Sociologia Cap 01

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1 1 O que é Sociologia? O que é Sociologia? A imaginação sociológica 19 Estudando as pessoas e a sociedade 21 O desenvolvimento do pensamento sociológico 22 Teorias e perspectivas teóricas 22 Os fundadores da sociologia 23 Abordagens teóricas modernas 29 O pensamento teórico em sociologia 33 Níveis de análise: microssociologia e macrossociologia 33 Por que estudar sociologia? 35 Pontos fundamentais 36

Transcript of Sociologia Cap 01

  • 11O que Sociologia?O que Sociologia?

    A imaginao sociolgica 19Estudando as pessoas e a sociedade 21O desenvolvimento do pensamento sociolgico 22Teorias e perspectivas tericas 22Os fundadores da sociologia 23Abordagens tericas modernas 29O pensamento terico em sociologia 33Nveis de anlise: microssociologia e macrossociologia 33Por que estudar sociologia? 35Pontos fundamentais 36

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  • Vivemos em um mundo intensamente preocupante, mas repleto das mais extraordinrias promessas para o futuro. um mundo marcado por mudanas rpidas, conflitos profundos, tenses e divises sociais, bem como preocupaes cada vez maiores com o impacto destrutivo das sociedades humanas sobre o ambiente natural.

    Ainda assim, tambm temos novas oportunidades para controlar o nosso destino e moldar nossas vidas para me-

    lhor, que teriam sido inimaginveis para geraes passadas.

    Como surgiu este mundo? Por que nossas condies de vida so to diferentes das dos nossos pais e avs? Que

    rumos as sociedades tomaro no futuro? Se voc alguma vez se fez essas perguntas, considere-se um socilogo

    aprendiz. Essas questes so a principal preocupao da sociologia, um campo de estudo que, consequentemente,

    tem um papel fundamental a desempenhar na vida intelectual moderna.

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    A sociologia o estudo cientfico da vida humana, de grupos sociais, de sociedades inteiras e do mundo humano. uma atividade fascinante e instigante, pois seu tema de estudo o nosso prprio comportamento como seres sociais. O mbito da sociologia extremamente amplo, variando da anlise de encontros passageiros entre indivduos nas ruas investiga-o de relaes internacionais e formas globais de terrorismo.

    A maior parte das pessoas entende o mundo em funo das caractersticas que nos resulta familiares em nossa prpria vida famlia, amizades e trabalho. Porm, a sociologia de-monstra a necessidade de adotar uma viso muito mais ampla de nossas vidas para explicar por que agimos como agimos. Ela nos ensina que aquilo que consideramos natural, inevit-vel, bom ou verdadeiro pode no ser, e que as coisas que con-sideramos como normais so profundamente influenciadas por fatos histricos e processos sociais. Entender as maneiras sutis, porm complexas e profundas, em que nossas vidas in-dividuais refletem os contextos de nossa experincia social bsico para a perspectiva sociolgica.

    A imaginao sociolgicaAprender a pensar de maneira sociolgica olhar, em outras palavras, o quadro mais amplo significa cultivar a nossa imaginao. Estudar sociologia no apenas um processo rotineiro de adquirir conhecimento. Um socilogo algum que consegue se libertar da imediatez das circunstncias pes-soais e colocar as coisas em um contexto mais amplo. O tra-balho sociolgico depende daquilo que o autor americano C. Wright Mills, em uma expresso famosa, chamou de imagi-nao sociolgica (Mills 1970).

    A imaginao sociolgica exige que, acima de tudo, nos afastemos em nosso pensamento das rotinas familiares de

    nossas vidas cotidianas para enxerg-las como algo novo. Considere o simples ato de tomar uma xcara de caf. O que poderamos observar para falar, do ponto de vista sociolgi-co, sobre esse comportamento aparentemente desinteressan-te? Uma quantidade enorme de coisas.

    Podemos apontar, antes de mais nada, que o caf no apenas uma bebida. Ele tem valor simblico como parte de nossas atividades sociais cotidianas. Muitas vezes, o ritual as-sociado a tomar caf muito mais importante que o simples ato de consumir a bebida. Para muitos ocidentais, a xcara matinal de caf est no centro de uma rotina pessoal. Ela o primeiro passo essencial para comear o dia. O caf da ma-nh costuma ser seguido, mais adiante no dia, por um cafe-zinho com outras pessoas a base de um ritual social, e no apenas individual. Duas pessoas que marcam de se encontrar para tomar um caf provavelmente esto mais interessadas em se reunir e conversar do que naquilo que iro beber de verdade. Em todas as sociedades, beber e comer proporcio-nam ocasies para interao social e a encenao de rituais que oferecem um tema rico para estudo sociolgico.

    Em segundo lugar, o caf uma droga que contm ca-fena, que tem um efeito estimulante sobre o crebro. Muitas pessoas tomam caf pelo impulso extra que ele proporciona. Longos dias no escritrio ou madrugadas estudando tornam--se tolerveis com intervalos regulares para um caf. O caf uma substncia que leva ao hbito, mas os viciados em caf geralmente no so considerados pela maioria das pessoas em culturas ocidentais como usurios de drogas. Como o lcool, o caf uma droga socialmente aceitvel, ao passo que a ma-conha, por exemplo, no . Ainda assim, existem sociedades que toleram o consumo de maconha, ou mesmo de cocana, mas desaprovam o caf e o lcool. Os socilogos se interessam nas razes para essas diferenas e em como vieram a ocorrer.

    Encontrar amigos para um caf faz parte de um ritual social.

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    Em terceiro lugar, um indivduo que toma uma xcara de caf se encontra em meio a um complicado conjunto de relaes sociais e econmicas que se estende pelo mundo. O caf um produto que conecta pessoas em algumas das par-tes mais ricas e mais pobres do planeta: ele consumido em grandes quantidades em pases ricos, mas cultivado prin-cipalmente em pases pobres. Juntamente com o petrleo, o caf a mercadoria mais valiosa no comrcio internacional; ele a maior fonte de moeda estrangeira para muitos pases. A produo, o transporte e a distribuio de caf exigem transaes contnuas entre pessoas a milhas de distncia da-quele que bebe o caf. Estudar essas transaes globais uma tarefa importante da sociologia, pois muitos aspectos de nos-sas vidas hoje so afetados por influncias sociais e comuni-caes de mbito mundial.

    Em quarto lugar, o ato de bebericar um cafezinho pressu-pe um longo processo de desenvolvimento social e econmi-co. Juntamente com outros elementos conhecidos das dietas Ocidentais como o ch, bananas, batatas e acar refinado o caf somente passou a ser consumido amplamente a partir do final do sculo XIX, mesmo que j fosse considerado ele-gante entre a elite antes disso. Embora a bebida seja originria do Oriente Mdio, seu consumo em massa data do perodo da expanso Ocidental, h aproximadamente dois sculos. Pra-ticamente todo o caf que bebemos atualmente vem de reas

    como a Amrica do Sul e a frica, que foram colonizadas por europeus; de maneira alguma, ele uma parte natural da dieta Ocidental. O legado colonial teve um impacto enorme no desenvolvimento do comrcio global de caf.

    Em quinto lugar, o caf um produto que est no co-rao dos debates contemporneos sobre a globalizao, o comrcio internacional justo, os direitos humanos e a des-truio do meio ambiente. medida que o caf cresceu em popularidade, ele foi sendo marcado e politizado; as decises que os consumidores tomam sobre o tipo de caf que bebero e onde compr-lo se tornaram estilos de vida. As pessoas podem decidir tomar apenas caf orgnico, caf descafeinado ou caf que tenha sido negociado de forma justa por meio de esquemas que pagam o preo total de mercado para pequenos produtores em pases em desen-volvimento. Podem preferir ser fregueses de cafs inde-pendentes, em vez de redes de cafs como a Starbucks, e podem decidir boicotar o caf de pases com um perfil negativo de direitos humanos e ambiental. Os socilogos esto interessados em entender como a globalizao au-menta a conscincia das pessoas sobre questes que ocor-rem em cantos distantes do planeta e as leva a agir em suas prprias vidas com base nesse novo conhecimento. Para os socilogos, o ato aparentemente trivial de tomar caf difi-cilmente poderia ser mais interessante.

    O caf mais que apenas uma bebida agradvel para estes trabalhadores, cujas vidas dependem da planta do caf.

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    Estudando as pessoas e a sociedadeA imaginao sociolgica nos permite ver que muitos fatos que parecem dizer respeito apenas ao indivduo na verda-de refletem questes mais amplas. O divrcio, por exemplo, pode ser um processo muito difcil para algum que passa por um o que Mills chama de um problema pessoal. Po-rm, o divrcio tambm uma questo pblica importante em muitas sociedades ao redor do mundo. Na Gr-Bretanha, mais de um tero de todos os casamentos acaba em divrcio dentro de 10 anos. O desemprego, para usar mais um exem-plo, pode ser uma tragdia pessoal para algum que perde o emprego e no consegue encontrar outro. Ainda assim, ele vai muito alm da questo do desespero privado quando mi-lhes de pessoas em uma sociedade se encontram na mesma situao: uma questo pblica que expressa grandes ten-dncias sociais.

    Tente aplicar a imaginao sociolgica sua prpria vida. No necessrio pensar apenas em fatos perturbadores. Considere, por exemplo, por que voc est virando as pginas

    deste livro por que decidiu estudar sociologia? Talvez voc seja um estudante de sociologia relutante, que est cursando a disciplina apenas para satisfazer um requisito para uma car-reira futura. Ou pode estar entusiasmado para conhecer mais sobre a sua sociedade e a disciplina da sociologia. Seja qual for sua motivao, provvel que voc tenha muita coisa em comum, sem necessariamente saber, com outras pessoas que tambm estudam sociologia. Sua deciso privada reflete a sua posio dentro da sociedade.

    Ser que as caractersticas seguintes se aplicam a voc? Voc jovem? Branco? Tem de um nvel profissional? J fez, ou ainda faz, algum trabalho espordico para complementar sua renda? Voc quer encontrar um bom emprego quando concluir sua formao, mas no se dedica especialmente a estudar? Voc no sabe exatamente o que sociologia, mas pensa que tem a ver com a maneira como as pessoas agem em grupos? Mais de trs quartos das pessoas respondero sim a todas essas questes. Os estudantes universitrios no so tpicos da populao como um todo, mas tendem a ter ori-gens sociais mais privilegiadas. E suas posturas geralmente refletem aquelas de seus amigos e conhecidos. Nossas bases sociais tm muito a ver com o tipo de deciso que considera-mos apropriada.

    Nenhuma ou poucas caractersticas se aplicam a voc? Talvez voc tenha vindo de um grupo de minoria ou em si-tuao de pobreza. Talvez voc seja de meia-idade ou idoso. Da mesma forma, outras concluses provavelmente se apli-cam. provvel que voc tenha tido que batalhar para chegar onde est, talvez voc tenha tido que superar reaes hostis de amigos e outras pessoas quando disse a eles que pretendia estudar na faculdade ou talvez voc esteja combinando o en-sino superior com a maternidade em horrio integral.

