Somnium 73

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Boletim do Clube de Leitores de Ficção Científica-CLFC, originalmente publicado em agosto de 1999, com artigos, contos e notícias sobre fc&f. Editado por Cesar Silva.

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número 73agosto de 1999

Editorias:Social e NotíciasAdriana Simon

<[email protected]>Ciência

Gerson Lodi-Ribeiro<[email protected]>

Artigos e ContosMarcello Simão Branco

<[email protected]>Geral

Cesar R. T. Silva.<[email protected]>

Produção Gráfica eGerência Comercial

Humberto FimianiArte, Diagramação e Revisão:

Cesar SilvaTiragem: 100 exemplares

ÍndiceEditorial

Viva o novo editor!O que rola pelo Fandom

FC em Notíciaspor Adriana Simon

ArtigoO divórcio da Realidade

por Lucio ManfrediParadoxos temporais na ficção científica

por Eduardo Francisco Torres FerreiraFicção

Aparências enganampor Martha Argel

00 (zero-zero)por Simone Sauressig

ListserverAulas de FC

compilado por Cesar SilvaIlustrações

Edgar FrancoMauricio TavaresMario MastrottiMario LabateEdmilson CorreaJuno LegramanteEduardo Canha

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c a p a sc a p a sc a p a sc a p a sc a p a s00000 222220 30 30 30 30 30 80 80 80 80 81 91 91 91 91 92 02 02 02 02 02 52 52 52 52 5 Somnium é a publicação oficial do

Clube de Leitores de Ficção Científi-ca - CLFC. Aceitam-se colaborações,que podem ser enviadas em disqueteIBM PC ou por e-mail no programaWord 6.0 ou menor, que ficam sujei-tas à apreciação da respectiva editoria.Os trabalhos publicados não fazem jusa qualquer remuneração e os direitosautorais permanecem de propriedadedos autores. Originais, publicados ounão, não serão devolvidos. Os textosassinados não refletem necessariamen-te a opinião da editoria.O Clube de Leitores de Ficção Cientí-fica foi fundado em São Paulo, aos 14de dezembro de 1985, tendo sido re-gistrado no 3o Cartório de RegistroCivil das Pessoas Jurídicas sob núme-ro 79.416/86. Sua diretoria para obiênio 1998/99 está composta pelossócios Humberto Fimiani (Presidente),Marcello Simão Branco (SecretárioExecutivo) e Cesar R. T. Silva (Tesou-reiro).

Correspondência:CLFC - Clube de Leitores de Ficção

Científica: Caixa Postal 2105São Paulo-SP - 01060-970 - Brasil.http://members.tripod.com/~CLFC

e-mail [email protected]

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Viva o novo editor!

Estou muito satisfeito por cumprir a promessa quenós, editores do Somnium, fizemos ao assumir estamissão há dois anos atrás. Foram oito edições inclu-indo esta, a primeira delas lançada em dezembro de1997, e ao logo de todo esse tempo conseguimosmanter o nosso fanzine vivo e com a periodicidadeestável, recuperando totalmente a confiança dos lei-tores.

Hoje o Somnium é, de fato, um veículo a serviçodo CLFC, tanto que, através desse trabalho, tambémreconquistamos a credibilidade dos sócios no pró-prio Clube, que recuperou seu caixa, tem apresenta-do cada vez mais atividades e está pronto para, apartir do próximo ano, retomar vigorosamente suatradição de uma entidade ativa.

Toda a equipe editorial está de parabéns por seuempenho, muitas vezes até em prejuízo próprio, noesforço de realizar cada uma das edições.

Editorial:

Este clima de fim de festa - e que festa! - justifica-se porque esta é a última edição que estamos fazen-do a frente da editoria do zine, que a partir da próxi-ma estará ao cargo do nosso conhecido sócio AlfredoKepler, que aceitou a missão com absoluta confian-ça. Ele está disposto e cheio de idéias.

Mas não estaremos distantes. Além do trabalho in-dividual de cada um no fandom e no Clube, estamosnos dispondo todos a continuar colaborando com oSomnium, para que não se interrompa esse diálogoque o Clube vem mantendo com todos os sócios.

O processo sucessório da diretoria do Clube parao biênio 2000/2001 já está em curso, com a aberturade inscrições de chapas. Contudo, não sendo aeditoria do Somnium um cargo eletivo, a chegada donovo editor pode ser comemorada desde já.

Seja bem vindo, Kepler. Tenha um bom trabalho!Os Editores

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FC em Notíciaspor Adriana Simon

O que rola pelo Fandom:

LivrosLançamentos

A ÂNCORA DOS ARGONAUTAS(Coleção Fantástica, R$ 4,00)

Já está à venda "A Âncora dos Ar-gonautas", de Miguel Carqueija, onúmero dois da Coleção Fantásti-ca. A história conta a aventura queduas jovenzinhas superdotadas têmao enfrentar o perigo de uma âncoramilenar a serviço das forças malig-nas do temível Cthulhu. Uma obramovimentada, com personagens fe-mininas fortes e narrativa veloz. Otrabalho foi terceiro colocado na ca-tegoria Noveleta do Concurso Nau-tilus, realizado pelo fanzine Intrepidem 1999. Miguel Carqueija é carioca,colaborador assíduo de todos os fan-zines e revistas de gênero no Brasil eum dos escritores mais ativos do fan-dom. Teve trabalhos publicados nasrevistas Dragão Brasil e Horror-Show, e no livro Dinossauria Tropi-cália (GRD, 1993). Publicou individu-almente dois pequenos livros, A Vol-ta dos Dinossauros (1992) e A CaixaLunar (1993), e participou da antolo-gia Verde... Verde (1989), cooperadaentre diversos autores. Foi convida-do de honra da II Convenção Multi-mídia de Horror - HorrorCon, em 1995,realizada em São Paulo. Para comprar"A Âncora dos Argonautas", o pre-ço é R$ 4,00. Para assinar a coleçãode seis números, o preço é R$ 20,00.No número um foi lançada a novela"Quando os Humanos Foram Embo-ra", de Gerson Lodi-Ribeiro. Para onúmero três teremos uma novela deCarlos Orsi Martinho e para o núme-ro quatro, uma aventura hard-sf deJorge Luiz Calife. Pedidos: A/C Mar-cello Simão Branco, Av. Clara Man-telli, 110, CEP 04771-180, São Paulo,SP [msbranco@ uol.com.br].

DECLARETim Powers estará lançando no finaldeste ano ou no início do próximo anoseu mais novo livro, provisoriamente

chamado de Declare. Quem quiser um“gostinho” do livro, deste grande,grande autor, basta visitar o site[http://easyweb.easynet.co.uk/~jber-lyne/powers/decexcerpt.htm]. O JohnBerlyne (mantenedor do site) é umestudioso dos livros do T. Powers.Quem quiser pode ver o restante dotrabalho dele. [http://easyweb.easynet.co.uk/~jberlyne/powers/works.htm] (por Leonardo)

BELAS MALDIÇÕES - ASBELAS E PRECISAS PROFECI-AS DE AGNUS NUTTER, BRUXA

(Bertrand Brasil)Da autoria de Neil Gaiman e Terru Pra-tchett. Para quem já ouviu falar ou lêquadrinhos para adultos, é o mesmoNeil Gaiman autor das revistas do San-dman. Endereço da editora: Av. RioBranco, 99 - 20º andar – Centro Rio deJaneiro – RJ, Tel. (021)263-2082, Fax(021)263-6112. (por Carlos ViniciusMarins)

A HISTÓRIA COMO FICÇÃO[HD Livros (041)262-7355 - (082)323-

2024; 120 pgs., R$10,00]O alagoano José Ronaldo Carlos deAlmeida Mendonça ou, como prefe-re, Ronaldo Carlos, está lançando olivro de contos A História como Fic-ção. Carlos começou por recontar ahistória de Abraão e Sara perguntan-do-se o que teria acontecido se o pa-triarca sacrificasse o filho Isaque? Naseqüência, adotou o se como premis-sa e foi indagando: e se nem todas asespécies sobrevivessem na arca deNoé, e se fosse Dalila quem tivesse aforça, e se Galileu insistisse na teoriade que a Terra se movia, e se Césarmatasse o imperador Bruto, e se ossenhores do Brasil escravocrata fos-sem negros... (por Ataíde Tartari)

LIVROS DE B5EM PORTUGUÊS

SÃO CANCELADOSA Editora 67, da revista Sci-Fi News,

que estava tentando comprar os di-reitos dos livros de Babylon 5, desis-tiu do projeto. Conforme Paulo Ma-ffia, o editor-chefe da revista, a desis-tência ocorreu devido ao valor exage-rado pedido pelos proprietários dosdireitos autorais nos USA. Já que nãofoi possível editar os livros de B5, aEditora 67 decidiu comprar os direitosdo livro Star Wars Episode I, que deveestar disponível em breve. (por Mar-cello Simão Branco)

CONTOS IMPROVÁVEIS(Virtual Book Store)

O livro Contos Improváveis de MartaArgel, está em [www.virtualbookstore.com.br], é só entrar no site e clicar emcima da capa do livro. Para abrir o ar-quivo é necessário o programa Ado-be Acrobat, que pode ser baixado nopróprio site. “Se você quiser ver umafotinho minha, procure no menu dolado direito Livraria, e depois, do ladoesquerdo 'Por autor'. Eu e o mar pata-gônico vamos estar por ali, mas o pin-güim que estava do meu lado caiufora” (por Marta Argel)

SACO DE OSSOS(Editora Objetiva,756 pgs. R$ 44,00)

Acaba de ser lançado o penúltimo ro-mance de Stephen King, Saco de Os-sos (Bag of Bones), com tradução deMyriam Campello. O último romancedo autor se chama The Girl Who Lo-ved Tom Gordon, ainda sem tradução.Como orelhas e contracapas de livrosnão são lá tão confiáveis, não vá acre-ditar que Saco de ossos é a obra-pri-ma de Stephen King. É um bom livrode suspense, mas não é melhor do queO iluminado, por exemplo. O escritor,que se recupera de um atropelamen-to, sofre do mesmo mal de muitos ou-tros autores americanos de bestsel-lers: o exagero. Seu Saco de ossos fi-caria muito melhor se esvaziado de boaparte das 756 páginas. A paciência e obolso dos leitores agradeceriam mui-

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to a economia de celulose. Os sonhosdo personagem Mike Noonan, um es-critor de sucesso que fica com blo-queio criativo após a morte da espo-sa, só assustam mesmo lá pela página300, assim como as misteriosas men-sagens feitas com ímãs de geladeira.Os sonhos são estranhamente deta-lhados, mas a história é bem montada,os personagens com funções bemdefinidas e o argumento, apesar dosindefectíveis barulhinhos e vozes navelha casa de campo, bastante con-vincente.A trama ganha consistência à medidaem que Stephen King inclui casosocorridos no estado de Maine, ondeele mora, na costa leste americana. EmSara Laughs, a casa de veraneio ondeMike Noonan volta para tentar supe-rar o bloqueio de escritor, ele conhecehistórias como a do garoto que foi afo-gado pelo próprio pai ou a de outroque também morreu de forma trágica,preso numa armadilha de caça.Choros baixinhos durante a noite, vi-sões misteriosas no lago e uma sen-sação de sufoco começam a incomo-dar o escritor e, por que não dizer, oleitor. Os sustos aumentam quandoassociados à figura de um bilionáriode expressão cadavérica, que tudo fazpara conseguir a custódia da neta.Neste aspecto, Stephen King mereceum crédito. Assustar alguém tendocomo concorrência a realidade, quetanto pode se refletir em novos minis-térios como nas paradas em sinais detrânsito, é tarefa das mais difíceis,mesmo para um especialista no gêne-ro. A esposa morta de Mike tambémtenta se comunicar logo no início dolivro e, quando parece impossível quetantos fatos distantes tenham umarelação, a trama vai se delineando,embora com exagerada centralizaçãono protagonista e excessos descriti-vos, capazes de ocupar várias pági-nas para falar de um singelo aposentoda casa de campo.No livro, entre piadas dignas de BillyCrystal em noite de Oscar (“O simpá-tico em viajar de avião na frente é que,se ele desabar, você é o primeiro achegar ao lugar do acidente”), há in-teressantes observações sobre a leal-dade dos leitores, “sem paralelo em

qualquer outra arte criativa”, que per-mite a um autor ermitão como J.D. Sa-linger permanecer em evidência, mes-mo recluso há mais de 40 anos. Comosobra espaço no calhamaço, o leitorse habitua ao obeso e impessoal coti-diano americano, exemplificado namenina de colo que se empanturra dehambúrguer e fritas ou no constran-gimento que causa um abraço purita-no.É curioso observar também como nes-tes livros, assim como nos filmes ho-llywoodianos com “ação do início aofim”, o palavrão é o fio condutor dasnarrativas. Mas isto o autor deixouclaro numa entrevista ao GLOBO noano passado, quando disse que ex-porta pequenos pedaços da América:“Nunca tentei atrair uma platéia inter-nacional mas, bom, talvez eu seja aversão literária do McDonald’s daCoca-cola, batata frita e Big Mac”.Como Mike Noonan cita outros escri-tores, chega uma hora em que surgeuma inevitável reflexão. É quando per-guntam a ele a respeito de toda a con-fusão que o envolve desde que a es-posa morreu e ele se meteu com o casode custódia, defendendo a menininhae sua mãe das garras do bilionário: “Écomo um romance de John Grisham,não é?” Não só como Grisham, mastambém como Tom Clancy, John Le-Carré, Nelson DeMille e outros milio-nários que escrevem cada vez maisigual. Em todos, a figura do advoga-do cínico e cheio de geniais estratégi-as figura como o herói romântico daliteratura americana, presença certa denove em cada dez romances (o déci-mo é reservado aos serial-killers).São histórias que prendem a atenção?Sem dúvida. São escritas de formaobjetiva? Sem dúvida. Mas principal-mente: são histórias que já vêm pron-tas para virarem roteiro, mostrandocomo a indústria cultural por lá funci-ona de forma integrada. Requintes li-terários, que poderiam prejudicar umaadaptação para a tela grande, não sãoo forte desta turma. Mas para os pa-drões de cultura americanos, cujosmandamentos sagrados são o consu-mo e o entretenimento, isto não im-porta muito. (por Marcello SimãoBranco)

RevistasMOVIESTAR

“Já está chegando às bancas a pri-meira edição de MovieStar, uma re-vista para quem curte cinema, numaedição de 60 páginas em cores inteira-mente dedicada ao novo e tão aguar-dado Primeiro Episódio da série Guer-ra nas Estrelas, de George Lucas. Acada número nós iremos dar informa-ções completas sobre tudo o que vocêgostaria de saber de seus astros e es-trelas favoritos e as grandes produ-ções que estão chegando nos EUA eno Brasil. Sempre repleto de muitas (egrandes) fotos, veja quem está filman-do com quem, as biografias, filmogra-fias e entrevistas com as mais quen-tes personalidades do mundo do ci-nema. Chegue mais perto de Ho-llywood com MovieStar.”Este é o texto de apresentação da novarevista MovieStar. O público-alvonão são os críticos de cinema, os en-tendidos no assunto, os puristas.Quero falar com pessoas normais quegostam de ir ao cinema para se diver-tir, para quem gosta de saber das no-vidades, dos filmes que estão sendoproduzidos e quero, muito, que o lei-tor participe! Francisco Ucha<ucha@uol. com.br>. O Editor. (porCesar Silva)

HQ EXPRESSCom notícias quentes do mundo dosquadrinhos, artigos sobre tudo queestá ou vai estar nas bancas e seçõesque vão fundo no assunto, a HQ Ex-press leva você aos bastidores da arteseqüencial. Por isso, parabéns, leitor!Você achou a revista que estava pro-curando.Jotapê Martins, Editora Via Lettera,Rua Iperoig, 337 - São Paulo - SP -CEP: 05016-000 - Tel.: (011) 3862-0760e-mail: [email protected] (por Ata-íde Tartari)

INTERZONEA edição de maio da revista inglesade FC&F Interzone é o número 143.Lá está na página quatro, um texto doeditor David Pringle falando sobre oNobel de Saramago e sua vertente fan-tástica, a partir da análise do livroEnsaio Sobre a Cegueira (Blind-

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ness). A seguir vem o artigo de Antó-nio de Macedo, falando de Saramagoe da FC portuguesa em geral. Na se-ção de livros recebidos a antologiaFronteiras é resenhada com reprodu-ção da capa e tudo. Na mesma edição,um artigo maior fala da FC na Grécia.(por Marcello Simão Branco)

CursosUniversidade de FC

A primeira classe do mundo em Ciên-cia e Ficção Científica será formadana Universidade de Glamorgan emsetembro. O curso adotará meios re-volucionários para explorar a relaçãoentre os fascinantes assuntos da ci-ência, ficção científica e a mídia.Construído a partir do bem sucedidocurso “Life in the Universe” que ex-plora a possibilidade de vida extra-terrestre, o BSc em Ciência e FicçãoCientífica foi projetado especialmen-te para alcançar um equilíbrio entre oestudo de ciência, mídia e o fenôme-no da ficção científica.O curso está aberto a todos e se con-centra na evolução da ciência comoparte integrante de nossa cultura esociedade, usando a ficção científi-ca como veículo para nossa explora-ção. Nós examinamos o gênero olhan-do para a Ficção Científica em todassuas várias formas incluindo texto,cinema, televisão e jogos.O equilíbrio do curso é alcançado ex-clusivamente por módulos de 3 áre-as complementares: ciência, ficção ci-entífica e estudos de mídia. Os mó-dulos caracterizados a cada nível in-cluirão:Nível 1: O que é ficção científica?; AEvolução de ficção científica; Evolu-ção do sistema solar; Mídia e Poder.Nível 2: Utopias & Distopias; Explo-rando espaço e Tempo; Cosmologia.Nível 3: Vida no Universo; Cyberci-ência; Mundos quânticos em Sci-Fi.O objetivo do curso é produzir diplo-mados que possam, de forma imagi-nativa, gerar idéias em ciência, fic-ção científica e na mídia. Futuras di-reções para os diplomados poderãoincluir publicação, educação, pesqui-sa e jornalismo. Todas as consultassão bem-vindas. Contato: MarkBrake Escola de Ciências Aplicadas,

Universidade de Glamorgan, CF371DL Tel: 01443 480480; e-mail:mbrake@ glam.ac.uk. (por Blekbird)

Oficina de Ficção CientíficaAndré Carneiro, o autor mais presti-giado da FC brasileira, está terminan-do sua oficina "O Escritor e OutrasLinguagens” na Casa Mário de An-drade, com inscrições esgotadas des-de o início. Porém, desta vez, convi-dado pela Secretaria de Cultura da Pre-feitura, vai iniciar em agosto uma Ofi-cina de Ficção Científica, que tratarádeste gênero em várias artes, com pre-dominância sobre a literatura. O Ofici-na terá início no dia 4 de Agosto, naBiblioteca Circulante à rua da Conso-lação 1024, das 18:30 às 21:30 todasas quartas-feiras. Informações pelotelefone 253-2331, ramal 362 e 365.

