Sociologia Do Trabalho - Aula 02

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Módulo AFT Sociologia do Trabalho Rubem Valente 1 1 - População e Emprego No uso mais comum da palavra, entende- se por população o conjunto de pessoas ou organismos de uma espécie que habitam uma determinada área geográfica. Deste modo, a nível dos seres humanos, pode ser definida como todos ao habitantes de um dado país ou área, considerados no seu conjunto. As populações são estudadas num conjunto variado de disciplinas. São estudados o tamanho dinâmico da população, idade e estrutura sexual, mortalidade, comportamento reprodutor e crescimento da população. A demografia é o estudo da dinâmica da população humana. Outros aspectos são estudados na sociologia, economia e geografia. As populações de animais e plantas são estudados na biologia e, em particular, biologia populacional, um ramo da ecologia e genética da população. A densidade populacional mede o número de pessoas ou organismos por unidade de área. As variantes podem expressar a população por unidade habitável, habitada, produtiva (ou potencialmente produtiva) ou até área cultivada. Uma área geográfica em particular de terra é dita como tendo capacidade máxima, representando a população máxima que pode suportar. Em nível estatístico, população é sinónimo de universo, isto é, a colecção completa de unidades (exemplos: pessoas, instituições, registos ou acontecimentos), a partir da qual se podem constituir amostras. População 2004 (Fonte IBGE) 1.1 População Economicamente Ativa PEA Os diversos conceitos sobre população e emprego são descritos por diversos autores, e institutos de pesquisa, como a seguir: É o setor da população dedicado à produção de bens e serviços econômicos. Em 2004 a PEA brasileira representava 92,8 milhões de habitantes, segundo o IBGE. A PEA Compreende o potencial de mão-de-obra com que pode contar o setor produtivo, é a parcela da população em Idade Ativa (PIA)*, isto é, a população ocupada e a população desocupada, assim definidas: a. População ocupada São as pessoas que trabalham ou têm trabalho mas não estão trabalhando (por exemplo, pessoas em férias). As pessoas ocupadas são classificadas em: a) Empregados - aquelas pessoas que trabalham para um empregador ou ou mais, cumprindo uma jornada de trabalho, recebendo em contrapartida uma remuneração em dinheiro ou outra forma de pagamento (moradia, alimentação, vestuário, etc.). Incluem- se, entre as pessoas empregadas, aquelas que prestam serviço militar obrigatório e os clérigos. Os empregados são classificados segundo a existência ou não de carteira de trabalho assinada. b) Conta Própria aquelas pessoas que exploram uma atividade econômica ou exercem uma profissão ou ofício, sem empregados. c) Empregadores aquelas pessoas que exploram uma atividade econômica ou exercem uma profissão ou ofício, com auxílio de um ou mais empregados. d) Não Remunerados aquelas pessoas que exercem uma ocupação econômica, sem remuneração, pelo menos 15 horas na semana, em ajuda a membro da unidade domiciliar em sua atividade econômica, ou em ajuda a instituições religiosas, beneficentes ou de cooperativismo, ou, ainda, como aprendiz ou estagiário.

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1 - População e Emprego No uso mais comum da palavra, entende-se por população o conjunto de pessoas ou organismos de uma espécie que habitam uma determinada área geográfica. Deste modo, a nível dos seres humanos, pode ser definida como todos ao habitantes de um dado país ou área, considerados no seu conjunto. As populações são estudadas num conjunto variado de disciplinas. São estudados o tamanho dinâmico da população, idade e estrutura sexual, mortalidade, comportamento reprodutor e crescimento da população. A demografia é o estudo da dinâmica da população humana. Outros aspectos são estudados na sociologia, economia e geografia. As populações de animais e plantas são estudados na biologia e, em particular, biologia populacional, um ramo da ecologia e genética da população. A densidade populacional mede o número de pessoas ou organismos por unidade de área. As variantes podem expressar a população por unidade habitável, habitada, produtiva (ou potencialmente produtiva) ou até área cultivada. Uma área geográfica em particular de terra é dita como tendo capacidade máxima, representando a população máxima que pode suportar. Em nível estatístico, população é sinónimo de universo, isto é, a colecção completa de unidades (exemplos: pessoas, instituições, registos ou acontecimentos), a partir da qual se podem constituir amostras.

População 2004 (Fonte IBGE)

1.1 População Economicamente Ativa – PEA Os diversos conceitos sobre população e emprego são descritos por diversos autores, e institutos de pesquisa, como a seguir: É o setor da população dedicado à produção de bens e serviços econômicos. Em 2004 a PEA brasileira representava 92,8 milhões de habitantes, segundo o IBGE. A PEA Compreende o potencial de mão-de-obra com que pode contar o setor produtivo, é a parcela da população em Idade Ativa (PIA)*, isto é, a população ocupada e a população desocupada, assim definidas: a. População ocupada– São as pessoas que trabalham ou têm trabalho mas não estão trabalhando (por exemplo, pessoas em férias). As pessoas ocupadas são classificadas em: a) Empregados - aquelas pessoas que trabalham para um empregador ou ou mais, cumprindo uma jornada de trabalho, recebendo em contrapartida uma remuneração em dinheiro ou outra forma de pagamento (moradia, alimentação, vestuário, etc.). Incluem- se, entre as pessoas empregadas, aquelas que prestam serviço militar obrigatório e os clérigos. Os empregados são classificados segundo a existência ou não de carteira de trabalho assinada. b) Conta Própria – aquelas pessoas que exploram uma atividade econômica ou exercem uma profissão ou ofício, sem empregados. c) Empregadores – aquelas pessoas que exploram uma atividade econômica ou exercem uma profissão ou ofício, com auxílio de um ou mais empregados. d) Não Remunerados – aquelas pessoas que exercem uma ocupação econômica, sem remuneração, pelo menos 15 horas na semana, em ajuda a membro da unidade domiciliar em sua atividade econômica, ou em ajuda a instituições religiosas, beneficentes ou de cooperativismo, ou, ainda, como aprendiz ou estagiário.

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b. População Desocupada - aquelas pessoas que não têm trabalho, mas estão dispostas a trabalhar, e que, para isso, tomam alguma providência efetiva (consultando pessoas, jornais, etc.). São considerados alijados do mercado de trabalho e não procuram por emprego.

População economicamente ativa/2004 FONTE: IBGE

* População em Idade Ativa (PIA): Incorpora as crianças de 10 a 14 anos (sendo ilegal o uso de sua força de trabalho pela Legislação Brasileira) que devido à realidade social do país, encontram-se disponíveis ao mercado de trabalho. A maior parte da população em idade de trabalhar é autônoma (legais ou ilegais). 1.2 População Não Economicamente Ativa (ou inativa) As pessoas não classificadas como ocupadas ou desocupadas. É formada por estudantes, pessoas que se ocupam da casa, que vivem em instituições, vivem de rendas, crianças, idosos, etc. 1.3 Emprego, desemprego, subemprego e não-emprego. Emprego e Trabalho A maioria das pessoas associa as palavras trabalho e emprego como se fossem a mesma coisa, não são. Apesar de estarem ligadas, essas palavras possuem significados diferentes. O trabalho é mais antigo que o emprego, o trabalho existe desde o momento que o homem começou a transformar a natureza e o

ambiente ao seu redor, desde o momento que o homem começou a fazer utensílios e ferramentas. Por outro lado, o emprego é algo recente na história da humanidade. O emprego é um conceito que surgiu por volta da Revolução Industrial, é uma relação entre homens que vendem sua força de trabalho por algum valor, alguma remuneração, e homens que compram essa força de trabalho pagando algo em troca, algo como um salário. Nas sociedades industriais evoluídas a forma de emprego dominante é o emprego assalariado. O emprego sempre apresenta uma relação definida com o trabalho e uma relação produtiva de ganho. Tais relações são encontradas em todas as sociedades contemporâneas. Não-emprego Para alguns autores o não-emprego é a repulsão dos trabalhadores já empregados, inclui os semi-empregados, excedentes da população latente da agricultura, pequenos artesãos (autônomos), vagabundos, pedintes e criminosos. Hoffman afirma que o não-emprego caracteriza-se de acordo com número de trabalhadores que tem sua capacidade produtiva plenamente utilizada e não encontram emprego, associado a Marx (exército industrial de reserva), que é mais uma deficiência de equipamentos do que de demanda (simplificação). Desemprego e Subemprego São termos recentes dos fins do século XIX. O problema do desemprego passa também por um outro que, em um simples entendimento, verifica-se mais uma semelhança, como é o caso do sub-emprego. As diferenças entre ambos são muito diminutas, ao se verificar que este último diz respeito à insuficiência de oferta de meios de produção, ou também se pode dizer que este decorre geralmente da insuficiência da demanda efetiva. Com isso conclui-se:

