Sociologia da educação

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Revista Linhas. Florianópolis, v. 15, n. 29, p. 232-250, jul./dez. 2014. p.232 e-ISSN 1984-7238 Os herdeiros: uma das principais “teses” da sociologia francesa da educação Resumo Os herdeiros (1964) figura, passados mais de 50 anos, como essencial à consolidação dos estudos sociológicos da educação. Explicitar algumas das razões para retomar esta obra num outro momento histórico, num outro espaço geográfico, num outro contexto cultural é o objetivo deste artigo. Nossa inspiração vem do fato de se tratar de uma obra que permanece contemporânea graças às questões que discute e que, no caso brasileiro, pode contribuir para a reflexão crítica das políticas educacionais mais recentes. Ao pôr em xeque a retórica da democratização da educação, ao vincular educação e cultura, desigualdades sociais e desigualdades escolares por meio de algumas teses, Os herdeiros apresenta uma força crítica incontornável à compreensão das instituições de ensino, podendo ser lida como um apelo ao engajamento dos intelectuais nas grandes causas sociais e educacionais, além de se constituir uma contribuição importante para os definidores das políticas para a educação nacional. Palavras-chave: Democratização da educação; Educação e cultura; Desigualdades sociais; Desigualdades escolares; Políticas educacionais. Ione Ribeiro Valle Doutora em Ciências da Educação pela Universidade René Descartes – Paris V Sorbonne – França [email protected] Para citar este artigo: VALLE, Ione Ribeiro. Os herdeiros: uma das principais “teses” da sociologia francesa da educação. Revista Linhas. Florianópolis, v. 15, n. 29, p. 232-250, jul./dez. 2014. DOI: 10.5965/1984723815292014232 http://dx.doi.org/10.5965/1984723815292014232

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  • Revista Linhas. Florianpolis, v. 15, n. 29, p. 232-250, jul./dez. 2014. p.232

    e-ISSN 1984-723

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    Os herdeiros: uma das principais teses da sociologia francesa da educao Resumo Os herdeiros (1964) figura, passados mais de 50 anos, como essencial consolidao dos estudos sociolgicos da educao. Explicitar algumas das razes para retomar esta obra num outro momento histrico, num outro espao geogrfico, num outro contexto cultural o objetivo deste artigo. Nossa inspirao vem do fato de se tratar de uma obra que permanece contempornea graas s questes que discute e que, no caso brasileiro, pode contribuir para a reflexo crtica das polticas educacionais mais recentes. Ao pr em xeque a retrica da democratizao da educao, ao vincular educao e cultura, desigualdades sociais e desigualdades escolares por meio de algumas teses, Os herdeiros apresenta uma fora crtica incontornvel compreenso das instituies de ensino, podendo ser lida como um apelo ao engajamento dos intelectuais nas grandes causas sociais e educacionais, alm de se constituir uma contribuio importante para os definidores das polticas para a educao nacional.

    Palavras-chave: Democratizao da educao; Educao e cultura; Desigualdades sociais; Desigualdades escolares; Polticas educacionais.

    Ione Ribeiro Valle

    Doutora em Cincias da Educao pela Universidade

    Ren Descartes Paris V Sorbonne Frana [email protected]

    Para citar este artigo: VALLE, Ione Ribeiro. Os herdeiros: uma das principais teses da sociologia francesa da educao. Revista Linhas. Florianpolis, v. 15, n. 29, p. 232-250, jul./dez. 2014. DOI: 10.5965/1984723815292014232 http://dx.doi.org/10.5965/1984723815292014232

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    p.233

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    The Inheritors: one of the main theses of the French sociology of Education Abstract The Inheritors (1964) remains, after more that 50 years, essential to the construction of the sociological studies in education. The aim of this article is to explain the reasons to retake the work in another historical moment, in another geographic space, in another cultural context. We draw our inspiration from the fact that it is a work that is still contemporary due to the questions it discusses and that, in the Brazilian context, to a critical reflection of the most recent educational policies. By showing the inconsistency of the rhetoric of democratization of education, by linking together education and cultural, social inequalities and school inequalities by means of certain theses, The Inheritors presents an inescapable to the understanding of the school institutions, and can be read as an appeal to the commitment of the intellectuals in big social causes, besides the fact that it constitutes an important contribution to those who define policies for the national education.

    Keywords: Democratization of education; Education and culture; Social inequalities; School inequalities; Educational policies.

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    Introduo

    Se o universo escolar evoca por mais de uma forma o universo do jogo,

    campo de aplicao de regras que somente valem quando se aceita jogar, espao e tempo limitados, delimitados, arrancados do mundo real no qual pesam os determinismos, porque, mais do que outro jogo, ele

    prope ou impe aos jogadores a tentao de prender-se no jogo levando a crer que coloca todo seu ser em jogo.

    Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron (1964)

    Hoje, como h meio sculo, Os herdeiros (1964) aparece como uma referncia

    essencial compreenso das desigualdades escolares; hoje, tanto quanto h 50 anos,

    aposta-se no ideal meritocrtico porque se acredita que so os dons e a performance

    escolar que possibilitam a cada um melhorar sua situao social; hoje, mais do que h

    meio sculo, apesar da paisagem educacional ter se modificado consideravelmente, esta

    obra figura como leitura imprescindvel quando se trata de desvelar lgicas de

    reproduo social, historicamente dissimuladas pelo poder simblico exercido pela

    escola.

    Estas seriam algumas das razes para ler Os herdeiros num outro momento

    histrico, num outro espao geogrfico, num outro contexto cultural. Estas tambm

    foram as principais motivaes para a traduo de mais esta obra de Pierre Bourdieu,

    elaborada em parceria com Jean-Claude Passeron. No se trata, evidentemente, de uma

    motivao ditirmbica ou de uma deciso obcecada pela abordagem multifacetada e

    polmica que caracteriza a obra. O que nos inspira , sobretudo, o desejo de conhecer

    uma espcie de libido sciendi o fio de ligao entre as obras dedicadas especificamente

    educao: Os herdeiros sendo a primeira obra deste qudruplo, seguida de A reproduo

    (publicada na Frana em 1970 e lanada no Brasil em 1975, num momento crtico da

    ditadura militar), de Homo academicus (publicada na Frana em 1984 e lanada no Brasil

    em 2011 pela Editora da UFSC) e de A nobreza de estado (publicada na Frana em 1989 e

    que ainda no foi traduzida para o portugus).

  • Ione Ribeiro Valle Os herdeiros: uma das principais teses da sociologia francesa da educao

    p.235

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    As duas primeiras obras (Os herdeiros e A reproduo) so fruto de uma parceria

    de mais de uma dcada entre Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron. Uma parceria que

    teve altos e baixos e que foi sintetizada por Passeron na seguinte frase: Com Bourdieu,

    contra Bourdieu. Esta frase, segundo ele, define com preciso a influncia que Bourdieu

    teve sobre sua trajetria de socilogo e de cientista social. Ela expressa tambm a

    contribuio de Bourdieu sobre todos os que trabalharam com ele ou entraram em

    contato com sua imaginao sociolgica.

    nesta imaginao sociolgica, inscrita numa tradio cientfica que foi ao

    mesmo tempo reativada e subvertida, que buscamos os elementos que vo orientar

    nossa reflexo neste momento. Ou seja, s tem sentido ler Os herdeiros meio sculo

    depois se considerarmos que se trata de uma obra que marca a mudana na trajetria da

    sociologia da educao, cincia que nos anos 1960 ainda se encontrava em seu estado

    embrionrio. Sabemos que o pensamento contemporneo est enraizado nos

    conhecimentos que antecederam o nosso tempo, ou, mais precisamente, no pensamento

    clssico. Nele encontramos as lentes que ajudam a compreender grande parte das

    questes que continuam desafiando pesquisadores e administradores da educao.

    Como se pode perceber uma das razes para ler Os herdeiros deve-se ao fato de

    se tratar de uma obra clssica. Para caracteriz-la como tal, apoiamo-nos na definio

    apresentada por talo Calvino (escritor italiano, 1923-1985, nascido em Cuba) na obra

    Porque ler os clssicos? (1981)1. Para Calvino (1993, p.7-8), dizem-se clssicos aqueles

    livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem

    uma riqueza no menor para quem se reserva a sorte de l-los pela primeira vez nas

    melhores condies de apreci-los

    Uma segunda razo para ler Os herdeiros sua contemporaneidade. Vivemos

    num mundo marcado por crises polticas, pela queda de alguns muros e edificao de

    outros, por rupturas epistemolgicas, pela reafirmao de doutrinas fundamentalistas

    que colocaram em xeque os grandes ideais que animaram at muito recentemente a

    chamada era moderna. Todavia, apesar dos inmeros avatares que tm atingido as

    1 Disponvel em , acesso em 09.03.2014.

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    ltimas dcadas, a Escola e, mais recentemente, a Universidade permanecem alvo das

    mais veementes demandas sociais. Embora as crticas sejam crescentes e cada vez mais

    contundentes, estas instituies continuam sendo consideradas como uma possibilidade,

    talvez a nica, de conquista da justia social num mundo dominado pelas mltiplas cores

    das injustias.

    No Brasil, medida que vivenciamos importantes mudanas econmicas, sociais,

    polticas e culturais, por longas dcadas reivindicadas, percebemos que o acesso Escola

    e a ampliao das oportunidades de formao superior, fruto de polticas educacionais

    voltadas democratizao da educao, em nenhum momento foram postos em dvida.

    Ao contrrio, o que vemos a passagem da escolarizao como obrigao (referimo-nos

    clssica obrigatoriedade escolar que remonta ao sculo XIX2) para a escolarizao como

    direito.

