Sonetos de Camões_Azevedo_Filho

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    O S S O N E T O S D E CAMESAt hoje, cerca de quatrocentos anos aps a morte de Cames,ningum sabe, com segurana, quantos sonetos foram escritos porele. Apenas com o ilustrao, vejamos alguns nm eros, em determinadas edies publicadas do sculo xvi ao sculo xix : na ediode 1595, a primeira, h 65 sonetos, com a dvida de um deles declaradano prlogo; na edio de 1598, a segunda, aparecem 105 sonetos;na edio de 1685, a de Faria de Sousa, h 264; na edio de 1860,a do Visconde de Juro me nha , h 352. A soma mais alta est emTefilo B raga: 380 sonetos. Ap s 1900, graas aos estudos de WilhelmStorck e Carolina Michalis de Vasconcelos, o nmero de sonetosseguiu caminho inverso, pois comeou a decrescer: na edio de 1932,h 197 sonetos; na edio de Hernni Cidade, h 204; na de CostaPimpo, h 166; e, por fim, para no alongar a exemplificao, A. Salgado Jnior indica o nmero de 211 e Jorge de Sena admite o nmerode 119. Decresceu o nm ero de sonetos, com recuos e avanos nemsempre justificveis.No Brasil, afastando-se de todos os mtodos anteriormente adoptados, Emmanuel Pereira Filho introduziu novo conceito de cnone,incluindo, no que denominou cnone bsico ou mnimo, apenas,37 sonetos. Re tom and o os seus estudos, to inesperada e lamentavelmente interrompidos, com o seu falecimento, ocorrido em 31 de janeirode 1968, cabe-nos agora acrescentar, conforme o critrio que ele nosdeixou, mais 13 sonetos ao cnone bsico ou irredutvel, com fundamento no manuscri to 12-26-8/D 199, da Real Academia de Histria,de Madrid, como adiante indicaremos.Antes disso, porm, queremos fazer referncia a alguns trabalhosimportantes publicados aps a morte de Emmanuel Pereira Filho.Entre eles, mencionamos os de Jorge de Sena Os Sonetos de Cames

    e o Soneto Quinhentista Peninsular, em 1969); Roger Bismut La Lyrique de Cames, em 1970); Maria Isabel S. Ferreira da Cruz Novos

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    206 LEODEGA RIO A. DE AZEVEDO FILHOSubsdios para u ma Edio Crtica da Lrica de Cam es, em 1971);e Vtor Manuel de Aguiar e Silva {Notas sobre o Cnone da LricaCamonianaII, em 1975). O nome de Emmanuel Pereira Filho saparece no ltimo desses trabalhos, alis com hon ra. Inclusive oprofessor A. J. da Costa Pimpo, no prefcio da sua ltima ediode Rimas, que de 1973, aps citar vrios estudos importantes e recentes, nada diz sobre a sua obra. E a razo talvez seja co mp reens vel: que os melhores estudos de Emmanuel Pereira Filho, sobre o assunto,com excepo dos Aspectos da Lrica de Cames, ensaio publicadonas Atas do 1. Simpsio de Lngua e Literatura Portuguesa, em 1967,s postumam ente conheceram o chum bo do l inotipo. Referimo-no sao livro Uma Forma Provenalesca na Lrica de Cames, tese de concurso que a morte o impediu de defender, somente publicada em 1974,e edio diplomtica do manuscrito apenso edio de 1595, publicada com a colaborao do Instituto Nacional do Livro, pela Aguilar,com o ttulo de As Rimas de Cames, tambm em 1974.No mesmo ano de 1974, esses livros chegaram s mos de vriosespecialistas estrang eiros. E com alegria vemos agora o seu nomecitado (e com louvor) por Vtor Manuel de Aguiar e Silva, em suasexcelentes Notas sobre o Cnone da Lrica Camoniana77, onde ilustra o critrio de Emmanuel Pereira Filho, apenas em sua terceira dimenso. Tambm Roger Bismut, em resenhas publicadas, afirma que osestudos de Emmanuel Pereira Filho so o que de melhor existe nessesltimos anos sobre o assun to. Po rtan to, o seu nom e j conhecidono Brasil e no Exterior, alm de apontado, com justia plena, comoo maior especialista brasileiro em estudos relacionados com o textoda lrica camoniana.Do critrio que nos deixou, para o estabelecimento do cnonebsico, convm que se diga ainda algum a coisa. De incio, o critriono nega, pois apenas afirma o que possvel afirmar-se, em face deprincpios tecnicamente fixados. Assim, os textos que no pree ncheremdeterminados requisitos de evidncia documental indiscutvel nodevem entrar no cnone bsico, pois a apenas sero includos os poemas que resistirem ao exame simultneo dos trs pontos bsicos docritrio. Basta a prova negativa de um desses trs po nto s bsicos,para que o poema deixe de pertencer ao cnone bsico ou mnimo,como bem demonstrou Vtor Manuel de Aguiar e Silva, em estudoh pouco citado. M as ser bom advertir sempre que o critrio apresenta trs dimenses interrelacionadas, quando se trata de afirmar.