    Embora sejamos todos influenciados pelos contextos so-ciais onde nos encontramos, nenhum de ns determinado totalmente por esses contextos em nosso comportamento. Possumos, e criamos, nossa prpria individualidade. tra-balho da sociologia investigar as conexes entre o que a so-ciedade faz de ns e o que fazemos de ns mesmos e da socie-dade. Nossas atividades estruturam o mundo social que nos rodeia e, ao mesmo tempo, so estruturadas por esse mundo social. O conceito de estrutura social um conceito impor-tante em sociologia. Ele se refere ao fato de que os contextos sociais de nossas vidas no consistem em variedades aleat-rias de fatos ou atos; eles so estruturados, ou padronizados, de maneiras distintas. Existem regularidades na maneira como agimos e nas relaes que temos uns com os outros.

    Todavia, a estrutura social no como uma estrutura fsica, como um prdio, que existe independentemente das aes humanas. As sociedades humanas esto sempre em processo de estruturao. Seus componentes bsicos seres humanos como voc e eu as reconstroem a cada momen-to. Considere novamente o caso do caf. Uma xcara de caf no chega em suas mos de forma automtica. Voc decide ir a um caf especfico e escolhe se vai tomar um latte ou um expresso. medida que toma essas decises, juntamente com milhes de outras pessoas, voc molda o mercado do caf e afeta as vidas dos produtores de caf que vivem talvez a mi-lhares de milhas de distncia, no outro lado do mundo.

    Os cafs do sculo XVIII eram centros de fofoca e intriga polti-ca para as elites sociais britnicas.

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    O desenvolvimento do pensamento sociolgicoQuando comeam a estudar sociologia, muitos estudantes ficam surpresos com a diversidade de abordagens que encontram. A sociologia nunca foi uma disciplina em que existe um corpo de ideias que todos aceitam como vlidas, embora haja ocasies em que certas teorias so mais aceitas que outras. Os socilogos muitas vezes discutem sobre como estudar o comportamento humano e a melhor maneira de interpretar os resultados das pesquisas. Por que isso ocorre? Por que os socilogos no che-gam a um consenso mais consistente, como os cientistas natu-rais parecem conseguir fazer? A resposta est ligada prpria natureza do nosso tema de estudo. A sociologia diz respeito s nossas prprias vidas e nosso comportamento, e estudar ns mesmos a coisa mais difcil e complexa que podemos fazer.

    Teorias e perspectivas tericasTentar entender algo to complexo quanto o impacto da in-dustrializao sobre as sociedades, por exemplo, aumenta a

    importncia da teoria para a sociologia. As pesquisas factu-ais mostram como as coisas ocorrem; porm, a sociologia no consiste apenas em coletar fatos, por mais importantes e inte-ressantes que possam ser. Por exemplo, fato que eu comprei uma xcara de caf hoje pela manh, que ela custou uma cer-ta quantidade de dinheiro e que os gros de caf usados para faz-la foram cultivados na Amrica Central. Contudo, em so-ciologia, tambm queremos saber por que as coisas acontecem e, para faz-lo, temos de aprender a construir teorias explica-tivas. Por exemplo, sabemos que a industrializao teve uma grande influncia na emergncia das sociedades modernas, mas quais so as origens e precondies para a industrializa-o? Por que encontramos diferenas entre sociedades em seus processos de industrializao? Por que a industrializao est associada a mudanas em formas de punio criminal ou em estruturas familiares e sistemas matrimoniais? Para responder essas questes, temos de desenvolver um pensamento terico.

    As teorias implicam a elaborao de interpretaes que podem ser usadas para explicar uma ampla variedade de si-tuaes empricas ou factuais. Uma teoria sobre a indus-trializao, por exemplo, deveria se preocupar em identificar

    Nesta pintura de Brueghel, existe um grande nmero de pessoas envolvidas em uma variedade de atividades bizarras. primeira vista, a pintura parece fazer pouco sentido. Todavia, seu ttulo, Provrbios holandeses, ajuda a explicar o seu significado: essa pintura mostra mais de 100 provrbios que eram comuns quando ela foi pintada no sculo XVI. Da mesma forma, os socilogos precisam da teoria como um contexto para ajud-los a tirar sentido de suas observaes.

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    as principais caractersticas que os processos de desenvolvi-mento industrial tm em comum e tentaria mostrar quais deles so importantes para explicar este desenvolvimento. claro, a pesquisa factual e as teorias jamais podem ser total-mente separadas. Somente podemos desenvolver explicaes tericas vlidas se formos capazes de test-las por meio de pesquisas factuais.

    Precisamos de teorias para nos ajudar a conferir sentido dos muitos fatos que observamos. Ao contrrio da afirmao popular, os fatos no falam por si mesmos. Muitos socilogos trabalham principalmente com pesquisas factuais, mas, a me-nos que sejam orientados por algum conhecimento terico, improvvel que seu trabalho consiga explicar a complexidade das sociedades. Isso se aplica mesmo a pesquisas realizadas ten-do-se como objetivo apenas o diagnstico prticos em mente.

    Muitas pessoas prticas tendem a suspeitar de tericos e gostam de se considerar p no cho demais para prestar ateno em ideias mais abstratas. Ainda assim, todas as deci-ses prticas tm alguma premissa terica por trs delas. O gerente de uma empresa, por exemplo, pode ter pouca con-siderao por teorias. Porm, toda abordagem atividade empresarial envolve pressupostos tericos, mesmo que sejam tcitos. Desse modo, o gerente pode pressupor que os empre-gados so motivados para trabalhar principalmente por cau-sa do dinheiro o nvel dos salrios que recebem. Essa uma interpretao terica subjacente do comportamento humano, ainda que seja equivocada, como as pesquisas em sociologia industrial tendem a demonstrar.

    Sem uma abordagem terica, no saberamos o que procu-rar ao comear a estudar ou ao interpretar nossos resultados ao final da pesquisa. Todavia, a explicao de evidncias factuais no a nica razo para a importante posio da teoria na so-ciologia. O pensamento terico deve responder a problemas gerais colocados pelo estudo da vida social humana, incluindo questes que so de natureza filosfica. Decidir o nvel at que ponto a sociologia deve seguir o modelo das cincias naturais e como devemos conceituar a conscincia, ao e instituies humanas so problemas que no tm solues fceis. Esses problemas foram tratados de maneiras diferentes nas vrias abordagens tericas que surgiram dentro da disciplina. Este captulo apresenta os fundadores da sociologia e descreve a maneira em que eles teorizaram sobre as sociedades modernas; o Captulo 3, Teorias e perspectivas em sociologia, apresenta uma viso geral mais atualizada do desenvolvimento da teori-zao sociolgica no decorrer do sculo XX e j no sculo XXI.

    Os fundadores da sociologiaNs, seres humanos, sempre fomos curiosos em relao s fontes do nosso prprio comportamento, mas, por milhares de anos, nossas tentativas de entender a ns mesmos basea-ram-se em modos de pensar transmitidos de gerao para gerao, expressados muitas vezes em termos religiosos. Por exemplo, antes da ascenso da cincia moderna, muitas pes-soas acreditavam que os deuses ou espritos eram a causa de fenmenos naturais, como terremotos e outros desastres natu-rais. Embora os escritores de perodos anteriores apresentas-sem vises do comportamento humano, o estudo sistemtico da sociedade um avano relativamente recente, cujo comeo

    data do final do sculo XVIII e comeo do XIX. A base das origens da sociologia est na srie de mudanas avassaladoras trazidas pela Revoluo Francesa e pela Revoluo Industrial em meados do sculo XVIII na Europa. O desmantelamento de modos de vida tradicionais causado por essas mudanas resultou nas tentativas de pensadores de entender e explicar como elas ocorreram e quais seriam suas consequncias pro-vveis. Para tal, os estudiosos foram levados a desenvolver no-vas compreenses dos mundos social e natural.

    Um desenvolvimento-chave foi a utilizao cincia em vez da religio para entender o mundo. Os tipos de questes que os pensadores do sculo XIX tentavam responder o que a natureza humana? Por que a sociedade estruturada como ? Como e por que as sociedades mudam? so quase os mesmos que os socilogos tentam responder hoje em dia. Todavia, nosso mundo moderno radicalmente diferente do mundo do passado, e tarefa da sociologia nos ajudar a en-tender este mundo e o que o futuro provavelmente nos trar.

    Augusto ComteNenhum indivduo nico pode fundar um campo inteiro de estudo, havendo muitos colaboradores no pensamento sociolgico inicial. Todavia, geralmente, atribui-se especial proeminncia ao autor francs Augusto Comte (1798-1857), mesmo que apenas por ter inventado a palavra sociologia. Comte originalmente usara o termo fsica social para des-

    Augusto Comte (1798-1857).

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    crever o novo campo, mas alguns de seus rivais intelectuais da poca tambm estavam usando esse termo. Comte queria dis-tinguir as suas ideias das deles e, ento, cunhou o termo so-ciologia para descrever a disciplina que desejava estabelecer.

    O pensamento de Comte refletia os acontecimentos tur-bulentos da sua era. A Revoluo Francesa de 1789 mudou a sociedade francesa significativamente, enquanto a dissemina-o da industrializao estava alterando as vidas tradicionais da populao. Comte tentou criar uma cincia da sociedade que pudesse explicar as leis do mundo social, assim como a cincia natural explicava o funcionamento do mundo fsico. Ainda que Comte reconhecesse que cada disciplina cientfica tem o seu prprio objeto de estudo, ele argumentava que esse estudo poderia ser feito usando-se a mesma lgica comum e mtodo cientfico adotados para revelar leis universais. Assim como a descoberta de leis no mundo natural nos permitira controlar e prever os acontecimentos ao nosso redor, descobrir as leis que governam a sociedade humana poderia nos ajudar a moldar o nosso destino e melhorar o bem-estar da humani-dade. Comte argumentava que a sociedade agia conforme leis invariveis, da mesma forma que o mundo fsico.

    A viso de Comte para a sociologia era de que ela se tornasse uma cincia positiva. Ele queria que a sociologia aplicasse os mesmos mtodos cientficos rigorosos ao estudo da sociedade que os fsicos e qumicos usam para estudar o mundo fsico. O positivismo sustenta que a cincia deve se preocupar apenas com entidades observveis que sejam co-nhecidas pela experincia direta. Com base em observaes cuidadosas, pode-se inferir leis que expliquem a relao en-tre os fenmenos observados. Compreendendo as relaes causais entre os fatos, os cientistas podem ento prever como sero os acontecimentos futuros. Uma abordagem positivista sociologia visa a produo de conhecimento sobre a socie-dade com base em evidncias empricas obtidas com observa-o, comparao e experimentao.

