se tornando mais raro: o meio urbano cada vez mais um meio artificial, fabricado com restos da natureza primitiva, crescentemente encobertos pelas obras dos homens. A paisagem cultural substitui a paisagem natural e os artefatos tomam, sobre a superfcie da terra, um lugar cada vez mais amplo. Com o aumento das populaes urbanas, ocupadas em atividades tercirias e secundrias, o campo chamado a produzir mais intensivamente. (SANTOS, 2008).

    A paisagem a representao visvel de vrios aspectos do espao geogrfico. nas paisagens que esto inseridos todos os elementos presentes no espao geogrfico: os elementos naturais (vegetao, relevo, clima, etc.) e os elementos humanos ou culturais (que so os produzidos pela sociedade: carros, edifcios, estradas, etc.).

    Quando observamos um lugar, podemos descrever os elementos que formam a paisagem desse lugar: florestas, campos, indstrias, vilas, etc. No entanto, para que essa paisagem possa ser vista como dado geogrfico, temos que estabelecer

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    as relaes econmicas e sociais, responsveis pelo retrato de um lugar no espao geogrfico (a paisagem). Como consequncia, as paisagens modificamse, conforme as relaes econmicas e sociais que ocorrem nesse espao.

    Com os avanos cientficos e tecnolgicos, a agricultura passa, ento, a beneficiarse, assegurando uma produo maior sobre pores de terra menores. Os progressos da qumica e da gentica, juntamente com as novas possibilidades criadas pela mecanizao, multiplicam a produtividade agrcola e reduzem a necessidade de mo de obra no campo.

    Figuras 1.2 e 1.3: Construo de uma hidreltrica e contraste na ocupao urbana

    Fonte: Viso Geogrfica, 2012.

    Para Santos (2008), a urbanizao ganha, assim, novo impulso, e o espao do homem, tanto nas cidades como no campo, vai tornando-se um espao cada vez mais instrumentalizado, culturizado, tecnificado e cada vez mais trabalhado segundo os ditames da cincia. O capital constante, que antes era apangio das cidades, sobretudo naquelas onde se concentrava a produo industrial, passa tambm a caracterizar o prprio campo, na forma de implementos, fertilizantes e inseticidas, mquinas e sementes selecionadas.

    Esse capital constante, fixo ou localizado, chega, alis, a toda parte, apoiado pela expanso da rede de estradas de ferro e de rodagem, que vo assegurar uma circulao mais rpida e relativamente mais barata, sem a qual o abastecimento das cidades tornar-se-ia impossvel. Portanto, no a partir da terra, do quadro natural, que se vai compreender a sociedade moderna; ao contrrio, a partir das caractersticas dessa sociedade que se deve estudar hoje o nosso meio ambiente.

    Para compreender o mundo atual, no basta estudar primeiro a localizao de cada continente (e dos pases), depois seu relevo, seu clima etc., sem estabelecer grandes ligaes entre esses vrios aspectos. Pelo contrrio, nosso ponto de partida deve ser a organizao econmica e poltica dos principais conjuntos de pases, pois ela que determina como a populao vive e transforma ou aproveita a natureza.

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    Captulo 1

    Entretanto, a regionalizao do mundo com base nas caractersticas da sociedade sempre mais problemtica do que uma diviso com base em elementos fsicos em continentes ou em climas, por exemplo. Isto porque as grandes mudanas naturais ocorrem em um ritmo muito mais lento que as importantes alteraes histricas e sociais.

    Por exemplo, um dado pas encontrase na Amrica e no na Europa, o outro encontrase na zona tropical, e isso tudo no d margem a grandes dvidas. J uma diviso polticoeconmica mais complexa: pode ser difcil encaixar um determinado pas (Coria do Sul ou Grcia, por exemplo) apenas no sul subdesenvolvido ou no norte industrializado, pois alguns de seus aspectos lembram um conjunto e os demais lembram o outro grupo de pases. Alm disso, em apenas algumas dcadas uma sociedade nacional pode desenvolverse ou, s vezes, at empobrecer de forma abrupta, embora seja extremamente difcil, mas no impossvel.

    Uma mudana to radical assim no ocorre na realidade natural: na localizao geogrfica de um pas, nos seus climas, solos, relevos etc. Podemos afirmar com uma margem mnima de erro que as reas que hoje tm clima tropical continuaro a tlo daqui a cem anos. E podemos tambm afirmar sem problemas que um pas qualquer, localizado na Amrica, no ano 2.050 continuar a ter seu territrio situado no mesmo continente. evidente que tal pas pode at deixar de existir nesse perodo de tempo; ou pode ser que ele amplie seu territrio com conquistas militares em outros continentes; ou ainda, pode ocorrer a perda de parte de seu espao fsico; todavia, apesar de todas essas possibilidades (que dependem muito mais do ser humano que da natureza), no h dvida nenhuma de que seu territrio atual continuar no mesmo continente.

    Quando se trata dos aspectos poltico-econmicos dos pases, porm, no podemos ter tanta certeza: as modificaes podem ser radicais e ocorrer de um dia para o outro. Mas isso no significa que devemos deixar de lado os estudos e as classificaes da realidade social s porque ela dinmica e sofre transformaes rpidas. Seria mais fcil estudar o mundo a partir dos tipos de clima ou dos continentes; contudo, se fizssemos isso, no final teramos dele uma viso muito pobre.

    As mudanas e transformaes acima descritas do-se em um quadro de vida onde as condies ambientais so ultrajadas, com agravos sade fsica e mental das populaes. O espao habitado tornouse um meio geogrfico completamente diverso do que fora na aurora dos tempos histricos. Agora o fenmeno agrava-se, na medida em que o uso do solo torna-se especulativo e a

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    determinao do seu valor vem de uma luta sem trgua entre os diversos tipos de capital que ocupam a cidade e o campo.

    O homem utilizase do saber cientfico e das invenes tecnolgicas sem aquele senso de medida que caracterizou as suas primeiras relaes com o entorno natural, e o resultado, como estamos todos vendo, dramtico.

    Se utilizarmos como base os pensamentos marxistas que definem o espao como o locus da reproduo das relaes sociais de produo, constatamos que espao e sociedade esto intimamente ligados. Ou ainda, segundo Alves (2005), o espao passa a ser visto como fenmeno materializado, ou seja, o espao

    [...] produto das relaes entre homens e dos homens com a natureza, e ao mesmo tempo fator que interfere nas mesmas relaes que o constituram. O espao , ento, a materializao das relaes existentes entre os homens na sociedade. (ALVES, 2005).

    Seo 2Meio ambiente e dinmicas socioambientais

    As preocupaes da humanidade com as questes ecolgicas esto cada vez mais presentes na ordem do dia, por remeterem possibilidade ou no da reproduo da vida ou, pelo menos, at quando isso ser possvel. Nesse contexto, insere-se a questo da presena do ser humano interferindo na natureza de modo no sustentvel, bem como a questo do desequilbrio pelo crescimento populacional descontrolado.

    At meados da dcada de 1950, o uso da palavra natureza era corriqueiro entre os cientistas sociais para descrever os processos relacionados s prticas comuns de interao entre os indivduos de uma determinada sociedade. Posteriormente, abriu-se espao para um novo termo: o meio ambiente. As definies sugerem que ele representa as condies externas ou o entorno das pessoas, especialmente do lugar onde vivem ou trabalham. Giddens (2012) acredita que o ambiente significa todos os meios naturais e no humanos onde existem seres humanos, s vezes chamados de ambiente natural, e, em seu sentido mais amplo, simplesmente o planeta Terra como um todo.