Gente(por Marcello Simão Branco)

ANDRÉ CARNEIRO foi distinguidocom o “Laurel Solidário Casa do Es-critor”, de São Roque (interior de SP),pelo seu Jubileu de Ouro Literário. Seuprimeiro livro, Ângulo e Face foi pu-blicado em 1949. A homenagem foicoordenada pela escritora Maria JoséGiglio. [Jornal Linguagem Viva, maio1999]; JOSÉ J. VEIGA foi entrevistado naedição de 17 de junho da Folha de S.Paulo. Em “José J. Veiga diz que nãoé criação de Kafka”, ele fala das ra-zões porque escreve e burila tanto otexto, retrabalhando-o à exaustão. Erevela de onde vem o J. de seu nome.O gancho da reportagem é a palestraque proferiria no mesmo dia no Insti-tuto Moreira Salles (Rua Piauí, 844,Higienópolis).A propósito, José J. Veiga concedeentrevista EXCLUSIVA ao Megalonna edição de agosto, em trabalho deFÁBIO FERNANDES e OCTÁVIOARAGÃO, a partir de debate sobre oautor aqui na Lista no fim do ano pas-sado. FÃS de Star Wars foram entrevista-dos por FÁBIO BARRETO. Entre eles,CESAR SILVA, MARCELLO SIMÃOBRANCO e OSVALDO LOPES JR.

“Essa ‘junta’ de jedis brasileiros co-mentou A Ameaça Fantasma no Jor-nal da Tarde de 17 de junho - incluin-do foto, com fãs duelando com a es-pada jedi.

ObituárioDeForest Kelley, o Dr. McCoy da sé-rie Star Trek, morreu no dia 11 de ju-nho, aos 79 anos. Detalhes na www.Locusmag.co. (por Roberto Causo)

Autores de FCSaiba um Pouco Mais...

LINDA NAGATAO livro Vast, de Linda Nagata, constana lista de uma certa editora america-na, como o mais espetacular livro de‘hard’ FC dos últimos anos. Vast é acontinuação de um outro livro dela,que convêm ler primeiro: DeceptionWell. Ambos são daqueles space ope-ra épicos, pós modernista, onde ascivilizações humanas e alienígenassão já tão estranhas quanto incom-preensíveis. Em Deception Well exis-te uma cidade decadente colada à ex-tremidade de um elevador orbital demais de 200 milhas sobre uma florestaagressiva, quasi-gnóstica, que a con-taminação de nanotechs exóticos al-terou quase por completo. Quem ládescer, se não morrer nos primeiroscinco minutos, será irremediavelmen-te seduzido pela mente vespeiro quetudo controla há milhares de anos.Existe também um culto religioso quese propaga através de um nano vírusque nos dá o êxtase de uma total con-versão religiosa e que se transmitecom um simples aperto de mão. Existeuma raça alienígena que massacratoda a vida na galáxia servindo-se deastronaves gigantes e autônomas. Emtodos os livros existe um toque desubtil estranheza, vastidão incomen-surável e milhares de BIG DUMB OB-JECTS abandonados mas não quis-centes. Os livros não são fáceis deler, a escrita é complexa, mais intros-pectiva do que virada para a ação. Mastêm as suas compensações. LindaNagata está quase ao nível de Gre-gory Benford e Greg Bear. É uma au-tora a acompanhar. Outros romancesda Linda: The Bohr Maker e TechHeaven (por João Barreiros)

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Publicaçõesrecebidas

QUARKEstá sendo criada uma nova alternati-va para gêneros tão desprezados denossa literatura: ficção científica e ter-ror. Envie seus trabalhos e faça seuspedidos para: [r_quark@hotmail. com]ou para Marcelo Baldini: R. Bela Vis-ta, 180, ap. 91, Centro, São Bernardodo Campo, SP, CEP 09715-030. Visitetambém a Home Page [http://www.geocities.com/SoHo/Exhibit/2926/index.html].

HIPERESPAÇOO nº 43 traz o conto vencedor do Con-curso Nautilus “Encanamentos Flexí-veis” de Miguel Carqueija, a coluna“Notícias e Opinião”, HQ e resenha deCésar Silva sobre o livro Erotosofia deAntónio Macedo. Pedidos para: Cx.Postal: 375, Santo André, SP, CEP 09001-970, e-mail [email protected].

QI – Informativo de QuadrinhosIndependentes

O nº 38 de maio/junho de 1999 e o nº39 de julho/agosto de 1999 divulgamvárias publicações independentes,trazem notícias diversas e HQs.Publicação bimestral e sem fins lucra-tivos, pode ser solicitada para EdgardGuimarães através do envio de 2 se-los de 1º porte: R. Capitão Gomes, 168,Brasópolis, MG, CEP 37530-000. Tel.(035)641-1372 (sábado e domingo).

CinemaBlast from the Past

Pensando que o mundo ia acabar emuma explosão nuclear, um garoto é tran-cado em um abrigo, por sua família, paraescapar do holocausto. Só que esque-cem de avisar ao garoto que não caiubomba nenhuma. Trinta anos depois omenino, agora um homem, sai de seuabrigo e descobre um mundo totalmen-te diferente de 1962. Elenco: BrendanFraser, Christopher Walken, Alicia Sil-verstone, Dave Foley e Sissey Spacek.Direção: Hugh Wilson. Roteiro: BillKelly. Produção: Geena Davis.

Deep Blue Sea Um grupo de oito pessoas tenta criar,geneticamente, vários tubarões. Mas

a busca pela cura do mal de Alzheimeracaba criando uma nova raça de tuba-rões, mais cruéis e perigosos que osnormais. Eles são inteligentes, matampor prazer, e querem acabar com to-dos do grupo. Elenco: Samuel L. Ja-ckson, Saffron Burrows, Thomas Jane,LL Cool J, Jacqueline McKenzie eWayne Knight (Seinfeld e 3rd Rockfrom the Sun). Direção: Renny Harlin.Roteiro: Talley Griffith e David Walker.(Parada Obrigatória - http://www.parada.com.br)

Sitesinteressantes

- Livros em formato TXT grátis po-dem ser encontrados no site: [http://www-personal.umich.edu/~jrcole/scifi.htm]. Além disto, links para sitesde vários autores e bancos de dadossobre FC. (por Fabio Milan)

- Conheçam as ultimas novidades dapágina do Organia [http://organia.skynet.com.br]:Memorabilia - EquipamentosTrekkers! Neste mês, o Memorabiliaé dedicado aos equipamentos utili-zados pelos personagens de Jorna-da nas Estrelas. Diversos tricorders,comunicadores, (etc.) estão à dispo-sição dos trekkers mais curiosos.Trek Girls - Monyh Q’Evhans é a se-gunda candidata ao título de “MissUniverso”, representando as belasmulheres de Andor. Ela chega comum pouco de atraso, mas sua belapele azul aveludada irá com certezabalançar os corações dos nossos lei-tores.E ainda as seções tradicionais sema-nais Sev Trek e Imagem da Semana.Confira também o calendário do mês.

- No Tucows, pode-se encontrar um soft(free) chamado GALAXYSF, que preten-de ser a Bíblia da FC em português (!!).Está bastante atualizado. Interessadospodem baixar o arquivo de 5 Mb do siteda Tucows em [www.tucows.com][http://download. com/cgi-bin/dl2?pc-0-41882-] [http://members%2exoom%2ecom/kingo] (por Blekbird)

- Bruce Sterling e Roberto de SousaCauso [[email protected]]

estão moderando uma lista de discus-são sobre FC global, em [[email protected]]. Para participar basta en-viar uma mensagem a esse endereço.O objetivo da lista é discutir a FC in-ternacional e modos de torná-la maisacessível, e trazê-la mais para dentroda tradição da FC, que é dominadapelos anglo-americanos.Ultimamente a lista tem estado bas-tante animada, discutindo tradução,o esnobismo americano com relação àFC não anglo-americana, estratégiasde mercado, e interesse do público.Participam alguns nomes de peso nocenário da FC internacional, como Ja-mes Gunn, Norman Spinrad, Sam J.Lundwall, Gwyneth Jones, e tambémeditores de revistas de vários países.A lista, é claro, é desenvolvida eminglês. (por Roberto de Sousa Cau-so)

ConcursoDurante a reunião do CLFC foi lança-do, oficialmente, o I Concurso REVIS-TA QUARK de Ficção Científica e Ter-ror 1999, com divulgação do Regula-mento e demais informações presta-das por Marcelo Baldini, o editor dacitada revista.Portanto, preparem seus trabalhadosinéditos, que possuam até 8000 pala-vras, pois há premiação em espécieenvolvida, para primeiros e segundoslugares em ambos gêneros, sendo re-servado aos terceiros colocados umaassinatura da revista, além de outraspremiações ainda não confirmadas porindefinição de, esperemos, futurospatrocinadores. Se não sair, fica nissomesmo, o que já é muita coisa, em tem-pos de vacas magras, com a publica-ção garantida dos vencedores numaedição especial da revista, em data ain-da a ser programada (provavelmenteem fevereiro/2000).Outros dados poderão ser obtidos noendereço da revista QUARK - R. BelaVista, 180, ap. 91, Centro, São Bernar-do do Campo, SP, CEP 09715-030, noseu site oficial [http://www.geocities.com/SoHo/Exhibit/2926/index.html] ou por meu intermédio noe-mail [[email protected]].Mãos à obra e boa sorte! (por Rogé-rio Amaral de Vasconcellos).

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ProjetoCD-ROM

Matias Perazoli Júnior está começan-do a desenvolver um projeto, ainda semnome, que se trata de um CD-ROM como histórico da FC/Fantasia/Horror noBrasil, levando em conta desde nossodescobrimento.Por não ser um especialista, nosso ami-go Matias conta com a ajuda de vocêspara conseguir material envolvendo:- Biografias, inclusive fotos scanea-das ou não (depois de scaneadas se-rão devolvidas);- Resenhas de livros;- Histórico de Encontros;- Depoimentos;- Artigos e Contos em Geral;- Informações sobre fanzines.O material pode ser enviado pelo cor-reio para Av. Santo Amaro, 4281, Ap. 02,Bl F, Brooklin Paulista, CEP 04555-003,São Paulo, SP. Informações: Tel:

(011)240-2311, e-mail [[email protected]],ICQ 13351482.

PrêmiosPrêmio Saturn de Sci-Fi,

Horror & FantasyMelhor filme de FC: Empate entre Ar-mageddon e Dark CityMelhor Filme de Fantasia: O Show deTrumanMelhor filme de Horror: Apt PupilMelhor Ação/ Aventura/Thriller: OResgate do Soldado RyanMelhor Ator: James Woods (JohnCarpenter’s Vampires)Melhor Atriz: Drew Barrymore (EverAfter)Melhor Diretor: Michael Bay (Arma-geddon)Melhor Roteirista: Andrew Nichol(The Truman Show)Melhor Música: John Carpenter (Vam-pires)

Melhor Maquiagem: Robert Kurtzman,Gregory Nicotero, Howard Berger(Vampires)Melhores Efeitos Especiais: Voker En-gel, Patrick Tatopolous, Karen Gou-lekas, Clay Pinney (Godzilla)Melhor Série: The X-FilesMelhor Série de TV: Babylon 5Melhor Ator de TV: Richard Dean An-derson (Stargate: SG-1)Melhor Atriz de TV: Sarah MichelleGellar (Buffy the Vampire Slayer)Melhor Ator coadjuvante: Ian McKe-llen (Apt Pupil)Melhor Atriz Coadjuvante: Joan Al-len (Pleasantville)

(por Blek)

Gostaria de agradecer a todos que en-viaram ou disponibilizaram material paraser publicado, em especial ao Site Para-da [http://www.parada.com.br].

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Artigo: O divórcio da Realidadepor Lúcio Manfredi

Talvez esteja a imaginação a ponto de retomar seus direitos.André Breton, Manifesto do Surrealismo

Talvez a mais antiga e persistentecrítica que se faz à ficção científica éa de que se trata de uma literaturaescapista, que se deixa enredar emfantasias ocas em vez de se ocupar domundo real e seus problemas. Essaacusação é feita freqüentemente pormembros do establishment acadêmi-co, mas seria um erro atribuí-la uni-camente a críticos sisudos, que nãoperdem tempo em ler o que conside-ram como literatura adolescente. Defato, até mesmo minha avó, que nun-ca freqüentou a escola, ao depararcom um filme de fc na sessão da tar-de, invariavelmente desliga a televi-são resmungando que “é muita fanta-sia”.

Diante de uma acusação desse cali-bre, autores, escritores e fãs costumamreagir de modo defensivo. Tentamprovar que a crítica é sem fundamen-to, que a ficção científica não é umaliteratura escapista, que ela se ocupa,sim, da realidade concreta, quantomais não seja de modo alegórico ouao refletir as transformações pelasquais a sociedade vem passando des-de as origens do gênero, no séculoXIX. Até mesmo Asimov cai nessafalácia defensiva ao comentar “OTubo da Morte”, um dos contos de OCair da Noite, escrito durante a Guer-ra da Coréia:

“Você pode pensar que nós, os es-critores de ficção científica, éramosmais felizes que a maioria. Tínhamosuma maneira muito simpática de ‘es-capar’. Poderíamos ir lá para o espa-ço, deixando os problemas do cotidi-ano terrestre para trás. Bem, escaparnão é tão fácil. É mais difícil do quevocê possa imaginar, divorciar-se darealidade, e quando, nos dias da guer-ra da Coréia, decolei em minhaespaçonave para as distâncias vaziasentre as estrelas, o que encontrei?Uma guerra interestelar, uma batalhapor uma espaçonave.”

E conclui, entre justificativo e triun-fante: “Eu não estava escapando denada!”1

Tanto a censura dos críticos quantoas canhestras tentativas da ficção ci-entífica para se defender, bem vistasas coisas, compartilham de um pres-suposto que remonta, no mínimo, atéAristóteles, a saber, de que a realida-de é o mais alto valor a que se podeaspirar e que, conseqüentemente, aarte (no caso, a literatura) só cumpresua função se espelhar a realidade,quer para imitá-la, quer para corrigi-la. A acusação de escapismo, aliás,não é a única a brotar desse pressu-posto. Praticamente todas as polêmi-cas envolvendo a função da arte, suaobrigação de refletir o meio, a socie-dade, o ambiente onde ela nasce, deum modo ou de outro, se apóiam nes-se mesmo axioma, a saber, atribuemà arte uma função mimética, sem aqual ela se torna estéril e inútil.

O problema, claro está, consiste emdeterminar se esse pressuposto é mes-mo verdadeiro, não só para a ficçãocientífica como também no contextomais amplo, das artes em geral.

Antes de mais nada, embora os crí-ticos costumem esquecer disso, todaobra de arte (com a possível mas im-provável exceção do realismo socia-lista) é, no final das contas, escapista,na medida em que, ao contrário do quepensa o senso comum aristotélico, nãoreflete a realidade, mas constitui umarealidade autônoma, independente domundo concreto: “Serão obras literá-rias”, lembra Vítor Silva, da Faculda-de de Letras de Coimbra, “aquelas emque [...] a mensagem cria imaginaria-mente a sua própria realidade, em quea palavra dá vida a um universo deficção.” Seguindo Roman Jakobson,a literatura privilegia a função poéti-ca da linguagem, que se caracteriza“pelo fato de a mensagem criar ima-ginariamente a sua própria realidade,

pelo fato de a palavra literária, atra-vés de um processo intencional, criarum universo de ficção que não se iden-tifica com a realidade empírica, demodo que a frase literária significa demodo imanente a sua própria situaçãocomunicativa, sem estar determinadaimediatamente por referentes reais oupor um contexto de situação externa”2.

Esse colocar o mundo entre parên-teses marca a atividade literária comoum todo. No entanto, em alguns perí-odos, dominados pela ideologia dorealismo-naturalismo, os autorescomo que se envergonham desse fato,procuram disfarçá-lo, fazer de contaque retratam fielmente as coisas comosão. Outras escolas literárias, por suavez, orgulham-se dessa autonomia daobra de arte. É o caso do romantismoe do simbolismo, no século XIX, oudo surrealismo no XX. Da mesma for-ma que a ficção científica, ainda quecada qual a seu modo, essas correntesreivindicam que o mérito da arte estájustamente em sua capacidade de cri-ar mundos fantásticos, que se afastamda realidade, numa palavra, em seupoder de evasão.3

“Em termos genéricos”, estamosainda com Vítor Silva, “a evasão sig-nifica sempre a fuga do eu a determi-nadas condições e circunstâncias davida e do mundo e, correlativamente,implica a procura e a construção deum mundo novo, de um mundo ima-ginário, diverso daquele de que sefoge, e que funciona como sedativo,como ideal, compensação, comoobjetivação de sonhos e de aspira-ções.”

Neste ponto, no entanto, abandona-mos o teórico português. Porque res-tringir o poder de evasão da literaturaa simples compensação das frustra-ções impostas pelo mundo, defini-lacomo sedativa - isto é, como apazi-guadora das tensões e conflitos cria-dos pela insatisfação com a realidade

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quotidiana - é perder de vista o queele tem de mais radical, subversivomesmo. É, também, dar razão aos crí-ticos que supõem que o leitor buscaos mundos fictícios da literatura parafugir das pressões do dia-a-dia, comas quais ele é incapaz de lidar. Daí àcondenação, agora não só da ficçãocientífica, como de toda literatura,talvez mesmo da arte como um todo,não vai mais que um passo. Mas estepasso nos devolveria,anacronicamente, ao século XVIII,quando se fazia exatamente essas crí-ticas ao recém-nascido romance.

