Sonho e Sono REM: Quatro Teorias Contemporâneas Sobre a Função da Experiência Onírica

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 UNIVERSIDADE SALVADOR - UNIFACSDEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

JOSÉ FELIPE RODRIGUEZ DE SÁ

SONHO E SONO REM:QUATRO TEORIAS CONTEMPORÂNEAS SOBRE A FUNÇÃO DAEXPERIÊNCIA ONÍRICA

Salvador 2008

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JOSÉ FELIPE RODRIGUEZ DE SÁ

SONHO E SONO REM:QUATRO TEORIAS CONTEMPORÂNEAS SOBRE A FUNÇÃO DA

EXPERIÊNCIA ONÍRICA

Monografia apresentada ao curso de PsicologiaUniversidade de Salvador-Unifacs, como requisitoparcial para obtenção do grau de Bacharel.

Orientador: Prof. Dr. Francisco Kelmo.

Salvador 2008

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Ficha Catalográfica(Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da Universidade Salvador - UNIFACS)

Sá, José Felipe Rodriguez de

Sonho e sono REM: quatro teorias contemporâneas sobre a função daexperiência onírica./ José Felipe Rodriguez de Sá. Salvador, 2008

60 f. : il.

Orientador: Prof. Dr. Kelmo.

Monografia apresentada ao Curso de psicologia, Universidade Salvador  – UNIFACS, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel.

1. Sono I. Kelmo, orient. II. Universidade Salvador  – Unifacs. III. Título.

CDD: 150

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TERMO DE APROVAÇÃO

JOSÉ FELIPE RODRIGUEZ DE SÁ

SONHO E SONO REM:QUATRO TEORIAS CONTEMPORÂNEAS SOBRE A FUNÇÃO DA EXPERIÊNCIA

ONÍRICA

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel emPsicologia, Universidade Salvador - Unifacs, pela seguinte banca examinadora:

Francisco Kelmo — Orientador___________________________ Pós-Doutor em Genética Clínica, Peninsula Medical School, UKPós-Doutor em Genética Molecular, University of Phoenix, USAUniversidade Salvador  – UNIFACS

Paula Sanders Pereira Pinto ___________________________ Mestre em Saúde Pública, Universidade Federal da Bahia (UFBA)Universidade Salvador  – UNIFACS

Leonor de Santana Guimarães ___________________________ Mestra em Família na Sociedade Contemporânea, Universidade Católica deSalvador (UCSAL)Universidade Salvador  – UNIFACS

Salvador, 8 de dezembro de 2008.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer às seguintes pessoas, imprescindíveis para a conclusão

desse projeto:

 A meu orientador, Prof. Dr. Francisco Kelmo, por ser invariavelmente honesto e

questionador, como um bom acadêmico sempre deve ser.

 À minha ex-professora de Psicologia Geral I, Ingrid Amorosino, por inspirar a minha

fascinação intelectual pelo tema do presente trabalho.

 À Roseli Andrade: primeiro por sua amizade; segundo, pela enorme paciência na

encomenda dos artigos; e terceiro por dedicar um tempo, mesmo cercada por 

tarefas mil, para ajudar na revisão desta monografia. 

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RESUMO

O presente trabalho é dedicado à introdução e avaliação de quatro teorias

contemporâneas sobre o sonhar. Estas quatro teorias têm como característicacomum o fato de seus autores privilegiarem uma ótica biológica em relação àscaracterísticas e possíveis funções da experiência onírica. São elas: a VariabilidadeIntra-Específica, de Michel Jouvet; a hipótese da Ativação-Síntese, de J. AllanHobson; a Aprendizagem Reversa de Francis Crick e Graeme Mitchison; e aNeuropsicanálise de Mark Solms. Depois de explorar as bases empíricas destasteorias e apresentar seus argumentos, há o estabelecimento de um diálogo com aspsicologias das quais estas teorias se referem, principalmente a psicanálise. Nasíntese discute-se brevemente a cisão entre a psicologia e as ciências cognitivas, ecomo o campo de pesquisa do sono e sonhos pode ajudar a melhor integrá-las.

Palavras-chave: Ciência Cognitiva; Psicanálise; Psicologia Analítica; Sonho(s);Sono REM.

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ABSTRACT

The present paper is dedicated to the introduction and evaluation of four 

contemporary theories of dreaming. What all these theories have in common is thefact that its authors privilege a biological viewpoint relative to the characteristics andpossible functions of the oniric experience. They are: the genetically-oriented Intra-Specific Variability theory, by Michel Jouvet; the Activation-Synthesis hypothesis, byJ. Allan Hobson; the Reverse-Learning mechanism by Francis Crick and GraemeMitchison; and Neuropsychoanalysis by Mark Solms. After presenting the empiricalevidence of these theories and the arguments built around them for their sustenance,the links with the psychological these theories refer to will be explored. In thesynthesis chapter the schism between the cognitive sciences and psychology isbriefly debated, and as well as a discussion of they can be best integrated in thesleep and dreams research field.

Keywords: Cognitive Science; Psychoanalysis; Analytical Psychology; Dream(s);

REM Sleep.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - O ciclo circadiano do sono e as medições polissonográficas do sono REM 16

Figura 2 - Tronco Encefálico e Lócus ceruleus 20Figura 3 - Córtex motor 21

Figura 4 - Comportamentos “Oníricos” de Felino após Proc. Exp. 22

Figura 5 - Cortéx Pré-Frontal 26

Figura 6 - Sistema Límbico 30

Figura 7 - Lobo parietal inferior e córtex pré-frontal ventromesial 44

Figura 8 - Substância Nigra e Área Tegmental Ventral 45

Figura 9 - Córtex cingulado 50

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 11 1.1 OBJETIVOS 111. 2 METODOLOGIA 121.3 ESTRUTURA DO TRABALHO 12

2 A DESCOBERTA DO SONO REM 14 2.1 CARACTERÍSTICAS GERAIS 142.2 CARACTERÍSTICAS FISIOLÓGICAS 162.3 QUAL É A FUNÇÃO DO SONO REM? 18 

3 TEORIAS BIOLÓGICAS DO SONO 20 3.1 MICHEL JOUVET E A VARIABILIDADE INTRA-ESPECÍFICA 203.1.1 Atonia e “Comportamentos Oníricos”  22 3.1.2 Variabilidade intra-específica –  ou, “Individuação Psicológica”  23 3.1.3 Pesquisas Paralelas 24 

3.1.4 Críticas 25 3.2 J. ALLAN HOBSON E A HIPÓTESE DA “ATIVAÇÃO-SÍNTESE” 253.2.1 Críticas à Psicanálise 27 3.2.2 Psiquiatria: da Psicanálise à Psicofarmacogia 28 3.2.3 A Revisão da “Ativação-Síntese”  29 3.2.4 Sonhos e Consolidação de Memória 31 3.2.5 Uma Loucura Saudável? 31 3.2.6 Críticas 32 3.3 CRICK, MITCHISON E A “APRENDIZAGEM REVERSA” 333.3.1 A Memória no Cérebro 34 3.3.2 Encefalização e Evolução 36 

3.3.3 Algumas Conseqüências Psicológicas dessa Teoria 37 3.3.4 Críticas 40 3.4 MARK SOLMS E A “NEUROPSICANÁLISE” 433.4.1 Sonho e sono REM: sinônimos? 43 3.4.2 O Complexo Dopaminérgico 44 3.4.3 O “Retorno do Reprimido”  45 3.4.4 Críticas 46 

4 SÍNTESE 48 5 CONCLUSÃO 54 REFERÊNCIAS 55 

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1. INTRODUÇÃO

No Curso de Psicologia o estudo sobre sono e sonhos é geralmente

superficial. Isso se dá em parte pela própria natureza das matérias introdutórias(Psicologia Geral, p. ex.) e também pelo fato do estudo mais aprofundado do

assunto, dentro da academia, recair sob o manto de Teorias e Sistemas específicos

 – Psicanálise, Psicologia Analítica, Gestalt-terapia, etc. A conseqüência disso é uma

formação limitada (e enviesada) sobre o assunto.

Do lado de fora das paredes universitárias, reportagens de revistas de

“ciência pop” (Super Interessante , Ciência Hoje , Viver Mente & Cérebro ) têm

veiculado os recentes avanços das neurociências relativas ao assunto em pauta.Essa visão potencialmente complementa o das psicologias citadas no primeiro

parágrafo, se não fosse a forçosa cisão entre os dois campos devido a disputas

epistemológicas. Explicando melhor: temos de um lado a psicanálise e as

psicologias derivadas dela, ressaltando o caráter “reducionista”, “positivista” e

“ideológico” das ciências cognitivas. Estas, por outro lado, criticam tais psicologias

por sua suposta falta de base empírica, ressaltando principalmente a imprecisão de

seus métodos, sua capacidade relativamente baixa de previsão e a natureza “pouco objetiva” delas.

1.1 OBJETIVOS

 Apresentar e detalhar quatro teorias “biológicas” sobre a função dos sonhos:

“Individuação Genética”, de Michel Jouvet; a “Ativação-Síntese”, de J. Allan Hobson;

a “Aprendizagem Reversa”, de Francis Crick e, finalmente, a “Neuropsicanálise” de

Mark Solms. Esse processo será destrinchado sob três ângulos: serão apresentadasas bases biológicas dessas quatro teorias de forma compreensível para não-

especialistas; determinar-se-á os pontos fortes e fracos dessas teorias; e serão

traçados paralelos entre essas quatro teorias e as teorias psicodinâmicas a que se

remetem.

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1.2 METODOLOGIA

Este trabalho é uma pesquisa bibliográfica exploratória, um tipo de pesquisa

que tem como propósito “proporcionar maior familiaridade com o problema, comvistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses” (GIL, 2002, p. 25).

O autor do trabalho terá como fontes, no seu levantamento bibliográfico, livros

e artigos em diferentes línguas  – francês, português e inglês  – dos autores das

teorias mencionadas e fontes que discutam ou complementam sua obra. Quanto aos

paralelos traçados com as teorias psicodinâmicas de Freud, Adler, Jung e outros,

estes serão citados a partir de seus livros e artigos originais.

Depois de coletados todos os dados necessários, o autor apresentará asteorias. As quatro teorias terão seus próprios capítulos dentro do marco teórico.

Cada capítulo será mais ou menos subdividido assim: 1) uma breve introdução ao

autor da teoria; 2) as origens e explanação da teoria; 3) semelhanças e diferenças

com algumas teorias psicodinâmicas; 4) críticas feitas à teoria; 5) e resolução,

tratando das contribuições duradouras que cada teoria deu á ciência do sono e dos

sonhos. Após das quatro teorias serem devidamente apresentadas e criticadas, o

autor dedicará um capítulo extra para uma tentativa de síntese entre as quatro,concentrando-se no que todas têm em comum.

1.3 ESTRUTURA DO TRABALHO

O presente trabalho trata principalmente das contribuições que a neurociência

têm oferecido sobre os sonhos, e ao mesmo tempo traça, sempre que possível,

paralelos entre essas contribuições e os postulados teóricos da psicanálise e da

psicologia analítica, entre outras. O diferencial desse trabalho está na evitação deextremismos, procurando sempre fazer uma ponte entre esses pólos

epistemológicos. As contribuições das neurociências para o estudo dos sonhos

serão destrinchadas a partir de quatros teorias que apresentarei adiante.

 A primeira teoria a ser abordada será do neurocirurgião Michel Jouvet, um

dos mais dedicados pesquisadores do sono da Europa. Jouvet (1998) propôs que o

sono REM serve para uma espécie de “individuação genética”, onde o indivíduo é

periodicamente re-programado durante o sono, mantendo assim sua “variabilidadeintra-específica”. A origem de sua teoria parte das experiências com felinos, anim ais

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estes que Jouvet (1980) seccionou uma parte do cérebro e observou como o sujeito

experimental ensaiava comportamentos instintivos (caçar, se limpar, etc). Essa

teoria têm tido comprovações indiretas, como o caso do Mandarim (Taeniopygia 

guttata ), um pássaro que aparentemente repassa suas canções de acasalamento

durante o sono (BARINAGA, 1998).