    A lei dos trs estgios de Comte assinala que as tentativas humanas de entender o mundo passam por estgios teolgi-cos, metafsicos e positivos. No estgio teolgico, o pensamen-to era guiado por ideias religiosas e pela crena de que a socie-dade era expresso da vontade divina. No estgio metafsico, que tomou frente por volta da poca da Renascena, a socieda-de passou a ser vista em termos naturais, e no sobrenaturais. O estgio positivo, anunciado pelas descobertas e realizaes de Coprnico, Galileu e Newton, estimulou a aplicao de tc-nicas cientficas ao mundo social. De acordo com essa viso, Comte considerava a sociologia como a ltima cincia a se desenvolver com base na fsica, na qumica e na biologia mas tambm como a mais significativa e complexa de todas as cincias.

    No final da sua carreira, Comte criou planos ambiciosos para a reconstruo da sociedade francesa em particular e para as sociedades humanas em geral, com base em seu ponto de vista sociolgico. Ele clamava pelo estabelecimento de uma religio de humanidade que abandonaria a f e o dogma, em favor de um embasamento cientfico. A sociologia esta-ria no centro da nova religio. Comte estava bastante ciente do estado da sociedade em que vivia, ele se preocupava com as desigualdades produzidas pela industrializao e a ameaa

    que elas representavam para a coeso social. A soluo de lon-go prazo, em sua viso, era a produo de um novo consenso moral, que ajudasse a regular, ou manter a integridade da so-ciedade, apesar dos novos padres de desigualdade. Embora a viso de Comte para a reconstruo da sociedade nunca tenha se realizado, sua contribuio para a sistematizao e unifica-o da cincia da sociedade foi importante para a profissiona-lizao da sociologia como uma disciplina acadmica.

    Emile DurkheimOs escritos de outro socilogo francs, Emile Durkheim (1858-1917), tiveram um impacto mais duradouro na socio-logia moderna do que os de Comte. Embora Durkheim tenha se baseado em certos aspectos da obra de Comte, ele pensava que muitas ideias de seu predecessor eram especulativas e va-gas demais, e que Comte no havia conseguido implementar seu programa estabelecer a sociologia com uma base cien-tfica. Durkheim considerava a sociologia uma nova cin-cia, que poderia ser usada para elucidar questes filosficas tradicionais, mediante anlise emprica. Como Comte antes dele, Durkheim argumentava que devemos estudar a vida so-cial com a mesma objetividade que os cientistas estudam o mundo natural. Seu famoso primeiro princpio da sociologia era estudar os fatos sociais como coisas. Com isso, ele queria dizer que a vida social pode ser analisada de forma to rigo-rosa quanto os objetos ou fenmenos da natureza.

    Emile Durkheim (1858-1917).

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    Os escritos de Durkheim cobriam uma ampla variedade de temas. Trs dos principais temas que ele abordou foram a importncia da sociologia como cincia emprica, a ascenso do indivduo e a formao de uma nova ordem social, e as fontes e o carter da autoridade moral na sociedade. Encon-traremos as ideias de Durkheim novamente em nossas dis-cusses sobre teorias sociolgicas, religio, desvio e crime, e trabalho e vida econmica.

    Para Durkheim, a principal preocupao intelectual da sociologia o estudo de fatos sociais. Ao invs de aplicar mtodos sociolgicos ao estudo de indivduos, os socilo-gos devem analisar os fatos sociais aspectos da vida social que moldam nossas aes como indivduos, como o estado da economia ou a influncia da religio. Durkheim argu-mentava que as sociedades tm uma realidade prpria que a sociedade mais que simplesmente aes e interesses de seus membros individuais. Segundo Durkheim, os fatos so-ciais so modos de agir, pensar ou sentir que so externos aos indivduos e tm sua prpria realidade margem da vida das percepes de pessoas individuais. Outro atributo dos fa-tos sociais que eles exercem um poder coercitivo sobre os indivduos. As pessoas no costumam reconhecer o carter condicionante dos fatos sociais. Isso ocorre porque as pessoas geralmente obedecem livremente os fatos sociais, acreditan-do que esto agindo por escolha prpria. De fato, segundo Durkheim, as pessoas simplesmente seguem os padres que so gerais sua sociedade. Os fatos sociais podem condicio-nar a ao humana de vrias formas, desde punio direta (no caso de um crime, por exemplo) rejeio social (no caso de comportamentos inaceitveis) e um simples mal-enten-dido (no caso de uso incorreto da lngua).

    Durkheim acreditava que os fatos sociais so difceis de estudar. Como so invisveis e intangveis, os fatos sociais no podem ser observados diretamente. Pelo contrrio, suas propriedades devem ser reveladas indiretamente, analisando seus efeitos ou considerando suas tentativas de expresso, como leis, textos religiosos ou regras de conduta escritas. No estudo dos fatos sociais, Durkheim enfatizava a impor-tncia de abandonar preconceitos e ideologias. Uma postura cientfica exige uma mente que esteja aberta s evidncias dos sentidos e livre de ideias preconcebidas vindas de fora. Durkheim sustentava que os conceitos cientficos somente podem ser gerados por meio da prtica cientfica. Ele desa-fiava os socilogos a estudar as coisas como elas realmente so e a construir novos conceitos que refletissem a verdadeira natureza do social.

    Como os outros fundadores da sociologia, Durkheim estava preocupado com as mudanas que em sua poca es-tavam transformando a sociedade. Ele se interessava particu-larmente pela solidariedade social e moral em outras pala-vras, aquilo que une a sociedade e a impede de cair no caos. A solidariedade mantida quando os indivduos conseguem se integrar aos grupos sociais e so regulados por um conjunto de valores e costumes compartilhados. Em sua primeira obra importante, A Diviso do Trabalho Social, Durkheim faz uma anlise das mudanas sociais, argumentando que o advento da era industrial significou a emergncia de um novo tipo de solidariedade (Durkheim 1984 [1893]). Com esse argumento,

    Durkheim contrastou dois tipos de solidariedade, mecnica e orgnica, e as relacionou com a diviso do trabalho o cres-cimento de distines entre as diferentes ocupaes.

    Segundo Durkheim, as culturas tradicionais com uma baixa diviso do trabalho se caracterizam pela solidariedade mecnica. Como a maioria das pessoas na sociedade tem ocu-paes semelhantes, elas so unidas pela experincia comum e crenas compartilhadas. O poder dessas crenas compartilha-das repressivo a comunidade rapidamente pune qualquer um que desafie os modos de vida convencionais. Dessa forma, existe pouco espao para a dissenso individual. A solidarie-dade mecnica, portanto, baseia-se no consenso e na similari-dade de crenas. As foras da industrializao e urbanizao, contudo, levaram a uma diviso cada vez maior do trabalho, que contribuiu para o rompimento dessa forma de solidarie-dade. Durkheim argumentava que a especializao de tarefas e a crescente diferenciao social nas sociedades avanadas leva-ria a uma nova ordem, caracterizando a solidariedade orgni-ca. As sociedades caracterizadas pela solidariedade orgnica se mantm pela interdependncia econmica das pessoas e por seu reconhecimento da importncia da contribuio dos ou-tros. medida que a diviso do trabalho se amplia, as pessoas se tornam cada vez mais dependentes umas das outras, pois cada pessoa precisa de bens e servios, fornecidos por indiv-duos em outras ocupaes. As relaes de reciprocidade eco-nmica e dependncia mtua passam a substituir as crenas compartilhadas para criar o consenso social.

    Karl Marx (1818-1883).

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    Ainda assim, os processos de mudana no mundo mo-derno so to rpidos e intensos que do vazo a grandes dificuldades sociais. Eles podem ter efeitos perturbadores so-bre estilos de vida tradicionais, costumes, crenas religiosas e padres cotidianos sem proporcionar novos valores claros. Durkheim relacionou essas condies perturbadoras com a anomia: sentimentos de falta de propsito, medo e desespero provocados pela vida social moderna. Os controles e padres morais tradicionais, que antes eram supridos pela religio, so totalmente desfeitos pelo desenvolvimento social moder-no, e isso deixa muitos indivduos sentindo que suas vidas cotidianas carecem de sentido.

    Um dos estudos mais famosos de Durkheim dizia respei-to anlise do suicdio (ver Estudos clssicos 1.1, a seguir). O suicdio parece ser um ato puramente pessoal, resultado da in-felicidade pessoal extrema. Todavia, Durkheim mostrou que fatores sociais exercem uma influncia fundamental sobre o comportamento suicida, sendo a anomia uma dessas influn-cias. As taxas de suicdio apresentam padres regulares a cada ano, e esses padres devem ser explicados sociologicamente.

    Karl MarxAs ideias de Karl Mark (1818-1883) contrastam nitidamente com as de Comte e Durkheim, mas, como eles, Marx procu-rou explicar as mudanas que estavam ocorrendo na sociedade durante a poca da Revoluo Industrial. Quando jovem, as ati-vidades polticas de Marx o colocaram em conflito com as au-toridades alems; depois de uma breve estadia na Frana, ele se exilou permanentemente na Gr-Bretanha. Marx testemunhou o crescimento de fbricas e da produo industrial, bem como as desigualdades resultantes. Seu interesse no movimento ope-rrio europeu e nas ideias socialistas refletia em seus escritos, que cobriam uma diversidade de temas. Grande parte do seu trabalho se concentrava em questes econmicas, mas, como sempre se preocupou em conectar os problemas econmicos com instituies sociais, sua obra era, e ainda , rica em vises sociolgicas. Mesmo seus crticos mais severos consideram seu trabalho importante para o desenvolvimento da sociologia.

    Capitalismo e luta de classeEmbora tenha escrito sobre vrias fases da histria, Marx concentrou-se principalmente nas mudanas nos tempos modernos. Para ele, as mudanas mais importantes estavam ligadas ao desenvolvimento do capitalismo. O capitalismo um sistema de produo que se diferencia radicalmente de todos os sistemas econmicos anteriores, envolvendo a pro-duo de bens e servios vendidos a uma ampla variedade de consumidores. Marx identificou dois elementos bsicos nas empresas capitalistas. O primeiro o capital qualquer re-curso, incluindo dinheiro, mquinas ou mesmo fbricas, que possa ser usado ou investido para criar recursos futuros. A acumulao do capital acompanha um segundo elemento, a mo de obra assalariada. A mo de obra assalariada refere--se ao conjunto de trabalhadores que no possuem os meios para sua sobrevivncia, mas que devem buscar emprego pro-porcionado pelos donos do capital. Marx argumentava que aqueles que possuem o capital capitalistas formam uma classe dominante, ao passo que a massa da populao forma

    uma classe de trabalhadores assalariados uma classe traba-lhadora. medida que a industrializao avanava, grandes quantidades de camponeses que se sustentavam trabalhando na terra se mudaram para as cidades em processo de expan-so ajudaram a formar uma classe trabalhadora industrial ur-bana. Essa classe trabalhadora tambm costuma ser chamada de proletariado.