Se nos voltarmos para as concep-ções estéticas dos autores que defen-deram o escapismo como um valorpositivo, veremos que, em geral e aocontrário do que seria de esperar, elestêm uma visão bastante lúcida e nemum pouco alienada sobre a realidade.Se querem tomar distância dela é jus-tamente em virtude de seus defeitos elimitações. Não é por nada que AndréBreton e os surrealistas engajaram abusca de uma supra-realidade estéti-ca a uma prática política de esquer-da.4 No mesmo sentido, Baudelaireproclamava que “a primeira missãodo poeta é a de substituir a naturezapelo homem e protestar contra ela”.Sua justificativa é o desde então cé-lebre trecho do “Elogio daMaquiagem” que diz:

“A maior parte dos erros relativosao belo nasce da falsa concepção doséculo XVIII relativa à moral. Naque-le tempo a natureza foi tomada combase, fonte e modelo de todo o bem ede todo o belo possíveis. A negaçãodo pecado original contribuiu em boaparte para a cegueira geral daquelaépoca. Se todavia consentirmos emfazer referência simplesmente ao fatovisível, à experiência de todas as épo-cas e à Gazette des Tribunaux, vere-mos que a natureza não ensina nada,ou quase nada, que ela obriga o ho-mem a dormir, a beber, a comer e adefender-se, bem ou mal, contra ashostilidades da atmosfera. É ela igual-mente que leva o homem a matar seusemelhante, a devorá-lo, a seqüestrá-lo e a torturá-lo; pois mal saímos daordem das necessidades e das obri-gações para entrarmos na do luxo e

dos prazeres, vemos que a natureza sópode incentivar apenas o crime. É ainfalível natureza que criou oparricídio e a antropofagia, e mil ou-tras abominações que o pudor e a de-licadeza nos impedem de nomear. É afilosofia (refiro-me à boa), é a religiãoque nos ordena alimentar nossos paispobres e enfermos. A natureza (que éapenas a voz de nosso interesse) man-da abatê-los. Passemos em revista,analisemos tudo o que é natural, to-das as ações e desejos do puro homemnatural, nada encontraremos senãohorror. Tudo quanto é belo e nobre éo resultado da razão e do cálculo. Ocrime, cujo gosto o animal humanohauriu no ventre da mãe, é original-mente natural. A virtude, ao contrá-rio, é artificial, sobrenatural, já queforam necessários, em todas as épo-cas e em todas as nações, deuses eprofetas para ensiná-la à humanidadeanimalizada, e que o homem, por sisó, teria sido incapaz de descobri-la.O mal é praticado sem esforço, natu-ralmente, por fatalidade; o bem é sem-pre o produto de uma arte.”5

Essa postura solapa a ideologiamimética da arte em suas próprias ba-ses, nega seu pressuposto fundamen-tal, a saber, o de que a realidade é afonte última do valor artístico, o deque a arte só tem significado enquan-to reflexo do real. Pelo contrário, di-zem Baudelaire, Breton e outros queadotam a mesma postura, a realidadeé imperfeita. A função da arte é nãoapenas criticar essa imperfeição, mascorrigi-la. Daí que a literatura se em-penhe com tanto esforço em criar mun-dos imaginários, em contraste com osquais as falhas e defeitos da realidadeapareçam com mais clareza. De modoque a ficção científica não deveria seenvergonhar ao ser chamada deescapista mas, pelo contrário, reivin-dicar esse título com orgulho, porqueele a aproxima da arte no que a artetem de melhor.

Baudelaire, não nos esqueçamos,foi o primeiro tradutor de Poe na Fran-ça e o principal responsável pelarevalorização desse autor. Ora, Poe foijustamente um dos criadores da fic-ção científica, ao lado de Júlio Verne,cujas aventuras devem muito ao gos-

to romântico pelo exotismo, e deMary Shelley, cujos vínculos com oromantismo são tão óbvios que nemprecisam ser explicitados. Assim, oescapismo que caracteriza a ficção ci-entífica deriva em linha reta doantinaturalismo simbolista e da eva-são romântica.

Mas o afastamento de uma pseudo-realidade imperfeita buscado por ro-mânticos e simbolistas é apenas umadas faces da moeda e tem seucorrelato numa tentativa de aproxima-ção a uma outra realidade, entendidacomo mais fundamental e da qual onosso mundo não seria mais que umsimulacro. Essa correlação fica parti-cularmente clara em Às Avessas, deJ.-K. Huysmans, romance que é umdos marcos do simbolismo. DesEsseintes, o protagonista, é um nobredecadente que se fecha em seu caste-lo para fugir da “realidade vulgar dosfatos”. É o escapismo, aqui reduzidoa sua essência mais pura.6 Paralela asua rejeição à mediocridade do mun-do natural, Des Esseintes desenvolveuma paixão pelo artifício na qual re-conhece a “marca distintiva do gêniohumano”. Sente-se atraído por tudoque é artificial e rebuscado. As loco-motivas lhe parecem muito mais be-las do que qualquer espetáculo pro-porcionado pela natureza, que eledescreve como uma “sempiternamaçadora” que “já teve a sua vez”. Opróprio Des Esseintes dá a chave parainterpretarmos essas “tendências parao artifício” que, para ele, são “ímpe-tos no rumo de um ideal, de um uni-verso desconhecido, de uma beatitudelongínqua, desejável como aquela queas Escrituras nos prometem”7.

Pois bem, Des Esseintes comparti-lha essas “tendências para o artifício”com a ficção científica que, apesar donome, reflete menos uma fascinaçãocom a ciência do que com a técnica.No coração da fc, temos o gadget, amáquina, a tecnologia, umatecnologia fantástica e futurista, com-parada com a qual a locomotiva quefascinava Des Esseintes chega quasea parecer tão maçadora quanto o maismedíocre por-do-Sol. E qual é a es-sência da tecnologia senão um impul-so para transcender a natureza, que o

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sociólogo português HermínioMartins reconhece derivar daquelemesmo gnosticismo que atraiu tantosautores ligados direta ou indiretamen-te à ficção científica, sobretudo PhilipK. Dick8 e Thomas Pynchon9?

“As correntes e tendências recentesnuma variedade de áreastecnológicas”, escreve Martins10,“bem como as prolépticas pretensõese profecias de destacados estudiososem campos tais como a genética, a en-genharia biológica e a inteligência ar-tificial, sustentam a tese de queestamos atualmente a enfrentar umsíndrome cultural que Victor Ferkiss(1980) chamou de ‘gnosticismotecnológico’ (...). A expressão‘gnosticismo tecnológico’ pode pare-cer contraditória dado que ognosticismo é usualmente entendidocomo envolvendo horror ao orgânico,repugnância pelo corpo, aversão pelonatural (...) e um pathos metafísico porvia do qual a ‘viscosidade’ das coisasé sentida como radicalmente inimigado espírito. A tecnologia implica ma-nipulação do mundo material e, poraí, aparece como inerentementecontragnóstica. Todavia, pela expres-são superficialmente paradoxal‘gnosticismo tecnológico’ quer-se sig-nificar o casamento das realizações,projetos e aspirações tecnológicoscom os sonhos caracteristicamentegnósticos de se transcender radical-mente a condição humana (e não sim-plesmente de a melhorar e habilitar osseres humanos a triunfarem sobre for-ças naturais hostis). Ultrapassar osparâmetros básicos da condição hu-mana - a sua finitude, contingência,mortalidade, corporalidade,animalidade, limitação existencial -aparece como um móbil e até comouma das legitimações da tecnociênciacontemporânea.”

Não por acaso, os exemplos queMartins cita como expressão dessatendência gnóstica e antinaturalista datécnica são justamente os temas quemais têm fascinado a ficção científi-ca desde suas origens: “Formas devida artificiais, seres biomecânicos,computadores com aparência de vida:estas criações ônticas mostram que asimplicações ontológicas das

biotecnologias e das novastecnologias da informação são consi-deráveis e desafiam a metafísica des-critiva recebida (a nossa imagem doequipamento básico do Mundo e suasarticulações ontológicas) bem comoas cosmologias comuns.”

É o próprio Martins que se encar-rega de estabelecer a relação entre es-ses projetos da ciência e a fc contem-porânea, ou pelo menos uma de suasvertentes:

“A criação de vida artificial mista eas tecnoformas que emulam a mentetêm, talvez surpreendentemente, sidobem recebidas e elogiadas pela ficçãocientífica feminista e por alguma fi-losofia feminista. (...) Rejubilam coma destruição de dicotomias tão vene-ráveis e tipicamente assimétricascomo natural/artificial, Natureza/cul-tura, masculino/feminino, mecânico/orgânico, espírito/corpo, Deus/Ho-mem, original/réplica, eu/outro. Vêemo aparecimento ficcional ou real deandróides (...), de cyborgs, cybots,mosaicos e quimeras como ditososdesafios às separações e dualismosontológicos.”

De acordo com Martins, no limite,isso que os sociólogos chama detecnociência levaria à completatranscendência da realidade materiale sua substituição por uma outra rea-lidade, artificialmente produzida mas,por isso mesmo, mais próxima do es-pírito: “Permite o entrever fugaz decomputopias nas quais o mundo ma-terial e o correspondente mundo daexperiência sensorial sãocrescentemente substituídos peloprocessamento de informação (comum estatuto ontológico diferente e su-perior, mais próximo do espírito doque da matéria e da energia, na visãoclássica do Mundo).”11

O que nos traz de volta a DesEsseintes, cujas construções artifici-ais prenunciariam, para o psicólogopós-junguiano Andrew Samuels, issoque Martins designa pelo horrendo ne-ologismo de computopias: “Em seusdeleites manipulados e artificiais, nãopercebemos um reconhecimento deque nenhuma experiência direta danatureza é possível? (Nenhuma expe-riência direta de nada mais, aliás.) A

natureza é uma entidade artificial, umfenômeno construído, que existe noscorações e mentes dos seres humanos.E aqui, será que Des Esseintes nãoantecipa a idéia de Jung12 de que tudoo que existe, existe primeiro na reali-dade psíquica? Ou, numa veia maismoderna, será que Contra a Nature-za13 não é uma antecipação da reali-dade virtual do jogo de computador ede uma cultura restrita à tela enquan-to parque de diversões?”14

Eis até onde nos conduz oescapismo do qual a ficção científicaé justificadamente acusada. Não à ali-enação irresponsável, sugerida pelosque acham que esse escapismo é umafuga do mundo concreto, mas a umradical questionamento daquilo queconsideramos real, bem como à for-mulação de um projeto de superaçãodessa realidade limitada por meio datécnica. Formulação, sim, uma vezque esses objetivos atualmente perse-guidos pela engenharia genética, pelarobótica e pelas ciências da computa-ção, antes de ocuparem as pranchetasdos cientistas e técnicos que hoje es-tão na vanguarda da pesquisa, nasce-ram primeiro entre as páginas de umaliteratura escapista.

Referências:1 Isaac Asimov, O Cair da Noite, Ed.Hemus, São Paulo, 1981.2 Vítor Manuel de Aguiar e Silva, Te-oria da Literatura, Livraria Almedina,Coimbra, 1969.3 Deve-se notar, contudo, que um au-tor do porte de James Gunn atribui asorigens da ficção científica ao realis-mo-naturalismo do século XIX, e nãoao pendor romântico para a fantasia.4 Cf. André Breton, Manifestos doSurrealismo, Ed. Brasiliense, SãoPaulo, 1985.5 Charles Baudelaire, “Elogio daMaquiagem”, em Sobre aModernidade, Paz & Terra, São Pau-lo, 1996.6 Huysmans, aliás, estabelece semsombra de dúvida a filiação da fc aesse escapismo no cap. XIV, quandofala dos livros que atraem DesEsseintes: “Nalguns é o retorno àsépocas pretéritas, às civilizações de-saparecidas, aos tempos mortos; em

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outros, é um impulso rumo ao fantás-tico e ao sonho, é uma visão mais oumenos intensa de um tempo por nas-cer cuja imagem reproduz, sem queele o saiba, por um efeito de atavismo,a de épocas findas.”7 J.-K. Huysmans, Às Avessas, Com-panhia das Letras, São Paulo, 1987.8 Cf. Philip K. Dick, “How to Build aUniverse That Doesn’t Fall Apart TwoDays Later”, in Lawrence Suttin(org.), The Shifting Realities of PhilipK. Dick, Pantheon Books, Nova York,1995: “I have been accused of holdingGnostic ideas. I guess I do. At onetime I would have been burned. Butsome of their ideas intrigue me.”

9 Ver, a esse respeito, o alentado estu-do de Dwight Eddins, The GnosticPynchon, Indiana University Press,Bloomington, 1990.10 Hermínio Martins, “Hegel, Texas:Temas de Filosofia e Sociologia daTécnica”, in Hegel, Texas e OutrosEnsaios de Teoria Social, Edições Sé-culo XXI, Lisboa, 1996.11 Cf. William Gibson emNeuromancer (Ed. Aleph, São Paulo,1991): “Para Case, que havia vividona incorpórea exaltação dociberespaço, isso constituiu a Queda.Nos bares que freqüentara quando eraum cowboy no auge, a atitude de eliteera de um certo desprezo pela carne.

O corpo era carne; Case caíra na pri-são do próprio corpo.”12 Apenas para não perder a relaçãoentre os temas, convém mencionarque a psicologia de Jung foi profun-damente influenciada pelognosticismo e que esse autor é habi-tualmente citado como um dos res-ponsáveis pela revalorização das cor-rentes gnósticas do sec. II d.C. Cf.Stephen Hoeller, A Gnose de Jung eos Sete Sermões aos Mortos, Ed.Cultrix, s/d.13 Título da tradução inglesa de ÀsAvessas.14 Andrew Samuels, A Psique Políti-ca, Ed. Imago, Rio de Janeiro, 1995.

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Artigo: Paradoxos temporaisna Ficção Científica

Uma das coisas complicadas paraos leitores de FC aficcionados de via-gens no tempo é termos que convivercom os paradoxos temporais. Não meentendam mal: São uma das coisasmais fascinantes das histórias. Mastêm que ser tratados com habilidade,ou então fica a sensação de estarmossendo enganados, de estarem abusan-do de nossa boa fé.

Alguns autores mergulham fundonos paradoxos, sem temê-los. Outrosos evitam, parecem intimidados. Acoisa fica ainda mais complexa quan-do lemos livros de escritores diferen-tes, pois cada um inventa uma ‘regrado jogo’ própria para tratar dos para-doxos. E às vezes o mesmo autor, nomesmo livro, trata o mesmo parado-xo de maneira diferente.

Vou tentar expor neste artigo um re-sumo de minhas idéias e impressõessobre os paradoxos temporais na fic-ção científica, descrevendo-os e com-parando como o tema foi tratado porquatro autores de FC: RobertSilverberg (O Correio do Tempo),Poul Anderson (Os Guardiães doTempo), Isaac Asimov (O Fim daEternidade) e o escritor brasileiroOctávio Aragão (contos "Eu Matei

Paulo Rossi", publicado na coletâneaOutras Copas, Outros Mundos, daEditora Ano-Luz, e "Um Museu deVelhas Novidades", ainda inédito).

Vamos começar com O Correio doTempo, onde Silverberg entra comapetite nos paradoxos, chegando abrincar com eles. A narrativa é feitaatravés do personagem principal, umCorreio do Tempo (membro de umaorganização especializada em turismotemporal). Assim, vamos ‘aprenden-do’ junto com ele sobre os paradoxosdesde seu ‘curso de treinamento’. Osparadoxos silverbergianos são:

1)Paradoxo da Acumulação: Acon-tece quando a mesma pessoa parte dediversos pontos da linha do tempopara o mesmo ponto do passado.Acontecia muito com os Correios doTempo. Tinha um, por exemplo, queera especializado em visitas turísticasà Crucificação da Cristo. Já havia fei-to essa viagem 22 vezes ao longo devários anos. Quer dizer que no MonteCalvário apareciam 22 versões desseCorreio ao mesmo tempo assistindoao evento. Esse paradoxo abria outrosparadoxos. Se todas essas viagensaconteceram e a tese principal da via-gem no tempo é que o passado, o pre-

sente e o futuro fazem parte de umúnico continuum, por que todas nãoestavam lá desde o início? E, levandoem conta que o turismo temporal con-tinuasse pelos séculos subseqüentes,por que não havia hordas de milharesde turistas do futuro assistindo à Cru-cificação? Por que essa multidão gi-gantesca não estava registrada na His-tória? Silverberg faz todas essas in-dagações através de Jud Elliott (onovo Correio). Qual a solução?Silverberg não dá. Na história, esseparadoxo permanecia insolúvel mes-mo para as melhores mentes da época(2059). Aparentemente eles ‘iamacontecendo’ conforme eram ‘intro-duzidos’ no continuum. Paradoxal-mente, nas primeiras viagens dos Cor-reios a um lugar onde iriam aparecerdepois, não havia duplicatas inicial-mente. Elas iam aparecendo no decor-rer ‘do tempo’. Mas que tempo? Otempo não seria uma coisa só? Umcontinuum? Bom, acho que foi porisso que Silverberg deixou essa parteinexplicada mesmo. Deve ter dado umnó na cabeça dele também.

2)Paradoxo do Deslocamento emTrânsito: Viajantes ao passado leva-vam consigo o ‘seu tempo’, como se

por Eduardo Francisco Torres Ferreira

Está bem estabelecido que, ao nível subatômico, não há orientação preferencial para o tempoe que as partículas subatômicas podem ser vistas como sofrendo interações e alterações quepodem ser interpretadas como dirigindo-se no sentido positivo ou negativo do tempo, com asmesmas leis da natureza aplicando-se em cada caso. Um elétron ‘inteligente’ poderia, portan-to, descobrir maneiras de se mover para frente ou para trás no tempo à vontade.

Isaac Asimov

De todos os temas básicos da ficção científica, eu acho que as viagens no tempo são o maisfundamental, o mais próximo do cerne do gênero. Histórias de espaçonaves viajando por sóisdistantes, de robôs perfeitos transformando a civilização humana, de mutantes com estranhospoderes físicos ou mentais são muito boas, mas são apenas aspectos do essencial da ficçãocientífica, que, para mim, é revelar o futuro. (...) As histórias de viagens no tempo me dão opróprio futuro, a coisa fundamental, o inatingível porvir. Como leitor e depois como escritor,sou atraído constantemente para elas.

Robert Silverberg

A imaginação é mais importante que o conhecimento.Albert Einstein

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estivessem ‘encapsulados’ numa bo-lha do tempo presente tal como exis-tia na ocasião de sua viagem. Isto e’,modificações da História posterioresà sua viagem não poderiam atingi-lo,desde que permanecesse fora de suamatriz temporal (o presente de ondepartiu). Assim, você poderia matar seuavô quando ele era ainda criança.Você não deixaria de existir imedia-tamente, só se voltasse ao presente,onde você não teria mais qualquer li-gação temporal, visto que você nuncateria nascido.

3)Paradoxo da Descontinuidade:Acontecia quando você encontrava nopassado alguém que partiu de um pon-to do futuro diferente do seu. Ele po-deria não reconhecê-lo, pois no seu(dele) presente vocês ainda não ti-nham se encontrado. Ou podia acon-tecer o oposto. Você encontrar alguémque partiu de um futuro à frente doseu e que soubesse o que ia acontecercom você nos próximos meses oumesmo anos. Havia um rígido códigode ética dos Correios para evitar es-ses contatos e, se ocorressem, evitarqualquer troca de informações. Esseparadoxo, por sua vez, também abriaoutros paradoxos. Se todos os even-tos fazem parte de um únicocontinuum, eles sempre aconteceram.Assim, ao ser apresentado no passa-do longínquo a alguém que você jáhavia encontrado antes no presente,mas que você está conhecendo ‘ago-ra’ (no passado longínquo) vindo deoutro ponto do futuro quando vocêsainda não tinham sido apresentados,ele devia manter memória desse en-contro prévio, não é? Depois ele iriaconhecê-lo ‘realmente’ no tempo pre-sente de ambos. Mas aquele primeiroencontro sempre teria acontecido, cer-to? Silverberg dá tratamentos contra-ditórios a esses paradoxos no livro.Apenas uma vez aconteceu essa ‘lem-brança’, e ainda assim de modo vago.Em geral, passou a idéia de que essesencontros ‘descontínuos’, tal como noParadoxo da Acumulação, pareciamacontecer no passado em ‘paralelo’com o presente.

