SOUZA Michel Roberto de. Relacao Entre Precedente Judicial e Sumula Vinculante
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
MICHEL ROBERTO OLIVEIRA DE SOUZA
A RELAÇÃO ENTRE PRECEDENTE JUDICIAL E SÚMULA
VINCULANTE
MARINGÁ
2009
MICHEL ROBERTO OLIVEIRA DE SOUZA
A RELAÇÃO ENTRE PRECEDENTE JUDICIAL E SÚMULA
VINCULANTE
Monografia apresentada à disciplina de Monografia Jurídica como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá. Orientadora: Prof. Lucimara Plaza Tena Coorientador: Prof. Dr. Paulo Roberto de Souza
MARINGÁ
2009
MICHEL ROBERTO OLIVEIRA DE SOUZA
A RELAÇÃO ENTRE PRECEDENTE JUDICIAL E SÚMULA VINCULANTE
Monografia apresentada à disciplina de Monografia Jurídica como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
Prof. Lucimara Plaza Tena (Orientadora)
______________________________________________
Prof. Dr. Ivan Ruiz
______________________________________________
Prof. Ms. Antonio Rafael Marchezan Ferreira
MARINGÁ, / / 2009.
A meus pais.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a meus pais, Eva e Paulo Roberto, assim como a todos meus familiares
por todo o incentivo, por todo apoio, amor e dedicação, fundamentais para a minha
vida.
Ao “Grupo dos precedentes”, em especial: Juliana Sípoli Col, pela eterna ajuda na
forma e no conteúdo, Rafael Zanatta, pelas traduções, Sara Rodrigues, pelo suporte
em todas as horas, Jeanine Inês, Francisco Rabello, Thalyta Emanuelle, Mariana
Kubota, e, claro, Professor Paulo Roberto. A todos, pelas experiências trocadas e
dificuldades vividas.
À minha orientadora, pela dedicação e carinho.
Agradeço também a todas as pessoas que foram fundamentais na elaboração deste
trabalho, assim como que o foram na minha vida acadêmica.
Meus sinceros agradecimentos.
“Perguntei a um homem o que era o Direito. Elle me respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Mathias. Comi-o.” (Oswald de Andrade – Manifesto Antropofágico)
RESUMO
Verifica-se, no Brasil, que a adoção de técnicas que valorizam cada vez mais a jurisprudência. Nesse contexto, com a inserção da súmula vinculante no ordenamento jurídico brasileiro, ganhou ainda mais atenção a questão da necessidade de se compreender o sistema dos precedentes judiciais da teoria do stare decisis, pois esta seria a influência da criação da súmula vinculante. Tem-se que a súmula vinculante seria a interseção dos sistemas do common law e do civil law por guardar semelhanças com ambos, sendo então necessário analisar o que são os dois sistemas, além de definir a relação que a súmula vinculante teria com o precedente judicial. Nesse sentido, faz-se necessário verificar o que é efeito vinculante, além de se conferir como é que ele seria declarado pelo Supremo Tribunal Federal através do procedimento de edição de súmula vinculante. Razão pela qual é mister indagar quais os requisitos para se editar tal súmula, salientando-se não só a necessidade de haver reiteradas decisões, como disposto no preceito constitucional, como também a necessidade de se exaurir a jurisdição, esgotando a matéria que será objeto de súmula vinculante antes haver o procedimento de edição desta. É assim que se chega à relação entre precedente judicial e súmula vinculante, fazendo uma abordagem da súmula vinculante através da teoria do stare decisis.
Palavras-chave: Precedente; Súmula vinculante; Efeito vinculante.
ABSTRACT
It‟s verified the adoption of techniques that increasingly value the jurisprudence in Brazil. In this context, with the insertion of stare decisis in the Brazilian legal system, gained even more attention to their need to understand the system of judicial precedents of the theory of stare decisis, as this would influence the creation of binding precedent. The binding precedent would be the intersection of systems of common law and civil law because it saves similarities with both, and then it‟s necessary to examine what are the two systems, and define the relationship that would be between stare decisis with the jurisprudence . So, it is necessary to ascertain what is the binding effect, in addition to check out what he would be declared by the brazilian Supreme Court by a procedure of elaborating the summary that contains binding effect. That is why it is necessary to ask what the requirements for such an edit summary, highlighting not only the need for repeated decisions, as required by constitutional principle, but also the need to exhaust the court, draining the matter will be subject to binding precedent before having the procedure for this edition. That's how you get the relationship between judicial precedent and stare decisis, making an approach to the summary binding precedent through the theory of stare decisis.
Key-words: Precedents; binding precedent; binding effect.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Art. Artigo CF Constituição Federal CLT Consolidação das Leis do Trabalho CNPL Confederação Nacional das Profissões Liberais COBRAPOL Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Polícia Civil CPC Código de Processo Civil OAB Ordem dos Advogados do Brasil PEC Proposta de Emenda Constitucional PSV Projeto de Súmula Vinculante RE Recurso Extraordinário RISTF Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal STF Supremo Tribunal Federal SV Súmula vinculante
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
1 DO PRECEDENTE ........................................................................................... 15
1.1 NOÇÕES GERAIS ............................................................................................ 15
1.2 CONCEITO DE PRECEDENTE JUDICIAL VERSUS O DE JURISPRUDÊNCIA18
1.3 EVOLUÇÃO DA CIVIL LAW E DA COMMON LAW – BREVE RESGATE HISTÓRICO .............................................................................................................. 21
1.3.1 Common law ................................................................................................... 23
1.3.2 Civil law............ ................................................................................................ 26
1.4 PRECEDENTE NO COMMON LAW – TEORIA DO STARE DECISIS ............. 28
1.5 AS TÉCNICAS DE CONFIRMAÇÃO E DE REVOGAÇÃO DO PRECEDENTE NO STARE DECISIS ................................................................................................. 29
1.5.1 A técnica de revogação do precedente: overruling ..................................... 29
1.5.2 A alteração expressa e implícita do precedente: overruling expresso ou implícito................... ................................................................................................. 30
1.5.3 A técnica de alteração dos precedentes com efeito retroativo: retrospective overruling................. ........................................................................ 31
1.5.4 A técnica de alteração do precedente para o futuro: prospective overruling............... .................................................................................................. 32
1.5.5 Distinguishing ................................................................................................. 33
1.6 AS DIMENSÕES DO PRECEDENTE ............................................................... 34
1.6.1 Considerações Gerais .................................................................................... 34
1.6.2 A dimensão institucional ............................................................................... 36
1.6.3 A dimensão objetiva ....................................................................................... 38
1.6.4 A dimensão estrutural .................................................................................... 40
1.6.5 A dimensão da eficácia .................................................................................. 42
2 A SÚMULA VINCULANTE FRENTE À NOVA FEIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL .............................................................................................. 46
2.1 A NOVA FEIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ................................ 46
2.2 A CAMINHADA EM DIREÇÃO À SÚMULA VINCULANTE .............................. 56
2.3 O QUE É SÚMULA VINCULANTE MESMO? ................................................... 60
2.3.1 O efeito vinculante .......................................................................................... 61
2.3.2 A súmula vinculante ....................................................................................... 63
2.3.3 O procedimento de criação, revisão e cancelamento da súmula vinculante68
2.3.4 A reclamação para garantir a autoridade da súmula vinculante ................ 74
3 A RELAÇÃO ENTRE SÚMULA VINCULANTE E O PRECEDENTE JUDICIAL79
3.1 A SÚMULA VINCULANTE TIDA COMO A INTERSEÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA E DO PRECEDENTE JUDICIAL ............................................... 80
3.2 MODO DE CRIAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE E DO PRECEDENTE DO STARE DECISIS ....................................................................................................... 82
3.2.1 O procedimento de criação da súmula e do precedente ............................. 82
3.2.2 O sobrestamento do PSV como indício do precedente determinante ....... 83
3.2.3 Reiteradas decisões – qualidade quantitativa ou qualitativa? Necessidade de exaurimento da jurisdição ................................................................................. 86
3.3 O CASO DA SÚMULA VINCULANTE N. 11 – OVERRULING EXPRESSO? ... 89
3.4 A NATUREZA DA SÚMULA VINCULANTE – TERTIUM GENUS? .................. 91
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 93
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 98
INTRODUÇÃO
Este trabalho é parte do esforço concentrado do Grupo de Pesquisa sobre
Precedentes Judiciais, coordenado pelo Professor Dr. Paulo Roberto de Souza, e
tem por objeto o estudo da Súmula Vinculante no contexto da Teoria do stare
decisis. Para a consecução do objeto da pesquisa foi adotado como eixo teórico
para o estudo da Súmula Vinculante o modelo da Teoria Geral dos Precedentes,
formulada pelo jurista Michele Taruffo.
O estudo analisa o fenômeno da valorização da jurisprudência, e, ainda mais
de perto, a valorização dos precedentes judiciais, os quais recebem cada vez mais a
atenção dos doutrinadores do sistema chamado civil law, do fenômeno de
harmonização desse sistema com o da commom law, em especial com o sistema
legal e judicial norte-americano. Esta harmonização resulta de um esforço dirigido
por organismos internacionais, a exemplo do que ocorre no Brasil, e, de resto, na
América Latina e Caribe, conforme o modelo preconizado no Documento Técnico
319 do Banco Mundial. Por esta razão, alguns institutos, que antes eram somente
estudados e aplicados no sistema da common law, são transportados com a devida
modificação necessária, para países que tem filiação à família romano-germânica,
demonstrando verdadeira necessidade de observância às decisões judiciais já
proferidas.
No caso brasileiro, a necessidade de solucionar o problema consistente no
grande número de processos no Supremo Tribunal Federal, que concorria para o
desvirtuamento de sua finalidade primordial, fez com que se introduzisse no
ordenamento jurídico brasileiro, através da Emenda Constitucional n. 45 de 30 de
dezembro de 2004, o instituto conhecido como súmula vinculante, que dá efeito
vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração
pública direta e indireta àquelas reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal,
quando houver a declaração deste Tribunal, por meio de uma súmula, que deve ser
aprovada por dois terços de seus Ministros. A expectativa geral é no sentido de que
haja diminuição de número de processos e recursos com o mesmo fundamento em
12
função da vinculação da chamada jurisprudência assentada do Supremo, em
relação aos demais órgãos, quando editada a súmula com efeito vinculante.
A opção pela adoção da eficácia vinculante a uma norma judicial implica a
necessidade de compreender a relação entre este modelo impar de precedente
judicial e o precedente no viés do stare decisis, a fim de se delinear as semelhanças
e diferenças entre esses institutos. Assim, o objetivo deste trabalho é refletir sobre a
relação entre o precedente judicial, no modelo delineado no sistema do stare decisis
e o precedente judicial consistente na súmula vinculante introduzida pela EC
45/2004.
Preliminarmente, faz-se referência principalmente à diferença que a doutrina
faz, em relação ao precedente judicial e à jurisprudência dominante, institutos afeitos
à common law e civil law, respectivamente. Para tanto, difere-se a questão
quantitativa e questão qualitativa.
A diferença quantitativa seria a de que no sistema que se adota o
precedente, faz-se alusão somente a um caso julgado anteriormente, enquanto que
nos sistemas que adotam a jurisprudência, referem-se a várias, dezenas de
decisões para que prove que a jurisprudência é assentada naquele sentido.
Já a questão qualitativa seria a de que o precedente seria mais bem
trabalhado em relação aos fatos do que a decisão que serve como jurisprudência,
pois nesta, apenas se julga através de frases que sintetizam os fatos, enquanto que
naquele ir-se-ia demonstrar os fatos para que o juiz a julgar o mesmo caso num
momento seguinte pudesse determinar com exatidão o caso que foi julgado para
verificar se aplica ou não o determinado precedente.
Após essas considerações acerca da diferença entre precedente e
jurisprudência, parte-se para a análise do eixo teórico formulado pelo doutrinador
italiano Michele Taruffo, que esboça uma teoria geral do precedente a qual define o
que é o precedente em determinado ordenamento jurídico através da análise de
quatro dimensões que são inicialmente propostas e analisadas nessa teoria:
dimensão objetiva, dimensão institucional, dimensão estrutural e dimensão da
eficácia.
13
Feitas as considerações acerca do precedente judicial, analisa-se a súmula
vinculante frente à nova feição do Supremo Tribunal Federal, através do papel mais
participativo deste tribunal na vida política brasileira, estando diariamente na mídia e
tendo de decidir muitos casos de extrema importância e com uma repercussão
enorme, além da questão da necessária modificação do modo de julgar do Supremo
levando-se em conta que as questões a serem decididas são tão complexas e
influenciam sobremaneira a sociedade como um todo, que se faz necessário adotar
um novo modo de julgar, diferente daquele ordinário que se verificava.
Faz-se, então, breve referência histórica à chamada caminhada em direção
à sumula vinculante, começando pelos assentos portugueses, que vigoraram no
Brasil por um considerável espaço de tempo; passando pela Proposta à Constituinte
de 1946 feita por Haroldo Valladão; também pelo Anteprojeto do Código de
Processo Civil elaborado por Alfredo Buzaid, que pregava a volta aos chamados
assentos; a introdução da súmula no âmbito do STF através do Ministro Victor
Nunes Leal, no ano de 1963; até finalmente à adoção do efeito vinculante para a
súmula do STF através da EC 45/2004.
Em seguida, analisa-se o que é a súmula vinculante nos moldes em que ela
foi introduzida no ordenamento pátrio, fazendo-se algumas considerações acerca de
quando é necessário editar uma súmula vinculante e também acerca de sua função
no ordenamento jurídico e analisando a verdadeira garantia constitucional que se
tornou o procedimento em comento, tido como necessário à criação da súmula que
vincula os demais órgãos do Poder Judiciário e da administração.
Posteriormente, o trabalho analisa a reclamação constitucional, construída
pelo judiciário, com inspiração nos implied powers do direito norte-americano, ou
seja, do remédio constitucional para a preservação da autoridade súmula vinculante
mediante o cancelamento do ato administrativo ou da cassação da decisão judicial
que contrariar a súmula vinculante aplicável, ou, então, que indevidamente a aplicar.
Após a devida explicação do que se entende por precedente judicial no viés
da teoria do stare decisis, assim como do que se entende por súmula vinculante no
contexto da nova feição do Supremo Tribunal Federal, parte-se para o capítulo que
esboça a relação existente entre os dois institutos estudados.
14
Aborda-se, assim, uma concepção de que a súmula vinculante seria a
interseção do precedente judicial e da jurisprudência, justamente pelo fato de haver
a vinculação do precedente judicial da teoria do stare decisis e o fato de também
haver a necessidade de reiteradas decisões para o Supremo editar uma súmula
vinculante.
Em um outro momento, analisa-se o modo de criação da súmula vinculante
e do precedente judicial, fazendo-se preliminarmente alguns comentários acerca do
procedimento de criação da súmula vinculante que se diferencia do precedente
judicial, justamente por ter uma rigidez e por ser previsto tanto na CF/88, quanto na
Lei 11.417/06 e no Regimento Interno do STF, através de suas Resoluções.
Faz-se breve comentário acerca do sobrestamento da Proposta de súmula
vinculante, fazendo-se uma ligação com a noção de precedente determinante,
salientando-se que a orientação do Supremo ainda não está totalmente formada,
necessitando haver o trânsito em julgado das decisões citadas como precedentes
para que se possa editar uma súmula vinculante acerca da matéria.
Após, mediante estudo teórico-empírico, com análise de decisões judiciais,
verifica-se a questão das reiteradas decisões necessárias para a edição de uma
súmula vinculante, questionando-se se a qualidade deveria ser qualitativa ou
quantitativa, chegando-se à conclusão que, a despeito de ser uma garantia
constitucional o fato de se necessitar de reiteradas decisões, o que é preciso mesmo
é o exaurimento da matéria pelo Supremo, e só depois disso é que o mesmo poderia
editar o enunciado com efeito vinculante.
Por fim, chega-se ao resultado de que a súmula vinculante é uma espécie de
precedente que está entre a lei e o precedente no contexto do stare decisis: "um
terceiro gênero", a meio caminho da jurisprudência e a meio caminho do precedente
com efeito vinculante.
15
1 DO PRECEDENTE
1.1 NOÇÕES GERAIS
O precedente é sem dúvida tema de extrema atualidade no Brasil. Cada vez
mais se vê o afã de doutrinadores brasileiros em estudar a jurisprudência e, por
conseguinte, o sistema de precedentes, mormente da Inglaterra e dos Estados
Unidos, devido ao fato de estes países terem vasta experiência com o sistema com
base nos precedentes.
Verifica-se, diante da incapacidade de haver uma panacéia para todos os
males em relação à Justiça, que há necessidade de se aproximar ainda mais os
sistemas jurídicos na busca de segurança jurídica e, mais precisamente, de
soluções que estejam em outro ordenamento e que possam servir para os
problemas locais.1
A integração dos países deixa de ser apenas econômica para também ser
jurídica, levando em consideração que a prestação jurisdicional transcende as
fronteiras nacionais, até mesmo como resultado da globalização, em âmbito político
e neoliberalismo em âmbito econômico, de modo que o mesmo escritório de
advocacia deve atender seu cliente não apenas em um país, mas em vários, o que
faz com que haja verdadeira necessidade de haver uma aproximação entre o modus
operandi do direito em todo o mundo.
Não obstante, do mesmo modo, a Justiça de cada país deve dar resposta
aos problemas enfrentados diariamente. Acontece que alguns desses problemas
não ocorrem isoladamente em determinado país, mas sim são enfrentados por todos
os países, tendo alguns países um maior avanço em relação a outros, por exemplo,
1 MARINONI, Luis Guilherme. Aproximação Crítica entre as Jurisdições de Civil Law e de Common
Law e a Necessidade de Respeito aos Precedentes no Brasil. Revista de Processo, v. 172, p. 175-232, 2009.
16
o caso das class actions americanas, o caso dos juizados especiais de pequenas
causas (small claims), o caso da tutela monitória do processo civil italiano, entre
outros. Tais exemplos demonstram a importação de respostas dadas a problemas
em outros países que foram transportadas para o nosso ordenamento, com a
modificação necessária, devido ao fato de o problema enfrentado ser análogo ao
daqueles países e também ao sucesso dessas respostas dadas, procurando sempre
a eficiência do Judiciário e aproveitando as experiências estrangeiras.
Essa constatação de que o Poder Judiciário precisa ser mais eficiente e que
para isso é necessário buscar outras soluções em outros países, já foi feita há
alguns anos pelo Banco Mundial, através do Documento 3192, estudo sobre o
Judiciário na América Latina e no Caribe, publicado em meados de 1996 nos
Estados Unidos da América, que preceitua a aproximação dos ordenamentos
jurídicos dos países da América Latina e do Caribe aos chamados países
desenvolvidos e traz um molde para a justiça brasileira, prescrevendo um sistema
jurídico eficaz, mais parecido com uma empresa:
A economia de mercado demanda um sistema jurídico eficaz para governos e o setor privado, visando solver os conflitos e organizar as relações sociais. Ao passo que os mercados se tornam mais abertos e abrangentes, e as transações mais complexas as instituições jurídicas formais e imparciais são de fundamental importância. Sem estas instituições, o desenvolvimento no setor privado e a modernização do setor público não será completo. Similarmente, estas instituições contribuem com a eficiência econômica e promovem o crescimento econômico, que por sua vez diminui a pobreza. A reforma do judiciário deve especialmente ser considerada em conjunto quando contemplada qualquer reforma legal, uma vez que sem um judiciário funcional, as leis não podem ser garantidas de forma eficaz. Como resultado, uma reforma racional do Judiciário pode ter um tremendo impacto no processo de modernização do Estado dando uma importante contribuição ao desenvolvimento global.
3
Do mesmo modo, o referido documento faz referência à necessidade de se
alterar alguns procedimentos, tanto administrativos quanto nos códigos de processo,
para que o processamento das demandas seja mais eficiente.4
Os programas de reforma também podem incluir alterações nos procedimentos administrativos e nos códigos de processo, para aumentar a eficiência no processamento das demandas.
2 DOCUMENTO TÉCNICO N.º 319, Banco Mundial, Washington, D. C., 1.ª edição, junho de 1996,
tradução de Sandro Eduardo Sardá. Disponível em <http://www.anamatra.org.br/downloads/documento318.pdf>. Acesso em 23 set. 2009. 3 Idem, ibidem.
4 Idem, ibidem.
17
É nesse contexto de necessidade de eficiência do Poder Judiciário que se
insere o tema dos precedentes, pois tratar de precedentes é tratar do respeito às
decisões judiciais anteriormente prolatadas e de se pensar não só na segurança
jurídica necessária ao país e na evolução natural do direito como um todo, mas
também no dever funcional dos magistrados de seguir os julgados proferidos em
casos análogos, fundamento básico da teoria dos precedentes5. No escólio de
Fredie Didier Jr.6: “Se é certo que o papel da jurisprudência é cada vez mais
importante, também é certo que é preciso um estudo mais rigoroso da teoria do
precedente e um aprimoramento na utilização das técnicas desenvolvidas a partir
desse conjunto teórico”.
Vale frisar que com a inserção da súmula vinculante7, através da Emenda
Constitucional n. 45 de 30 de dezembro de 2004, há verdadeira necessidade de se
pensar o que é precedente judicial e qual a sua importância no ordenamento
jurídico, pois tal precedente, quando reiterado pelo Supremo Tribunal Federal, pode
vir a ser transformado em súmula que vincula tanto o Poder Judiciário, quanto a
administração pública em todas as suas esferas.
Nos dizeres de Rodolfo de Camargo Mancuso:
Parece lícito conjecturar que essa gradativa aproximação entre os dois grandes regimes jurídicos – o da norma legal e o do precedente judiciário – acomoda-se ao contexto contemporâneo de uma sociedade globalizada, onde os interesses, comportamentos e necessidades cada vez mais se comunicam e interagem, formando uma imensa aldeia global, onde se desvanecem antigas e arraigadas diferenças jurídicas entre povos, nações e Estado.