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Desemprego é análogo ao superpovoamento, é a medida da parcela da força de trabalho disponível que se encontra sem emprego. Há diferentes tipos de desemprego, correspondendo a diversas causas. Desemprego Estrutural - ocorre quando a estrutura ocupacional muda (como nos casos em que declina o número de empregos em manufatura e aumenta em serviços), tornando obsoletas algumas qualificações e deixando pessoas sem trabalho. O desemprego estrutural pode ocorrer por grande variedade de razões, incluindo inovações tecnológicas ou o fato de empresas decidirem fechar ou relocalizar suas operações em outras regiões ou países. Desemprego Voluntário - ocorre quando pessoas mudam de emprego por decisão própria. Desemprego Sazonal - quando a mudança das estações reduz a demanda de trabalho agrícola, de recreação e de outros tipos. Desemprego Cíclico - quando empresas dispensam empregados durante recessões, com vistas a cortar custos, preservar os lucros e proteger os interesses dos acionistas. Quase todos esses tipos de desempregos estão ligados à maneira como é organizada a economia. O capitalismo industrial tende a gerar desemprego com o comportamento competitivo e a busca do lucro que definem o capitalismo como sistema. O desemprego é também sociologicamente importante devido às suas conseqüências sociais. Essa situação tende, de uma grande variedade de maneiras, a machucar indivíduos, famílias e comunidades. Além disso, o desemprego costuma ser distribuído de forma desigual pelos diferentes grupos e categorias sociais. Nas sociedades dominadas por brancos é muito mais provável que as populações negras fiquem desempregadas, qualquer que seja seu nível educacional e outras qualificações. Subemprego é a condição na qual as pessoas são obrigadas a trabalhar em tempo parcial ou em empregos que não lhes pagam o suficiente para sustentar a si mesmas ou a suas famílias, ou, ainda, que não lhes permitem utilizar

plenamente suas qualificações. À medida que as economias industriais substituem empregos melhor remunerados em manufatura por empregos em serviços com pagamento mais baixo, e à proporção que empresas aumentam sua competitividade recorrendo a trabalhadores em tempo parcial, o problema do subemprego torna-se cada vez mais importante. O desemprego e subemprego são característicos de países em desenvolvimento. A partir do declínio das indústrias de carvão e aço (indústrias secundárias), ocorreu nos países industrializados o desemprego por um longo período, alcançando uma taxa de desemprego histórica. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED Levada a efeito pelo IBGE, a PED considera: - desemprego aberto: pessoas de dez anos ou mais que procuraram trabalho de maneira efetiva nos trinta dias anteriores ao da entrevista e não exerceram nenhum trabalho nos últimos sete dias. - desemprego oculto pelo trabalho precário: pessoas de dez anos ou mais que realizam de forma irregular algum trabalho remunerado, ou pessoas que realizam trabalho não-remunerado em negócios de parentes e que procuraram mudar de trabalho nos trinta dias anteriores ao da entrevista ou que, não tendo procurado nesse período, o fizeram até doze meses atrás. - desemprego oculto pelo desalento e outros: pessoas que não possuem trabalho e nem procuraram nos últimos trinta dias por desestímulos do mercado de trabalho ou por circunstâncias fortuitas, mas apresentaram procura efetiva de trabalho nos últimos doze meses. OBSERVAÇÕES: - As definições acima foram estabelecidas para uma determinada pesquisa (PME) e os parâmetros temporais – idade mínima para integrar a PEA, intervalo de tempo em que o pesquisado esteve ocupado ou procurando por

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emprego etc. – podem sofrer variações (detalhes no curso economia do trabalho). - Entre as pessoas ocupadas se encontram os trabalhadores por conta própria, os empregadores, os biscateiros e não apenas os empregados. - As definições jurídicas (de empregado, empregador, autônomo) não coincidem necessariamente com as definições para efeito de pesquisa. Desempregado Segundo a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) desempregado é a pessoa que está numa situação involuntária de não-trabalho por falta de oferta de vagas de emprego ou que trabalham irregularmente e desejam mudança. Taxa de desemprego: Indica a proporção da PEA que encontra-se em desemprego. Medida em porcentagem. Taxa de subemprego Indica a proporção da PEA que encontra-se subempregada. Mercado de Trabalho Mercado global - Utiliza uma definição de trabalho mais abrangente, incluindo diferentes tipos de vínculos de trabalho, como o com carteira ou formal, o informal, o trabalho doméstico, o trabalho não remunerado e aquele destinado ao autoconsumo ou do grupo familiar . Mercado Formal - Se baseia em dados do Ministério do Trabalho que captam exclusivamente os empregos, ou seja, o segmento do mercado que possui algum tipo de contrato formal de trabalho, seja ele sob o regime da CLT por prazo determinado ou indeterminado; sejam servidores da administração pública federal, estadual ou municipal direta ou indireta; sejam trabalhadores temporários e avulsos ou sob a jurisdição de outros tipos de contrato.Em

suma, o mercado de trabalho formal representa apenas uma fatia do mercado de trabalho total ou, como aqui o chamamos, global. Mercado Informal – Relações de subemprego. No exercício das ocupações no universo do chamado setor informal – “conjunto de unidades dedicadas à produção de bens ou prestação de serviço com a finalidade primordial de gerar emprego e renda para as pessoas que trabalham nessas atividades” conforme dedicação da Organização Internacional do Trabalho – o trabalhador seja ele autônomo, dono ou trabalhador de negócio familiar, ou de micro unidade econômica, não usufrui nenhum dos direitos assegurados para o trabalhador assalariado: férias, remuneração em períodos de parada do trabalho por enfermidade, descanso remunerado, seguro para o caso de ficar desempregado (extinção do negócio ou atividade), aposentadoria e outros. Todo e qualquer benefício desse tipo precisa ser financiado pelo próprio trabalhador. Via de regra essas atividades apresentam rendimentos insuficientes para promover uma poupança individual capaz de permitir a esse trabalhador uma situação laboral similar à do trabalho assalariado regulamentado. Enfim, essa conceituação de trabalho precário, ainda que de caráter negativo residual, parece capaz de conter as diversas formas e dimensões com que se manifesta, hoje, o fenômeno da proliferação de situações de trabalho alternativas à relação de trabalho formal. 1.4 -Trabalho Produtivo e Improdutivo. O trabalho produtivo e o trabalho improdutivo são complementares e atuam de forma harmônica e quase sincrônica em cada esfera do sistema produtivo capitalista, notadamente, respectivamente, na produção propriamente dita e na realização da mais-valia. Sem trabalho produtivo não há auto-expansão de mais-valia. Sem trabalho improdutivo não há reprodução de capital com a logística, a qualidade, a tempestividade e a minimização de custos requeridas pela produção de mais-valia.

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De acordo com Marx, trabalho produtivo no sentido da produção capitalista é o trabalho assalariado que, na troca pela parte variável do capital (a parte do capital despendida em salário), além de reproduzir essa parte do capital (ou o valor da própria força de trabalho), ainda produz mais-valia para o capitalista. O trabalho improdutivo, por sua vez, não possui essas duas propriedades, mas ainda retém a propriedade de constituir uma força de trabalho, de modo que precisa ser reposta, dependendo inelutavelmente do produtivo. Assim, o trabalho improdutivo “consome mais do que reproduz”, no sentido de que devem ser pagas a força de trabalho e a cota de quem a explora na realização da mais-valia. Em outras palavras, “num caso, o trabalhador se troca por capital; noutro, por renda. Num caso, o trabalhador se transforma em capital e gera lucro para o capitalista; no outro, é uma despesa, um dos artigos em que se despende renda”. Trabalho produtivo e trabalho improdutivo são, portanto, interdependentes. Anulado o último, o processo de produção teria sozinho de realizar a mais-valia, fato inviável em termos empíricos. Anulado o primeiro, não haveria modo de produção capitalista, portanto o correspondente trabalho improdutivo e, conseqüentemente, igualmente em termos empíricos, Estado, comércio, sistema financeiro, prestação de serviço de natureza diversa etc. Marx define o conceito de trabalho produtivo em Teorias sobre a Mais-valia. Para ele o trabalho produtivo, em seu significado para a produção capitalista, é trabalho assalariado que, trocado pela parte variável do capital (a parte do capital que se destina a salários), reproduz não só esta porção do capital (ou o valor de sua própria força de trabalho), mas que, ademais, produz mais-valia para o capitalista. Só desta maneira a mercadoria ou o dinheiro se converte em capital. Por conseguinte, só é produtiva a força de trabalho que cria um valor maior que o seu próprio. Contudo, pode estabelecer-se uma diferenciação de classe entre assalariados produtivos e não-produtivos no regime capitalista

de produção? Em que contexto se fala de trabalho produtivo e improdutivo? É pertinente perceber que a definição anterior é específica para o modo de produção capitalista, e que há em Marx uma definição mais geral de trabalho produtivo, válida para qualquer modo de produção. Em O Capital ele começa por descrever os processos de trabalho e os elementos que os compõem (o objeto do trabalho, os meios de trabalho e o trabalho mesmo), tudo isso sem fixar-se na sua formação social concreta. O importante é que todo trabalho é produtivo com relação aos meios de produção, porque o trabalho é o verdadeiro criador de novos valores de uso com sua ação modificadora sobre a natureza. Tem sido a ação da força de trabalho, o trabalho mesmo, que tem cumprido o papel determinante em contraposição ao papel passivo dos meios de produção. É comum um tipo de erro no qual o conceito de trabalho produtivo identifica-se com o caráter material do produto. Acredita-se que somente se o produto do trabalho é um objeto corpóreo tenha sido realizado por um trabalho produtivo; ao contrário, se é imaterial, é um trabalho improdutivo. Esta concepção fetichista tem três variantes assinaladas por Marx: 1. A concepção fetichista, peculiar ao modo de produção capitalista e derivada da essência do mesmo, segundo a qual as determinações formais econômicas tais como mercadoria, trabalho produtivo etc., constituem uma qualidade inerente em e para si aos depositários materiais destas determinações formais ou categorias. 2. Que se considera em quanto tal o processo laboral, só é produtivo o trabalho que desemboca em um produto (produto material, já que aqui se trata unicamente da riqueza material). 3. Que no processo real da produção – considerando seus verdadeiros elementos – com relação à formação da riqueza, existe uma grande diferença entre o trabalho que se manifesta em artigos reprodutivos e o que o faz em meros artigos de luxo. Estas concepções fetichistas cometem o erro de colocar como elemento qualitativo e