Um ex-colaborador de Jouvet, James Allan Hobson, trouxe uma teoria bem

diferente. Valendo-se de avanços recentes na medicina do sono, Hobson (1996)

procura demolir totalmente a visão psicanalítica dos sonhos, através da hipótese da

“Ativação-Síntese”. Entre suas críticas, Hobson enumera a inexistência de uma

suposta separação entre conteúdos manifestos e latentes, e o objetivo defensivo dos

sonhos. A experiência onírica, para Hobson (1996), é produzida mecanicamente,

não tendo uma importância psicológica e sim biológica, como a seleção e retenção

de memórias. Essa visão é aceita pela maioria dos neurocientistas contemporâneos

(CHENIAUX, 2006).

 A terceira teoria a ser apresentada é a de Francis Crick, ganhador do Prêmio

Nobel de Fisiologia e Medicina de 1962 pela descoberta da estrutura helicoidal da

molécula de DNA (STRATHERN, 2001). Crick e um colaborador, o matemático

Graeme Mitchinson, defendem que o sono REM não é nada além da “lata de lixo da

mente” (CRICK; MITCHINSON, 1995). Eles defendem que a função do sono REM é

apagar memórias indesejadas, “parasíticas”, as quais se formam naturalmente

devido á própria estrutura das redes neurais, que guardam as nossas memórias de

forma associativa (CRICK; MITCHISON, 1983).

 A quarta e última teoria abordada é a “Neuropsicanálise” de Mark Solms, um

psicanalista e neurologista Sul-Africano. A partir de sua experiência clínica, Solms

(2000) descobriu que pacientes que sofreram um derrame no tronco encefálico  – 

região apontada por Hobson como crucial para a produção do sonhar  – deixavam de

ter o sono REM, mas continuavam sonhando. Essa descoberta levou-o a perceber 

que os sonhos o e sono REM poderiam ser produzidos por mecanismos cerebrais

diferentes. Como conseqüência, esse pesquisador revitalizou, dentro das ciências

cognitivas, alguns postulados psicológicos de Freud, agora baseados em evidências

neurobiológicas (SOLMS, 2004).

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2. A DESCOBERTA DO SONO REM

 Apesar de o sonho ter uma participação significativa ao longo da história

humana, exercendo seu papel em mitos, religiões e até mesmo em acontecimentosimportantes da antiguidade, seu status como objeto científico é relativamente

recente, surgindo a partir  do século XIX (VAN DE CASTLE, 1994). Um dos primeiros

a estudar sistematicamente a experiência onírica foi Alfred Maury, psicólogo francês

que fez um estudo sobre imagens hipnagógicas, estímulos visuais que ocorrem na

transição entre o estado de vigília e o sono (HOBSON, 1996). Maury mantinha um

diário, detalhando suas formas e como ocorriam (HOBSON, 1996). Já o filósofo

Mourly Vold procurava correlacionar a influência da posição do corpo durante o sonocom a formação de conteúdos específicos dos sonhos (HOBSON, 1996).

 A mais conhecida dessas investigações científicas foi, sem dúvida, a de

Sigmund Freud e seus seguidores. Com a publicação de A Interpretação dos 

Sonhos  (1900), esse médico neurologista apresentou ao mundo conceitos como o

complexo de Édipo, o consciente e o inconsciente, e a idéia de que o sonho era a

“via real” para conhecer o último (FREUD, 1996c, 1996d). Apesar de o movimento

psicanalítico ter um grande impacto na cultura Ocidental do século passado(BILLINGTON, 2000), o seu legado científico é controverso. A psicanálise tem

enfrentado numerosas críticas, que apontam para imperícias metodológicas e sua

exagerada ênfase na sexualidade como causa principal  das neuroses humanas

(CREWS, 1999; WEBSTER, 1999).

 A entrada definitiva das ciências naturais neste campo de estudo é ainda mais

recente. O primeiro registro oficial data da segunda metade do século XX, quando foi

descoberto um estado fisiológico do sono fortemente correlacionado com os sonhos.Esse estado foi denominado como “sono paradoxal” (JOUVET, 1995) ou sono REM,

acrônimo da língua inglesa para Rapid Eye Movement (DEMENT, 2000).

2.1 CARACTERÍSTICAS GERAIS

 A descoberta do sono REM foi publicada no periódico científico Science , em

Setembro de 1953. Seus autores  – Nathaniel Kleitman e Eugene Aserinsky  – 

observaram que durante esse estágio do sono registravam-se, simultaneamente,taquicardia, taquipnéia (aceleração dos batimentos cardíacos e respiratórios,

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respectivamente) e movimentos rápidos e espasmódicos dos glóbulos oculares em

intervalos regulares. Quando acordados durante esse período, os sujeitos

experimentais relatavam “sonhos detalhados com imagens visuais” ( ASERINSKY;

KLEITMAN, 1953). Estudos posteriores dividiram o sono entre sono REM e sono

não-REM, ou “sono de ondas rápidas” e “sono de ondas lentas”, respectivamente. O

último, por sua vez, pode ser dividido em quatro fases distintas, conforme ilustrado

na Tabela 1. A primeira fase marca a transição entre vigília e sono e dura não mais

que 10 minutos. As fases restantes (2-4) compõem o chamado “sono profundo”, que

toma dois terços do sono diário (HOBSON, 1996).

Tabela 1  – As cinco fases do sono, de acordo com sua duração média, tipo e

voltagem de ondas presentes nessas fasesFases do Sono

Fase do Sono Tipo de Onda Voltagem Duração Média

1 & 2 Teta 4 a 7 Hz 52-75% do sono

3 & 4 Delta Abaixo de 3 Hz 15-23% do sono

REM Beta 14 a 80 Hz 20-25% do sono

Fonte: Bear, Connors e Paradiso (2002).

 Aserinsky e Kleitman (1953) tinham descoberto um ‘marcador objetivo’ dos

sonhos. Podiam agora saber sua freqüência, sua duração, quais alterações

fisiológicas eram produzidas além de serem capazes de verificar como a

interferência de estímulos externos  – luz, barulho  – afetavam seu conteúdo

(KLEITMAN, 1975).

Os estudos de Kleitman e Aserinsky (1953) tornaram o ato de sonhar numa

realidade física: o sonho agora podia ser localizado durante o sono. Ele podia ser 

calculado, previsto e mensurado. Antes uma propriedade de profetas, filósofos e

psicanalistas, o campo de pesquisa dos sonhos agora contava com a participação

de egressos das ciências naturais e exatas. Profissionais de diversas áreas, tais

como físicos, engenheiros e matemáticos, podiam agora contribuir para desvendar 

um enigma antigo: o papel do sonho na saúde física e mental do homem (VAN DE

CASTLE, 1994).

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2.2 CARACTERÍSTICAS FISIOLÓGICAS

Todos os seres vivos que regulam seu relógio biológico pelo ciclo diário solar 

obedecem ao chamado ritmo circadiano, termo derivado da expressão latina circa diem , “cerca de um dia” (DSM-IV-TR, 2002). O sono é uma variação particular desse

ritmo. O homo sapiens adulto normal geralmente consome um terço desse ciclo e,

nesse período que dura de sete a oito horas, é comum ter de três a quatro períodos

de sono REM (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2002). Esses períodos de sono REM

duram entre cinco e trinta minutos, espaçados por períodos em média de noventa

minutos (GUYTON; HALL, 2006). Testes polissonográficos mostram que o sono

REM tem as seguintes características: (i) o eletroencefalograma (EEG) mostrando

atividade; (ii) o eletrooculograma (EOG), cuja função é registrar o movimento dos

olhos, se mostra ativado e (iii) o eletromiógrafo (EMG) mostrando um tônus muscular 

suprimido (HOBSON, 1996).

Figura 1  – O ciclo circadiano do sono e as medições polissonográficas do sonoREMFonte: Hobson (1996).

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Entretanto, de acordo com Bear, Connors e Paradiso (2002), o sono REM

também possui outras características distintas. A primeira delas é que ele só se

expressa no topo da cadeia evolutiva: em aves e mamíferos. A segunda é que ele é

o estado de consciência que mais consome energia, inclusive mais do que o estado

de vigília. A terceira é que ele acarreta a atonia, uma ausência de tônus muscular 

generalizada que deixa o corpo paralisado. 

 A neurociência contemporânea tem descoberto mais detalhes sobre o

funcionamento geral do cérebro durante o sono. O sono não-REM é caracterizado

por uma desativação geral e significativa do cérebro, enquanto o sono REM é a re-

ativação seletiva do mesmo. Umas das áreas pouco ativadas durante o sono REM é

o córtex pré-frontal (BRAUN e outros, 1997). Essa região do cérebro é associada ao

raciocínio lógico e planejamento de tarefas (ROCK, 2004). Por outro lado, o sistema

límbico é supra-ativado durante o sono REM (BRAUN e outros, 1997). O sistema

límbico nos mamíferos tanto é associado ao processamento de memórias de longo

prazo quanto é considerado, pelos cientistas, como o elemento central no nosso

comportamento emotivo (ROCK, 2004). Ele é assim considerado, pois, além de

controlar o sistema de punição e recompensa, o sistema límbico tem influência na

produção de hormônios, regulação de temperatura corporal e controle da pressãocardiovascular (GUYTON; HALL, 2006). 

Paralelo à importância dos diferentes graus de ativação do cérebro durante o

sono, deve-se também salientar o papel desempenhado pelos neurotransmissores

no Sistema Nervoso Central (SNC) durante o sono REM (BEAR; CONNORS;

PARADISO, 2002). Entre os neurotransmissores destacamos quatro: a serotonina, a

acetilcolina, a norepinefrina e a dopamina. A serotonina (C10H12N2O) ou 5-HT está

relacionada com o controle do humor, da atenção e do sentido de alerta; ela seencontra notadamente ausente durante o sono REM (BEAR; CONNORS;

PARADISO, 2002). A acetilcolina (C7H16NO2) ou ACh é um transmissor que atua nas

 junções neuromusculares (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2002); ela estimula os

centros visuais, motores e emocionais durante o sono REM (ROCK, 2004). A

norepinefrina (C8H11NO3) ou NE, assim como a serotonina, está implicada na

manutenção da atenção e na ativação do estado de alerta durante o estado de

vigília (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2002). Por fim temos a dopamina(C8H11NO2) ou DA, envolvida com o sistema de “recompensa” do cérebro, que

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seleciona e reforça comportamentos vistos como adaptativos (BEAR; CONNORS;

PARADISO, 2002). Uma explanação detalhada do papel que a dopamina exerce em

relação ao sono REM será feita no Capítulo 5.

2.3 QUAL É A FUNÇÃO DO SONO REM?

 Apesar de sua descoberta ter alterado os paradigmas sobre o sono em geral,

Kleitman (1975) tinha dúvidas quanto à possível utilidade do sono REM. Nas

palavras do autor, o sono  REM é “a expressão de um tipo grosseiro de atividade

executada no córtex cerebral durante certa fase do sono” (KLEITMAN, 1975, p. 241).

Outro assistente do laboratório de Kleitman, William Charles Dement (1992),

afirmava que seu orientador desconsiderava as teorias de Freud, sendo este um

indício sobre o que Kleitman pensava a respeito da importância atribuída pelas

diversas abordagens psicológicas à interpretação dos sonhos como ferramenta

terapêutica.

Dement (1992) tinha suas próprias teorias sobre o assunto. Como um

verdadeiro entusiasta da psicanálise, este pesquisador resolveu investigar a relação

entre os sonhos e as psicopatologias pesquisadas anteriormente por Freud (1996c).

Dement mostrou-se particularmente interessado por uma hipótese defendida por 

Freud  – a de que o sonho operava como uma espécie de “válvula de escape”

libidinal (DEMENT, 1992). Essa suposição sugeria que, caso uma pessoa ficasse

muito tempo sem sonhar, ela provavelmente acumularia um excesso de “lixo mental”

que a tornaria psicótica. Dement aventou, então, a possibilidade de que

esquizofrênicos não sonhavam; entretanto, ao testar sua teoria decepcionou-se, pois

descobriu que os esquizofrênicos de fato sonham (DEMENT, 1992).

 Após completar sua estadia no laboratório da Universidade de Chicago,

Dement fez outro teste: ele privou experimentalmente algumas pessoas de terem o

sono REM. Toda vez que os sujeitos entravam em sono REM, Dement e seus

assistentes os acordavam. Depois de cinco noites seguidas, Dement constatou que

os sujeitos experimentais entravam invariavelmente numa espécie de “rebote REM”

 – essa fase demorava menos tempo para iniciar além de ser complementada por 

uma duração mais longa. Os resultados da pesquisa, segundo o cientista, sugeriam

que uma determinada quantidade – variável, é verdade – de sono REM parecia ser 

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necessária (DEMENT, 1974). Segundo ele, isso representou um grande avanço para

sua audiência psicanalítica (DEMENT, 1992).