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    Captulo 1

    2.1 A crise ecolgica

    2.1.1 Crescimento da populao

    A problemtica que envolve o crescimento da populao est relacionada com o consumo humano e, tambm, com a utilizao dos recursos naturais. A populao mundial levou 10 mil anos para chegar a 1 bilho de pessoas. No sculo XIX, dobrou para 2 bilhes. No sculo XX, esse nmero triplicou para 6 bilhes. Isso permite entender as preocupaes dos cientistas com relao ao que poder acontecer no sculo XXI. Se os padres recentes mantiverem-se, podemos chegar ao final deste sculo a uma situao insustentvel.

    A demografia ocupase em medir o tamanho das populaes e explicar o seu aumento ou diminuio. Para isso, leva em conta, basicamente, nascimentos, mortes e migraes. Normalmente, a demografia considerada como um ramo da Sociologia ou Antropologia Social. Os estudos demogrficos utilizamse de mtodos estatsticos e, mesmo nos pases industrializados, os resultados no so muito precisos, devido dificuldade de se obterem sensos que consigam registrar todas as pessoas que vivem numa determinada sociedade. Os sem-teto, os imigrantes ilegais, os moradores temporrios ou, ainda, aqueles de difcil acesso, por exemplo, geralmente no esto includos nos sensos.

    Os ndices de crescimento ou de reduo populacional so medidos subtraindo-se o nmero de mortes a cada mil habitantes, num determinado perodo, do nmero de nascimentos a cada mil habitantes. Alguns pases europeus possuem ndices de crescimento negativos, isto , suas populaes esto diminuindo.

    A maioria dos pases industrializados apresenta ndices de crescimento inferiores a 0,5%, enquanto os menos desenvolvidos esto entre 2 e 3%. Um crescimento populacional de 1% far com que os nmeros sejam duplicados em 70 anos. Se o crescimento estiver em 2%, a populao duplicar em 35 anos e, se estiver em 3%, duplicar em 23 anos. (GIDDENS, 2005).

    Na maioria dos pases menos desenvolvidos, houve a introduo rpida da medicina moderna e dos mtodos de higiene, o que causou uma queda brusca na mortalidade. Como as taxas de natalidade continuam altas, isso produziu uma estrutura etria nos pases menos desenvolvidos muito diferente daquela dos pases industrializados. Na cidade do Mxico, por exemplo, 45% da populao tinha menos de 15 anos no ano de 2005, enquanto nos pases industrializados menos de 25% pertencia a esse grupo. (GIDDENS, 2005).

    O que explica esse desequilbrio da distribuio etria nos pases em desenvolvimento aumenta ainda mais as dificuldades sociais e econmicas desses pases. Em uma sociedade, as crianas consomem um alto nvel de

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    recursos em termos de sade e de educao numa poca em que elas mesmas ainda no so economicamente produtivas.

    Alguns pases que na atualidade so considerados os alavancadores do crescimento da economia mundial (China, por exemplo) registraram um declnio nos nveis de fertilidade. A China, responsvel por quase um quarto da populao mundial, estabeleceu os programas de controle populacional mais abrangentes j empreendidos por qualquer pas, com o objetivo de estabilizar os nmeros nacionais, mantendo-se bem prximos do nvel atual. O governo instituiu incentivos (como habitaes de melhor qualidade, educao e servios de sade gratuitos) para promover a composio de famlias que tenham um nico filho, enquanto que os com mais de um filho enfrentam privaes.

    Projeta-se um crescimento acelerado das cidades nos pases em desenvolvimento durante o sculo XXI, o que produzir mudanas na economia, no mercado de trabalho, um aumento da criminalidade, dos assentamentos de posseiros empobrecidos, novos riscos na sade pblica, sobrecarga na infraestrutura de absoro do impacto. A fome e a falta de alimentos so outra preocupao grave. Relatos da Organizao das Naes Unidas (ONU) informam que j existem 830 milhes de pessoas no mundo sofrendo com a fome ou subnutrio. (GIDDENS, 2012).

    Em algumas regies (frica Sub-Saariana), mais de um tero da populao subnutrida, o que acarretar um aumento nos nveis de produo alimentcia a fim de evitar uma escassez generalizada. No entanto, essa uma conjuntura improvvel, pois grande parte das reas mais pobres do mundo particularmente afetada pela falta de gua, pelo encolhimento da terra cultivada e pela degradao do solo, processos esses que, ao invs de expandir, reduzem a produtividade agrcola.

    quase certo que a produo de alimentos no chegar a um nvel capaz de garantir a autossuficincia. Uma grande quantidade de alimentos e de gros precisar ser importada de regies onde haja excedentes. Segundo a Organizao de Agricultura e Alimentao (FAO), at 2010, os pases industrializados estaro produzindo 732 quilos de gros por pessoa, comparados a apenas 230 quilos per capita no mundo em desenvolvimento. (GIDDENS, 2005).

    2.1.2 Riscos e impactos do desenvolvimento moderno sobre o meio ambiente

    H milhares de anos, desde o incio da prtica da agricultura, os seres humanos deixaram sua marca na natureza. Para plantar preciso limpar a terra, cortar as rvores e cuidar para que as ervas daninhas no invadam a lavoura. Mesmo os mtodos primitivos podem levar eroso do solo.

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    Captulo 1

    Tudo comea com a destruio das florestas que, ao serem desmatadas, acabam destruindo tambm os rios e lagos e, consequentemente, extinguindo vrias espcies de plantas e animais. Por causa do desmatamento, a Mata Atlntica foi extremamente reduzida e tornouse uma das florestas mais ameaadas do globo. E por causa dele estamos perdendo aos poucos tambm a Floresta Amaznica, que um dos bens mais preciosos do Brasil e do mundo todo.

    No Brasil, os principais fatores que contribuem para o desmatamento so: as madeireiras, o cultivo de soja e a pecuria. Tais fatores fazem com que os estragos na Floresta Amaznica entre outras florestas e matas sejam cada vez maiores. Com o desmatamento, reduzimos a capacidade que o meio ambiente tem de absorver a grande quantidade do dixido de carbono, gs que contribui para o efeito estufa, agravando assim o problema do aquecimento global.

    Com a evoluo industrial moderna, o ataque humano ao meio ambiente natural passou a ser to intenso que praticamente no h processo natural (terra, gua e ar) que no tenha sofrido interferncia do homem. Com a indstria moderna, houve uma demanda muito maior de matria-prima e fontes energticas; porm, esses so recursos limitados e alguns deles certamente se esgotaro caso no haja uma limitao global.

    Figuras 1.4 e 1.5: Floresta desmatada para cultivos agrcolas e a comercializao da madeira

    Fonte: Fatos e Fotos, 2012.

    As questes ambientais dizem respeito no apenas ao melhor caminho para enfrentar e controlar os danos ambientais e desastres industriais frequentes, mas tambm aos modos de vida dentro das sociedades industrializadas. Se o objetivo do crescimento econmico e contnuo deve ser abandonado, provvel que novas instituies sociais abram caminho. O processo de desenvolvimento tecnolgico imprevisvel, e pode ser que a Terra, de fato, venha a produzir recursos suficientes para os processos de industrializao.

    Na atualidade, essa situao no parece possvel, e se os pases em desenvolvimento chegarem a alcanar padres de vida comparveis queles

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    desfrutados pelo Ocidente, haver a necessidade de novos ajustes globais relativos a como vivemos no nosso cotidiano, como lidamos com o lixo, com o consumo da gua e com o consumo de energia.