    Vale lembrar que numa sociedade democrtica os cidados so juridicamente

    iguais e, portanto, cada um potencialmente candidato s posies sociais e

    profissionais, indiferentemente de suas caractersticas pessoais e das suas condies de

    nascimento. E nessa dinmica de distribuio que a educao escolar permanece sendo

    considerada como uma instituio promotora da justia, pois cabe a ela preparar os

    indivduos, segundo seus dons e mritos, para a ocupao dessas posies.

    No entanto, sabemos que por meio das polticas de escolarizao que as

    desigualdades sociais tm se convertido em desigualdades escolares. E, apesar da

    literatura sociolgica mais recente revelar o alto grau de legitimidade da instituio

    escolar no que tange fundamentalmente promoo de desigualdades justas, constata-

    se sistematicamente que as posies sociais de maior prestgio so desigualmente

    distribudas, altamente hierarquizadas e valorizadas.

    No caso brasileiro, cada vez mais o prolongamento dos estudos e a obteno de

    diplomas que permitem o acesso a essas posies posto em perspectiva, como

    mostram as lutas pela escolarizao, da educao infantil ao ensino superior. O diploma

    aparece, portanto, como emblema da justia social e como dispositivo a ser

    2 Sobre a obrigatoriedade escolar no Brasil ver Vidal, S e Silva (2013).

  • Ione Ribeiro Valle Os herdeiros: uma das principais teses da sociologia francesa da educao

    p.237

    Linhas

    disponibilizado a todos porque ele a expresso mais legtima do mrito (individual).

    Com isso, como lembra Franois Dubet (2009, p. 21), se atribui escola a carga

    esmagadora de ser a nica instituio capaz de distribuir legitimamente os indivduos em

    posies desiguais.

    Como se pode ver, a contemporaneidade de Os herdeiros est no fato de revelar

    as contradies entre o que se promete e o que se realiza quando se trata de pr em

    prtica dois princpios (igualdade e meritocracia) fundantes das polticas educacionais.

    Estamos nos referindo, portanto, a finalidades-chave, retomadas e ressignificadas pelas

    diferentes polticas educacionais que atravessaram o sculo XX. Estes mesmos princpios

    esto na agenda das polticas para a educao do novo milnio e justificam projetos,

    programas e diversificadas aes governamentais. Vale ressaltar que a igualdade de

    acesso permanece associada a uma grande confiana na escola emancipadora e

    libertadora.

    De um continente a outro

    Ao pr a nu a vinculao direta e mecnica entre desigualdades sociais e

    desigualdades escolares, a obra Os herdeiros atira pimenta nos olhos dos legisladores e

    administradores da educao francesa da dcada de 1960. Desde ento, muitas

    mudanas foram introduzidas no sistema de ensino daquele pas; reformas se sucederam

    como reao ao fracasso comprovado das polticas de democratizao da educao

    denunciado em Os herdeiros.

    O que vemos hoje? Uma Frana que, passados 50 anos, foi elevando a barra de

    acesso aos nveis escolares (a meta hoje formar 50% da populao no nvel superior),

    sem, contudo, democratizar verdadeiramente a educao escolar. Os estudos continuam

    mostrando que os herdeiros so maioria nas posies escolares de prestgio, que os

    herdeiros ainda ocupam o que h de mais primoroso no sistema francs de educao,

    seja nos colgios, nos liceus, nas universidades ou nas grandes escolas; que os

    herdeiros continuam vivendo seu destino como vocao.

  • Revista Linhas. Florianpolis, v. 15, n. 29, p. 232-250, jul./dez. 2014. p.238

    Linhas

    E para ns brasileiros qual poderia ser a importncia de Os herdeiros? Ela est no

    fato de termos um sistema de ensino, da educao infantil educao superior, marcado

    por desigualdades que se cruzam e se multiplicam, impedindo dessa maneira de se

    vislumbrar, mesmo ao longo prazo, um processo de escolarizao o menos injusto

    possvel. Nosso sistema de ensino se caracteriza por um fosso profundo entre os

    princpios que regem a educao nacional a igualdade de oportunidades sendo o

    princpio norteador e as desigualdades da oferta. Ainda temos 8,5% de analfabetos (com

    diferenas regionais que variam de 4,4% no Sul do Brasil a 17,4% no Nordeste)3.

    Embora possamos comemorar a quase massificao do ensino fundamental,

    estamos longe de oferecer a educao bsica s novas geraes: 50% das crianas de 0 a 5

    anos esto fora da educao infantil; 50% dos jovens de 15 a 19 anos no frequentam o

    ensino mdio4. A realidade no ensino superior ainda mais gritante apesar do aumento

    de quase 150% do nmero de instituies de ensino superior entre 1998 e 2008: menos de

    10% destas instituies so universidades; menos de 7% so pblicas5.