8
Por isso, mister fazer breves considerações acerca do que seja o precedente
judicial, definindo seu conceito e fazendo uma distinção acerca da jurisprudência
para se ter uma noção de onde ele está inserido no contexto de criação de uma
súmula vinculante.
5 CRUZ E TUCCI, José Rogério. O precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 12. 6 DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paulo Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil –
Volume 2. 4ª Ed. São Paulo: Juspodivm, 2009, p. 392. 7 Analisar-se-á a súmula vinculante com mais afinco no Cap. 2.
8 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 3 ed. rev., at. e
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p 188-189.
18
1.2 CONCEITO DE PRECEDENTE JUDICIAL VERSUS O DE
JURISPRUDÊNCIA
Questão importante a se solucionar é a relativa ao conceito de precedente,
pois partindo do conceito de precedente pode-se ter uma visão do qual a diferença
existente entre os países da common law e da civil law, no sentido de saber qual é a
influência de uma decisão no caso concreto e o que essa decisão deve ter para
poder influenciar o caso análogo seguinte, levando em consideração que o
precedente “está presente em todo e qualquer sistema jurídico”, sendo que apenas
seus atributos são diferenciados pelos sistemas jurídicos.
Quanto ao conceito de precedente judicial, há grande divergência
doutrinária. Fredie Didier Jr. 9 expõe que “Precedente é a decisão judicial tomada à
luz de um caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o
julgamento posterior de casos análogos”. Desse modo, para Didier, somente uma
decisão judicial seria capaz de servir como fonte do direito.
Já Carlos Maximiliano10 sintetizou que “uma decisão isolada não constitui
jurisprudência; é mister que se repita, e sem variações de fundo”. Para o referido
doutrinador, o precedente, para constituir jurisprudência, deve ser uniforme e
constante, ressaltando que somente a jurisprudência seria fonte de exegese de
direito.
Segundo Guido Soares11: “Na Common Law, um único julgado é
considerado como precedente obrigatório, pois declara a existência de uma norma
jurídica, para o fattispecie, sendo, portanto, a jurisprudência a fonte primeira formal
do direito” (destaques do autor). Com isso, se faz necessário verificar a conexão
entre precedente e jurisprudência, verificando a diferença existente nos sistemas da
9 DIDIER JR. Fredie et al. Op. cit., p. 381.
10 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos,
1951, p 228. 11
SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law: introdução ao direito dos EUA. São Paulo: RT, 2000, p. 52.
19
common law, baseado nos precedentes, e no sistema do civil law, que reclama a
existência de jurisprudência.
Michele Taruffo12 já tratou a relação entre precedente e jurisprudência.
Segundo o mestre italiano, a diferença entre precedente e jurisprudência se daria
primeiramente no aspecto quantitativo, pois quando se faz referência ao precedente
geralmente refere-se a uma decisão relativa a um caso particular, enquanto que no
caso de jurisprudência, refere-se a vários casos em que se possa encontrar.
Para o referido mestre tal questão não é apenas semântica, levando em
consideração que naqueles sistemas que tem por base o precedente é mais fácil de
se encontrar a decisão que gera o precedente, pois a decisão é uma só. Por outro
lado, nos sistemas que adotam a jurisprudência, geralmente se refere a várias
decisões, algumas vezes a dezenas de decisões, havendo dificuldade, então, de se
reportar a somente uma decisão relevante ou ainda quais são necessárias para que
haja a jurisprudência relativa à interpretação de determinada norma.13
Num segundo momento, Taruffo14 aponta a diferença qualitativa existente
entre precedente e jurisprudência, mais precisamente no fato de que nos países
com base no precedente judicial, este é elaborado com vistas a propiciar ao próximo
julgador uma capacidade de verificar quais os fatos do primeiro caso para então
verificar se eles se assemelham ou não ao caso que está para ser julgado. Desse
modo, o juiz do caso seguinte é que define se o precedente é vinculante ou não e
faz isso de acordo com a análise dos fatos, verificando a identidade dos casos e a
regra universalizável.
Já naqueles sistemas em que se reclama a jurisprudência, Taruffo15 explicita
que geralmente o que há são proposições normativas que pouco delimitam os fatos
de cada decisão e, desse modo, a regra formulada em uma decisão precedente não
se baseia na analogia dos fatos, mas se funda na submissão do caso concreto
sucessivo à uma regra geral.
12
TARUFFO, Michele. Precedente e giurisprudenza. Disponível em: <http://www.bibliojuridica.org/libros/6/2559/39.pdf>. Acesso em 02 de jun. 2009, p. 797-798. 13
Idem, ibidem. 14
Idem, ibidem, p. 798-799. 15
Idem, ibidem, p. 799-800.
20
Rodolfo de Camargo Mancuso16 faz uma abordagem da concepção
contemporânea de jurisprudência. Para ele, a jurisprudência pode ser vista de três
modos: (a) no sentido comum, seria a “totalização do resultado final da função
jurisdicional do Estado”; (b) no sentido mais técnico, seria a sequência ordenada de
decisões sobre uma determinada matéria em um mesmo Tribunal; e (c) num sentido
reforçado, a jurisprudência seria o destaque da tese fixada na resolução de um
determinado caso concreto “projetando efeitos em face de outras demandas, virtuais
ou pendentes, assim projetando uma eficácia pan-processual”. Com isso, a
jurisprudência poderia ser tida tanto como a tese fixada em um determinado caso,
ou como sendo as várias decisões no mesmo sentido que são dadas em uma
determinada matéria.
Nessa concepção de Mancuso, pode-se verificar que a jurisprudência, se
tida como a tese fixada em determinado caso com capacidade de se projetar pra
outros casos, pode ser entendida de uma forma semelhante ao precedente, quando
se pensa que a jurisprudência seria o aceno de uma determinada tese com
condições de se tornar jurisprudência dominante.
Na mesma linha de pensamento que Mancuso, elaborando um contexto de
que o precedente se diferencia do processo e que o próprio precedente se diferencia
da norma que está contida nele, Taranto aduz que:
Nesse contexto, propõe-se conceituar o precedente judicial como o instrumento mediante o qual o Poder Judiciário, como instituição e no exercício da Jurisdição Constitucional, edita normas jurídicas a serem aplicadas em decisões posteriores, atribuindo-lhes racionalidade na medida em que o julgador expressa as razões de decidir.
17
Como se expôs, o conceito de precedente varia nos sistemas da common
law e da civil law, e tal fato se dá devido à evolução pela qual passou cada sistema,
o que será analisado no item seguinte.
16
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 3 ed. rev., at. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 130. 17
TARANTO, Caio Márcio Gutterres. Precedente judicial: autoridade e aplicação na jurisdição constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 8.
21
1.3 EVOLUÇÃO DA CIVIL LAW E DA COMMON LAW – BREVE RESGATE
HISTÓRICO
Ordinariamente, diferenciam-se dois grandes sistemas jurídicos, a common
law da civil law. No primeiro sistema, os precedentes tem papel fundamental, sendo
que a base e a evolução do direito seria feito pelo próprio juiz em suas decisões
(judge made law), e esta característica tem por inspiração a fase pretoriana do
Direito Romano, na qual o pretor é que decidiria em seus editos o que é qual a regra
que serviria para o ano seguinte, sendo, assim flexibilizado de acordo com as
necessidades encontradas.
Já o civil law ou sistema romano-germânico, teria como sua fonte maior a lei
(direito codificado), dando pouca atenção ao precedente, tendo inspiração na fase
justiniana do direito romano, que teve como característica fundamental o fato de se
ter a lei praticamente como única fonte do direito.18
Porém, não se pode reduzir os sistemas a simplesmente isso. Deve-se ter
em mente que tais sistemas não foram criados de maneira imediata, mas como
resultado de um longo e gradativo processo evolutivo, durante o qual já se
constatava significativas influências de um e outro sistema. Por isso a necessidade
de se proceder a um resgate histórico e destacar os pontos de contato entre os
sistemas visto que seu desenvolvimento se deu através dos séculos.
Durante esse desenvolvimento dos sistemas, houve períodos de intersecção
nos quais os dois sistemas se influenciaram reciprocamente, ou seja, algumas das
raízes dos dois sistemas são semelhantes. Por isso a necessidade de se referir,
mesmo que de uma forma breve, os pontos de contato dos sistemas da common law
e da civil law, tanto em relação as suas histórias quanto ao modo de
funcionamento.19
18
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Op. cit., p. 87. 19
MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes – O desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 13.
22
Seja qual for o sistema jurídico, a decisão judicial está presente. Os juízes
são chamados a resolver o caso concreto, sendo que decidem estes casos de
acordo com as fontes do direito, a hierarquia do Judiciário e todo o desenho do
ordenamento jurídico de seu país. Uma visão elementar de precedente, então, seria
a de que o precedente consistiria numa decisão jurídica anterior dada a um caso
análogo. Conforme aduz sinteticamente Marcelo de Souza: “... a decisão de um caso
tomada anteriormente pelo Judiciário constitui, para os casos a ele semelhantes, um
precedente judicial” 20.
[...] a codificação, por si só, não pode explicar a distinção entre o common law e o civil law. Não se pense que o civil law é caracterizada pelos Códigos e pela tentativa de completude da legislação, enquanto o common law tem uma característica exatamente contrária. O common law também tem intensa produção legislativa e vários Códigos. O que realmente varia do civil law para o common law é o significado que se atribui aos Códigos e à função que o juiz exerce ao considerá-los. No common law, os Códigos não têm a pretensão de fechar os espaços para o juiz pensar; portanto, não se preocupam em ter todas as regras capazes de solucionar os casos conflitivos. Isto porque, no common law, jamais se acreditou ou se teve a necessidade de acreditar que poderia existir um Código que eliminasse a possibilidade de o juiz interpretar a lei. Nunca se pensou em negar ao juiz do common law o poder de interpretar a lei. De modo que, se alguma diferença há, no que diz respeito aos Códigos, entre o civil law e o common law, tal distinção está no valor ou na ideologia subjacente à idéia de Código.
21
Nesse sentido, há que se pensar que o precedente está presente em todos
os ordenamentos. Estudar o precedente, portanto, é estudar a influência, em seus
vários ângulos, que a decisão judicial (entre outras características, tida como
vinculante, paradigmática ou meramente persuasiva) tem sobre as decisões futuras.
22 Passa-se, portanto, à análise do sistema da common law, onde o desenvolvimento
do precedente judicial tem destaque.
20
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Op. cit., p. 15. 21
MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 199. 22
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Op.cit., p. 51.
23
1.3.1 Common law
Common law pode ser considerado, genericamente, o sistema de direito
nascido na comunidade britânica e que tem como base o apego dos ingleses pela
tradição, o pragmatismo exacerbado e o desapego por abstrações.
O direito inglês foi influenciado pelo direito romano da fase pretoriana, pois
se verifica que a forma pela qual os dois sistemas são postos é semelhante.
Naquela época, o direito romano desconhecia as codificações e baseava-se
prioritariamente no caso concreto, tal como ocorre hodiernamente com os julgadores
ingleses, que se pautam no case, em detrimento da lei, revelando que o atual modo
de pensar do juiz inglês é semelhante ao pretor do direito romano. Percebe-se isso
na seguinte passagem de Guido Soares:
À semelhança dos praetores do Direito Romano da época formular, ouviam as queixas e davam (ou, antes, “vendiam” no sentido de pagamento por um serviço público, de custas processuais) um writ, que era uma ação nominada e com fórmulas fixadas pelos costumes, que correspondia à obtenção de um remédio adequado à situação. A idéia do writ era de que se constituía numa ordem dada pelo Rei às autoridades, a fim de respeitarem, em relação ao beneficiado que obtinha o remédio, sua situação jurídica, definida pelo julgamento a seu favor. Se não houvesse um writ determinado para a situação, não haveria possibilidade de dizer-se o direito (e, sendo assim, criava-se uma intolerável denegação da justiça e a impossibilidade de saber qual o direito aplicável). Concedido o writ, posteriormente, um jury composto de leigos, em certos casos, julgaria as pretensões da pessoa beneficiada pelo writ (à semelhança do judex no processo formular romano), em razão de determinar os fatos, em função da norma predeterminada; a decisão dos jurors era denominada finding.
23
Nesse sentido, também esclarece Cruz e Tucci que o método de raciocínio
utilizado pelo direito inglês (reasoning from case to case) tem suas raízes mais
antigas a técnica do jurista romano da época clássica. Isso devido ao fato de o
pensamento do jurista romano daquela época ter sido eminentemente de forma
casuística e dinâmico:
Afirma-se correntemente que o método de „raciocinar de caso a caso‟ („reasoning from case to case‟), que marca o direito inglês, tem como ancestral mais remoto a técnica empregada pelo jurista romano de época clássica. E isso se justifica porque o direito romano sempre manteve um
23
SOARES, Guido Fernando Silva. Op. cit., p. 33.
24
perfil dinâmico, de natureza acentuadamente casuística, ou melhor, „problemática‟.
24
O direito inglês, berço do sistema da common law , é dividido em quatro
períodos:
(a) primeiro período foi o anglo-saxão (fase tribal antes da conquista de
Guilherme de Normandia);
(b) o período de desenvolvimento da common law foi o segundo, de 1066 a
1485, e que se deu através dos Tribunais Reais que substituíram paulatinamente as
cortes senhoriais 25; Havia uma expressão da época que manifestava bem o direito
da common law, que era justamente “remedies precede rights” (os remédios
precedem os direitos subjetivos, numa tradução mais literal). A julgar por essa
expressão, não se estudava as regras de fundo, o direito material, e sim as regras
quanto à possibilidade de obterem-se ações processuais.
(c) já o terceiro período foi o da criação da equity (ou seja, decisões de
equidade dadas pelo Rei através de seus Chanceleres) devido ao fato de que o
direito inglês estava estagnado e extremamente formalista; os Chanceleres eram
eclesiásticos e justamente por isso, tinham influência do direito romano e também do
direito canônico; esta fase é considerada a fase de maior aproximação dos sistemas
da common law e da civil law 26; houve um conflito do Rei Henrique VIII com a Igreja
Católica, rompendo o Rei com esta e também trocando os Chanceleres eclesiásticos
por advogados;
(d) o quarto e último período do direito inglês tem fortes características
legislativas, primeiramente por necessidade de se dar maior valor ao Parlamento
inglês e, recentemente, por haver a constituição da União Européia, precisando,
assim, a Inglaterra adequar-se às regras da Comunidade.
A House of Lords foi, desde a sua formação, uma das casas do Legislativo.
Só que as sessões judiciais eram efetivamente feitas pela Appellate Comittee of the
24
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Op. cit., p. 181. 25
Cf. Estatuto de Westminster II de 1285, que estabeleceu que os Tribunais Reais somente poderiam conceder writs em casos que já houvessem concedido, ou seja, não poderiam criar novas ações e só podendo conceder o writ quando já existissem precedentes.
26 DAVID, René. Os grandes sistemas de direito contemporâneo. Tradução Hermínio A. Carvalho. 3ª
ed. São Paulo : Martins Fontes, 1996, p. 372.
25
House of Lords, que era composta pelos Law Lords e pelo Chancellor Lord, todos
profissionais do direito, escolhidos entre barristers (advogados) mais experientes ou
promovidos das cortes inferiores.27
Acontece que para se adequar à Comunidade Européia, o Reino Unido
editou dois atos: o Human Rights Act, de 1998, e o Constitucional Reform Act, de
2005. O primeiro deu proteção de forma expressa aos direitos humanos
reconhecidos pela Comunidade Europeia. Já o segundo criou a chamada Supreme
Court of the United Kingdom28 que funciona desde outubro de 2009, desmembrando
a House of Lords do Parlamento inglês.
Considerando ser a mais alta Corte na Inglaterra, a questão que se põe é se
pelo fato de ter sido extinta a House of Lords e de se ter criada a Supreme Court of
the United Kingdom, houve alguma alteração no regime de precedentes,
considerando que eram os precedentes ditados pela House of Lords que deveriam
ser seguidos.
Não obstante, deve-se verificar se há falta de confiança na referida corte ou
ainda se havia uma crise de legitimidade, levando-se em conta que ela, a House of
Lords, seria o braço do legislativo, não havendo, assim, independência do Poder
Judiciário. Nesse sentido, a Supreme Court, sendo um órgão independente, teria
muito mais visibilidade do que a House of Lords, que parecia acanhada dentro do
Parlamento Inglês
Acontece que havia grande desconfiança acerca da independência da
House of Lords em relação ao Legislativo, pois a House of Lords era uma das casas
do Parlamento inglês, sendo o mesmo prédio do Parlamento, a sede daquela Corte.
Por isso a criação da Supreme Court of the United Kingdom, para dar mais
confiança ao sistema judiciário do Reino Unido frente à Comunidade Européia.
Preliminarmente, há que se constar que há diferença existente na common
law das chamadas teorias declaratória e constitutiva da jurisdição. Marinoni explica
que a teoria declaratória do precedente considera que a função jurisdicional seria
apenas a de declarar um direito já existente, conhecido nos precedentes judiciais.
27
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Op. cit., p. 60. 28
Cf. <http://www.supremecourt.gov.uk/>.
26
Com isso, tinha-se que o juiz apenas declarava o direito existente nos
precedentes.29
Já para a teoria constitutiva, Marinoni30 expõe, com base em estudos de Neil
MacCormick sobre o stare decisis, que era o próprio juiz que criava o direito, pois os
estudos dos positivistas Bentham e Austin deixaram claro que seria uma atitude no
mínimo infantil pensar que o juiz não produziria constantemente o common law. Era
o juiz que detinha o chamado law making authority.
Contudo, interessante notar que independentemente de se considerar que o
juiz declara ou cria o direito, as teorias declaratória e constitutiva “se adaptam a um
sistema de respeito obrigatório aos precedentes” 31, o que parece não ocorrer na
civil law, mormente por causa da necessidade de haver independência do juiz e de
haver a segurança jurídica, que seria encontrada apenas na abstratividade do texto
legal, conforme passa-se a expor.
1.3.2 Civil law
Diferentemente da Inglaterra, na qual a vontade era de que o rei cumprisse o
common law, na França houve a necessidade de se criar um novo direito, o qual não
podia ser interpretado pelos juízes, fazendo com que estes fossem apenas “a boca
da lei”. Já na Inglaterra, a vontade era de que o rei cumprisse o common law, ou
seja, o desejo era de que o Direito inglês fosse respeitado pelo monarca.
Para Luiz Guilherme Marinoni32, o Código de Napoleão, assim como o
Código prussiano, tinha o objetivo de fazer com que o juiz não interpretasse a lei,
apenas a aplicasse ao caso concreto. Acreditava-se que esses códigos teriam a
capacidade de prever todas as situações fáticas possíveis e no caso de alguma
29
MARINONI, Luis Guilherme. Op. cit., p. 176-177. 30
Idem, ibidem, p. 178. 31
Idem, ibidem, p.182. 32
Idem, ibidem, p. 200.
27
situação que não estivesse prevista ou ainda de alguma dúvida acerca das normas,
submeter-se-ia a dúvida aos legisladores.
Como marco histórico no civil law, Luiz Guilherme Marinoni33, faz referência
ao Código de Napoleão. Para o autor, o objetivo do Código de Napoleão era
justamente o de limitar ao máximo o poder judicial, sendo criada até uma Corte de
Cassação para anular as decisões judiciais que fossem contrárias ao sentido
desejado da lei. Esta Corte foi inicialmente tida como uma corte que iria anular as
decisões erradas, mas acabou chegando ao posto de ser o tribunal de cúpula do
sistema, com verdadeira função jurisdicional.
Com isso, a Corte de Cassação francesa (Cour de Cassation), criada para
dizer apenas o que não estava em conformidade com a lei, tornou-se a cúpula do
sistema jurisdicional com o escopo de garantir apenas uma interpretação da lei.
Sofreu, portanto uma grande transformação, inclusive de função, pois não cassava
apenas as decisões contrárias à lei, como também dava a interpretação da própria
lei.
Mesmo com essa transformação da Corte de Cassação, não houve a
libertação dos dogmas advindos das origens da referida Corte, ou seja, ela
continuou a julgar os casos nos moldes e procedimentos de uma corte que apenas
impugna as decisões contrárias à lei, e não uma corte que dá a interpretação da lei,
ficando, assim muito presa ao texto legal. Por isso, a cultura jurídica do civil law teria
mantido o dogma de que lei significa segurança e certeza jurídica, por isso o juiz
deve apenas aplicar a vontade insculpida na lei.
Com isso, pode-se ver que há diferenças no modo de se lidar com o caso
concreto, e, portanto, com o precedente diante das diferenças existentes nos
ordenamentos jurídicos, tanto por causa das necessidades que os mesmos tiveram
que suprir, seja por causa da própria diferença do desenho do ordenamento jurídico
que existe e é diferente em cada país.
O common law, através da doutrina do stare decisis, desenvolveu técnicas
para poder lidar com o precedente e com o caso concreto. Passamos a identificar
algumas dessas técnicas.
33
MARINONI, Luis Guilherme. Op. cit., p. 200.
28
Com esses delineamentos dos dois grandes sistemas jurídicos, necessário
se faz, então, tecer alguns comentários acerca de uma visão que se tem do
precedente nos ordenamentos, mais precisamente, uma visão do doutrinador
italiano Michele Taruffo, que identifica um eixo comum na verificação do que é o
precedente para se chegar a um conceito do mesmo dentro de cada ordenamento
jurídico.
1.4 PRECEDENTE NO COMMON LAW – TEORIA DO STARE DECISIS
A diferença do common law para o stare decisis, para Marinoni34, seria a de
que o primeiro é entendido como os costumes gerais que estabeleciam o
comportamento dos chamados Englishmen. Já o segundo é entendido como o
conjunto de regras que regulariam o uso dos precedentes, este um componente
recentemente criado no common law.
Nos dizeres de Edward Allan Farnsworth,
“o uso do precedente é mais uma técnica do que uma ciência. É tão difícil aprendê-lo por meio da leitura de uma discussão na doutrina quanto o é aprender a andar de bicicleta através do estudo de um livro sobre mecânica, acrescendo que o assunto é muito mais controverso. É possível porém estabelecer vocabulário, fazer algumas generalizações mais óbvias e examinar alguns problemas mais interessantes.