    2.1.3 Aquecimento global

    Nessa linha de questionamentos, aparece um assunto que tem sido muito discutido nos ltimos tempos: o aquecimento global, evento causador das mudanas climticas que vm ocorrendo na Terra. O principal fator responsvel por sua ocorrncia o efeito estufa. Este gerado atravs do acmulo de gases poluentes na atmosfera, entre eles dixido de carbono, metano, xido nitroso e monxido de carbono, os quais so liberados no ar atravs da queima de combustveis fsseis, como a gasolina e o diesel, queima de florestas, emisso de gs carbnico pelas fbricas e a criao em massa de bovinos, que produzem e eliminam gs metano em suas fezes. Outro fator que tambm responsvel pela liberao intensa de gs metano a maior produo de lixo e esgotos nos centros urbanos e que nos pases em desenvolvimento carecem de um tratamento mais adequado.

    Diferentemente do que muitos pensam, o efeito estufa um fenmeno natural em que uma parte da radiao solar que chega a Terra acaba sendo refletida pelas nuvens e pela superfcie terrestre enquanto outra absorvida. Dessa energia absorvida, uma parte irradiada na forma de calor para a atmosfera. Isso acontece, pois as nuvens e certos gases atmosfricos, como o vapor de gua, dixido de carbono, metano e dixido de nitrognio reirradiam esse calor de volta para a superfcie terrestre, aquecendo-a. Esse fenmeno muito importante, pois atravs dele a temperatura do planeta mantm-se compatvel com os seres vivos que nele habitam.

    Figuras 1.6 e 1.7: Derretimento das calotas polares e o funcionamento do efeito estufa

    Fonte: Aquecimento, 2012.

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    Captulo 1

    O problema acontece quando esse efeito intensificase, aumentando a temperatura alm do normal, pelos motivos acima descritos. Vemos todos os dias as consequncias da intensificao do efeito estufa, como o aumento do nvel dos oceanos, que ocorre devido ao derretimento das calotas polares, o que faz o volume das guas aumentar, podendo causar a submerso de muitas cidades litorneas (vemos isso com o aumento dos casos de tsunamis).

    Outra consequncia o crescimento e surgimento de desertos, pois com o aumento da temperatura muitas espcies de animais e vegetais que no so adaptados a essa mudana acabam morrendo, causando o desequilbrio de vrios ecossistemas.

    Outro fator o desmatamento descontrolado de florestas que tambm contribui para isso, especialmente de pases tropicais, como o Brasil e alguns pases africanos.

    Tambm tem ocorrido o aumento de furaces, tufes e ciclones, pois o aumento da temperatura faz com que as guas dos oceanos evaporem-se mais rapidamente, contribuindo para a intensificao desses tipos de catstrofes climticas. As ondas de calor esto ficando cada vez mais intensas, ocorrendo em lugares onde a temperatura mais amena, como a Europa, a qual tem sido castigada por ondas de calor de at 40. Essa mudana abrupta pode provocar a morte de idosos e crianas que so mais vulnerveis a essas mudanas.

    O processo de desenvolvimento tecnolgico imprevisvel, e pode ser que a Terra, de fato, venha a produzir recursos suficientes para os processos de industrializao. Por enquanto, esta situao no parece possvel.

    Tem aumentado muito o nmero de pessoas que se preocupam com o impacto nocivo dos seres humanos sobre o meio ambiente natural, e que se manifestam publicamente atravs de movimentos, partidos, e Organizaes NoGovernamentais (ONGs). Embora as percepes, as ideias, as filosofias assumam tendncias variadas, h uma linha comum, que a de agir na proteo do meio ambiente do planeta, conservar e proteger as espcies naturais.

    Vrios relatrios recentes de rgos ligados ONU apontam em uma mesma direo: os ndices de crescimento industrial no so compatveis com a natureza finita dos recursos terrestres e com a capacidade de o planeta suportar o crescimento populacional e absorver a poluio.

    Evidentemente, pode haver uma reao dos seres humanos, com o uso dos meios tecnolgicos e polticos, aos desafios ecolgicos. Experincias no mercado mostram que, caso haja um esgotamento de um minrio, o preo do mesmo tende a subir muito; logo, o consumo do mesmo cair, e pesquisas buscaro tecnologias ou materiais substitutos alternativos.

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    Estabelecer limites para o desenvolvimento econmico e tecnolgico uma questo complicada, pois os pases menos desenvolvidos tm como meta atingir os nveis dos pases desenvolvidos. Foi por isso que surgiu a noo de desenvolvimento sustentvel, que significa que o crescimento deve ser conduzido de forma a permitir a reciclagem dos recursos fsicos e a manuteno de nveis mnimos de poluio.

    O desenvolvimento econmico pode e deve ser promovido, pois por meio dele que se ampliar a riqueza mundial. Os pases menos desenvolvidos nunca podero esperar alcanar os mais ricos se os seus prprios processos de crescimento industrial forem, de alguma forma, obstrudos. Desenvolvimento sustentvel refere-se ao uso de recursos renovveis para promover o desenvolvimento econmico, a proteo das espcies animais e da biodiversidade e o compromisso com a pureza do ar, da gua e da terra.

    Desenvolvimento sustentvel aquele que atende s necessidades de hoje, sem comprometer a capacidade das prximas geraes atenderem s suas. Os crticos consideram a noo de desenvolvimento sustentvel muito vaga e omissa em relao s necessidades especficas dos pases pobres. Por exemplo: o que voc pensa a respeito de a comunidade internacional determinar que a floresta amaznica passe a ser patrimnio da humanidade e que o Brasil no possa derrubar mais nenhuma rvore? O mundo contemporneo enfrenta diversas ameaas ambientais que, como essa, tambm so globais. Elas podem ser divididas em duas classes bsicas: a poluio e os resduos lanados no meio ambiente; e o esgotamento dos recursos renovveis.

    2.2 O impacto do consumismo

    Para Giddens (2005), o consumo refere-se s mercadorias, aos servios, energia e aos recursos que so esgotados pelas pessoas, instituies e sociedades. Esse fenmeno apresenta tanto dimenses positivas quanto negativas. Por um lado, nveis crescentes de consumo em todo o mundo significam que as pessoas esto vivendo em melhores condies do que no passado, pois associa-se consumo ao desenvolvimento econmico. Por outro lado, o consumo tambm pode trazer impactos negativos, pois estes podem causar danos base de recursos ambientais e exacerbar os padres de desigualdade.

    Os atuais padres de consumo no so apenas extremamente desiguais, mas tambm esto produzindo um impacto severo sobre o meio ambiente. O consumo de gua doce dobrou, a queima de combustveis fsseis quintuplicou durante os ltimos 50 anos, enquanto que o consumo de madeira subiu mais

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    Captulo 1

    de 40% em relao a 25 anos atrs (GIDDENS, 2005). Os padres de consumo no esto apenas esgotando os elementos naturais existentes, como tambm esto contribuindo para sua degradao atravs dos resduos e das emisses de substncias nocivas.

    Os impactos mais violentos dos danos ambientais causados pelo aumento do consumo recaem sobre os pobres, apesar de os ricos serem os principais consumidores mundiais. Os ricos esto em melhores condies para desfrutar dos diversos benefcios do consumo sem terem que lidar com seus efeitos negativos. Em nvel local, os grupos abastados geralmente tm dinheiro para abandonar reas difceis, deixando a maior parte dos custos para os pobres. Usinas qumicas, estaes de energia eltrica, grandes estradas, ferrovias e aeroportos, em geral, situam-se prximo a reas de baixa renda.