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    O S S O N E T O S D E CAMES 207E so, por acaso, arbitrrias as trs dimenses?A nosso ver, elas so rigorosas, mas no arbitrrias. Com efeito:

    a) TESTEMUNHO QUINHENTISTAConsiderando-se que o poeta deve ter morrido em 1579 ou 1580, de rigor que o documento seja quinhentista ou descendente directode outro documento tambm quinhentista . Como se sabe, dosculo xvii em diante, intensificou-se o dilvio de textos apcrifos nalrica camoniana, fabricando se um sem-nmero de inditos. . . Port an to , o critrio de mxima proximidade no tempo, ainda que restritivo, antes de ser arbitr rio, somen te rigoroso . E o mxim o derigor ainda nos parece pouco, quando se trata da lrica camoniana.Alm disso, no pode hav er indito de Cames que no seja do sculoxvi,a no ser que o poeta, antecipando-se ao Brs Cubas, de Machado deAssis, fosse um defunto autor.. .

    b) TESTEMUNHO TRPLICEEm princpio, para a teoria da crtica textual, o duplo testemunho satisfatrio. N o caso da lrica de Cames, entre tanto , impe-semais rigor. Da o trplice testem unh o, como segundo pon to bsicodo critrio, para obter-se um mximo de confirmao recproca.A nica observao que teramos que fazer, no caso, a de que Emmanuel Pereira Filho deixou de trazer colao alguns manuscritos quinhentistas de consulta indispensvel, com o adiante indicaremo s. Ma so seu critrio aberto, admitindo revises posteriores, luz de novosdocumentos.

    c) TESTEMUNHO INCONTESTADOAusncia de atribuio diferente e ausncia de refutao so osdois elementos que definem o testem unh o incon testado . Vtor M anue lde Aguiar e Silva, em estudo j citado aqui, ilustrou muito bem a aplicao desse ponto do critrio, excluindo duas composies da lricacam oniana, aps minuciosa prova docum ental. Alis, as duas com-

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    208 LEODEGRIO A. DE AZEVEDO FILHOposies eliminadas por Vtor Manuel de Aguiar e Silva j no figuravam no ndice bsico de autoria, organizado por Emmanuel PereiraFilho, por no terem respondido, afirmativa e simultaneamente, aostrs pon tos do critrio. E agora, median te pesquisa irrefutvel, ficoudem onstrad o que elas, efectivamente, no so de Cam es. Em sum a,o critrio de Emmanuel Pereira Filho, no que se refere ao ndice bsicode autoria, at hoje se mantm invulnervel, por ausncia de provaem contrrio, em relao a qualquer um dos poemas que ele incluiuno cham ado cnone bsico ou mnim o. Em relao aos que ele deixoude fora, duas hipteses podem ocorrer:

    a) Ficar provad o, como fez Vtor Man uel de A guia r e Silva,que o poema no mesmo de Cames;b) Ficar provado que o poema de Cames, mediante a consul taa outros documentos quinhentistas ou de origem quinhentista, ataqui no examinados. N o caso, preciso que, alm do trplice testemunho, os poemas atendam aos dois outros pontos bsicos do critrio.O prprio Emmanuel Pereira Fi lho assinalou, por mais de umavez, que o exame de outros documentos quinhentistas poderia ampliaro cnone bsico ou mnimo, ou ento a prpria revelao de algumma nuscrito at aqui desconhecido. Nesse sentido, agua rda-se a publicao do Cancioneiro de Cristvo Borges, com data de 1578, pocaem que o poeta a inda vivia, a ser feita pelo professor A rthur Lee-F rancisAskins, da Universidade da Califrnia.A consul ta ao manuscri to 12-26-8/D 199, da Real Academia deHistria, de Madrid, por ns feita, assegura trplice testemunho a13 sonetos que no figuram no ndice bsico de autoria organizadopor Em ma nuel Pereira Filho. Assim, se tais sonetos, alm do trplicetestemunho, no infringirem os dois outros pontos bsicos do critrio(testemunho quinhentista e testemunho incontestado), devem serincludos no cnon e irredutvel. D ura nte a referida pesquisa, exclumo s o soneto Con versao dom stica afeioa (M -170 ; RI-22v. ;MA-26) do cnone bsico, pois atribudo a Ferno Rois Soropita,no Cancioneiro Fernandes Toms, f. 27-v. N a verdad e, tal sone tose afasta do terceiro ponto bsico do critrio, exactamente o que serefere ao testem unho incontestad o. Eis a indicao, pelo incipit,dos 13 sonetos:

    1. Ap olo e as nove mu sas, descanta ndoM-173V.; R H - 1 4 v . ; RI-13v.

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    O S S O N E T O S D E CAMES 2092. Dai-m e um a lei, Senhora, de querer-vos

    M- 171 ; RH-21v .; RI-183. Est-se a primavera trasladand oM-6 ; R H - 7 ; RI-84. Lem branas saudosas , se cuidaisM-172; RH-14; RI-145. Mu dam-se os temp os, mud am-se as vontadesM-226; RH-16; RI-156. O cisne, quando sente ser chegadaM-171 v.; R H - 1 2 ; RI-127. Oh com o se me alonga de ano em ano

    M-173v.; R H - 1 3 v . ; RI-138. Os reinos e os imprios po dero sosM-22v.; R H - 5 ; RI-6

    9. Pelos extremos raros que mo strouM-172v . ; RH -12; RI-12

    10. Qu and o da bela vista e doce risoM-16v.; R H - 4 ; RI-5

    11. Quem pod e livre ser, gentil Senh oraM-7 ; R H - 1 7 v . ; RI-1612. Se tanta pena tenho merecidaM- 21; R H - 8 v . ; RI-913. Tod o o animal da calma repousava

    M-169v.; R H - 3 v . ; R I - 4 v .Desses 13 sonetos por ns includos no cnone que EmmanuelPereira Filho nos deixou, aps consulta ao citado manuscrito da RealAcademia de Histria, de Madrid, h dois que, a rigor, deveriam serexcludos, por terem autoria incerta ou duvidosa, conforme a denominao de Jorge de Sena. Ei-los:1. Tod o o animal da calma repousava

    M-169v.; R H - 3 ; R I - 4 v .2. Mudam -se os tempo s, mudam-se as vontadesM-226 ; RH-16 ; RI-15Com efeito, no ndice do perdido Cancioneiro do Padre Pedro

    Ribeiro (PR), conforme a edio diplomtica de Carolina Michalis14

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    210 LEODEGARIO A. DE AZEVEDO FILHOde Vasconcelos, tais sonetos apresentam dupla indicao de autoria.Assim :a) So atribudos a Diogo Bernardes:

    49. Todo o animal da calma repousaua op. cit. p. 66)93. Mudose os tempos e as uontades op. cit. p. 68)

    b) So atribudos a Cam es:1. Tod o o animal da calma repousava {pp. cit. p. 70)

    25 . M ostrando o tempo esta uariedade {op. cit. p. 71)Note-se que o verso Mostrando o tempo est variedades mera variante do verso Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.N o Cancioneiro de Lus Franco Corra (1557-1589), j agora publicadopela Comisso Executiva do IV Centenrio da Publicao de Os Lusa

    das, 1972, assim aparecem os referidos textos, aqui transcritos compontuao nossa e adaptao ortografia actual:Texto A:

    Todo animal da calma repousava,Hilrio o ardor dela no sentia,que o repouso do fogo em que ele ardiaconsistia na Ninfa que buscava.Os montes parecia que abalavao doce som das mgoas que dizia;mas nada o duro peito comovia,que na vontade d outremposto estava.Cansado j de andar pela espessura,no tronco de uma faia, por lembrana,escreve estas palavras de tristeza:Nunca ponha ningum sua esperanaem peito feminil, que de Naturasomente em ser mudvel tem firmeza.