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determinante o produto do trabalho, quando o que está buscando Marx, com a definição de trabalho produtivo no capitalismo, é assinalar a especificidade que o trabalho produtivo adquire neste modo de produção, a saber: a extração de mais-valia. A extração de mais-valia define um tipo específico de relação social na qual uma classe possuidora dos meios de produção explora outra, despossuída dos mesmos. Marx sustenta que uma das mais importantes contribuições de Smith foi a de definir o trabalho produtivo como o que se troca diretamente por capital: Isto também estabelece de modo absoluto o que é o trabalho improdutivo. É o que não se troca por capital, mas diretamente por renda, isto é, por salários ou lucro. Portanto, estas definições não derivam das características materiais do trabalho (nem da natureza de seu produto, nem do caráter especial do trabalho concreto), mas da forma social definida, as relações sociais de produtor em que se realiza o trabalho. Depois explica que um palhaço ou um ator são produtivos se trabalham para um capitalista “a quem devolvem mais trabalho do que recebem dele em forma de salários”; em contrapartida, o alfaiate que vai à casa do capitalista para remendar uma calça e simplesmente produz um valor de uso, seu trabalho é consumido como renda: o trabalho produtivo e improdutivo se concebem do ponto de vista do possuidor do dinheiro, do ponto de vista do capitalista. Marx estende essa caracterização também ao conjunto dos trabalhadores que, trabalhando no mesmo processo produtivo, suas funções não têm a ver diretamente com a elaboração da matéria prima (como os vigilantes, engenheiros etc.), já que a mercadoria é um produto comum a todos eles, ainda que tenham cumprido papéis diferentes no processo produtivo. Marx considera esses assalariados não só como parte da mesma classe operária, mas como trabalhadores produtivos. Para ser produtivo... basta ser um órgão do trabalho coletivo. 2 - Trabalho e Progresso Técnico

Buscando iniciar uma discussão acerca do papel do progresso técnico nas estruturas das sociedades, principalmente da sociedade capitalista, veremos dois momentos históricos: a Revolução Industrial, que data a segunda metade do século XVIII e início do século XIX, e a Revolução Técnico-Científica, que tem seu início ainda no fim do século XIX e prossegue até os momentos atuais. Percebemos que o espaço contemporâneo é o resultado das transformações introduzidas pela Revolução Industrial em suas diferentes etapas. O modo de vida atual é, direta ou indiretamente, fruto das transformações trazidas pela tecnologia industrial. Independentemente do fato de um lugar abrigar ou não a indústria em seu espaço físico, ela está presente nos produtos consumidos pela população local, nos meios de comunicação e nos meios de transporte. A indústria foi responsável pelas grandes transformações urbanas, pela multiplicação de diversos ramos de serviços que caracterizam a cidade moderna e pelo desenvolvimento dos meios de transporte e comunicação, que, nacional e mundialmente, interligaram as regiões. Foi responsável também pela maior produtividade, pela conseqüente elevação da produção agrícola e pelo êxodo rural. Além disso, introduziu um novo modo de vida e novos hábitos de consumo, criou novas profissões, promoveu uma nova estratificação da sociedade e uma nova relação desta com a natureza. O setor secundário foi predominante durante um longo período, mas a necessidade de reciclagem constante na área técnico-científica deslocou as atenções para o setor terciário, que passou a incluir novos serviços, como a pesquisa e o desenvolvimento. No quadro de desenvolvimento acelerado que caracteriza os tempos atuais, a informática e a robótica exercem um papel de destaque, impulsionando a nova revolução industrial que está em curso: a Revolução Técnico-Científica. Analisaremos separadamente cada uma desses momentos Revolução Industrial

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Por Revolução Industrial podemos entender as profundas transformações resultantes do progresso da técnica aplicada à indústria, ou seja, a passagem de uma sociedade rural e artesanal para uma sociedade urbana e industrial. A Revolução Industrial aconteceu na Inglaterra na segunda metade do século XVIII e encerrou a transição entre feudalismo e capitalismo, a fase de acumulação primitiva de capitais e de preponderância do capital mercantil sobre a produção. Completou ainda o movimento das revoluções burguesas, iniciadas na Inglaterra no século XVI , responsáveis pela crise do Antigo Regime, na passagem do capitalismo comercial para o industrial. Juntamente com a Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa assinala a transição da Idade Moderna para Contemporânea. A Revolução Industrial se caracteriza pela substituição das ferramentas pelas máquinas, da energia humana pela energia motriz e do modo de produção doméstico pelo sistema fabril; revolução, em função do enorme impacto sobre a estrutura da sociedade, num processo de transformação acompanhado por notável evolução tecnológica. As principais causas da Revolução Industrial foram a acumulação de capitais provenientes da expansão comercial e da política mercantilista, transformações na estrutura agrária, liberando mão-de-obra para a cidade, acelerado processo de urbanização, ascensão da burguesia e invenções mecânicas e a utilização de fontes de energia modernas. Como conseqüência, percebemos que a Revolução Industrial alterou profundamente as condições de vida do trabalhador braçal, provocando inicialmente um intenso deslocamento da população rural para as cidades, com enormes concentrações urbanas. A produção em larga escala e dividida em etapas irá distanciar cada vez mais o trabalhador do produto final, já que cada grupo de trabalhadores irá dominar apenas uma etapa da produção.

Na esfera social, o principal desdobramento da revolução foi o surgimento do proletariado urbano (classe operária), como classe social definida. Vivendo em condições deploráveis, tendo o cortiço como moradia e submetido a salários irrisórios com longas jornadas de trabalho, esse operariado nascente era facilmente explorado, devido também, à inexistência de leis trabalhistas. O desenvolvimento das ferrovias irá absorver grande parte da mão-de-obra masculina adulta, provocando em escala crescente a utilização de mulheres a e crianças como trabalhadores nas fábricas têxteis e nas minas. O agravamento dos problemas sócio-econômicos com o desemprego e a fome, foram acompanhados de outros problemas, como a prostituição e o alcoolismo. A separação entre capital e trabalho resultante da Revolução Industrial é representado socialmente pela polarização entre burguesia e proletariado. Esse antagonismo define a luta de classes típica do capitalismo, consolidando esse sistema no contexto da crise do Antigo Regime. Características da primeira e segunda revolução industrial O espaço geográfico, a partir das transformações sócio-econômicas dos séculos XV e XVI, passou a ter abrangência mundial. A organização espacial variou de acordo com papel diferenciado que ocuparam as colônias, as metrópoles e outras regiões do globo, com maior ou menor grau de integração ao novo sistema econômico. Porém, a mais profunda transformação espacial ocorreu com a introdução da indústria moderna na Inglaterra, que marcou o início do capitalismo industrial. A industrialização não provocou mudanças apenas na forma de produção, mas direcionou toda a configuração do espaço atual. Modificou as relações sociais e territoriais, difundiu cultura e técnica, aprofundou a competição entre os povos, concentrou a

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população no espaço e provocou o crescimento cada vez maior das cidades. Com a invenção da máquina a vapor e sua incorporação à produção industrial, os trabalhadores eram obrigados a trabalhar conforme o ritmo das máquinas, de maneira padronizada. Outra parte da mão-de-obra disponível foi requisitada para trabalhar nas minas de carvão (fonte de energia dessa primeira fase da Revolução Industrial). Nesse período, o lucro não advinha mais da exploração das colônias, mas sim, da produção de mercadorias pelas indústrias, que trazia embutido a exploração dos trabalhadores através da mais-valia. Nos séculos XVIII e XIX, o capitalismo prosperava na forma de pequenas e numerosas empresas, que competiam por uma fatia do mercado, sem que o Estado interferisse na economia. Nessa fase, predominava a doutrina de Adam Smith, segundo a qual o mercado deve ser regido pela livre concorrência, baseada na lei da oferta e da procura. Dentro das fábricas, mudanças importantes aconteceram: a produtividade e a capacidade de produzir aumentaram velozmente; aprofundou-se a divisão do trabalho e cresceu a produção em série. Nessa época, segunda metade do século XIX, ocorreu o que se convencionou chamar de Segunda Revolução Industrial. Uma das características mais importantes desse período foi a introdução de novas tecnologias e novas fontes de energia no processo produtivo. Pela primeira vez, tendo como pioneiros a Alemanha e os Estados Unidos, a ciência era apropriada pelo capital, sendo posta a serviço da técnica, ao contrário da primeira revolução industrial onde as tecnologias eram resultados espontâneos e autônomos. Agora empresas eram criadas com o fim de descobrirem novas técnicas de produção. Com o brutal aumento da produção, acirrou-se cada vez mais a concorrência. Era cada vez maior a necessidade de se garantirem novos mercados consumidores, novas fontes de

matérias-primas e novas áreas para investimentos lucrativos. Foi dentro desse quadro que ocorreu a expansão imperialista na Ásia e na África, o que consolidou de vez a divisão internacional do trabalho. Durante a segunda fase da Revolução Industrial, o desenvolvimento da industrialização em outros países e a aplicação de novas tecnologias à produção e ao transporte modificaram profundamente a orientação liberal. As novas tecnologias foram empregadas nas indústrias metalúrgica, siderúrgica, no transporte ferroviário entre outras. Esses setores industriais dependiam de investimentos maiores que aqueles realizados na primeira fase da Revolução Industrial. Era necessária a união de vários empreendedores para a produção das novas mercadorias. Boa parte da indústria passou a contar com o capital bancário ou financeiro. No final do século XIX, a fusão entre o capital industrial e o financeiro e, mesmo a fusão entre indústrias, levou ao aparecimento de empresas gigantescas, os monopólios e oligopólios (empresas de grande porte que se associam para controlar o mercado), ocorrendo, com isso, um enfraquecimento da livre concorrência. Pela baixa competitividade, as pequenas empresas, que não acompanharam essa nova tendência do desenvolvimento econômico capitalista, faliram ou foram absorvidas pelas grandes. Revolução técnico-científica A ciência, no estágio atual, está estreitamente ligada à atividade industrial e às outras atividades econômicas: agricultura, pecuária, serviços. É um componente fundamental, pois, para as empresas, o desenvolvimento científico e tecnológico é rever-tido em novos produtos e em redução de custos, permitindo a elas maior capacidade de competição num mercado cada vez mais disputado.