    A distribuio dos riscos relacionados com o meio ambiente tambm varia como outros tipos de questes ambientais. Por exemplo, embora o aquecimento global (aumento na temperatura mdia ao redor do mundo) afete todas as pessoas do planeta, isso ocorrer de maneiras diferentes. As inundaes matam muito mais pessoas em pases pobres e baixos, como Bangladesh, onde as infraestruturas de habitao e emergncia so menos capazes de lidar com o clima severo do que na Europa, por exemplo. Em pases mais ricos, como os Estados Unidos, as questes que o aquecimento global levanta para os legisladores provavelmente estaro ligadas a efeitos indiretos, como nveis maiores de imigrao, medida que pessoas de reas afetadas mais diretamente tentam entrar no pas.

    Para De Luca Garate (2000), o principal carter da nossa sociedade globalizada a separao entre o produtor e o consumidor, entre a produo e o consumo em massa, com consequncias, pelo uso e abuso, do nosso meio ambiente. Para este autor, o consumo est relacionado s necessidades pessoais e coletivas que requerem ser satisfeitas para o desenvolvimento do ser humano. Por outro lado, o conceito de consumismo est relacionado a uma imposio e determinao de um sistema de produo material e espiritual, o qual est mediatizado pelos meios de comunicao social, produzindo uma forma de vida que exige que o ser humano tenha que se inserir ou ficar margem.

    O consumo intrnseco ao ser humano, o que no acontece com o consumismo, que uma criao social e cultural de um determinado sistema de produo, distribuio e, sobretudo, de valores. Os mentores desta sociedade remontam aos sculos XVIII e XIX, de alto consumo em massa, que tm suas origens em clssicos da Economia, como Smith e Bentham. Para Smith, o homem movido pelo interesse pessoal, enquanto que Bentham concebeu o homem como se ponderasse os prazeres e as dores, de forma que este obtenha sempre o mximo prazer com o mnimo sofrimento.

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    No Brasil, com a ditadura militar, implantou-se um desenvolvimento desenfreado sem se considerar o custo social ou a devastao do meio ambiente, transferindo as consequncias para as futuras geraes. O planeta, em seu conjunto, no possui os recursos suficientes para que todos os seus habitantes vivam como os habitantes dos pases do primeiro mundo. Esse desenvolvimento ocidental no pode ser reproduzido em grande escala no conjunto dos demais pases. Apesar da mudana de paradigma terico institucional, o modelo atual de desenvolvimento continua sendo dominado pelo mesmo objetivo: atender ao consumismo das sociedades.

    Se considerarmos a evoluo da humanidade, as sociedades primitivas passam a uma sociedade de produo, distribuio e alto consumo, atravs de etapas de incremento do consumo de energia, para satisfazer os desejos de toda a sociedade. Dessa forma, existe um poder dentro de todos ns e, quanto mais praticarmos essa capacidade reflexiva, a cidadania pode transformar indivduos atomizados pela mo invisvel do mercado em seres mais hbeis, com capacidade de novos valores, os quais daro outro sentido sua vida e s futuras geraes. Para De Luca (2000), essa capacidade crtica reflexiva uma semente que no se v, mas que vem crescendo e expandindo-se rapidamente, em particular nas novas geraes, que iro herdar dvidas sociais, econmicas e ecolgicas da sociedade do presente.

    Em decorrncia de um processo de explorao da natureza e de industrializao descontrolado, produziu-se um estado de coisas que foram o ser humano a se colocar frente a questes globais nunca colocadas antes, como:

    at quando podemos ter ar em condies para satisfazer a nossa necessidade de respirao?;

    at quando teremos gua potvel em condies de ser consumida?;

    at quando teremos recursos energticos e matria-prima natural para atender s nossas necessidades?; e

    at quando poderemos conviver com o aquecimento global, com as suas consequncias de aumento dos nveis dos mares, desertificao, disseminao de doenas, diminuio das colheitas, variao aguda nos padres climticos?

    A maioria das questes ambientais est intimamente relacionada com o risco, pois so resultados da expanso da cincia e da tecnologia. O aquecimento global refere-se ao aumento gradual da temperatura terrestre, provocado pelo aumento dos nveis de gs carbnico e de outros gases na atmosfera, devido queima de produtos fsseis como petrleo e carvo.

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    Captulo 1

    As consequncias potenciais podem ser severas e incluem enchentes, disseminao de doenas, condies climticas extremas e aumento dos nveis dos mares. O aquecimento global a temperatura mdia da Terra aumentou 0,6 graus centgrados nos ltimos 30 anos oferece riscos potenciais a toda a espcie humana.

    Ao fazer parte do meio ambiente, necessrio que tenhamos clareza em relao a pontos essenciais sobre os quais podemos agir em caso de necessidades. Nesse sentido, a contribuio dessa rea do conhecimento ajudar a entender como os problemas ambientais distribuem-se, narrar como os padres de comportamento humano (o consumismo, por exemplo) exercem presso sobre o ambiente natural e como podem nos ajudar a avaliar polticas e propostas (renunciar ao consumismo, por exemplo), visando proporcionar solues para problemas ambientais. Para as novas geraes salvar o meio ambiente global significar mudanas sociais radicais, alm de mudanas tecnolgicas.

    Todavia, devido s enormes desigualdades globais que existem atualmente, h pouca chance de que os pases pobres do mundo em desenvolvimento sacrifiquem o seu crescimento econmico por causa dos problemas ambientais criados principalmente pelos pases ricos. Alguns governos nos pases em desenvolvimento argumentam que, em relao ao aquecimento global, no existe paralelo entre as emisses de luxo produzidas no mundo desenvolvido e suas prprias emisses de sobrevivncia.

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    Sees de estudo

    Habilidades

    Captulo 2

    Economia e poltica internacionalRogrio Santos da Costa

    Neste captulo, desenvolveremos habilidades que proporcionem aos estudantes um olhar crtico frente ao processo de globalizao, com a capacidade de identificar atores e seus posicionamentos polticos e econmicos no Sistema Internacional, bem como nas Organizaes Internacionais Governamentais. Alm disso, pretende-se que os estudantes possam extrair concluses sobre estes processos internacionais e percebam os impactos no seu trabalho e no de sua equipe, bem como no seu cotidiano como cidados, podendo antever situaes conflituosas e planejar aes que as eliminem ou minimizem.

    Seo 1: O Sistema Internacional e processos de integrao regional

    Seo 2: Organismos internacionais reguladores da poltica e da economia

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    Captulo 2

    Seo 1O Sistema Internacional e os processos de integrao regional

    A economia e a poltica internacional possuem conformaes sociais e organizacionais reconhecidas pela literatura e pela crtica em relaes internacionais no mundo. Do ponto de vista da arquitetura de atores, eles conformam o que se convencionou chamar de Sistema Internacional, congregando Estados, Organizaes Internacionais Governamentais e no governamentais e empresas.

    Pelo lado do Sistema Internacional, a ideia de ordem internacional est diretamente atrelada capacidade do sistema em forjar uma hegemonia e, a partir desta, certa estabilidade. o que veremos nesta seo. Do lado das organizaes internacionais, existem vises que as colocam como auxiliadoras na estabilidade do sistema, ou como em projeo acima dos Estados, ou ainda um simples apndice destes, como estudaremos na segunda seo deste captulo.

    1.1 O Sistema Internacional e os ciclos hegemnicos e econmicos

    Um sistema internacional semelhante ideia de sistema, em evidncia nas cincias sociais desde a dcada de sessenta. Um sistema uma interao de atores e processos em torno de interesses, objetivos ou funes, cuja representao mais comum a observao de como ocorrem demandas e ofertas desses interesses, objetivos e funes.

    O corpo humano pode ser visto como um sistema, em que cada rgo tem uma funo, necessidades ou demandas e cuja ao resulta em ofertas para o sistema que, por sua vez, so necessidades ou demandas de outros rgos. O sistema respiratrio demandante de oxignio, que capitado pelas vias respiratrias e enviado para o pulmo, que retira os componentes de que precisa e os envia para o restante do corpo, como o corao, que, por sua vez, distribui a todo o corpo os elementos demandantes de suas diferentes partes, como o prprio sistema respiratrio, e assim todo o sistema completa-sew.