4)Paradoxo da Duplicação: Acon-teceu no livro de Silverberg quandonosso herói Jud tentava evitar que um

turista acionasse um temporizador al-terado para viajar no tempo por contaprópria (os temporizadores eram pre-sos ao corpo por uma faixa plástica eos dos turistas eram travados e só po-diam ser acionados pelos Correios).O turista foi rápido e saltou no tempoantes. Aí Jud voltou alguns segundosno passado para tentar de novo, en-contrando de novo o turista e sua pró-pria versão de alguns segundos antes,quando ainda não havia feito a primei-ra tentativa de deter o indisciplinadovisitante. Só que ele era mesmo es-perto e escapou de novo. E o primei-ro Jud, assustado com aquela chega-da inusitada de sua versão futura, al-terou suas ações e deixou de voltar aopassado aqueles mesmos segundos, talcomo fizera na primeira vez, alteran-do a História. Permaneceram então osdois Juds existindo em paralelo namesma linha de tempo, como dupli-catas permanentes, apenas um tendovivido e possuindo memórias de al-guns segundos a mais que o outro. (Naverdade, Silverberg descreveu apenasum dos dois possíveis tipos de Para-doxo de Duplicação, no caso o quepoderíamos classificar como Parado-xo da Duplicação por Alteração daHistória. Existe também o Paradoxoda Duplicação Cumulativa, como ve-remos adiante).

4) Paradoxo Final: No ‘curso’ essaexpressão era reservada para um even-to causado por um viajante do tempono passado que mudasse a História demodo que as viagens no tempo nuncafossem descobertas.

5) Lei dos Paradoxos Mais Fracos(Law of Lesser Paradoxes): Engenho-sa invenção de Silverberg: Quandoeventos pudessem causar paradoxosmúltiplos, ocorria antes o menos im-provável (por exemplo: o Paradoxo doDeslocamento em Trânsito aconteciacom precedência sobre o Paradoxo Fi-nal).

Nesse ponto é conveniente explicarque n’O Correio do Tempo as viagensao futuro não eram possíveis. Isto é,você podia voltar ao passado, mas sópodia retornar ao futuro até a data dapartida somada ao tempo ‘absoluto’(ou ‘fisiotempo’, para usar a expres-são que Asimov adotou n'O Fim da

Eternidade) que você despendeu nopassado. Outra limitação era que o‘temporizador’, como a Máquina doTempo de H. G. Wells, só permitia vi-agens no tempo, não no espaço. As-sim, o viajante do tempo teria que pri-meiro fazer uma viagem física no pre-sente para o local de destino e só en-tão se transportar para o tempo dese-jado.

O Correio do Tempo era uma dasdivisões do Serviço do Tempo. A ou-tra era a Patrulha do Tempo, cuja fun-ção era evitar qualquer alteração docontinuum temporal. Essas alteraçõesnão autorizadas eram consideradascrimes temporais (timecrimes), sendoo único caso de pena capital da épo-ca.

Silverberg descreve um passadofluido e editável. Houve um acidentecom um turista temporal durante umaexcursão? O Correio podia voltar al-guns minutos no tempo e evitá-lo.Claro que ficaria para sempre nocontinuum temporal a ‘edição’, comdois Correios aparecendo simultane-amente por alguns minutos (essa prá-tica era sujeita a sanções por parte daPatrulha).

A Patrulha do Tempo usava essamesma fluidez do passado para corri-gir os crimes temporais. Alguém vol-tava ao passado para matar Maoméantes dele criar o Islamismo ou enve-nenar Jesus Cristo enquanto criança?O criminoso era rastreado, localiza-do e impedido de fazer a viagem aopassado imediatamente antes de co-meter seus crimes. Todos os aconte-cimentos resultantes de sua ação vi-ravam então não-eventos. Nuncaaconteceram. Eram apagados docontinuum e não deixavam qualquerconseqüência nem memórias (excetonaqueles protegidos pelo Paradoxo doDeslocamento em Trânsito). A coisavai ficando complicada, não é? E esseParadoxo da Alteração/Correção Re-troativa da História abria, como sem-pre, outros paradoxos. Por exemplo,uma alteração do passado num pon-to-chave, como os assassinatos deMaomé ou Jesus, iria imediatamentese refletir no continuum? O presenteseria imediatamente modificado? Aprópria viagem no tempo poderia dei-

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xar de existir? Como haveria a corre-ção posterior pela Patrulha do Tempose ela nunca havia sido criada?Silverberg adota nesse caso uma so-lução análoga aos Paradoxos da Acu-mulação e da Descontinuidade, isto é,as mudanças vão se ‘propagando’ nocontinuum em ‘paralelo’ com o pre-sente. Mas como, se tudo é um sócontinuum? O próprio Jud se pergun-ta como e não sabe a resposta. Aí po-demos observar uma falta de auto-consistência no livro, pois, no caso ci-tado do viajante do tempo matar seuavô quando criança, Silverberg admiteque sua existência no presente seriaimediatamente cancelada. Esse even-to é até descrito como uma forma desuicídio adotada na época (esses cri-mes temporais eram sempre descober-tos e revertidos pela Patrulha do Tem-po, mas, como o criminoso era exe-cutado, o suicídio transtemporal aca-bava tendo sucesso de qualquermodo). No Correio do Tempo, o as-sassinato do menino Jesus (sim, ocor-reu!) foi descoberto quando um Cor-reio foi levar um grupo de turistas àcena da Crucificação e não tinha ne-nhum Jesus lá. Só os dois ladrões. APatrulha localizou o criminoso e feza correção retroativa, evitando queviajasse ao passado para matar Jesus.Como Jesus foi morto aos 11 anos e ocrime descoberto aos 33, apenas 22anos foram afetados. E como o Cris-tianismo só provocou efeitos históri-cos muito tempo depois da morte deCristo, as alterações do continuumforam irrelevantes. Após a ‘edição’ daPatrulha do Tempo, mesmo essas al-terações foram totalmente eliminadas.O assassino? Foi executado. Mesmocom sua vítima ‘ressuscitada’ pelaPatrulha do Tempo.

Outra coisa interessante na ‘regrado jogo’ temporal de Silverberg: OsCorreios podiam dar umas fugidinhasdurante as excursões. Podiam saltarpara outras épocas e passar horas oudias relaxando. E os pobres turistaspresos num passado longínquo? Bas-tava o Correio saltar no tempo de voltaalguns minutos após ter partido. Paratodos os efeitos práticos nunca tinhaficado muito tempo longe.

Quanto ao problema das línguas dos

tempos passados, os Correios,Patrulheiros e turistas tomavamhipno-cursos rápidos antes das excur-sões ou missões e mantinham fluên-cia perfeita por um ou dois meses

Acho que Silverberg pensou emquase todos os Paradoxos Temporaisn'O Correio do Tempo, por isso meestendi mais na análise do seu livro.Apenas dois outros eventos parado-xais ficaram de fora: Os ‘loops’ (àsvezes chamados também de Parado-xos do Ovo e da Galinha) e as dupli-cações cumulativas. Os primeiros sãode dois tipos: Os ‘loops’ de repetiçãotemporal (trataremos deles adiante) eos ‘loops’ de objetos ou pessoas.

Os Paradoxos dos ‘Loops’ têm apa-recido mais no cinema. Um bem co-nhecido, na modalidade objeto, apa-receu no filme Em Algum Lugar doPassado, onde o personagem princi-pal recebe um relógio de uma velhasenhora e descobre depois que era umamor que encontrou numa viagem aopassado. Ele acaba conseguindo essaviagem através de um processo men-tal, mas viaja materialmente, deixan-do registros no passado e, o mais sur-preendente, levando consigo aquelemesmo relógio que recebeu da velhasenhora para dá-lo à mesma mulherquando era uma bela jovem. Depoisele volta ao presente. E ela vai sem-pre lembrar-se dele e guardar o reló-gio para dar-lhe no futuro quandoencontrá-lo. O que só consegue fazerquando já é uma velha senhora, fe-chando o ‘loop’. O paradoxo aí é:Quem fabricou esse relógio? Comosurgiu no continuum temporal se elecomeça e termina nesse ‘loop’transtemporal entre os dois amantes?Um outro filme com ‘loop’ parado-xal, dessa vez de pessoa, é O Exter-minador do Futuro, onde o líder daresistência do futuro envia ao passa-do um protetor para sua mãe antes delenascer. E esse protetor acaba tornan-do-se seu pai. Quer dizer, sua própriaexistência no seu presente dependiadele fazer com que seu futuro pai vol-tasse ao passado e pudesse engravidarsua futura mãe, fechando o ‘loop’. Nacontinuação desse mesmo filme temosum ‘loop’ de objeto, quando revela-se que a empresa criadora da

tecnologia que iria gerar o domíniodas máquinas no futuro na verdadebaseou suas pesquisas no chip e noscomponentes que restaram do primei-ro Terminator destruído, que, por suavez, foi criado como desenvolvimen-to dessa mesma tecnologia. Outroexemplo famoso de ‘loop’ temporalapareceu na série de filmes do Plane-ta dos Macacos, onde o filho de umcasal de macacos vindo do futuro vi-ria a liderar a revolta dos antropóidesque acabaria gerando um mundo do-minado pelos macacos, de onde che-gariam seus próprios pais no futuro,num ciclo infinito.

O Paradoxo da Duplicação Cumu-lativa pode ser considerado uma vari-ação do Paradoxo da Acumulação,mas com características diferentes.Não é muito usado em obras de FC,pelo menos não o tenho encontradocom freqüência. Ele acontece quandoremovemos um objeto ou pessoa deum determinado ponto na linha dotempo e o transportamos para o pas-sado (ou outro instante do tempo, de-pendendo dos critérios transtemporaisdo autor). Depois voltamos a um mo-mento imediatamente anterior à pri-meira remoção e repetimos a opera-ção, levando a pessoa ou objeto parajunto da primeira ‘duplicata’, fican-do os dois na mesma linha de tempo.Poderemos repetir indefinidamenteessa operação, acumulando quantasduplicatas quisermos a partir do ‘ori-ginal’, sempre coletando alguns ins-tantes antes da última remoção. Po-deríamos perguntar: A segunda remo-ção não faria desaparecer a primeira,já que só num ponto posterior do tem-po você transportou o primeiro obje-to? Você iria chegar lá (no ponto deremoção ou entrega) e não encontrarnada? Não, porque todos os objetosremovidos não estariam mais sujeitosa alterações posteriores da História(como as remoções sucessivas), vistoque estariam fora de sua matriz tem-poral e protegidos pelo Paradoxo doDeslocamento em Trânsito. Interes-sante modo de se ficar rico com umanota de 100 dólares, não é? (Desde, éclaro, que ninguém note os númerosde série idênticos). Observamos que,na duplicação por alteração da Histó-

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ria, como n'O Correio do Tempo, o pa-radoxo ocorre porque alteramos retro-ativamente nosso próprio curso dotempo, fazendo, por algum motivo,nosso ‘eu’ alterar suas ações passa-das de modo a seguir um caminho di-ferente do que havia seguido anteri-ormente e que tinha levado à própriaação alteradora. Na duplicação cumu-lativa a entidade duplicada não é oagente da alteração da História, mas,como é sucessivamente removida devários pontos para um único ponto dalinha do tempo, ocorre uma ‘acumu-lação permanente’, diferente da acu-mulação dos Correios do Tempo,onde, na verdade, há uma ‘linha’ li-gando todas as duplicatas, pois trata-se da mesma pessoa indo e voltandoem sucessivas viagens com váriospontos de partida e um só de chega-da. Não se pode traçar essa mesmalinha ligando os objetos removidos dalinha do tempo no Paradoxo da Du-plicação Cumulativa. Um último co-mentário sobre a duplicação cumula-tiva: No universo temporalsilverbergiano esse paradoxo teriaduas restrições, uma que os objetosteriam que ser transportados semprepara o passado (não existem viagenspara o futuro ‘absoluto’), e outra quevocê não poderia levar os objetos devolta para o tempo de onde saíram.Por quê? Porque ocorreria com ascópias o mesmo que aconteceria avocê se voltasse ao presente vindo deuma viagem ao passado onde matouseu avô criança. Você deixaria de exis-tir. Temos que ter em mente que cadaremoção sucessiva num ponto anteri-or da linha de tempo do objeto oupessoa alterou sua História, tornandonão-eventos todas as remoções ante-riores, pois o objeto ou pessoa nãoestariam mais lá para serem removi-dos. Em outros pontos do tempo, to-das as cópias estariam protegidas peloParadoxo do Deslocamento em Trân-sito, mas, no momento em que fos-sem devolvidas à sua matriz de tem-po original, desapareceriam, restandoapenas uma entidade, aquela removi-da por último. Vemos portanto que aduplicação cumulativa silverbergiananão viola a lei de conservação da mas-sa, embora em outros universos tem-

porais ocorra essa aparente violação,como veremos depois.

Vamos agora nos debruçar (no bomsentido) sobre Poul Anderson. OsGuardiães do Tempo é um excelentelivro de viagens no tempo, formadopor cinco contos, mas que não se en-volve tanto nos paradoxos como OCorreio do Tempo. Paradoxos comoda Acumulação e da Descontinuidadenão são sequer imaginados. Tambémtem uma Patrulha do Tempo que ten-ta manter o continuum e tem o poderde corrigir retroativamente a História,transformando eventuais alteraçõesem não-eventos, mas as viagensintertemporais não mostram, a meuver, todo seu potencial paradoxal, aomenos não com a voluptuosidade deSilverberg. Em vez de temporizadorespresos à cintura, os agentes deAnderson usam veículos (como naMáquina do Tempo de H. G. Wells),mas, além de mais avançados(Anderson os define como motonetasantigravidade), não sofrem das limi-tações impostas por Silverberg e Wellsem suas obras, podendo viajar simul-taneamente para qualquer instante dotempo e lugar do espaço. No conto‘Delenda Est’ a História é mudadaquando o general romano Cipião émorto por um criminoso temporal an-tes que possa combater com sucessoAníbal, e, em conseqüência, Cartagoderrota e arrasa Roma, alterando ra-dicalmente o futuro. Mas, em outradiferença com respeito ao universointertemporal de Silverberg, PoulAnderson entende que, nesse caso, aHistória muda instantaneamente, pre-servando apenas os agentes que esta-vam viajando na linha de tempo empontos anteriores à mudança. Esses,por sua vez, também diferentementeda ‘regra do jogo’ de Silverberg, es-tavam permanentemente encapsuladosem sua ‘bolha de tempo’, mesmo sevoltassem ao presente modificado,onde provavelmente não teriam nemexistência, tamanhas as alterações his-tóricas ao longo de milênios - o que éna verdade tão paradoxal quanto asolução proposta por Silverberg de‘propagação lenta das mudanças’. Poroutro lado, Anderson faz seus agen-tes irem freqüentemente ao passado,

às vezes para pontos turísticos comoas ‘Quedas de Gibraltar’ há milhõesde anos, sem qualquer preocupação dedescontinuidades. Existe uma acade-mia da Patrulha no períodoOligoceno, mas também esses proble-mas não surgem, mesmo com agentesvindo de uma infinidade de pontos nocontinuum para um mesmo ponto nopassado (às vezes esses pontos eramusados por décadas, o que, teorica-mente, permitiria um schedule, masisso não é citado no livro).

As histórias são muito boas e ima-ginativas. Tal como os Correios deSilverberg, os Patrulheiros deAnderson também podiam dar suasescapadas. Na verdade, Anderson le-vantou até a questão, não lembradapor Silverberg, que eles poderiam ti-rar vários anos de férias entre umamissão e outra. Como? Bastaria sem-pre retornar no tempo exato previstopara sua reapresentação. Para todosos efeitos estariam cumprindo estri-tamente seus horários (Anderson ga-rante que os Patrulheiros evitavamesses abusos). Às vezes a Patrulhaacabava aceitando uma alteração per-manente da historia, como quando umagente assume por anos o papel dogrande rei persa Ciro e esse períodonão é editado. Mas, se o continuumabarca todos os tempos, quem pode-ria garantir que essa aparente altera-ção não seria a ‘verdadeira’ História?Que mantê-la não seria preservar ocontinuum? Isso, é claro, introduz oParadoxo da História Retroativa, istoé, pessoas do futuro, que não haviamnascido na época dos acontecimentosjá ocorridos e historicamenteregistrados, acabarem revelando-seprotagonistas desses mesmos eventos.Podemos interpretar esse paradoxocomo uma variante do Paradoxo do‘Loop’ ou, se quisermos, uma varian-te do Paradoxo da Alteração da His-tória, visto que a ‘História retroativa’nada mais é que uma alteração retro-ativa da História que não foi corrigida,ficando incorporada permanentemen-te ao continuum. Isso abre até uma dis-cussão filosófica sobre que critérios te-riam que ser usados para definir a ‘ver-dadeira’ História num mundo onde fos-sem possíveis viagens no tempo.

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Nenhum Paradoxo de Duplicaçãoaparece no livro de Anderson, mas,se ocorressem, os de Duplicação Cu-mulativa não sofreriam as restriçõesimpostas por Silverberg. Como as vi-agens ao futuro não são proibidas nouniverso andersoniano e a única exi-gência para ser protegido pelo Para-doxo do Deslocamento em Trânsito éestar num ponto anterior da linha dotempo quando ocorresse uma altera-ção da História, bastaria, após conclu-ídas todas as remoções duplicativas,transportá-las para qualquer ponto dalinha do tempo que se quisesse. Nãoocorreria mais o desaparecimento dasduplicatas, mesmo se fossemretornadas ao seu tempo original,numa aparente violação da lei de con-servação da massa. Por outro lado(parece que quando tratamos de pa-radoxos temporais sempre há um ou-tro lado), podemos interpretar ocontinuum temporal como uma infi-nita sucessão de ‘momentos’ -infinitésimos de tempo - cada um comuma ‘cópia’ de tudo que existe. Nes-se caso não faria sentido discutir se oParadoxo da Duplicação Cumulativaviola ou não a lei da conservação damassa.