35
Por isso, passa-se a analisar algumas das técnicas da doutrina do stare
decisis.
34
MARINONI, Luis Guilherme. Op. cit. p. 183. 35
FARNSWORTH, Edward Allan. Introdução ao sistema jurídico dos Estados Unidos. Antonio Carlos Diniz de Andrada (trad.). Rio de Janeiro, 1963, p. 63.
29
1.5 AS TÉCNICAS DE CONFIRMAÇÃO E DE REVOGAÇÃO DO
PRECEDENTE NO STARE DECISIS
A aplicação de um precedente não pode ser feita de forma automática. Na
esteira da doutrina do stare decisis, pode-se identificar algumas técnicas que são
necessárias para se aplicar o precedente, a serem utilizadas no cotejo do
precedente e do caso em julgamento. É o que acontece, verbi gratia, quando se
deixa de aplicar um determinado precedente, ocorrendo, assim, a chamada
overruling.
Diante do caso concreto, o jurista deve se perguntar se deve ou não aplicar
a ratio decidendi do precedente análogo ao caso em tela. É nesse momento que o
jurista vai ter condições de se utilizar das técnicas, ou para confirmar o precedente
ou para revogá-lo, ou para ainda decidir que não é o caso de seguir o precedente
por se tratar de caso com alguma peculiaridade.
Por isso, necessário fazer algumas considerações acerca de algumas
dessas técnicas.
1.5.1 A técnica de revogação do precedente: overruling
Um precedente pode ser revogado, vindo então outro precedente, outra
orientação para aquele determinado caso, o que se chama de overruling. A House of
Lords inglesa era a corte que mantinha mais rígida a regra do precedente obrigatório
(binding precedent). Como nos conta Marcelo Dias Souza36, até o ano de 1966 a
House of Lords não havia ainda revogado qualquer de seus precedentes. Disso
vinha a ideia de que na raiz da teoria do stare decisis o precedente era imodificável.
36
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Op. cit , p. 148.
30
Acontece que com a modificação da orientação da House of Lords,
anunciando que seus juízes poderiam se afastar daquelas decisões tomadas
anteriormente quando tiverem convicção de que a nova decisão que é a correta.37
Já outras cortes em que se adota a técnica do stare decisis, como a
Suprema Corte dos Estados Unidos da América, tem-se que a vinculação do próprio
órgão ao seu precedente não é absoluta, podendo, assim, haver a revogação do
precedente, o overruling.
Tem-se que a decisão de mudar o precedente para a direção
diametralmente oposta é questão que merece uma análise apurada dos juiz ou dos
juízes que decidem o caso. Marcelo Dias Souza38 atenta para o fato de que várias
questões devem ser levadas em conta, pois implica uma forte contestação aos
fundamentos do sistema do binding precedent, da teoria do stare decisis.
Porém, necessário se faz entender que a doutrina do stare decisis se
fundamenta naquele velho brocardo latino stare decisis et quieta non movere, que
pode ser entendido como a lei da inércia. Com isso, temos que enquanto não houver
uma força maior para mudar o precedente de lugar, deve-se continuar com o
mesmo. Porém, quando a força tendente a mudar a direção do precedente é maior
que aquela que faz com que o precedente fique como está, é necessário fazer essa
mudança de posição, sob pena de se ter um direito estanque, parado no tempo e
engessado nas suas velhas posições.
1.5.2 A alteração expressa e implícita do precedente: overruling expresso ou
implícito
A técnica de revogação do precedente consistente no overruling pode se dar
de duas maneiras, considerando a sua declaração, de forma expressa ou de forma
37
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Op. cit, p. 149. 38
Idem, ibidem, p. 152.
31
implícita. Na forma expressa, temos que o próprio tribunal que tenha poder para
tanto, dirá que revogou o precedente.39 É o caso, por exemplo, de a Suprema Corte
Norte-americana declarar na decisão de um caso que um precedente seu já não tem
mais o entendimento correto, devendo ser seguido, então, a orientação que ela firma
naquele caso decidido agora. Com isso, a Suprema Corte diz claramente que o
precedente foi overruled, ou seja, que a regra que seu precedente continha não vale
mais e que deve ser adotada a regra do caso em que ela está julgando.
Porém, pode ocorrer de haver a revogação do precedente de forma implícita,
ou seja, o tribunal decide de forma diametralmente oposta àquilo que tinha julgado
antes ou ainda quando se pode argumentar que aquela decisão dada não pode se
sustentar devido ao fato de haver uma decisão em sentido contrário de uma corte
superior.
Nesse caso, o tribunal toma uma decisão que faz com que o seu precedente
no caso análogo não se sustente mais, mesmo sem haver a formal declaração de
que aquele precedente foi overruled, pois a regra que continha nele não mais se
coaduna com o atual entendimento do tribunal.
Com isso, vemos que a técnica do overruling é importante para a
oxigenação do direito, fazendo com que decisões erradas ou ainda decisões que
não atendem mais às necessidades da sociedade, sejam deixadas de lado, para
novo entendimento poder entrar no sistema.
1.5.3 A técnica de alteração dos precedentes com efeito retroativo:
retrospective overruling
A alteração do precedente certamente instala certa insegurança jurídica para
os jurisdicionados, pois a decisão que antes vinha sendo a correta passa ser a
incorreta. Com isso, é necessário se pensar acerca da segurança jurídica na
39
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Op. cit., p. 152.
32
alteração de um precedente, ou seja, ou se mantém a segurança jurídica ou muda-
se o precedente por razões de erro ou mudanças na sociedade.
Diante disso, há aquelas técnicas que pregam a modulação dos efeitos da
alteração dos precedentes, mais especificadamente aquela que dá à decisão de
alteração do precedente efeito retroativo, sendo que os efeitos abarcam até
situações anteriores à virada jurisprudencial tomada na decisão.
1.5.4 A técnica de alteração do precedente para o futuro: prospective
overruling
A técnica de alteração do precedente judicial com efeito para o futuro
consiste na manutenção da posição anterior até a data da ocorrência da reviravolta
jurisprudencial, overruling, fazendo com que somente os casos futuros, posteriores a
essa data venham a aplicar aquilo que restou estabelecido com o overruling.40
Com isso, preserva-se a segurança jurídica consistente na previsibilidade
mantida daqueles casos que já acontecerem, como naqueles casos que ainda
acontecerão, fazendo com que o jurisdicionado não seja pego de surpresa por uma
decisão judicial que não estava prevista anteriormente.
Thomas da Rosa Bustamante41, em sua tese de doutoramento, faz uma
breve análise acerca do prospective overruling, identificando essa técnica com a
jurisprudência das Rotae italianas dos séculos XVI-XVIII, mas declarando que
somente encontrou solo fértil nos Estados Unidos da América, local onde é mais
utilizada. Analisa, do mesmo modo, os problemas enfrentados pelo direito
estadunidense e que também são ou serão enfrentados pelos outros países:
40
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Uma teoria normativa do precedente judicial – o peso da jurisprudência na argumentação jurídica. Tese (Doutorado), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007, p. 345. 41
Idem, ibidem, p. 346
33
Quanto mais peso seja atribuído ao precedente judicial na argumentação jurídica, e quanto maior o seu reconhecimento como “fonte do direito”, com mais intensidade se manifesta a necessidade de se implementar mecanismos de modulação dos efeitos das decisões judiciais. Seguindo o exemplo norte-americano, em muitos ordenamentos jurídicos hoje se fala na possibilidade e na conveniência de dotar os tribunais superiores de instrumentos para mitigação temporal dos efeitos das decisões ab-rogatórias de precedentes judiciais como uma solução de compromisso entre os valores do “progresso do direito” e da proteção da segurança jurídica.
Vê-se que a questão da modulação dos efeitos do precedente deve ser
amplamente discutida pelos tribunais e também pela sociedade devido ao fato de
que esses efeitos influenciarão a sociedade, seja por falta de segurança jurídica,
decorrente da reviravolta jurisprudencial, ou ainda pela falta de progresso do direito,
perpetuando-se, assim um erro jurisprudencial ou ainda uma decisão que não mais
se comporta.
Com isso, o que se tem é que a questão da modulação para o futuro dos
efeitos da alteração do precedente é tema de extrema importância, ainda mais
quando se tem que essa alteração tem consequências diretas na sociedade, sendo
que a possibilidade de se modular os efeitos pode ser a menos traumática quando a
alteração da jurisprudência é necessária.
1.5.5 Distinguishing
Marcelo Dias Souza42 nos explica que a técnica do distinguishing nos leva
de volta à ideia de fatos determinantes (material facts), explicando que se os fatos
fundamentais do precedente não coincidir com os fatos fundamentais do caso a se
julgar, deve-se tê-los como distintos.
O distinguishing pode ser entendido de duas formas: a primeira diz respeito
ao método de comparação entre o caso em tela e o caso paradigma, sendo o
distinguishing utilizado como método; já a segunda seria a designar o que resulta
42
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Op. cit, p. 142.
34
dessa comparação, mais precisamente naqueles casos em que se conclui que há
diferença significante entre os casos.43
Sobre o poder de distinguir, Marcelo Dias Souza, explica que
O poder de distinguir é importante – não se nega – como meio de dar flexibilidade ao sistema e de fazer justiça no caso concreto. Entretanto, não pode ser levado ao extremo, sobretudo por assim ferir, com uma injustiça gritante, o princípio da isonomia. Sem falar que o uso indiscriminado do poder de distinguir pode levar a se duvidar, de modo geral, da real vinculação aos precedentes.
Tem-se que o método de distinção consubstancia-se no fato de o magistrado
concluir que o caso em apreço trata-se de hipótese diversa de aplicação do direito
objetivo. Com isso, o magistrado não dispõe que o precedente paradigma é
inconstitucional ou que ainda deve ser revogado, cancelado ou esteja em desuso. O
que o magistrado faz não é discordar da posição adotada pelo tribunal, mas sim
verificar que os casos são distintos.
Verificadas algumas das técnicas mais utilizadas na doutrina do precedente,
necessário se faz ter uma ideia geral do que o precedente significa em cada
ordenamento jurídico. Para isso, utilizamo-nos dos ensinamentos do italiano Michele
Taruffo, grande estudioso do tema.
1.6 AS DIMENSÕES DO PRECEDENTE
1.6.1 Considerações Gerais
Verifica-se que há consideráveis discrepâncias acerca do uso do precedente
nos ordenamentos dos países. Isto seria a consequência de haver significativa
diferença na concepção que se forma nos países acerca da possibilidade de se
43
DIDIER JR. Fredie et al. Op. cit., p. 393.
35
aplicar o precedente em seu ordenamento e mais precisamente qual a posição e
importância que o precedente ocupa no ordenamento. Por isso, aduz Taruffo que
Existem, portanto, relevantes diferenças relativas ao uso dos precedentes, que estão ligadas a fatores inerentes à organização judiciária, à teoria das fontes, à concepção do papel do Juiz, à cultura dos advogados e à prática postulatória-defensiva e judiciária.
44 (tradução nossa)
Sem a pretensa ideia de esgotar o tema, pode-se analisar o precedente em
um determinado ordenamento jurídico através da interseção de quatro dimensões,
as quais incluem em cada uma, várias possibilidades, qualidades ou situações.
Essas dimensões, definidas por Taruffo45, são: 1) A dimensão institucional, 2) a
dimensão objetiva, 3) a dimensão estrutural, e 4) a dimensão da eficácia. É a
combinação desses resultados dessa análise que pode fornecer uma definição do
precedente naquele ordenamento.46
Taruffo faz um sucinto apontamento que bem explica a sua teoria geral dos
precedentes, no sentido de se poder verificar regras gerais para se classificar os
precedentes dos diferentes ordenamentos jurídicos:
Nos parece, ao invés, possível hipotetizar uma teoria do precedente mais ampla, e, talvez, capaz de definir como o precedente opera em diversos ordenamentos. Segundo esta hipótese teórica, o precedente se define, em cada ordenamento, em função da combinação de quatro fatores diversos, isto é, como uma interseção de quatro dimensões. Em cada uma destas dimensões incluem várias possibilidades, graus ou situações; cada uma destas possibilidades (ou pelo menos uma dessas) existe em qualquer ordenamento. Por exemplo, cada ordenamento inclui ao menos uma das possibilidades inclusas em qualquer das quatro dimensões. Em outros termos: o precedente se define, em cada ordenamento dado, com base na combinação que neste se realiza entre as dimensões em questão. Trata-se evidentemente de uma simplificação extrema, e talvez obscura. Qualquer elemento de compreensão pode entretanto derivar das análises das quatro dimensões do precedente, que será sumariamente explicada nas páginas que seguem. Essas são: 1) a dimensão institucional; 2) a dimensão objetiva; 3) a dimensão estrutural; 4) a dimensão da eficácia.
47 (tradução nossa)
44
No original: “Esistono pai rilevanti differenze relative all'uso dei precedenti, che risalgono a fattori inerenti all'organizzacione giudiciaria, alla teoria delle fonti, alla concezione del ruolo del giudice, alla cultura dei giuristi e alla prassi difensiva e giudiziaria.” TARUFFO, Michele. Dimensioni del precedente giudiziario. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. a. XLVIII, p.411-430, 1994, p. 414-415. 45
Idem, ibidem, p. 415-416. 46
Idem, ibidem, p. 430. 47
No original: “Pare invece possibile ipotizzare uma teoria del precedente più ampia, e forse capace di definire como il precedente operi in diversi contesti ordinamentali. Secondo questa ipotesi teórica il precedente si definisce, in ogni fattori, ovvero come intersezione di quatro dimensioni. ognuna di queste dimensioni include varie possibilita, gradi o situazioni; ognuna di queste prossibilità ( o almeno uma di esse) esiste in qualche ordinamento. Per converso, ogni ordinamento include almeno uma
36
Diante dessa proposta de Taruffo de se analisar o precedente através
dessas quatro dimensões, tem-se que se chega à possibilidade de se verificar, em
normas gerais, qual a posição de determinado precedente no ordenamento jurídico
de determinado país, sendo possível, ainda, fazer comparações e distinções
necessárias.
1.6.2 A dimensão institucional
Em relação à dimensão institucional, Taruffo aduz que a organização
judiciária e o modo como as relações de autoridade que se dão dentro do poder
judicial são intimamente ligadas ao uso do precedente.
Para o mestre italiano, a questão do precedente aparece como um
fenômeno reflexo, mais acentuado ou mais turvo dependendo do caso, da
organização hierárquica dos tribunais nos vários ordenamentos.48
Nesta dimensão, pode-se classificar a decisão judicial como: (a) precedente
vertical; (b) precedente horizontal; (c) auto-precedente.
Na questão do precedente vertical, Taruffo atenta para o fato de haver mais
de uma Corte suprema no ordenamento, ou seja, cada corte suprema é colocada no
vértice de sua própria jurisdição, como acontece na Alemanha, e também na Itália,
que tem a distinção da Corte de cassação e o Conselho de Estado. Com a
existência de várias “cortes de vértice” há uma tendência de fragmentação vertical
no sistema dos precedentes, pois cada juiz tende a seguir o precedente de sua
delle possibilita incluse in ognuna delle quattro dimensioni. In altri termini: il precedente si definisce, in ogni ordinamento dato, in base alla combinazione che in esse si realizza tra le dimensioni in questione. Si tratta evidentemente di uma semplificazione estrema, e forse oscura. Qualque elemento di comprensibilità può però derivare dall‟analisi delle quattro dimensioni del precedente, che verrà commariamente svolta nelle pagine che seguono. Esse sono: 1) La dimensione istituzionale; 2) La dimensione oggettiva; 3) La dimensione strutturale; La dimensione dell‟efficacia”. TARUFFO, Michele, Op.cit., p. 415-416. 48
No original: “Sotto questo porfilo il fenomeno del precedente appare come un riflesso - più netto o più sfuocato a seconda dei casi - dell'organizzazione gerarchica delle corti nei vari ordinamenti.” TARUFFO, Michele. Op. cit., p. 416.
37
própria corte de vértice, ao invés de seguir outros precedentes. Outra variante seria
a presença de uma corte constitucional autônoma, por exemplo, na Itália na qual a
decisão de sua corte constitucional é vista apenas como precedente significativo
pela justiça ordinária, não havendo o dever de seguir o precedente por motivos de
hierarquia.
Quando se fala em precedente horizontal, está-se falando da influência de
uma decisão nas decisões de mesmo nível, enquanto que no auto-precedente,
encontra-se a vinculação do juiz de seguir o seu próprio precedente, o precedente
do próprio órgão jurisdicional em que está lotado.
No tocante ao precedente horizontal, a falta de hierarquia entre juízes
lotados em órgãos jurisdicionais diversos, mas de mesmo nível hierárquico exclui a
ideia de existência de dever de seguir a decisão, esta seria tida somente como
exemplo, ou seja, um precedente meramente persuasivo.49
Em relação ao autoprecedente, Taruffo ensina que se o juiz não estivesse
obrigado a seguir seu próprio precedente, não se estaria cumprindo a exigência
fundamental de coerência e de universabilidade usada para decidir o caso concreto.
Desse modo, a vinculação do juiz com seu próprio precedente é uma garantia de
igualdade na aplicação da lei.50
O mesmo autor refere-se, também, à possibilidade de se fazer uma regra de
referência, a título de exemplo, de um precedente estrangeiro ou de hierarquia
inferior, por exemplo, o que não diz respeito à noção de precedente em sentido
estrito, pois não há uma relação institucional de hierarquia.51
49
TARUFFO, Michele. Op. cit., p. 417. 50
Idem, ibidem, p. 418. 51
Idem, ibidem, p. 419.
38
1.6.3 A dimensão objetiva
Na dimensão objetiva, verifica-se qual é a parte do precedente que deve
vincular as decisões futuras, ou seja, qual parte da sentença deve ser considerada
como vinculante em caso análogo.
Para isso, os doutrinadores explicam ser necessário entender qual parte do
precedente seria ratio decidendi e qual parte seria apenas obiter dictum. Fazendo
uma tradução simultânea dos termos, tem-se que ratio decidendi seria a razão de
decidir, enquanto que o obiter dictum seria “aquilo que foi dito para morrer”, palavra
morta, sentença sem significado, mera declaração incidental.
Com relação ao que é vinculante no precedente, Taruffo diz ser essa a
questão da dimensão objetiva, havendo necessidade de se compreender qual
elemento do precedente é ratio decidendi e qual parte é obiter dictum, pois a eficácia
vinculante do precedente está somente na sua ratio decidendi, sendo que a obiter
dictum tem função apenas persuasiva. Nesse caso, diz-se que o objeto do
precedente varia segundo a ideia que a ratio decidendi assume, variando de
significado com a variação do que se tem como ratio decidendi.52
Nesse momento, faz-se necessário compreender a questão da ratio
decidendi e o que ela significa.
Ratio decidendi pode ser interpretada como sendo o princípio legal ou os
princípios legais com base no qual se decidiu sobre determinado caso. Porém, na
literatura inglesa e estadunidense, há várias concepções de ratio decidendi e, entre
elas, temos cinco elencadas por Marcelo Dias de Souza:
a) a regra do Direito explicitamente estabelecida pelo juiz como base de sua decisão, isto é, a resposta explícita à questão de Direito do caso;
b) a razão explicitamente dada pelo juiz para decisão, isto é, a justificação explícita para a resposta dada à questão do caso;
c) a regra de Direito implícita nas razões do juiz para justificação de sua decisão, isto é, a resposta implícita à questão de Direito do caso;
52
TARUFFO, Michele. Op. cit., p. 419.
39
d) a razão implicitamente dada pelo juiz para decisão, isto é, a justificação implícita para a resposta dada à questão do caso;
e) a regra de Direito na qual se fundamenta o caso ou se cita como autoridade para um posterior intérprete, isto é, a resposta dada à questão de Direito do caso.
53
Há, conforme se depreende desses conceitos elencados, diversas teorias
sobre os métodos para se determinar a ratio decidendi. Entre elas a teoria de
Wambaugh, que afirma que se trata de uma proposição ou regra sem a qual o caso
seria decidido de forma diferente. Para essa teoria, o que não fosse necessário à
resolução constante no julgamento, seria a obiter dictum ou simplesmente dictum. 54
Desse modo, para saber se a regra ou premissa é realmente necessária,
basta fazer um silogismo no qual se houver mudança no julgamento quando a regra
for modificada, está-se diante de uma ratio decidendi.55
O conceito de obiter dictum seria encontrado somente por exclusão, pois é
obiter dictum tudo aquilo que não é ratio decidendi. É aquilo que se discute na
sentença, mas não faz parte do critério efetivo da decisão; é a decisão e discussão
de uma questão hipotética, preclusa ou não desenvolvida pela parte; juízo de valor
que não tem a ver com a interpretação da norma usada para decidir.56
Já a teoria de Oliphant está ligada ao chamado realismo jurídico americano
e que considera que apenas os fatos são suficientes para se auferir a ratio
decidendi. Tal teoria é também conhecida como “estímulo/resposta” ou
“fatos/decisão”. Esta teoria não leva em conta o raciocínio do juiz para chegar à
decisão e sim os fatos que levaram àquela decisão, pois os fatos que são o estímulo
da decisão.57
O mais influente estudioso sobre a teoria do ratio decidendi foi o professor
da Universidade de Oxford, Arthur L. Goodhart, que teve o seu artigo primeiramente
publicado no The Yale Law Journal, em 1930.58
53
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Op. cit., p. 126. 54
Idem, ibidem, p. 126. 55
Idem, ibidem, p. 127. 56
TARUFFO, Michele. Op. cit., p. 420. 57
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Op. cit., 127-128. 58
GOODHART, Arthur L. Determining the ratio decidendi of a case. The Yale Law Journal, Vol. XL, N. 2 dec. 1930.
40
Para o professor Goodhart, não são todos os fatos que importarão para se
auferir a ratio decidendi, mas somente aqueles fatos tidos como fundamentais para o
juiz (material facts) e também a sua conclusão que deve ser fundamentada nesses
mesmos fatos fundamentais.