    Tradies, dilogos, racionalidade pedaggica

    O que encontramos em Os herdeiros? Gostaria de destacar ao menos quatro

    dimenses, que mostram o esprito do tempo, expresso no modo de fazer sociologia

    dos dois pensadores. Primeiramente a fora crtica, reunindo a crtica (fruto da posio

    cientfica exercida no campo profissional) e a crtica da crtica (fruto de suas posies

    polticas). Uma crtica bem elaborada, empiricamente bem sustentada e produzida no

    quadro de um trabalho coletivo e interdisciplinar; nico capaz de escapar do efeito de

    gueto ao qual se expem os pesquisadores enclausurados em seus mundos acadmicos

    3 Cf.: Mapa Brasil. Disponvel: http://www.achetudoeregiao.com.br/ATR2/mapa_brasil.htm. Acesso em 10.10.2013. 4 Cf. : Ministrio da Educao. Censo escolar. Disponvel: http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/resumos_tecnicos/resumo_tecnico_censo_educacao_basica_2012.pdf . Acesso em 10.10.2013. 5Cf.: BRASIL. IBGE. Evoluo da Educao Superior/1991-2007. Disponvel: . Acesso em 10.10.2013; BRASIL. IBGE. Sinopses Estatsticas da Educao Superior, 2008. Disponvel: . Acesso em 10.10.2013.

  • Ione Ribeiro Valle Os herdeiros: uma das principais teses da sociologia francesa da educao

    p.239

    Linhas

    (BOURDIEU, 2001, p. 17). Certamente, a fora da crtica que mais nos interessa como

    pesquisadores e intelectuais engajados ou como intelectual coletivo, nos termos

    apresentados por Bourdieu6. A dimenso crtica aparece claramente na concluso de Os

    herdeiros, quando os autores assinalam que no suficiente constatar que a cultura

    escolar uma cultura de classe e tudo fazer para que ela permanea assim, agindo como

    se ela fosse somente isso (BOURDIEU e PASSERON, 2014, p. 97).

    A obra inaugura, como se pode ver, um novo jeito de fazer sociologia, porque

    institui um modus operandi, retomado, de forma mais elaborada e detalhada em A

    profisso de socilogo (publicada em 1968), numa parceria com Jean-Claude Passeron e

    Jean-Claude Chamboredon; obra que prope uma viso de conjunto da realidade, porque

    se distingue da viso intuitiva e de controle predominante, e supe um controle total do

    objeto tendo como base o conjunto das informaes levantadas e no certos rituais de

    purificao ideolgica (PESTAA, 2012, p. 363).

    Pierre Bourdieu incorpora, como verdadeira obsesso, esse modo de fazer

    sociologia e vai lapidando-o nas obras que vo se sucedendo; Meditaes pascalianas

    (1997) representando sua construo terica mais elaborada graas s suas precises

    epistemolgicas. Jean-Claude Passeron, por sua vez, tambm leva adiante a necessidade

    de redefinir a prtica sociolgica, embora percorra outros caminhos e desenvolva de

    outra maneira seu raciocnio sociolgico (obra publicada em 1991).

    , portanto, na base de construo de Os herdeiros que situamos tanto o apelo

    ao engajamento do intelectual nas grandes causas sociais e, neste caso, educacionais,

    quanto o ideal de objetividade cientfica que deve deixar de lado as preferncias

    normativas ou ideolgicas. Em Os herdeiros firma-se uma sociologia fiel sua vocao de

    desnaturalizar os fenmenos humanos visando desfataliz-los; uma sociologia que

    6 Inspirado no conceito de Foucault de intelectual especfico, esse modelo de engajamento pauta-se na especializao e na diviso do trabalho de expert propondo uma forma de ao coletiva fundada no acmulo de competncias num determinado domnio do conhecimento. Ao contrrio do individualismo do mundo das letras onde reina o paradigma da singularidade, esse modelo remete ao modo de funcionamento do campo cientfico pautado no trabalho em equipe e na acumulao de conhecimentos, inaugurando um modo coletivo de interveno poltica com base no trabalho cientfico (SAPIRO, 2009, p. 30).

  • Revista Linhas. Florianpolis, v. 15, n. 29, p. 232-250, jul./dez. 2014. p.240

    Linhas

    apreende as ferramentas cognitivas com as quais se pensa o mundo como ferramentas

    de natureza profundamente social.

    Uma segunda dimenso a ser destacada nesta obra o lugar atribudo empiria:

    quase 40% dela dedicada apresentao dos dados levantados por meio de enquetes

    visando a construo da tese central. Esses dados aparecem em tabelas e grficos que

    mostram como as sociedades se estruturam, se perpetuam, se reproduzem, se

    transformam. Esta dimenso analtica decorrente, evidentemente, da preocupao com

    o fazer sociolgico. Em Os herdeiros, Bourdieu e Passeron inovam ao desenvolver uma

    perspectiva crtica, radical, a partir de anlises quantitativas, tendo recorrido ao que havia

    de mais avanado em termos estatsticos. Segundo eles, ainda que se conte com uma

    disponibilidade estatstica fraca, possvel interpretar relaes estatsticas mais gerais.