    Marx acreditava que o capitalismo era um sistema ineren-temente classista, no qual as relaes de classe se caracterizam pelo conflito. Embora os donos do capital e trabalhadores de-pendam uns dos outros os capitalistas precisam da mo de obra e os trabalhadores precisam do salrio a dependncia muito desequilibrada. A relao entre as classes de explo-rao, pois os trabalhadores tm pouco ou nenhum controle sobre o seu trabalho, e os empregadores podem obter lucro apropriando-se do produto da mo de obra dos trabalhadores. Marx enxergou que o conflito de classe quanto aos recursos econmicos se tornaria mais agudo com o passar do tempo.

    Mudana social: a concepo materialista da histriaO ponto de vista de Marx baseia-se naquilo que chamou de concepo materialista da histria. Segundo essa viso, no so as ideias ou os valores que os seres humanos detm que so as principais fontes de mudanas sociais; ao invs disso, as mudanas sociais so primordialmente induzidas por in-fluncias econmicas. Os conflitos entre as classes propor-cionam a motivao para o desenvolvimento histrico eles so o motor da histria. Conforme escreveu Marx no co-meo do Manifesto Comunista, a histria de todas a socieda-des que existiram at nossos dias tem sido a histria da luta de classe (Marx e Engels 2001 [1848]). Embora Marx tenha concentrado sua ateno mais no capitalismo e na sociedade moderna, ele tambm analisou como as sociedades se desen-volveram no decorrer da histria. Segundo ele, os sistemas sociais fazem uma transio de um modo de produo para outro s vezes gradualmente, s vezes por uma revoluo como resultado de contradies em suas economias. Ele pro-ps uma progresso de estgios histricos que comea com as sociedades comunistas primitivas de caadores e coletores e passa pelos antigos sistemas escravagistas e sistemas feudais baseados na diviso entre proprietrios de terras e servos. O surgimento de mercadores e artesos marcou o comeo de uma classe comercial ou capitalista, que deslocou a nobreza proprietria de terra. De acordo com essa viso da histria, Marx argumentava que, assim como haviam se unido para derrubar a ordem feudal, os capitalistas tambm seriam su-plantados por uma nova ordem instalada: o comunismo.

    Marx teorizou a inevitabilidade de uma revoluo de tra-balhadores que derrubaria o sistema capitalista e anunciaria uma nova sociedade, na qual no haveria classes nenhuma diviso de grande escala entre ricos e pobres. Ele no quis dizer que todas as desigualdades entre os indivduos desapa-receriam, pelo contrrio, a sociedade no seria mais dividida em uma pequena classe que monopoliza o poder econmico e poltico e a grande massa de pessoas que recebem poucos benefcios pela riqueza que seu trabalho gera. O sistema eco-nmico passaria a ser de propriedade comum, e se estabele-ceria uma sociedade mais humana do que a que conhecemos

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    O problema de pesquisaUm dos aspectos mais inquietantes das nossas vidas o fenme-no do suicdio, que costuma deixar aqueles que ficam com mais perguntas que respostas. Por que certas pessoas decidem tirar suas prprias vidas? De onde vm as presses que elas sentem? Um dos primeiros clssicos sociolgicos que explora a relao en-tre o indivduo e a sociedade a anlise de Emile Durkheim sobre as taxas de suicdio, O suicdio: estudo de sociologia (Durkheim 1952 [1897]). Embora as pessoas se considerem como indivduos que exercem seu livre arbtrio e direito de escolha, seus compor-tamentos costumam seguir e ser moldados por padres sociais, e o estudo de Durkheim mostra que mesmo um ato to pessoal quanto o suicdio influenciado pelo que ocorre no mundo social.

    Antes do estudo de Durkheim, j haviam sido realizadas pesquisas sobre o suicdio, mas ele foi o primeiro a insistir em uma explicao sociolgica. Outros autores haviam reconhecido a influncia de certos fatores sociais no suicdio, mas, de um modo geral, recorriam raa, ao clima ou a transtornos mentais para explicar a probabilidade de um indivduo cometer suicdio.

    Segundo Durkheim, contudo, o suicdio era um fato social que somente poderia ser explicado por outros fatos sociais. A taxa de suicdio era mais que apenas o agregado de suicdios individuais era um fenmeno com propriedades que seguiam um padro. Por exemplo, as taxas de suicdio variam amplamente entre as sociedades do mundo (ver Figura 1.1).

    Ao analisar as estatsticas oficiais de suicdio na Frana, Durkheim observou que certas categorias de pessoas eram mais provveis de cometer suicdio do que outras. Ele descobriu, por exemplo, que havia mais suicdios entre os homens do que entre as mulheres, mais protestantes do que catlicos, mais ricos do que pobres e mais pessoas solteiras do que casadas. Durkheim tambm observou que as taxas de suicdio tendiam a ser mais

    baixas em tempos de guerra e mais altas em pocas de mudana ou instabilidade econmica. Por que isso ocorre?

    A viso de DurkheimEssas observaes levaram Durkheim a concluir que existem for-as sociais externas ao indivduo que afetam as taxas de suicdio. Ele relacionou a sua explicao ideia de solidariedade social e a dois tipos de vnculos dentro da sociedade integrao social e regulao social. Durkheim argumentava que as pessoas que eram bastante integradas em grupos sociais, e cujos desejos e aspiraes eram regulados por normas sociais, eram menos pro-vveis de cometer suicdio. Ele identificou quatro tipos de suic-dio, segundo a presena ou ausncia relativas de integrao e regulao.

    1. Os suicdios egostas so marcados por pouca integrao na sociedade e ocorrem quando o indivduo est isolado, ou quando seus laos com o grupo esto enfraquecidos ou rom-pidos. Por exemplo, as baixas taxas de suicdio entre os ca-tlicos podem ser explicadas pela fora da sua comunidade social, ao passo que a liberdade pessoal e moral dos protes-tantes significam que eles esto ss perante Deus. O casa-mento protege contra o suicdio, integrando o indivduo em uma relao social estvel, enquanto as pessoas solteiras permanecem mais isoladas na sociedade. A baixa taxa de suicdio durante os perodos de guerra, segundo Durkheim, pode ser considerada um sinal de maior integrao social ante um inimigo externo.

    2. O suicdio anmico causado pela falta de regulao social. Com isso, Durkheim estava se referindo s condies sociais da anomia, quando as pessoas ficam sem normas como re-sultado de mudanas rpidas ou instabilidade na sociedade.

    Estudos clssicos 1.1 O estudo de Durkheim sobre as taxas de suicdio

    (por 100.000, ano mais recentedisponvel 2006)

    Taxas de suicdio

    + 136,5 13 6,5sem dados 1000 milhas

    2000 km15001000

    500

    5000

    0

    Figura 1.1 Taxas globais de suicdio, 2002.Fonte: Organizao Mundial da Sade, 2002

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    atualmente. Marx argumentava que, na sociedade do futuro, a produo seria mais avanada e eficiente do que a produo sob o capitalismo.

    O trabalho de Marx teve uma profunda influncia no mundo do sculo XX. At apenas uma gerao atrs, mais de um tero da populao da terra vivia em sociedades, como a Unio Sovitica e os pases do Leste Europeu, cujos governos afirmavam derivar sua inspirao das ideias de Marx.

    Max WeberComo Marx, Max Weber (1864-1920) no pode ser simples-mente rotulado como socilogo; seus interesses e preocu-paes cobriam muitas reas. Nascido na Alemanha, onde passou a maior parte da sua carreira acadmica, Weber foi um indivduo muito estudioso. Seus escritos cobriam os cam-pos da economia, do direito, da filosofia e da histria com-parativa, alm da sociologia. Grande parte do seu trabalho tambm estava relacionada com o desenvolvimento do capi-talismo moderno e as maneiras em que a sociedade moderna era diferente de formas anteriores de organizao social. Por uma srie de estudos empricos, Weber props algumas das caractersticas bsicas das sociedades industriais modernas e identificou debates sociolgicos cruciais que permanecem centrais para os socilogos atualmente.

    Em comum com outros pensadores da sua poca, Weber buscou entender a natureza e as causas das mudanas sociais. Ele foi influenciado por Marx, mas tambm foi bastante crtico de algumas das principais vises de Marx. Ele rejeitava a con-cepo materialista da histria e considerava os conflitos de classe menos significativos do que Marx. Segundo a viso de Weber, os fatores econmicos so importantes, mas as ideias

    e os valores tambm tm um grande impacto nas mudanas sociais. A elogiada e discutida obra de Weber, A tica protes-tante e o esprito do capitalismo (1992 [1904-195]), prope que os valores religiosos especialmente aqueles associados ao puritanismo tinham importncia fundamental para criar uma perspectiva capitalista. Ao contrrio de outros pensado-res sociolgicos, Weber argumentava que a sociologia devia se concentrar na ao social, e no em estruturas sociais. Ele argumentava que a motivao e as ideias humanas eram as for-as por trs da mudana ideias, valores e opinies tinham o poder de causar transformaes. Segundo Weber, os indiv-duos tm a capacidade de agir livremente e de moldar o futuro. Ele no considerava, como Durkheim e Marx, que as estrutu-ras existiam fora ou independentemente dos indivduos. Pelo contrrio, as estruturas da sociedade eram formadas por uma complexa inter-relao de aes. E era trabalho da sociologia entender os significados por trs dessas aes.

    Alguns dos textos mais influentes de Weber refletem sua preocupao com a ao social, ao analisar a peculiarida-de da sociedade Ocidental em relao a outras civilizaes importantes. Ele estudou as religies da China, ndia e do Oriente Prximo e, no decorrer dessas pesquisas, fez gran-des contribuies para a sociologia da religio. Comparando os principais sistemas religiosos da China e da ndia com os do Ocidente, Weber concluiu que certos aspectos das crenas crists tiveram grande influncia na ascenso do capitalismo. Ele argumentava que a perspectiva capitalista nas sociedades Ocidentais no emergiu, conforme supunha Marx, apenas de mudanas econmicas. Na viso de Weber, as ideias e os va-lores culturais ajudaram a moldar a sociedade e nossos atos individuais.

    A perda de um ponto fixo de referncia para normas e dese-jos como em pocas de turbulncia econmica ou em dis-putas pessoais como o divrcio pode desestabilizar todo o equilbrio entre as circunstncias das pessoas e seus desejos.

    3. O suicdio altrusta ocorre quando um indivduo est in-tegrado demais os laos sociais so fortes demais e valoriza a sociedade mais do que a si mesmo. Nesse caso, o suicdio se torna um sacrifcio pelo bem maior. Os pilo-tos kamikaze japoneses ou homens-bomba islmicos so exemplos de suicdios altrustas. Durkheim considerava isso caracterstico de sociedades tradicionais, onde prevalece a solidariedade mecnica.