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As grandes multinacionais possuem seus próprios centros de pesquisa e o investimento científico, em relação ao conjunto da atividade produtiva, tem sido crescente. Em meados da década de 80, por exemplo a IBM norte-americana possuía cerca de 400 mil empregados em todo o mundo, entre os quais 10% trabalhavam na área de pesquisa. O Estado, por meio das universidades e de outras instituições, também estimula o desenvolvimento econômico, preparando pessoas e capacitando-as ao exercício de funções de pesquisa, na área industrial ou agrícola, assim como no desenvolvimento de tecnologias, transferidas ou adaptadas às novas mercadorias de consumo ou aos novos equipamentos de produção. Nesse sentido, a pesquisa científica aplicada ao desenvolvimento de novos produtos tornou-se parte do planejamento estratégico do Estado, visando ao desenvolvimento econômico. Com a Revolução Técnico-científica, o tempo entre qualquer inovação e sua difusão, em forma de mercadorias ou de serviços, é cada vez mais imediato. Os produtos industriais classificados genericamente como bens de consumo duráveis, especialmente aqueles ligados aos setores de ponta como a microeletrônica e informática, tornam-se obsoletos devido à rapidez com que são superados pela introdução de novas tecnologias. Os impactos mundiais dos avanços técnico-científicos foram marcantes a partir da Segunda Guerra Mundial. Foi possível delimitar, a partir daí (considerando-se também a relatividade dessa demarcação temporal), o início de uma Terceira Revolução Industrial. A microeletrônica, o microcomputador, o software, a telemática, a robótica, a engenharia genética e os semicondutores são alguns dos símbolos dessa nova etapa. Essa fase tem modificado radicalmente as relações internacionais e os processos de produção característicos do sistema fabril introduzido pela Revolução Industrial, bem como tem possibilitado a criação de novos produtos e a

utilização de novas matérias-primas e fontes de energia. Esse novo contexto criado pelas novas tecnologias de produção alteram inclusive os antigos critérios de localização industrial. Atualmente a instalação das grandes empresas multinacionais não está necessariamente associada à proximidade de fontes de matérias-primas e de mão-de-obra barata. Apenas alguns setores industriais, como calçados, têxteis, brinquedos, montagem de aparelhos de TV e eletroeletrônicos, ainda tiram vantagem quanto à sua instalação em regiões onde prevalecem a baixa qualificação e o custo reduzido da mão-de-obra. Mas esta não é a tendência da economia industrial da Revolução Técnico-científica, cujo pressuposto é produzir cada vez mais, com cada vez menos trabalhadores. Tanto na Primeira como na Segunda Revolução Industrial, a margem de lucro das empresas se elevava à proporção que os salários decresciam. Quanto menor o salário, maior era o lucro retido pela empresa. O processo de expansão das multinacionais intensificou-se a partir da década de 50 em direção aos países do Terceiro Mundo e seguia este mesmo princípio: a elevação das taxas médias de lucro tinha como pressuposto a exploração da mão-de-obra barata desses países. A Revolução técnico-científica, movida pela produtividade, ao mesmo tempo em que pode gerar mais riquezas e ampliar as taxas de lucros, é também responsável pelo desemprego de centenas de milhares de pessoas em todo o mundo. Artesanato, Manufatura e Indústria. Indústria é o conjunto das atividades realizadas na transformação de objetos em estado bruto, as chamadas matérias-primas naturais ou não, em produtos que tenham uma aplicação e satisfaçam as necessidades do homem.

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A fim de melhor compreender como se deu o desenvolvimento técnico do trabalho, veremos, inicialmente, a evolução histórica da indústria, reconhecendo três estágios fundamentais: o artesanato, a manufatura e a maquinofatura ou indústria. Artesanato O artesanato é o estágio em que o produtor (artesão) executava sozinho todas as fases da produção e até mesmo a comercialização do produto. Não havia divisão do trabalho nem o emprego de máquinas, somente de ferramentas simples. O artesanato foi a forma de produção característica da Baixa Idade Média (até o séc. XVII), durante o renascimento urbano e comercial, sendo representado por uma produção de caráter familiar, na qual o artesão possuía os meios de produção (era o proprietário da oficina e das ferramentas) e trabalhava com a família em sua própria casa, realizando todas as etapas da produção, desde o preparo da matéria-prima, até o acabamento final; ou seja não havia divisão do trabalho ou especialização. Em algumas situações o artesão tinha junto a si um ajudante, porém não assalariado, pois realizava o mesmo trabalho pagando uma "taxa" pelo utilização das ferramentas. É importante lembrar que nesse período a produção artesanal estava sob controle das corporações de ofício, assim como o comércio também encontrava-se sob controle de associações, limitando o desenvolvimento da produção. Manufatura A manufatura corresponde ao estágio intermediário entre o artesanato e a maquinofatura ou indústria. Nesse estágio já ocorria a divisão do trabalho (cada operário realizava uma tarefa ou parte da produção), mas a produção ainda dependia fundamentalmente do trabalho manual, embora já houvesse o emprego de máquinas simples. Esse estágio corresponde à fase inicial do capitalismo (1620-1750).

A manufatura, predominou ao longo da Idade Moderna, resultando da ampliação do mercado consumidor com o desenvolvimento do comércio monetário. Nesse momento, já ocorre um aumento na produtividade do trabalho, devido a divisão social da produção, onde cada trabalhador realizava uma etapa na confecção de um produto. A ampliação do mercado consumidor relaciona-se diretamente ao alargamento do comércio, tanto em direção ao oriente como em direção à América, permanecendo o lucro nas mãos dos grandes mercadores. Outra característica desse período foi a interferência do capitalista no processo produtivo, passando a comprar a matéria prima e a determinar o ritmo de produção, uma vez que controlava os principais mercados consumidores. Indústria/Maquinofatura É o estágio atual, iniciado com a Revolução Industrial, podendo ser caracterizado pelo emprego maciço de máquinas e fontes de energia modernas (carvão mineral, petróleo, etc.), produção em larga escala, grande divisão e especialização do trabalho (1750 até hoje). A partir da máquina fala-se numa primeira, numa segunda e até numa terceira e quarta Revolução Industrial. Porém, se concebermos a industrialização, como um processo, seria mais coerente falar-se num primeiro momento (energia a vapor no século XVIII), num segundo momento (energia elétrica no século XIX) e num terceiro e quarto momentos, representados respectivamente pela energia nuclear e pelo avanço da informática, da robótica e do setor de comunicações ao longo dos século XX e XXI, porém aspectos ainda discutíveis. Abaixo veremos esse processo de industrialização, enquanto desenvolvimento técnico, com maiores detalhes. 3- Determinismo Tecnológico. O Determinismo Tecnológico é uma visão amplamente mantida nas ciências sociais desde Marx segundo a qual a força motriz da história é o avanço tecnológico. Os deterministas acreditam

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que a tecnologia não é controlada humanamente, mas que, pelo contrário, controla os humanos, isto é, molda a sociedade às exigências de eficiência e progresso. Os deterministas tecnológicos usualmente argumentam que a tecnologia emprega o avanço do conhecimento do mundo natural para servir às características universais de natureza humana, tais como as necessidades e faculdades básicas. Cada descoberta que vale a pena se endereça a algum aspecto de nossa natureza, preenche uma necessidade básica ou estende nossas faculdades. A comida e o abrigo são necessidades desse tipo e motivam alguns avanços. As tecnologias como o automóvel estendem nossos pés enquanto os computadores estendem nossa inteligência. A tecnologia enraíza-se por um lado no conhecimento da natureza e por outro nas características genéricas da espécie humana. Não depende de nós adaptar a tecnologia a nossos caprichos senão pelo contrário, nós devemos nos adaptar à tecnologia como expressão mais significativa de nossa humanidade. O conceito de Determinismo Tecnológico, que atualmente é a teoria mais popular sobre a relação entre tecnologia e sociedade, foi criado pelo sociólogo Thorstein Veblen e cultivado e aperfeiçoado por Robert Ezra Park, da Universidade de Chicago. Em 1940, Park declarou que os dispositivos tecnológicos estavam modificando a estrutura e as funções da sociedade, noção que serviu de ponto de partida para uma corrente teórica em todos os aspectos inovadora. Desde a Segunda Guerra Mundial, os cientistas têm considerado a tecnologia como um dilema moral e que seu uso pode causar conseqüências profundas na humanidade e no planeta. Os sociólogos vêem o problema através do aumento da complexidade e da velocidade das mudanças que a tecnologia está trazendo para a sociedade. Segundo eles, as mudanças tecnológicas ultrapassam a habilidade das pessoas e das diversas sociedades para adaptar-se a elas. Para

outras, ainda, a tecnologia é vista como uma força dominante na sociedade, colocando obstáculos para a liberdade humana. De acordo com os deterministas tecnológicos as tecnologias (particularmente as da comunicação ou mídias) são consideradas como a causa principal das mudanças na sociedade, e são vistas como a condição fundamental de sustentação do padrão da organização social. Os deterministas tecnológicos interpretam a tecnologia como a base da sociedade no passado, presente e até mesmo no futuro. Novas tecnologias transformam a sociedade em todos os níveis, inclusive institucional, social e individualmente. Os fatores humanos e sociais são vistos como secundários. 4 - Processo e Organização do Trabalho. Buscando eficiência, produção em larga escala e adaptação à nova demanda, a indústria norte-americana do pós-guerra estrutura-se no trabalho especializado em determinada tarefa. Essa nova forma de organização do processo de trabalho são preconizadas pelo fordismo e pelo Taylorismo. Contudo, a necessidade de redução dos custos por parte das empresas para a geração de maiores lucros e o surgimento de novos produtos e recursos de produção industrial exigiram alterações nas tradicionais práticas de produção, universais a partir da década de 50, com a expansão das multinacionais. Taylorismo O Taylorismo é um sistema de organização do trabalho, especialmente industrial, baseado na separação das funções de concepção e planejamento da função de execução, na fragmentação e na especialização das tarefas, no controle de tempos e movimentos e na remuneração por desempenho. O Taylorismo é uma estratégia patronal de gestão/organização do processo de trabalho e, juntamente com o fordismo, integra a