Em meados dos anos 1960, Dement constrói uma nova hipótese: a de que o

sono REM serve para forjar as conexões neuronais do cérebro de fetos humanos  e

bebês recém-nascidos. Ele deduziu tal hipótese depois de constatar o tempo

relativamente grande que os dois passam no estágio do sono REM, e como esse

tempo diminui consideravelmente com o avanço da idade. Ele próprio admite que

sua hipótese é dificilmente testável e por essa razão, permanece plausível até hoje

(DEMENT, 1992).

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3. TEORIAS BIOLÓGICAS DO SONO

3.1 MICHEL JOUVET E A VARIABILIDADE INTRA-ESPECÍFICA

No final dos anos 1940, Giuseppe Moruzzi e Horace Magoun iniciaram

algumas pesquisas pioneiras, registrando a relação entre o tronco encefálico, o

córtex motor e o comportamento (HOBSON, 1996). Formado pelo bulbo, ponte e

mesencéfalo, o tronco encefálico (ver Figura 2 - fig. 2a -2b) está implicado

diretamente na reprodução e na auto-preservação (SAGAN, 1981), sendo

responsável pelo controle da respiração, pressão arterial, batimento cardíaco e o

controle parcial da função gastrointestinal (GUYTON; HALL, 2006).

O lócus ceruleus  α (ver Figura 2 - fig. 2c), localizado na ponte do tronco

encefálico, tem um papel importante no sono REM: ele é um gerador de atividade

PGO (HOBSON, 1996). PGO é uma abreviação para ondas ponto-genículo-

occipitais  – são ondas cerebrais geradas na ponte que passam pelo corpo

geniculado lateral do tálamo e depois atingem o córtex occipital (CHENIAUX, 2006).

Os neurônios desse lócus têm um efeito inibitório (GUYTON; HALL, 2006), o que

explica o resultado do procedimento experimental de Jouvet (1980), o qual será

discutido na próxima seção.

Figura 2 – Tronco Encefálico e Lócus ceruleusFonte: Hobson (1996).

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O córtex motor (ver Figura 3 - fig. 2d), ocupando aproximadamente um terço

do lobo frontal, coordena desde as habilidades manuais até a formação de palavras

(GUYTON; HALL, 2006).

Figura 3 - Córtex motor Fonte: Guyton e Hall (2006).

 Aliadas à descoberta posterior do sono REM, as pesquisas de Moruzzi e

Magoun superaram a “teoria passiva do sono”, que afirmava que o sono seria o

resultado de um excesso de estímulos no sistema nervoso (HOBSON, 1996). Essa

descoberta causou surpresa aos cientistas, já que ela levava a questionar o

paradigma prevalecente de então  – a noção Pavloviana de que o sistema nervoso

reagia mecanicamente aos estímulos externos (PAVLOV, 1974), pois era incapaz de

gerar sua própria energia (HOBSON, 1996). O trabalho de Moruzzi e Magoun

tornou-se uma das bases da teoria de um neurocirurgião francês da Universidade de

Lyon, Michel Jouvet (HOBSON, 1996).

Outro trabalho científico que chamou a atenção desse cientista francês foi um

artigo  escrito por William C. Dement, publicado em 1958. Na seqüência da

descoberta do sono REM, William Dement fez um estudo sobre o sono de felinos,

confirmando que estes também possuíam o sono REM. Essa descoberta foi valiosa

para Jouvet, pois o cientista poderia experimentar com infra-humanos os

mecanismos cerebrais do sono REM  – ao qual ele chamava de “sono paradoxal”,

porque era um estado caracterizado por um encéfalo altamente ativado num corpo

adormecido (HOBSON, 1996).

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3.1.1 Atonia e “Comportamentos Oníricos” 

Baseado nas descobertas relatadas acima, Jouvet então criou seu próprio

experimento. O cientista removeu uma seção do tronco encefálico de um felino, umaseção da ponte chamada de lócus ceruleus  alfa .  Após o procedimento observou o

comportamento do animal durante o sono REM, três semanas após a operação (ver 

Figura 4 - fig. 2e a 2h). Não só o seu sujeito experimental ficara liberado de sua

paralisia motora, como também fora observada a reciclagem de comportamentos

específicos do estado de vigília, tais como explorar e atacar (SASTRE; JOUVET,

1979).

Com a destruição seletiva de neurônios dos  núcleos reticulares pontinos, oexperimento de Jouvet revelou dois novos fatores fisiológicos: a evidência biológica

de que não só existia, de fato, uma inibição muscular durante o “sono paradoxal”,

como também a fonte de comando dessa inibição já podia ser fisicamente

localizável. Ou seja: ele descobrira a fonte cerebral da atonia. A descoberta

resultante de suas observações da liberação motora dos seus sujeitos experimentais

foi o que ele chamou de “comportamentos oníricos” (HOBSON, 1996). 

Figura 4 - Comportamentos “Oníricos” de Felino após Proc. Exp.Fonte: Sastre e Jouvet (1979).

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3.1.2 Variabilidade intra-específica – ou, “Individuação Psicológica” 

Baseada nas descobertas relatadas anteriormente, Jouvet (1998) propôs que

o “sono paradoxal” servia para perpetuar a “individuação psicológica”, seguindo oimperativo biológico da “variabilidade intra-específica”, essencial para a evolução

das espécies. Assim, de acordo com Jouvet, o indivíduo é periodicamente re-

programado durante o sono, mantendo assim sua individualidade.

 Além da sua já mencionada cirurgia experimental com felinos, Jouvet cita

outros experimentos realizados por ele mesmo para apoiar sua tese. Um deles foi o

registro da semelhança na atividade PGO do sono REM de gêmeos homozigotos,

contrastando com a dessemelhança em gêmeos heterozigotos. Esses resultadosdivergentes indicam o papel de fatores genéticos na organização das ondas PGO

(CHOUVET e outros, 1983). Outro experimento foi realizado com roedores,

demonstrando que o aprendizado relativamente intenso de tarefas é correlacionado

com o aumento quantitativo de sono REM nos sujeitos experimentais, o que indicaria

uma função adaptativa para a experiência onírica (SMITH e outros, 1974). Numa

outra pesquisa da qual participou concluiu que existem diferenças, provavelmente

determinadas por fatores genéticos, nos padrões de sono entre híbridos F1 do

camundongo Mus musculus  e a sua geração parental. Apesar das medições

polissonográficas não acusarem diferenças estatisticamente relevantes na

arquitetura do sono das duas gerações, foi revelado que os ritmos circadianos e os

padrões EEG dos híbridos F1 eram substancialmente diferentes daquela dos seus

progenitores (VALATX; BUGAT; JOUVET, 1972).

Outra possível comprovação da teoria de Jouvet foi o resultado de um

experimento feito com o pássaro Taeniopygia guttata . Pesquisadores da

Universidade de Chicago detectaram a ativação de um bloco específico de

neurônios durante o sono  – um bloco também ativado no cantar dessa espécie

durante o estado de vigília. A implicação dessa descoberta, segundo Daniel

Margoliash e seu time de investigadores, é de que o Taeniopygia guttata repassa e

corrige suas canções de acasalamento durante o sono. Dessa forma, Margoliash

passa a sugerir também que esse tipo de aprendizado é semelhante ao que

acontece durante o sono de seres humanos após o aprendizado de tarefas motoras

específicas (BARINAGA, 1998).

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3.1.3 Pesquisas Paralelas

 As pesquisas do psiquiatra americano Jonathan Winson apontam para um

caminho semelhante às de Jouvet. Winson (1990) enfoca seu trabalho no papel dasondas teta  no processamento da memória de mamíferos. Ele observa como as

ondas teta são ativadas quando diversas espécies de animais (ratos, felinos,

coelhos) estão efetivando algum comportamento vital para a sua sobrevivência.

Essas mesmas ondas se fazem presentes durante o sono REM. Além disso, as

ondas teta são produzidas pelo hipocampo (WINSON, 1990), uma estrutura do

cérebro apontada como responsável pela transformação de memórias de curto prazo

em memórias de longo prazo (GUYTON; HALL, 2006). Winson (1991) sugere ainda

que o ritmo teta é o reflexo de um processo neural através do qual a informação

registrada durante o dia é consolidada, visando refinar os comportamentos

essenciais para o sucesso reprodutivo dessas espécies.

Winson (1985, p. 241) resume seu pensamento da seguinte forma:

Qual é a função do sono REM em animais? Eu o vejo como o mecanismofisiológico básico por onde estratégias de comportamento baseadas naexperiência de um animal são gradualmente construídas  – um mecanismoimportante para a sobrevivência. A função dos sonhos em humanos não

deve ser muito distante. Isso também é o caminho da evolução. E euacredito que o conteúdo dos sonhos reflete estratégias de comportamentono homem. (tradução nossa). 

Recentemente, o cientista finlandês Antti Revonsuo procurou justificar o sono

REM a  partir de premissas darwinistas. Revonsuo (2000) argumenta que o sono

REM é um mecanismo de defesa biológico, uma estratégia adaptativa criada em

resposta ao habitat freqüentemente hostil dos nossos ancestrais. Para apoiar tal

hipótese ele cita diversos estudos sobre a prevalência estatística aparentemente

universal de comportamentos agressivos e emoções negativas nos sonhos, baseada

na amostragem de aborígenes australianos, tribos indígenas brasileiras e

populações urbanas norte-americanas.  Revonsuo (2005) complementa seu artigo

original fazendo uma análise comparativa entre os sonhos de crianças finlandesas e

crianças curdas. O povo curdo habita o norte do Iraque e, cabe dizer, têm um longo

histórico de conflitos, por causa de perseguição étnica e a guerra civil desencadeada

entre seus dois maiores partidos políticos. Dessa forma, Revonsuo (2005) registra

uma incidência significativamente maior de experiências oníricas ameaçadoras e

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violentas entre as crianças curdas, do que as finlandesas, o grupo controle escolhido

pelo autor.

3.1.4 Críticas

 Apesar do enfoque darwinista de Jouvet e outros pesquisadores sobre a

função do sonhar ser bem aceito entre especialistas (ROCK, 2004), ele também teve

sua parcela de críticas. Crick e Mitchison (1995) criticam a hipótese de Jouvet,

argumentando que o ensaio de comportamentos para ser efetivo precisa de

expressões motoras, e o brincar de crianças em desenvolvimento preencheria essa

função. Outra crítica feita por Crick e Mitchison (1995) é a falta de originalidade da

hipótese de Jouvet: a conexão entre sonhos e o desenvolvimento de

comportamentos já teria sido feita pelo psiquiatra suíço Alphonse Maeder desde

1912. A teoria de Maeder, inclusive, fora analisada brevemente por Sigmund Freud

numa nota de rodapé de A Interpretação dos Sonhos . Freud (1996d, p. 607) disse

que atribuir funções como “solucionar conflitos” ou “ensaios experimentais para

ações na vigília” aos sonhos é o produto de uma confusão entre os problemas

cotidianos do estado de vigília e a parte visual, “latente” dos sonhos, que é apenas

um disfarce para as pulsões inconscientes. Investigando sobre a história da

psicanálise, Kerr (1997) revela que outros membros do círculo freudiano batizaram

com nomes diferentes uma idéia semelhante  – C. G. Jung e a função “prospectiva”

dos sonhos, Helbert Silberer e a função “anagógica” dos sonhos.  Jung acreditava

que certos símbolos oníricos tinham função “prospectiva”, enquanto Silberer via sua

linha interpretativa (a “anagógica”) como uma tentativa rudimentar e simbólica de

sanar problemas intelectuais. Esses três psicanalistas mais Alfred Adler, membro

fundador da Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras1, disputavam entre si para

provar quem primeiro formulou essa idéia.

3.2 J. ALLAN HOBSON E A HIPÓTESE DA “ATIVAÇÃO-SÍNTESE” 

Na edição de dezembro de 1977 do Journal of American Psychiatry , o

pesquisador James Allan Hobson e seu colega Robert McCarley publicam um artigo

1

Sociedade fundada por Sigmund Freud em Viena, para a discussão e divulgação da psicanálise. ASociedade das Quartas-Feiras serviu de base para a criação da International Psychoanalytical 

Association (KERR, 1997).