Chegamos então ao Bom Doutor. OFim da Eternidade é um bom livro.Pega o leitor de um fôlego só. Tem otexto fluente e linear de Asimov. Ali-ás, linear demais. Esse é o problema.Asimov, no prefácio, fala que os pa-radoxos temporais causam especula-ções tão vertiginosas, que a soluçãomais fácil seria supor que a viagemno tempo seria impossível. Mas queele iria enfrentá-los e escrever umahistória que seria o exemplo máximoda modalidade. E aí ele inventa a‘Eternidade’ e os ‘Eternos’. O que é aEternidade? É uma dimensão miste-riosa criada por um Campo Temporalde alta energia que se abastece da fu-tura Nova Sol daqui a bilhões de anos.É formada por Setores que se esten-dem por toda a eternidade e lá vivemos Eternos, humanos recrutados paraexercerem a função de Modificadoresdo Tempo. Na Eternidade são imunesao Tempo e têm acesso irrestrito atodos os séculos. E o Bom Doutor nãoé tímido no alcance dos Eternos. A

coisa vai dos nossos tempos ao sécu-lo 150.000! Sim, 15 milhões de anos!Asimov depois faz uma concessão quea humanidade não existirá mais então.Terá evoluído para alguma outra coi-sa desconhecida. A trama é muito ima-ginativa e o papel dos Eternos é opos-to ao das Patrulhas do Tempo deSilverberg e Anderson. Seu trabalhoé continuamente alterar o continuum,mudando a História. Computadorescalculam as Mudanças Mínimas Ne-cessárias (MMN) para obter as Má-ximas Respostas Desejadas (MRD).E os Eternos nunca são afetados, poisestão na Eternidade. Interessante, nãoé? Mas, em minha opinião,inverossímil. Asimov, no fundo, fugiudo problema, porque, embora ele adefina como imune ao Tempo, o tem-po passa na Eternidade. Os aconteci-mentos se sucedem, pessoas conhe-cem pessoas, coisas são planejadas,eventos causam outros eventos. Hápassado, presente e futuro. Asimovcria Eternos ‘vigiando’ cada Setor daEternidade, isto é, séculos do TempoNormal. Mas isso é, a meu ver, absur-do. Acompanhar um tempo é passaro tempo junto. Digamos que um Eter-no tivesse, por exemplo, a função devigiar o século 1000. Após 100 anosesgotaria sua tarefa. Iria voltar ao pas-sado e vigiar tudo de novo? Iria en-contrar ele mesmo? O que significa‘vigiar cada século’, se todos fazemparte de um continuum? Tudo não está‘acontecendo’ ao mesmo tempo?Asimov criou uma solução que mepareceu inconsistente. Quando o en-redo refere-se à Realidade (o Tempocomum) e aos acontecimentos ‘den-tro’ da Eternidade, a coisa fica maiscoerente e envolvente, mas sem ex-plorar muito os paradoxos. Tem um‘loop’ interessante quando aparente-mente a invenção do Campo Tempo-ral dependeu de ajuda da Eternidade,que, por sua vez, só foi tornada pos-sível pela invenção do Campo Tem-poral. Tem um Eterno que vai por aci-dente ao passado longínquo e tem quedeixar uma mensagem para ser lida nofuturo (como num dos filmes datrilogia De Volta para o Futuro). Masfica a questão: Por que não evitar oproblema voltando ao passado e evi-

tando o acidente? Porque, sem expli-cações, os Eternos não podem viajarno tempo na Eternidade. Mas podem‘entrar’ e ‘sair’ da Eternidade para aRealidade em qualquer tempo e vol-tar. Como você pode acompanhar ocontinuum temporal se você está pre-so a uma linha imutável de tempo?Como conciliar isso com as viagensno tempo na Realidade paralela àEternidade? O desfecho – que, obvi-amente, leva ao Fim da Eternidade - ébem interessante, e descobrimos ascausas e conseqüências de todas aque-las modificações da História.

O Bom Doutor foi, ao que eu saiba,o único a conceber esse conceito sin-gular de Eternidade em obras de via-gens no tempo. Asimov também in-troduziu n'O Fim da Eternidade uminédito componente de probabilidadeno Paradoxo da Alteração da Histó-ria. Na ‘regra do jogo’ asimoviana,uma alteração do passado poderia nãose refletir no presente se fosse ocor-rer uma provável posterior correção.Se as coisas ainda estavam no presentecomo eram antes da alteração, have-ria uma probabilidade significativa deque viesse a ocorrer uma nova altera-ção restauradora, que já estaria fazen-do parte do continuum, e por isso arealidade não havia ainda mudado. Sóquando a probabilidade caísse abai-xo de uma – usando uma expressãode Asimov - ‘grandeza crucial’ é quea alteração seria instantaneamente‘propagada’ por todo o continuum.Mas não havia garantia. Alguma coi-sa que você fizesse poderia evitar essaprovável reversão da mudança. E issopoderia se dar por uma simples deci-são irreversível de fazer ou não fazeralguma coisa. Isso conferiu a O Fimda Eternidade um novo tipo desuspense em histórias de viagem notempo. Na introdução do livro,Asimov também levantou uma ques-tão que normalmente passa desperce-bida de leitores e escritores de timetravel: A viagem no espaço está im-plícita na viagem no tempo. Pois, deoutro modo, como você sempre apa-receria na superfície da Terra? Se vi-ajarmos um dia que seja no futuro,mantendo nossa posição fixa no es-paço, a Terra já estará longe em sua

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órbita em torno do Sol. Vamos nosmaterializar no vácuo interplanetário?E qualquer mecanismo de ‘fixação’ daviagem temporal na superfície de nos-so planeta implicaria numa instantâ-nea viagem no espaço para cobrir adistância entre a Terra de partida e aTerra de chegada. Como a Terra estáem média a cerca de 150 milhões dequilômetros do Sol, se você partissenum verão e chegasse num inverno(pontos opostos da órbita), levariapouco mais de 16 minutos para ven-cer a distância do diâmetro orbital ter-restre à velocidade da luz (na verda-de mais que isso, pois o próprio Soltambém tem um movimento em rela-ção ao centro galáctico, e arrasta comele os planetas - sem levar em contaum possível desvio da trajetória doviajante para não passar por dentro doastro-rei). Mas talvez, para você, aviagem parecesse instantânea, devidoà dilatação relativística do tempo queocorreria no trajeto; e sua máquina dotempo pudesse descontar o tempo con-sumido na viagem, ajustando automa-ticamente o tempo selecionado de che-gada. E não podemos eliminar a hi-pótese de que a viagem no tempo pos-sa implicar, como efeito secundário,numa viagem no espaço em velocida-de superluminal (afinal, em termosrelativísticos, tempo e espaço se fun-dem num mesmo continuum). Resta-ria a questão da energia envolvida,mas só podemos especular se a ener-gia necessária para viajar a uma velo-cidade próxima da luz por 16 minu-tos, ou mesmo acima dessa velocida-de, é maior que a exigida para sertransportado, digamos, mil anos nopassado.

Vamos então comentar um pouco aIntempol (Polícia Internacional doTempo), projeto literário-lúdico-cul-tural criado por nosso colega do CLFCdesigner gráfico e escritor de FCOctávio Aragão. De cara temos o pra-zer de ver uma ironia e humor algoausentes em Anderson e Asimov (epresente com intensidade emSilverberg). A idéia dos agentes bra-sileiros da Intempol e a proposta dese ter um Universo Intempol com di-versos autores traz uma potencial vi-vacidade ao franchising intempoliano.

Em "Eu Matei Paulo Rossi" e "UmMuseu de Velhas Novidades" os pa-radoxos também são enfrentados semmedo e com inteligência. A narrativanão linear seduz o leitor e parece maisadequada ao mosaico temporal dashistórias (os três autores anteriores sãoalgo lineares nos seus textos). E o es-tilo policial-irônico de OctávioAragão funciona muito bem. Um timetravel hard boiled. Mas também pa-radoxos como da Acumulação eDescontinuidade não são notados. Odo Deslocamento em Trânsito está lá,mas aparentemente não tem regrasmuito rígidas. E tem algumas diferen-ças fundamentais com os autores an-teriores: são possíveis viagens ao fu-turo (embora com 50% de imprecisãopois as linhas de tempo podem estaralteradas); são possíveis os ‘Loopsde Repetição’ (sim, finalmente che-gamos a eles, mas vamos esperar maisum pouco antes de dissecá-los); e, ameu ver, uma idéia que me pareceualgo inconsistente, embora instigante:O conceito de ‘Prisão dos Homensque Nunca Existiram’. Por que incon-sistente? Porque as historias e o ‘Tes-tamento Intempoliano’ admitem,como os outros autores analisadosneste artigo, o Paradoxo da Alteraçãoou Correção Retroativa da Historia e,se esse paradoxo for levado a seu ex-tremo, não haverá qualquer ‘sobra’ dacorreção. Os ‘homens que nunca exis-tiram’ nunca terão existido mesmo.Todas as suas ações e seus efeitos so-bre pessoas e objetos se tornariamnão-eventos. Se alguém foi criadonuma linha alternativa de tempojulgada merecedora de mudança pelaIntempol, a correção poderia facil-mente se dar num ponto da linha detempo anterior ao primeiro‘descolamento’ e assim matar nonascedouro toda a linha alternativa.Não restaria ninguém para prender. Aprópria ‘Prisão dos Homens que Nun-ca Existiram’ mostra, a meu ver, amesma incoerência com respeito àscorreções temporais quando permitefugas de seus prisioneiros. Por quê?Porque, constatada a ausência de umprisioneiro de sua cela entre uma cha-mada e outra, bastaria aos agentes sal-tarem no tempo para um momento

anterior à fuga, vigiá-lo e impedir aevasão. Seria muito mais prático queempreender depois uma louca perse-guição pelo continuum temporal.

Os agentes da Intempol usam umapequena máquina registradora e umcartão cronal, semelhante aos bancá-rios. Mais práticos sem duvida que osveículos transtemporais de Anderson,mas menos seguros que ostemporizadores de Silverberg, que nãoprecisavam se separar dos viajantesdo tempo nem quando tomavam ba-nho ou exerciam atividades, digamos,eróticas (aliás, Silverberg descreveuma vida sexual intensa dos Correiosdo Tempo). Os cartões cronais deOctávio Aragão, como os veículos deAnderson, permitem viagens simultâ-neas no tempo e no espaço, digitando-se na caixa registradora a data e ascoordenadas geográficas do destino.

Finalmente, vamos tratar dos Para-doxos dos ‘Loops’ de Repetição naIntempol. Esses acontecem quandovocê viaja no tempo não no sentidotradicional, de transporte físico paraum outro momento no passado ou nofuturo, mas quando você ‘revive’ umtempo passado, como no filme Feiti-ço do Tempo. Isso ocorre no contointempoliano Um Museu de VelhasNovidades, quando um fugitivo dotempo consegue um ‘contínuoreviver’ do dia de ontem através dedrogas e os agentes da Intempol vãoatrás com seus registradores e cartõescronais. Aí vejo uma inconsistênciados dois universos intertemporais.Como conciliar um continuum tempo-ral onde você viaja fisicamente comuma ‘viagem mental’ para você mes-mo 24 horas antes? Isso parece umpouco mágico. Ainda mais quandoadmite-se que pode ocorrer por meiode drogas. Não parece que você estáforçando todo o universo a reviveresse dia com você? Se não é assim,não se poderia ‘esconder-se ontem’,pois o tempo continuaria para os ou-tros. O que aconteceria com você após24 horas? Sua mente voltaria ao cor-po de 24 horas antes (mantendo ounão as memórias)? E seu corpo atu-al? E o dia seguinte? E o que aconte-ceria para os outros que não tomaramdrogas ou usaram os cartões? Iriam

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seguir seus ‘tempos’? E você? Sedesmaterializaria? Ou voltaria comtodo mundo a viver o mesmo dia? Issonão dá a impressão que todocontinuum está à sua disposição? Etambém não entendi bem como apa-receram no conto aquelas notas deReal das gorjetas dadas ao garçon di-ariamente durante a longa repetiçãodo ‘dia de ontem’. Se tudo voltava 24horas, incluindo todas as pessoas ecoisas, as notas não deveriam tambémvoltar para o bolso de onde haviamsaído? Se elas seguiam seus cursostemporais para serem achadas depois,por que não as pessoas e outras coi-sas? Nesse caso como ficaria o fugiti-vo ‘escondido ontem’?

Mas essa aparente mágica tempo-ral, uma vez que a aceitemos, não pre-judica o desenrolar do conto. Como

em o Feitiço do Tempo, a trama é efi-ciente.

Tenho que confessar que essas ‘aná-lises de auto-consistência intertem-poral’ só consegui fazer depois. Naleitura dos contos de Octávio Aragãovocê não tem - sem trocadilho - tem-po de fazê-las. Os diálogos, ações ecenários descritos nos dois contos nosenvolvem como um bom policial noire você vai lendo uma página atrás daoutra, ansioso para saber como aque-las situações complicadas vão se re-solver. E, vendo por outro ângulo, essapossível falta de rigidez das ‘regrasdo jogo’ talvez seja até uma vantagemnos contos e outros projetos daIntempol, desatando as mentes dosautores intempolianos para alçaremvôos mais audazes.

As histórias de viagens no tempo co-

mentadas neste artigo são apenas umapequena amostra de um vasto sub-gê-nero que compõe o universo da ficçãocientífica desde o final do século pas-sado, com o pioneiro livro A Máquinado Tempo, de H. G. Wells.

Com todos os seus desconcertantesparadoxos, essas histórias continuamsendo as minhas favoritas de FC. Gostode pensar na idéia de que talvez as via-gens no tempo sejam fisicamente pos-síveis em nível macroscópico, comoaparentemente o são em escalasubatômica, e que um dia a ciência e atecnologia humanas possam construiruma verdadeira Máquina do Tempo.

Enquanto isso, contamos com a nos-sa imaginação para viajar ao passado eao futuro. Mas todas as grandes reali-zações da Humanidade não começaramcomo sonhos?

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por Martha ArgelAparências enganam...Ficção:

Era uma daquelas noites típicas de julho, gelada e seca, em que o ar corta os pulmões da gente a cada respiração. Océu estava tão estrelado que a lua, nova por essa época, nem fazia falta; daria para ler um jornal só com a luz dasestrelas, se os jornais chegassem naquelas lonjuras. O inverno tinha calado os grilos e espantado para terras maisquentes quase todas as aves noturnas. A paisagem parecia ter sido mergulhada em algum líquido conservante escuro efrio, e parecia que ia ficar assim para sempre, imóvel, silenciosa e sem vida.

É em noites como aquela que a gente não só se sente inclinado a acreditar em discos voadores como tem a sensaçãode que seria um desperdício se não existissem visitantes alienígenas.

Ela foi acordada por um facho de luz que vinha lá de fora através da janela da sala e, passando pela porta decomunicação, iluminava todo o pequeno hall para o qual se abriam os quartos e o banheiro.

Um raio de luz branca, poderoso, que se movia para os lados, para cima e para baixo, examinando tudo e procurandoalgo.

Ela se arrepiou inteira.Pensou em cenas dos filmes que tinha vistos às dúzias, na tevê por satélite, desde que viera de tão longe para se

instalar neste lugar pequeno e ermo, em busca de algum sossego. Cenas de dar medo, claro que eram ficção, masdeviam ser baseadas em alguma realidade.

Ela se levantou da cama quentinha e arriscou um olho pela porta que dava para a sala. Não conseguia ver nada porcausa da luz, que passeava pela sala inspecionando móveis e paredes.

Ouviu vozes lá fora. Eram dois, e de vez em quando trocavam alguma idéia incompreensível em voz baixa.Ela fechou os olhos, pensou por uns instantes no que devia fazer naquela situação e chegou a uma conclusão.

Preparou-se com cuidado, com pressa mas com perfeição, e assim que se sentiu pronta, com dois passos penetrou nofacho de luz.

Alguém lá fora se engasgou de espanto quando aquela louraça belzebu completamente nua foi iluminada em cheioe em todos os seus generosos detalhes.

A luz se apagou de repente.Quase ao mesmo tempo, um outro raio atravessou a janela da sala. Desta vez, de dentro para fora. Bem mais

violento que um facho de luz. Um raio que fundiu os vidros e que transformou em cinzas, no ato, os dois ladrões pé dechinelo e seu silibim de bateria de moto.

Ela deu um suspiro de alívio. Agora talvez terminasse a onda de roubos a sítios naquela região que, fora isso, era tãotranqüila.

De volta para a cama, ela se espreguiçou, relaxou a musculatura e deixou-se voltar ao normal. Aninhou entre ascobertas ainda quentes todo o corpo extremamente plástico. O grande pé deslizante, a volumosa massa visceral e os deztentáculos, tanto os oito dos olhos quanto os dois que produziam raios. Mudar de forma assim de repente dava umacanseira…

Amanhã dou um pulo na cidade e compro vidros novos, pensou enquanto mergulhava devagar em um sono gostoso.

Martha Argel é bióloga, paulistana e sócia do CLFC. Acaba de debutareditorialmente com o livro virtual Contos Improváveis, editado pela VBS -Virtual Book Store. O volume encontra-se a disposição na URL<www.virtualbookstore.com.br>.

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por Simone Saueressig00 (zero-zero)Ficção:

Despertou por causa das pontadas de dor-de-cabeça e à princípio não soube muito bem onde estava. Parecia opróprio quarto, mas alguém havia mudado tudo de lugar. Em seguida se deu conta de que dormira com corpo virado ea cabeça no lugar dos pés.

Um pouco mais tarde, descobriu que a dor-de-cabeça era um eco surdo dos golpes que alguém assentava na porta dafrente. Quando os golpes paravam, a dor fazia uma pausa, mas então alguém gritava o seu nome e a pontada voltavacom força.

Sentou-se devagar e teve de esperar o mundo parar de dar voltas. Depois levantou-se trôpego e atravessou a peque-na sala, consciente que navegava entre os destroços da noite anterior. E pensar que não passara das onze e meia!

Bem, muito bem. O dia começava de maravilha!—Seu Dimas! Seu... oh, desculpe se o acordei.—O que a senhora quer, dona Emengarda?A velhota do andar de cima entrou no apartamento e lançou um olhar furimbundo pelas garrafas de uísque sobre a

mesa, sobre várias fotografias rasgadas com sanha e uns quantos rotuladores destapados atirados pelo chão, sobre osofá e as almofadas. Dimas se deu conta de que a almofada de crochê azul que sua mãe lhe dera no aniversário tinhaagora uma mancha enorme, indisfarçável e vermelha bem no meio do tramado de linha.

—Vejo que teve uma festa ontem... normal, né? O engraçado é que não ouvi nada. O senhor sempre faz tanto ruídocom a sua... a sua música.

Debruçou-se sobre ele e o cheiro do perfume doce o invadiu numa onda nauseabunda.—Agora eu volto, — ele conseguiu resmungar e voou para o banheiro.Quando voltou, a cabeça doía o dobro num compasso sincopado, mas estava mais clara. A velhota tomara conta da

cozinha e preparava um café na velha cafeteira que necessitava um bico de gás para funcionar, e que ele guardava porcarinho ao pai. Sentiu-se humilhado pela bateria de pratos sujos, panelas por lavar e copos que repousavam na máquinade lavar-louça. O cheiro que vinha dali era absurdamente podre e ele bateu a porta com raiva, sentindo o mau-humorvoltar em dobro.

—Posso saber o que a senhora quer, dona Emengarda? — perguntou, ríspido. A velhota voltou-lhe uns olhospequeninos e brilhantes que encolhiam ainda mais atrás dos óculos caros. Arregalou-os e a boquinha pequena, pintadade rosa, se abriu num “oh”, bem redondo.