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Organização Científica do Trabalho. Conjugado à utilização intensiva de maquinaria, a ênfase do Taylorismo é no controle e na disciplina fabris, com vistas à eliminação da autonomia dos produtores diretos e do tempo ocioso como forma de assegurarem aumentos na produtividade do trabalho. Os princípios de racionalização produtivista do trabalho foram sistematizados e desenvolvidos pelo engenheiro F. W Taylor (1856-1915), empregado da Bethlehem Steelworks e, depois, consultor de empresas. Desde o início, a organização capitalista da produção esbarrou na autonomia dos produtores diretos e na sua capacidade de definir a seqüência das tarefas e os ritmos de trabalho. Deste confronto, resultava uma multiplicidade de formas de produzir. Ao longo do século 19, intensificaram-se as tentativas de se reduzirem o domínio operário e aquilo que os empresários denominavam a “anarquia da produção”. Taylor analisou essas experiências, completando-as com sistemáticos estudos sobre os tempos e movimentos, utilizando, pela primeira vez, detalhadas planilhas e o cronômetro. Os princípios básicos do Taylorismo são: a) Separação programada da concepção/planejamento das tarefas de execução. O administrador expropria ao máximo o saber do operário, reordenando-o a fim de atender às necessidades de acumulação do capital. As iniciativas e o trabalho cerebral são banidos das oficinas e centrados na administração superior. Segundo Taylor, “os trabalhadores não são pagos para pensar, mas para executar”; b) Intensificação da divisão do trabalho. Graças ao estudo dos tempos e movimentos é possível decompor-se o trabalho em parcelas elementares e simplificadas e, assim, encontrarem-se maneiras mais rápidas e eficientes de executá-las (“the one best way”). Cada tarefa corresponde a um posto de trabalho e, graças a um criterioso processo de recrutamento, é possível destacar-

se o operário mais adequado para ocupá-lo (“the right men in the right place”); c) Controle de tempos e movimentos, objetivando-se eliminar a “porosidade” na jornada de trabalho, isto, é o tempo não dedicado às tarefas produtivas. A esses princípios, agrega-se o estímulo ao desempenho individual (salários e prêmios por produção) e a criação de uma estrutura hierarquizada na qual atuam especialistas de controle (engenheiros, contramestres, cronometristas). Os princípios tayloristas foram aplicados de tal maneira generalizada e intensiva, que eles configuraram o paradigma explicativo do regime de acumulação para o período compreendido entre o final da Primeira Guerra mundial até meados dos anos 1970. O surgimento de novas formas de gestão da força de trabalho no regime de acumulação flexível não pode ser entendido como a superação da Organização Científica do Trabalho. Seus princípios continuam sendo aplicados nos mais diferentes ambientes de trabalho. Organizado pelo Taylorismo, o trabalho transfigurou-se em atividade: fragmentada, repetitiva, monótona e desprovida de sentido. Perdendo sua autonomia, sua capacidade de usar a criatividade, o trabalhador transformou-se em operário-massa, alienado do conteúdo do seu esforço produtivo. Referendando os preceitos liberais, o Taylorismo considera o embrutecimento e a alienação do trabalho como irrelevantes. O que conta são a vida e o consumo no pós-trabalho. O Taylorismo institucionalizou a violência normativa e a “loucura racional”. Fordismo A indústria automobilística caracterizou-se por ser pioneira na organização do processo de trabalho industrial. Foi dela que se originou tanto o fordismo quanto os métodos flexíveis de produção. Foi nela que se introduziu o uso de robôs industriais e da produção informatizada. Antes meramente artesanal e individualizada, a produção de automóveis ganharia logo a massificação.

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Ford, então, aplicaria os métodos do Taylorismo, também chamado de organização científica do trabalho (OCT), para atender um potencial consumo de massas. Surge, então, aprimeira característica do fordismo: a produção em massa. A justificativa para isso é que apenas a produção em massa poderia reduzir os custos de produção e o preço de venda dos veículos. No entanto, produção em massa significa um grande número de empregos e um conseqüente achatamento dos salários. O trabalho massificado ganha condições de trabalho precário, reforçado por uma segunda característica fordista, a racionalização da produção através do parcelamento de tarefas fundado na tradição taylorista. Parcelamento de tarefas implica que o trabalhador não necessita mais ser um artesão especialista em mecânica, sendo necessária apenas resistência física e psíquica num processo de produção constituído por um número ilimitado de gestos, sempre os mesmos, repetidos ao infinito durante sua jornada de trabalho. Este processo é completado por uma terceira característica, a linha de montagem, que permite aos operários, colocados um ao lado do outro e em frente a uma esteira rolante, realizar o trabalho que lhes cabe, ligando as tarefas individuais sucessivas. Mas era necessário adequar ainda mais a produção aos objetivos traçados. E foi no intuito de reduzir o trabalho do operário a gestos simples e repetitivos e evitar constantesadaptações das peças produzidas aos veículos, que Ford decidiu por padronizá-las. Ocorre, então, o que se chama de integração vertical, ou seja, o controle da produção total de autopeças, comprando as firmas fabricantes. Essas transformações permitem que a fábrica fordista seja automatizada. É preciso destacar que o Fordismo não se confunde com o Taylorismo. Tratam-se de processos de trabalho com traços particulares, que podem, no entanto, encontrar-se juntos numa mesma empresa. O Taylorismo caracteriza-se pela intensificação do trabalho através da racionalização científica (estudando os tempos e movimentos na execução de uma

tarefa), tendo como objetivo eliminar os movimentos inúteis através da utilização de instrumentos de trabalho mais adaptados à tarefa. O fordismo é uma estratégia mais abrangente de organização da produção, que envolve extensa mecanização, com uso de máquinas-ferramentas especializadas, linha de montagem e de esteira rolante e crescente divisão do trabalho. Enquanto que o Taylorismo pode ser aplicado em firmas médias e pequenas, o fordismo difunde-se, principalmente em grandes empresas produtoras de bens de consumo duráveis (tecnicamente mais complexos), tendo em vista a produção de produtos padronizados, para consumo de massa, utilizando, portanto, economia de escala. O aparecimento do fordismo revela que a empresa que muda radicalmente a organização da produção para ser mais eficaz e adaptar-se à demanda, assume a liderança da indústria, conquistando fatias do mercado e se tornando dominante. Dessa forma, os rivais têm que seguir o modelo dominante para não desaparecerem ou saírem do mercado. É o que acontece com as demais indústrias de automóveis como a General Motors e a Chrysler, por exemplo. No entanto, a acirrada competição entre as empresas impede que recursos suficientes fossem destinados à melhoria de certas condições de trabalho, pois eram necessários custos de produção cada vez mais baixos para conquistar fatias do mercado. Neste contexto de deterioração cada vez maior das condições de trabalho, com os operários sendo submetidos a trabalhos precários e mal remunerados, é que resulta a crise estrutural do capital. A crise do modelo fordista/taylorista O período em que o Fordismo/Taylorismo vigorou como modelo dominante possibilitou um grande acúmulo de capitais pelas empresas automobilísticas. No entanto, os anos 70 marcaram o início de uma crise estrutural que se caracterizou, principalmente, pela queda na taxa de lucro causada pelo aumento do preço da força de trabalho,

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resultante das lutas entre capital e trabalho dos anos 60, pelo desemprego estrutural que se iniciava, causando uma retração do consumo que o modelo fordista/taylorista mostrou-se incapaz de solucionar, pela crise do Estado do bem-estar social e do aumento das privatizações, dados pela crise fiscal do Estado capitalista. A crise da estrutura capitalista ocorrida no final da era fordista era resultado, ainda, do sentido destrutivo da lógica do capital, verificado na tendência decrescente do valor de uso das mercadorias e na exploração cada vez maior do trabalhador, caracterizada pela intensificação do trabalho e da deterioração das condições de trabalho. Um modelo de produção no qual vigora um desrespeito evidente pela força humana que trabalha e cujos produtos têm cada vez menos vida útil (onde se observa um menosprezo também pelo público consumidor, peça fundamental do lucro mercadológico), não poderia ter outro fim senão a decadência. Mas o capital é dotado de um poderoso mecanismo de reorganização do metabolismo social, que mantém domínio sobre a totalidade dos seres sociais, sendo suas mais profundas determinações orientadas para a expansão e conduzidas pela acumulação. A crise do modelo fordista exigia que o capital viesse a estabelecer alterações em sua estrutura. Utilizando-se da experiência do fordismo, cria um novo modelo de produção que tem como objetivo solucionar os problemas que teriam levado o modelo anterior a uma crise estrutural. Tem início, então, um processo de reorganização, que teve como principal resultado a emergência do neoliberalismo, com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a falência do setor público estatal. Posterior a isso ocorre um intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho, que daria origem ao modelo flexível de produção. Tudo isso no intuito de recuperar o ciclo reprodutivo do capital.