Com isso, quem iria definir quais são verdadeiramente os fatos fundamentais
de um precedente não seria necessariamente o juiz que o julga, mas também o juiz
do caso análogo seguinte. Seria este juiz que definiria o que no precedente se trata
de ratio decidendi e o que deve ser tido como obiter dictum.
Dá-se uma função meramente persuasiva ao obiter devido ao fato de que as
declarações são dispensáveis/irrelevantes para o deslinde do caso concreto. Porém,
adverte Taruffo que, na prática, os obiter dicta tem considerável influência na
decisão sucessiva e sobre a formação da jurisprudência. A título de exemplo, o
doutrinador refere-se à chamada massimazione do direito italiano.
Em relação ao problema da massimazione do direito italiano, Taruffo explica
na aplicação de tal instituto explicita-se no enunciado da decisão tudo aquilo que se
utilizou no caso concreto, independentemente de ser ou não ratio decidendi,
chegando a dizer que no caso da Itália, quem diria o que era precedente não seria
nem a própria Corte de cassação e nem os juízes dos casos sucessivos e sim o
Ufficio del Massimario, que teria a tarefa de redigir a massime.59
Diante disso, verifica-se que a questão da dimensão objetiva é de extrema
importância, pois é esta dimensão que irá definir qual elemento constante no
precedente irá vincular os casos posteriores.
1.6.4 A dimensão estrutural
A dimensão estrutural do precedente seria aquela que se refere à
possibilidade de o precedente ser referido por uma decisão sucessiva. Nesse
59
TARUFFO, Michele. Op. cit., p. 422.
41
aspecto, Taruffo elenca quatro hipóteses principais: somente um precedente;
jurisprudência constante60 (vários precedentes); precedentes contraditórios; e caos
jurisprudencial.
A primeira hipótese, de se referir a somente um precedente, é pouco
incidente nos países do civil law, e acontece mais comumente nos países da
common law, pois tanto a Corte Suprema quanto a Corte de Apelação pronunciam
um número limitado de sentenças, e também porque a própria Corte estabelece o
caso no qual estabelecer-se-á o precedente. Contudo, nos países do civil law, as
Cortes Superiores geralmente não escolhem o caso que vão julgar e pronunciam
muitas sentenças.61
Já a segunda hipótese seria o caso da chamada jurisprudência constante,
ou seja, quando a questão é definida em uma série de casos julgados de modo
idêntico. Nesse caso, Taruffo faz advertências acerca do tempo entre os
precedentes julgados, pois no caso de serem precedentes julgados durante um
longo período de tempo entre eles si, pode ser um indício de que a jurisprudência
está profundamente consolidada, mas também um indício de que pode estar
ultrapassada, que deve ser mudada. E, ao contrário, quando há um curto espaço de
tempo entre os julgados, pode parecer que a decisão ainda não está assentada, ou,
por outro lado, que é uma decisão extremamente atual da corte.62
A terceira hipótese em relação à dimensão estrutural do precedente refere-
se à possibilidade de haver decisões de mesmo nível e que estejam em conflito,
sendo duas decisões ou mais que entram em contraste uma com a outra. Nesse
caso, pode ser resolvido institucionalmente, por exemplo, com o mecanismo da
uniformização da jurisprudência (Art. 476 e seguintes do CPC). O autor também faz
menção à possibilidade de o juiz do caso sucessivo decidir fundamentadamente qual
precedente irá seguir, descartando os outros.63
A quarta e última hipótese de Taruffo acerca da dimensão estrutural do
precedente é observada na situação chamada de caos jurisprudencial, no qual as
decisões são tantas e tão contraditórias que não é possível identificar a questão
60
Em relação à distinção de precedente e jurisprudência, Cf. item 1.2. 61
TARUFFO, Michele. Op. cit., p. 423. 62
Idem, ibidem, p. 424. 63
Idem, ibidem, p. 425.
42
problema, não há apenas duas decisões em sentido contraditório, mas várias
decisões em diferentes sentidos. Neste caso, torna-se mais fácil referir-se a um
precedente, pois qualquer que seja a posição tomada, já existe um precedente.
Pode-se até se referir a um precedente, contanto que essa referência não seja
apenas um artifício retórico para que a decisão pareça a escorreita.64
1.6.5 A dimensão da eficácia
Em relação à dimensão da eficácia, Taruffo diz ser ligada à natureza e à
intensidade da influência que a decisão exerce sobre a decisão de um caso
sucessivo. Nesse caso, não se pode reduzir a questão à alternativa entre a eficácia
vinculante e a não-vinculante. Deve-se fazer uma escala da eficácia do precedente.
65 Pode-se, a título de exemplo, classificar o precedente como: binding precedent,
defeasealy binding e weakly binding.
O binding precedent seria o precedente vinculante, pois deve ser seguido a
não ser se houver exceção prevista, explicando, o referido autor que se trata de um
extremo teórico. No caso do defesealy binding precedent, tem-se que seria aquele
que deve ser seguido a menos que haja uma boa razão para não ser seguido. Já o
weakely binding precedent seria somente uma expectativa que o precedente seja
seguido.66
Em relação a essa classificação da escala de eficácia do precedente no
ordenamento jurídico, tem-se que é dada a mero título de exemplo, pois é somente
uma no meio de várias que podem ser vislumbradas nos vários ordenamentos a
depender do desenho do ordenamento jurídico. Com esta constatação são tecidos
alguns comentários em acerca da classificação que alguns doutrinadores fazem dos
precedentes no Brasil.
64
TARUFFO, Michele. Op. cit. p. 425-426. 65
Idem, ibidem, p. 427. 66
Idem, ibidem, p. 427-428.
43
A partir das categorias definidas por Taruffo, Patrícia de Mello67 fez uma
análise da eficácia das decisões no controle de constitucionalidade brasileiro e, em
suma, elenca como:
(a) precedentes brasileiros com eficácia normativa:
(i) as decisões proferidas pelo STF, em sede de controle concentrado
de constitucionalidade de normas em face da Constituição Federal (CF),
através das ações diretas de constitucionalidade, das ações declaratórias de
constitucionalidade e das argüições de descumprimento de preceito
fundamental;
(ii) as súmulas vinculantes, “como entendimento consolidado de uma
sequência de precedentes; e
(iii) as decisões produzidas pelos Tribunais de Justiça, em controle
concentrado de constitucionalidade das normas municipais e estaduais em
face da Constituição Federal;68
(b) precedentes brasileiros dotados de eficácia impositiva intermediária:
(i) as decisões proferidas incidentalmente pelo pleno no STF e dos
tribunais, no que respeita à (in)constitucionalidade de uma norma, tendo em
conta que ensejam a dispensa de reserva de plenário para a aplicação do
entendimento a casos idênticos (Art. 481, parágrafo único do CPC);
(ii) os entendimentos sobre questões constitucionais fixados em ações
coletivas, em virtude dos limites subjetivos de suas conclusões;
(iii) a jurisprudência dominante ou sumulada no STF, que pode ser o
fundamento de recursos a que se neguem seguimento pelos poderes do
relator;
(c) precedentes brasileiros com eficácia persuasiva, que são a regra no
sistema de precedentes brasileiros, são proferidos em matéria não constitucional e
em matéria constitucional quando proferidas por magistrados de primeiro grau ou
67
MELLO, Patrícia Perrone Campos. Op. cit., p. 100-109. 68
No caso do STF: art. 17 da Lei 8.038/1990, art. 161, RISTF, atualizado pela Emenda Regimental no. 9/2001, e com o art. 7º. da Lei 11.417/2006. Em relação aos Tribunais de Justiça em caráter concentrado será cabível a reclamação do mesmo modo que para as decisões do STF, desde que previsto o instrumento na CF, caso não haja, será cabível o mandado de segurança.
44
por órgãos fracionários dos tribunais que declaram compatibilidade das normas com
a Constituição.
Nessa mesma linha, Fredie Didier Jr.69 aponta o precedente brasileiro como
sendo:
a) Precedente vinculante/obrigatório: i) a súmula vinculante em matéria
constitucional; ii) o entendimento consolidado na súmula de cada um dos
tribunais tem força vinculante em relação ao próprio tribunal; iii) os
precedentes oriundos do Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), em
matéria de controle difuso de constitucionalidade, ainda que não
submetidos ao procedimento de súmula vinculante, tem força vinculante
em relação ao próprio STF e a todos os demais órgãos jurisdicionais do
país70 ;
b) Precedente obstativo da revisão das decisões: que seria aquele tem o
condão de obstar a apreciação de recursos ou de obstar a remessa
necessária, sendo, em última análise, um desdobramento do efeito
vinculante de certos precedentes, por exemplo, os casos dos artigos: 475,
§3º; 518, §1º; 544, §§3º e 4º; e 557, todos do Código de Processo Civil;
c) Precedente persuasivo: que não tem força vinculante, apenas persuasiva;
seria importante para as decisões posteriores quando o próprio legislador
conferir autoridade a ele, precedente, como nos casos de julgamento
liminar de improcedência do Art. 285-A, CPC; quando se admite a
instauração do incidente de uniformização de jurisprudência, nos termos
do art. 476 e 479, CPC; ou ainda quando se admite a interposição de
recursos que têm por objetivo uniformizar a jurisprudência com base em
precedentes judiciais, tais como os embargos de divergência do art. 546,
CPC e o recurso especial fundado em divergência (art. 105, III, “c”, CF).
69
DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paulo Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil – Volume 2. 4ª Ed. São Paulo: Juspodivm, 2009, p. 389. 70
Para considerar as decisões do Pleno do STF no controle difuso de constitucionalidade como vinculantes, Fredie Didier Jr. se fundamenta na chamada objetivização do recurso extraordinário, analisada em seu livro: DIDIER JR. Fredie. Curso de direito processual civil – Volume 3. 4ª Ed. São Paulo: Juspodivm, 2009.
45
Corroborando com a classificação de Didier, Caio Márcio Gutteres Taranto71
também entende que há aquelas três classificações do precedente brasileiro, porém
define como:
a) Vinculantes: decisão em sede de ação direta de inconstitucionalidade e de
ação declaratória de constitucionalidade; decisão em sede de arguição de
descumprimento fundamental; súmula de efeito vinculante; efeito
vinculante no controle de constitucionalidade, sendo dividida entre o
recurso extraordinário e a decisão vinculante em repercussão geral;
b) Precedentes de efeito impeditivo de recurso;
c) Precedentes de efeito meramente persuasivo.
Brevemente expostas estas classificações em relação à eficácia do
precedente brasileiro, verifica-se que a tendência da doutrina é considerar a súmula
vinculante como sendo precedente com efeito vinculante.
71
TARANTO, Caio Márcio Gutterres. Op. cit.
46
2 A SÚMULA VINCULANTE FRENTE À NOVA FEIÇÃO DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
2.1 A NOVA FEIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
A Constituição Federal de 1988 elencou diversas garantias fundamentais a
serem concretizadas pelo Estado brasileiro. O legislador constitucional originário
mostrou-se extremamente desconfiado com o legislador derivado e com o próprio
poder judiciário, pois pelo que se percebe no texto constitucional a concepção era a
de que o aquele legislador deveria legislar sobre tudo. Passou-se, assim, a ter o que
alguns doutrinadores chamam de constitucionalização do direito72, com uma espécie
de compromisso maximizador73, ou seja, muitas normas que antes não continham
temas tipicamente constitucionais foram erigidas à Constituição.74 Como bem
analisa Maria Tereza Sadek acerca da importância do Poder Judiciário nesse
contexto:
Temos um texto constitucional que nos impulsiona nessa direção [da grande importância da Justiça no Brasil]. Nosso Judiciário foi construído na Constituição de 1988 como Poder de Estado. Esse Judiciário tem duas faces. Uma é de prestação de serviços, que é fazer aquilo que compete à Justiça fazer: garantir direitos, resolver conflitos, arbitrar divergências. A outra é a face política. Essa face política é típica de todo o arranjo institucional presidencialista. No caso brasileiro, isso se acentua porque temos uma Constituição muito detalhista e com uma gama de direitos enorme, direitos individuais e supra-individuais. E quanto maior for a Constituição, mais detalhista, mais específica, maior é a margem de atuação do Poder Judiciário. Além disso, nós temos duas competições grandes: uma é entre as instituições e outra é dentro de cada uma das instituições. Conflitos entre o Executivo e o Legislativo, quem é que arbitra? O Judiciário. Então, a pauta do Judiciário é enorme e todos os itens têm repercussão pública muito grande. Como você tem muitas mudanças, o
72
Sobre o tema: SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005. 73
VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição e sua Reserva de Justiça. São Paulo: Malheiros, 1999. 74
Idem. Supremocracia. Revista de direito GV, São Paulo, p. 441-464, jul-dez 2008. p. 446.
47
Judiciário é chamado a arbitrar o tempo inteiro. A toda e qualquer exigência de reforma constitucional, o Judiciário entra.
75
Constatou-se, então, o fenômeno conhecido como judicialização de
conflitos76, pois seria o judiciário que daria resposta aos conflitos existentes na
sociedade, garantindo os direitos fundamentais. O acesso à justiça foi alargado de
uma forma nunca vista no Brasil. As demandas foram amplamente propostas nos
tribunais, toda pretensão foi levada às portas do judiciário para que o mesmo desse
a palavra final. Os dados que Oscar Vilhena Vieira nos traz demonstram esse
fenômeno no STF, apontando como causas da multiplicação de processos a
quantidade de temas postos na Constituição e defeitos no sistema recursal
brasileiro:
Em 1940, o Supremo recebeu 2.419 processos; este número chegará a 6.376 em 1970. Com a adoção da Constituição de 1988, saltamos para 18.564 processos recebidos em 1990, 105.307 em 2000 e 160.453 em 2002, ano em que o Supremo recebeu o maior número de processos em toda sua história. Em 2007, foram 119.324 processos recebidos. Este crescimento é resultado imediato da ampliação de temas entrincheirados na Constituição, mas também de um defeito congênito do sistema recursal brasileiro, que até a Emenda 45 encontrava-se destituído de mecanismo que conferisse discricionariedade ao Tribunal para escolher os casos que quisesse julgar, bem como de mecanismo eficiente pelo qual pudesse impor suas decisões às demais esferas do judiciário.
77
Com isso, ficou evidente a chamada multiplicação de processos idênticos,
com o mesmo conteúdo e sem peculiaridades suficientes para que cada sujeito
necessitasse de uma demanda individual para ter seu direito garantido, o que Vieira
aponta como sendo um defeito do sistema recursal brasileiro e que seria a ausência
do poder de discricionariedade no momento de escolher o que a cúpula do judiciário
irá julgar.
Diante concentração de poderes do Supremo Tribunal Federal, funcionando
este como Tribunal Constitucional, órgão de cúpula do poder judiciário e foro
especializado, levando em conta a chamada ambição normativa da Constituição de
1988, as Emendas Constitucionais n. 3/93, e n. 45/04 e também as leis da ação
75
SADEK, Maria Tereza. Cada juiz é uma ilha e tem muitos poderes em suas mãos. São Paulo: Revista Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-fev-08/entrevista-maria-teresa-sadek-cientista-politic>a. Acesso em 8 fev. 2009. Entrevista concedida a Alessandro Cristo. 76
Sobre o tema, Cf. o trabalho: VERÍSSIMO, Marcos Paulo. A judicialização dos conflitos de justiça distributiva no Brasil: o processo judicial no pós-1988. (Tese de doutorado), USP, 2007. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-10042007-153328/> Acesso em 13 Set. 2009. 77
VIEIRA, Oscar Vilhena. Op. cit. Revista de direito GV, São Paulo, p. 441-464, jul-dez 2008, p. 447.
48
direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade e da lei
da arguição de descumprimento de preceito fundamental, tem-se que o Supremo
adquiriu verdadeira função singular no ordenamento brasileiro quando se compara a
qualquer outra instituição seja na história do Brasil, como nas outras cortes mundiais
na história. É por isso que Oscar Vilhena Vieira emprega o termo supremocracia.78
Supremocracia tem dois sentidos, o primeiro é o da autoridade do Supremo
em relação às outras instâncias do poder judiciário e a segunda seria o da expansão
da autoridade do Supremo em relação aos demais poderes. Em relação ao primeiro
sentido, Oscar Vilhena Vieira79 entende que o Supremo apenas adquiriu verdadeira
autoridade em relação aos outros órgãos da Justiça com a Emenda Constitucional n.
45 de 24 de dezembro de 2004 que instituiu a súmula vinculante (SV). Para o
referido professor, finalmente o “Supremo Tribunal Federal tornou-se supremo”.
Já em relação ao segundo sentido, aquele da expansão da autoridade do
Supremo em relação aos demais poderes, tem-se que depois na CF/88, o Supremo
está centro de nosso sistema político.80 Perante essa nova feição do STF, observou-
se que o mesmo passou de mero coadjuvante para ator do processo de efetivação
das políticas públicas. Como bem anota Maria Tereza Sadek:
Esta semana é do Supremo. As anteriores também foram. As próximas, muito provavelmente, serão. Os temas são variados: habeas-corpus; uso de algemas; registro de candidatos a cargos eletivos; nepotismo; demarcação de terra indígena; interrupção de gravidez de feto anencéfalo; lei seca; lei de imprensa; cotas nas universidades; mensalão; união homoafetiva; transposição do Rio São Francisco; etc. A lista, além de extensa, é repleta de questões sensíveis. [...] Com efeito, de área de interesse quase exclusiva de juristas e de operadores do direito, a Justiça estatal passou a constar da agenda política e da pauta dos meios de comunicação.
81
Diante desse quadro, o que se percebe é que o Supremo está modificando
totalmente o seu modo de ser, ele está adquirindo uma nova feição para se adequar
à essa sua nova função política. Vê-se que o Supremo Tribunal Federal está a
caminho de se tornar efetivamente uma corte constitucional, pois no contexto
histórico em que se busca uma maior efetividade processual, e preservando as
garantias constitucionais e fundamentais, “ressurge de forma renovada no papel de
78
VIEIRA, Oscar Vilhena. Op. cit., p. 444. 79
Idem, ibidem, p. 445. 80
Idem, ibidem. 81
SADEK, Maria Teresa Aina. Ativismo judiciário a pleno vapor. In: O Estado de São Paulo, São Paulo, n. 41956, 31 ago. 2008. Aliás, p. J4.
49
Corte Constitucional, deixando de ser um tribunal de terceira ou quarta instância,
assumindo de forma inconteste o seu papel de guarda maior e intérprete final da
Constituição Federal”82.
A feição que o Supremo Tribunal Federal (STF) vem adquirindo, a partir da
criação da repercussão geral e da súmula vinculante através da EC/45, é o de uma
Corte que valoriza das suas próprias decisões, seja no controle difuso de
constitucionalidade, seja no controle concentrado.
Com isso, o controle concreto de constitucionalidade vem tomando
contornos do controle concentrado, assim como se refere André Ramos Tavares à
tendência brasileira para o método da jurisdição constitucional concentrada e a
“objetivização” do modelo brasileiro de controle de constitucionalidade:
[...] o sistema brasileiro de combinação de modelos sofreu mudanças que, nitidamente, impuseram uma certa “objetivização” ao controle de constitucionalidade realizado em âmbito de processo subjetivo (não sem uma certa contradição teórica, mas com grande alcance prático). Considere-se, aqui, a idéia (sic) de “objetivização” como uma aproximação entre as regras do controle abstrato-concentrado e as regras do controle difuso-concreto, com ascendência daquelas nestas, ou seja, com um predomínio do que seria um processo objetivo.
83
Nesse sentido, convém lembrar o julgamento do HC 82.959/SP, no qual
ficou clara a posição do STF no sentido de se dar maior valor à declaração incidental
de inconstitucionalidade feita no caso concreto, pois a decisão foi redigida no plural
e desse modo, há que se entender que a decisão deveria ser seguida pelo
Judiciário. Segue a decisão:
O Tribunal, por maioria, deferiu o pedido de habeas corpus e declarou, "incidenter tantum", a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, nos termos do voto do relator, vencidos os Senhores Ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Presidente (Ministro Nelson Jobim). O Tribunal, por votação unânime, explicitou que a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não gerará conseqüências jurídicas com relação às penas já extintas nesta data, pois esta decisão plenária envolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado
82
ORTEGA, Carlos Eduardo. O papel do STF como Corte Constitucional. São Paulo: Revista Consultor Jurídico. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2009-out-30/papel-supremo-tribunal-federal-corte-constitucional>. Acesso em 30 out. 2009. 83
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 273.
50
competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão.
84
Assume de vez a qualidade de Tribunal Constitucional também no momento
em que a agenda de julgamento do Supremo é feita pelo próprio Supremo e não por
aqueles casos que acabam por chegar ao Tribunal. Exemplo disso é o caso dos
Recursos Extraordinários, os quais devem ter a chamada Repercussão Geral. Este
instituto é a tradução de que o STF julga apenas os casos que entender como
necessários, pois são os Ministros do Tribunal que dizem quais as causas que tem
Repercussão Geral e quais não tem.
Vale ressaltar, também, a ampliação daqueles que podem promover tanto a
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) e a Ação Direta de Constitucionalidade
(ADECON) significando uma medida mais democrática ao estabelecer agentes da
sociedade para que tenham a legitimidade de promover tais ações.
A participação da sociedade nas decisões do Supremo tem se mostrado
como verdadeira capacidade de o destinatário da decisão exercer influência no
processo decisório. Um exemplo disso é a possibilidade de haver a interferência dos
amici curiae em determinados procedimentos no STF. Sendo entendido o amicus
curiae como aquele que atua como amigo da corte.
Outro dado a se notar é a instituição das audiências públicas para a tomada
de decisões com suporte técnico-político, dando outra dimensão às decisões do
Supremo, pois agora há maior embasamento técnico-político para a tomada de
decisão e é através da participação de diversos setores da sociedade que se fixa o
entendimento acerca de determinado tema, de acordo com previsão no Art. 13 do
RISTF, sobre as atribuições do Presidente do STF, atualizado com a introdução da
Emenda Regimental n. 29/09:
XVII – convocar audiência pública para ouvir o depoimento de pessoas com experiência e autoridade em determinada matéria, sempre que entender necessário o esclarecimento de questões ou circunstâncias de fato, com repercussão geral e de interesse público relevante, debatidas no âmbito do Tribunal.