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propondo uma nova visão do sono REM  –  a chamada “Hipótese da Ativação-

Síntese”. Agregando os dados acumulados de então sobre a neurobiologia do sono,

Hobson e McCarley (1977) propuseram um novo modelo para o entendimento do

sonho, simplificando suas possíveis interpretações psicológicas e ao mesmo tempo

ressaltando seu caráter autonômico e pré-programado. A hipótese da “Ativação-

Síntese” é amplamente aceita pelos cientistas cognitivos contemporâneos

(CHENIAUX, 2006),  sendo vista como a antítese da teoria freudiana (DOMHOFF,

2003).

Esta hipótese propõe que o sonho, diretamente associado ao sono REM por 

Hobson e McCarley (1977), é ativado pelo tronco encefálico – mais precisamente, as

formações reticulares da ponte. O tronco encefálico, então, é responsável pela

coordenação do sono REM: ele fornece sua energia, dita sua duração e a

regularidade de sua ativação. O tronco encefálico é também responsável pelo

estado muscular do sono REM – da atonia até o movimento dos glóbulos oculares.

O nome “Ativação-Síntese” se deve as duas ações principais do SNC durante

o sono REM: a “ativação” do tronco encefálico e a “síntese” gerada pelo córtex pré-

frontal (ver Figura 5 - fig. 3a), que interpreta os sinais internos produzidos pelo sono

REM como se fossem uma realidade externa, devido à falta de autoconsciência

característica desse estágio do sono (HOBSON, 1996).

Figura 5 - Cortéx Pré-Frontal Fonte: Hobson (1996).

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3.2.1 Críticas à Psicanálise

 A partir de suas observações, Hobson e McCarley (1977) sugeriram que a

teoria psicanalítica dos sonhos necessitava de “importantes revisões”. Apesar da“Ativação-Síntese” não negar que os sonhos tenha significado, Hobson e McCarley

não acreditam na separação entre “conteúdo latente” e “conteúdo manifesto”

apregoada pela psicanálise, ou que os sonhos sejam na verdade desejos

disfarçados. Apesar de não fornecer uma explicação formal para os aspectos

emocionais do sonho, Hobson e McCarley (1977) acreditam que os mesmos sejam

subservientes à ativação do tronco encefálico.

É possível contrastar os pontos de vista divergentes da “Ativação -Sintese” eda psicanálise a partir de dois exemplos do que Freud (1996c) chamara de “sonhos

típicos”, como voar e ficar paralisado. Freud (1996d) atrelava um fator erótico aos

sonhos de vôo  – acreditava que eles eram o resultado de uma polução noturna ou

uma ereção durante o sono. Freud não estava ciente de que a ereção é uma

característica intrínseca do sono REM (HOBSON, 1996), o que invalidaria a

interpretação psicanalítica dessa experiência porque, segundo sua lógica, teríamos

de ter sonhos de vôo todas as noites. Para Hobson e McCarley (1997) esse “sonho

típico” é o produto das estimulações do sistema vestibular, o responsável pela

coordenação dos movimentos da cabeça e dos olhos, provendo-nos com um sentido

de equilíbrio (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2002).

Quanto aos sonhos de paralisia motora, Freud (1996c) os enxergava como a

representação de um “conflito da vontade”, uma oposição angustiante entre volições

opostas. A leitura neurobiológica dessa experiência, dada por Hobson e McCarley

(1977), é de que essa sensação provém do córtex pré-frontal do sonhador tentando

interpretar a característica atonia do sono REM; ou seja, criar uma narrativa em cima

de sua percepção a respeito da paralisia motora do corpo. Para Hobson e McCarley

(1977), estas seriam interpretações mais verossímeis do que as oferecidas pelo

fundador da psicanálise.

 Ainda sobre interpretações de sonhos, Hobson (1999) diria anos mais tarde

que qualquer tipo de interpretação de sonho é algo “arriscado e especulativo”. Para

ele, os sonhos são “testes de Rorschach fisiológicos” – ou seja, um reflexo da

tendência humana de dar sentido a tudo  – nesse caso, estimulações elétricas

aleatórias.

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No mês anterior à publicação do artigo da “Ativação-Síntese”, McCarley e

Hobson (1977) destacaram outro problema da psicanálise  – suas bases

neurológicas desatualizadas, primeiro formuladas no abortado  Projeto para uma 

Psicologia Científica (FREUD, 1996a). As idéias do “Projeto” não só influenciariam o

seu tomo A Interpretação dos Sonhos   – que estava sendo escrito no mesmo período

da vida de Freud (MCCARLEY; HOBSON, 1977)  – mas também o corpo teórico

vindouro da psicologia freudiana como um todo. Entre as incoerências do “Projeto”,

apontadas por McCarley e Hobson (1977), está a crença de que os neurônios são

incapazes de inibir energia nervosa, podendo apenas armazená-la ou redirecioná-la.

Se Freud extrapolou tal constatação errônea para o seu sistema psicológico, isto

implica um questionamento sério a respeito de alguns conceitos-chave dapsicanálise, como a “repressão”. 

 As principais implicações psicológicas da teoria em discussão são (i) a força-

motriz do sonhar não é psicológica, e sim fisiológica. Isso não significa, porém, que

um sonho não seja um fenômeno psicológico  – o que quer dizer é que  seus

mecanismos cerebrais ganham uma nova precedência; (ii) os estímulos visuais

vivenciados durante o sonho são gerados pelo tronco encefálico, e não pelas

regiões cognitivas do cérebro; (iii) os sonhos têm origem no sistema sensório-motor,e sofrem pouca interferência de conteúdos ideacionais, emocionais ou voluntários;

(iv) a explicação do esquecimento dos sonhos não é psicodinâmica, e sim

neurológica (HOBSON; MCCARLEY, 1977). Freud (1996c) defendia que esse

esquecimento “serve aos propósitos da resistência”, pois bloqueava a irrupção de

“pensamentos oníricos proscritos” na consciência. Hobson e McCarley (1977) têm

uma explicação alternativa: a amnésia pós-sono é uma questão de modulação

neuroquímica cerebral.Em suma: a experiência onírica é um “remendo” feito por um córtex pré-frontal

parcialmente desativado, fazendo o melhor que pode para imprimir coerência a uma

sucessão de imagens caóticas geradas por descargas elétricas semi-aleatórias,

originadas no tronco encefálico (HOBSON; MCCARLEY, 1977).

3.2.2 Psiquiatria: da Psicodinâmica à Psicofarmacologia

 Á partir de década de 1930, a crescente especialização do ramo médico e a

popularidade recém-adquirida da psicanálise separou profissionalmente a neurologia

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da psiquiatria. A neurologia encarava a psicopatologia focando exclusivamente nos

seus substratos biológicos, enquanto a psiquiatria se especializou em distúrbios de

humor orientada, sobretudo, pela psicanálise (DWORKIN, 2007). A experiência

psicanalítica fortaleceu-se, sobretudo depois da 2º Guerra Mundial, onde os

psiquiatras americanos ficaram cada vez mais convencidos sobre o poder 

terapêutico da “cura falada” de Freud, rejeitando o enfoque geral da medicina sobre

a biologia molecular (KANDEL, 1998). O movimento psicanalítico atingiu o ápice de

seu poder dentro da psiquiatria durante as décadas de 1950 e 1960 (HORGAN,

2002), anos esses que coincidiram com a formação profissional de James Allan

Hobson (ROCK, 2004). Eric Kandel, ganhador de um prêmio Nobel de Fisiologia e

Medicina e colega de Hobson na sua residência psiquiátrica em Harvard (KANDEL,1998, p. 457), conta sua experiência:

Nos anos 1950 e em alguns centros acadêmicos até os anos 60, apsiquiatria acadêmica temporariamente abandonou suas raízes na biologiae a na medicina experimental e se transformou numa disciplina socialmenteorientada e ancorada na psicanálise que estava surpreendentementedespreocupada com o fato do cérebro ser o órgão da atividade mental.(tradução nossa).

Hobson fez parte de uma geração que viveu a transição da psiquiatria

americana ainda balizada pela psicanálise e o advento da psicofarmacologia (ROCK,

2004). Essa revolução intra-disciplinar se deu a partir da comercialização dos

primeiros neurolépticos (ou antipsicóticos) no início dos anos 1950. Eles foram

seguidos por outros psicotrópicos terapêuticos  – ansiolíticos, tranqüilizantes, etc. O

advento desses medicamentos acabou por modificar a visão da saúde mental

(ROUDINESCO, 2000).

3.2.3 A Revisão da “Ativação-Síntese” 

Hobson e seus colaboradores revisaram a hipótese da “Ativação-Síntese”

depois da publicação dos resultados de uma pesquisa que utilizou a técnica da

tomografia por emissão de posítrons (TEP), realizada pela equipe de cientistas

coordenada por Allen Braun e Tom Balkin. Curiosos a respeito do nível de ativação

das diferentes áreas do cérebro durante o sono, Braun e Balkin trabalharam numa

pesquisa que durou dois anos e meio no laboratório do National Institutes of Health

(ROCK, 2004). As pesquisas de Braun e colaboradores (1997) indicaram que a

ativação acentuada da região pontina do tronco encefálico durante o sono REM, era

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superior ao seu nível energético durante o estado de vigília. O córtex pré-frontal,

responsável pelo processamento neural complexo durante o estado de vigília,  tem

sua atividade reduzida durante o sono REM. Tanto a hiper-ativação da região

pontina do tronco encefálico quanto a hipo-ativação do córtex pré-frontal provam

aspectos centrais do modelo de Hobson e McCarley (1977): a conexão funcional do

tronco encefálico com o sono REM e a confirmação biológica da “reduzida

racionalidade” dos sonhos. 

Já a “ativação profunda” do sistema límbico (ver Figura 6 - fig. 3b e 3c) não foi

algo previsto na primeira versão da “Ativação-Síntese” (HOBSON; MCCARLEY,

1977). Segundo os pesquisadores, essa hiper-ativação límbica pode estar associada

ao rico componente emocional associado aos sonhos (BRAUN e outros, 1997). Essa

ativação implica uma enorme participação das áreas motivacionais do cérebro, o que

forçou Hobson a se retratar quanto à afirmação do papel secundário que o conteúdo

emocional teria na formulação das narrativas oníricas (ROCK, 2004). Isso expôs

uma fraqueza admitida no artigo original  – que a hipótese da “Ativação-Síntese” não

explicava o conteúdo emocional dos sonhos (HOBSON; MCCARLEY, 1977). A

primeira versão da “Ativação-Síntese” pode ser uma evidência da tradicional

dificuldade dos pesquisadores do cérebro para lidar com a emoção como um dadocientífico (HORGAN, 2002).

Figura 6 - Sistema LímbicoFonte: Hobson e Mccarley (1977).

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 A revisão da “Ativação-Síntese” promoveu uma expansão do seu horizonte

teórico. Hobson agora foca no seguinte: a possível função da consolidação de

memórias do sono REM e a semelhança neuroquímica entre a esquizofrenia e os

sonhos.

3.2.4 Sonhos e Consolidação de Memória

 A nova versão da “Ativação-Síntese” finalmente propõe  uma função para o

sono REM: a de selecionar e reter memórias relevantes. J. Allan Hobson  – agora

acompanhado por Robert Stickgold – finalmente afirma qual é a função dos sonhos:

a aprendizagem e o armazenamento de memória.

Os sonhos seriam, então, um sistema off-line de processamento de memórias

(STICKGOLD e outros, 2001), que comprovadamente melhoravam a performance de

tarefas motoras simples (WALKER e outros, 2001). Além de demonstrar que a

privação do sono REM bloqueia a consolidação de aprendizado recente, Stickgold e

outros (2005) citam pesquisas sobre a similaridade entre o padrão de ativação

neuronal papel do hipocampo de roedores durante o sono REM e o estado de vigília

deles, quando estão explorando um território qualquer. O hipocampo, diga-se de

passagem, foi implicado diversas vezes na consolidação de memórias recentes

(GUYTON; HALL, 2006).