    4. O ltimo tipo de suicdio o suicdio fatalista. Embora Durkheim considerasse esse tipo de pouca relevncia con-tempornea, ele acreditava que resulta quando o indivduo regulado excessivamente pela sociedade. A opresso do indivduo resulta em um sentimento de impotncia ante o destino ou a sociedade.

    As taxas de suicdio variam entre as sociedades, mas apresen-tam padres regulares dentro das sociedades ao longo do tempo. Durkheim entendia isso como evidncia de que existem foras sociais consistentes que influenciam as taxas de suicdio. Uma anlise das taxas de suicdio revela como possvel detectar pa-dres sociais gerais em atos individuais.

    Pontos de crticaDesde a publicao de Suicdio, foram levantadas muitas objees ao estudo de Durkheim, particularmente em relao ao seu uso acrtico de estatsticas oficiais, sua rejeio de influncias no so-ciais no suicdio e sua insistncia em classificar todos os tipos de suicdio em uma mesma categoria. Algumas crticas mostraram que vitalmente importante entender os processos sociais en-volvidos em coletar dados sobre os suicdios, pois as definies e critrios de legistas influenciam o nmero de mortes registradas como suicdios. Por isso, as estatsticas sobre o suicdio podem ser bastante variveis entre as sociedades, no necessariamen-te por causa das diferenas no comportamento suicida, mas por causa das diferentes prticas que os legistas usam para registrar mortes inexplicadas.

    Relevncia contemporneaEntretanto, apesar dessas crticas legtimas, o estudo de Durkheim continua sendo um clssico. Ele ajudou a estabelecer a sociologia como uma disciplina com seu prprio tema de estudo estudo de fatos sociais e seu argumento fundamental em seu livro sobre o suicdio ainda mantm sua fora: que, para entender totalmente mesmo o ato aparentemente mais pessoal do suicdio, exige-se uma explicao sociolgica, em vez apenas de uma explicao ba-seada na anlise da motivao pessoal.

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    Um elemento importante na perspectiva sociolgica de Weber foi a ideia do tipo ideal. Os tipos ideais so mo-delos conceituais ou analticos que podem ser usados para se entender o mundo. No mundo real, os tipos ideias rara-mente, ou nunca, existem muitas vezes, apenas alguns dos seus atributos esto presentes. Todavia, essas construes hipotticas podem ser muito proveitosas, pois possvel en-tender qualquer situao do mundo real comparando-a com um tipo ideal. Dessa forma, os tipos ideais servem como um ponto de referncia fixo. importante mostrar que, com o tipo ideal, Weber no queria dizer que a concepo era um objetivo perfeito ou desejvel. Ao invs disso, Weber queria dizer que era uma forma pura de um certo fenmeno. We-ber usou os tipos ideais em seus escritos sobre formas de bu-rocracia e mercados econmicos.

    RacionalizaoSegundo a viso de Weber, a emergncia da sociedade mo-derna foi acompanhada por importantes mudanas em pa-dres de ao social. Ele acreditava que as pessoas estavam se afastando de crenas tradicionais fundamentadas em su-perstio, religio, costumes e hbitos antigos. Pelo contrrio,

    os indivduos estavam cada vez mais envolvidos em clculos racionais e instrumentais, que levavam em conta a eficincia e as consequncias futuras dos seus atos. Na sociedade in-dustrial, havia pouco espao para o sentimento e para fazer as coisas simplesmente porque vinham sendo feitas daquele modo h geraes. Weber descreveu o desenvolvimento da cincia, da tecnologia moderna e da burocracia coletiva-mente como racionalizao a organizao da vida social e econmica segundo os princpios da eficincia e com base no conhecimento tcnico. Se, nas sociedades tradicionais, a religio e os costumes antigos definiam as posturas e valores das pessoas, a sociedade moderna foi marcada pela raciona-lizao de um nmero cada vez maior de reas da vida, da poltica religio e atividade econmica.

    Segundo Weber, a Revoluo Industrial e a ascenso do capitalismo foram evidncias da tendncia mais ampla para a racionalizao. O capitalismo no dominado pelo confli-to de classe, como argumentava Marx, mas pela ascenso da cincia e da burocracia: organizaes de grande escala. We-ber considerava o carter cientfico do Ocidente como um de seus aspectos mais caractersticos. A burocracia, o nico modo de organizar grandes quantidades de pessoas efetiva-mente, expande-se com o crescimento econmico e poltico. Weber usou o termo desencantamento para descrever a maneira em que o pensamento cientfico no mundo moder-no havia varrido as foras do sentimentalismo do passado.

    Todavia, Weber no era totalmente otimista quanto ao resultado da racionalizao. Ele temia que a disseminao da burocracia moderna para todas as reas da vida nos aprisio-nasse em uma jaula de ferro, da qual haveria pouca chan-ce de escapar. A dominao burocrtica, ainda que baseada em princpios racionais, poderia esmagar o esprito humano, tentando regular todas as esferas da vida social. Ele se preo-cupava particularmente com os efeitos sufocantes e desuma-nizantes da burocracia e suas implicaes para o destino da democracia. A agenda aparentemente progressista da Era do Iluminismo do sculo XVIII, de progresso cientfico, aumen-tando a riqueza e a felicidade produzida enquanto rejeitava costumes tradicionais e supersties, tambm tinha um lado obscuro e com novos perigos.

    Abordagens tericas modernasOs primeiros socilogos estavam unidos em seu desejo de compreender as mudanas nas sociedades em que viviam. Porm, eles queriam fazer mais que apenas representar e interpretar os acontecimentos momentneos do seu tempo. Todos tentaram desenvolver maneiras de estudar o mundo social que pudessem explicar como as sociedades funciona-vam e quais eram as causas das mudanas sociais. Ainda as-sim, como j vimos, Durkheim, Marx e Weber empregaram abordagens bastante diferentes em seus estudos. Por exem-plo, onde Durkheim e Marx se concentram na intensidade de foras externas ao indivduo, Weber usa, como ponto de partida, a capacidade de os indivduos agirem de maneiras criativas sobre o mundo externo. Onde Marx aponta para a predominncia de questes econmicas, Weber considera significativa uma variedade muito mais ampla de fatores. Es-sas diferenas de abordagem persistiram atravs da histria

    Max Weber (1864-1920).

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    Embora Comte, Durkheim, Marx e Weber sejam, sem dvida, fi-guras fundadoras da sociologia, houve outros no mesmo perodo e em pocas anteriores cujas contribuies tambm deveriam ser levadas em conta. A sociologia, como muitos campos acadmicos, nem sempre cumpriu o seu ideal de reconhecer a importncia de cada pensador cujo trabalho tenha mrito intrnseco. Pouqussi-mas mulheres ou indivduos de minorias raciais tiveram a opor-tunidade de se tornar socilogos profissionais durante o perodo clssico do final do sculo XIX e comeo do XX. Alm disso, os poucos que tiveram a oportunidade de fazer pesquisa sociolgica de importncia duradoura foram negligenciados com frequncia. Pensadores importantes como Harriet Martineau e o estudioso muulmano Ibn Khaldun tm atrado a ateno de socilogos nos ltimos anos.

    Harriet Martineau (1802-1876)Harriet Martineau foi chamada a primeira sociloga, mas, como Marx e Weber, no pode ser considerada apenas uma sociloga. Ela nasceu e foi educada na Inglaterra e escreveu mais de 50 livros, alm de inmeros ensaios. Martineau hoje recebe o cr-dito de ter introduzido a sociologia na Gr-Bretanha, com sua traduo do tratado de Comte Filosofia positiva (ver Rossi 1973), considerado a obra fundadora do campo. Alm disso, Martineau fez um estudo sistemtico em primeira mo da sociedade norte--americana durante suas prolongadas viagens pelos Estados Unidos na dcada de 1830, que o tema do seu livro Society in America (Martineau 1962 [1837]). Atualmente, ela importante para os socilogos por vrias razes.

    Primeiramente, ela argumentava que, quando se estuda uma sociedade, deve-se enfocar todos os seus aspectos, incluindo as principais instituies polticas, religiosas e sociais. Em segundo

    lugar, ela insistia que a anlise de uma sociedade deve incluir um entendimento das vidas das mulheres. Em terceiro, ela foi a primeira pessoa a colocar um olhar sociolgico sobre questes an-tes ignoradas, incluindo o casamento, filhos, a vida domstica e religiosa e relaes raciais. Como escreveu uma vez: o quarto das crianas, o boudoir e a cozinha so excelentes escolas para apren-der os modos e maneiras de um povo (1962 [1837]). Finalmente, ela argumentava que os socilogos podem fazer mais que apenas observar; eles tambm devem agir de maneiras que beneficiem a sociedade. Como resultado, Martineau foi uma ativa proponente dos direitos das mulheres e da emancipao dos escravos.

    Ibn Khaldun (1332-1406)O estudioso muulmano Ibn Khaldun nasceu onde hoje fica a Tu-nsia e famoso por seus estudos histricos, sociolgicos e polti-cos. Ibn Khaldun escreveu muitos livros, sendo o mais conhecido sua obra em seis volumes, Muqqadimah (Introduo), concluda em 1378, e hoje considerada por alguns especialistas essencial-mente como uma das obras fundadoras da sociologia (ver Alatas 2006). O Muqqadimah criticava as abordagens e mtodos histri-cos existentes, que lidavam apenas com descrio, reivindicando, em vez disso, a descoberta de uma nova cincia da organizao social ou cincia da sociedade, capaz de chegar ao significado subjacente dos acontecimentos.

    Ibn Khaldun criou uma teoria do conflito social baseada em entender as caractersticas centrais das sociedades nmades e

    Estudos clssicos 1.2 Fundadores negligenciados da sociologia

    Harriet Martineau (1802-1876). Ibn Khaldun (1332-1406).

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    da sociologia. Mesmo quando os socilogos concordam em relao ao tema de anlise, eles muitas vezes fazem essa an-lise a partir de posies tericas diferentes.

    As trs abordagens tericas recentes analisadas a seguir o funcionalismo, a abordagem do conflito e o interacionis-mo simblico tm conexes com Durkheim, Marx e Weber, respectivamente. No decorrer deste livro, voc encontrar ar-gumentos e ideias que se baseiam e ilustram essas abordagens tericas.

    No Captulo 3, Teorias e perspectivas sociolgicas, retornamos em mais detalhe s principais abordagens tericas e analisamos o desenvolvimento da teoria sociolgica durante o sculo XX.

    FuncionalismoO funcionalismo diz que a sociedade um sistema comple-xo, cujas vrias partes atuam juntas para produzir estabilida-de e solidariedade. Segundo essa abordagem, a disciplina da sociologia deve investigar a relao de partes da sociedade entre si e com a sociedade como um todo. Podemos analisar crenas e costumes religiosos de uma sociedade, por exem-plo, mostrando como eles se relacionam com outras institui-es dentro dela, pois as diferentes partes de uma sociedade se desenvolvem em relao ntima entre si.