Os modelos produtivos presentes no fordismo tiveram que ser totalmente reestruturados, sem, no entanto, transformar os pilares essenciais do modo de produção capitalista. Pretendia-se resgatar os níveis de acumulação existentes no período anterior. No fordismo, a produção em série dada ao redor de uma linha de montagem separava nitidamente elaboração e execução, suprimindo a dimensão intelectual do trabalho operário. Tidos apenas como extensão das máquinas e ferramentas, só cabia aos operários executar mecanicamente as respectivas tarefas, cuja organização e elaboração pertenciam à alçada da gerência científica. O operário fordista nunca era chamado a participar da organização do processo de trabalho, sendo relegado a uma atividade repetitiva e desprovida de sentido. As lutas por melhorias das condições de trabalho e pelo controle social da produção, ocorridas nos anos 60, teriam papel determinante no rompimento da separação entre elaboração e execução, uma vez que reivindicavam, entre outras pautas básicas, também uma maior participação do operariado na organização do trabalho. Percebeu-se, então, que os operários tinham se mostrado capazes de controlar diretamente não só o movimento reivindicatório mas o próprio funcionamento das empresas. Eles demonstraram, que não possuem apenas uma força bruta, mas também de inteligência, iniciativa e capacidade organizacional. Os capitalistas compreenderam que, em vez de limitar a explorar a força de trabalho física dos trabalhadores, privando-os de qualquer iniciativa e mantendo-os presos a atividades específicas típicas do modelo Fordista/taylorista, podiam multiplicar seu lucro explorando outros aspectos, como a organização, cooperação e inteligência. Nesse sentido, no âmbito acadêmico, desencadeia-se intenso debate sobre a origem e significado de tais mudanças: discute-se se o que está ocorrendo representaria uma ruptura em relação ao modelo fordista (pós-fordismo ou TOYOTISMO), ou, ao contrário, uma continuidade, apenas em novas roupagens (neofordismo).

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Os defensores da primeira tese afirmam que as condições de vigência do modelo fordista estariam esgotadas em razão de os mercados não mais aceitarem a padronização da produção fordista, exigindo produtos diferenciados, de acordo com demandas de diferentes segmentos sócio-culturais. A nova firma deveria, portanto, tornar-se flexível, capaz de responder rapidamente às freqüentes mudanças de demanda do mercado. x Os defensores da primeira tese afirmam que as condições de vigência do modelo fordista estariam esgotadas em razão de os mercados não mais aceitarem a padronização da produção fordista, exigindo produtos diferenciados, de acordo com demandas de diferentes segmentos sócio-culturais. A nova firma deveria, portanto, tornar-se flexível, capaz de responder rapidamente às freqüentes mudanças de demanda do mercado. Para tanto, utilizar-se-ia das possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias (flexibilidade do equipamento) e pelas novas formas de uso e de gestão da força de trabalho (trabalho em equipe e círculos de controle de qualidade, com ênfase na cooperação, na multifuncionalidade e na polivalência). Nesse sentido, as novas formas de produção demandariam um novo tipo de trabalhador: mais qualificado, mais flexível, mais envolvido com a produção. A percepção de que os novos métodos de produção expressariam a superação do modelo fordista é contestada pelos teóricos da chamada escola francesa da regulação. Esta escola propõe-se a tratar os processos de transformação da economia sob a perspectiva da acumulação do capital. Para ela, as alterações no modelo fordista, resultariam da incapacidade de esgotamento do fordismo para enfrentar, através de ganhos de produtividade, a crise do sistema capitalista, o que imporia às empresas, a necessidade de profunda reestruturação econômica, expressa pela introdução de novas tecnologias, flexibilidade dos processos e dos mercados de trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo. Entretanto, as novas formas de produção não teriam sido capazes de romper com os princípios

básicos do fordismo, entre eles, a separação entre concepção e execução. Permaneceria, portanto, o monopólio gerencial em termos de controle do processo de programação da tecnologia computadorizada, da esfera da pesquisa e desenvolvimento e do processo de informação e difusão. Não haveria, portanto, alterações significativas na divisão do trabalho: o trabalho de execução permaneceria na esfera da operação e manutenção das máquinas computadorizadas, sem intervir ao nível da programação. A tecnologia computadorizada seria utilizada como meio de se poupar mão-de-obra e de se elevarem a produtividade e a qualidade do produto. Nessa perspectiva, ressaltam-se aspectos negativos associados à produção flexível no que respeita à situação do trabalhador, ou seja, os altos índices de desemprego, o crescimento do trabalho em tempo parcial e do trabalho temporário ou sub-contratado, a ausência ou ganhos modestos de salários reais e o enfraquecimento do poder de barganha dos sindicatos. Junto a isto, são apontados: o rápido crescimento da economia informal mesmo em países industrialmente avançados; o retorno do trabalho doméstico familiar artesanal, que implicaria o ressurgimento de práticas mais atrasadas de exploração dos trabalhadores. O debate em torno da questão da ruptura ou continuidade do modelo fordista de produção não pode, no entanto, ser abordado em termos de dicotomia. Em relação ao uso e gestão da força de trabalho, mesmo admitindo-se os limites restritos de participação dos trabalhadores, há que se reconhecer que as novas formas de gestão valorizam a capacidade de expressão do trabalhador, o que, por si só, constituiria mudança significativa face às formas fordistas de gestão. Toyotismo O operário tido não só como extensão da máquina, mas também como ser pensante, consciente e integrado ao processo produtivo cria

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as bases de um novo modelo de produção, o Toyotismo. Se antes se procurava manter o operário longe das decisões organizacionais relacionadas à produção, no toyotismo há uma inversão de valores, com a valorização do operário participativo, integrado ao processo produtivo. Da mesma forma, se no modelo anterior a lei era um operário/uma máquina, no toyotismo passa a vigorar o operário polivalente e multifuncional, capaz de trabalhar com diversas máquinas simultaneamente. Surge o que se chama de flexibilidade profissional, na qual se verifica a mescla entre elaboração e execução de tarefas e estratégias organizacionais. O trabalhador tornado polivalente é o que conhece além das suas atribuições peculiares, sendo capaz de compreender a essência do processo produtivo. Com a possibilidade de conhecer outras operações, pode-se reforçar a cooperação entre os funcionários de uma organização, aumentando a eficiência e a produtividade em prol do capitalismo. O operário meramente executor não era mais lucrativamente interessante para o capital frente ao operário polivalente e participativo. Além disso, as lutas sociais do operariado em defesa de melhores condições de trabalho e respeito aos direitos do trabalhador perturbavam os interesses do capital e deveriam ser rapidamente solucionadas. Ao capital cabia uma resposta à sua própria crise, à crise do fordismo. E o seu sistema de metabolismo social apresenta a solução que melhor corresponde aos seus interesses de lucratividade: incorpora as reivindicações por melhores condições de trabalho investindo na qualificação profissional dos trabalhadores e passando a valorizá-la nas políticas de contratação de mão-de-obra e ascensão hierárquica nas empresas. O capital destrói, então, o operário/executor e reconstrói o profissional polivalente, flexível, participativo, organizativo e altamente especializado. Assim, a empresa ao invés de possuir trabalhadores que são meros executores passa a ter profissionais mais rentáveis que são, ao mesmo tempo, executores e administradores, que conhecem o processo produtivo e são

extremamente capazes de identificar e corrigir erros. O toyotismo surgiu como solução para a crise do capital ocorrida nos anos 70. Originário no Japão, das fábricas de automóveis Toyota, ganhou terreno e estendeu-se pelo mundo todo. Com ele, uma nova forma de organização industrial e de relação entre capital e trabalho emerge das cinzas do Taylorismo/fordismo. Estas novas relações eram mais favoráveis aos trabalhadores quando comparadas às existentes no modelo anterior, principalmente por possibilitarem o advento de um trabalhador mais qualificado, participativo, multifuncional, polivalente, dotado de maior realização no ambiente de trabalho. O toyotismo é um estágio superior de racionalização do trabalho, que não rompe, a rigor, com a lógica do Taylorismo e fordismo, é por isso que alguns autores o denominam de “neofordismo”. Entretanto, no campo da gestão da força de trabalho, o toyotismo realiza um salto qualitativo na captura da subjetividade do trabalho pelo capital, se distinguindo do Taylorismo e fordismo por promover uma via original de racionalização do trabalho, desenvolvendo, sob novas condições sócio-históricas e tecnológicas, as determinações presentes nas formas tayloristas e fordistas, principalmente no que diz respeito à racionalidade tecnológica. Pode-se até afirmar que o Toyotismo é um Fordismo adequado à era das “novas máquinas”, da automação flexível, que constitui uma nova base técnica para o sistema do capital, e da crise estrutural de superprodução. Estratégias como o just in time, team work, kanban, a eliminação do desperdício e o controle de qualidade total são parte do discurso do modelo toyotista de produção e adotadas pelas empresas em todo o mundo. Essas estratégias tornaram-se modismo entre os consultores de Recursos Humanos e demais especialistas em contratação de profissionais. Somente as empresas que se encontram integradas a tais estratégias são tidas como empresas-modelo,