    O Sistema Internacional tem as caractersticas de sistemas como um todo, mas possui especificidades que se diferenciam de muitos outros sistemas, incluindo o Sistema Nacional, onde ocorrem as relaes sociais de determinado povo. O prprio corpo humano tem um diferencial importante, pois enquanto este analisado como sistema pelas cincias naturais, o sistema internacional estudado a partir das cincias humanas e sociais. Dessa forma, existem diferentes opes e pontos de partida para analisar e entender o

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    Sistema Internacional e, nesse sentido, tambm h reflexos no pensar os impactos deste sistema na vida de cada um de ns, o que remete o leitor a estar atento e com olhar crtico sobre a presente exposio. Vamos verificar a formao e o desenvolvimento do sistema internacional e finalizar este item com as suas principais caractersticas.

    Historicamente, situamos a formao do Sistema Internacional a partir das grandes navegaes e a ocupao do continente americano. Nessa situao, todos os continentes do globo terrestre estavam sob os olhos, interesses e aes dos diferentes atores que o compunham. Esses atores eram atores em transio, pois se estava passando do modo de produo feudalista para o capitalista, ou seja, poderes feudais e reinos absolutos que aos poucos foram transformando-se em Estados Nacionais.

    A ideia de Estado Nacional, ou Estado Nao, fica bastante fortalecida com a Paz de Westphalia, datada de 1648, que foi resultante de uma srie de tratados institudos pelos poderes envolvidos na Guerra dos Trinta anos na Europa. A Paz de Westphalia representou uma ao poltica entre os poderes institudos na Europa pelo reconhecimento mtuo da existncia de poder sobre um territrio e um povo, bem como da sua soberania.

    Soberania, este conhecido conceito foi o pilar onde se instalaram demandas e ofertas entre estes atores soberanos, formando um Sistema de Naes, ou de Estados-Nao, e a relao destas diferentes soberanias nacionais resulta num sistema entre-naes ou sistema internacional.

    Em suma, o Sistema Internacional formase com as grandes navegaes e toma a feio atual de sistema de EstadosNao ps Westphalia, com a noo e reconhecimento de soberania como ponto fundamental.

    A partir dessa formao temos o desenvolvimento das diversas etapas da histria das Relaes Internacionais e das relaes entre Estados-Nao, em que principalmente o comrcio, a economia e as guerras vo delimitando os diferentes tipos de ordem, ou seja, a forma como esses poderes convivem e tentam manter-se em estabilidade. Como nos sistemas nacionais, no internacional temos a formao de relaes polticas, a poltica internacional, que se reveste de configuraes de hegemonia, alianas, integrao e desintegrao. Os poderes, os Estados-Nao, na busca da manuteno de suas capacidades, fazem do Sistema Internacional o locus de suas polticas externas, que buscam oportunidades pela relao com outros Estados.

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    Captulo 2

    So exemplos empricos do Sistema Internacional em movimento: as guerras napolenicas, no incio do sculo XIX, a I e a II Guerras Mundiais, a Guerra Fria e as modernas guerras contra o Afeganisto e o Iraque. Em cada situao de guerra, interesses e objetivos de posicionamento no Sistema Internacional so levados em considerao pelos atores, os EstadosNao. Em geral, essas situaes de conflitos esto relacionadas a lutas por poder e hegemonia no Sistema Internacional por parte dos Estados, significando transies de hegemonias em crise para outras situaes hegemnicas.

    Nesse desenvolvimento do Sistema Internacional possvel verificar ordens bipolares, como a existente aps as guerras napolenicas e durante a Guerra Fria; ordens multipolares, como a verificada ao final do sculo XIX e incio do sculo XX; e ainda ordens com unipolaridades ou polaridades indefinidas, como a situao verificada no atual estgio do Sistema Internacional PsGuerra Fria. Atualmente se vislumbram, alm desses possveis cenrios, outro cenrio de multipolaridade em blocos, que ser descrito ao final deste captulo.

    No campo comercial ou econmico, tem-se o mesmo componente de ciclo que verificvel no caso das guerras. Os dois fenmenos, o comercial/econmico e o de conflitos no Sistema Internacional possuem relao indivisvel, sendo sua diferenciao uma necessidade metodolgica. Da mesma forma, estes dois fenmenos tm implicaes na vida dos seres humanos em sociedades nacionais direta e indiretamente, sendo responsvel, dessa forma, pelos rumos de uma nao ou de um conjunto delas.

    Os ciclos na economia acontecem com cerca de cinquenta anos, sendo compostos de perodos de expanso, de decrscimo, estagnao e depresso. Desses ciclos tambm ocorrem deslocamentos dos centros hegemnicos de um Estado ou um grupo de Estados para outro, compondo os elementos definidores da ordem no Sistema Internacional.

    Ao descrever a atual fase dos ciclos da economia capitalista, Wallerstein aponta suas caractersticas.

    O perodo entre 1945 e os dias de hoje o perodo tpico de um ciclo de Kondratieff da economia-mundo capitalista que tem, como sempre, duas fases: uma fase A, ou curva ascendente de expanso econmica, que neste caso ocorreu de 1945 a 1967-73, e uma fase B, ou curva descendente de contrao econmica, que existe desde 1967-1973 at nossos dias e que provavelmente continuar por vrios anos. O perodo de 1450 at hoje, em contraste, assinala o ciclo de vida da economia-mundo capitalista, que teve o seu perodo de gnese, o seu perodo de normal desenvolvimento e agora entrou em um perodo de crise terminal. (WALLERSTEIN, 2004, p. 54).

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    O sistema capitalista registra seus ciclos com um padro de ocorrncia de revolues industriais e/ou revolues tecnocientficas. A cada revoluo, perceptvel a emergncia de um Estado ou de um grupo de Estados que a lideram ou so bero delas.

    Na histria do capitalismo ocorreram trs revolues industriais. A primeira a originria na Inglaterra do sculo XVIII e XIX, maturando plenamente entre 1820 e 1830 e tornando este pas bero o centro hegemnico do capitalismo de ento. (CANO, 1995).

    Uma conjuno muito especfica de fatores levou a Inglaterra a ser o bero do capitalismo em sua forma madura e o primeiro pas a industrializarse. Esses fatores foram de ordem geogrfica, econmica, poltica, social e cultural. A posio geogrfica insular do pas ajudou-o a preservar-se da devastao de guerras, pois mesmo quando esteve envolvida em alguma batalha, a luta se deu em territrio de outros Estados. Os recursos naturais encontrados na Gr-Bretanha tambm foram essenciais para que a industrializao avanasse. Havia, em solo ingls, grandes jazidas de carvo (fonte primria de energia para as fbricas) e de ferro (matria-prima essencial para a produo de bens industriais). (VIZENTINI; PEREIRA, 2008, p. 19).

    A segunda revoluo industrial ocorre com o esgotamento da primeira e estendese desde o final do sculo XIX, passando pela primeira Guerra Mundial e se concretizando com a multiplicao do fordismo e do taylorismo como tcnicas de produo, o que significou a passagem da hegemonia da Inglaterra para os Estados Unidos da Amrica (EUA).

    A terceira revoluo industrial comea a emergir da crise do modelo de produo e consumo em massa do fordismo como um modelo de desenvolvimento, e coloca, num primeiro momento, Japo e Alemanha na sua dianteira, depois acompanhados pelos EUA e demais pases centrais e semiperifricos.