—O senhor não sabe?—Saber o quê?—O senhor não está ouvindo?Em vez de ouvir, Dimas olhou para o rádio. Estava desligado. Depois fez um pequeno esforço, que no momento se

assemelhou ao que devia fazer Atlas ao levar a abóbada celeste.Havia um silêncio profundo dominando tudo. Muito distante ouviu uma sirena, mas isso foi tudo.—Falta luz? — perguntou. E em seguida, lembrando-se de algo: —Que horas são?—Doze e vinte.—Droga!Tinha um encontro à uma hora com Luíza e ainda tinha que tomar banho, atravessar a cidade e se por cara de bom

humor. Saiu tropeçando pela sala, enquanto a velhota o seguia falando, falando, como um rádio que a gente põe só paraparecer que tem companhia. Daqui a pouco ela vai cantar a música do noticiário, era só o que faltava, pensou enquantochutava as fotos, buscando os sapatos que estavam debaixo do sofá.

Estavam ali, cheios de pedaços do que ele pensava que tinha sido a sua vida, até André entrar pela porta e contartudo: Luíza e Marcelo.

A cabeça rodou feito uma bola de futebol quando alguém chuta o pênalti e ele gemeu, caindo de joelhos.Não fora difícil terminar com as duas garrafas de uísque que tinha no bar. O difícil mesmo fora conseguir engolir

tudo aquilo. Destroçar aquelas pequenas janelas de felicidade, planas e irreais. Rasgar em quatro partes aquela Luízaque só existia naquelas fotos, na do piquenique, na da festa de aniversário da irmã, na do acampamento, tocando violão,acendendo um cigarro, rindo à toa, com chapéu, sem sapatos, com aquela blusa amarela e feia, com a camisa aberta atéa cintura. A verdadeira Luíza era outra. Não sabia quem era. Não sabia o que fazia, o que gostava de fazer. Não estavapresente quando ele precisava dela, sempre tinha trabalho, as feiras, os festivais, e tome reuniões e festas às quais elenão estava convidado porque não era vendedor de carros, era só o tipo que os desenhava.

Olhou para o relógio digital sobre a mesinha ao lado da TV-vídeo e piscou atordoado ao vê-lo negro e ao vislumbraro que restara do disquete onde guardava as fotos.

—Ah, o senhor também tem um desses? A minha filha me deu um fazem uns anos, mas eu não uso, sabe, essas

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coisas só consomem energia elétrica. Eu prefiro o despertador que o meu pai me deu quando eu me casei, no 53.Dimas olhou a velha como se ela fosse uma marciana.—Afinal, dona Emengarda o que a senhora está fazendo aqui?—Oh, Deus meu, o café! — fez ela, e correu para a cozinha.Tentando não abaixar muito a cabeça, caçou os sapatos e levantou-se trôpego. Abriu o chuveiro e enquanto esperava

a água esquentar, ia agarrando roupa para pôr.—Se eu fosse o senhor, não faria isso, — resmungou a velhota parada no meio da porta, olhando para a ducha como

se fosse saltar em cima dela.—E por quê? — ele passou por ela sem o menor interesse na resposta.—O café está pronto, — replicou dona Emengarda, e a porta se fechou na sua cara. Quase em seguida, ouviu um

grito. Bateu de leve na porta, assustada.—Seu Dimas, o senhor está bem?—Que m... que droga! Podia ter me avisado que não há eletricidade! — ele gritou lá de dentro.—Pensei que o senhor tivesse se dado conta — ela resmungou dando de ombros. Tinha certeza de que falara no tom

exato para que ele soubesse que tinha falado, mas não entendesse o que dissera. Trinta anos de casada ensinam muitascoisas à uma mulher, por melhor que ela seja e por mais agradável que seja o marido.

Dimas apareceu envolto na toalha. Na verdade, reconheceu, querer tomar banho quente em pleno verão era luxo,mas ele era assim mesmo. Água quente, comida do dia, roupa boa. Passara uma infância cheia de dificuldades econômi-cas e agora que podia dar-se ao luxo de coisas de qualidade, não pensava em abrir mão delas.

—A senhora pode me dizer o que...Uma freada brusca, um buzinaço e o estrondo final, cortaram a frase pelo meio. Os dois se aproximaram da janela,

desde onde se via uma das esquinas mais movimentadas do subúrbio, liderada por uma sinaleira que, no momento, tinhatodas as luzes acesas. Os dois motoristas saíram de seus respectivos carros e começaram a discutir.

—Outro. Pobrezinho, — suspirou a velhota, mas era difícil dizer de que lado estava. Um pouco mais adiante seviam três carros incrustados uns nos outros.

—Mas que diabos passa, afinal de contas?!Dona Emengarda pôs em suas mãos uma xícara de café forte e fumegante, que cheirava à manhã, e cruzou os braços.—Não temos energia elétrica. Não temos telefone, nem televisão, nem rádio. Suponho que a água terminará em

pouco tempo, e não vai adiantar ir ao caixeiro automático.Dimas enrugou a testa.—O que significa que não temos elevador, como poderá imaginar. Se quiser sair, terá de baixar os nove andares à pé.Mais isso ? Nunca chegaria à tempo !—Mer... Droga! Droga! E isso que ainda tenho de pôr gasolina no carro.—Espero que os postos estejam abertos. Afinal, hoje é feriado, —observou ela, voltando para a sala. —Mas que

baderna, hem?—O que a senhora veio fazer aqui? Ver a decoração da minha casa?—Não, eu só achei que o senhor poderia me explicar o que está acontecendo.—Como é que eu...—Oh, é por causa daquele livro que o senhor publicou em 97.Dimas torceu o nariz. Aquela estupidez, de novo?—Foi no 98.—Ou isso. Eu sempre me confundo com as datas. Já sabe, né? A idade, o Alzeimer... estou em tratamento, os

médicos dizem que estou sob controle e que a doença tende a remeter, mas nós sabemos que isso não tem cura. Façoparte do PEA, sabia?

O engenheiro fitou estranhado a soberba encarnada em gente que tinha diante de si.—O quê?!!—PEA. Programa Experimental de Alzeimer. Os médicos experimentam tratamentos na gente, sabe? Disseram que

nosso grupo está apresentando resultados que revolucionarão o tratamento da doença, inclusive chegarão a prevenir avelhice. Mas eu acho que vão nos transformar em zumbis, como naquele seriado da TV...

Ela parecia... parecia... uma mutação biológica, pensou Dimas. Fez uma careta.—Dona Emengarda...—O quê? Ah, a coisa essa da luz. Eu estava dizendo... como o senhor é um homem tão inteligente que faz carros e

escreveu aquele livro de marcianos, que poderia me explicar tudo sobre...Fez uma pausa.—Sobre o quê?—Sobre a invasão, — cochichou a velhota, olhando sobre os ombros. —Estamos sendo invadidos o senhor não se

dá conta? Não temos eletricidade, as sinaleiras não funcionam, e é possível que comecem a racionar a água! É um

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estado de guerra, não entende? Já tomaram até as rádios e a TV! Devem ser marcianos como naquele filme que a minhafilha gostava, como era? Vinham umas naves imensas que explodiam a tudo, tudo, no meio de uma festa. O senhor nãose dá conta? Ontem havia a festa, a Grande Festa e hoje, hoje...

—Chega, dona Emengarda! Caduquice tem hora. Saia daqui. Saia daqui porque eu tenho mais o que fazer, certo?Empurrou a velha com muito pouca educação e voou para o banheiro. Terminou de se arrumar em tempo recorde,

consultando o relógio de pulso à cada cinco minutos. Ah, o que ia dizer para aquela cretina! Ia chamar ela de puta parabaixo! Ia botar os pingos nos “is”! Talvez lhe desse uma surra, ela bem que merecia!

Foi baixando as escadas e falando sozinho. Lhe daria um par de bofetadas e telefonaria para Angela, sua melhoramiga. Iam sair juntos e então Luíza saberia o que significa que te traiam. Que te amaldiçoem com o dom da saudade.Do desejo desesperado. Da humilhação.

Que telefonar, Dimas? A velhota não disse que os telefones não funcionam?O botão que abria a porta de acesso à garagem se negou a funcionar e ele chutou a folha com um par de palavrões.

Depois encontrou a chave manual e abriu a fechadura. Entrou no carro e o pôs em marcha, enquanto se imaginavamagnânimo, encontrando-se com Luíza e dizendo, ao estilo de Bogarth, que ele já estava farto da sua cara. Depoisapagava o cigarro na mesa passando entre os dedos da mão dela, perto suficiente para que soubesse que poderia feri-la,mas sem tocar em nenhum centímetro daquela pele que amava, que cheirava a alfazema e que estremecia quando acolhia em seus braços.

—Merda! Parei de fumar!Teve de baixar outra vez junto à porta da garagem para abri-la. A luz do sol divino, sol de verão, iluminou-o de

cheio. Pegou o celular e tentou fazer uma chamada. Nada, parecia tão mudo quanto o sorriso de Luíza nas fotos. Aquelesorriso, aquela boca. Aqueles beijos, ah, Deus, quando ela dizia que o desejava, quando abraçava e o enchia com seuriso e sua voz, e todas as palavras que ficavam entre eles sem serem ditas... quem ia dizê-las agora? Quem poderia ouvi-las?

Parou na esquina, sem ver nada senão o vazio de Luíza.Luíza já não estaria ali ao seu lado. Nunca mais. Atravessaria a cidade e diria que ela não valia nem mesmo o pão

que o diabo amassa diariamente para dar de comer aos miseráveis como ele. Ela o fizera miserável. Ela. Ela!O Fiat último tipo arrancou junto à esquina, cantando os pneus, enquanto os motoristas envolvidos no acidente

tentavam inutilmente chamar a polícia desde um dos orelhões mais próximos.Na altura do Menino Deus, ligou o rádio e procurou desesperadamente uma estação. Queria parar de pensar nela,

queria parar de lembrar tudo o que lhe dissera André. Uma parte de seu cérebro captava um movimento estranho pelasruas, mas não chegava a dar-se conta, realmente, do que passava. Havia muitas lojas que pareciam abertas, mas comonão havia eletricidade, não podia ouvir os alarmes que deveriam estar soando. Perto do colégio do Rosário a políciatinha feito um desvio para os motoristas, mantendo a avenida que levava aos hospitais aberta para o tráfego rápido.Estavam armados até os dentes. Perto dali, pessoas vagavam como que sem destino. Muitas delas seguiram o Fiat comum olhar cheio de cobiça, mas ninguém fez um esforço para chegar até ele.

Não perdes por esperar, bagual!Viu o engarrafamento à tempo para evitá-lo. Consultou o relógio. 12:56, marcavam os números. Decidiu deixar o

carro ali, e terminar o trajeto à pé. A gasolina ia para o fim, mesmo, e não ia ter tempo de procurar um posto. Se semetesse no engarrafamento, poderia levar vinte minutos. Se fosse à pé, podia levar só dez. Não havia o que pensar.Conseguiu meter-se no estacionamento da universidade e lhe estranhou a concentração de gente que havia às portasdela, mas com o tempo que não tinha, decidiu deixar para ler as notícias do grande black-out para mais tarde. Há quantotempo não passava algo parecido? Ah, sim, houvera um no começo do ano, queria dizer, do ano passado. Um grupo demeninos de rua passou por ele correndo com uma TV e um micro-ondas. Ele olhou para o outro lado da rua e viu umavitrine quebrada e os manequins nus rolando pela calçada como se fossem gente destroçada. Ouviu a sirena, pensou queera a polícia, mas logo não viu nada. Subiu a ladeira que levava ao viaduto e uma vez ali, venceu apressado as quadrasque o separava do MARGS. Ali assim, pensou, um pouco longe, mas ali assim. Deu-se conta das vitrinas vazias que oespreitavam de suas covas escurecidas. Às vezes alguns vultos se moviam lá dentro, levando seu sentido de sobrevivên-cia a impor-se rapidamente à dor da traição e quando passou perto de um espelho destroçado, sentiu-se aliviado ao verque não vestia mais do que um jeans velho e uma camiseta barata.

O zunido deixou-se fazer ouvir quando estava no alto do viaduto. Deu-se conta que um prédio ardia e que havia umapequena multidão reunida junto dele. O caminhão de bombeiros estava ali e numa das janelas mais altas, uma mulhergritava desesperada, envolta em fumaça, com uma criança nos braços. Dimas parou estarrecido. Dois bombeiros saíramcorrendo do prédio e se ouviu uma explosão na planta baixa, seguida de labaredas. A multidão gritou e ondulou, masninguém se moveu realmente, os olhos presos no alto do prédio. Havia um bombeiro parado no alto da escada, com amangueira broxa nas mãos, soluçando como uma criança. Um pedaço da escada estava no chão, com um corpo vestindofarda ao lado. A mulher gritava, e o bebê chorava baixinho. O bombeiro não se movia. Parecia uma das suas fotos rotas.

Então se ouviu uma explosão distante. A mulher arremessou o bebê e em seguida seu corpo foi envolto em chamas

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e ardeu, morte pública e notória, no centro da cidade. O bebê esvoaçou e caiu, caiu, caiu infinitamente, os bombeiros emterra estenderam a rede de segurança. Colheram o fardo, mas quando um deles se aproximou para ver se estava bem,tudo o que fez foi tirar o capacete e passar mãos desesperadas pelo rosto suado. Não era preciso ver para saber.

Um grito uníssono se elevou da multidão e algumas pessoas se lançaram contra o carro de bombeiros cheias de ódio.Foi preciso rapidamente para conseguir tirá-lo dali, antes que o destroçassem. No alto do prédio, a mulher morta ardiaem pé, como um milagre mal-feito.

A multidão começou a se dispersar em grupos, alguns mais apressados, em busca de água, outros mais reflexivos,em busca de ajuda, mas ninguém sabia onde podia encontrá-las. Um velho recolheu o fardo que os bombeiros tinhamtentado manter com vida e dobrou-se sobre ele chorando. Os comentários passaram por Dimas na brisa que seguia agente, uma brisa mal-cheirosa e húmida, cheia de inquietude e medo.

Ouviu dizer que não havia carros de bombeiro suficientes para atender à todos os problemas que apareciam nacidade. Ouviu que não havia água. Ou que a água não tinha suficiente pressão, o que no caso, era dizer o mesmo.Alguém falou que os computadores que regulavam o fornecimento de água tinham entrado em pane. Outro comentouque ainda existiam as boas e velhas bombas manuais, ou comportas ou o que seja, por que ninguém usava uma dessas?

Dimas recuou alguns passos e voltou a andar em direção centro. De repente, começou a pensar urgentemente emLuíza, na traição e no que lhe diria. Em cada palavra. Em cada ponto e vírgula. Alguma coisa estava muito errada nomundo, podia sentir, mas dava igual, porque lhe diria tudo aquilo que estava pensando, mesmo que o que estivessepensando desse para escrever um romance só de queixas. E quem sabe assim se livrava daquela sensação de catástrofe,pois teria de se concentrar em tomar-lhe a mão e dizer que a perdoava, e fazer com que jurasse que nunca mais o trairia.E depois se amariam no hall do MARGS mesmo, porque não? O amor também é arte e começava a duvidar quehouvesse alguém para apreciar o espetáculo. E depois...

Depois chegou ao centro de Porto Alegre e parou, horrorizado.Jamais vira tanta gente naquele ponto, mesmo sabendo que era o coração da cidade. Havia gente que se dedicava à

quebrar o que sobrava das vitrines, e outros que ainda conseguiam encontrar artigos dentro das lojas. O centro daavenida estava tomada por um gigantesco mercado. Todos os artigos que antes tinham estado dentro dos comércios,estavam ali, agora, e eram vendidos entre gente de baixa posição social, que em geral mal tinha coragem de passardiante das câmaras que vigiavam o centro. CDs e roupa de seda. Jóias da H. Stern, junto com relógios e caixas demúsica vindas de Taiwan. Roupas do último tipo. Sapatos. Bolsas de couro. Viu, inclusive, umas proibidas botas decouro de jacaré. Computadores, TVs, aparelhos de som. Ao lado de cada artigo, caprichosamente colocado, um desen-caixado bilhete com um número escrito à mão, geralmente em vermelho. Andou durante algum tempo, antes de se darconta que ali se comprava e vendia, e que os números eram o preço. Eram tão baixos, que de repente se pôs a rir. Entãoveio uma menina desdentada e entregou um feixe de bilhetes à um senhor armado com um 42 carregado, e levouconsigo, toda contente, um casaco de couro, bem abrigadinho para o inverno.

Dimas sentiu que ia começar a gritar de um momento à outro. Dinheiro era algo que ele usava para comprar cigarro.Se queria alguma coisa importante, brandia o cartão de crédito. Cada vez mais ia às lojas como quem vai de passeioturístico. Se via algo que queria, sacava o Economic Express, ou o Cartão Dourado, ou o Faixa Verde da carteira e semproblema. Simples, fácil, limpo. E se lhe roubavam a carteira, dava no mesmo. Uma conectada via rede com os bancose só depois é que pensava se valia a pena acudir à polícia. Geralmente não valia, claro. Seria capaz de jurar que aesmagadora maioria daquela gente ávida e subitamente alegre com a virada dos acontecimentos, aquela gente sofridaque levava de repente uma chispa de esperança no olhar como quem diz “esta é a minha chance, talvez a única!”, aquelagente não tinha a menor idéia do que era o mundo moderno ao que ele pertencia. Era claramente sintomático que oscomputadores portáteis da última geração estivessem à metade do preço pedido por um bom endredom de casal.

Ficou olhando o marcado surrealista como quem se mete no pesadelo alheio. Talvez o pesadelo do dono da botiqueda esquina, quem sabe?

“O que estou fazendo aqui, meu Deus do Céu?”Levantou a cabeça e olhou para um dos grandes termômetros-relógio enegrecido e mudo, onde alguém pixara:“Felis Ano Novo”De repente compreendeu. Gritou de susto, de horror. O homem do 42 olhou feio para ele.—Ô meu, não fica fazendo baderna aqui não, que essa zona é minha e é uma zona de respeito, sacou?Dimas não respondeu. Correu como se ele fosse o diabo, como se algo o perseguisse, talvez o silêncio dos bairros

mais afastados, profundo, implacável, o faminto silêncio das redes desertas. Correu pela Rua da Praia, gritando, depoisparou junto à velha banca de jornais na esquina da Praça da Alfândega e começou a rir antes de segurar a própria boca,com medo de ficar louco, como se as palavras e o riso e o choro fossem o carro que conduz a loucura, como se a loucurafosse algo palpável como a boca e os dentes e a língua que mordeu até sentir gosto de sangue, para ver se a dorconseguia devolver-lhe a sanidade. Sentiu-se um pouco mais calmo e respirou fundo.

Pôs se a andar devagar em direção ao MARGS mesmo sabendo que ia estar fechado e que Luíza não ia estar ali.Sentou-se nos degraus vazios sobre os quais às vezes pousavam as pombas, ao seu redor. Imaginou o que podia ser o

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aeroporto com os computadores entrando em pane e estremeceu. Depois pensou nos hospitais, na Telefônica e nasuniversidades. Pensou nos campos de futebol, no caos bancário da segunda-feira e deu-se conta de que levaria tempopara que houvesse uma segunda-feira como antes, outra vez. Riu um pouco, pensando na cara do gerente de produçãoda fábrica e raciocinou que nem todos os computadores seriam afetados pelo novo ano. Que alguns estariam preparadoscontra a mudança do calendário e aceitariam os dois “0” como outro número qualquer. Mas já se via que algumas dasmáquinas mais importantes não tinham sido convertidas à tempo. Pensou que, afinal de contas, não era tão anormal: aconversão era cara e tinha coisas que sempre eram deixadas para a última hora, quando já era muito tarde. Todo mundosabia como funcionavam os processos governamentais. Além disso, era de se esperar que muitos vírus “adormecidos”em sua instalação, talvez vários anos antes, estivessem despertos, agora, fazendo todo o trabalho sujo que lhes competiafazer.