    Estudar a funo de uma prtica ou instituio social analisar a contribuio que aquela prtica ou instituio traz para a continuidade da sociedade. Os funcionalistas, incluindo Comte e Durkheim, costumavam usar uma ana-logia orgnica para comparar a operao da sociedade com a de um organismo vivo. Eles argumentam que as partes da sociedade funcionam juntas, assim como as vrias partes do corpo humano, para benefcio da sociedade como um todo. Para estudar um rgo corporal como o corao, precisamos mostrar como ele se relaciona com outras partes do corpo. Bombeando sangue pelo corpo, o corao desempenha um papel vital na manuteno da vida do organismo. De maneira

    semelhante, analisar a funo de um elemento social significa mostrar o papel que ele desempenha na manuteno da exis-tncia e sade de uma sociedade.

    O funcionalismo enfatiza a importncia do consenso moral, por manter a ordem e a estabilidade na sociedade. O consenso moral existe quando a maioria das pessoas de uma sociedade compartilha dos mesmos valores. Os funcionalis-tas consideram a ordem e o equilbrio como o estado normal da sociedade esse equilbrio social baseia-se na existncia de um consenso moral entre os membros da sociedade. Por exemplo, Durkheim argumentava que a religio reafirmava a adeso das pessoas a valores sociais nucleares, contribuindo assim para a manuteno da coeso social.

    At a dcada de 1960, o pensamento funcionalista prova-velmente era a principal tradio terica da sociologia, parti-cularmente nos Estados Unidos. Talcott Parsons (1902-1979) e Robert K. Merton (1910-2003), que se baseavam fundamen-talmente em Durkheim, foram dois de seus principais repre-sentantes. A verso de Merton do funcionalismo foi particu-larmente influente. Merton fez uma distino entre as funes manifestas e as funes latentes. As funes manifestas so aquelas conhecidas e pretendidas pelos participantes de um de-terminado tipo de atividade social. J as funes latentes so consequncias dessa atividade, das quais os participantes no esto cientes. Para ilustrar essa distino, Merton usou o exem-plo da dana da chuva realizada pela tribo hopi do Arizona e do Novo Mxico. Os hopi acreditavam que a cerimnia traria a chuva que precisavam para sua colheita (funo manifesta). por isso que a organizavam e participavam dela. Porm, a dana da chuva, segundo Merton, usando a teoria da religio de Durkheim, tambm tem o efeito de promover a coeso da sociedade hopi (funo latente). Uma parte importante da ex-plicao sociolgica, segundo Merton, consiste em descobrir as funes latentes de atividades e instituies sociais.

    Merton tambm distinguia entre funes e disfunes. Procurar os aspectos disfuncionais do comportamento so-cial significa concentrar-se em aspectos da vida social que desafiam a ordem de coisas existente. Por exemplo, seria um erro supor que a religio sempre funcional que ela contribui apenas para a coeso social. Quando dois grupos defendem religies diferentes ou mesmo verses diferentes da mesma religio, o resultado pode ser grandes conflitos sociais, causando perturbaes sociais disseminadas. Assim, guerras foram travadas entre comunidades religiosas como pode ser visto nas disputas entre protestantes e catlicos na histria da Europa.

    sedentrias de sua poca. Central sua teoria era o conceito de sentimento grupal ou solidariedade (asabiyyah). Os grupos e sociedades com um forte sentimento grupal eram capazes de do-minar e controlar aqueles que tinham formas mais fracas de soli-dariedade interna. Ibn Khaldun desenvolveu essas ideias na ten-tativa de explicar a ascenso e declnio dos Estados do Magrebe e rabes e, nesse sentido, pode-se considerar que ele estudou o processo de formao do Estado uma grande preocupao da sociologia histrica Ocidental. As tribos nmades de bedunos tendiam a ter um forte sentimento grupal, que possibilitava que

    superassem e dominassem os residentes das cidades, sedent-rios e mais fracos, e estabelecessem novas dinastias. Contudo, os benunos se estabeleceram em estilos de vida mais urbanizados e seu sentimento grupal e sua fora militar, antes fortes, dimi-nuram, deixando-os novamente abertos a ataques de inimigos externos. Isso fechava um longo ciclo na ascenso e declnio dos Estados. Ainda embora os historiadores e socilogos Ocidentais do final do sculo XIX e comeo do XX se referissem obra de Ibn Khaldun, foi somente nos ltimos anos que ela passou a ser considerada potencialmente significativa.

    REFLEXO CRTICAQue fatores podem explicar a omisso do trabalho sociolgi-co de Harriet Martineau sobre o casamento, os filhos e a vida

    domstica das mulheres no sculo XIX? Por que voc acha que as ideias de Ibn Khaldun, do sculo XIV, esto encon-

    trando um pblico novo no comeo do sculo XXI?

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    Nos ltimos anos, a popularidade do funcionalismo co-meou a diminuir, na medida em que suas limitaes se tor-nam visveis. Embora isso no se aplique a Merton, muitos pensadores funcionalistas (Talcott Parsons um exemplo) en-fatizavam indevidamente os fatores que levam coeso social, em detrimento daqueles que geram diviso e conflito. O foco na estabilidade e ordem significa que a diviso ou desigual-dade da sociedade baseadas em fatores como a classe, raa e gnero so minimizadas. Tambm existe menos nfase no papel da ao social criativa na sociedade. Muitos crticos ar-gumentam que a anlise funcional atribui s sociedades certas qualidade sociais que no possuem. Os funcionalistas muitas vezes escrevem como se as sociedades tivessem necessida-des e propsitos, mas esses conceitos somente fazem senti-do quando aplicados a seres humanos individuais.

    Perspectivas de conflitoComo os funcionalistas, os socilogos que empregam teorias de conflito enfatizam a importncia de estruturas dentro da sociedade. Eles tambm defendem um modelo abran-gente para explicar como a sociedade funciona. Todavia, os tericos do conflito rejeitam a nfase do funcionalismo no consenso. Ao invs disso, eles destacam a importncia das divises na sociedade. Desse modo, concentram-se em ques-tes de poder, desigualdade e luta. Eles tendem a considerar a sociedade composta de grupos distintos, que buscam seus prprios interesses. A existncia de interesses separados sig-nifica que o potencial de conflito est sempre presente e que certos grupos se beneficiam mais que outros. Os tericos do conflito analisam as tenses entre os grupos dominantes e dominados na sociedade e tentam entender como as relaes de controle se estabelecem e se perpetuam.

    Uma abordagem influente na teoria do conflito o mar-xismo, assim denominado por causa de Karl Marx, cujo tra-balho enfatizava o conflito de classe. Diversas interpretaes so possveis para as principais ideias de Marx e, atualmente, existem escolas de pensamento marxista que assumem posi-es tericas bastante diferentes. Em todas as suas verses, o marxismo difere da maioria das tradies em sociologia no sentido de que seus autores o consideram uma combinao de anlise sociolgica e reforma poltica. Eles acreditam que o marxismo prope um programa de mudana poltica radical.

    Entretanto, nem todas as teorias de conflito adotam uma abordagem marxista. Alguns tericos do conflito tambm fo-ram influenciados por Weber. Um bom exemplo o socilogo alemo contemporneo Ralf Dahrendorf (1929-). Em seu traba-lho clssico Class and Class Conflict in Industrial Society (1959), Dahrendorf argumenta que os pensadores funcionalistas so-mente consideram um lado da sociedade aqueles aspectos da vida social em que h harmonia e entendimento. To importan-tes, ou ainda mais, so as reas marcadas por conflito e diviso. O conflito, segundo Darhendorf, advm principalmente dos interesses diferentes que os indivduos e grupos possuem. Marx contemplava as diferenas de interesse principalmente em ter-mos de classe, mas Darhendorf as relaciona de um modo mais amplo com a autoridade e o poder. Em todas as sociedades, exis-te uma diviso entre aqueles que detm a autoridade e aqueles que so excludos dela entre governantes e governados.

    Interacionismo simblicoO trabalho do filsofo social norte-americano G. H. Mead (1863-1931) teve uma importante influncia no pensamento sociolgico, particularmente por meio de uma perspectiva chamada interacionismo simblico. O interacionismo sim-blico parte de uma preocupao com a lngua e o significa-do. Mead afirma que a lngua permite que nos tornemos se-res autoconcientes cientes de nossa prpria individualidade e capazes de nos enxergar de fora, como os outros nos veem. O elemento-chave nesse processo o smbolo. Um smbo-lo algo que significa outra coisa. Por exemplo, as palavras que usamos para nos referir a certos objetos, na verdade, so smbolos que representam o que queremos dizer. A palavra colher o smbolo que usamos para descrever o utenslio que usamos para tomar sopa. Os gestos ou formas de co-municao no verbais tambm so smbolos. Abanar para algum ou fazer um gesto rude so atos que tm valor sim-blico. Mead argumentava que os seres humanos baseiam-se em smbolos e entendimentos compartilhados em suas inte-raes. Como os seres humanos vivem em um universo sim-blico rico, praticamente todas as interaes entre indivduos humanos envolvem uma troca de smbolos.

    O interacionismo simblico direciona a nossa ateno para os detalhes das interaes interpessoais e como os usa-mos para entender o que as pessoas dizem e fazem. Os soci-logos influenciados pelo interacionismo simblico enfocam as interaes presenciais nos contextos da vida cotidiana. Eles enfatizam o papel dessas interaes na criao da sociedade e de suas instituies. Max Weber tem uma influncia direta e importante nessa abordagem terica, pois, embora reconhe-cesse a existncia de estruturas sociais como classes, parti-dos, grupos de status e outros acreditava que essas estrutu-ras eram criadas por meio das aes sociais dos indivduos.

    Embora a perspectiva interacionista simblica possa ge-rar muitas ideias sobre a natureza das nossas aes no decor-rer da vida social cotidiana, ela foi criticada por ignorar as questes mais amplas do poder e da estrutura da sociedade, e como servem para condicionar a ao individual.

    Um exemplo clssico de interacionismo simblico que leva em conta as questes do poder e da estrutura em nossa socieda-de The Managed Heart: Commercialization of Human Feeling (1983), de Arlie Hotchschild, Hotchschild, uma professora de sociologia na Universidade da Califrnia, observou sesses de treinamento e fez entrevistas no centro de treinamento de co-missrias de bordo da Delta Airlines nos Estados Unidos. Ela assistiu as comissrias de bordo serem treinadas a controlar seus sentimentos, alm de aprenderem outras habilidades. Ho-tchschild lembra dos comentrios de um instrutor, um piloto, nas sesses de treinamento: garotas, quero que vocs saiam l fora e sorriam de verdade, o piloto instruiu. Seu sorriso o seu principal recurso. Quero que vocs saiam l fora e usem ele. Sorriam. Sorriam de verdade. Dediquem-se a ele.