    As revolues industriais e cientficotecnolgicas redefinem a diviso internacional do trabalho, a competitividade intercapitalista e, no caso da sua ltima ocorrncia, da acelerao do processo de globalizao.

    A nova diviso internacional do trabalho, a par de suas especificidades intrnsecas, constitui, sobretudo, uma manifestao da crescente concorrncia internacional que caracteriza o processo de reestruturao econmica capitalista. Para as naes de desenvolvimento maduro, retomar o crescimento implica competir e vencer o rival. Assim, a competitividade passa a ser o motor da globalizao, tal como, no incio do sculo XX, o fora a noo de progresso, e, aps a II Guerra Mundial, a de desenvolvimento.

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    Captulo 2

    Maior competitividade significa alcanar maior produtividade, o que, por sua vez, obtido incrementando-se o emprego de tecnologia e reduzindo os custos de matria-prima e modeobra. Assim, configurase a Revoluo CientficoTecnolgica (RCT), fenmeno que se torna um instrumento primordial da globalizao. (VIZENTINI, 1999, pp. 22-23).

    Dos ciclos originados pela ocorrncia das revolues industriais tambm ocorrem deslocamentos dos centros hegemnicos de um ou um grupo de Estados para outro, compondo os elementos definidores da ordem no sistema internacional. Esse movimento diferenciase de seu anterior verificado historicamente, conforme explica Vizentini:

    No sculo XV o mundo ainda era dividido em plos regionais autnomos, quase sem contatos entre si. Entre eles podemos mencionar os Astecas, os Maias, os Incas, a cristandade da Europa Ocidental, o mundo rabe-islmico, a Prsia, a China, o Japo, a ndia e imprios da frica Negra, como Zimbbue. Seguramente o plo mais desenvolvido, na poca, era a China. E importante notar que, antes do surgimento do capitalismo, as crises econmicas, que produzem ondas de instabilidade e novas relaes e acomodaes, no possuam qualquer regularidade. Alm disso, eram crises de escassez, e no de superproduo, como passou a ocorrer desde o sculo XV no sistema capitalista. (VIZENTINI, 1999, PP. 22-23).

    Do sculo XV ao XVIII, ocorre a formao do sistema mundial sob impulso do capitalismo na Europa.

    As monarquias dinsticas do nascente capitalismo, os reinos europeus iniciam a expanso comercial. As monarquias dinsticas, legitimadas como atores principais das relaes internacionais pela Paz de Westflia (1648) e apoiadas no capitalismo comercial, protagonizaram a estruturao de um sistema mundial liderado sucessivamente por Portugal, Espanha, Holanda e Frana. A sucesso de cada uma delas pela seguinte era acompanhada por uma expanso e aprofundamento do sistema. (VIZENTINI, 1999, pp. 9-10).

    A partir do sculo XVIII que se formam estruturas hegemnicas sob a condio de liderana de uma potncia, quase sempre coincidente com sua posio no desenvolvimento do capitalismo mundial. Assim, Vizentini e Wiesebron (2006) apontam para um ciclo de ordem e hegemonia no sistema mundial, que tem uma Pax Britnica de 1776 at 1890, dali a um perodo de crise hegemnica e guerras que se estendem at a II Guerra mundial. A partir desta guerra, inicia-se a Pax Americana,

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    numa ordem bipolar at o final da dcada de oitenta, incio da dcada de noventa, quando se tem, ento, o perodo de indefinies entre unipolaridade ou multipolaridades como ordenamento principal no sistema internacional.

    Segundo Wallerstein, o capitalismo sempre foi um sistema social-histrico que, ao se constituir, expande-se e se torna predominante nas relaes de produo da existncia humana.

    O capitalismo , em primeiro lugar e principalmente, um sistema social histrico. Para entender suas origens, formao e perspectivas atuais, precisamos examinar sua configurao real. Podemos tentar captla por meio de um conjunto de afirmaes abstratas, mas seria tolo uslas para avaliar e classificar a realidade. Por isso, tentarei descrever o que o capitalismo tem sido na prtica, como tem funcionado como sistema, por que se desenvolveu das maneiras como se desenvolveu e qual seu rumo atual. (WALLERSTEIN, 2001, p. 13).

    Na perspectiva do capitalismo histrico, Wallerstein desenvolveu sua anlise do sistema capitalista como formador de uma economia-mundo, caracterizada por centros de poder, os Estados, que disputam posies hegemnicas no sistema. Nesse sentido, a base do sistema o capitalismo como modo de produo, sendo os Estados nacionais a expresso de especficas formaes sociais dentro do capitalismo. Cada Estado uma formao social especfica que, por sua vez, representa um determinado grau de desenvolvimento das foras produtivas, da economia e de suas determinadas superestruturas, como leis e instituies.

    Ao expressar a importncia do materialismo histrico para as relaes internacionais, Halliday resume esta perspectiva indicada por Wallerstein:

    Os conceitos gerais de modo de produo e de formao social vinculam a anlise de qualquer atividade humana ao contexto socioeconmico e no a partir da sua abstrao. No existe, portanto, nenhum Estado, nenhuma crena, nenhum conflito, nenhum poder em geral independente deste contexto. Por extenso, no existe nenhum sistema internacional ou qualquer componente de sua atividade, seja a guerra ou a diplomacia, que possa ser abstrado do modo de produo. Na verdade, as relaes internacionais so o estudo das relaes entre as formaes sociais e no das relaes entre os Estados. A partir do momento em que se aplica esta percepo s questes do internacional, uma clara mudana de foco visvel. Assim, o Estado no mais percebido como uma corporificao do interesse nacional ou da neutralidade judicial, mas sim como locus dos interesses de uma sociedade especfica ou de uma formao social definida por sua estrutura socioeconmica. (HALLIDAY, 1999, p.74).

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    Captulo 2

    Quando se observa a formao dos pases com diferentes graus de desenvolvimento capitalista, percebem-se diferentes formaes sociais, que possuem insero diferente no capitalismo histrico. Nesse contexto, Inglaterra o bero do capitalismo e Brasil um pas de economia capitalista no atrasada, mas tardia em relao ao centro do sistema.

    Neste sentido,

    A histria do sistema tambm vista com outros olhos: o sistema interestatal moderno emergiu em um contexto de disseminao global do capitalismo e da subjugao das sociedades pr-capitalistas. Simultaneamente, este sistema socioeconmico sustentou o carter individual dos Estados e as suas relaes: nenhuma anlise das relaes internacionais possvel sem referncia ao capitalismo, s formaes sociais por ele geradas e ao sistema mundial. (HALLIDAY, 1999, p.75).

    A Economia-mundo capitalista produz e tende a reproduzir relaes centro-periferia, alm de forjar uma semiperiferia. Esta semiperiferia teria um papel fundamental na estabilizao do sistema, ao mesmo tempo em que seria a mediadora das contradies entre o centro e a periferia. Estaria, desta forma, na iminncia de alcanar o grau de desenvolvimento do centro, sendo, muitas vezes, vista pela periferia como um produto do centro, ou um subimperialismo.

    Na condio de semiperiferia est o Brasil, cujas condies de alcance do status de potncia permeiam sua histrica ao internacional. O pas entrou tardiamente no sistema capitalista e nas revolues industriais e dessa perspectiva que pensa sua posio e busca alcanar seus objetivos de desenvolvimento. com base nessa posio que a poltica externa atua no mbito internacional, e usa, entre outras estratgias, os processos de integrao.