3.2.5 Uma Loucura Saudável?

Hobson (1996) declara que os sonhos são, sem dúvida, “um modelo válido

para a psicose” (p. 291). Essa associação entre sonho e psicose é relativamente

antiga nos círculos científicos. O primeiro capítulo deA Interpretação dos Sonhos 

 

(FREUD, 1996c) inclui uma subseção comentando sobre as analogias feitas entre

sonhos e distúrbios mentais. Nessa seção Freud (1996c, p. 123) cita uma pletora de

opiniões de pesquisadores do tema: o psiquiatra Sancte de Sanctis, elegendo os

pesadelos como a “verdadeira causa determinante da loucura”; o filósofo Emmanuel

Kant, afirmando que o “louco é um sonhador acordado” (FREUD, 1996c, p. 125). O

fundador da psicologia científica, Wilhelm Wundt, declarou: “Nós mesmos, de fato,

podemos experimentar nos sonhos quase todos os fenômenos encontrados nos

manicômios” (FREUD, 1996c, p. 125).

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Para Hobson (1999) as similitudes entre os sonhos e as psicoses da

esquizofrenia são: (i) desorientação em relação ao espaço, tempo e pessoas; (ii)

alucinações visuais; (iii) distração e déficits de atenção; (iv) perda de memória

recente e (v) ausência de insights . Esse conjunto de sintomas  – uma síndrome  – 

sugere uma disfunção orgânica (HOBSON, 1999); e é por isso que Hobson (2004)

vê uma semelhança entre os sonhos e a psicose em nível cerebral. Ambos

apresentam uma alta liberação de dopamina, neurotransmissor responsável pelo

sistema de “reforço e recompensa” do cérebro (BEAR; CONNORS; PARADISO,

2002). O lobo frontal, que coordena a atenção, volição e memória á curto prazo,

sofre uma desativação seletiva tanto no sono REM de sujeitos normais quanto em

pacientes esquizofrênicos em estado de vigília (HOBSON, 2004). Hobson (1999)imagina que, quando for descoberta como ocorre a “intoxicação fisiológica” do sono

REM, será também descoberta a gênese orgânica da psicose.

Dois artigos relativamente recentes reforçam essa conexão entre sono, sonho

e loucura. Um deles aponta que distúrbios do sono parecem ser intrínsecos à

esquizofrenia (CHOUINARD e outros, 2004). A segunda, que esquizofrênicos têm

sonhos mais intensos que sujeitos normais, registrados pelo EEG com uma

freqüência invariavelmente mais alta que o sono normal (TEKELL e outros, 2005).

3.2.6 Críticas

O problema das teorias de cientistas cognitivos como Hobson é o que o

filósofo Joseph Levine chamou de “lacuna explicativa”, expressão que se refere à

inabilidade de teorias fisiológicas proporcionarem explicações convincentes a

respeito dos fenômenos psicológicos. É difícil, por exemplo, traduzir taxas de disparo

de neurônios em conceitos como “cognição”, “memória” e “livre-arbítrio”. Além disso,

a neurociência está num estágio primordial, não podendo ainda apresentar uma

visão unificadora da vida mental (HORGAN, 2002). As ambições acadêmicas de

Hobson esbarram nestes problemas; um exemplo disso é seu grande projeto  – o de

reduzir todos os estados de consciência ao produto de flutuações neuroquímicas

(ROCK, 2004). Hobson (1996, p. 281) deixa isso ainda mais claro quando descreve

o cérebro como “uma máquina de sonhos”. 

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Outra questão a ser avaliada é a definição da esquizofrenia de Hobson,

trazida numa tentativa de solidificar o elo entre a experiência onírica e a psicose. A

hipótese de Hobson (1996) opera dentro da definição mais estrita da psicose, que

conta como características a ausência de insight e os diferentes tipos de alucinações

 – auditivas, visuais, táteis, etc. Outras características de uma definição mais ampla

da esquizofrenia, no entanto, estão excluídas: discurso e comportamento

desorganizado, catatonia e os sintomas negativos  – embotamento afetivo, alogia e

abulia (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2002).

Uma crítica final às ideias de Hobson é referente à hipótese da consolidação

de memórias durante o sono REM. Segundo Siegel (2001), as evidências para

apoiar tal afirmação são fracas ou contraditórias. As pesquisas de aprendizagem

pós-sono REM envolvendo sujeitos infra-humanos (roedores) normalmente não

consideram o nível de stress desses animais ignorando, assim, o impacto paralelo

que aspectos emocionais podem ter na aquisição de aprendizagem das tarefas

específicas desses experimentos. Outro caso são os antidepressivos inibidores da

enzima MAO (Monoamina oxidase), que podem suprimir completamente o sono

REM. Ao contrário do que supõe a teoria da consolidação de memórias, a

aprendizagem não é afetada pelo bloqueio do sono REM; em alguns casos, ela temseu nível elevado. Outro ponto importante tocado por Jerome Siegel é o papel do

sono não-REM na consolidação de memórias, para qual é dada pouca atenção nas

pesquisas. Alguns dos experimentos de supressão do sono REM analisados por 

Siegel no seu artigo apontam uma aprendizagem substancial por parte dos sujeitos

envolvidos, o que indica, possivelmente, algum papel para o sono não-REM no

processo de aquisição de memórias.

3.3 CRICK, MITCHISON E A “APRENDIZAGEM REVERSA” 

Francis Harry Compton Crick, Ph.D., junto com o seu colega James Watson e

um pesquisador independente (Maurice Wilkins), foram os receptores do prêmio

Nobel de 1962 de Fisiologia e Medicina. Sua descoberta conjunta foi o “segredo da

vida”: a estrutura helicoidal da cadeia de DNA (STRATHERN, 2001). Em meados da

década de 70 começou a investigar os substratos neurobiológicos da consciência,

área da qual se dedicou nos últimos 30 anos, até seu falecimento (KNIGHT, 2004).

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 A sua primeira grande contribuição como neurocientista aconteceu quando

fez dupla com Graeme Mitchison: em 1983, eles publicaram um artigo sobre uma

possível função biológica do sono REM. Nesse artigo aparece, pela primeira vez, a

teoria da “ Aprendizagem Reversa”. Ela é uma proposta inovadora  – e controversa – 

para o porquê de sonharmos. O lema da teoria resume sua idéia básica: “Sonhamos

para esquecer ” (CRICK; MITCHISON, 1983, p. 112). Crick e Mitchison (1983)

defendem que a função do sono REM é apagar memórias indesejadas, “parasíticas”,

que se formam naturalmente devido à própria estrutura das redes neurais, que

guardam as nossas memórias de forma associativa.

Para melhor compreender a “ Aprendizagem Reversa”, é preciso explanar 

alguns conceitos básicos sobre o funcionamento das redes neurais artificiais. Elas

são modelos computadorizados usadas para simular o comportamento dos

neurônios reais. Seu objetivo é estudar como uma rede neural processaria sua

informação em cadeia (BRAGA; CARVALHO; LUDEMIR, 2000). O modelo de Crick

e Mitchinson (1983) foi influenciado por um artigo de J. J. Hopfield (1982), que

explicitava as propriedades coletivas e adaptativas de uma rede neural, entre elas a

generalização, reconhecimento de padrões familiares, caracterização e correção de

erros. Essas redes têm propriedades “emergentes”   –  são auto-reguladas,

construindo seu comportamento bottom-up , do mais simples ao mais complexo, sem

a interferência de um agente centralizador (JOHNSON, 2003). 

3.3.1 A Memória no Cérebro

O cérebro é considerado o sistema mais complexo do universo (ROCK,

2004). Nele operam mais de  100 bilhões de células especializadas, os neurônios

(RUSSEL, 2004). O diferencial dos neurônios está nas duas estruturas exclusivas

que possuem  –  os axônios e os dendritos. Os axônios são longos “cabos de

informação” que propagam impulsos elétricos ao longo do sistema nervoso,

conhecidos como “potenciais de ação”. A freqüência e o padrão dessas correntes

elétricas, diga-se de passagem, constituem o código pelo qual as células nervosas

se comunicam. A despolarização dos neurônios gera o potencial de ação através de

uma inversão: a entrada de íons de sódio (Na+) na membrana nervosa e

bombeamento de íons de potássio (K+) para fora da célula. Os dendritos  – “árvore”,em grego  – são estruturas que captam as informações contidas nessas descargas

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elétricas. Esses impulsos nervosos distribuídos pelos neurônios têm o poder de inibir 

ou excitar a ação do próximo neurônio (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2002).

O ponto de contato entre neurônios é chamado de sinapse. Entre um

neurônio e outro jaz a fenda sináptica, medindo apenas de 20 a 50 milionésimos de

milímetro  – nanômetros  – de largura. É nesse pequeno espaço onde ocorre a

transição de sinal elétrico para sinal químico. Tal conversão ocorre quando um

terminal axonal sinaliza a liberação de pequenas moléculas orgânicas, os

neurotransmissores. Os neurotransmissores, até então contidos nas vesículas pré-

sinápticas, são liberados por um potencial de ação via um processo chamado

“exocitose”. Os neurotransmissores são então captados por receptores do neurônio

localizado no terminal pós-sináptico. Entender o funcionamento dos

neurotransmissores na transmissão sináptica é entender qualquer operação do

sistema nervoso, incluindo o efeito de drogas psicoativas, as causas de transtornos

mentais e as bases do aprendizado e da memória (BEAR; CONNORS; PARADISO,

2002). 

Mas qual seria o modelo teórico apropriado para desvelar os mecanismos da

memória no cérebro? Analogias com simulacros da inteligência artificial revelam-se

uma estratégia útil para o estudo desse tópico. No senso comum, por exemplo,

percebe-se como corriqueiro associar a palavra “memória”  à capacidade de

armazenamento de um computador. Será que os paralelos feitos entre ambas

poderiam realmente fomentar uma melhoria na compreensão da memória humana?

Cientistas acreditam que a memória humana, diferente da de um computador,

é distribuída por várias sinapses; além disso, uma única sinapse guarda vários

padrões de memória. Ou seja: o cérebro usa um sistema de memórias associadas

(CRICK, 1995). Um único estímulo pode evocar múltiplas recordações, pois seu

registro está espalhado em células proximais da rede neuronal (MARTIN, 2004).

Cientistas especulam que é justamente essa característica estrutural do cérebro que

dá a sua potência de processamento  – ela é 100.000 vezes mais rápido que um

computador doméstico comum (RUSSELL, 2004). Os psicólogos cognitivos chamam

isso de processamento em paralelo , que é a capacidade do SNC de processar 

simultaneamente múltiplas tarefas. Já um computador digital tem que fazer suas

tarefas em etapas, uma atrás da outra  – o chamado processamento em série  (STERNBERG, 2000). Além do mais a memória do computador é do tipo content- 

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adressable , tendo um sítio específico na memória do computador, sendo diferente

da plasticidade mnêmica do cérebro humano (CRICK, 1995).

Ora, o ser humano está num constante processo de aprendizado. Todos os

dias o cérebro está a criar novas conexões. Tal sistema, devido a essa tamanha

complexidade, estaria sujeito a danos informacionais. Com o risco de ficar 

“sobrecarregada”, essa vasta rede neuronal precisaria ser reorganizada

periodicamente. O estado ideal para esse processo acontecer seria quando o

cérebro estivesse o menos suscetível a estímulos sensoriais externos e,

simultaneamente, estivesse também com um grau razoável de ativação (CRICK;

MITCHISON, 1983). O sono REM parece ser o estado ideal para tal operação.

Desde a sua descoberta, nos anos 50, quando se soube que a maioria dos sonhos

acontece durante esse estágio (ASERINSKY; KLEITMAN, 1953), estabeleceu-se um

novo paradigma: o sono REM, para a ciência do sono, é quase um sinônimo de

sonhar. 

Uma peça chave para a hipótese da ‘Ativação-Síntese’, as ondas ponto-

genículo-occipitais (PGO)  – ondas originadas no locus ceruleus  que incidem no

córtex visual secundário, o centro de processamento visual do cérebro (HOBSON;

MCCARLEY, 1977)  –, teriam uma nova função no modelo de Crick e Mitchison

(1983): apagar as memórias “parasíticas”, ou “espúrias”, de forma praticamente

randômica. Elas são ativadas a partir de um grupo de neurônios do tronco

encefálico, e incidem diretamente no nosso córtex associativo de imagens.