    Eles procuram, portanto, superar a iluso da interpretao fcil e imediata da realidade,

    entendendo que esta deve ser controlada por meio da anlise estatstica, nica capaz de

    permitir o estabelecimento de regularidades e a construo de totalidades estruturais.

    Vale lembrar que, poca, esse tipo de anlise era identificado com as prticas

    funcionalistas, era definido como de orientao positivista e, portanto, denunciado pelo

    ser carter alienador e dissimulador dos modos de dominao de classe. o esforo de

    superao da dicotomia objetivismo/subjetivismo, de reviso de posicionamentos

    decorrentes de uma sociologia espontnea que, muitas vezes, se confunde com uma

    sociologia erudita, que comeam a ser experimentados nesta obra, passando a dar o tom

    ao conjunto de estudos desenvolvidos pelos autores, pelos que com eles trabalharam e,

    mesmo, por aqueles que deles divergem.

    A terceira dimenso que queremos enfatizar diz respeito ao carter propositivo

    de Os herdeiros. A obra no se distingue pelo pessimismo, amplamente denunciado

    poucos anos mais tarde, ao contrrio, ela contempla uma aposta na pedagogia desde que

    efetivada com base nos fundamentos sociolgicos. Ao mostrar o carter irreal de todas

    as reformas pautadas exclusivamente na psicologia, os autores evocam a chamada

    pedagogia racional, fazendo referncia necessria racionalizao da pedagogia.

    Trata-se de uma pedagogia fundada numa sociologia das desigualdades culturais, [que]

    sem dvida contribuiria para reduzir as desigualdades diante da escola e da cultura, mas

  • Ione Ribeiro Valle Os herdeiros: uma das principais teses da sociologia francesa da educao

    p.241

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    somente poderia se concretizar se fossem oferecidas todas as condies de uma

    democratizao real do recrutamento dos mestres e dos alunos (BOURDIEU e

    PASSERON, 2014, p. 101). Esta concepo atravessa o texto e, embora tenha permanecido

    inacabada, abre uma perspectiva de transformao possvel, em ruptura tanto com um

    funcionalismo fechado quanto com as iluses filosfico-poltico-pedaggicas de uma

    esquerda erudita (GEAY, 2012, p. 99).

    A ltima dimenso refere-se gnese das principais categorias de anlise, ou de

    tipos ideais, construdos por Pierre Bourdieu e objeto de constantes reformulaes nas

    suas obras subsequentes (A distino, 1979; O senso prtico, 1980; culminado com suas

    Meditaes pascalianas, 1997), a saber: capital, campo, habitus, distino, violncia

    simblica. Mas, neste momento, gostaria de destacar a originalidade de algumas das suas

    teses sociolgicas, as quais se tornaram centrais no campo dos estudos sociolgicos da

    educao. Evidentemente, no se trata de teses independentes, uma vez que s tm

    sentido no quadro do pensamento relacional.

    Referimo-nos primeiramente herana cultural; categoria de anlise que d

    sustentao ao tipo ideal elaborado para Os herdeiros. Esta tese foi acolhida na poca por

    sua originalidade ao mostrar que os fatores sociais de desigualdade perante a escola so

    bem mais complexos que os simples fatores de desigualdade social. nesta tese que so

    lanadas as bases para a elaborao da noo de capital cultural, o que vai ocorrer por

    meio da anlise de variveis relacionadas boa vontade cultural, devoo cultura,

    incitao cultural, ortodoxia cultural. Estas noes esto relacionadas s virtudes

    reconhecidas e valorizadas, ao diletantismo dos estudantes, noo de vanguarda

    poltica e esttica, s ideias de familiaridade e desenvoltura na relao com a vida

    universitria. Nesta tese explorada a conivncia do herdeiro com o mundo escolar em

    razo da sua origem burguesa e culta, o que lhe permite dominar e mobilizar os

    cdigos culturais e escolares adquiridos na famlia e na socializao escolar de base. Essa

    constatao confirmada pelos ritos de iniciao, redefinidos em obras posteriores como

    ritos de instituio, tais como: O que falar quer dizer; a economia das trocas lingusticas

    (1982) e A dominao masculina (1998), por exemplo.