    (LF, fl. 125, soneto 18.)

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    OS SONETOS DE CAMES 211Texto B:

    Mostrando o tempo est variedades,por onde o que se espera no se alcana;todo mundo composto de mudana,tomando sempre novas qualidades.Continuamente vemos novidades,diferentes em tudo da esperana;do mal ficam as mgoas na lembrana,e do bem, se algum houve, as saudades.O tempo cobre o cho de verde manto,que j coberto foi de neve fria,e, em mim, converte em choro o doce canto.E, afora este mudar-se cada dia,outra mudana faz de mor espanto,que no se m uda j como soa.

    ( LF , fl. 8v.Texto C:

    Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,muda-se o ser, mudam-se as confianas;todo o mundo composto de mudanas,tomando sempre novas qualidades.Continuamente vemos novidades,diferentes de nossas esperanas ;no ficam aqui mais que as lembranasdo bem passado ou das adversidades.Mas do bem to mais so de sofrer,que muito melhor poder passarqualquer trabalho, pena e desprazer.Porque tudo, enfim, se h de perder,muito mais vale a pena do pesardo que contenta a glria do prazer.

    ( LF , fl. 42v.)

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    212 LEODEGARIO A. DE AZEVEDO FILHOObserve-se que, no Cancioneiro de Lus Franco Corra, os sonetos

    acima transcritos no apresentam indicao de autoria, pois as notasmarginais que acompanham os textos, atribudos a Cames, so dem o posterior. Mas o facto que se com prova m, mais u ma vez,as contradies do ndice do Canc ioneiro do Padre Pedro Ribeiro.A rigor, os dois sonetos, aqui postos em questo, em face do terceiroponto do critrio de Emmanuel Pereira Filho, no deveriam figurarno cnone irredutvel, como j observmos.Mas ocorre que esses dois sonetos esto no Cancioneiro de Cristvo Borges, a ser publicado pelo professor Arthur Lee-Francis Askins,segundo carta que nos remeteu. E o Cancioneiro de Cristvo Borges,como se sabe, o nico manuscrito conhecido que nos remete a umadata (24 de Dezem bro de 1578) em que o poeta ainda vivia. Informamos que, por extrema gentileza do professor Arthur Lee-FrancisAskins, possumos a relao completa dos poemas atribuveis a Camesno Cancioneiro de Cristvo Borges. Mas nenhum comentr io podemos ampliar em torno do assunto, por motivos de ordem tica, antesque o eminente colega da Universidade da Califrnia, Berkeley, publique a sua esperada edio desse importante manuscrito quinhentista.Em sntese, supomos que Emmanuel Pereira Filho, ciente dassabidas contradies do ndice do Cancioneiro do Padre Pedro Ribeiro,se vivo fosse, e com os dados de que hoje dispomos, talvez hesitasse,como ns, diante dos 2 sonetos em questo. N a verdade , o ndice,de PR no contesta a autoria camoniana dos sonetos, pois instauraem nosso esprito apenas uma dvida, ao atribu-los, concomitantemente, a Diogo Bernardes e a Cam es. E essa con tradi o po deser desfeita mediante o testemunho de outros documentos quinhentistasde importncia igual ou superior ao ndice de PR, lamentando-se quedeste documento s nos reste um ndice confuso, perdido que foi, emincndio ocorrido em Lisboa, ou no , o seu conte do . Ap s a publicao do Cancioneiro de Cristvo Borges, ansiosamente aguardadapor todos ns, voltaremos ao assunto, com revelaes do maior interesse para o estabelecimento do cnone bsico ou irredutvel da lricacamoniana. Por enquan to, repetimos, nada mais podem os acrescentar, excepto a observao de que os dois sonetos em causa noaparecem na obra potica de Diogo Bernardes.Com invejvel humildade intelectual, Emmanuel Pereira Filhosempre deixou muito claro que o seu trabalho era uma experinciasem carcter definitivo, em face de documentos que ele no pde con-