John Hopfield e sua equipe (1983), numa publicação paralela, chegaram a

conclusões semelhantes. Sendo usado um modelo de 30 a 1.000 neurônios, foi

verificado matematicamente o seguinte: (i) uma memória armazenada nessa network  

pode ser inteiramente resgatada caso uma estimulação seja feita na sub-parte da

rede aonde a informação se encontra; (ii) a aquisição de novas memórias cria

espontaneamente memórias “falsas”; (iii) uma estabilização na rede neuronal pode

ser feita a partir de uma “desaprendizagem”, trocando-se o sinal de aprendizagem – 

negativo, em vez de positivo.

3.3.2 Encefalização e Evolução

No seu trabalho original, Crick e Mitchinson (1983) afirmam que o sono REM

tem uma função adaptativa importante. O sonho seria responsável pela crescente

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encefalização do SNC nos mamíferos e pássaros (CRICK; MITCHISON, 1983), uma

noção que eles expandem na subseqüente revisão (CRICK; MITCHISON, 1995). O

sonho REM poderia ter especialmente acelerado o desenvolvimento do neocórtex, a

camada externa da ‘massa cinzenta’ do cérebro humano (CRICK; MITCHISON,

1983).

Para formular tal hipótese, os autores da “ Aprendizagem Reversa” levaram

em conta várias características evolutivas do sono REM: (i) O rapid eye movement é

uma característica dos vertebrados superiores – pássaros e mamíferos. Portanto, ele

só está presente no estrato superior da cadeia evolutiva; (ii) Se um animal for 

privado do seu sono REM, mas não dos outros estágios do sono, ele passará uma

ou mais noites tendo quantidades relativamente maiores de sono REM, executando

uma espécie de “compensação”. Esses fatores parecem indicar uma função

adaptativa para o sono REM (CRICK; MITCHISON, 1983).

O terceiro argumento de Crick e Mitchison (1983) é o mais interessante. Eles

apontaram que estudos comparativos com um mamífero monotremado, o Echidna 

Tachyglossus aculeatus    – o tamanduá australiano  –, pode ter implicações

importantes no estudo evolutivo dos sonhos. O Echidna é considerado um resquício

evolutivo do período de transição entre o réptil e o mamífero. Ele põe ovos (réptil) e

também amamenta (mamífero). Existe uma possível conexão entre sua posição na

cadeia evolutiva e o fato de não ter sono REM, uma característica comum aos

répteis.

3.3.3 Algumas Conseqüências Psicológicas dessa Teoria

Lembrar dos sonhos, segundo a ‘Aprendizagem Reversa’, é um acidente. Não

se tem acesso à maioria dos sonhos e, quando lembrados, são facilmente

esquecidos. Há indicações de que não há utilidade biológica em lembrá-los (CRICK;

MITCHISON, 1995). Caso essa falha no mecanismo for induzida constantemente  – 

por uma terapia, p. ex.  – ela, inclusive pode ser prejudicial para o indivíduo, já que

esta rememoração reativa padrões neurais danosos (CRICK; MITCHISON, 1983).

Devido à importância biológica do sono REM conferida por Crick e Mitchison

(1983), a privação do sono pode tornar o indivíduo suscetível a diversas

psicopatologias. A “ Aprendizagem Reversa” se utiliza das redes neurais artificiais

como modelo operacional para descrever esses distúrbios psíquicos. Se uma rede

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neural produzir associações estranhas ou improváveis, essas associações podem

ser chamadas de “fantasia”. Caso a rede produza apenas um ou uma pequena série

de estados associativos, independente do input fornecido, isso produz um estado de

“obsessão”. Algumas redes, por estimulações endógenas ou exógenas, podem

tornar-se sensíveis a sinais de input  não apropriados, que normalmente não

suscitariam nenhuma resposta por parte da rede; este seria um estado propenso

para “alucinações” (CRICK; MITCHISON, 1983).

 As conseqüências da falta de sono REM parecem confirmar essas

especulações. O DJ Peter Tripp (1959), na intenção de levantar fundos para uma

obra de caridade, arranjou um “espetáculo” para a mídia americana: ficou 201 horas

sem dormir (MARTIN, 2004). Durante o experimento, Tripp foi ficando

progressivamente hostil e paranóide, e pouco antes de dormir estava alucinando.

Uma leitura do EGG na sua última noite acordada indica que, tecnicamente, Tripp

estava sonhando, apesar de permanecer acordado e falante (MARTIN, 2004).

Especulações sobre irregularidades na “ Aprendizagem Reversa” durante o

sono responsabilizam seu mecanismo por trás de outros distúrbios mentais. Por 

exemplo: a depressão está ligada com uma quantidade relativamente excessiva de

sono REM (SIEGEL, 2001). Brown (1993) pergunta: seria isso um excesso de

“ Aprendizagem Reversa”?

D. W. Brown (1993, 1996) faz também suposições quanto aos efeitos das

disfunções da “ Aprendizagem Reversa” durante o sono da primeira infância, e sua

influencia no desenvolvimento neuropsicológico do ser humano. Essas disfunções,

para ele, poderiam ser a causa do autismo e da esquizofrenia. Esta última foi

sugerida por Crick e Mitchison (1983) no seu artigo original.

Outro desdobramento da teoria de Crick e Mitchison (1983) é a explicação de

algo recorrente no mundo onírico: a repetição de sonhos específicos. Numa teoria

psicológica como a Gestalt-terapia, estes sonhos são de suma importância. Eles

tratam de uma situação inacabada na vida de um neurótico. Sua repetição acentua a

tentativa urgente do inconsciente de resolver essa questão, de fechar essa gestalt .

Completando essa gestalt , o indivíduo pode prosseguir no seu processo de

desenvolvimento pessoal (PERLS, 1988).

 A “ Aprendizagem Reversa” dá uma interpretação biológica a esse fenômeno.

Ela subdivide essa interpretação em duas; vamos considerá-las como interrupções

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emocionalmente perturbadoras, causadas ou por “estímulos estressores internos” ou

por “estímulos estressores externos”. A primeira é baseada no fato de ser comum a

ansiedade causada por certos sonhos quando são interrompidos. Ao acordarmos

nessa situação, os sinais da “ Aprendizagem Reversa” podem ser trocados. O que

era negativo – traduzindo, o que “ia pro lixo” – vira positivo, sendo re-aprendido. Ou

seja: os padrões elétricos de uma memória “parasítica” acabam sendo re-gravados

em vez de eliminados; isso aumenta a probabilidade do sonho associado a eles

ocorrer novamente (CRICK; MITCHISON, 1983).

 A segunda explicação lida com o fato de ser notória a pronta reação a certos

estímulos auditivos – como ouvir o próprio nome ou o choro de um recém-nascido. A

carga emocional inerente a esses estímulos nos acorda, e eles seriam re-gravados

na memória, para na próxima vez a reação ser mais eficiente. Tanto Crick como

Mitchinson se revelam insatisfeitos quanto a essas explicações, mas acreditam estar 

“no caminho certo” (CRICK; MITCHISON, 1995).

Os postulados da “ Aprendizagem Reversa” vão de encontro ao pressuposto

psicanalítico de que os sonhos servem para a “satisfação de desejos” (FREUD,

1996c). Isso valeria para qualquer fase de desenvolvimento do ser humano? Um

adulto normal passa de três a quatro horas sonhando por dia; já os bebês passam

até oito horas no REM. Qual seria a necessidade desse “excesso” de sonhos? Será

que os bebês têm mais desejos a satisfazer que os adultos? Para Crick e Mitchison

(1983) os bebês sonham tanto porque o cérebro deles está constantemente

crescendo e criando novas conexões neurais.

Pode-se estender essa mesma crítica a outros mamíferos, que também tem

sono REM. Se Sigmund Freud soubesse que outros animais também sonhariam,

seria ele tão veemente na sua conclusão? Como seriam esses “desejos” dos

animais? Existiria neles alguma relação com os nossos?

Crick e Mitchison (1995) afirmam que teorias “puramente psicológicas” como

as de Freud têm dificuldade de explicar esses fenômenos. Apesar de admitir que a

psicanálise tenha um forte apelo intuitivo, suas premissas não parecem ser 

biologicamente plausíveis. Elas não explicariam a função do sonho nos bebês e de

outros mamíferos.

 A “ Aprendizagem Reversa”, no entanto, tem um campo em comum com a

psicanálise: a natureza associativa da memória. Essa mistura de elementos que

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ocorre durante o sonho fez Crick “lembrar imediatamente” do que Freud chamava de

condensação   (CRICK, 1988). O sonho da “injeção de Irma”, do próprio Freud,

exemplifica esse processo. Nesse sonho sua paciente, Irma, concentrou em si várias

figuras femininas da vida de Freud; a razão disso são todas elas terem uma

característica em comum com sua paciente (FREUD, 1996c).

Existe, sim, uma interface entre as concepções associativas da psicanálise e

da “ Aprendizagem Reversa”. No entanto, ambas continuam sendo

fundamentalmente diferentes num ponto essencial: o poder da volição na elaboração

dos sonhos. Como já sabemos, Freud afirmava que as distorções do sonho são

produto de mascarações da vontade, mesmo inconscientes, do indivíduo (FREUD,

1996b). Já o modelo de Crick e Mitchison (1983, 1995) supõe que o sonho não tem

sua gênese nas necessidades psicológicas do indivíduo. Ele seria, simplesmente, o

fruto de um mecanismo biológico e estereotipado, que vai eliminando

autonomicamente atividades elétricas indesejadas de nosso cérebro. Levando em

conta essa afirmação, o conteúdo dos sonhos teria pouca ou nenhuma importância

psicodinâmica atribuída a eles por Freud. Para Crick e Mitchison (1983, 1995), não

há censores e nem conteúdos latentes no sonho, apenas a alucinação do manifesto .

Se a lógica teórica da “ Aprendizagem Reversa” for seguida à risca, estarão

sendo “jogadas no lixo” todas as abordagens psicológicas que têm o sonho como

ferramenta terapêutica. Pra quê lembrar-se do que deveria ter sido esquecido?

Estariam aí inclusas, no mínimo, a psicanálise, a psicologia analítica (JUNG, 1977) e

a gestalt-terapia.

3.3.4 Críticas

Desde a publicação do artigo de Crick e Mitchison, acumularam-se duas

décadas de novas descobertas evidências neuropsicológicas, como também críticas

à “ Aprendizagem Reversa”. Á luz dessas considerações é útil repassar alguns

pontos que sejam conflitantes em face dessas novas evidências científicas.

Talvez pela comoção que causaram no meio psicoterapêutico ao publicar o

seu artigo original, Crick e Mitchison (1995), na revisão da teoria original, admitem

que a “eliminação” das memórias pode ter importância psicodinâmica. Arrependidos

do seu lema original substituíram-no por “Sonhamos para esquecer as obsessões”

ou “Sonhamos para esquecer a nossa loucura”.

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Sua declaração de que é prejudicial lembrar os sonhos ainda não foi provada.

Não existe, até o momento, nenhuma prova empírica apoiando essa afirmação.

 Além do mais, o senso comum nunca fez a co-relação entre psicopatologia e a

recordação dos sonhos e nem a ciência o fez (MARTIN, 2004).

Michel Jouvet, um pioneiro no estudo do sono, aponta outro problema na

“ Aprendizagem Reversa”: sua suposta originalidade. Jouvet lembra Freud

levantando uma idéia parecida em Estudos sobre a Histeria (1895). A então hipótese

do pai da psicanálise era sobre o sonho ter “a necessidade de elaborar quaisquer 

representações de que só tivesse tratado de modo superficial durante o dia  – que

tivessem sido apenas mencionadas, e afinal não tivessem sido tratadas” (FREUD,

1996b, p. 101).

Freud foi, provavelmente, inspirado pela teoria do médico alemão W. Robert,

mencionada várias vezes no seu paradigmático A Interpretação dos Sonhos . Para

Robert, o sonho seria a “lata de lixo” da mente, e seu conteúdo feito de impressões

diurnas sem importância. Ainda para Robert, a eliminação desses “excrementos

mentais” seria um processo somático, não sendo “uma modalidade especial do

processo psíquico”. Caso um homem fosse privado de acessar sua “válvula de

escape” noturna – ou seja, sonhar  –, ficaria mentalmente transtornado, devido ao

acúmulo de “lixo mental” (FREUD, 1996c, p. 113-114).