    Outra caracterstica importante do sistema internacional j citada anteriormente a convivncia entre Estados. A ideia de Estado Nacional, ou EstadoNao, fica bastante fortalecida com a Paz de Westflia, datada de 1648. O evento em si no reconhecido como um marco divisrio entre a existncia ou no de um sistema internacional, que, como apontado, forma-se a partir das grandes navegaes e da conformao do capitalismo. Mas Westflia tem uma significativa importncia para o prprio sistema capitalista que, segundo Arrighi (1996), criou as condies de materializao das suas potencialidades, entre elas a liberalizao do fluxo de comrcio exterior, tendo forjado um sistema mundial.

    O sistema mundial de governo criado em Westflia teve tambm um objetivo social. medida que os governantes legitimaram seus respectivos direitos absolutos de governo sobre territrios

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    mutuamente excludentes, estabeleceu-se o princpio de que os civis no estavam comprometidos com as disputas entre os soberanos. A aplicao mais importante desse princpio deu-se no campo do comrcio. Nos tratados que se seguiram ao Tratado de Vestfalia, inseriu-se uma clusula que visava a restabelecer a liberdade de comrcio, abolindo as barreiras comerciais que se haviam desenvolvido no curso da Guerra dos Trinta Anos. [...] Essa reorganizao do espao poltico a bem da acumulao do capital marcou o nascimento, no s do moderno sistema interestatal, mas tambm do capitalismo como sistema mundial. (ARRIGHI, 1996, pp. 45-46).

    Alguns elementos so pouco controversos quanto s caractersticas do Sistema Internacional. Destaca-se que ele formado por Estados que possuem poder sob seus respectivos territrio e povo, mas no existe um poder superior ou supranacional a este sistema de Estados que seja seu ordenador. Da vem a ideia de que o Sistema Internacional anrquico.

    No entanto, ser anrquico no significa a falta de ordem; ao contrrio, como visto anteriormente. No h nada alm da fora e da poltica que faa prevalecer a vontade de um Estado ou de um grupo de Estado sobre outro ou outros Estados, mesmo contra a vontade deste/s. Isso coloca uma problemtica maior para o entendimento do papel e do alcance dos organismos internacionais na

    tentativa de regulao da economia e da poltica no mbito internacional, como ser visto. A relao entre os Estados feita a partir do costume, dos acordos e tratados. Estes formam um Direito Internacional que, junto com as instituies internacionais, tambm criadas pelos Estados, possuem algumas prerrogativas que influenciam na ordem a partir de constrangimentos e incentivos ao dos Estados. Alm dos Estados, outros atores assumiram papel relevante no Sistema Internacional, como os organismos internacionais, as empresas transnacionais e as organizaes internacionais de carter internacional.

    Assim, h uma perspectiva de se estar vivendo uma ordem multipolar em blocos, que vem sendo definida a partir do fim da Guerra Fria, dentro da qual os processos de integrao regional ganham importncia singular, dando relevncia ao seu estudo e suas implicaes para o Brasil e a Amrica Latina e do Sul, em particular. Esta perspectiva ser estudada no prximo item.

    importante salientar que esta perspectiva de que o Sistema Internacional anrquico, apesar de no muito controverso, no unanimidade na literatura de Relaes Internacionais, apenas representa uma parcela importante dela e serve aos propsitos de entendimento do lugar e desenvolvimento dos processos de integrao.

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    1.2 Processos de integrao na dinmica de um mundo fragmentado

    Os processos de integrao podem ser interpretados como fenmenos advindos de diversas origens e com especfica periodicidade. Da mesma forma, podemse colocar os processos de integrao no rol dos movimentos de regionalismo nas relaes internacionais. Na periodicidade possvel distinguir dois grandes perodos, antes e depois da Segunda Guerra mundial. Antes, o regionalismo foi marcado por processos de unificao e criao de EstadosNao.

    Podese apontar a unificao da Alemanha e da Itlia no sculo XIX como fenmenos de integrao, na medida em que unificaram poderes dispersos em contiguidade territorial. Fenmeno conferido em Magnoli, a unificao alem foi um exemplo muito utilizado pelo Ministro das Relaes Exteriores do Brasil no governo Lula, Celso Amorim, para apontar que a integrao, desde este tempo, significa um processo que tem como carrochefe a rea econmica, a partir da ideia de uma unio aduaneira. de se notar que, no caso da Alemanha, a unificao iniciou na economia, mas se concretizou de fato com o aparato militar de um dos poderes em integrao.

    possvel verificar, a partir da experincia histrica que tem marco no sculo XVI, que o movimento de regionalismo e de integrao aparece como uma tentativa de dinamizao comercial e econmica, tendo como pilares Zonas de Preferncias Comerciais e Unio Aduaneira, conforme aponta Oliveira (2009).

    A marcha para a unificao comeou em 1834, com a criao do Zollverein, a unio alfandegria dos Estados alemes, que tinha por eixo a Prssia e exclua a ustria. Em 1862, a nomeao de Otto von Bismarck para chanceler da Prssia inaugurou a fase militar da unificao. Em aliana com a ustria, a Prssia derrotou a Dinamarca na Guerra dos Ducados (1864). Em seguida, a Prssia empreendeu a guerra contra a ustria (Guerra Austro-Prussiana de 1866) e constituiu a Confederao Germnica do Norte. Em 1870, eclodia a Guerra Franco-Prussiana, pela qual Bismarck obrigou os Estados germnicos do sul a se colocarem sob sua proteo. (MAGNOLI, 2004).

    Sobre as ondas de regionalismo no Ps-Segunda Guerra, comum falar-se de duas grandes ondas: uma da dcada de 50 at a dcada de 70, e outra a partir da dcada de 80, principalmente do seu final, com impulso significativo aps a dissoluo da Unio Sovitica, em 1989. importante salientar que esse movimento de regionalismo toma a forma de acordos de comrcio ou processos de integrao, mas significa, em ltima instncia, uma forma de insero

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    competitiva e de instrumentalizao poltica no sistema internacional, que pode ser entendida pela simples definio de bloco econmico, ou, como definido por Vizentini, de megablocos. Esse fenmeno seria produzido pela prpria acelerao da globalizao, fortalecendo os processos de fragmentao e regionalizao, as integraes reativas e ofensivas, liberalizantes e protecionistas, sendo a Unio Europeia um claro exemplo.

    Neste contexto, a estruturao dos megablocos, isto , dos processos de integrao econmica supranacional em escala regional, longe de significar uma harmonizao de interesses dentro de mercados abertos no plano mundial, representa em larga medida o contrrio: a liberalizao comercial entre os pases integrantes de cada bloco acompanhada pelo estabelecimento de um protecionismo ainda maior em relao ao resto do mundo. As consequncias s no foram mais graves at agora porque as rivalidades ocorrem dentro de um sistema fortemente interdependente. (VIZENTINI; PEREIRA, 2008, p. 225).

    No sentido de formao de blocos econmicos, podese classificar o fenmeno do regionalismo como uma acomodao advinda dos resultados das ondas longas de Mandel, similares aos j apontados ciclos de longa durao do sistema capitalista. Mandel esboou, no incio da dcada de 1970, quando j existiam muitos indcios de incio de um ciclo ou onda depressiva de longa durao, o que seriam as trs grandes tendncias para um reordenamento do sistema capitalista com a perda de flego do fordismo configurado como um modelo de desenvolvimento.

    A primeira tendncia o modelo do superimperialismo, que se assemelha s aes dos EUA aps o fim da Guerra Fria, que esto desestabilizando o sistema internacional e deslegitimando as instituies internacionais.

    Nesse modelo um nico poder imperialista exerce hegemonia tal que os outros poderes imperialistas perdem toda independncia real e seu status de pequenos poderes semi-coloniais. A longo prazo, esse processo no pode apoiar-se apenas na supremacia militar do poder superimperialista um predomnio que s poderia ser exercido pelo imperialismo norte-americano mas deve voltar-se para a propriedade e o controle diretos das regies produtivas e das concentraes de capital mais importantes, dos bancos e de outras instituies financeiras de outros lugares.(MANDEL, 1985, p. 233).