XVIII – decidir, de forma irrecorrível, sobre a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, em audiências públicas ou em qualquer processo em curso no âmbito da Presidência.
84
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Habeas Corpus 82.959/SP, rel. Min. Marco Aurélio, j.
51
Veja-se o caso da Audiência Pública da Saúde85, convocada pelo presidente
do STF, Ministro Gilmar Mendes, para auxiliar no julgamento dos processos de
competência da Presidência do Supremo que versam sobre direito à saúde e que
contou com a participação de cinquenta especialistas de diversas áreas e que já
serve de suporte para as decisões do Supremo na área da Saúde, tais como nos
casos das Suspensões de Tutela Antecipada n. 175, 178 e 24486 e nos Agravos
Regimentais nas Suspensões de Liminares 47 e 64, nas Suspensões de Tutela
Antecipada 36, 185, 211 e 278, e nas Suspensões de Segurança 2.361, 2.944,
3.345 e 3.355. Nestas decisões, o Supremo fixou o entendimento de que
medicamentos requeridos para tratamento de saúde devem ser fornecidos pelo
Estado, mas principalmente como é que deve se pautar o julgamento nesses casos.
Foi interessante a intervenção do Prof. Luis Roberto Barroso na Audiência
da Saúde Pública com as seguintes proposições: (a) definir o sujeito passivos nas
demandas por prestações de saúde para diminuir os gastos do próprio Estado; (b)
necessidade de participação no Orçamento; e (c) o judiciário deve contribuir para
a implementação de políticas públicas adequadas, quando verificar, mesmo por
meio de demandas individuais, que aquelas que estão postas não são adequadas
ou que não há política pública. Nesse caso, a proposta de Barroso é que se faça a
conversão do debate individual para o debate coletivo, ou seja, o meio mais
adequado seria o da ação coletiva. Nas palavras do autor:
Isso pode se dar – talvez - pela decisão do juiz de oficiar ao Ministério Público e este, então, atuar transformando aquilo numa ação coletiva - isso, de lege lata, já é possível pelo Direito vigente – ou, quem sabe até de lege ferenda, permitir que o juiz transforme aquela ação individual numa ação coletiva, intimando as partes que ele reputa interessadas.
87
As intervenções dos especialistas na audiência pública foram muito
interessantes, devido ao fato de darem outros ângulos aos problemas enfrentados
pelos magistrados, sendo, assim, de grande relevância por servirem de base para se
85
Os dados da Audiência Pública da Saúde estão disponíveis em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaSaude>. 86
COORDENADORIA DE EDITORIA E IMPRENSA. Presidente do STF decide ação sobre fornecimento de remédios com subsídios da audiência pública sobre saúde. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=113461>. Acessado 19 de Setembro de 2009. 87
BARROSO, Luis Roberto. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Luis_Roberto_Barroso.pdf>. Acesso em 10 out. 2009.
52
tomar as decisões necessárias acerca do tema Saúde Pública, principalmente no
que tange à necessidade de fornecimento de remédios pelo Poder Público.
Sobre este último tema, corre no Supremo o Projeto de Súmula Vinculante
(PSV) n. 4, proposta pelo Defensor Público-Geral da União com os seguintes
escopos:
a) torne "expressa tal responsabilidade solidária dos Entes Federativos no que concerne ao fornecimento de medicamento e tratamento médico ao carente, comprovada a necessidade do fármaco ou da intervenção médica, restando afastada, por outro lado, a alegação de i1egitimidade passiva corriqueira por parte das Pessoas Jurídicas de Direito Público [...]" (Fls. 05)
b) torne "expressa a possibilidade de bloqueio de valores públicos para o fornecimento de medicamento e tratamento médico ao carente, comprovada a necessidade do fármaco ou da intervenção médica, restando afastada, por outro lado, a alegação de que tal bloqueio fere o artigo 100, caput e § 2º da Constituição de 1988 [...]" (Fls. 31).
88
Tem o seguinte pedido feito pelo Defensor Público-Geral da União:
Assim, roga o Defensor Público-Geral da União seja editada súmula vinculante tornando expressa responsabilidade solidária dos Entes Federativos no que concerne ao fornecimento de medicamento e tratamento médico ao carente, comprovada a necessidade do fármaco ou da intervenção médica, restando afastada, por outro lado, a alegação de ilegitimidade passiva corriqueira por parte das Pessoas Jurídicas de Direito Público, como já assentado pelos Eminentes Ministros (g. n.)
Também pede:
a possibilidade de bloqueio de valores públicos para o fornecimento de medicamento e tratamento médico ao carente, comprovada a necessidade do fármaco ou da intervenção médica, restando afastada, por outro lado, a alegação de que tal bloqueio fere o artigo 100, caput e pár. 2o. da Constituição de 1988. (g. n.)
89
88
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Proposta de Súmula Vinculante n. 4. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2652147> Acesso em 05 jun. 2009. 89
Idem, ibidem.
53
Concluso à Comissão de Jurisprudência, esta presidida pela Ministra Ellen
Gracie e composta pelos Ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, restou
decidido nestes termos:
Em 26/8/2009, pela Excelentíssima Senhora Ministra Ellen Gracie, Presidente da Comissão de Jurisprudência: "Ante as manifestações dos demais eminentes membros desta Comissão de Jurisprudência (fls. 710-712 e 715-717) quanto à importância, para a análise da presente proposta externa de edição de súmula vinculante, do julgamento de mérito do RE 566.471, rel. Min. Marco Aurélio, cuja matéria envolvida já tem, inclusive, repercussão geral reconhecida (DJE de 07.12.2007), determino o sobrestamento em Secretaria desta proposta até que o referido apelo extremo esteja definitivamente apreciado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Após, retornem-me conclusos os autos. Publique-se.
90
Fica bem claro que deve haver exaustiva discussão sobre o tema no
Plenário do STF nos seguintes termos utilizados pelo Ministro Ricardo Lewandowski:
[...] a jurisprudência da Corte sobre o tema não é pacífica, seja porque em diversas decisões não se analisou a questão porque o bloqueio de verbas foi deferido com base em normas infraconstitucionais - nesse sentido menciono o AI 597.182-AgR/RS, ReI. Min. Cezar Peluso, e o AI 553.7l2-AgR/RS, de minha relatoria, seja porque em situações semelhantes, e à luz do caso concreto, suspensões de segurança, de liminar e de tutela antecipada podem ser deferidas para sustar o bloqueio de verbas - nesse sentido, a SL 254/RS, ReI. Min. Presidente.
Oportunamente, ressalto que a questão da saúde pública é complexa, especialmente sob a perspectiva de fornecimento de medicamento e tratamento médico para as pessoas carentes, e, por representar interesse social de grande relevância, vem sendo objeto de intensas discussões, inclusive neste Tribunal.
Destaco que esta Casa realizou, no último mês de abril, a audiência pública da Saúde, oportunidade em que diversas matérias relacionadas ao tema foram discutidas.
Relembro, ainda, que o Tribunal, no RE 566.471-RG/RN, Rel. Min. Marco Aurélio, reconheceu a repercussão geral da matéria relacionada ao fornecimento de medicamentos de alto custo.
Assim, uma vez que assuntos pertinentes a esta proposta serão oportunamente discutidos pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, a medida mais prudente é o seu sobrestamento.
Também no entendimento do Ministro Joaquim Barbosa, encontramos que:
O acórdão que é objeto do RE 566.471 abordou matéria em diversos ângulos: (a) sujeição passiva de estado membro para responder ao dever constitucional de promoção da saúde quanto, (b) necessidade ou não de
90
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Proposta de Súmula Vinculante n. 4. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2652147> Acesso em 05 jun. 2009.
54
prévia licitação para aquisição do medicamento como obstáculo à prestação jurisdicional e (c) violação da legislação orçamentária. Para que a orientação sumulada possa contar com estabilidade, é conveniente aguardar o julgamento do mencionado recurso extraordinário, para que ele também possa servir de amparo à postulação.
91
Com isso, tem-se que há necessidade de haver o trânsito em julgado das
dos julgados que discutem a questão da súmula vinculante, como meio de se dar
estabilidade e segurança jurídica àquele enunciado vinculante, pois de outro modo,
ao se elaborar o enunciado, pode-se ter que mudá-lo ou ainda cancelá-lo em virtude
da decisão que servia de base ao mesmo, ter tido deslinde diferente por meio de
interposição de recursos.
Concomitantemente, verificou-se na fala dos próprios Ministros do Supremo
a necessidade de se atribuir mais força à decisão judicial dada pelo STF, para
garantir assim a sua necessária autoridade. Na Reclamação Constitucional 7.048, o
Ministro Joaquim Barbosa entendeu que:
Inicialmente, destaco que esta Suprema Corte tem, cada vez mais, firmado o entendimento de que é possível uma causa de pedir aberta em sede de reclamação porquanto tal instituto é voltado à proteção da ordem constitucional (Rcl. 6200 MC/RN; Rcl 6207 MC/AM e Rcl 6189 MC/MS). Sobre o tema, vale registrar o seguinte trecho da decisão monocrática exarada pelo Presidente desta Corte nos autos da Reclamação 6200 MC/RN (DJU 6.2.2009):
“A reclamação constitucional - ' sua própria evolução o demonstra ' - não mais se destina apenas a assegurar a competência e a autoridade de decisões específicas e bem delimitadas do Supremo Tribunal Federal, mas também constitui-se como ação voltada à proteção da ordem constitucional como um todo. A tese da eficácia vinculante dos motivos determinantes da decisão no controle abstrato de constitucionalidade, já adotada pelo Tribunal, confirma esse papel renovado da reclamação como ação destinada a resguardar não apenas a autoridade de uma dada decisão, com seus contornos específicos (objeto e parâmetro de controle), mas a própria interpretação da Constituição levada a efeito pela Corte. A ampla legitimação e o rito simples e célere, como características da reclamação, podem consagrá-la, portanto, como mecanismo processual de eficaz proteção da ordem constitucional, tal como interpretada pelo Supremo Tribunal Federal. E conforme o entendimento que se vem consolidando nesta Corte, quanto à consideração de uma causa de pedir aberta nas reclamações, nada impede a ampliação da análise do presente pedido, para considerar diretamente os fundamentos dos referidos mandados de injunção, ainda que o parâmetro formal de violação apontado pelo reclamante tenha sido a decisão na STA nº 229(...)” (grifei)
92
91
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Proposta de Súmula Vinculante n. 4. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2652147> Acesso em 05 jun. 2009. 92
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação Constitucional n. 7.048. Rel. Min. Joaquim Barbosa.
55
Já na Reclamação 2.363, o Ministro Gilmar Mendes93 fez uma grande
demonstração da aplicação dos precedentes do próprio Supremo, entendendo que a
decisão da ADI n. 1.662 seria um leading case para as hipóteses de controle de
constitucionalidade de leis municipais, assinalando que: “[...] a aplicação dos
fundamentos determinantes de um leading case em hipóteses semelhantes tem-se
verificado, entre nós, até mesmo no controle de constitucionalidade das leis
municipais”.
Continuando sua explanação no referido caso, Gilmar Mendes assevera
que:
Nos autos da ADI 1.662 esta Corte já se pronunciou no sentido de que a previsão de sequestro contida no § 2° do art. 100 da Constituição deve ser interpretada necessariamente de modo restritivo. Decidiu-se, especificamente, que a „equiparação da não inclusão no orçamento das verbas relativas a precatórios, ao preterimento do direito de precedência, cria, na verdade, nova modalidade de sequestro, além da única prevista na Constituição‟.
94
Por fim, para concluir seu voto, Mendes aduz que “não há razão, pois, para
deixar de reconhecer o efeito vinculante da decisão proferida na ADIn.” Com isso,
votou no sentido de procedência dessa reclamação, entendendo que era necessário
aplicar o efeito vinculante dos motivos determinantes da ADIn. 1.662.
Como pondera a Ministra Cármen Lúcia, Relatora da Reclamação 5.389:
É certo que, em algumas oportunidades, este Supremo Tribunal tem-se firmado no sentido de que os fundamentos ou os motivos determinantes adotados em decisões proferidas em processo de controle concentrado de constitucionalidade são dotados de eficácia vinculante, e, portanto, capazes de ensejar o ajuizamento de Reclamação, na hipótese de serem desrespeitados por outros órgãos do Poder Judiciário ou da Administração Pública.
95
Com isso, diante da verificação de que, do modo como estava sendo
pensado e estruturado, o Poder Judiciário brasileiro não tinha condições de
responder satisfatoriamente às pretensões garantidas na Constituição e também
diante da incapacidade de se pensar o processo civil num modelo coletivo efetivo, o
legislador constituinte derivado aprovou a Emenda Constitucional n. 45, apontando
93
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação Constitucional n. 2.363. Rel. Min. Gilmar Mendes. 94
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação Constitucional n. 2.363. Rel. Min. Gilmar Mendes. 95
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação Constitucional n. 5.389. Rel. Min. Cármen Lúcia.
56
soluções para os problemas de efetividade e celeridade processual. Dentre estas,
destacamos a súmula vinculante, prevista no Art. 103-A da CF/88 sobre a qual
passa-se a arrazoar no item seguinte. Por tal razão, faz-se resgate histórico no
sentido de se verificar as bases do estabelecimento da súmula vinculante no
ordenamento jurídico brasileiro.
2.2 A CAMINHADA EM DIREÇÃO À SÚMULA VINCULANTE
No Brasil, não é nova a adoção de súmulas para se declarar a jurisprudência
dominante, nem acerca da vinculação das decisões judiciais das mais altas cortes
em relação às cortes inferiores. Pode-se verificar uma verdadeira caminhada em
direção à atual súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal.
Começa-se desde cedo, com a influência do instituto das fazañas e
alvedrios, que vieram para o Brasil Colônia através do direito português/espanhol
tendo-se em vista que, o Reino de Portugal fora anexado temporariamente pela
Espanha por questões dinásticas, com os reflexos, inclusive jurídicos, também na
colônia. Logo em seguida, foram transformados pelas Ordenações Manuelinas e
Filipinas no mecanismo dos assentos da Casa de Suplicação, que vigorou desde o
descobrimento do Brasil até a promulgação da República, em 1891.96
As fazañas eram tidas como verdadeiros exemplos a serem seguidos, no
sentido de que eram sentenças, casos julgados notáveis e duvidosos, que tinham
força vinculante em decorrência da autoridade reconhecida que as proferia e
aprovava, funcionando como aresto para se imitar e seguir como lei quando
ocorresse o mesmo caso de novo.97
96
JANSEN, Rodrigo. A súmula vinculante como norma jurídica. Revista dos Tribunais, v. 94, n. 838, p. 42-74, ago. 2005, p. 2. 97
CRUZ E TUCCI, José Rogério. O precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 120.
57
Já as Ordenações Manuelinas e Afonsinas, por sua vez, apontavam como
fonte do direito os chamados Estilos da Corte de Suplicação, entendidos como a
jurisprudência dominante constante e uniforme dos tribunais superiores, desde que
não fossem contrários às leis, fossem aplicados há mais de dez anos e que
houvesse mais de duas decisões no mesmo sentido, perfazendo a jurisprudência
constante. Assim dispunham as Ordenações Manuelinas de 1512, no Livro V, Título
58, §1º, verbis:
E assim havemos por bem, que quando os Desembargadores que forem no despacho d‟algum feito, todos ou algum deles tiverem alguma dúvida em alguma nossa Ordenança do entendimento dela, vão com a dita dúvida ao Regedor, o qual na Mesa Grande com os Desembargadores que lhe bem parecer a determinará, e segundo o que for determinado se porá a sentença. E se na dia Mesa forem isso mesmo em dúvida, que ao Regedor pareça que é bem de no-lo fazer, para nós logo determnarmos, no-lo fará saber, para nós nisso provermos. E os que em outra maneira interpretarem nossas Ordenações, ou derem sentenças em algum feito, tendo algum deles dúvida no entendimento da dita Ordenança, sem irem ao Regedor como dito, serão suspensos até nossa mercê. E da determinação que sobre o entendimento da dita Ordenação se tomar, mandará o Regedor escrever no livrinho para depois não vier em dúvida.
98
Taranto99 explica que os assentos possuíam o escopo de dirimir dúvidas de
interpretação por conta dos julgamentos. Nesse sentido, quando não houvesse
consenso entre os Desembargadores da Casa de Suplicação, estes mandavam a
matéria ao Rei para ser interpretada. Diante da interpretação do Rei é que se
escrevia o assento “no caderninho para depois não vier em dúvida”, como já
referido.
Logo após, em 18 de agosto de 1769, por inspiração do Marquês de
Pombal, promulgou-se a Lei da Boa Razão, cujo Art. 4º prescrevia que “os assentos
já estabelecidos, que tenho determinado que sejam publicados e os que se
estabelecerem daqui em diante sobre as interpretações das leis, constituem leis
inalteráveis para sempre se observarem como tais, debaixo das penas
estabelecidas” 100. Além disso, a referida lei também suprimiu a competência das
Relações do Porto, da Bahia e do Rio de Janeiro, sendo que esta foi restabelecida
com a fuga da família real para o Brasil em 1808. Os assentos continuaram a valer
no Brasil até a promulgação da República, em 1891.
98
TARANTO, Caio Márcio Gutterres. Precedente judicial: autoridade e aplicação na jurisdição constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 25. 99
Idem, ibidem. 100
Idem, ibidem, p. 26.
58
Já nos idos da República, Rui Barbosa advogou em um célebre caso que
ficou conhecido como “crime de hermenêutica”, no qual um juiz declarou
inconstitucional uma lei do Estado do Rio Grande do Sul, que “abolira certas
características essenciais à instituição do júri, como o voto secreto e as recusas
peremptórias, sem justificação das partes”.101 Como os desembargadores do
Tribunal entendiam que a referida lei era constitucional, resolveram processar
aquele juiz.
Rui Barbosa, advogado do juiz, estabeleceu a defesa em dois elementos
essenciais para as nações modernas: o júri e a independência da magistratura.
Nesta parte, o festejado advogado pugnou pelo que chamou de “novum crimen, ou
crime de hermenêutica”, sustentando a tese da autonomia intelectual do juiz, para
que não se converta "em espelho inerte dos tribunais superiores", pois nesse
momento sua vida seria "um curso intolerável de humilhações". Arrematando: "A
questão, em última análise, se reduz, pois, a isto: um conflito intelectual de duas
hermenêuticas, falíveis ambas e ambas convencidas".102 O juiz monocrático estaria
obrigado a interpretar a lei exatamente do mesmo modo que os tribunais superiores.
Evandro Lins e Silva, Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal
(STF), aduz que a adoção da súmula vinculante seria, do mesmo modo, a tentativa
de se adotar o “crime de hermenêutica” referido por Rui Barbosa, pois o juiz
monocrático apenas iria refletir a decisão sumulada pelos tribunais superiores.
Parece ser correto o pensamento de do Ex-Ministro, quando se pensa que
atualmente os juízes são avaliados pelo montante de decisões prolatadas e pela
quantidade de decisões que foram reformadas em grau superior, havendo intenso
controle por parte do Conselho Nacional de Justiça.
Nesse sentido, nada mais cômodo para os juízes do que seguir o
entendimento dos tribunais superiores. Em razão disso, qualquer entendimento
contrário ao daquele dos tribunais seria tido como subversivo, podendo o juiz até ser
advertido em razão de suas sentenças estarem sendo modificadas pelos tribunais
superiores.
101
LINS E SILVA, Evandro. Crime de hermenêutica e súmula vinculante. Revista Jurídica Consulex, v. 1, n. 5, p. 43 – 45, maio 1997. 102
Idem, ibidem.
59
Após o entendimento esboçado por Rui Barbosa, Haroldo Valladão, em 1946
através da proposta apresentada pelo Instituto dos Advogados Brasileiros à
Constituinte daquele ano e novamente em 1964 através do Anteprojeto de Lei Geral
de Aplicação das Normas Jurídicas, propôs a criação da chamada “resolução
unificadora da jurisprudência do STF”. Pretendia o referido jurista fazer com que
referida resolução tivesse natureza obrigatória para os juízes e tribunais. Porém,
ambas as propostas não foram aceitas, como nos explica Cármen Lúcia.103
Por sua vez, o Anteprojeto de Código de Processo Civil elaborado por
Alfredo Buzaid pretendia adotar o mecanismo dos assentos vinculativos, inspirado
nos assentos vinculativos do direito português. Nos moldes do Anteprojeto:
Art. 518. A decisão, tomada pelo voto da maioria absoluta dos membros efetivos que integram o tribunal, será obrigatória, enquanto não modificada por outro acórdão proferido nos termos do artigo precedente.
Art. 519. O presidente do tribunal, em obediência ao que ficou decidido, baixará um assento. Quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicado, o assento terá força de lei em todo o território nacional. (grifo nosso)
Porém, tal instituto não foi consagrado pelo Código de Processo Civil
brasileiro, sendo rejeitado pela Comissão Revisora da proposta do Anteprojeto com
o fundamento de que ao se reintroduzir os assentos vinculantes inspirados no direito
lusitano estar-se-ia colidindo com o princípio da separação dos poderes, pois o
Poder Judiciário estaria editando normas jurídicas.104 O Código, no entanto, acabou
por deixar naquele capítulo destinado aos assentos vinculativos apenas o
mecanismo da uniformização da jurisprudência, mecanismo este pouco utilizado na
prática devido ao fato de a decisão prolatada ser vinculante apenas para o caso
concreto.
Foi no ano de 1963 que o Ministro do STF, Victor Nunes Leal, inconformado
com o excesso de trabalho que havia no Supremo, idealizou, com base em razões
práticas e inspirado no princípio da igualdade, o sistema de Súmulas de Orientação
Predominante do Supremo Tribunal Federal. Em texto amplamente citado pela
doutrina, o Ministro sintetiza as qualidades da Súmula:
103
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Sobre a súmula vinculante. GENESIS - Revista de Direito Administrativo Aplicado, v. 4, n. 15, p. 905-921, out./dez. 1997. 104
Idem, ibidem.