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    OS SONETOS DE CAM ES 213sultar ou mesm o em face do aparecimento de novos man uscritos. Emseu livro de publicao pstuma, As Rimas de Cames, na pgina 315,aparece ainda um programa de tarefas preliminares e indispensveispara a soluo desejada, qual seja a de estabelecer-se um cnone irredutvel, com o mxim o rigor. Entre essas tarefas, inclua a publicaourgente de alguns manuscritos, tais como o Cancioneiro de Lus FrancoCorra (por ele utilizado, em cpia fotogrfica, e j agora publicado,em 1972, pela Comisso Executiva do Quarto Centenrio de Os Lusadas); o Cancioneiro da Biblioteca da Real Academia de Histria, deMadrid, (que ele no chegou a consultar e que foi alvo de uma dissertao de licenciatura de Maria Isabel S. Ferreira da Cruz, em 1971);e o Cdice da Biblioteca do Escoriai (que ele tambm no chegou aconsultar e que foi, igualmente, objecto de estudo na citada dissertao de M aria Isabel S. Ferreira da Cruz). N o Cancioneiro de LusFranco Corra, a rigor, s h trs textos inequivocamente atribudos aCam es, em face das epgrafes dos poem as e da Tabula Libri, dofoi.297.As indicaes marginais de autoria, que a se encontram, so de moposterior e de nad a nos valem. Tam bm o Cdice da Biblioteca doEscoriai no serve paga a questo de autoria, embora todos eles sejamimportantssim os para o estudo das variantes. Assim, entre os documen tos citados, apenas o Cancioneiro da Biblioteca da. Real Academ ia deHistria, de Madrid, de interesse fundamental para o problema dasatribuies. Possumos xerocpias desses dois ltimos man uscritos.Emmanuel Pereira Filho sempre admitiu, seja ainda dito, a possibilidade da existncia, ainda no revelada, de algum documento quinhentista, perdido em bibliotecas europeias (com acervo no inteiramente catalogado) ou mesmo retido por mos avaras de algum antiqur io. Em nossa pesquisa, ampliando o cnone bsico que nosdeixou Emmanuel Pereira Filho, a partir do manuscrito de Madrid,no levamos em conta, para incluir, o testemunho do CancioneiroFernandes Toms, publicado em 1971, pois data do sculo xvm, nosendo assim um manuscrito quinhentista. Servir, evidentemente,para o estudo das variantes, mas no par a a questo de autoria . M as,se no serve para incluir, em face do critrio de mxima proximidadeno tempo, servir, entretanto, para excluir, no caso de contestaode autoria . Alis, nesse caso est o soneto Con versao d omsticaafeioa (M-170; RI-22 ; MA-XXVI) , com trplice testemunho quinhentista, mas atribudo a Ferno Rois Soropita, no Cancioneiro FernandesToms, 27v. Po r isso, deixam os tal sone to de fora, em face do terceiro

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    214 LEODEGARIO A. DE AZEVEDO FILHOpon to de critrio estabelecido por Emm anuel Pereira Fil ho . Talcritrio, em seus trs pontos bsicos, como j observmos, no pretendeestabelecer o cnone total da lrica camoniana, alvo realmente inatingvel. Pretende estabelecer, apenas, um cnone bsico ou irredu tvel,capaz de fornecer, com rigor cientfico, a dimenso de Cames comopoeta lrico. Nisso, alis, est a sua contribui o nova, pois a t hojeo qu se tem feito, com pouco xito e muitos insucessos, a buscaambiciosa de um cnone cujo estabelecimento indiscutvel jamais foiconseguido, apesar de quatrocentos anos de pesquisa. O cnoneirredutvel ser passvel de uma, duas, trs, muitas revises. O importante no fugir do seu critrio, sempre trplice, em face de novosdocum entos quinhentistas que possam surgir. E ser m ui to maisseguro, para a crtica literria, trabalhar com textos rigorosamenteselecionados do que se perder no meio de uma multido de textosapcrifos.Mas no se pense que a elaborao de um cnone mnimo ouirredutvel, por si s, j represente um ponto de chegada. E m seguidaa isso, vir a segunda tarefa, que a de se estabelecerem criticamenteos textos, e a o estudo das variantes capaz e enlouquecer o maisequilibrado de todos os mo rtais. Por isso mesm o, Em ma nuel PereiraFilho sempre ressaltou que tal trabalho no deve ser individual, masrealizado em equipe. Cad a texto um problem a e deve ser estu dado parte, a exemplo do livro Uma Cano de Cames, de Jorge de Sena,ou do livro Uma Forma Provenalesca na Lrica de C ames, do prpr ioEm man uel Pereira Filho. E melanclica a concluso a qu e chegamos, pois tudo ou quase tudo o que vem dizendo a crtica literriasobre a lrica de Cames, com base em textos duvidosos e mal estabelecidos, ou mesmo com base em textos falsos, deve ser inteiramenterevisto. M uitas vezes, a Cam es se atribu em caracters ticas de estiloque no sabemos se, efectivamente, lhe pertencem. E isso porq ue,antes do estudo literrio, ser preciso saber se o texto mesmo deCam es e de que forma foi escrito. Em sum a, a quest o da au toriae a questo do texto crtico representam as duas etapas fundamentaispara o estudo da lrica cam oniana . Em face de um poe ma , o que sedeseja saber se ele foi mesmo escrito por Cames, em primeiro lugar.Em seguida,-se foi realmente assim que ele o escreveu. E quem p ode ,com segurana absoluta, responder a tais questes?