    A segunda o modelo do ultraimperialismo, que resultaria num Estado mundial supranacional imperialista, ultrapassando a noo de Estados-Nao e a prpria noo de Estado superimperialista, descritas anteriormente.

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    Nesse modelo a fuso internacional do capital foi to longe que desaparecem todas as diferenas crticas entre os interesses econmicos dos proprietrios de capital de diversas nacionalidades. Todos os capitalistas importantes espalharam a propriedade de seu capital, a produo e a realizao de mais-valia, bem como a acumulao de capital (novos investimentos) de forma eqitativa pelos vrios pases e pelas vrias partes do mundo que se tornam completamente indiferentes conjuntura particular, ao processo particular da luta de classes e s peculiaridades nacionais do desenvolvimento poltico de qualquer pas. [...] claro que o Estado imperialista no definharia; [...] Apenas este Estado no seria mais um Estado nacional imperialista, mas um Estado mundial supranacional imperialista. (MANDEL, 1985, p. 233-234).

    A terceira o modelo da concorrncia interimperialista contnua. Esse modelo o que mais desperta interesse neste captulo, e aponta para uma competio entre blocos econmicos. Apesar de Mandel definir apenas trs grandes blocos econmicos capitalistas, a trade EUA, Japo e Unio Europeia, possvel vislumbrar outros grandes atores e blocos neste cenrio, como a China, a ndia e a Amrica do Sul em processo de integrao.

    Nesse modelo, embora a fuso internacional de capital tenha sido suficiente para substituir grande nmero de grandes foras imperialistas independentes por pequenos nmeros de superpoderes imperialistas, a fora contrria do desenvolvimento desigual do capital impede a formao de uma verdadeira comunidade global de interesses capitalistas. A fuso de capital se d em nvel continental, mas desse modo a concorrncia imperialista intercontinental intensificase muito mais. (MANDEL, 1985, p. 234).

    Mas os processos de integrao possuem especificidades de interpretao importantes que devem ser vistas para alm da ideia de competio intercapitalista. Entre as interpretaes mais comuns sobre integrao, ressalta-se aqui uma nova esfera de ao coletiva entre Estados-Nao visando criao de melhores condies de insero internacional dos membros. esse um sentido importante a ser resgatado, pois indica, na linha de Mandel, mas ampliando para pases potncias mdias como o Brasil, a noo de formao de blocos econmicos, que podem estar configurando um tipo de cenrio predominante na atualidade, o de uma multipolaridade em blocos.

    Nesse processo que se insere a integrao sul-americana. Vale salientar que a ideia de blocos regionais pode estar tanto associada a uma viso liberal, como a uma viso de forte presena do Estado. A identificao de uma ou outra desta

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    caracterstica vai distinguir o tipo de integrao que est sendo feita, com reflexos nas suas instituies.

    Uma diversa interpretao associada de que os processos de integrao so formas de abrir espaos de valorizao do capital, ou seja, de lucro, cujos limites acabam ficando restritos com as barreiras impostas pelos Estados. A ideia de identidade regional e contiguidade geogrfica um componente essencial nos processos de integrao, e o objetivo de conciliao entre povos historicamente rivais guarda tambm seu lugar de importncia.

    Dessa forma, tanto o regionalismo aberto, arquitetado a partir do GATT/ OMC e dos acordos interblocos, quanto o regionalismo fechado, aquele com livre comrcio regional com proteo externa via Unio Aduaneira (tarifa externa comum), possuem a vertente de atender s necessidades de expanso de empresas em busca de novos horizontes de lucratividade. O fortalecimento de um esquema regional de integrao, por seu turno, d credibilidade

    para as economias da regio na atrao e manuteno de investimentos, bem como credencia seus membros a negociarem em bloco seus interesses nas relaes interblocos.

    nesse sentido geral que um processo de integrao pode transformar seus parceiros em um bloco econmico, j que este movimento lhes d tambm uma caracterstica de bloco poltico, agindo e negociando assim no mbito do sistema internacional. Esse movimento de blocos ou grupos em negociaes e atuaes no sistema internacional muito comum e conhecido.

    O que se enfatiza aqui que uma integrao pode dar uma consistente caracterstica de bloco econmico com fora poltica no sistema internacional, tornando as economias mais dinmicas internamente e mais competitivas para fora, resultando em fora poltica conjunta e, dessa condio, poder tornarse um polo de poder numa perspectiva de um sistema multipolar em blocos. A Unio Europeia o exemplo tpico dessa transformao de uma integrao num bloco de ao conjunta no cenrio internacional, e muito do reconhecido sucesso dessa integrao est associado a essa caracterstica.

    A esfera de insero internacional dos pases que conseguem resultados sinergticos em processos de integrao fechado vai alm dos econmicos. Eles atingem amplas instncias da poltica internacional, como a participao privilegiada em foros de negociao entre Estados ou em organizaes internacionais, bem como em alianas estratgicas nas mais diversas reas de interesse dos Estados.

    GATT da sigla em ingls para Acordo Geral de Tarifas e Comrcio, que vigorou at 1995, quando deu lugar Organizao Mundial do Comrcio, OMC.

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    Captulo 2

    Ou seja, da premissa de fortalecimento econmico, tanto simples acordos comerciais como acordos de preferncia tarifria ou de livre comrcio, e processos de integrao com aprofundamentos para Unio Aduaneira ou Mercado Comum, transformam arranjos econmicos, ou blocos econmicos, em blocos polticos. Isso nada mais que um processo de formao de grupos polticos no cenrio do Sistema Internacional.

    Resgatando algumas iniciantes acima sobre teorias de integrao, esses processos podem comear com zona de preferncia tarifria, passar a zonas de livre comrcio, a mercados comuns, bem como evoluir para formas mais avanadas de integrao total, como o caso da Unio Europeia. , no entanto, uma trajetria vivida nesta integrao europeia e decantada teoricamente, mas no uma trajetria necessria e inevitvel. O desenvolvimento de etapas de integrao uma deciso dos Estados nacionais que formam o processo, nunca uma necessidade intrnseca. Por outro lado, sendo uma deciso, algumas dessas etapas necessitam de certas caractersticas institucionais que as premissas tericas associadas e as experincias mostram como necessrias.

    As diferenas entre acordos comerciais e processos de integrao esto, principalmente, na vontade poltica de aprofundamento da interdependncia e complementaridade. Nos acordos comerciais ou zonas de livre comrcio, cujo exemplo maior o Tratado NorteAmericano de Livre Comrcio (NAFTA), temse como principal objetivo a ampliao dos mercados, da competio e da competitividade. J os processos de integrao so mais ambiciosos e preveem, alm destas fases e objetivos, um processo de complementaridade econmica e uma coordenao de polticas em vrias esferas, desde a comercial e macroeconmica esfera da segurana e defesa.

    Do ponto de vista das etapas de integrao, destaca-se a caracterstica das etapas clssicas com predomnio inicial econmico e finalizando com integraes polticas. Assim, geralmente a integrao comea com uma rea de Livre Comrcio, onde so feitas liberaes em termos de barreiras ao comrcio intrazona, criando a liberalizao da circulao de mercadorias. Depois, a integrao avana para uma Unio Aduaneira, que tem como caracterstica a existncia de uma tarifa externa comum entre os membros da integrao, e o incio de cooperao na rea de polticas macroeconmicas.

    Uma fase subsequente a da constituio de um Mercado Comum, que tem como caracterstica principal a livre circulao de pessoa