Olhou ao redor e ouviu o burburinho que vinha da rua da Praia e de seu mercado de miseráveis que não usavamEconomic Express. De repente, compreendeu que o miserável, no momento, era ele que só levava uns quantos cartõezinhosde plástico que não deviam servir para muito. Não tinha dinheiro, provavelmente já teriam arrebentado seu carro e teriade atravessar toda a cidade à pé se queria voltar para casa. Ouviu um alto-falante, depois várias sirenes e supôs que apolícia conseguira, em fim, se organizar. Depois ouviu tiros e uma pequena explosão. Então passos, em todas as dire-ções, e gritos, como se a cidade mesma andasse e gritasse e rompesse o silêncio que a violava. Grupos de jovenscomeçaram a passar correndo em direção ao Mercado Municipal e ao rio, carregados de mercadoria e seguidos dealguns policiais que disparavam em tudo o que se movia. Dimas não se moveu, em pânico, e por isso não o viram.

—Aqui está ele, sim senhor, — conseguiu murmurar, quando a turba passou. — Primeiro de janeiro do ano 2000.Teve gente que disse que não ia chegar.

E agora, Dimas?—E depois tinha gente como eu, —resmungou para si mesmo — que achava que o Apocalipse ia ser uma guerra

nuclear ou uma desgraça ecológica.Pois, não, nem uma coisa, nem outra, senão muito antes pelo contrário. Bastara uma simples novidade numérica

para que os computadores se confundissem. Para eles o ano 2000 era como um mistério, um paradoxo, só porque nãosabiam explicar à si mesmos como era chegar ao final e seguir, sem voltar ao começo, terminar a página e continuarescrevendo numa folha em branco, tentar de novo com outro óvulo infecundo, descobrir, no final da jornada, o que vêmantes do princípio de tudo, a ausência absoluta, a semente de todas as possibilidades —e seguir adiante. E enquanto asmáquinas se perdiam nesse estúpido conflito, sumindo-se horrorizadas em suas entranhas de silício e plástico, regres-sando a um ano ao que não podiam regressar porque não haviam existido então, enquanto, quem sabe, buscavam aGrande Resposta para a sua Grande Pergunta, cortavam abastecimentos de água e luz aleatoriamente, levavam assinaleiras ao mundo da Lua e só Deus sabia o que estavam fazendo com o resto das coisas que comandavam cotidiana-mente. Não, riu Dimas, os computadores não sabiam somar até o Infinito, não sabiam continuar, quando tudo termina,precisavam voltar atrás. Só os homens eram capazes de prosseguir depois de chegar ao último número.

E, em cima, Luíza não estava!Então olhou para baixo e, com o coração à ponto de estalar, viu que ela chegara ao pé dos degraus no rastro dos

policiais. Bastou um segundo para que se desse conta, aliviado, que ela parecia bem, que estava ofegante e seguia sendoLuíza. Ela tirou as meias caras arrebentadas na altura dos pés descalços num movimento muito rápido, e o vestido emfrangalhos estremeceu ao seu redor, a bolsa bêbada pendendo por uma única tira.

E então, e apesar de tudo —da culpa e do fim-do-mundo—, levantou os olhos para ele e sorriu cheia de doçura epromessas, como só o alvorecer e a mulher amada sabem fazê-lo.

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Listserver:

Notas de auxílio à leitura:Por uma questão de incompatibilidade entre computadores

dos usuários, recomenda-se aos participantes dos listserversem geral que não utilizem acentuações, intraduzíveis poralguns sitemas operacionais. As mensagens estão mantidasconforme foram remetidas (alguns missivistas nãoobservaram a norma). Algumas mensagens foram reduzidas,por motivo de espaço, sem alterar o seu conteúdo. Na medidado possível os autores das mensagens estão identificados.

Subject: Song of KaliOs senhores da Clássica resolveram estragar-me a capa, dandoà Kali CINCO braços em vez de QUATRO.

Barreiros, sabes tanto quanto eu que não há limites para ainventividade-às-avessas desse pessoal. Decerto em tuasvastas estantes possuis centenas de paperbacks americanosde FC e Fantasia em cujas capas aparecem espaçonaves,discos voadores, astronautas e alienigenas que nada têm aver com a história lá dentro.Causo

É verdade, mas doi mais quando o caso se passa directamenteconosco...Numa recente troca de Emails com a escritoraPatricia Anthony, ela contou-me uma de morte sobre capas.Tendo o editor da Bean books um desenho com um indivíduovestido com uma capa, e não havendo ninguém assim nolivro onde ele a pretendia colocar, resolveu sem mais nemmenos e sem pedir permissão ao autor, alterar-lhe o texto,vestir o heroi com uma capa, para assim ficar de acordo coma ilustração original... Sigh...Barreiros

Subject: Dan Simmons... Considero CARRION CONFORT do ... Dan Simmons omelhor livro de Horror de sempre. É um verdadeiromonumento, abarbatou todos os prémios, é simplesmenteinesquecível, e tão cedo, acho eu, ninguém conseguirá fazerigual... Concordas?Barreiros

Não li CARRION COMFORT, intimidado pela meravoluminosidade da Coisa! Pela mesma razão prevejo quenunca lerei outros volumes que há anos me contemplam,pacientes, na prateleira: DHALGREN, STAND ONZANZIBAR, NEVERNESS, GORMENGHAST...Causo

O teu velho tio ajuda...DHALGREN li quando andava na faculdade, por teimosia egrande esforço. É absolutamente incomprensível e circular.Julgo eu que o Delaney andou a gozar connosco. Dispenso.Podes saltar por cima.STAND ON ZANZIBAR embora um pouco datado é geniale, por muito estranho que pareça (devido ao estilo dasprimeiras páginas um tanto à moda do John dos Passos) oritmo é frenético. É mesmo uma boa aventura de um espiãoultramelhorado às voltas com um país do terceiro mundoonde misteriosamente nunca houve guerras ou conflitos.Aguenta as primeiras vinte páginas. Depois não vais conseguirlargar.NEVERNESS — Ok. Um space opera metafísico com maistrês sequelas. Belo estilo, belas imagens, uma visão ultrarealista da vida quotidiana entre uma tribo de Nehenderdais,mas...Para ler devagarinho...GORMANGHAST — Para quem detesta Tolkien. Umafantasia épica no interior de um castelo tamanho de umamontanha, cheio de personagens delirantes e uma sucessãode homicídios pelos de imaginação...Vais gostar ? Eu adorei.A minha memória enche-se de imagens do titus groan e doseu inimigo Steerpike. Mas é como te digo. Não existeconciliação alguma com o universo tolkianiano. Ou um ououtro. Boas do tio Barreiros

Subject: Os Parasitas de WilsonColin Wilson, especificamente, é um autor com quem nãotenho a menor paciência. Quase tudo que já li dele não passavade masturbação ególatra (se é que existe outro tipo...). Achei“Parasitas...” um livro chatíssimo e, como o Marcello notou,com um final pra lá de mambembe. Dele tbém li Vampirosdo Espaço (idem, legalzinho até certo ponto, de repente virapanfleto pró-poderes da mente — que nem “Parasitas...”,BTW). Também tentei ler um livro dele sobre um serial killer(em cuja introdução, egotrip definitiva, ele diz que “A SangueFrio”, de Truman Capote, é uma fraude, e que o livro DELEé o verdadeiro romance-reportagem...)Carlos Orsi Martinho

Nesse ponto divergimos um pouco, Carlos. Apesar doindiscutivel Ego Monumental, Colin Wilson é um dos meusescritores preferidos. A FC dele não é boa: uma porção deideias fascinantes com uma roupagem ficcional precária.Gosto de alguns trechos de *Vampiros do Espaço* e daprimeira metade dos *Parasitas da Mente* (o final deste, comos caras fazendo a Lua “virar de costas” pela simples força

Aulas de FCcompilado por Cesar Silva

O Listserver do CLFC é um fórum aberto de debates sobre FC, fantasia e horror, em português, via e-mail, naInternet. Um serviço gratuito, promovido pelo CLFC e coordenado por Gerson Lodi-Ribeiro, disponível para

todos os sócios e não-sócios do Clube. Para ingressar na lista basta mandar uma mensagem vazia para:<[email protected]>. Todas as mensagens enviadas para a lista são automaticamente ecoadas

para cada participante inscrito. A seguir, algumas das centenas de mensagens remetidas ao longo dos últimos meses..

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mental, é risível). Mas os ensaios dele são magníficos, pelasimples razão de que Wilson tem uma espantosa cultura quevai do mais erudito ao mais popularesco, e sempre encontraexemplos fascinantes para corroborar suas teorias. Muitagente torce o nariz diante de livros como *O Oculto* (2 vols.,ed. Francisco Alves) e de sua continuação *Mysteries* (nãoeditado no Brasil), mas eu acho explorações fascinantes detemas como magia, satanismo, licantropia, bruxas, etc.;Wilson acredita que estados alterados de consciência podeminfluir na matéria, e isso é a base para suas investigaçòes dosobrenatural.Com a ressalva de que li muito pouca coisa de Freud,considero *Origins of the Sexual Impulse* de Wilson umadas melhores coisas já escritas sobre sexo. A tese dele é deque tesão é uma coisa mental e o corpo é um mero veículo, oque o leva a colocar no mesmo saco (corretamente) serial-killers, pervertidos sexuais e gente comum como nosotros.Os romances policiais dele são infinitamente superiores àsua FC: *Ritual in the Dark*, *A Gaiola de Vidro* e *OMatador* (ed. José Olympio) são estudos fascinantes,indispensáveis para quem quiser entender a psicologia deum serial killer.Wilson é muito perseguido, principalmente na Inglaterra,porque escreve compulsivamente (eu diria que em termoseditoriais ele é o Asimov britânico) e tudo que ele escrevevende como água. Mas *O Outsider* (ed. Max Limonad, senão me engano) é um clássico dos anos 50, e lançou a teoriacentral da obra de Wilson: a de que a sociedade formata nossamente para ser socialmente util, e com isso sacrifica 90% dassuas potencialidades; os outsiders são indivíduos que serebelam contra essa formatação e tornam-se genios-loucoscomo Van Gogh, Artaud, Reich ou Nijinski, neuróticos comoKafka ou Lawrence da Arábia, ou serial killers. Eu concordo.Concordo com as observações do Marcello quanto aos*Parasitas*, onde CW usa a *força maléfica” dessas criaturaspara explicar os crimes, guerras e loucuras da humanidade(creio que Doris Lessing faz algo semelhante na série*Canopus*). Os exageros infantis da parte final do livrotalvez se devam a uma leitura errada que CW faz da FC —ele acha que qualquer absurdo pulp é possivel, mesmo numanovela com discussões filosóficas de alto nivel. (Parece umpouco com o que Kingsley Amis faz num conto onde um dosastronautas de uma nave, sem nenhum motivo lógico, temduas cabeças).Braulio Tavares

Subject: Stefan WulA maior parte da produção de Wul foi escrita em apenas trêsanos, de 1956 a 1959, quando ele escreveu 11 romances!Todos os mais conhecidos dele, publicados pela Argonauta.Para ser preciso na informação, de acordo com *TheEncyclopedia of SF* do John Clute & Peter Nicholls (1993),ele *publicou* 11 livros em três anos, mas segundo o livrofrancês *Le Maîtres de la Science Fiction*, de Lorris Murail(1993) ele *escreveu* mesmo os livros no período. Fica adúvida, embora ache mais lógico que ele tenha mesmo*publicado* do que *escrito*. Enfim...

Mais informações sobre ele: Stefan Wul é um pseudônimode Pierre Pairault e nasceu em 1922.Para quem quiser sair à caça nos sebos, seus livros em línguaportuguesa são:= Armadilha em Zarkass (Arg. 90);= A Cadeia das 7 (Tecnoprint), também como O Império dos

Mutantes (Arg. 107);= Cativeiro Humano (Tridente - esse alguém leu?);= Degelo em 2157 (Arg. 76);= Missão em Sidar (Arg. 72);= O Mundo dos Draags (Arg. 64);= Pré-História do Futuro (Arg. 56);= Regresso a “0” (Circulo de Leitores e pela Novaera) e como

Regresso a Zero (Arg. 54);= O Templo do Passado (Arg. 85)= O Vagabundo das Estrelas (Arg. 60).Divirtam-se!Marcello.

Subject: Balcans, guerras e RobotsBem, ficando na FC, quando vi aqueles “comentaristas “ nasTVs citando o paradoxo americanos de querer ocupar osBalcans e nao podendo por temer perder vidas humanas, umarespota me pareceu obvia: robots de combate. Os EUA, porseus interesses espalhados por todo o planeta, cedo ou tardeirao se utulizar de robots de telepresenca, IAs, quandoexisitirem e drones aos montes... Imagino quantos generaisleem FC e nao ficam torturando seus departamentos de P&Dquerando algo parecido...O Tio Barreiros deve saber do que estou falando, pois eh umcenario Cyberpunk de um autor citado pelo sabio...Ernesto.

Parece-me ter ouvido dizer que os americanos estão mesmoa usar robôs... Enfim, quase... Trata-se de planadores tipobrinquedo com câmaras acopladas que podem ser controladosà distancia. Absolutamente silenciosos, tipo brinquedo, sãoóptimos para largar contra o sol. Aliás a maior parte dosmísseis americanos pode ser controlada por telepresença.Basta um joystick e óculos virtuais ligados à câmara de Tvna ogiva do míssil. Já vi também modelos operacionais demini aviões a hélice, movidos por uma bateria eléctrica,capazes de entrar por uma janela de qualquer fábrica, esvoaçarno seu interior enquanto filmam tudo. Mesmo que sejamdestruídos o filme já foi transmitido. O problema deles é aautonomia — pouco mais de dez minutos de voo.Numdocumentário sobre espionagem mostraram mesmo cyberbaratas fotofóbicas, capazes de andarem a correr pelo chão,junto às paredes, e por baixo dos móveis, invisíveis (ou quase)até entrarem na sala de comando ou no gabinete do chefe daempresa rival e aí gravarem tudo e transmitirem a informaçãoà barata mãe escondida lá fora, no jardim. Não percam umlivro de um novo autor francês, Maurice Dantec, (BABYLONBABIES) um novíssimo ciberpunk. aí ele fala da guerra nafronteira sino-soviética num futuro próximo, onde uma sériede libelinhas cibernéticas, adoram perseguir fontes de calorque exudem “suor”. Uma vez encontradas, disparam dezenas

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de micromísseis sobre os alvos. Incansáveis, sujeitas a padrõesde pesquisa aleatórios, com baterias recarregáveis pelo sol,só voltam à base quando as munições estão no fim...E jáagora, ouviram falar de uns plana discos granada? zzumzzuma flutuarem em conjunto, estilo frisbee até que alguém passapelo sistema de detecção laser. então, BANG, claro está...Barreiros

Me recordo também de um conto do “Máquinas que pensam”(não lembro autor e nome acho que era “eu fiz vc” ou coisaassim), onde havia um tipo de tanque-robot patrulhando umaárea restrita qualquer, só que avariada. Assim, elimina ossoldados do próprio exercito que a construiu, pensando ser oinimigo.

Então, não seria um conto do grande grande grande WalterMiller? E não percam um outro romance do não menos grandeStanislaw Lem, chamado PEACE ON EARTH sobre aevolução neo-darwiniana de máquinas de guerra robóticasna Lua, a combaterem (e a evoluírem) umas contra as outras,substituindo assim toda e qualquer guerra na Terra.E não percam um romance do Keith Laumer, A PLAGUEOF DEMONS sobre cibertanques com cérebros humanosintegrados com a IA cibernética. E isto muito, muito antes dequalquer manga japonesa. A não perder, pois é o melhor livrodo Laumer.Barreiros

Subject: Leituras para ninhos e “gente grande”O livro que leste... era uma obra infanto-juvenil para ascriancinhas muito, muito pequeninas... Não era de todo umaobra para adultos... Como isso tinha a tecnica minimalistapara atraír meninos de dez anos, e como isso assim deve serconsiderado.Barreiros

Impressionante titio: o fato de que um livro tenha sido escritopara crianças (suponho que isso seja uma informação deprimeira mão e não suposição sua) não significa: 1º) quetenha o direito de ser confuso; 2º) que esteja cheio de lugarescomuns; 3º) que utilize o mesmo tipo de “final para vilões”que “Sexta-feira 13”, ou seja, que se mata o vilão e o vilãosegue aparecendo, segue perseguindo (eta idéia fixa); 4º) quetenha um final tão... burro (desculpe, não encontro outrapalavra); 5º) que se permita fazer uma salada com conceitostemporais; 6º) que seja um livro de ler-e-esquecer. Aos dezanos, querido titio, é quando devemos ler os livrosinesquecíveis. Porque se aos dez anos nos deparamos comum livro de ler-e-esquecer, adeus futuro-leitor. E se nosdedicamos a escrever livros de ler-e-esquecer, o melhor énão publicá-los (nem chamar-se escritor). Para economizarpapel, sabe? Temos um pequeno problema de desmatamentoneste planeta.De qualquer maneira, o fato de ser um livro infanto-juvenilnão o torna menor nem menos importante. Não o torna umlivro de ler-e-esquecer estar destinado a um público a partirdos 10 anos de idade. Apesar do que se pensa nesta lista, a

literatura infantil deu ao mundo obras-primas, profundas,inquisitivas, harmoniosas e belas. Um livro, por ser infantil,não tem o direito de ser menos literatura —de modo que sedeve exigir dos livros infantis o mesmo que dos livros adultos,e assim devemos tratá-los na hora de elogiá-los, se cabe. Damesma forma, como não admitimos que um livro de FC oufantasia (mas sobretudo FC) seja menos literatura que umromance do século XIX —melhor dizendo: da mesma formaque não admitimos que um livro de FC é menos literatura. Aidos que se atrevem a dizer que FC não vende, ou vende menos,ou interessa menos tanto público quanto crítica porque o quelhe falta é literatura! Gente... se o que interessa é a idéia!!!!Venga, no me toque las narices! E sobretudo, apesar do quese pensa nesta lista, o fato de um livro ser classificado cominfanto-juvenil ou infantil não impede que seja lido edisfrutado (em todos os sentidos) por adultos.Simone