    Em concluso, aps a primeira fase da nossa pesquisa, com baseno manuscrito da Real Academia de Histria, de Madrid, elevmos

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    OS SONETOS DE CAMES 215de 37 a 50 o nmero de sonetos que deveriam ser atribudos a Cames,de acordo com o critrio estabelecido por Emmanuel Pereira Filho.Desses 50 sonetos, h dois que, a rigor, deveriam ser excludos docnone irredutvel, por fora do terceiro ponto do crtico acima refer ido, embora levem grande probabilidade de terem sido escritos pelopo eta. N a verd ade, e salvo melho r juz o, ser prefervel deixar defora um texto camoniano a incluir no cnone bsico um texto que noseja dele, ou mesmo um texto de autoria duvidosa ou de dupla indicao de autoria. E isso porq ue o cnone mnimo ou irredutvelno pretende indicar a totalidade de poemas lricos escritos por Cames,tarefa realmente inatingvel, mas apenas oferecer um corpus sobreo qual no haja dvida, em face dos dados de que dispe a crtica.Assim, enquanto aguardamos a publicao do Cancioneiro de Cristvo Borges, apenas 48 composies devem integrar o cnone bsicodos sonetos de Cames, de acordo com o critrio de Emmanuel PereiraFilho, a saber:

    1. Alegres camp os, verdes arvoredosP R - 4 4 ; R H - l O v . ; RI-112. Alm a minh a gentil que te partistePR-O; R H - 4 v . ; RI-5v .3. Amor com a esperana j perdidaPR-40 ; RH-14 ; RI -13v .4. Apartava-se Nise de M ontan oPR-13 e 36; R H - 1 5 ; RI-145. Apo lo e as nove musa s, descan tandoM-173; RH-14v .; RI-13v .6. Busque Am or novas artes, novo engenhoPR-30 ; R H - 3 v . ; R I - 4 v .7. Cara minha inimiga em cuja m oPR-3 7 ; R H - 5 v . ; R I - 6 v .8. Co mo fizeste, Pr cia, tal ferida?PR-20 ; R H - 1 8 ; RI-169. Dai-me uma lei, Senho ra, de querer-vosM-171; RH-21v .; RI-1810. Debaixo desta pedra est metidoPR-5 7 ; R H - 1 9 v . ; R I - 1 6 v .11 . Em fermosa Letea se confiaPR-1 9 ; R H - 6 v . ; R I - 7 v ,

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    216 LEODEGARIO A. DE AZEVEDO FILHO12. Em flor vos arran cou d ento crescida

    PR-48; R H - 3 ; RI-413. Est-se a primave ra traslad andoM-6 ; R H - 7 ; RI-814. Est o lascivo e doce passa rinhoPR-3 5 ; R H -7 v. ; RI-8 v .15. Ferido sem ter cura pereciaPR-46; M A - 2 ; RI-1816. Ficou-se o corao de mu ito isentoPR-1 8 ; MA-21v . ; RI -26v .17. Gr o tempo h j que soube da venturaPR-32; RH-12V. ; RI-12v.18. Lem branas saudosas, se cuidaisM-172 ; RH-14v . ; RI-1419. Naiade s, vs que os rios habitaisPR-3 9 ; RH-15v .; RI-1520 . Nu m bosque que das ninfas se habitavaPR-16; RH-5; RI-621 . O cisne, quando sente ser chegadaM-171v.; R H - 1 2 ; RI-1222 . O raio cristalino s'estendiaPR-24 ; M A - 1 9 v . ; RI-25v .23 . Oh como se me alonga de ano em anoM-173v.; R H - 1 3 v . ; RI-1324 . Os reinos e os imprios poderososM-22v.; RH-5 ; RI -625 . Pelos extremos raros que mostrouM-172v. ; R H-1 2; RI-1226 . Pensamentos que agora novamentePR-2 9 ; MA-16v .; RI-24