Devido a essas semelhanças marcantes, Michel Jouvet chamou a

“ Aprendizagem Reversa”  de uma “mascaração computadorizada” da teoria de

Robert. Além disso, Jouvet chama a atenção para o fato de não haver referência

direta dessa teoria nos artigos de Francis Crick e Graeme Mitchison (JOUVET,

1995). Curioso, já que sua fonte moderna, A Interpretação dos Sonhos , consta na

bibliografia da revisão (CRICK; MITCHISON, 1995).

Outro postulado controverso da “ Aprendizagem Reversa” é a relação entre

grau de encefalização e sono REM. Até hoje, só se achou um correlato entre o sono

REM e desenvolvimento cerebral: o grau de maturidade do organismo ao nascer.

Criaturas relativamente prematuras, como o bebê humano, têm um alto índice de

sono REM comparada a criaturas nascidas relativamente maduras, como o cavalo

(SIEGEL, 2001). Lembremos também de um dos postulados centrais da

“ Aprendizagem Reversa”, que aponta o sono REM como o responsável pela grandeencefalização dos hominídeos, principalmente a dos seres humanos (CRICK;

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MITCHISON, 1983, 1995). Aceitando essa hipótese, aceitaríamos a noção implícita

do Homo sapiens sapiens  ser, então, quem mais sonha entre os seres vivos. No

entanto, não foi achada nenhuma correlação significativa entre o tempo de duração

do sono REM de uma espécie e seu grau de encefalização (SIEGEL, 2001).

Descobriu-se também – e recentemente – que o Echidna tem o sono REM. A

temperatura corporal ideal para o engate do sono nos animais é 27ºC (JOUVET,

2001). Se a temperatura ambiente se deslocar para os extremos  – frio ou calor  – 

essa variação climática afeta os sinais fisiológicos normais do sono REM no

Echidna . Por exemplo: os padrões do EEG, normalmente registráveis, desaparecem

(MARTIN, 2004).

Outra crítica é que as redes neurais artificiais (RNAs) ainda continuam muito

afastadas de seus modelos biológicos. No artigo original da “ Aprendizagem Reversa” 

essa crítica já foi considerada (CRICK; MITCHISON, 1983). Crick (1989) voltou a

defender esse ponto num artigo escrito para a revista Nature , onde ele dizia que até

o uso da palavra “modelo” como demonstração do funcionamento das redes

biológicas estaria incorreto, pelo fato de ainda estarem sequer perto do verdadeiro

funcionamento biológico do cérebro. Crick (1995) continuou insistindo nesse ponto

de vista anos depois, quando disse que as RNAs são projetadas por engenheiros

humanos enquanto as redes neurais naturais foram modeladas por milhões de anos

de evolução, apresentando uma lógica de funcionamento ainda desafiante para os

pesquisadores do tema. Os especialistas são da mesma opinião: as redes neurais

ainda continuam longe dos seus modelos biológicos. Ainda não se sabe por 

completo o funcionamento das mesmas e os modelos disponíveis, apesar de úteis,

são limitados comparados às redes biológicas (BRAGA; CARVALHO; LUDEMIR,

2000).

Quanto à importância emotiva dos sonhos, os registros por TEP  – tomografia

por emissão de posítrons (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2002)  – feitos durante o

sono REM indicam uma supra-ativação no sistema límbico. Essa ativação, além dos

níveis normais do estado de vigília, indica uma importância para os conteúdos

emocionais do sonho (BRAUN e outros, 1997), algo desconsiderado pelos trabalhos

de Crick e Mitchison (1983, 1995).

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3.4 MARK SOLMS E A “NEUROPSICANÁLISE” 

Mark Solms (2000), neurologista e psicanalista sul-africano, desafiou um

paradigma de meio século: que o sono REM é sinônimo de sonhar. Reunindo umapletora de casos sobre o efeito de AVCs no sono, Solms (1995) comprovou que o

sonhar e o sono REM procedem via mecanismos cerebrais diferentes. A partir dessa

descoberta, Solms (2004) defende a importância da psicanálise para as ciências

cognitivas contemporâneas.

3.4.1 Sonho e sono REM: sinônimos?

 Através da análise de mais de trezentos casos obtidos através de sua própriaexperiência clínica, Solms (1995) descobriu que lesões na ponte do tronco

encefálico cancelam o sono REM, mas não inibem a experiência subjetiva de

sonhar. Paralelo a isso, Solms (1995) determinou que os pacientes que tinham tido

um derrame no lóbulo parietal inferior (ver Figura 7 - fig. 5a) ou acidentes vasculares

bilaterais no quadrante ventromedial do lóbulo frontal (ver Figura 7 - fig. 5b) sofriam

a perda da experiência subjetiva de sonhar, mesmo com o tronco encefálico intacto.

Essas duas regiões afetadas são responsáveis, respectivamente, por operaçõessimbólicas (escrita, leitura, lógica sintática e gramatical), cognição espacial e o

controle inibitório do comportamento. Tais dados são um golpe no isomorfismo

sonho-sono REM defendido por Hobson e McCarley e Hobson (1977) e sua idéia de

que o tronco encefálico é o único responsável pelas características formais do sono

REM.

 Apesar dessa disputa recente entre Solms e Hobson, pesquisas anteriores já

revelam que o sonhar não ocorre exclusivamente durante o sono REM. Os médicosEugene Aserinsky e Nathaniel Kleitman (1953), no artigo que anunciava a

descoberta do sono REM, diziam que os seus sujeitos experimentais quando

acordados durante o sono não-REM tinham sonhos, apesar de serem

qualitativamente diferentes daqueles ocorridos durante o sono REM.

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Figura 7 – Lobo parietal inferior e córtex pré-frontal ventromesialFonte: Solms (1995)

 A descoberta de que o sono REM e o sonho são estados dissociados e

operam por mecanismos fisiológicos diferentes traz outra questão à tona (SOLMS,

2000). Teorias voltadas para achar a função do sono REM, como a de Crick eMitchinson (1983, 1995), Hobson e McCarley (1977) e Jouvet (1980, 1998) terão de

passar por uma reavaliação, pois não dão conta do fenômeno subjetivo do sonhar 

(SOLMS, 2000). Nesse quesito Solms (2000) critica, especialmente, a hipótese da

“Ativação-Síntese”, que dominou o campo de pesquisa pelas últimas duas décadas. 

3.4.2 O Complexo Dopaminérgico

Solms alega existir outra chave para uma compreensão renovada dos

sonhos: a dopamina (ROCK, 2004), o neurotransmissor tratado brevemente no

Capítulo 01. A chamada “via dopaminérgica” – o trajeto percorrido pela dopamina no

cérebro  – têm origem na substância nigra e na área tegmental ventral do tronco

encefálico (ver Figura 8 - fig. 5c); da parte superior do tronco encefálico ela atinge o

estriado, o sistema límbico e o córtex frontal (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2002).

Essas três estruturas cerebrais são associadas com, respectivamente: (i) a

coordenação da ativação de áreas específicas do córtex motor (Ibid.); (ii) aexperiência emocional (Ibid.); (iii) a elaboração do pensamento (GUYTON; HALL,

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2006). A dopamina tem um papel na motivação do comportamento: ela media o

impulso hedônico de alimentação, assim como outros atos que trazem satisfação

mediante uma recompensa (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2002).

Figura 8 – Substância Nigra e Área Tegmental VentralFonte: Bear, Connors e Paradiso (2002).

O sistema dopaminérgico tem sido implicado em transtornos psiquiátricos.

Pesquisas contemporâneas sobre comportamentos compulsivos ligados à

toxicomania solidificaram o elo entre a compulsão e a via dopaminérgica. A chamada

“hipótese dopaminérgica da esquizofrenia” associa os sintomas positivos da

esquizofrenia, como a psicose, com o excesso de dopamina no cérebro. Essa

hipótese foi elaborada quando se verificou a diminuição dos efeitos visíveis da

esquizofrenia após a administração de drogas antipsicóticas (neurolépticos) que

agem bloqueando os receptores da dopamina (BEAR; CONNORS; PARADISO,

2002).

3.4.3 O “Retorno do Reprimido” 

Essas novas descobertas neurológicas permitiram a Mark Solms (2004)

ensaiar um (re) encontro da psicanálise com a neurologia. Especialistas de renome

como Antônio Damásio Jr., Joseph LeDoux e V. S. Ramachandran e Eric Kandel

buscam, através dessas novas descobertas, forjar uma nova união entre essas duas

disciplinas. Kandel (1999), inclusive, declara que a psicanálise “ainda representa a

mais coerente e intelectualmente satisfatória visão da mente” humana. Devido á

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essa nova interdisciplinaridade, Solms (2004) prevê que a teoria de Freud terá um

papel análogo à que a teoria da evolução de Darwin teve na genética molecular.

Para Solms (2004), um dos bastiões da teoria freudiana, a afirmação de que

“o sonho é a satisfação de um desejo” (FREUD, 1996c), mostrou-se análoga ao fato

de que o sistema de recompensa cerebral seja ativado durante os sonhos.

Independente se a visão freudiana for superada por outras interpretações dos novos

dados neurológicos disponíveis, Solms (2004) afirma que já houve um avanço pelo

fato de já ser cientificamente respeitável falar de conceitos psicológicos atrelados ao

ato de sonhar.

Outro trunfo da neuropsicanálise é a revitalização científica do conceito de

“repressão”. Solms (2004) cita um caso clínico de V. S. Ramachandram onde, após

um estudo utilizando estimulações elétricas em uma paciente com anosognosia  – 

condição onde o enfermo não admite a realidade de sua doença – ele verificou que

a negação consciente de memórias desagradáveis (ou “repressão”) é um fenômeno

neurologicamente verificável.

3.4.4 Críticas

Uma das questões problemáticas desse casamento entre a psicanálise e a

neurociência é o peso de cada uma nessa relação. Alguns psicanalistas advertem

que a maioria dos debates em torno dessa união estabelece uma hierarquia de

saberes, ficando os neurocientistas com a tarefa de corrigir conceitos freudianos, na

intenção de dar-lhe uma legitimidade empírica. Essa abordagem corre o risco de

fomentar um reducionismo biológico no corpo teórico da psicanálise (WINOGRAD;

SISSON, 2006).

O psiquiatra Neil Sheurich (1999) adverte que descrições objetivas e

subjetivas do comportamento humano são essencialmente diferentes. Os cientistas

que procuram uma objetividade dão uma leitura neutralizante a esse fenômeno,

enquanto os pesquisadores que procuram apreender a subjetividade levam em

conta os vieses pessoais dos seus sujeitos. Como disse o psicanalista Robert Prince

(2005, p. 324),

 A descoberta da localização neuroanatômica de minhas memórias é

interessante para mim, mas não como um psicanalista, assim como aquímica do álcool é relevante para mim como um enólogo. (tradução nossa).

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Quanto ao embate entre Solms e Hobson, Solms argumenta que o psiquiatra

americano construiu uma carreira pública sendo o “anti-Freud”, e agora se vê numa

situação onde tem de admitir que Freud teve alguns insights corretos em relação à

função psicológica dos sonhos (ROCK, 2004). De sua parte, Hobson (2000) afirma

que “o fantasma de Sigmund Freud” ronda as teorias de Solms e de nuncia seus

esforços para “ressuscitar” a teoria psicanalítica dos sonhos. 

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4. SÍNTESE

Hobson (2005) disse uma vez que a pesquisa científica sobre os fenômenos

do sono e os sonhos proporciona um dos raros pontos de encontro entre aneurociência e a psicologia. Esse “ponto de encontro”, no entanto, fomenta acirradas

disputas epistemológicas. Como disse John Horgan (2002, p. 53), “existe uma

inquietante cisão entre a psicologia e a neurociência.” 

De um lado temos as ciências cognitivas. Apesar de seus grandes avanços,

elas ainda não são capazes de oferecer uma grande teoria unificadora da mente

(HORGAN, 2002). É também acusada de servir aos propósitos políticos do status 

quo por fabricar um homem que têm aversão a conflitos e que busca no tratamentomedicamentoso, o alívio para “os sintomas mais dolorosos do sofrimento psíquico,

sem lhes buscar a significação.” (ROUDINESCO, 2000, p. 21).

Outra critica feita a essa “nova ciência da mente” é apresentada por Joseph

LeDoux (2001), no seu livro O cérebro emocional . Neste, o autor observa como seus

colegas de profissão ignoram ou intelectualizam emotividade, desprovendo-a de

vitalidade ou significado. 