  • Revista Linhas. Florianpolis, v. 15, n. 29, p. 232-250, jul./dez. 2014. p.242

    Linhas

    Uma segunda tese que merece destaque a vinculao direta entre

    desigualdades sociais e desigualdades escolares. Observe-se que estamos falando de

    desigualdades sociais e no apenas de desigualdades econmicas. Esta tese, construda a

    partir da anlise das condies sociais de origem dos estudantes universitrios,

    mobilizados para a edificao do tipo ideal herdeiro, coloca em evidncia

    a ao direta dos hbitos culturais e das disposies herdadas do meio de origem [sublinhando que as mesmas so redobradas] pelo efeito multiplicador das orientaes iniciais (tambm produzidas pelos determinismos primrios), as quais desencadeiam a ao de determinismos induzidos ainda mais eficazes quando se exprimem na lgica propriamente escolar, sob a forma de sanes que consagram as desigualdades sociais sob a aparncia de ignor-las. (BOURDIEU e PASSERON, 2014, p. 30)

    Como se pode ver, esta tese apresenta uma crtica contundente do princpio

    meritocrtico, um dos principais pilares dos sistemas modernos de ensino, explicitando

    suas iluses e hipocrisias. Dom, mrito, vocao (que permanecem hipotticos), assim

    como os demais dispositivos facilitadores do acesso escola (como as bolsas de estudo,

    por exemplo), nada mais so que mecanismos de legitimao dos privilgios dos bem-

    nascidos.

    A terceira tese que pode ser extrada do conjunto das anlises de Os herdeiros diz

    respeito s mltiplas faces das desigualdades (de classe, de sexo, de oportunidades, de

    dom, de privilgio cultural, de chances de acesso ao ensino superior). Os autores

    observam uma ligao estreita entre morfologia social e categorias cognitivas por meio

    dos mecanismos de seleo, que nada mais so que dispositivos legitimadores dessa

    mquina de reproduo: L-se nas chances de acesso ao ensino superior o resultado de

    uma seleo que, ao longo de todo o percurso escolar, exerce-se com um rigor muito

    desigual segundo a origem social dos sujeitos; na verdade, para as classes mais

    desfavorecidas, trata-se puramente e simplesmente de eliminao (BOURDIEU e

    PASSERON, 2014, p. 16). Anuncia-se aqui o efeito cascata das desigualdades, o qual seria

    retomado mais tarde por meio da noo de indiferena s diferenas, desenvolvido

  • Ione Ribeiro Valle Os herdeiros: uma das principais teses da sociologia francesa da educao

    p.243

    Linhas

    principalmente em A reproduo. Esta tese explica e justifica a escolha escolar, a

    docilidade escolar, particularmente no caso das mulheres.

    Uma quarta tese a ser destacada na obra Os herdeiros refere-se noo de

    cultura universal vista como arbitrrio cultural. Os percursos individuais so determinados

    pela proximidade que existe entre a cultura de classe de um aluno e a cultura de classe

    legitimada e transmitida pela escola. Os autores observam que h correspondncia e

    continuidade entre o arbitrrio escolar e o habitus de classe, pois Crer que so dadas a

    todos oportunidades iguais de acesso ao ensino mais elevado e cultura [...] ficar no

    meio do caminho na anlise dos obstculos e ignorar que as aptides medidas pelo

    critrio escolar apresentam grande afinidade com os hbitos culturais de uma classe e as

    exigncias do sistema de ensino (BOURDIEU e PASSERON, 2014, p. 39). Desta maneira, a

    fico de uma competio entre iguais se torna credvel uma vez que os muito

    desiguais ficam fora do jogo escolar. Esse mecanismo alm de criar condies de

    trabalho harmoniosas leva os herdeiros a atriburem a causa das injustias escolares

    unicamente s injustias sociais, a pouca ambio do povo e, sobretudo, s diferenas de

    dons (DUBET, 2002, p. 134-135). O que esta perspectiva coloca em evidncia a forte

    tenso entre igualdade e mrito, relativamente neutralizada pelas polticas de

    democratizao da educao.

    A quinta tese levantada para esta reflexo a mais polmica da obra de

    Bourdieu. Estamos nos referindo tese da reproduo, formulada em Os herdeiros por

    meio da meno aos determinismos sociais, ao ethos de classe e da competio, s

    vantagens e desvantagens cumulativas, ascenso pela escola, vontade de

    diferenciao, ao sucesso escolar como sinal de eleio, s diferenas de privilgios, ao

    destino social, ao futuro objetivo, ao princpio e funo da seleo. Esta tese tambm se

    evidencia no fenmeno de autosseleo, nas profecias autorrealizadoras e nos

    argumentos mobilizados para trabalhar a varivel precocidade. Os autores assinalam que

    a cultura da elite to prxima da cultura da escola que a criana originria de um meio pequeno-burgus (e a fortiori campons ou operrio) s pode adquirir laboriosamente o que dado ao filho da classe culta, o estilo, o gosto, o esprito, enfim, esses saberes e esse saber-viver que so naturais a uma classe, porque so a

  • Revista Linhas. Florianpolis, v. 15, n. 29, p. 232-250, jul./dez. 2014. p.244

    Linhas

    cultura dessa classe. Para uns, a aprendizagem da cultura da elite uma conquista, pela qual se paga caro; para outros, uma herana que compreende ao mesmo tempo a facilidade e as tentaes da facilidade. (BOURDIEU e PASSERON, 2014, p. 41-42)