60
[...] a 'súmula' realizou o 'ideal do meio-termo', quanto à estabilidade da jurisprudência (...), ela ficou entre a dureza implacável dos antigos assentos da Casa da Suplicação, 'para a inteligência geral e perpétua da lei', e a virtual inoperância dos prejulgados. É um instrumento flexível, que simplifica o trabalho da Justiça em todos os graus, mas evita a petrificação, porque a 'súmula' regula o procedimento pelo qual pode ser modificada (...) Firmar a jurisprudência de modo rígido não seria um bem, nem mesmo seria viável. A vida não pára, nem cessa a criação legislativa e doutrinária do Direito. Mas vai uma enorme diferença entre a mudança, que é freqüentemente necessária, e a anarquia jurisprudencial, que é descalabro e tormento. Razoável e possível é o meio-termo, para que o STF possa cumprir o seu mister de definir o direito federal, eliminando e diminuindo os dissídios da jurisprudência.
105
Cândido Rangel Dinamarco106 explica o que chama de recente caminhada
de valorização da jurisprudência que, segundo ele, teve início com a criação da
súmula do Supremo Tribunal Federal em 1963 através de seu Regimento Interno,
passando pela instituição de lei do que estava somente no regimento, bem como
pelo acréscimo dos poderes do relator de Recurso Especial, sempre observando os
precedentes judiciais, culminando então com a súmula vinculante.
Passa-se, então, no item seguinte a analisar esse instituto denominado pela
doutrina de súmula vinculante.
2.3 O QUE É SÚMULA VINCULANTE MESMO?
Preliminarmente, se faz necessário caracterizar o que seja súmula, para
depois entender o que é o efeito vinculante. Com isso, tem-se que a palavra súmula
vem do latim summula, que significa a síntese de uma orientação107. Cármen Lúcia
nos explica que a súmula pode ser compreendida em dois sentidos: no primeiro,
aquele que se tem a súmula como o resumo de um julgado, elaborado pelo órgão
julgador. Já no segundo entendimento, tem-se que a súmula é tida como o resumo
105
LEAL, Victor Nunes. Apud. ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Sobre a súmula vinculante. GENESIS – Revista de Direito Administrativo Aplicado, v. 4, n. 15, p. 905-921, out./dez. 1997. 106
DINAMARCO, Cândido Rangel. Súmulas vinculantes. Revista Forense, v. 95, n. 347, p 51-65, jul./ago. 1999. 107
TARANTO, Caio Márcio Gutterres. Precedente judicial: autoridade e aplicação na jurisdição constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 169.
61
de uma tendência da jurisprudência adotada pelo tribunal sobre uma matéria
específica e que é “enunciada em forma legalmente definida e publicada em número
de ordem”108.
Com essa definição, e levando em consideração o Art. 103-A da CF, que diz
claramente que a súmula do STF poderá ser declarada vinculante quando houver
reiteradas decisões do Tribunal sobre matéria constitucional, tem-se que a melhor
definição estaria prescrita no segundo sentido, para o qual a súmula seria um
resumo de uma tendência jurisprudencial e que é enunciada de forma legalmente
definida, respeitando o artigo já referido da CF, além da Lei 11.417/2006, que
regulamenta a edição, revisão e cancelamento da SV.
2.3.1 O efeito vinculante
Diferencia-se o efeito vinculante do chamado efeito erga omnes. Tal idéia foi
introduzida no Projeto de Emenda Constitucional n. 130/1992, apresentada pelo
Deputado Roberto Campos, que continha a justificação baseada nos estudos de
Gilmar Mendes, cujo esclarecimento merece transcrição por sua clareza:
Além de conferir eficácia erga omnes às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle de constitucionalidade, a presente proposta de emenda constitucional introduz no direito brasileiro o conceito de efeito vinculante em relação aos órgãos e agentes públicos. Trata-se de instituto jurídico desenvolvido no Direito processual alemão, que tem por objetivo outorgar maior eficácia às decisões proferidas por aquela Corte Constitucional, assegurando força vinculante não apenas à parte dispositiva da decisão, mas também aos chamados fundamentos ou motivos determinantes (tragende Gründe).
109
De acordo com a explicação de Gilmar Mendes, o efeito vinculante faz com
que se esteja vinculado aos fundamentos da decisão, enquanto que a eficácia erga
108
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Sobre a súmula vinculante. GENESIS - Revista de Direito Administrativo Aplicado, v. 4, n. 15, p. 905-921, out./dez. 1997. 109
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. 2ª. ed. revista e ampliada. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, p. 435-458.
62
omnes faria com que o dispositivo da sentença fosse válido para todos, valendo,
então, para todos, não sendo apenas inter partes.
Tem-se que tal instituto foi inspirado diretamente pela Bindungswirkung
(efeito vinculante) do direito alemão, que consta no §31, I da Lei da Corte
Constitucional alemã. Este foi desenvolvido pela doutrina e jurisprudência alemãs no
afã de se ampliar os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada no âmbito da
jurisdição estatal (Staasgerichtsbarkeit), influenciado também pela concepção de
que a decisão proferida pela Corte não teria as qualidades de lei, mas sim a força de
lei.
Explicando o efeito vinculante do precedente, Didier aponta que a norma
jurídica geral, também tida como ratio decidendi110, estabelecida na fundamentação
de determinadas decisões judiciais “tem o condão de vincular decisões posteriores,
obrigando que os órgãos jurisdicionais adotem aquela mesma tese jurídica na sua
própria fundamentação” 111. Para o referido doutrinador:
[...] não se pode confundir o efeito vinculante do precedente com o efeito vinculante que, em determinadas hipóteses, decorre da coisa julgada. Assim, por exemplo, as decisões proferidas pelo STF em ações de controle concentrado de constitucionalidade têm efeito vinculante em relação a todos os demais órgãos jurisdicionais do país e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (art. 102, §2º, CF; art. 28, p. único, Lei Federal n. 9.868/99; art. 10, §3º, Lei Federal n. 9.882/99). Mas essa vinculação decorre do fato de, nessas hipóteses, a coisa julgada ser erga omnes por expressa disposição legal. Por conta disso, o Poder Público está vinculado não à tese jurídica firmada na fundamentação do julgado (ratio decidendi), mas sim à norma jurídica estabelecida, pelo STF, no dispositivo da decisão que resolve ação de controle concentrado de constitucionalidade.
112
Portanto, tem-se que o efeito vinculante iria se referir à vinculação da
fundamentação daquilo que foi julgado, enquanto que o efeito erga omnes refere-se
ao efeito decorrente da coisa julgada, fazendo com que se esteja vinculado à norma
jurídica estabelecida no caso julgado, ou seja, ao dispositivo da sentença.
110
Sobre ratio decidendi, cf. item 1.4.3. 111
DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paulo Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil – Volume 2. 4ª Ed. São Paulo: Juspodivm, 2009, p. 389. 112
Idem, ibidem, p. 389.
63
2.3.2 A súmula vinculante
Nos moldes como foi elaborada, a súmula vinculante é um mecanismo
inovador, entendida como a intersecção de dois sistemas, do civil law e do common
law113, sendo tida também como a transposição do controle concreto-difuso de
constitucionalidade para o controle abstrato-concentrado, pois transpõe-se a decisão
de um recurso extraordinário, por exemplo, para que se tenha o efeito vinculante
próprio do controle concentrado114.
Pode-se dizer que ela é a ampliação dos efeitos de decisões com caráter
inter partes, ou ainda com certa eficácia limitada115, para uma decisão enunciada em
uma súmula com caráter vinculante.
Patrícia Perrone define a súmula vinculante como sendo um
[...] instrumento de consolidação do teor dos precedentes judiciais, dotado de eficácia normativa, sujeitando-se seu descumprimento, inclusive, ao ajuizamento de reclamação perante o STF, muito embora as súmulas sejam passíveis de alteração e cancelamento.
116
Para José Miguel Medina, Luis Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim
Wambier117, a súmula vinculante irá fazer com que a prestação jurisdicional seja de
melhor qualidade, pois irá diminuir consideravelmente a sobrecarga de trabalho dos
113
Em Marcelo Dias Souza encontramos: “De toda sorte, a adoção da súmula universalmente vinculante é mais um passo para a interseção dos dois sistemas, o common law e o civil law, o que, para o Brasil, abeberando-se da experiência de outros países sem preconceitos, pode ser de grande valia.” SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. 1ª ed. ano 2006, 3ª reimp. (2008). Curitiba: Juruá, 2008. André Ramos Tavares entende que o sistema do precedente common law seria necessário apenas para se compreender a idéia-matriz da súmula vinculante, pois os dois institutos se dissociariam em diversos pontos. TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 5ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 361. 114
TAVARES, André Ramos. Nova Lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei 11.417 de 19.12.2006. 3ª ed. São Paulo: Método, 2009, p. 24-25. 115
Nesse sentido, as Súmulas Vinculantes 4 e 13, que vieram de ADINs com eficácia limitada, na primeira as ações eram restringidas pelo fato de serem contra leis estaduais e na segunda por serem referentes apenas ao poder judiciário, e que ganharam eficácia erga omnes pelo processo de criação da súmula vinculante. 116
MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes – O desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 104. 117
MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. A súmula vinculante vista como meio legítimo para diminuir a sobrecarga de trabalho dos tribunais brasileiros. Revista Jurídica, v. 57, n. 379, p. 29-52, maio 2009.
64
Tribunais de 1º grau, depois para os Tribunais de 2º grau e finalmente para os
Tribunais de cúpula.
Lênio Luiz Streck118 explica que as súmulas fazem a programação e a
reprogramação de sentido no sistema jurídico, pois que as editaria programaria o
sistema, enquanto que aqueles que a aplicavam apenas replicariam aquilo que foi
decidido.
Quanto à aplicação da súmula vinculante, adverte que a interpretação feita
pelos Magistrados de instâncias inferiores seria apenas mecânica devido ao fato de
que apenas o Supremo diria a qual é a interpretação da norma. Para o referido
autor, a súmula vinculante é uma metacondição de sentido, ou seja, produz um
discurso monológico que impede a alteridade hermenêutica, pois não deixa outro
intérprete dar outro sentido à norma. 119
Com isso, a pergunta que se faz é qual a relação entre a mecanicidade que
o juiz dará as decisões judiciais e a eficácia da prestação jurisdicional, pois para o
referido autor: “... não devemos sucumbir à sedução sistêmica de um mecanismo
que pretende ser um plus em relação à própria lei”.
A segurança jurídica e a previsibilidade não são atingidas somente com a
súmula vinculante, pois o requisito para a elaboração de uma SV é justamente o de
haver controvérsia tanto entre os próprios órgãos jurisdicionais quanto entre os
órgãos jurisdicionais e a administração pública e que esta controvérsia acarrete
grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos. Por esses
requisitos, vê-se que não é sobre todas as matérias que o Supremo poderá (deverá)
editar uma súmula vinculante.
Esses requisitos devem ser analisados tanto pelos Ministros quanto por
demais sujeitos que possam influenciar na decisão acerca da súmula vinculante.
Evidencia-se, no sistema brasileiro, necessidade de verdadeiro apego aos
precedentes constitucionais, tendo em vista que com o nosso controle difuso e
também com o concentrado, é o Supremo Tribunal Federal o guardião da
118
STRECK, Lênio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro: eficácia, poder e função – a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. 119
Idem. As súmulas vinculantes e o controle panóptico da justiça brasileira. Argumentum – Revista de Direito – Universidade de Marília. Vol. 04. Marília: UNIMAR, 2004. Disponível em <http://www.unimar.br/pos/rev_D/Direito_vol_04.pdf>. Acesso em 02 fev. 2009.
65
Constituição e, desse modo, as suas decisões devem ser respeitadas pelos juízes
de instâncias inferiores, independentemente de haver súmula vinculante ou até
mesmo as súmulas meramente persuasivas da jurisprudência dominante do
Supremo. Nesse tocante, convém ressaltar as palavras do professor Marinoni:
Na verdade, o sistema de súmulas, como única e indispensável forma para a vinculação dos juízes, é contraditório com o fundamento que, embora não explícito, justifica o respeito obrigatório aos precedentes constitucionais. O que justifica o respeito aos precedentes é a igualdade, a segurança jurídica e a previsibilidade.
De modo que, em princípio, uma simples decisão tomada pelo pleno do STF, não importa a qualidade da maioria obtida, não pode deixar de vincular o próprio STF e os demais tribunais e juízes. Não há razão lógica para se exigir decisões reiteradas, a menos que se parta da premissa de que o STF não se importa com a força de cada uma das suas decisões e supõe não ter responsabilidade perante os casos futuros.
120
Apesar do fato de o juiz ordinário ter o poder-dever de exercer o controle de
constitucionalidade no caso concreto, tem-se que ele deve se pautar, ou melhor,
deve respeitar as decisões já adotadas pelo STF, pois se sabe que é o próprio
Supremo que dará a última decisão em matéria constitucional. Nesse tocante,
Marinoni chega a escrever que “Quando se tem claro que a decisão é um mero
produto do sistema judicial, torna-se pouco mais do que absurdo admitir a
possibilidade de o juiz ordinário contrariar as decisões do STF”. 121
Justifica que com a força do constitucionalismo e com a necessidade de
cláusulas abertas para a atuação do judiciário, o modelo de juiz estabelecido para o
civil law foi imensamente modificado, pois este deve ter um papel diferenciado na
sociedade, realizando a sua função no sistema.
Com isso, a impressão que se tem é que Marinoni acredita não haver muita
diferença entre a decisão do STF no caso concreto acerca da constitucionalidade e
da súmula vinculante, porém, o autor explica a discrepância fundamental: jurista do
civil law não se preocupou em estudar a interpretação do precedente e sim a
interpretação da lei, tendo, assim, dificuldade em identificar a tese que efetivamente
foi proclamada pelo tribunal para a solução da questão constitucional, sendo
120
MARINONI, Luis Guilherme. Aproximação Crítica entre as Jurisdições de Civil Law e de Common Law e a Necessidade de Respeito aos Precedentes no Brasil. Revista de Processo, v. 172, p. 175-232, 2009, p. 221. 121
Idem, ibidem, p. 223.
66
necessária, então, a declaração do próprio Supremo acerca de qual parte de seus
julgados devem necessariamente vincular os demais órgãos.
Contudo, ainda segundo Marinoni:
A compreensão da necessidade de cada uma das decisões do STF vincular ao próprio tribunal e aos demais juízes advém da premência de se dar sentido à função da mais alta Corte brasileira diante do sistema de controle de constitucionalidade. Não há racionalidade em supor que apenas algumas das suas decisões [do STF], tomadas no controle difuso, merecem ser respeitadas pelo próprio tribunal e pelos demais juízes, como se o jurisdicionado não devesse confiar nas decisões do STF antes de serem sumuladas. Ora, isto seria o mesmo que supor que a segurança jurídica e a previsibilidade dependeriam das súmulas e, por conseqüência, que o próprio Poder Judiciário, diante do sistema ao qual é submetido, não teria capacidade de responder aos seus deveres e aos direitos fundamentais do cidadão perante a justiça.
122
Marinoni explica que determinados dispositivos da Lei 9.718/1998, que
instituiu nova base de cálculo para a incidência de PIS (Programa de Integração
Social) e COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), foram
declarados inconstitucionais nos Recursos Extraordinários 346.084/PA, 357.950/RS
358.273/RS e 390.840/MG, julgados em 09.11.2005. Para o referido autor, as razões
que levaram o STF a declarar a inconstitucionalidade do §1º, Art. 3º da Lei
9.718/1998 são cristalinas, de fácil compreensão, identificáveis no voto do Min.
Relator Marco Aurélio.
Ainda sobre a referida declaração de inconstitucionalidade da Lei 9.718/98,
Marinoni123 aduz que a ratio decidendi dos casos são as razões retiradas do voto do
Min. Relator dos recursos extraordinários: “(i) o legislador criou uma fonte de custeio
da seguridade à margem do disposto no Art. 195 da CF; (ii) a EC 20 não poderia
repristinar (fenômeno de constitucionalidade posterior) a norma infraconstitucional,
porque a constitucionalidade da norma infraconstitucional mede-se a partir do texto
constitucional vigente à época”.
Porém, prossegue o professor da Universidade Federal do Paraná, há casos
em que não é tão fácil extrair a ratio decidendi de um precedente, o que faz com que
se necessite de várias decisões para que seja precisada a ratio decidendi do caso.
Para isso, é necessária uma decisão que se sobreponha às decisões anteriores a
122
MARINONI, Luis Guilherme. Op. cit., p. 221. 123
Idem, ibidem, p. 225.
67
respeito do caso e que individualize a ratio decidendi que antes era obscura e de
difícil compreensão.124
Seria por isso, ainda segundo Marinoni, que o constituinte derivado
estabeleceu no Art. 103-A da CF o procedimento para a criação de súmula com
efeito vinculante, pois quando a ratio decidendi desponta de forma cristalina da
decisão, é desnecessária a súmula vinculante. Conclui que “quando existem
decisões de natureza complexa e obscura, deve-se editar súmula para restar
precisada a ratio decidendi”.125
Não obstante, a ratio decidendi nem sempre é imediata e facilmente extraível de um precedente, e, em outras situações, pode exigir a consideração de várias decisões para poder ser precisada. Nessas hipóteses é imprescindível uma decisão que, sobreponde-se às decisões já tomadas a respeito do caso, individualize a ratio decidendi, até então obscura e indecifrável.
126
Acontece que durante o julgamento de idêntica questão dos Recursos
Extraordinários citados por Marinoni, na Repercussão Geral por Questão de Ordem
no Recurso Extraordinário n. 585.235/ MG, sob a relatoria do Min. Cezar Peluso, o
Plenário do STF, além de reconhecer a repercussão geral da questão, também se
pronunciou acerca da necessidade de se encaminhar a questão para a edição de
súmula vinculante, tornando-se, então, a Proposta de Súmula Vinculante n. 22 (PSV
22), com as seguintes propostas de enunciado:
TRIBUTO. COFINS. BASE DE CÁLCULO. CONCEITO DE RECEITA BRUTA. INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 3º DA LEI 9718/98: “É inconstitucional o § 1º do art. 3º da Lei nº 9.718/98, que ampliou a base de cálculo do PIS e da COFINS.” ou “A alteração da base de cálculo da COFINS, pelo art. 3º, § 1º, da Lei 9718/98, mediante a ampliação do conceito de faturamento, violou o art. 195, I e § 4º, da CF, vício que a subseqüente edição da Emenda Constitucional 20/98 não convalidou.” ou “É inconstitucional o § 1º do art. 3º da Lei nº 9.718/1998, que ampliou o conceito de receita bruta, a qual deve ser entendida como a proveniente das vendas das mercadorias e da prestação de serviços de qualquer natureza.” ou “É inconstitucional o parágrafo 1º do art. 3º da Lei nº 9.718/98, que ampliou o conceito de receita bruta, a qual deve ser entendida como a proveniente das vendas de mercadorias e da prestação de serviços de qualquer natureza, ou seja, a soma das receitas oriundas do exercício das atividades empresariais.”
127
124
MARINONI, Luis Guilherme. Op. cit., p. 221. 125
Idem, ibidem. 126
Idem, ibidem. 127
Edital de 13/5/2009 - Data de publicação DJE nº 94, divulgado em 21/05/2009.
68
Com isso, parece que o Supremo não adotou o pensamento de Marinoni, ou
seja, que o STF, mesmo tendo precedentes claros acerca de determinado tema,
prefere valorizar estes precedentes erigindo-os a uma súmula vinculante para que
assim possa ser seguida a sua orientação e também para poder fazer valer a sua
autoridade.
Muito se fala acerca da commonlawlização do sistema brasileiro128, ou seja,
que o mecanismo da súmula vinculante seria a excrescência da civil law, que
estaríamos importando instituto do common law sem nos atentarmos para as nossas
raízes do civil law. O que realmente acontece é que ambos os institutos estão em
fase de interseção, sendo que é necessário compreender o rumo para o qual está
tomando tanto o ordenamento jurídico brasileiro quanto o seu sistema jurisdicional.
A criação da súmula vinculante tonou-se um paradoxo. Ao mesmo tempo em
que se afirma a autoridade do Supremo Tribunal Federal, também se está afirmando
a impotência, ao menos em tese, de que as suas decisões sejam seguidas, pois a
supremacia do STF estaria ligada à produção de uma súmula vinculante e apenas
no momento em que os requisitos da mesma fossem preenchidos.
2.3.3 O procedimento de criação, revisão e cancelamento da súmula
vinculante
Na própria Constituição há referência à lei posterior a ser criada para
disciplinar, ao menos, o procedimento de modificação e cancelamento de súmula
vinculante em seu Art. 103-A. Neste, encontramos a disposição “na forma
estabelecida em lei”. Por isso, o advento da Lei 11.417 de 2006 para completar o
instituto da súmula vinculante. Da redação do Art. 103-A da CF pode-se chegar a
duas conclusões em relação à necessidade de criação de uma lei ordinária para
disciplinar a criação, alteração e cancelamento da súmula vinculante.
128
Autores como Luiz Guilherme Marinoni, Tereza Arruda Avim Wambier, Marcelo Dias Souza, entre outros.
69
A primeira possibilidade é a de que somente se poderá criar, modificar e
cancelar uma Súmula Vinculante depois de haver uma Lei ordinária que
regulamente a matéria. Já o segundo entendimento, que restou dominante, é de que
apenas a modificação e o cancelamento da SV é que devem acontecer após serem
regulamentadas por Lei ordinária.
Tal se dá devido ao fato de a própria Constituição Federal já conter todos os
elementos necessários a fim de atribuir eficácia ao instituto denominado súmula
vinculante. No entendimento de L. Wambier, T. Wambier e Medina, a lei a ser
editada pouco poderia acrescentar ao dispositivo constitucional para dar-lhe eficácia,
pois este já define: o objeto da súmula vinculante; quem tem legitimidade para
provocar a criação, revisão e cancelamento; quem tem competência para decidir a
respeito da súmula vinculante; e, finalmente, qual é o meio de impugnar decisão que
contraria a súmula vinculante 129.