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recebendo os certificados de qualidade ISO 9000, 9001, 9002, etc. Contudo, divulgam-se as mudanças no processo produtivo, ocorridas com o advento do toyotismo, enfatizando melhorias no que diz respeito ao trabalho mais qualificado e habilitado – como o trabalho em equipe, a multifuncionalidade e a polivalência, a flexibilidade, mas se oculta que este mesmo processo tem levado freqüentemente à intensificação e precarização do trabalho. No tocante à qualidade, parte-se da idéia da focalização das atividades da empresa em produtos e tarefas onde se garanta sua maior competitividade e lucratividade, deixando as outras atividades complementares para firmas “terceirizadas” que passam a fazer parte, de modo decisivo, do processo produtivo; e da detecção e resolução rápida dos problemas surgidos na linha de produção, tornando sua correção menos onerosa. Isso exige uma ação mais engajada dos trabalhadores em um processo de melhoria contínua do curso de produção (kaisen). Esta preocupação deve ser compartilhada por todos, que seriam sempre estimulados a promover inovações, trazendo a manufatura para o centro da estratégia gerencial da empresa. No intuito de convencer a todos de que o ambiente e as relações de trabalho são os melhores possíveis, estabelece-se os certificados de qualidade ISO. Isso também se verifica com as mercadorias, que só são liberadas para o mercado quando passam pelas inspeções de qualidade. O mesmo ocorrendo com os profissionais a serem contratados ou analisados, só prevalecendo os que forem qualificados (ou seja, terem qualidade) o suficiente. Os lucros capitalistas dependem do mercado e do consumidor. Se o mercado exige qualidade é porque o público consumidor também exige. E o capital sabe muito bem disso e por isso instaura os programas e certificados de qualidade total.

Percebe-se assim que o discurso da qualidade total é mais uma das estratégias do capital para atingir seu objetivo único e primordial: o lucro. O divulgado respeito pelo consumidor, que sofre com a baixa qualidade dos produtos ou pelo trabalhador, afetado pela intensificação e exploração do processo de trabalho, ocultados pelos certificados de qualidade, ocorrido com os processos de reestruturação produtiva, não passa de alienação diante da realidade. JUST-IN-TIME (no exato tempo) É a forma de administração da produção industrial e de seus materiais, segundo a qual a matéria-prima e os estoques intermediários necessários ao processo produtivo são supridos no tempo certo e na quantidade exata. Consiste na redução dos estoques de matéria-prima e de peças intermediárias, conseguida através da linearização do fluxo da produção e de sistemas visuais de informação (kanban). Através dela, busca-se chegar a um estoque zero. Requer a transformação do layout tradicional da fábrica em seções fixas, constituídas por máquinas similares (setor de tornos, de fresas, etc.), em uma seqüência de pequenas unidades ou células independentes, que funcionam como clientes e fornecedores. Cada unidade de produção emite à unidade anterior, através de um cartão (kanban), a informação de quantas peças devam ser produzidas ou a quantidade de matéria-prima necessária. Em decorrência dessa nova configuração, a produção em massa é substituída pela produção de pequenos lotes diversificados para se atender a um mercado mais exigente. Responde, igualmente, aos imperativos da crise econômica do período, transformando o capital anteriormente investido em estoques e espaço em capital circulante que passa a ser investido no mercado financeiro, uma vez que também é característica desse novo mercado o aumento da taxa de juros. Perda zero é uma idéia subjacente ao just-in-time: todos os elementos que não agreguem valor ao produto são considerados desperdício e devem ser eliminados. O controle

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de qualidade total, ou seja, a qualidade produzida e controlada na fonte pelo próprio operador, também é um conceito-chave dentro do sistema. Este modelo é chamado just-in-time interno quando o suprimento do fluxo de produção dá-se dentro da mesma empresa, e just-in-time externo quando envolve outras empresas da cadeia produtiva. Por depender, fundamentalmente, de que os materiais sejam supridos no momento certo, o just-in-time só se torna eficaz com este envolvimento dos fornecedores externos. Considerado, por alguns, uma filosofia gerencial e, por outros, apenas uma técnica, é a espinha dorsal do que se convencionou chamar o Modelo Japonês, Toyotismo, pois segundo os pesquisadores, é um dos elementos que pode ser encontrado em todas as empresas japonesas que aderiram ao novo modelo. KAN-BAN (placa visível, placa, e tc.) Refere-se ao sistema visual de informação utilizado para administrar o just-in-time. Esse sistema, utilizado, pela primeira vez pela Toyota japonesa, constitui-se em um conjunto de cartões que indica a quantidade necessária de matéria-prima ou de peças intermediárias a serem produzidas para se suprir a célula seguinte. O kan-ban, tal qual, introduzido pela Toyota japonesa, diferencia-se do sistema de cartões de informação que acompanham a produção nos moldes industriais tradicionais: enquanto estes se baseiam em um planejamento a priori da produção, empurrando-a desde o estoque até o setor de vendas, o kan-ban funciona como chamada para a quantidade a ser produzida pelas unidades anteriores, fazendo com que a produção seja acionada do fim para o início. ESPECIALIZAÇÃO FLEXÍVEL A especialização flexível é uma expressão consagrada por Piore e Sabel (1984), constituindo-se em um paradigma alternativo para a produção capitalista, o qual se funda em elementos da produção artesanal em pequenos lotes, com tecnologia multipropósito,

ancorada em trabalhadores qualificados e dotada de capacidade de alterar constantemente o mix de produção com baixos custos de reconversão, em oposição ao paradigma da produção em massa, que teria dominado o desenvolvimento econômico internacional desde o século XIX. 5 - Divisão do Trabalho e Distribuição das Tarefas. A divisão técnica do trabalho, ou seja, a especialização do trabalhador em tarefas cada vez mais segmentadas no processo produtivo, é também uma característica importante do modo capitalista de produção, uma vez que proporciona aumento de produtividade. A indústria manufatureira evoluiu para a produção mecanizada, possibilitando a constituição de grandes empresas, nas quais se implantou o processo de divisão técnica do trabalho e a especialização da mão-de-obra. Partindo dessa premissa, conclui-se que o processo produtivo é dividido entre trabalho manual e trabalho intelectual, ou seja, de um lado estão aqueles que planejam e controlam, enquanto do outro há aqueles que executam as ações consideradas braçais. O trabalho intelectual, que é apropriado pelos privilegiados capitalistas, compreende as ciências, as artes, a idéia, a concepção, a invenção, o cálculo, o governo e a direção geral. O trabalho manual, de que se ocupa o povo, se define pela execução manual reduzida a uma ação puramente mecânica. Desta divisão do trabalho deriva a ideologia dominante de uma época, ideologia que, na visão crítica de Marx, não é outra se não a da classe dominante. No sentido marxista, a divisão do trabalho diz respeito à divisão entre o trabalho manual/físico e intelectual/mental. Essa divisão, objeto de inúmeras críticas de Marx, será contemplada no modelo fordista/taylorista de organização do trabalho. Alguns sociólogos afirmam que o conceito de divisão técnica do trabalho ocorrida no âmbito do trabalho se repete no âmbito escolar. No entanto é preciso superar a dicotomia de trabalho

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manual e intelectual, entre formação profissional e instrução geral, atingindo o conceito de politecnia proposto por Marx, ou seja, articulação entre trabalho intelectual e trabalho manual e envolvimento de uma formação a partir do próprio trabalho social que desenvolve os fundamentos, os princípios, que estão na base da organização do trabalho em nossa sociedade e que, portanto, nos permitem compreender o seu funcionamento. De acordo com a ótica do capital, seguindo a divisão técnica do trabalho vista acima, a formação profissional baseia-se na distinção entre formação para o trabalho manual para a grande massa de trabalhadores e formação para o trabalho intelectual para uma elite privilegiada. Na Sociologia do Trabalho o conceito tem tido aplicação nomeadamente ao nível do fracionamento/fragmentação das tarefas de execução na indústria. Próximos e com ele articulados estão os conceitos de especialização e qualificação do trabalho (e dos trabalhadores). A compreensão do saber operário no processo de organização do trabalho nos levará a um entendimento mais amplo da divisão técnica do trabalho. 6-Saber Operário, Trabalho Parcelado e Trabalho Integral. Ao analisar a evolução histórica da administração capitalista, podemos perceber sob que contexto as novas modificações vão sendo introduzidas, abrindo espaço para o saber operário. Verifica-se que esse espaço reconquistado é fruto de embates entre capital e trabalho e de interesses também de ambas as partes, dentro da própria organização do trabalho. A separação entre concepção e execução do trabalho se dá inicialmente com os princípios formulados por Taylor, no final do século XIX e início deste século, visando a aplicação de métodos e técnicas, designados como "científicos", para responder às demandas crescentes do capitalismo em expansão, tentando com isto controlar o ritmo do trabalho,

intensificando-o ao máximo, a fim de aumentar a extração de mais-valia. Na teoria formulada por Taylor, podemos destacar um princípio fundamental: o uso, por parte da gerência, do conhecimento técnico para planejar e controlar a execução do processo de trabalho. Assim, o operário dentro da ideologia taylorista configura-se apenas como mais uma engrenagem que soma-se às máquinas, desprovido de iniciativa e totalmente afastado da concepção humanística do trabalho. Aos administradores caberiam organizar, controlar todas as fases do processo de Taylor vai dizer que cada tarefa e cada movimento de cada trabalhador possuem uma ciência, um saber fazer profissional, daí que se deveria escolher entre as várias soluções apresentadas pela criatividade operária a melhor possível, a forma mais racional de executar-se uma determinada operação, portanto, a mais lucrativa. Conseqüentemente, se existe uma ciência para cada tipo de trabalho, as determinações das tarefas não deveriam ser deixadas a cargo dos próprios operários apegados à sua tradição, mas deveriam ser estudadas, classificadas e sistematizadas por cientistas do trabalho, no caso a gerência científica. Trata-se então de separar as fases de planejamento, concepção e direção, de um lado, das tarefas de execução, de outro. Se encontramos na concepção taylorista a drástica separação entre concepção e execução, vemos com o fordismo a implementação e intensificação destes preceitos, com a introdução da linha de montagem, com esteiras rolantes e carretilhas aéreas; divisão pormenorizada do trabalho, caracterizando-se o trabalho parcelado, com a fragmentação das funções, e a redução ao mínimo dos movimentos, intensificando com isto o ritmo da produção. Contudo, se por um lado o Taylorismo e o fordismo representaram sérios danos para a classe operária, principalmente através da alienação, ocasionaram também o barateamento das mercadorias produzidas, a maior procura por bens e o conseqüente aumento da produção,