    A ltima tese a ser evocada neste momento est relacionada singularidade do

    mundo escolar. Esta tese fruto do deslocamento do olhar do socilogo para o interior

    da escola, ou do mundo universitrio em particular, por meio da anlise das expectativas

    professorais, dos critrios de julgamento professoral, do carisma professoral, da devoo

    escolar, da relegao num curso, da repetncia, da resignao, da medida do sucesso

    escolar, do zelo escolar. Esses fatores presentes na dinmica interna da escola e dos

    processos e mecanismos pedaggicos so analisados e somente podem ser analisados

    na relao com a dinmica que move o sistema de ensino, ou seja, na relao de foras

    externas ao mundo escolar que determinam a transformao do capital herdado em

    capital escolar, reafirmando, assim, as fronteiras sociais. Observe-se, por exemplo, o caso

    da dissertao: ela vista como pretexto para julgar homens, ou, ao menos, o homem

    universitrio (BOURDIEU e PASSERON, 2014, p. 65). Esta reflexo foi retomada em

    seguida, em 1966, num artigo de Bourdieu publicado na revista Actes de la recherche en

    sciences sociales, intitulado A escola conservadora, cujo objetivo foi analisar as

    desigualdades diante da escola e da cultura. Mas seu aprofundamento se daria em A

    reproduo (1970) apresentada a tese da violncia simblica, que se d na

    convergncia entre ao pedaggica, autoridade pedaggica, trabalho pedaggico e

    sistema de ensino. Por violncia simblica se entende essa violncia doce, invisvel,

    desconhecida como tal, tanto escolhida quanto submetida, como a confiana, a

    obrigao, a fidelidade pessoal, a hospitalidade, a doao, a dvida, o reconhecimento, a

    piedade. Enfim, todas as virtudes que honram a moral do honrado e que se impem como

    o modo de dominao mais econmico por estar mais conforme com a economia do

    sistema (BOURDIEU, 1980, p. 219).

  • Ione Ribeiro Valle Os herdeiros: uma das principais teses da sociologia francesa da educao

    p.245

    Linhas

    Dessacralizando a escola e a universidade

    Enfim, a leitura de Os herdeiros permite perceber a instituio escolar a partir de

    outras lentes. Esta obra interessa, portanto, a ns pesquisadores, aos formadores dos

    novos quadros do magistrio e aos definidores e administradores das polticas para a

    educao nacional. Vemo-nos e sentimo-nos engajados na superao do atraso em

    termos do direito educao, dos recm-nascidos aos adultos que, no caso brasileiro,

    foram sendo deixados margem de um sistema de ensino, que, como se viu, cresceu de

    maneira considervel.

    Ao dirigirmos um olhar crtico sobre as polticas educacionais, buscamos na

    tradio sociolgica parmetros de compreenso. Esta cincia sempre atribuiu um lugar

    central instituio escolar no que concerne ao seu papel na produo e reproduo das

    sociedades. Tudo comea com o lugar atribudo educao na obra de mile Durkheim

    na virada do sculo XX. Ao menos uma de suas obras merece destaque nesta nossa

    reflexo, no apenas porque focou a educao escolar associando fins e meios, mas,

    sobretudo, porque teve grande importncia na arquitetura do sistema educacional

    brasileiro. Refiro-me principalmente obra Educao e sociologia (DURKHEIM, 1978),

    traduzida por Loureno Filho e publicada no Brasil em 1928

    Com o passar do tempo e com o desenvolvimento e consolidao dos sistemas

    de ensino, o alvo passou a ser os fins da educao escolar, particularmente no que

    concerne s funes de integrao e regulao social vislumbradas por Durkheim e

    postas em prtica pelas polticas educacionais que se propuseram a promover a coeso e

    a ordem. O que se observou desde ento foi o descompasso entre a massificao da

    educao e a distribuio das posies sociais e profissionais. Ou, dizendo de outra

    maneira, a igualdade de oportunidades escolares no tornou a sociedade mais

    meritocrtica, pois as posies de prestgio foram mantidas nas mos dos herdeiros.

    Alm disso, o desenvolvimento das condies da igualdade de oportunidades acentuou a

    competio entre as famlias, entre as reas e cursos, entre os diversos segmentos dos

    sistemas educacionais. Diante desse quadro, permanece pertinente a interrogao sobre

  • Revista Linhas. Florianpolis, v. 15, n. 29, p. 232-250, jul./dez. 2014. p.246

    Linhas

    a responsabilidade da instituio escolar na produo e reproduo das desigualdades

    sociais.

    Motivadas por diversas construes tericas, mas tambm pelo carter militante

    de algumas das teorias sociolgicas, as abordagens mais recentes procuraram articular

    diferentes nveis de anlise, do mais macro ao mais micro. Elas vm completar as anlises

    de Bourdieu e Passeron que privilegiaram as desigualdades decorrentes da distncia

    entre as culturas familiares e as culturas escolares.