Ok pequenada: Querem mais um livro (aliás dois) para losninhos (não me apetece por o til sobre o ene) que estou certoque encantará a Tia Simone ) — Eis uma forma de a dulcificardepois de a ter arreliado tanto com os meus dois últimosEmails...Bom, os livros são de um tal Philip Pullman e chamam-seTHE GOLDEN COMPASS e THE SUBTLE KNIFE. Sãoquase, que coisa estranha, os dois primeiros volumes de umatriologia steampunk para jovens. Eis aqui um universoalternativo semi victoriano, onde as pessoas ao nasceradquirem uma espécia de “daimone” familiar, um “grilo” comvárias formas possíveis e que se adapta à nossa personalidade.Uma civilização no Polo Norte de “ursos” inteligentes,guerreiros e ritualistas. Uma porta dimensional que necessitados daimones das crianças raptadas para funcionar.Experências científicas que visão à separação antes dapuberdade dos daimones das respectivas criancinhas. Umoutro universo — mais parecido com o nosso — ma onde osAnjos existem e se pode ouvir o bater das suas asas peloscéus fora...Espectros que devoram a vontade dos adultos...Não estou a brincar...até a civilização dos ursos é credível...Agora eis a lista dos prémios:- THE CARNEGIE MEDAL- THE GARDIAN FICTION PRIZE- ALA CHILDREN’S BOOK- ALA TOP TEN BEST BOOK FOR YOUNG ADULTS- HORN BOOK FANFARRE HONOUR BOOK- A BULLETIN OF THE CENTER FOR CHILDREN’S

BOOKS BLUE RIBBON BOOK- A PUBLISHER’S WEEKLY BEST BOOK OF THE

YEAR- BOOKLIST EDITOR’S CHOICEÉ verdade, o vosso velho tio também vê o Cartoon Network— adoro o Cow and Chicken e o Chester’s Laboratory.Quando era pequenino, li quase todos os livros do “Sítio doPica-Pau Amarelo”. Mas Sempre odiei os Cinco e os Sete.buerk! Mas gostava da NARNIA do C.S. Lewis apesar doproselitismo cristão. Terá sido este livro publicado emEspanhol, Tia Simone ? — Pergunto isto porque sei que

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odeias o Inglês, mas o livro é tão espectacular que estou quasecerto que os Espanhois o traduziram. — Pelo menos osFranceses traduziram. E assim me despeço, esperando que aTia Simone perdoe este velho tio que até gostou do livro(não estou a falar do filme) THE RELIC.João Barreiros

Minha definiçõa preferida de FC é: “Literatura que no começoé um Discovery Channel, mas do meio-pro-fim vira CartoonNetwork”Braulio

Tens toda a razão. Aliás ando neste momento a ler um livroprecisamente nessa veia. É o último do Vernor Vinge, ADEEPNESS UPON THE SKY de que já deves ter ouvidofalar. Genial, uma perfeita maravilha, com umas das melhorescivilizações Ets dos últimos tempos. Uma criatura com dezpatas, que muda de olhos como quem muda de dentes, quepassa uma infância “selvagem” se não for educada, e quecongela/hiberna todos os 250 anos quando estrela do planetapassa à fase de anã vermelha. Aí a atmosfera “neva”. Osoceanos ficam sólidos sobre uma camada de CO2. E umaranha Galileu inventa um fato espacial para sobreviver aovácuo e ao frio absoluto e à noite profunda movidoa...bactérias endotérmicas...Uma civilização alienígenasteampunk. Duas civilizações humanas (estilo capitalismo“selvagem”) a combaterem em órbita à espera de “clientela”e que a estrela volte a acender-se...Ainda vou na página 100,o livro tem 600 e as surpresas não param. Genial. Genialcomo um cartoom do cow and chicken onde as criaturas temprofundidade psicológica...UAU!Abram os cordões às bolsas e corram a comprar Vernor Vinge.É este, sem sombras de dúvida um dos melhores (senão omelhor) livro do ano.o vosso velho tio Barreiros

Subject: O Pior Aqui vai a *minha* lista *Framboesa de Ouro* da FC:1 - Amorquia, Andre Carneiro (Brasil)2 - A Rosa, Charles Harness3 - A Cidade Submarina, Kenneth Bulmer4 - A Arma Impossível, Philip K. Dick5 - Estrelas Inimigas, Poul Anderson6 - Projeto Evolução, Henrique Flory (Brasil)7 - 250 Séculos Após, James Blish8 - As Canções da Terra Distante, Arthur C. Clarke9 - A Rebelião dos Clones, Evelyn Lief10 - 2023: Missão Europa, Paolo Fabrizio Pugno (Brasil)11 - O Homem no Espaço, John ClarkeMarcello.

Dos que me vem à cabeça agora, eu acho que os dois pioresque já li são:1 - O Enigma de Andrômeda, Michael Crichton. Mearrependo do dia em que resolvi comprar este livro. Mefalaram que era interessante e lá fui eu. O livro é muitoruinzinho e o Crichton é um típico escritor de Best Sellers.

Eu ia lendo o livro e tinha a impressão de estar vendo umasessão da tarde.2 - O Homem que via o futuro, James Blish. Quase que euparo de ler livros do Blish (que eu gosto) depois desse aí. Euencontrei em um sebo e comprei no escuro, quase que nãotermino o livro.Edgard Powell.

O PIOR dos LIVROS(vou juntar FC, Terror e Fantasia, right?):1 - A Noite dos Tempos, do Renée Barjavel2 - O Vampiro Lestat, de Anne Rice (Aquele final com direitoa perseguição com automóveis, múmia no banco do carona eshow de roquenrou é um horror);3 - Desse eu não lembro o nome, mas é uma bomba de umautor russo que relata um close enconter com seresextraterrestres de forma geométrica. Uma das coisas maisinsuportáveis que já li na minha vida!O PIOR dos FILMES1 - O Humanóide;2 - Highlander II;3 - Battle beyond the StarsOctavio Aragão

Subject: Hannibal esta de volta.Para os fas do psicopata mais simpatico da literatura,estasaindo nos EUA o livro Hannibal, sequencia de O DragaoVermelho e O Silencio dos Inocentes.Ramon Bacelar

Por coincidencia, ja’ ia mandar um mail sobre o Silencio dosInocentes, mas um detalhe bem especifico: descobri hoje umacoisa super-interessante sobre o desenho da caveira damariposa colocada pelo psicopata nas gargantas das vitimas.No cartaz do filme e na capa do livro o desenho na verdadee’ formado por varios outros desenhos, cada um visivel numaescala diferente, como ‘camadas’ de mensagens sub-liminares. A caveira branca na mariposa do cartaz na verdadee’ formada por 3 mulheres nuas brancas, num efeitosubliminar tipo Arcimboldo (aquele pintor q fazia rostosformados de frutas e legumes). Uma ampliacao maior revelaq essas 3 mulheres estao ainda ‘emolduradas’ por 4 mulheresnuas cor de laranja, numa msg visual subliminar num graumais profundo.Descobri isso (surpresa!) na revista Diario de Bordo No. 23da Frota Estelar Brasil (de 1996, acho), onde tem um artigodo Professor Flavio Calazans, titular da Faculdade deComunicacao Metodista de Sao Bernardo e do Inst. Artes daUNESP, falando sobre o cartaz e sobre msgs subliminares.Ele batizou esse tipo de imagens dentro de imagens dentrode imagens, etc. de ‘Iconesos’, classificando cada ‘escala’subliminar em 1o grau, 2o grau, etc. Aparecem no artigotodas as ampliacoes do desenho da caveira da mariposa,dando pra ver todas as mulheres ocultas (os dentes da caveira,por exemplo, sao as mulheres ajoelhadas de costas).Fantastico! Nunca soube disso. E’ noticia velha? So’ vi essarevista agora. Mas na epoca do filme nao lembro de ter ouvido

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nenhum comentario sobre isso.Eduardo Torres

Subject: Alfred BesterÉ mesmo VIRTUAL UNREALITIES que se chama o livro,mas quem já tiver as duas compilações de contos aindapublicadas em vida do Bester, esta não faz mais do que retiraralguns contos de uma e de outra, sem acrescentar aquelesque nunca foram antologizados...Boas do tio Barreiros

Titio Bester e tao bom contista quanto romancista?Ramon Bacelar

É a opinião deste teu tio que o bester é melhor contista doque romancista. Tem uma boa vintena de contosabsolutamente inesquecíveis. Quanto a romances quemarcaram o género, só terá dois: TIGER,TIGER (THESTARS ARE MY DESTINATION) e THE DEMOLISHEDMAN. Os outros, embora interessantes, não serão tão bonsporque repetem um pouco aquilo que ele fez tão bem nestesdois, a saber:GOLEM 100 (inclui páginas de banda desenhada)EXTRO (talvez o melhor destes três)THE DECEIVERS (o único que foi publicado em português)Bester tem mais dois romances publicados em small presses,mas são mainstream. Aliás escrevia a conta gotas, viveu osúltimos anos sózinho numa pensão para a 3ª idade, enfim,teve um fim de vida quase tão triste quanto o genial AvramDavidson. Os génios são sempre criaturas solitárias.Boas do tio

Subject: Avram DavidsonJá que o Tio Barreiros citou Davidson: estou lendo “TheAdventures of Dr Eszterhazy”. E, sim: o cara é um gênio!!!Ele consegue a proeza de dialogar constantemente com oleitor, sem se tornar irritante; de ironizar o próprio enredo,sem destruir a imersão do leitor da história; de usar os pontosde partida mais malucos (uma revolta de biscoitos degengibre, por exemplo...) e, a partir deles, construir históriassoberbas.Para quem lê inglês e não sabe qual livro importar, dada ainstabilidade cambial de nossos dias, eu recomendo o“Eszterhazy”. Ele vale pelo ano todo! (uma aviso: não é, aprincípio, um texto fácil. Mas é uma delícia de dificuldade!!)Carlos Orsi Martinho

Do Avram Davidson recomendo também uma antologiarecente, AVRAM DAVIDSON TREASURY, editado peloSilverberg. Podem encontrar antiguinhos dele, a preçosrazoáveis no sebo electrónico http://www.bibliofind.comSe lá forem, comprem comprem comprem um livrinho delesimplesmente genial ROUGE DRAGON e garanto que nãose vão arrepender. Ou um outro, MASTERS OF THE MAZEcom uns ets formigões/vespeiro absolutamente deliciosos.Boas do velho tio.Subject: La Sonambula - imperdivel

Hoje fui com a minha mulher ao CCBB, ver o que andavarolando por lá. Descobri que está tendo uma mostra de cinemalatinoamericano, a CINESUL 99. E um dos filmes da mostrafoi uma tremenda surpresa: “LA SONÁMBULA”.Vocês não vão acreditar. É um filme Argentino de FC - e FC“adulta”, o que é uma raridade. Entre uma e outra sessão doEpisódio I, vale a pena conferir. Produção caprichadíssima,fotografia excelente, efeitos especiais muito bons e umcientista louco que é a cara do Dr. Strangelove, do PeterSellers, entre várias outras referências cinematográficas. Oroteiro é bem interessante. Prato cheio pra quem gosta dehistórias onde a realidade pode ser muito menos real do queparece. Eis a trama: Buenos Aires, 2010. A Argentina vivesob um governo repressor. Uma explosão numa indústria dearmas químicas nas cercanias da cidade libera substânciastóxicas que fazem com que 300.000 pessoas percamcompletamente a memória. O governo cria um centro dereabilitação para ajudar as vítimas a recuperar pelo menosparte de seu passado, reencontrar familiares e reconstruir avida. Um ano e meio depois da tragédia, uma bela mulher élevada ao centro de reabilitação. Seu nome é Eva. Ela temsintomas e reações diferentes das dos outros afetados. Jamaisdorme, mas freqüentemente tem visões. Visões muitoperturbadoras. Existe a suspeita de que Eva seja a mulher deGauna, o lendário e foragido líder rebelde. A polícia políticaresolve usar Eva como “isca” para capturar Gauna. O agentedestacado para acompanhá-la é o atormentado Ariel... O resto,só vendo o filme.... alguns detalhes da ficha técnica:LA SONÁMBULA (Argentina, 1998); roteiro original deRicardo Piglia e Fernando Spiner; direção de FernandoSpiner. Duração: 107 minutos.Ah, sim. O filme é falado em espanhol, sem legendas. Masos principais atores do elenco falam devagarinho e acho queaté ouvidos pouco acostumados ao idioma de Cervantesconseguem entender os diálogos.Max Mallman

Subject: Lulu on the BridgeLulu on the Bridge passou quase em branco no cinema. Nãosei no resto do Brasil, mas em São Paulo ele ficou poucomais de uma semana em cartaz em um único cinema lá ondeJudas rasgou as cuecas. Uma pena e uma tremenda injustiça.Saiu em vídeo há mais ou menos um mês, mas eu só conseguiassistir ontem. Gente, é muuuuito bom!!!O filme, que em português recebeu o título óbvio de OMistério de Lulu (que, pra variar, não tem nada a ver comnada), é o primeiro escrito e dirigido pelo Paul Auster, umdos mais importantes autores americanos da atualidade. Elejá tinha escrito dois roteiros pro cinema, Cortina de Fumaçae Blue in the Face, o primeiro dirigido pelo Wayne Wang e osegundo co-dirigido pelos dois. Lulu on the Bridge é um vôosolo de Auster e a direção dá umas escorregadas,principalmente nos cortes, mas nada que comprometa oroteiro - que é maravilhoso.É a história de um músico de jazz, egoísta e sacana, que umdia leva um tiro. Sobrevive, mas tem que abandonar a música.

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Mergulha num inferno de autopiedade, até o dia em queencontra uma pedra mágica - e a Mira Sorvino vem de brinde.Mas não é bem isso, existe uma outra história por trás dessa,que não dá pra contar sem estragar a surpresa. Basta dizerque o filme tem um elemento fortemente dickiano. Vale apena ver.Lúcio

Finalmente encontro outra alma q viu esse filme genial!Ja’ estava pensando q eu e minha mulher tinhamos sofridoum implante de memoria! Nada e’ o q parece no filme.Historias por tras de historias por tras de historias. Encontrossucedidos por desencontros e novos encontros. Ninguem e’o q parece. Vc nao sabe se as coisas realmente aconteceramou nao. Se a pedra magica existe ou nao. Se e’ magica ou ha’uma explicacao cientifica por tras q podera’ ou nao aparecer(a computacao grafica da ‘magia’ e’ muito sutil e sedutora).Mas a coisa e’ tao bem feita q vc se envolve todo na historia.Se alegra e se entristece com os personagens. Eu me envolviinteiramente. E o final te remete ao comeco, mas nao fechaum ciclo, ao contrario, abre sendas e levanta mais perguntasq respostas. Como 2001, vc pode interpretar de muitas formasdiferentes o final. E em funcao de sua ‘escolha’, reinterpretaras cenas anteriores.Um filme rico, em q vc sai do cinema chapado. Calado.Pensando... Reverberando as cenas na memoria. Tentandoremontar aquele mosaico fascinante.Um detalhe pessoal: Eu passei uma semana em Dublin ha’ 3anos. Reconheci os locais das filmagens. E atravessei a pontecitada no titulo e onde ocorre uma cena importante do filme.Alias, por que nao mantiveram o titulo original? Tinha tudoa ver. Eu senti q algo importante ia acontecer naquela ponteporque sabia o titulo original. O titulo em portugues faz perderessa antecipacao emocional. Frustrou um pouco a ideia dodiretor. Que sacanagem! Mira Sorvino, Harvey Keitel eWillem Dafoe estavam soberbos. Mira me surpreendeu. Odiretor tirou dela mais q Woody Allen.Eduardo Torres

Subject: JablokovOs golfinhos e orcas do romance do Jablokov, a DEEPERSEA, estão furiosos com a humanidade. Desde o tempodos gregos que resolveram, por raiva e despeito, deixarde comunicar. Só voltam a falar, se bem me lembro, durantea guerra contra o Japão onde foram transformados emmáquinas de ataque. Num recente programa doDISCOVERY mostraram como é difícil treiná-los, porqueeles "mentem" descaradamente com quantos dentes têmna boca. São capazes de afirmar que não "viram" nenhummergulhador quando toda a gente sabe - e eles também -que viram mesmo.Romances de FC sobre golfinhos? Experimentem UNANIMAL DOUÉ DE RAISON do Robert Merle. Ou THELAST WHALES do Lloyd Abbey ou INTO THE DEEPdo Ken Grimwood onde toda a gente fala um portuguêsabominável - Resumindo - Não existem dicionários nosStates.

Subject: Kurt Vonnegut JrAlguem teria a relacao das obras de Vonnegut Jr lancadas noBrasil?

Acho que são essas:+ Player Piano (1952) Revolução no futuro * (Argonauta/

Artenova /C. do Livro)+ The Sirens of Titan (1959) Sereias de Titas * (GRD)+ Mother Night (1961) Espião americano (Artenova)+ Cat’s Craddle (1963) Cama de gato* (???/ Record)+ God Bless You, Mr. Rosewater (1965) Felicidade

Rosewater (Artenova)+ Slaughterhouse Five (1969) Matadouro cinco ou a cruzada

das crianças* (Artenova)+ Breakfast of Champions (1973) Almoço dos campeões*

(Artenova)+ Slapstick (1976) Pastelão* (Artenova /C. doLlivro)+ Jailbird (1979) Um passaro na gaiola (??/C. do Livro)+ Deadeye Dick (1982) Bode vermelho Difel+ Galapagos: a Novel (1985) Galapagos* (Bertran Brasil)+ Bluebeard (1987) Barba azul (Best Sellers)+ Hocus Pocus (1990) idem* (Rocco)+ Timequake (1997) idem* (Rocco)+ Mundo Louco - contos (Artenova)+ Destinos Piores que a Morte - tradução do Fabio Fernandes

(Rocco)+ Feliz aniversário Vanda June (era colocado como lançado

nos livros da Artenova e eu particularmente desconheçose chegou a ser publicado).

* Fortes elementos de FC apesar de não ser a preocupaçãoinicial do autor.

Christiano Nunes

Subject: CubeGostaria de comentar (e recomendar) um filme que medesconcertou horas atrás... "Cubo" ("Cube"). Direção:Vincenzo Natau. 1997. Canadá. Em meio à saturadas fórmulasque temem toda e qualquer forma de experimentalismo, temosa oportunidade de provar o gosto do inexplicável e dofantástico nesta produção de concepção bastante incomum.Imaginem como se sente um rato que é sedado e posto numlabirinto tecnológico com armadilhas letais, acompanhadode outros desconhecidos de sua espécie... É exatamente issoque vivem os personagens deste filme-devaneio. Começamosdo zero, as primeiras cenas do filme não esclarecem aprocedência dos personagens e nem o motivo de estarem emtão excêntrica construção (eles tampouco sabem). Salascúbicas interligam-se através de escotilhas em seus seis lados,criando um labirinto surreal e copioso, que se revela umaverdadeira armadilha matemática... Rementendo ao "Entreas Paredes de Erix" , de H.P. Lovecraft, a paranóia e terrorante ao inacreditável são trabalhados com maestria, enquantoos perturbados personagens tentam compreender osmecanismos e sinais que podem lhe indicar uma possivelsaída... Despretencioso, o filme é um grande alívio para amesmice atual, por claustrofóbico que seja...Cid Vale Ferreira

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