    Em suas observaes e entrevistas, Hotchschild observou que, ma medida em que as economias Ocidentais se tornam cada vez mais baseadas na prestao de servios, preciso entender o estilo emocional do trabalho que fazemos. Seu estudo do treinamento para atendimento de clientes entre aeromoas pode parecer familiar para qualquer um que j te-

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    nha trabalhado na indstria de prestao de servios, talvez em uma loja, em um restaurante ou em um bar. Hotchschild chama esse treinamento de trabalho emocional o trabalho que exige que o indivduo controle seus sentimentos para criar uma expresso facial e corporal que possa ser observada (e aceita) publicamente. Segundo Hotchschild, as empresas para as quais voc trabalha no apenas fazem exigncias quanto aos seus movimentos fsicos, mas tambm em relao a suas emo-es. Seu sorriso pertence a elas enquanto voc trabalha.

    A pesquisa de Hotchschild abriu uma janela para um as-pecto da vida que a maioria das pessoas pensa que entende, mas que precisa ser compreendido em um nvel mais profun-do. Ela observa que os trabalhadores da indstria de servi-os como os trabalhadores braais muitas vezes tm uma sensao de distncia do aspecto especfico da sua pessoa que usam no trabalho. O brao do trabalhador braal, por exem-plo, pode parecer uma pea do maquinrio, e apenas inciden-talmente uma parte da pessoa que o mexe. Da mesma forma, as comissrias de bordo diziam a Hotchschild que seus sor-risos estavam nelas, mas no eram delas. Em outras palavras, essas trabalhadoras tinham uma sensao de distncia de suas prprias emoes. Isso interessante, quando consideramos o fato de que as emoes geralmente so vistas como uma parte profunda e pessoal de ns mesmos.

    O livro de Hotchschild uma demonstrao influente do interacionismo simblico e muitos outros estudiosos basea-ram-se em suas ideias. Embora ela tenha feito sua pesquisa em uma das economias de servios mais desenvolvidas do mundo os Estados Unidos as descobertas de Hotchschild se aplicam a muitas sociedades da era atual. Os empregos no setor de servios se expandem rapidamente em pases ao redor do mundo, exigindo que cada vez mais pessoas se dediquem ao trabalho emocional em seus locais de trabalho. Em certas culturas, como entre os esquims da Groenlndia, onde no existe a mesma tradio de sorrisos pblicos como no Oeste Europeu e na Amrica do Norte, o treinamento em trabalho emocional mostrou ser uma tarefa difcil. Nesses pases, os empregados do setor de servios s vezes devem participar de sesses de treinamento de sorriso, nada diferentes das que as comissrias de bordo da Delta Airlines precisam fazer.

    O pensamento terico em sociologiaPor enquanto neste captulo, estivemos preocupados com abor-dagens tericas, que se referem a orientaes amplas e gerais disciplina da sociologia. Porm, podemos fazer uma distino entre as abordagens tericas discutidas e as teorias reais. As teorias tm um foco mais restrito e so tentativas de represen-tar certas condies ou tipos de acontecimentos sociais. Elas geralmente se formam como parte do processo de pesquisa e, assim, sugerem problemas que as investigaes das pesquisas devem abordar. Um exemplo seria a teoria de Durkheim sobre o suicdio, discutida anteriormente neste captulo.

    Muitas teorias foram desenvolvidas em muitas reas de pesquisa diferentes em que os socilogos trabalham. s vezes, as teorias so formuladas de maneira precisa e, oca-sionalmente, so at expressadas na forma matemtica em-bora isso seja mais comum em outras cincias sociais (espe-cialmente em economia) do que na sociologia.

    Algumas teorias tambm so muito mais abrangentes que outras. Existem opinies dspares sobre se desejvel ou proveitoso que os socilogos se preocupem com buscas te-ricas muito amplas. Robert K. Merton (1957), por exemplo, argumenta vigorosamente que os socilogos devem concen-trar sua ateno naquilo que chama de teorias de nvel m-dio. Ao invs de tentar criar esquemas tericos grandiosos ( maneira de Marx, por exemplo), devemos nos preocupar em desenvolver teorias que sejam mais modestas.

    As teorias de nvel mdio so suficientemente especficas para que sejam testadas diretamente pela pesquisa emprica, mas suficientemente gerais para cobrir uma variedade de fe-nmenos diferentes. Um caso em questo a teoria da pri-vao relativa. Essa teoria reza que a maneira como as pes-soas avaliam suas circunstncias depende das pessoas com quem se comparam. Assim, os sentimentos de privao no esto ligados diretamente ao nvel de pobreza material que as pessoas experimentam. Uma famlia que reside em uma casa pequena em uma rea pobre, onde todos esto em cir-cunstncias mais ou menos semelhantes, provvel se sentir menos privada do que uma famlia que vive em uma casa se-melhante, mas em um bairro onde as outras casas so muito maiores, e as outras pessoas, mais ricas.

    De fato, verdade que, quanto mais ambiciosa e ampla uma teoria for, mais difcil ela ser de testar empiricamente. Ainda assim, parece no haver nenhuma razo bvia por que o pen-samento terico em sociologia deva se limitar ao nvel mdio.

    Avaliar teorias, e especialmente abordagens tericas, em sociologia uma tarefa desafiadora e formidvel. Os debates tericos, por definio, so mais abstratos do que as contro-vrsias do tipo mais emprico. O fato de que a sociologia no dominada por uma abordagem terica nica pode parecer um sinal de fraqueza, mas esse no o caso. O choque de abordagens tericas e teorias rivais uma expresso da vi-talidade da busca sociolgica. No estudo de seres humanos ns mesmos a variedade terica nos salva do dogma e da estagnao. O comportamento humano complicado e tem muitos lados, e bastante improvvel que uma abordagem terica nica pudesse cobrir todos os seus aspectos. A diver-sidade no pensamento terico proporciona uma rica fonte de ideias que podem ser usadas na pesquisa e que estimulam as capacidades imaginativas que so essenciais para o progresso e o trabalho sociolgico.

    Nveis de anlise: microssociologia e macrossociologiaUma distino importante entre as diferentes perspectivas tericas que discutimos neste captulo envolve o nvel de an-lise a qual cada uma direcionada. O estudo do comporta-mento cotidiano em situaes de interaes pessoais costuma ser chamado de microssociologia. J a macrossociologia a anlise de sistemas sociais de grande escala, como o siste-ma poltico ou a ordem econmica. Ela tambm compreende a anlise de processos de mudana de longo prazo, como o desenvolvimento do industrialismo. primeira vista, pode parecer que a microanlise e a macroanlise so distintas, mas, na verdade, as duas esto intimamente conectadas (Knorr-Cetina e Cicourel, 1981; Giddens, 1984).

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    A macroanlise essencial se quisermos entender a base institucional da vida cotidiana. As maneiras em que as pes-soas vivem suas vidas dirias so bastante afetadas pelo ar-cabouo institucional mais amplo, o que fica claro quando se compara o ciclo dirio de atividades de uma cultura, como o do perodo medieval, com a vida em um ambiente urbano industrializado. Nas sociedades modernas, estamos constan-temente em contato com estranhos. Esse contato pode ser indireto e impessoal. Porm, no importa quantas relaes indiretas ou eletrnicas tenhamos atualmente, mesmo nas sociedades mais complexas, a presena de outras pessoas per-manece sendo crucial. Mesmo que possamos decidir apenas enviar uma mensagem pelo correio eletrnico a um conheci-do, tambm podemos preferir voar a milhares de milhas para passar o fim de semana com um amigo.

    Os microestudos, por sua vez, so necessrios para ilu-minar padres institucionais amplos. A interao presencial, de forma clara, a base para todas as formas de organizao social, no importa o tamanho da escala. Suponhamos que es-tamos estudando uma corporao empresarial. Podemos en-tender muito sobre suas atividades apenas olhando o compor-tamento pessoal. Podemos analisar, por exemplo, a interao entre os diretores na sala da diretoria, das pessoas trabalhando em diversos escritrios, ou dos operrios no cho da fbrica. No construiramos um quadro de toda a corporao dessa forma, pois uma parte dos negcios feita por meio de mate-

    riais impressos, de cartas, do telefone e do computador. Ain-da assim, certamente, podemos contribuir significativamente para uma compreenso de como a organizao funciona.

    claro que as pessoas no vivem suas vidas como indi-vduos isolados, e nem suas vidas so determinadas comple-tamente por Estados nacionais. A sociologia nos conta que a nossa vida cotidiana vivida em famlias, grupos sociais, co-munidades e bairros. Nesse nvel o nvel meso (ou mdio) da sociedade possvel enxergar as influncias e os efeitos de fenmenos nos nveis micro e macro. Muitos estudos sociol-gicos sobre comunidades locais especficas lidam com o im-pacto macrossociolgico de grandes mudanas sociais, como a industrializao e a globalizao econmica. Todavia, eles tambm exploram a maneira como indivduos, grupos e mo-vimentos sociais lidam com essas mudanas e tentam us-las para seu benefcio. Por exemplo, quando o governo britnico decidiu reduzir o papel do carvo em sua poltica energtica na dcada de 1980, o impacto foi desastroso para muitas comuni-dades mineiras tradicionais, pois o modo de vida das pessoas foi ameaado pelo desemprego em grande escala (Waddington et al., 2001). Inicialmente, as comunidades mineiras se organi-zaram para protestar contra a poltica, mas, quando isso fracas-sou, muitos mineiros individuais buscaram treinamento para procurar emprego em outras indstrias. Esses estudos da vida social no nvel da comunidade podem proporcionar uma janela para se observar e entender a interao entre os nveis micro e

    Em muitas empresas do setor de servios, o controle das pessoas sobre a demonstrao pblica de suas emoes se tornou uma parte fundamental do seu treinamento.

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    macro da sociedade, e muitos trabalhos aplicados em sociologia ocorrem nesse nvel meso da realidade social.

    Nos prximos captulos, veremos outros exemplos de como a interao em microcontextos afeta processos sociais mais amplos, e como os macrossistemas influenciam ambien-tes mais restritos da vida social.

    Por que estudar sociologia?A sociologia tem vrias implicaes prticas para as nossas vidas, como enfatizou C. Wright Mills ao desenvolver sua ideia da imaginao sociolgica. Primeiramente, a sociologia nos traz uma conscincia de diferenas culturais que nos per-mite enxergar o mundo social a partir de perspectivas varia-das. Com frequncia, se entendermos como os outros vivem, tambm podemos adquirir uma compreenso maior de quais so os nossos problemas. As polticas prticas que no se baseiam em uma conscincia informada dos modos de vida de pessoas que afetam tero pouca chance de sucesso. Por exemplo, um assistente social branco trabalhando em uma comunidade predominantemente latino-americana no sul de Londres no ter a confiana das pessoas se no desenvolver uma sensibilidade para as diferenas em experincia social entre os membros de grupos diferentes no Reino Unido.