A Lei 11.417/2006 (LSV) regulamentou a súmula vinculante, desse modo, foi
preciso uma lei ordinária para disciplinar o trâmite peculiar da SV. Evidencia-se,
assim, a necessidade de se pensar o processo do qual deriva a súmula vinculante
como sendo um processo objetivo típico, mas com alguns nuances, pois há a
transposição do caso concreto (reiteradas decisões) para o controle abstrato
(eficácia vinculante) em um procedimento com algumas características próprias. É
neste sentido o entendimento do Professor da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, André Ramos Tavares:
[...] parece ser mais adequado compreender o iter processual de produção de súmula vinculante como um processo objetivo típico, embora com certas peculiaridades, que promove a aproximação entre o controle difuso-concreto de constitucionalidade (reiteradas decisões) e o controle abstrato-concentrado (efeito erga omnes – vinculante). Esta conclusão acabou por reforçar a necessidade de que fosse editada a presente lei regulamentadora [Lei 11.417/06] para fins de disciplinar o processo de tomada de decisão quanto à adoção (ou não) e ao conteúdo da súmula.
130
Depois do advento da referida Lei, houve a publicação da Resolução nº. 381
do STF de 29.10.2008, que criou uma classe processual denominada Proposta de
129
WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil, 3: Leis 11.382/2006, 11.417/2006, 11.418/2006, 11.341/2006, 11.419/2006, 11.441/2006 e 11.448/2006. São Paulo: RT, 2007, p. 256. 130
TAVARES, André Ramos. Nova Lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei 11.417 de 19.12.2006. 3ª ed. São Paulo: Método, 2009, p. 31.
70
Súmula Vinculante (PSV) para o processamento de proposta de edição, revisão ou
cancelamento de súmula vinculante no STF.
Antes da publicação da referida resolução, o Conselho Federal da OAB
propôs edição de súmula vinculante através da Petição nº. 4411, a qual se tornou a
Proposta de Súmula Vinculante nº. 1 (PSV-001). Foi recebida como Petição, pois o
Art. 56 do Regimento Interno do STF assim o estabelecia.
Já a Resolução nº. 388 de 05.12.2008 levou em conta o Art. 10º da LSV131,
que prega a subsidiariedade do RISTF, e disciplinou o processamento de proposta
de edição, revisão e cancelamento de súmulas, disciplinando desde o recebimento
da PSV até o seu encaminhamento para o Plenário, assim como a sua forma de
tramitação, que será exclusivamente eletrônica e disponível no sítio do STF. Mister
se faz notar que esta Resolução nº. 388/2008 disciplina a edição, revisão e
cancelamento de súmulas de um modo geral, não necessariamente de uma súmula
vinculante.
Como a referida Resolução não veio disciplinar apenas a criação de súmula
vinculante, também disciplina a criação de súmula comum, deve-se utilizar a
Resolução de acordo com o que ficou previsto tanto na Constituição Federal como
na PSV, não se alterando, assim, a finalidade da Resolução que é disciplinar a
edição, revisão ou cancelamento de súmula.
Deveras, no sentir de André Ramos Tavares, há um excesso de regras e
novidades desnecessárias por parte da Resolução 388/2008. Para tal doutrinador, a
súmula vinculante é um instrumento constitucional do processo de controle de
constitucionalidade e, portanto, deve observar o rito descrito na Lei 9.868/1998
(ADIN e ADC), devendo ser adotado outro procedimento apenas em relação àquilo
que não é compatível com o instituto da súmula vinculante. 132
Ainda segundo o doutrinador, a resolução 388/2008 pecou em três aspectos
com relação à súmula vinculante: (i) esqueceu-se da figura do relator; (ii) restringiu o
prazo dos interessados para se manifestar; e (iii) relegou a atuação do Procurador
Geral da República somente à Fase Plenária.
131
BRASIL. Lei 11.417/2006. Art. 10. O procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula com efeito vinculante obedecerá, subsidiariamente, ao disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. 132
TAVARES, André Ramos. Op. cit., p. 102.
71
Em relação ao processamento da PSV, tem-se que, preliminarmente, haverá
o seu recebimento pela Secretaria Judiciária do STF, a qual registrará, autuará como
PSV, publicará no sítio do Supremo e também no Diário Eletrônico da Justiça o
edital para a manifestação dos interessados e esta deverá ocorrer no prazo de cinco
dias133.
Após esse prazo de manifestação dos interessados, a PSV será
encaminhada para a Comissão de Jurisprudência, a qual deverá se manifestar
acerca da adequação formal da proposta no mesmo prazo de cinco dias, isto é,
manifestar-se acerca dos requisitos extrínsecos da PSV, ou seja, da sua adequação
formal.
Em relação a esses requisitos extrínsecos, conforme estabelecido pela
Comissão de Jurisprudência presidida pela Ministra Ellen Gracie na sua
manifestação em relação ao PSV n°. 1, tem-se que deve ser analisado o seguinte:
d) a legitimidade ativa ad causam do proponente da PSV nos termos do
art. 103-A § 2º da CF e também do art. 3º da Lei 11.417/06; 134
133
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Resolução 388/2008. Art. 1º Recebendo proposta de edição, revisão ou cancelamento de súmula, vinculante ou não, a Secretaria Judiciária a registrará e autuará, publicando edital no sítio do Tribunal e no Diário da Justiça Eletrônico, para ciência e manifestação de interessados no prazo de 5 (cinco) dias, encaminhando a seguir os autos à Comissão de Jurisprudência, para apreciação dos integrantes, no prazo sucessivo de 5 (cinco) dias, quanto à adequação formal da proposta. 134
É o que se pode verificar também no arquivamento da PSV nº 6, no qual a Comissão de Jurisprudência entendeu que a Associação que propôs a Súmula Vinculante não se enquadrava no conceito de entidade de classe de âmbito nacional, nestes termos: “2. Constata-se, inicialmente, que a associação proponente não possui legitimidade ativa ad causam, uma vez que, conforme dispõem o art. 103-A, § 2º, da Constituição Federal, e o art. 3º da Lei 11.417/2006, somente estão autorizadas a requerer a edição de novas súmulas vinculantes as autoridades e entidades legitimadas a ajuizar ações diretas de inconstitucionalidade (art. 103 da Constituição), bem como o Defensor Público-Geral da União, os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os Tribunais Regionais Federais, do Trabalho e Eleitorais, os Tribunais Militares e os Municípios, nos processos em que sejam parte (art. 3º, VI e XI, da Lei 11.417/2006). A Associação Nacional de Defesa dos Concursos para Cartório – ANDECC, não obstante seus reconhecidos esforços na defesa do princípio constitucional do concurso público, já tendo atuado, inclusive, como amicus curiae em ações diretas de inconstitucionalidade, não se enquadra no conceito de entidade de classe de âmbito nacional delineado no art. 103, IX, da Constituição Federal. É que, conforme indica o próprio Estatuto da requerente, seus principais filiados, dadas as suas finalidades, são os estudantes e candidatos aos “concursos de ingresso e remoção para a titularidade dos serviços notariais e de registro dos Estados brasileiros” (fl. 12), grupo que, indiscutivelmente, não perfaz uma classe ou categoria de pessoas que desempenham uma mesma e específica atividade profissional ou econômica. 3. Ante o exposto, ausente requisito formal indispensável para sua regular tramitação, manifesta-se esta Comissão de Jurisprudência pelo imediato arquivamento da presente proposta externa de edição de súmula vinculante.” (Grifo nosso). Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=6&classe=PSV&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em 21 jul. 2009.
72
e) se há suficiente fundamentação;
f) se a norma cuja validade, interpretação e eficácia pode ser objeto da
súmula pretendida, seja vinculante ou não; e
g) se realmente há reiteradas decisões do STF acerca da matéria
constitucional em tela.
Após a manifestação da Comissão de Jurisprudência, restam dois caminhos
para se tomar. O primeiro é no caso de entendimento da Comissão pelo
arquivamento da proposta. Neste caso, a PSV será encaminhada ao Presidente do
Supremo para que o mesmo determine seu arquivamento.
Convém anotar que no caso de o Presidente do Supremo haver determinado
o arquivamento da PSV, mesmo com base em parecer da Comissão de
Jurisprudência, ainda há a possibilidade de o proponente da PSV entrar com Agravo
Regimental.
Isso foi o que se deu com a PSV n. 10, na qual Confederação Nacional das
Profissões Liberais (CNPL) propôs a criação de súmula vinculante com o objetivo de
se enunciar a natureza jurídica do privilégio dos honorários advocatícios,
esclarecendo que os honorários do Art. 22 do Estatuto do Advogado e da OAB (Lei
8.906/94) tem realmente natureza alimentar.
Não obstante a CPNL já ter sido confirmada como legitimada para propor
Ação de Inconstitucionalidade, o parecer da Comissão de Jurisprudência foi no
sentido de que a referida confederação não teria legitimidade para propor enunciado
de súmula vinculante referente aos honorários advocatícios, pois legitimado seria do
Conselho Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Nesses termos:
Todavia, no presente caso, a matéria em discussão – natureza alimentar dos honorários advocatícios – interessa, apenas e tão-somente, aos profissionais da Advocacia.
Possuindo o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil igual legitimidade para ajuizar ações diretas de inconstitucionalidade (art. 103, VII), é esta entidade que deve, à luz da jurisprudência citada e dos arts. 103-A, § 2º, da Constituição Federal, e 3º da Lei 11.417/2006, propor a edição, a modificação ou o cancelamento de súmula vinculante de exclusivo interesse dos advogados brasileiros.
73
4. Ausente, dessa forma, requisito de legitimação da entidade sindical proponente, também eu manifesto-me pela inadequação formal da presente proposta externa de edição de súmula vinculante.
135
Porém, no caso de o parecer da Comissão ser positivo, deverá a PSV ser
distribuída a um dos Ministros do Tribunal que será seu relator e a conduzirá.
Já nas mãos do relator, este, mediante despacho, convocará os terceiros
interessados no para se manifestarem no prazo de dez dias, podendo admitir ou
não, por decisão irrecorrível, a atuação do chamado amicus curiae nos termos do
Art. 3º, § 2º da Lei 11.417 de 2006 136.
Importante ressaltar o entendimento da Comissão de Jurisprudência,
presidida pela Ministra Ellen Gracie, na já aludida manifestação acerca da PSV nº. 1,
de que os amici curiae
[...] viriam aos autos, única e exclusivamente, para defender ou se opor à edição, revisão ou cancelamento da súmula vinculante, nunca para reabrir a discussão sobre os fundamentos das decisões reiteradamente proferidas.
137
Tal entendimento vai ao encontro da concepção de que a súmula vinculante
irá apenas vincular a matéria já reiteradamente decidida pelo Supremo e não que o
seu processo deve discutir acerca dos fundamentos das decisões anteriores e
reiteradas, ou seja, a súmula vinculante irá assentar a jurisprudência já pacificada no
STF através das reiteradas decisões anteriores.
Em seguida, irá se observar o rito dos processos apreciados pelo plenário
em geral, sendo ouvido o Procurador-Geral da República no prazo de dez dias, no
mérito da PSV, podendo também o mesmo se manifestar em plenário.
Depois dessas fases, o Relator deverá solicitar a inclusão da PSV na pauta
para julgamento imediato pelo Plenário do STF e somente assim a PSV será votada
pelos Ministros.
135
DJE nº 170, divulgado em 09/09/2009. Da decisão de 3/9/2009. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.asp?numDj=170&dataPublicacaoDj=10/09/2009&numProcesso=10&siglaClasse=PSV&codRecurso=0&tipoJulgamento=M&codCapitulo=6&numMateria=127&codMateria=10>. Acesso em 15 set. 2009. 136
BRASIL. Lei 11.417/2006. Art. 3º, §2º. No procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado da súmula vinculante, o relator poderá admitir, por decisão irrecorrível, a manifestação de terceiros na questão, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. (Grifo nosso). 137
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Proposta de Súmula Vinculante n. 1. Rel. Menezes Direito.
74
No que concerne ao que se chama de adequação do PSV, tanto formal
quanto material, busca-se o que possa significar as reiteradas decisões do STF que
alude o Art. 103-A criado pela EC 45/2004.
Feitas essas considerações acerca do procedimento de criação, modificação
e cancelamento da súmula vinculante, necessário se faz tecer alguns comentários
acerca da reclamação para o Supremo Tribunal Federal, remédio eleito pela
Constituição para a manutenção da autoridade da súmula vinculante editada por
aquele tribunal.
2.3.4 A reclamação para garantir a autoridade da súmula vinculante
A reclamação constitucional teve suas origens no direito estadunidense,
mais precisamente na teoria dos poderes implícitos (implied powers), desenvolvida
pelo Judge Marshall, que pregava a possibilidade da Suprema Corte poder fazer
valer as suas decisões, e, portanto, cassar as decisões inferiores que contrariavam a
orientação da Corte.138
Sua construção foi eminentemente jurisprudencial, depois de anos nos quais
era somente reconhecida pelos então Ministros do STF, teve finalmente a sua
regulamentação no Regimento Interno daquele Tribunal. Mesmo com essa previsão
no RISTF, alguns Ministros ainda relutavam em reconhecer a possibilidade de se
prover a reclamação constitucional, por entender que não havia dispositivo para
tanto. Tais divergências foram contornadas pela Constituição de 1967, que previu a
possibilidade de o STF definir em seu Regimento Interno as ações de sua
competência.
Havia certa divergência entre os Ministros no tocante à natureza jurídica da
reclamação. Alguns a entendiam como verdadeiro recurso, ou seja, que havia
138
MORATO, Leonardo L.; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; NERY JUNIOR, Nelson. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. São Paulo: RT, 2007, p. 31.
75
necessidade de se ter uma demanda em andamento para que a reclamação
pudesse ser interposta e provida. Outros entendiam que a reclamação tinha
natureza de ação, não havendo, então, necessidade de haver processo em
andamento para que ela fosse proposta perante o STF.
Não obstante essa divergência, a reclamação constitucional continuou a ser
utilizada, sendo ainda prevista na Emenda Constitucional de 7/77, e finalmente
consagrada na Constituição de 1988, quando passou a ser proposta perante o STF
e também perante o STJ para garantir ambas as competências e a autoridade de
suas decisões.
Com isso, em 1990, promulgou-se a Lei 8.038 que regulou os procedimentos
dos processos de competência originária tanto do STF quanto do STJ, sendo que a
reclamação restou prevista nos Art. 13 a 18, verbis:
Art. 13 - Para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das suas decisões, caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público.
Parágrafo único - A reclamação, dirigida ao Presidente do Tribunal, instruída com prova documental, será autuada e distribuída ao relator da causa principal, sempre que possível.
Art. 14 - Ao despachar a reclamação, o relator:
I - requisitará informações da autoridade a quem for imputada a prática do ato impugnado, que as prestará no prazo de dez dias;
II - ordenará, se necessário, para evitar dano irreparável, a suspensão do processo ou do ato impugnado.
Art. 15 - Qualquer interessado poderá impugnar o pedido do reclamante.
Art. 16 - O Ministério Público, nas reclamações que não houver formulado, terá vista do processo, por cinco dias, após o decurso do prazo para informações.
Art. 17 - Julgando procedente a reclamação, o Tribunal cassará a decisão exorbitante de seu julgado ou determinará medida adequada à preservação de sua competência.
Art. 18 - O Presidente determinará o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente.
Portanto, vê-se que a reclamação constitucional é instituto eminentemente
de criação pretoriana, sendo depois prevista tanto pela Constituição quanto pela lei
ordinária.
76
A reclamação é prevista tanto no art. 102, I, l, da CF para a preservação da
autoridade do STF139 e no Art. 105, I, f, da CF para o STJ140. Também há a previsão
de possibilidade de reclamação no §3º do art. 103-A da CF para a garantia de
autoridade da súmula vinculante, sem a exclusão dos demais recursos cabíveis.
O Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, sendo
de sua competência a para resolver tanto originariamente quanto em instância
recursal extraordinária alegações de ofensa a dispositivo constitucional.141 Já o
Superior Tribunal de Justiça tem a função de ser o intérprete máximo do direito
infraconstitucional, sendo ele o órgão responsável pela certeza do direito federal.
Por isso mesmo, o fundamento da reclamação é o de preservar a
competência e a autoridade das decisões dos órgãos de cúpula do Poder Judiciário,
STF e STJ, preservando, assim, a uniformidade na interpretação tanto do direito
constitucional quando do infraconstitucional.142
Leonardo Lins Morato143 entende que a reclamação tem a natureza jurídica
de ação constitucional e não como sucedâneo recursal, remédio processual, medida
administrativa, processo objetivo, recurso ou direito de petição. Fazendo uma
comparação com o mandado de segurança, o referido doutrinador explicita que a
reclamação é um tipo de ação prevista na Constituição, com caráter mandamental e
com um procedimento abreviado com vistas a tutelar um direito fundamental.
Diante disso, o § 3º do Art. 103-A da CF definiu a reclamação como uma
forma preservar a autoridade da súmula vinculante, sendo cabida contra as decisões
que lhe negarem vigência, ou que a aplicarem indevidamente. Então, para a lei que
disciplina a súmula vinculante, Lei 11.417/2006, no caput do seu Art. 7º, dispõe
acerca do cabimento de reclamação contra ato administrativo, condicionando o seu
cabimento ao esgotamento da via administrativa, sem prejuízo dos recursos ou
outros meios admissíveis de impugnação, verbis:
139
BRASIL. Constituição Federal. Art. 102 Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: [...] l - a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões. 140
BRASIL. Constituição Federal. Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: [...] f) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões. 141
MORATO, Leonardo Lins. Op. cit., p 20-30. 142
Idem, ibidem, p. 20-30. 143
Idem, ibidem, p. 20-30.
77
Art. 7
o Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado
de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação.
§ 1o Contra omissão ou ato da administração pública, o uso da reclamação
só será admitido após esgotamento das vias administrativas.
§ 2o Ao julgar procedente a reclamação, o Supremo Tribunal Federal
anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada, determinando que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso.
Para Leonardo Lins Morato, não há obstáculo algum em interpor o recurso
cabível junto com a reclamação. Porém faz a seguinte ressalva:
O uso da reclamatória em vez do recurso cabível, ou simultaneamente a ele, deve ser muito bem demonstrado e justificado pelo reclamante, sob pena de ser indeferido o processamento dessa medida de caráter excepcional. Para ajuizar reclamação, o reclamante deve evidenciar, claramente, ter havido desacato ou usurpação, porque tem o direito, constitucionalmente assegurado, de ilidir tais condutas ilícitas, enquanto as Cortes competentes, em contrapartida, têm o dever de fazê-lo, dever este inerente às funções do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, que, como já se disse, possuem responsabilidades maiores e especiais em nosso sistema, voltadas à garantia e à preservação do Estado Democrático de Direito. Caso contrário, deve o prejudicado valer-se dos meios de impugnação adequados à situação concreta.
144
Portanto, excluindo-se a hipótese de quando há ainda outra instância a se
recorrer no procedimento administrativo, é cabível a reclamação em todas as
hipóteses de afronta à súmula vinculante, desde que haja o que a doutrina chama de
prova do direito líquido e certo, em uma comparação com o mandando de
segurança. Nesse sentido, deve entender-se a reclamação como sendo um
processo eminentemente documental devido à necessidade de haver uma prova
pré-constituída para poder ser deferida.
Para Teresa Arruda Alvim Wambier145, contra acórdão que ofende súmula
vinculante, deve ser interposto tanto o recurso extraordinário quanto a reclamação,
pois o primeiro tem o escopo específico de impedir a formação da coisa julgada,
enquanto que a reclamação teria o fim de cassar a decisão conflitante com a súmula
vinculante.
144
MORATO, Leonardo Lins. Op. cit., p. 235. 145
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2ª ed. São Paulo: RT, 2008, p. 236-237.
78
Ainda segundo Morato, a possibilidade de haver reclamação contra decisão
que contraria súmula vinculante fez com que o Supremo tivesse a autoridade de ser
o “comandante” da súmula, pois o STF tem o poder de decidir se a súmula tem ou
não aplicação em um determinado caso concreto, assim como se deverá ou não ser
aplicada naquele caso.146
Nesse sentido, verifica-se que é o próprio Supremo que irá modular o efeito
e o alcance da súmula vinculante, seja no momento de criação da mesma ou
posteriormente com as decisões nas reclamações constitucionais referentes à
súmula.
Portanto, constata-se que a reclamação é eminentemente de criação
pretoriana, sendo depois prevista no Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal e alcançando seu ápice na Constituição de 1988. Do mesmo modo verifica-
se que teve a seu cabimento alargado através da EC 45/2004, quando foi prevista
para a manutenção da autoridade da súmula vinculante.
Feitas essas considerações acerca dessa nova feição do Supremo Tribunal
Federal e principalmente a breve explicação do que seria súmula vinculante no
Brasil, parte-se, então, para o esboço do que seria a relação entre a súmula
vinculante do direito brasileiro com a teoria do precedente do stare decisis.
146
MORATO, Leonardo Lins. Op. cit., p. 227.
79
3 A RELAÇÃO ENTRE SÚMULA VINCULANTE E O
PRECEDENTE JUDICIAL
Imperioso se faz entender qual a relação existente entre súmula vinculante e
o precedente judicial. Tendo em vista a amplitude da súmula vinculante e de sua
realidade, se faz necessário que sejam traçadas as diferenças fundamentais
existentes entre a súmula universalmente vinculante e a teoria do stare decisis do
common law, para se saber o que realmente é diferente e o que se assemelha em
ambos os institutos.
Nessa linha de pensamento, importante responder até que nível a súmula
vinculante é influenciada pelo instituto do precedente no common law, analisando
preliminarmente o momento de criação da SV.
Nesse mesmo sentido, é mister compreender o requisito constante no Art.