[...] na verdade ela [a ciência cognitiva] aborda um lado do cérebro apenas,aquele que tem relação com o pensamento, o raciocínio e o intelecto. Aemoção é excluída. E a mente não existe sem a emoção. As criaturastornam-se almas de gelo  – frias, sem vida, desprovidas de desejos,temores, tristezas, sofrimentos ou prazeres. (LEDOUX, 2001, p. 26).

Horgan (2002) deixa claro que a neurociência é taxada de reducionista por 

seus críticos, considerando como um exemplo clássico de reducionismo

neurobiológico a chamada “Hipótese Incrível” de Francis Crick (1995, p. 3):

 A Hipótese Incrível é que “Você”, suas alegrias e tristezas, suas memórias eambições, seu senso de identidade pessoal e livre-arbítrio, são de fato nadamais do que o comportamento de uma vasta assembléia de célulasnervosas e as moléculas associadas a elas. (tradução nossa).

O reducionismo “nunca” vai “nos levar a compreender as relações humanas”,

diz Horace Barlow (2003), pesquisador da Universidade de Cambridge. O

reducionismo obtém sucesso na compreensão minuciosa da interação entre

neurônios isolados, mas falha quanto à explicação do comportamento humano e

como ele molda a sociedade como um todo.

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O projeto da psicologia como ciência moderna também tem seus

contratempos, diz a historiadora Edna Heidbreder (1981). A psicologia ainda não fez

sua grande descoberta ou conseguiu produzir um paradigma unificador. No lugar 

disso tem-se uma profusão de sistemas e teorias psicológicas, todos com uma

probabilidade de acerto e todos disputando uma posição de destaque dentro dessa

ciência. O problema é que nenhuma dessas “escolas” da psicologia é capaz de

conter todos os fatos possíveis a respeito do comportamento humano.

Tanto a neurociência quanto a psicologia estão na sua infância e ainda não

chegaram ao estágio aonde podem formar teorias unificadoras a respeito da mente

e do cérebro (RAMACHANDRAN, 2004). Para o benefício de ambas, faz-se

imperiosa a necessidade de colaboração . Um modelo para essa parceria é a

neurobiologia da psicoterapia, proposta por Eric Kandel e outros (2005). Estudos

conduzidos na década de 1990 utilizando sondagens TEP descobriram que sessões

de psicoterapia têm um efeito no cérebro semelhante à administração de

psicofármacos, normalizando os sintomas dos distúrbios psicológicos apresentados.

Intervenções psicológicas em casos de Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC)

estabilizam o metabolismo basal em nível cerebral, diminuindo o dispêndio

energético relativamente alto das pessoas que sofrem desse transtorno deansiedade.

Outro produto benéfico dessa aliança entre ciência cognitiva e psicologia

clínica é como o conhecimento prévio das características estruturais do cérebro de

um sujeito em terapia poderá auxiliar o curso de seu tratamento e o alcance do

resultado desejado. Um exemplo disso é a atividade diferenciada do giro cingulado

rostral anterior em sujeitos diagnosticados com depressão (ETKIN e outros, 2005). O

giro cingulado (ver Figura 9  – fig. 6a) é uma camada do córtex situada acima docorpo caloso (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2002). Um baixo índice de

neurotransmissão nessa área do giro do cíngulo foi vinculado à depressão (ETKIN e

outros, 2005). Técnicas terapêuticas que estimulassem diretamente essa região

seriam de enorme benesse tanto para os pacientes como para o avanço de ambas

as ciências.

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Figura 9 – Córtex cinguladoFonte: Bear, Connors e Paradiso (2002).

Quanto ao status dessa união na área de interesse do presente trabalho  – os

sonhos  – a descoberta de Mark Solms (1995) reintroduziu o estudo científico das

emoções oníricas em pauta (SOLMS, 2004). Mas, e quanto à experiência subjetiva

dos sonhos? O que simbolizam seus componentes emocionais? Serão eles “uma

mensagem existencial”, como teria dito Frederick “Fritz” Perls (1988)? Uma tentativa

de restabelecer a balança psicológica, como defendia C.G. Jung (1977)? A

indicação de um “estilo de vida”, como colocava Alfred Adler (1998)? Ou a velha

fórmula freudiana da “satisfação de um desejo” (FREUD, 1996c)? Quanto a isso os

nossos “scanners” do cérebro – as técnicas de tomografia por emissão de pósitrons

(TEP) e imageamento funcional por ressonância magnética (IRMf)  – nada dizem.

Eles detectam a atividade de milhares de células agindo em conjunto, indicando que

áreas do encéfalo estão mais energizadas durante uma determinada tarefa. No

entanto, devido ao limite de resolução imagética, esses procedimentos são

incapazes de exibir o detalhamento dos padrões de comunicação neuronais, o que

impede uma visão mais acurada de suas funções. Além disso, por questões de

saúde decorrentes da radiação emitida pelas “varreduras” do TEP e IRMf, o tempo

de medição utilizado por essas técnicas não passa de alguns minutos (BEAR;

CONNORS; PARADISO, 2002). Como testar, então, conceitos como “repressão” em

nível cerebral – algo que aconteceria regularmente por anos á fio, instaurada desde

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os primórdios psicológicos do indivíduo? A tecnologia para tal empreendimento

ainda não se faz disponível.

Qualquer que sejam os novos caminhos dessa odisséia investigativa, o fato é

que ela pode lançar uma luz numa série de questões – a origem orgânica da psicose

(HOBSON, 1999), o meio pelo qual nossos cérebros instalam e organizam nossas

memórias (CRICK; MITCHISON, 1983, 1995; STICKGOLD e outros, 2001) ou como

a evolução moldou o nosso repertório comportamental através de um ensaio virtual

durante o sono (JOUVET, 1980, 1998; REVONSUO, 2000, 2005; WINSON, 1985,

1990). Um conhecimento duplamente aprofundado da psicologia e neurologia dos

sonhos pode auxiliar inclusive no “problema supremo” das ciências da mente – como

surge a nossa consciência (DAMÁSIO JR, 2000). Como e de onde brota o nosso self  

autobiográfico, biologicamente falando (DAMÁSIO JR, 2000)? Antti Revonsuo (2000) 

ressalta a importância do mundo onírico na solução do “quebra-cabeça” da

consciência, pois “a conexão entre os sonhos e a consciência é bem íntima porque o

sonhar é a realidade psicológica no seu estado mais cru” (ROCK, 2004, p. 195). Não

é isso que a “psicologia profunda” tem postulado há mais de um século? 

Outros paralelos podem ser traçados dentro desse emaranhamento

contemporâneo entre ambas. Apesar de sua assumida reticência quanto ao legado

intelectual da psicanálise, J. Allan Hobson (1996) expressou uma admiração pelas

idéias do mais notório dos “discípulos dissidentes” de Freud: o psiquiatra suíço Carl

Gustav Jung (1875-1961). Hobson (1996) elogia Jung por ser “mais científico” do

que o seu mentor; apesar de uma formação sólida em pesquisa laboratorial, Freud

teve pouca experiência clínica, enquanto Jung, sob a orientação de Eugen Bleuler 

(1857-1939), então diretor do Burghölzli2, fez contribuições importantes na descrição

e compreensão da quebra da cadeia de associação em pacientes esquizofrênicos.Quanto à diferença da visão jungiana e freudiana da experiência onírica, Hobson

(1996, p. 100) afirma: “A teoria de sonhos de Jung salienta a transparência e a

criatividade, ao contrário da ênfase que Freud deu á obscuridade e à

psicopatologia”. Hobson (1996, p. 100-101) lamenta que a abordagem “mitopóetica”

dos sonhos criada por Jung tenha agradado a artistas e místicos, mas não a

cientistas; sua hipótese da ativação-síntese, diz ele, “pode ajudar a estabelecer esse

equilíbrio”.

2 “Burghölzli” é o nome dado à ala psiquiátrica do hospital da Universidade de Zurique (KERR, 1997). 

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Winson (1991) também não acredita no poder atribuído à repressão de

instaurar conteúdos disfarçados nos sonhos; no entanto, ele aponta uma descoberta

importante de Freud  – a de um inconsciente passível de ser acessado através do

seu material onírico. Para ele, o inconsciente é um produto da evolução cerebral:

nele estão contidas as estratégias de sobrevivência do indivíduo  – ou, segundo

Winson (1985), sua personalidade. O psiquiatra americano acredita que não há

dados suficientes para apresentar um quadro completo deste “inconsciente

biológico”. Para atingir tal objetivo, “uma ponte têm que ser construída entre os

métodos da neurociência e da psicanálise”, urge Winson (1985, p. 241).

 Apesar de viável, essa “ponte” entre as duas jovens disciplinas é recheada de

obstáculos criados, inclusive, por cientistas de renome. Apesar de Francis Crick

(1979) considerar a psicologia “essencial”, sua teoria da “Aprendizagem Reversa” é

criticada por ser demasiadamente anti-psicológica. Ela trata o sonhar como um

epifenômeno, um processo biológico autônomo, sem grandes conseqüências

emocionais (GLOBUS, 1993). Não é uma surpresa que Crick (1979) considere uma

ilusão persistente a idéia de possuirmos um self   – para ele, seria o mesmo que

acreditar na velha falácia do homúnculo3. Esse medo exacerbado de propor algo

parecido com um homúnculo  – um “centro informacional”, operante no cérebro – étambém prejudicial (DAMASIO JR, 2000). O conceito de self  não deve ser 

descartado (DAMASIO JR, 2000).

Uma palavra final sobre o assunto pode ser dada por Edward O. Wilson, autor 

de Consiliência  (1999). Esse premiado biólogo propõe a unidade entre os

conhecimentos ou a “consiliência”, uma convergência causal e sistemática entre os

diversos ramos de saber: da astronomia, biologia e geologia à história, filosofia e

produção artística. Apesar de consentir que sua proposta materialista de unificação écriticável – podendo ser, admitidamente, taxada de “simplista” e “reducionista” – sua

abrangência é interessante quando contempla a área de interesse deste trabalho.

Uma compreensão parcial da base molecular do sonho já está ao nosso alcance. Ela

comprova o conteúdo “irracional” e emotivo dos sonhos, e fomenta a possibilidade

de uma predisposição genética para “gerar certas imagens e episódios mais do que

3

Acreditava-se, na velha neurologia, que o cérebro humano carregava consigo um minúsculo homemonisciente – o homúnculo. A ele cabiam as tarefas de interpretar as informações vindas do ambienteexterno, tomar as decisões adequadas e delegar tarefas (DAMÁSIO JR, 2000).

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os outros”  (WILSON, 1999, p. 74). Para Wilson (1999, p. 75), essas tendências

corresponderiam, aproximadamente, aos “impulsos instintivos de Freud e aos

arquétipos da psicanálise jungiana”. Nesse contexto, a neurobiologia pode auxiliar 

no refinamento empírico do trabalho iniciado por esses dois desbravadores

intelectuais, mas não, como apontaram Winograd e Sisson (2006) anteriormente,

fazendo a psicologia dinâmica “se submeter” ao crivo das ciências naturais, mas

buscando uma verdadeira colaboração entre as disciplinas.

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5. CONCLUSÃO

Como pôde ser visto, a jornada científica para descobrir o fim último dos

sonhos está longe de ser encerrada. A psicologia (ou psicologias?), que se debruçasobre o tema a mais de cem anos, ainda não chegou á uma conclusão definitiva a

respeito de sua natureza. Proliferam diferentes teóricos, e seus seguidores

digladiam-se à cerca dos possíveis significados dessa bricolagem imagética noturna.

 A recém-chegada neurociência, alardeada pela mídia de massa devido aos seus

métodos “precisos” e o seu uso de tecnologia de ponta, só conseguiu produzir até o

momento, dados básicos e elementares a respeito da atividade cerebral durante o

sono.É árdua a tarefa de quem persegue o campo do sono e sonhos: deve-se

mediar discursos científicos às vezes opostos, senão incompatíveis, para encontrar 

algum denominador comum, alguma verdade subjacente que esteja presente a toda

essa profusão de investidas científicas em torno do tema. A pesquisa que este

trabalho se propôs a fazer é um passo  – espera-se que seja um de muitos  – para

integrar os saberes produzidos neste campo.

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