    Os socilogos, particularmente na Frana, vm desenvolvendo uma quantidade

    considervel de anlises empricas, tornando essa rea da sociologia um campo

    particularmente produtivo. Esses estudos tm fundamentado as abordagens crticas da

    educao brasileira, principalmente aps a abertura do regime poltico. Alm disso, eles

    tm sido apropriados, nem sempre com o rigor necessrio, pelos setores produtores das

    polticas educacionais para o nosso pas.

    Voltando s desigualdades escolares, e ao mesmo tempo finalizando, preciso

    reconhecer que a primeira desigualdade est ligada ao fato de acessar ou no Escola e

    Universidade. Esse , indiscutivelmente, o primeiro passo para a concretizao da

    chamada justia como equidade, apresentada por John Rawls (2002) e que se constitui

    hoje numa espcie de fio orientador, ou talvez condutor, de grande parte das aes dos

    nossos sistemas de ensino.

    Por outro lado, no se pode esquecer que a expanso das redes de ensino uma

    faca de dois gumes. Ela , ao mesmo tempo, uma reforma equalizadora e uma

    contrarreforma, pois assegura aos mais favorecidos a manuteno de suas vantagens.

    Esta constatao nos leva a considerar que a igualdade de oportunidades uma norma

    de justia extremamente cruel porque coloca sobre os alunos e unicamente sobre os

    seus ombros a responsabilidade pelos seus sucessos e pelos seus fracassos, uma vez

    que a equidade da competio estaria garantida. Franois Dubet (2008) lembra que h

    algo darwiniano na igualdade meritocrtica das oportunidades.

    Para finalizar, gostaria de assinalar que a leitura de Os herdeiros permite sublinhar

    algumas caractersticas da instituio escolar que podem servir de base para a elaborao

  • Ione Ribeiro Valle Os herdeiros: uma das principais teses da sociologia francesa da educao

    p.247

    Linhas

    de uma crtica aprofundada da Escola e da Universidade. Para tanto, retomamos alguns

    elementos apresentados por Adelino Braz (2011), que podem servir de ponto de partida

    para essas anlises. Segundo ele, a instituio escolar deve ser apreendida como um

    instrumento de conservao porque tende a produzir e a reproduzir dispositivos que

    asseguram a perpetuao do poder das classes mais favorecidas, ou a reafirmar a cultura

    legtima; deve ser observada como um instrumento de dominao uma vez que favorece,

    pela complexidade de seus mecanismos pedaggicos, o desconhecimento desse sistema

    de reproduo social dissimulado pela ideia de eficcia, e, enfim, deve ser tratada como

    um instrumento de legitimao da ordem social que se explica pelo fato de que os

    agentes atribuem s estruturas objetivas da ordem escolar estruturas de apreciao

    incorporadas produzidas por essas mesmas estruturas.

    Todavia, preciso deixar claro que nossa inteno se distancia do pessimismo e

    da desmobilizao. Ao contrrio, o que desejamos , sobretudo, apreender os contornos

    da complexa teoria de Pierre Bourdieu e de seus colaboradores, suas contribuies, seus

    limites, alguns de seus pontos de tenso. O que esperamos reafirmar a importncia do

    trabalho investigativo porque ele permite desvelar a lgica que est por detrs das

    prticas educacionais. Todo esforo est em se apropriar da sociologia como uma arma

    para compreender o mundo que nos cerca, para dar um sentido quilo a que estamos

    presos e, dessa maneira, assumir uma distncia reflexiva que permita orientar a ao.

    Todo desafio est em se apropriar da reflexo sociolgica desencadeada por esses dois

    autores para tentar compreender o quadro de injustias que caracteriza a educao

    contempornea, a partir da ruptura epistemolgica introduzida pela teoria das prticas

    sociais desde a dcada de 1960. O que se deve evitar evidentemente o fascnio

    produzido pela profuso de conceitos e de esquemas tericos e pela fora do lxico

    elaborado por Bourdieu, o qual de fcil utilizao e adaptao. Isto tem provocado

    apropriaes indevidas e imitaes estreis pelos que transformam, moda antiga, seu

    mestre de pesquisa em mestre de pensamento (PASSERON, 2005, p. 90).

    Enfim, ler uma obra que acendeu o pavio da contestao estudantil de Maio de

    1968 (PASSERON, 2005, p. 72) e que nutriu uma gerao de estudantes revolucionrios

    que no deveriam ser revolucionrios (VIDAL-NAQUET, 2005, p. 95) somente se justifica

  • Revista Linhas. Florianpolis, v. 15, n. 29, p. 232-250, jul./dez. 2014. p.248

    Linhas

    se reconhecermos, como talo Calvino (1993, p. 9), que os clssicos so livros que

    exercem uma influncia particular quando se impem como inesquecveis e tambm

    quando se ocultam nas dobras da memria, mimetizando-se como inconsciente coletivo

    ou individual.

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    Recebido em: 14/09/2013 Aprovado em: 27/02/2014

    Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC Programa de Ps-Graduao em Educao PPGE

    Revista Linhas Volume 15 - Nmero 29 - Ano 2014

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