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gerando também maior oferta de empregos. Esta forma adotada pelo capitalismo propiciou também o fortalecimento da organização dos trabalhadores (como, por exemplo, o fortalecimento do movimento sindical), já que a concentração dos trabalhadores nas fábricas era um facilitador deste processo. Além disso, o Taylorismo também desencadeou uma avalanche de oposição com os sindicatos, que criticavam a destituição do conhecimento do ofício por parte dos trabalhadores. No entanto, na busca da superação do modelo fordista/taylorista de produção que já responde à demanda devido a inúmeros fatores (como visto no subitem acima) ocorre o surgimento do modelo toyotista de produção. A resposta para a insuficiência do modelo taylorista/fordista estaria na eficácia relacionada ao trabalho de equipe (personalizado) e mais distante do sistema que calcula pormenorizadamente as tarefas. As modificações demandadas pelo mundo do trabalho, em resposta às lacunas deixadas pela produção sob a gerência taylorista/fordista, incluem um novo olhar para dimensões do ser humano esquecidas ou erradicadas por este modelo de gerenciamento. Neste cenário, o que se espera é que o trabalhador seja convocado por inteiro na oficina. O trabalhador pós-fordista tem a capacidade de adaptar-se às variações quantitativas e qualitativas, é polifuncional e é capaz de conceber as condições de execução de determinada tarefa, configurando o trabalho integral. A cooperação é um fator indispensável entre os trabalhadores no processo de trabalho. Como decorrência desta nova demanda da organização e divisão do trabalho destaca-se a necessidade do estabelecimento de novas metodologias de pesquisa que levem em conta o saber operário, ou seja, toda a gama de conhecimentos acumulados pelos trabalhadores no exercício de suas atividades trabalhistas ao longo de suas vidas, saber esse que vai além das exigências da gerência.

7 - A crise da sociedade do Trabalho. A partir dos anos setenta, começa uma transformação no mundo do trabalho que, provavelmente, ainda está em curso e que toma, para muitas pessoas, a forma de uma crise. Desde da Segunda Guerra Mundial até o primeiro choque do petróleo, o capitalismo assistiu a um excepcional período de pleno emprego, permanecendo até os anos setenta. Nesse período, nos países industrializados, a grande maioria da população, talvez mais de 80% da população economicamente ativa, tinha emprego assalariado, emprego assalariado formal, com usufruto normal, também, de todos os direitos conquistados pelo movimento operário, que derivavam desse status. Essa normalidade começa a ser atingida a partir das mudanças políticas, econômicas e sociais e tal crise afeta tanto a materialidade da classe trabalhadora, a sua forma de ser, quanto a sua esfera mais propriamente subjetiva, política, ideológica, dos valores e do ideário que pautam suas ações práticas concretas. Antunes aponta alguns dados centrais para a compreensão da complexidade da crise do trabalho e de seus elementos constitutivos. Para o autor, se trata de uma processualidade complexa, com componenetes interligados: 1) há uma crise estrutural do capital ou um efeito depressivo profundo que acentuam seus traços destrutivos; 2) deu-se o fim do Leste europeu, onde parcelas importantes da esquerda se social-democratizaram; 3) esse processo efetivou-se num momento em que a própria social-democracia sofria uma forte crise; 4) expandia-se fortemente o projeto econômico, social e político neoliberal. Tudo isso acabou por afetar fortemente o mundo do trabalho, em várias dimensões. A enorme expansão do neoliberalismo a partir de fins dos anos 70, e a conseqüente crise do Welfare State, deu-se um processo de

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regressão da própria social-democracia, que passou a atuar de maneira muito próxima da agenda neoliberal. Como resposta do capital à sua crise estrutural, várias transformações vêm ocorrendo e que são fundamentais na compreensão da virada do século XX para o século XXI, caso se queira, se analisar tais mudanças no processo de produção do capital. Para Antunes, uma possível resposta do capital à crise dos anos 70 é a intensificação das transformações no próprio processo produtivo, através do avanço tecnológico, da constituição das formas de acumulação flexível e dos modelos alternativos ao padrão Taylorismo/fordismo, no qual se destaca, para o capital, especialmente, o modelo "toyotista" ou o modelo japonês. Estas transformações, decorrentes, por um lado, da própria concorrência capitalista e, por outro, dada pela necessidade de controlar o movimento operário e a luta de classes, acabaram por afetar fortemente a classe trabalhadora e o seu movimento sindical. De acordo com Antunes, as conseqüências mais importantes destas transformações no processo de produção são as seguintes: 1) diminuição do operariado manual, fabril, concentrado, típico do fordismo e da fase de expansão daquilo que se chamou de regulação social-democrática; 2) aumento acentuado das inúmeras formas de subproletarização do trabalho parcial, temporário, sub-contratado, terceirizado, e que tem se intensificado em escala mundial, tanto nos países do Terceiro Mundo, como, também nos países centrais; 3) aumento expressivo do trabalho feminino no interior da classe trabalhadora, em escala mundial, aumento este que tem suprido principalmente o espaço do trabalho precarizado, subcontratado, terceirizado, part-time etc.; 4) enorme expansão dos assalariados médios, especialmente no setor de serviços, que inicialmente aumentaram em ampla escala mas que vem presenciando também níveis de desemprego tecnológico;

5) exclusão dos trabalhadores jovens e dos trabalhadores velhos (em torno de 45 anos) do mercado de trabalho dos países centrais; 6) intensificação e superexploração do trabalho, com a utilização brutalizada do trabalho dos imigrantes, e expansão dos níveis de trabalho infantil, sob condições criminosas, em tantas partes do mundo, como Ásia, América Latina, entre outros; 7) há, em níveis explosivos, um processo de desemprego estrutural que, junto com o trabalho precarizado, atinge cerca de 1 bilhão de trabalhadores, algo em torno de um terço da força humana mundial que trabalha; 8) há uma expansão do que Marx chamou de trabalho social combinado, em que trabalhadores de diversas partes do mundo participam dos processos de produção e de serviços. O que, é evidente, não caminha no sentido da eliminação da classe trabalhadora, mas da sua precarização e utilização de maneira ainda mais intensificada. Para Antunes a crise leva a uma maior compartimentação da classe trabalhadora. Segundo suas palavras: (...) a classe trabalhadora fragmentou-se, heterogeneizou-se e complexificou-se ainda mais. Tornou-se mais qualificada em vários setores, como na siderurgia, na qual houve uma relativa intelectualização do trabalho, mas desqualificou-se e precarizou-se em diversos ramos, como na indústria automobilística, na qual o ferramenteiro não tem mais a mesma importância, sem falar na tradução dos inspetores de qualidade, dos gráficos, dos mineiros, dos portuários, dos trabalhadores da construção naval etc. Criou-se, de um lado, em escala minoritária, o trabalhador "polivalente e muntifuncional", capaz de operar com máquinas com controle numérico e, de outro, uma massa precarizada, sem qualificação, que hoje está presenciando o desemprego estrutural. Estas mutações criaram, portanto, uma classe trabalhadora mais heterogênea, mais fragmentada e mais complexificada. Entre qualificados/desqualificados, mercado formal/informal,jovens/velhos,homens/mulheres, estáveis/precários, imigrantes etc. (Antunes)

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O resultado que temos não é só um enorme desemprego. Jamais houve tanto desemprego no Brasil como hoje, assim como também jamais houve tanto desemprego na Alemanha, na França, na Argentina, no México, etc. A crise do trabalho, no entanto, vai além do desemprego. A duração média do desemprego é de trinta e três semanas em grandes capitais brasileiras como São paulo, quer dizer, em média, quem fica desempregado lá em São Paulo, passa mais de seis meses, fica uma média de oito meses, até conseguir um novo emprego. Mas uma grande parte passa mais de ano. E isso tem efeitos destrutivos sobre essas pessoas, por exemplo, muitos perdem a família. Verifica-se, portanto, que o maior desafio da classe trabalhadora para o século XXI é soldar os laços de pertencimento de classe existentes entre os diversos segmentos que compreendem o mundo do trabalho. Mas é preciso perceber que há um conjunto abrangente de mudanças que têm afetado a classe trabalhadora, e para a qual é absolutamente prioritário o seu entendimento, de modo a resgatar um projeto de classe capaz de enfrentar estes monumentais desafios presentes no final deste século.