    Em segundo lugar, a pesquisa sociolgica proporciona ajuda prtica para avaliar os resultados de iniciativas pol-ticas. Um programa de reforma prtica pode simplesmente no alcanar aquilo que seus criadores queriam ou pode ter consequncias indesejadas. Por exemplo, nos anos aps a Segunda Grande Guerra, foram construdos grandes blocos de prdios para habitao pblica nos centros das cidades de muitos pases. Eles foram planejados para proporcionar pa-dres elevados de acomodao para grupos de baixa renda vindos de favelas, e tinham lojas e espaos comerciais e ou-tros servios cvicos por perto. Todavia, pesquisas mostraram que muitas pessoas que haviam mudado de suas residncias para os grandes prdios de apartamentos se sentiam isoladas e infelizes. Os prdios de apartamentos e centros comerciais em reas mais pobres foram depredados e proporcionaram locais para assaltos e outros crimes violentos.

    Em terceiro lugar e, de certa maneira, isso o mais im-portante, a sociologia pode nos proporcionar um autoesclare-cimento maior autocompreenso. Quanto mais soubermos sobre por que agimos como agimos e sobre o funcionamento geral da sociedade, mais provveis seremos de influenciar o nosso futuro. No devemos pensar que a sociologia somente ajuda aqueles que criam as polticas pblicas ou seja, os gru-pos poderosos a tomar decises informadas. No podemos pressupor que aqueles que ocupam posies de poder sempre consideraro os interesses dos menos poderosos ou despri-vilegiados nas polticas que criam. Os grupos esclarecidos podem se beneficiar com a pesquisa sociolgica, usando as informaes obtidas para responder de maneira efetiva a po-lticas governamentais ou criar iniciativas prprias em termos de polticas pblicas. Grupos de autoajuda como os Alcoolis-tas Annimos e movimentos sociais como o movimento am-bientalista so exemplos de grupos sociais que buscam dire-tamente trazer reformas prticas, com algum grau de sucesso.

    Por fim, deve-se mencionar que, como profissionais, muitos socilogos se preocupam diretamente com questes prticas. Pessoas com formao em sociologia so encontra-das atuando como consultores industriais, pesquisadores, planejadores urbanos, assistentes sociais e gerentes de recur-sos humanos, bem como em muitos outros empregos. Uma compreenso da sociedade tambm pode ajudar em carreiras futuras em Direito, Jornalismo, Administrao e Sade.

    Com frequncia, h uma conexo entre o estudo de so-ciologia e o despertar da conscincia social. Ser que os so-cilogos devem defender e promover ativamente programas de reforma ou mudana social? Alguns argumentam que a sociologia somente pode preservar a sua independncia in-telectual se os socilogos forem neutros em controvrsias morais e polticas. Ainda assim, ser que aqueles estudiosos que se distanciam dos debates atuais so necessariamente mais imparciais em sua avaliao das questes sociolgicas do que os outros? Nenhuma pessoa sociologicamente sofis-ticada pode ignorar as desigualdades que existem no mundo atualmente. Seria estranho se os socilogos no assumissem lados em questes polticas, e seria ilgico tentar bani-los de usar seu conhecimento para tal.

    Neste captulo, vimos que a sociologia uma disciplina em que muitas vezes deixamos de lado nossa viso pessoal do mundo, para olhar com mais cuidado as influncias que moldam nossas vidas e as de outras pessoas. A sociologia emergiu como uma busca intelectual especfica com o desen-volvimento das sociedades modernas, e o estudo dessas so-ciedades continua sendo uma preocupao central. Todavia, em um mundo global cada vez mais interconectado, os soci-logos devem adotar uma viso tambm global de seu objeto de estudo, para que consigam entend-lo e explic-lo adequa-damente. claro que os socilogos continuam preocupados com uma ampla variedade de questes sobre a natureza das interaes sociais e sociedades humanas em geral.

    Como veremos no Captulo 3, Teorias e perspectivas em sociologia, os problemas centrais que os socilogos abordam mudam juntamente com as sociedades que buscam explo-rar e entender. Durante o perodo dos fundadores clssicos da disciplina, os problemas centrais eram o conflito entre as classes sociais, a distribuio da riqueza, o alvio da pobre-za absoluta e relativa, a secularizao de crenas religiosas e a questo do rumo que o processo de modernizao estava tomando. No perodo contemporneo, ainda que a maioria dessas questes permanea, pode-se argumentar que os pro-blemas centrais da sociologia esto mudando. Atualmente, as sociedades deparam-se com os problemas criados pela rpida globalizao, degradao ambiental e seu impacto na sade e bem-estar humanos, a conscincia de riscos com consequn-cias potencialmente graves, como podemos criar modelos bem-sucedidos de multiculturalismo e da igualdade de g-nero genuna, para citar apenas alguns. Isso significa que os socilogos devero questionar se as teorias criadas para en-tender os diferentes problemas de um perodo anterior tero algum peso nos problemas que as sociedades de hoje enfren-tam. Se no tiverem, eles tero que criar novas teorias que consigam entender o que Karl Mannheim uma vez chamou de o segredo destes novos tempos. Os leitores podem espe-

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    rar que o debate contnuo sobre o status e a relevncia cont-nua das teorias sociolgicas clssicas e tentativas de construir novas teorias apaream no decorrer deste livro.

    A sociologia no apenas um campo intelectual abs-trato, mas tem importantes implicaes prticas para a vida das pessoas. Aprender a se tornar um socilogo no deve ser

    algo tedioso ou enfadonho. A melhor maneira de garantir que isso no ocorra abordar o tema de um modo imagina-tivo e relacionar as ideias e resultados sociolgicos com si-tuaes que ocorrem na sua prpria vida. Desse modo, voc deve aprender coisas importante sobre si mesmo, sobre a sua sociedade e sobre o mundo humano mais amplo.

    Outras leiturasPara quem novo na sociologia, Sociology: A Very Short Intro-duction de Steve Bruce (Oxford: Oxford University Press, 2000) um bom lugar para comear sua leitura. um guia breve, mas es-timulante. Depois disso, Thinking Sociologically de Zigmunt Bau-man e Tim May (Oxford: Blackwell, 2001) uma introduo mais envolvente para desenvolver e usar sua imaginao sociolgica, e o livro traz muitos exemplos cotidianos. Se eles o motivarem a procurar algo mais avanado, Foundations of Sociology: Towards a Better Understanding of the Human World (Basingstoke: Palgrave

    Macmillan, 2002) traz um argumento central sobre o papel da sociologia e dos socilogos na era da globalizao. No leitura fcil, mas vale a pena.

    Outro recurso valioso para todos os novatos na disciplina um bom dicionrio de sociologia, e existem vrias possibilida-des. Entre eles, o Oxford Dictionary of Sociology de John Scott e Gordon Marshall (Oxford: Oxford University Press, 2005) e The Penguin Dictionary of Sociology de Stephen Hill e Bryan Turner (London: Penguin Books, 2006) so fidedignos e abrangentes.

    Links da internetOutras informaes e ajuda com este livro na Polity Press:www.polity.co.uk/giddensThe International Sociological Association:www.isa-sociology.orgThe European Sociological Association:www.valt.helsinki.fi/esa/

    The British Sociological Association:www.britsoc.co.uk/Intute portal de informaes em cincias sociais, com muitos recursos para sociologia:www.intute.ac.uk/socialsciences/sociology/SocioSite Social Science Information System, baseado na Universidade de Amsterd:www.sociosite.net/index.php

    Pontos fundamentais 1. A sociologia o estudo sistemtico das sociedades hu-

    manas, com nfase especial, mas no exclusiva, nas sociedades modernas industrializadas.

    2. A prtica da sociologia envolve a capacidade de pensar de forma imaginativa e de se distanciar de ideias pre-concebidas sobre a vida social.

    3. A sociologia comeou como uma tentativa de entender as mudanas abrangentes que ocorreram nas sociedades humanas nos dois ou trs ltimos sculos, envolvendo no apenas mudanas de grande escala, mas tambm alteraes nos aspectos mais ntimos e pessoais da vida das pessoas.

    4. Entre os fundadores clssicos da sociologia, quatro fi-guras so particularmente importantes: Augusto Comte, Karl Marx, Emile Durkheim e Max Weber. Comte e Marx, que trabalharam em meados do sculo XIX, estabe-leceram algumas das questes bsicas da sociologia, elaboradas posteriormente por Durkheim e Weber. Essas questes dizem respeito natureza da sociologia e ao impacto da modernizao do mundo social.

    5. Um diversidade de abordagens tericas pode ser encon-trada na sociologia. As disputas tericas so difceis de resolver mesmo nas cincias naturais, mas, na sociolo-gia, enfrentamos dificuldades especiais por causa dos complexos problemas envolvidos em submeter o nosso prprio comportamento ao estudo.

    6. As principais abordagens tericas em sociologia so o funcionalismo, as perspectivas de conflito e o intera-cionismo simblico. Existem certas diferenas bsicas entre cada uma dessas abordagens, que tiveram muita influncia no desenvolvimento do tema no perodo do ps-guerra.

    7. Um modo de pensar sobre as abordagens da sociologia segundo o seu nvel de anlise. A microssociologia o estudo do comportamento cotidiano em encontros pre-senciais. A macrossociologia analisa os sistemas sociais de grande escala e sociedades inteiras. Contudo, os n-veis micro e macro esto intimamente conectados, e isso pode ser visto em estudos sobre comunidades e bairros o nvel meso (ou mdio) da vida social.

    8. A sociologia um tema com implicaes prticas impor-tantes. Ela pode contribuir de vrias maneiras para a cr-tica social e a reforma social prtica. A maior compreen-so das circunstncias sociais d a todos uma chance maior de control-las. Ao mesmo tempo, a sociologia proporciona o meio de aumentar a nossa sensibilidade cultural, permitindo que as polticas se baseiem em uma conscincia de valores culturais divergentes. Em termos prticos, podemos investigar as consequncias da ado-o de certos programas polticos. Por fim, e talvez mais importante, a sociologia propicia autoesclarecimento, oferecendo a grupos e indivduos uma oportunidade maior para entender e alterar as condies de suas pr-prias vidas.

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    Sugestes do revisor tcnicoOutras leiturasBAUMAN, Z.; MAY, T. Aprendendo a pensar com a sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

    LALLEMENT, M. Histria das idias sociolgicas. Rio de Janeiro: Vozes, 2003-2004. 2 v.

    LALLEMENT, M. Histria das idias sociolgicas: de Parsons aos contemporneos. Rio de Janeiro: Vozes, 2004. v. 2.

    OUTHWAITE, W.; BOTTOMORE, T. Dicionrio do pensamento social do sculo XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.

    Links da internetSociedade Brasileira de Sociologia:www.sbsociologia.com.br

    Associao Brasileira de Ps-graduao e Pesquisa de Cincias Sociais (ANPOCS):www.anpocs.org.br

    Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales:www.clacso.org.ar

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