    27. Por que quereis, Senho ra, que ofereaP R - 9 ; R H - 8 ; RI-928 . Qu ando d a bela vista e doce risoM - 1 6 v . ; R H - 4 ; RI-529. Quan do o sol encoberto vai mo strandoPR-2 7 ; RH-8v .; RI-9v.30 . Qu and o vejo que meu destino ordenaPR-54 ; R H - 1 5 ; RI -14v .

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    O S S O N E T O S D E CAMES 21731 . Qu anta s vezes do fuso se esquecia

    PR-34 ; R H - 1 1 ; RI-1132. Que me quereis perptu as saudades?P R - 5 9 ; M A - 2 0 v . ; RI-2633 . Que poderei do mu ndo j querer?PR-56 ; MA-16 ; RI-2434 . Quem jaz no gro sepulcro que descreveP R - 6 1 ; R H - 1 7 ; RI -15v .35 . Qu em pode livre ser, gentil Senh oraM - 7 ; RH-17v .; RI-1636. Quem quiser ver d Amor uma excelnciaPR-4 8 ; MA-22-22v . ; RI-2737. Quem v, Senhora, claro e manifestoPR-4 5 ; R H - 4 ; RI-538. Rezo j que minh a confianaP R - 3 ; M A - 8 v . ; R H - 1 4 ; RI-1339 . Se alguma hora em vs a piedadePR-8 ; RH-1 3 ; RI -12v .40 . Se as penas com que Am or to mal me trataPR-47 ; R H - l v . ; R I - 1 5 v .41 . Se despois de esperana to perdidaPR-2 8 ; M A - 1 9 ; RI-25v .42. Se tanta pena tenh o merecidaM-21; RH-8 v. , RI-943. Sete anos de pastor Jac serviaPR-6 3 ; R H - 7 v . ; RI-844 . Suspiros inflamados que cantaisPR-26 ; MA-4 ; RI-1945 . Ta nto do meu estado me acho incertoPR-3 3 ; R H - 2 ; RI-346 . Tom ava Daliana por vinganaPR-5 5 ; R H - 1 2 v . ; RI-1247. Transforma-se o ama dor na cousa amad aPR-5 3 ; R H- 2v . ; RI -3 v .48 . Vs, ninfas da gangtica espessuraE-4; H-4; MA-26v. ; RI-27

    Finalmente, observamos que outros manuscritos quinhentistas,j conhecidos, por no trazerem indicao de autoria, no servem

  • 5/28/2018 Sonetos de Cames_Azevedo_Filho

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    218 LEODEGARIO A. DE AZEVEDO FILHOpara o estabelecimento do cnone irredutvel, embora venham a serteis para o estudo das variantes, numa segunda etapa de estabelecimento dos textos, em face de uma possvel edio crtica (ou, pelome nos, edio com texto apura do) da lrica cam oniana . M as a revisodo cnone, como evidente, estar sempre aberta a qualquer manuscrito quinhentista (ou dele descendente) que traga indicao expressade autoria . A incluso dos dois sonetos, aqui em discusso, n o c nonebsico, somente seria possvel com a al terao do cri trio de EmmanuelPereira Filho.

    LEODEGARIO A. DE AZEVEDO FlLHO

    A B R E V I A T U R A SE M s. b-IV-28, da Biblioteca do Mosteiro de San Lorenzo del Escurial;H Histria da Provncia de Santa Cruz, de Pro de Magalhes de Gndavo(1576);PR ndice do Cancioneiro do Padre Pedro Ribeiro;RH Rhythmas, l. a ed., 1595;MA Ms. apenso ao exemplar das Rhythmas (1595) da Biblioteca Nacional deLisboa;R I Rimas, 2.a ed., 1598;LF Cancioneirode Lus Franco Correia;M Ms. 12-26-8/D 199, da Real Academia de Histria, de Madrid.