103-A da CF/88, que prega a necessidade de haver reiteradas decisões
constitucionais acerca da matéria, questionando-se qual a finalidade de o texto
constitucional ter colocado esse requisito como expresso e o que ele indicaria.
Por sua vez, Georges Abboud elenca quatro diferenças fundamentais entre
a súmula vinculante e a teoria estadunidense do stare decisis, quais sejam: modo de
aplicação, alcance, teleologia e âmbito de vinculação147. O mesmo autor, baseado
nos estudos de Castanheira Neves, identifica a súmula vinculante mais com os
chamados assentos portugueses do que com o common law. Neste trabalho, não
enfocaremos o estudo no mesmo sentido do referido autor, pois faremos
considerações acerca do que compreendemos necessário para se entender a
súmula vinculante através da influência que a mesma sofreu da teoria do stare
decisis.
147
ABBOUD, Georges. Súmula vinculante versus precedentes: notas para evitar alguns enganos. Revista de Processo, São Paulo, a. 33, n. 168, nov. 2008, p. 218-230.
80
Em seguida, questiona-se a natureza jurídica da súmula vinculante, se esta
seria ligada ao precedente judicial da teoria do stare decisis ou ainda se guardaria
conexão em relação à jurisprudência dominante do civil law.
Como já demonstrado no decorrer do trabalho, acredita-se que a súmula
vinculante seja a interseção dos sistemas da civil law e da common law, sendo,
então, um instituto de natureza sui generis, pois tem ligação com a doutrina dos
precedentes vinculantes, sempre guardando relação com chamada jurisprudência
dominante através das reiteradas decisões, lembrando também da abstratividade de
um enunciado elaborado por um tribunal, remetendo-nos aos chamados assentos
portugueses, como já descrido supra.
Com isso, traça-se o perfil da súmula vinculante, simplificando alguns
entendimentos e esboçando o nosso acerca do instituto. Desta forma, explanaremos
a seguir como a súmula vinculante é apresentada como a interseção da
jurisprudência do civil law e do precedente judicial da teoria de stare decisis.
3.1 A SÚMULA VINCULANTE TIDA COMO A INTERSEÇÃO DA
JURISPRUDÊNCIA E DO PRECEDENTE JUDICIAL
Chegou-se a dizer na doutrina que a súmula vinculante seria a excrescência
do ordenamento jurídico brasileiro, inspirado no sistema romano-germânico.148 Não
obstante se tratarem de institutos diferentes (a súmula vinculante, tida como
expressão da jurisprudência dominante, e o precedente jurisprudencial do common
law), comporta-se fazerem comparações no seu uso para o melhor entendimento e
aprimoramento do instituto da SV. Nos dizeres de Marcelo Dias Souza:
[...] com a adoção da súmula universalmente vinculante – assunto na ordem do dia no Brasil – não estamos adotando a doutrina do stare decisis, nos
148
Cf. RAZUK, Paulo Eduardo. Súmula vinculante: excrescência no sistema jurídico romano-germânico. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 01 ago. 2005. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/36719,1#null>. Acesso em: 09/02/2009.
81
moldes como ela é entendida e aplicada nos sistemas filiados à tradição do common law. Já foi dito, e mais de uma vez, que estaríamos adotando o stare decisis brasileiro. Não se discorda que um aspecto se faz presente em ambos os modelos – a vinculação. Mas a origem, o alcance, o funcionamento, entre outras coisas, tudo isso, se compararmos os dois modelos, é ainda bastante diferente, e foi isso que, desde o início, se quis deixar claro aqui. De toda sorte, a adoção da súmula universalmente vinculante é mais um passo para a interseção dos dois sistemas, o common law e o civil law, o que, para o Brasil, abeberando-se da experiência de outros países sem preconceitos, pode ser de grande valia.
149
(grifo nosso).
Também é o entendimento de Rodolfo de Camargo Mancuso:
Sendo o Direito um “fato cultural” no sentido largo da expressão, existente de algum modo em todos os quadrantes do planeta, não é de se estranhar que no Brasil, país vinculado ao direito de tipo codicístico, hoje se registre grande interesse pela experiência jurídica dos países da common law, sobretudo no que concerne à inserção da súmula vinculante do STF (CF, art. 103-A – EC 45/2004. Lei 11.417/2006) em verdade veio institucionalizar a força obrigatória do precedente jurisprudencial, que já vinha gradualmente se firmando dentre nós, desde a chamada lei dos recursos (Lei 8.038/90, art. 38), ganhando fôlego com a Lei 9.756/98 e, mais recentemente, com as leis editadas em 2006: 11.276 (CPC, §1º do art. 518), 11.277 (CPC, art. 285-A) e 11.417 (regulamenta o art. 103-A da CF).
150
Porém, o mesmo autor faz a ressalva no sentido de que é necessária
reflexão serena e desapaixonada sobre “a melhor técnica para se alcançar, na
experiência judiciária brasileira, o ideal de uma „uniformidade contemporânea, que,
todavia, não exclua a eventualidade, justificada, de uma alteração sucessiva‟”.151
O que se percebe, hodiernamente, é a aproximação entre as duas grandes
famílias jurídicas. Há relatos da doutrina no sentido de que o direito do common law
também está se aproximando do civil law, quando percebe-se que na verdade tem
valorizado cada vez mais o direito escrito, havendo, assim, verdadeira harmonização
entre os sistemas.152
149 SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. 1ª ed. ano 2006, 3ª reimp. (2008). Curitiba: Juruá, 2008. 150
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. cit., p. 189. 151
Idem, ibidem. 152
MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit.
82
3.2 MODO DE CRIAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE E DO
PRECEDENTE DO STARE DECISIS
3.2.1 O procedimento de criação da súmula e do precedente
A despeito do que já se falou acerca da diferença qualitativa daquilo que se
entende por precedente no sistema do common law e da jurisprudência do civil
law153, deve-se analisar a diferença e consequente importância que isso tem na
elaboração da súmula vinculante, assim como analisar o modo de elaboração de
uma ou várias decisões que se tornam vinculantes.
Inaugurou-se no ordenamento jurídico brasileiro processo de criação,
modificação ou cancelamento da súmula vinculante, como já descrito alhures154. Tal
procedimento consubstancia-se em verdadeira garantia constitucional para que a
decisão de criação da súmula possa ter efeito vinculante aos demais órgãos do
Poder Judiciário e da administração pública direta ou indireta.
O que se percebe em relação à diferença do sistema da common law, é que
o precedente será o julgamento de um caso concreto, não havendo necessidade de
reiteradas decisões. A corte, nesse sistema, apenas julga aquele caso e somente
isso já é motivo para que as demais cortes inferiores sigam aquela orientação
firmada no precedente.
Diferentemente ocorre no sistema brasileiro, pois além de que haja
reiteradas decisões no âmbito do STF, é necessário que o mesmo, por provocação
ou de ofício, aprove súmula com efeito vinculante com o quórum mínimo de
aprovação de dois terços dos Ministros.
Com isso, verifica-se que no Brasil, é necessário que o Supremo declare que
aquela sua jurisprudência reiterada é vinculante aos demais órgãos do Poder
153
Cf. item 1.2. 154
Cf. item 2.3.3.
83
Judiciário e da administração pública. Tanto é que aquelas súmulas pelo STF que
foram editadas anteriormente à EC 45/2004, não são consideradas vinculantes,
necessitando passar pelo procedimento de criação de súmula vinculante para virem
a ser convertidas em súmulas com tal efeito.
3.2.2 O sobrestamento do PSV como indício do precedente determinante
O Supremo Tribunal Federal tem adotado medida interessante para a
manutenção da segurança jurídica quando a jurisprudência do Tribunal ainda não
está assentada, medida esta que restou conhecida como sobrestamento da
Proposta de Súmula vinculante, aguardando, assim, que a matéria seja devidamente
julgada e que também ocorra o trânsito em julgado daquelas decisões tidas como
precedentes.
No PSV n. 27, em Manifestação da Comissão de Jurisprudência do STF
datada de 14/10/2009, presidida pela Ministra Ellen Gracie, restou estabelecido o
sobrestamento do PSV devido ao fato de haver dois Recursos Extraordinários sobre
o tema e pendentes de julgamento pelo Pleno, verbis:
[...] Ante o exposto, considerando a pendência de julgamento, no Plenário, dos embargos de declaração opostos nos autos dos Recursos Extraordinários 377.457 e 381.964, ambos de minha relatoria, manifesto-me pela necessidade de sobrestamento da presente proposta interna de edição de súmula vinculante até que aqueles recursos sejam apreciados pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Encerrada a atuação desta Comissão de Jurisprudência, encaminhem-se os presentes autos à Presidência do Supremo Tribunal Federal. Encaminhe-se cópia da presente manifestação ao Senhor Procurador-Geral da República. Publique-se.
155
No mesmo dia, 14/10/2009, a mesma Comissão de Jurisprudência também
estabeleceu o sobrestamento do PSV n. 26:
[...] Ante o exposto, considerando a pendência de julgamento, no Plenário, dos embargos de declaração opostos nos autos dos Recursos
155
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Projeto de Súmula Vinculante n. 27. Manifestação da Comissão de Jurisprudência em 14/10/2009. Rel. Min. Ellen Gracie.
84
Extraordinários 353657 e 370682, manifesto-me pela necessidade do sobrestamento da presente proposta interna de edição de súmula vinculante até que aqueles recursos sejam apreciados pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Encerrada a atuação desta Comissão de Jurisprudência, encaminhem-se os presentes autos à Presidência do Supremo Tribunal Federal. Publique-se.
156
Ou seja, em ambos os casos, o Pleno ainda não analisou profundamente o
tema, eis que se faz necessário o exaurimento da questão pelos Ministros.
Em relação ao PSV n. 38, que discute Direito Sindical e Questões Análogas,
a Comissão de Jurisprudência também optou pelo sobrestamento do Projeto, só que
desta vez baseado no fato de terem sido interpostos embargos de declaração no
Recurso Extraordinário 210.029, Rel. Min. Joaquim Barbosa, verbis:
[...] Ante todo o exposto, considerando a pendência de julgamento, no Plenário, dos embargos de declaração opostos nos autos do RE 210.029, rel. Min. Joaquim Barbosa, manifesto-me pela necessidade do sobrestamento da presente proposta interna de edição de súmula vinculante até que aquele recurso seja apreciado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Encerrada a autação desta Comissão de Jurisprudência, encaminhem-se os presentes autos à Presidência do Supremo Tribunal Federal. Publique-se.
157
No PSV n. 28, que dispõe acerca da competência da Justiça do Trabalho,
também foi decidido o sobrestamento em razão de terem sido interpostos embargos
de declaração ao último Recurso Extraordinário julgado e que servia como
precedente ao pedido de edição de súmula vinculante:
[...] Ante todo o exposto, considerando a relevante pendência de julgamento, Plenário, dos embargos de declaração opostos nos autos do RE 569.056, rel. Min. Joaquim Barbosa, manifesto-me pela necessidade do sobrestamento da presente proposta interna de edição de súmula vinculante até que aquele recurso seja apreciado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Encerrada a atuação desta Comissão de Jurisprudência, encaminhe-se os presentes autos à Presidência do Supremo Tribunal Federal. Publique-se.
158
No PSV n. 23, que também discute a competência da Justiça do Trabalho,
decidiu-se também pelo sobrestamento da PSV, verbis:
3. Não obstante a existência desses vários julgados, penso, com a devida vênia, ser inafastável a conclusão de que a presente controvérsia somente
156
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Projeto de Súmula Vinculante n. 26. Manifestação da Comissão de Jurisprudência em 14/10/2009. Rel. Min. Ellen Gracie. 157
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Projeto de Súmula Vinculante n. 38. Manifestação da Comissão de Jurisprudência em 14/10/2009. Rel. Min. Ellen Gracie. 158
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Projeto de Súmula Vinculante n. 28. Manifestação da Comissão de Jurisprudência em 30/09/2009. Rel. Min. Ellen Gracie.
85
estará definitivamente pacificada nesta Casa após o exame final, em controle abstrato de constitucionalidade, da referida ADI 3.395, que, munida de todas as informações e manifestações previstas nos arts. 6º e 8º da Lei 9.868/99, parece não possuir qualquer óbice ao seu julgamento de mérito.
Entendo que ainda não está substancialmente atendido o requisito formal da comprovação da existência de reiteradas decisões em matéria sobre a qual se pretende editar súmula vinculante. É que a apreciação do tema neste Supremo Tribunal até o presente momento tem-se valido, como principal norte, de apreciação cautelar, portanto provisória, de ação direta cujo julgamento final será de extrema importância para a resolução definitiva da controvérsia.
Em suma, não parece razoável a edição de súmula vinculante em momento anterior à apreciação definitiva de processo, àquela umbilicalmente ligado, cujo julgamento do pedido de medida cautelar gerou, por si só, grande repercussão e diversos desdobramentos.
4. Ante todo o exposto, considerando a relevante pendência de julgamento do mérito da ADI 3.395, do qual poderá advir o equacionamento definitivo da questão ora tratada, manifesto-me pela necessidade do sobrestamento da presente proposta interna de edição de súmula vinculante até que aquele feito seja apreciado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.
159
No PSV n. 4, acerca dos medicamentos, também foi determinado o
sobrestamento:
Ante as manifestações dos demais eminentes membros desta Comissão de Jurisprudência (fls. 710-712 e 715-717) quanto à importância, para a análise da presente proposta externa de edição de súmula vinculante, do julgamento de mérito do RE 566.471, rel. Min. Marco Aurélio, cuja matéria envolvida já tem, inclusive, repercussão geral reconhecida (DJE de 07.12.2007), determino o sobrestamento em Secretaria desta proposta até que o referido apelo extremo esteja definitivamente apreciado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Após, retornem-me conclusos os autos. Publique-se.
160
Diante desses casos, o que se percebe é que o fato de o Supremo Tribunal
ter sobrestado as propostas de criação de súmula vinculante em virtude de
existência de processo ou recurso ainda sem trânsito em julgado no tribunal, faz
com que se pense acerca do real julgamento da matéria, ou seja, que a
jurisprudência ainda não foi assentada na corte, o que faz com que a súmula
vinculante não seja necessária, pois ao invés de trazer segurança, trará insegurança
jurídica.
159
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Projeto de Súmula Vinculante n. 23. Manifestação da Comissão de Jurisprudência em 30/09/2009. Rel. Min. Ellen Gracie. 160
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Projeto de Súmula Vinculante n. 4. Manifestação da Comissão de Jurisprudência em 26/8/2009. Rel. Min. Ellen Gracie.
86
3.2.3 Reiteradas decisões – qualidade quantitativa ou qualitativa?
Necessidade de exaurimento da jurisdição
Quando ainda tramitava a Proposta de Emenda à Constituição, Marco
Antônio Botto Muscari161 atentou para a questão do número mínimo de decisões
uniformes sobre a mesma matéria como requisito para a vinculação da decisão,
pois, para o autor, uma única decisão de mérito sobre o tema pode não conter todos
os argumentos que possam ser enfrentados na questão, não havendo assim, a
discussão exaustiva do tema.
Ainda segundo o Professor Botto Muscari162, apesar de se supor que os
integrantes do STF não irão conferir eficácia vinculante a um caso que está sendo
julgado no mérito pela primeira vez, seria interessante constar na própria Emenda à
Constituição um número mínimo de cinco julgados para que se possa considerar um
debate realmente profundo e que se está diante de jurisprudência sedimentada do
Tribunal.
Porém, o texto aprovado na Reforma do Judiciário faz menção somente a
reiteradas decisões de matéria constitucional, não fazendo uma delimitação mínima
de quantas decisões são necessárias para a aprovação de uma súmula vinculante,
apenas dando a entender que é necessário que a jurisprudência já esteja assentada
no STF.
Nessa seara, há alguns estudos no sentido de se verificar se há ou não
decisões reiteradas acerca das súmulas vinculantes já editadas. Entre outras críticas
à Súmula Vinculante n. 11163, Rodrigo de Abreu Fudoli164, analisando os
161
MUSCARI, Marco Antonio Botto. Súmula vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 79-80. 162
Idem, ibidem, p. 79-80. 163
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante n. 11. "Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado".
87
precedentes do caso, chega à conclusão de que não houve reiteradas decisões de
matéria constitucional para a edição da súmula vinculante.
Tem-se a questão numérica não é a mais relevante e sim a questão da
qualificação dessas decisões judiciais a que mais se deve ater para fins de
verificação do requisito de reiteradas decisões para a elaboração de uma súmula
vinculante.
Nesse sentido, a Professora Damares Medina165 fez breve análise dos
precedentes da Súmula Vinculante nº. 4. Em primeiro lugar, veja-se que dentre os
sete precedentes citados para a edição da referida SV, apenas um foi proferido pelo
Plenário do STF. Dos seis precedentes da 1ª Turma, três foram proferidos por
Ministros que não mais integravam o Supremo no momento de criação da SV166, e
do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 338.760, de 2002, também da 1ª
Turma, apenas a Ministra Ellen Gracie continuava no Tribunal.
Em relação aos julgados da 2ª Turma, teve-se que do RE nº. 221.234
continuavam na composição atual do Supremo os Ministros Marco Aurélio e Celso
de Mello. Já no RE nº 439.035, de 2007, havia “um reflexo da composição do
plenário do nos juízes que integravam a 2ª Turma, a saber, os Ministros Celso de
Mello, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Eros Grau e Joaquim Barbosa (este último
ausente no julgamento)”.167
A conclusão a que Damares Medina chega é a de que “em apenas dois dos
sete precedentes indicados contava-se com a mesma composição do tribunal que
aprovou a súmula vinculante nº 4, sendo que apenas uma das decisões foi tomada
em sessão plenária, o RE nº 565.714”. Neste sentido, pergunta-se se é ou não
decisão reiterada do STF, pergunta-se se houve ou não o debate aprofundado da
matéria.
164
FUDOLI, Rodrigo de Abreu. Uso de algemas: a Súmula Vinculante nº 11, do STF. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1875, 19 ago. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11625>. Acesso em: 30 jul 2009. 165
MEDINA, Damares. O Supremo Tribunal Federal e as súmulas vinculantes. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2201, 11 jul. 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13137>. Acesso em: 21 jul. 2009. 166
REs nº 236.396, nº 208.684, nº 217.700, todos de 1999, ano no qual integravam a 1ª Turma os Mins. Moreira Alves, Sepúlveda Pertence, Ilmar Galvão, Sydney Sanches e Octávio Gallotti. 167
MEDINA, Damares. O Supremo Tribunal Federal e as súmulas vinculantes. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2201, 11 jul. 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13137>. Acesso em: 21 jul. 2009.
88
Sobre a questão do quorum das decisões anteriores, André Ramos Tavares
aduz que o:
[...] modelo próprio para justificar uma postura generalizadora quanto à decisão tomada em concreto é o modelo que exige uma maioria qualificada (ou unanimidade) na decisão anterior (para generalizá-la com certa diluição dos riscos que esse modelo já contém em si mesmo).
168
Mas não continuando com a ideia de que é necessária a maioria absoluta
dos votos na decisão do caso concreto e que não obstante não foi incorporada na
legislação, prossegue:
[...] manteve-se, por conveniência, o modelo de tomada de decisões concretas (e suas maiorias eventuais, flutuantes e pouco significativas), deslocando-se a exigência de quorum qualificado para o processo de formação, alteração e cancelamento de súmula vinculante.
[...] em vez de exigir das decisões de base (aquelas decisões concretas que devem ser reiteradas) a maioria de 2/3 dos ministros (oito ministros, contrastando, por exemplo, com o quorum de seis ministros para fins de obter uma decisão final em Plenário, ou três, no caso de decisões em alguma das duas Turmas), optou-se por reabrir a posteriori o debate e passar a exigir os 2/3 – sobre o tema que já foi objeto de discussão nas decisões concretas anteriores – apenas por ocasião da formação do efeito vinculante no processo de sumularização do conteúdo das decisões concretas reiteradas.
169
Com isso, o requisito para a aprovação da SV seria apenas o critério de
reiteradas decisões e não reiteradas decisões qualificadas de algum modo, pois não
fez a Lei distinções ou impôs requisitos para o quorum de decisões reiteradas.
O que deve se perceber na elaboração de uma súmula vinculante é o
exaurimento do objeto em análise, ou seja, a declaração de súmula vinculante seria
a declaração de exaurimento da função jurisdicional naquela matéria. Em outras
palavras, seria a declaração do Supremo de que ele já julgou essa matéria,
exaurindo a jurisdição e que aquele é o seu posicionamento, restando somente a
reclamação para garantir a autoridade e a escorreita aplicação da súmula vinculante.
168
TAVARES, André Ramos. Op. cit., p. 50. 169
Idem, ibidem, p. 51.
89
3.3 O CASO DA SÚMULA VINCULANTE N. 11 – OVERRULING
EXPRESSO?
A Proposta de cancelamento de súmula vinculante (PSV) n. 13 foi lançada
pela Confederação Brasileira dos Trabalhadores Policiais Civis (COBRAPOL). Nela,
a COBRAPOL pede o cancelamento da súmula vinculante n. 11, a conhecida
súmula das algemas, aprovada na Sessão Plenária de 13/08/2008 e assim
enunciada:
Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
170
Com embasamento em estudo realizado pelo psicólogo, policial civil do
Distrito Federal e pós-graduando em segurança pública, Luciano Porciuncula
Garrido, intitulado “Psicologia das algemas”, a petição inicial da PSV, aduz que:
Essa súmula seria aceitável se editada após estudo específico, com a participação dos operadores que atuam na área da Segurança Pública, que testemunhassem aos graduados, pós-graduados, mestres doutores e Ph.D‟s a operacionalidade (prática) da Segurança Pública no Brasil. Somente se houvesse esse compartilhamento de informações, entre prática e teoria, é que se veria um resultado eficiente, baseado na moralidade, legalidade, impessoalidade...
171
Alega-se também que a edição da SV n. 11 feriu a função do Poder
Legislativo, pois a Lei de Execução Penal, Lei n. 7.210/84, nos termos do Art. 199
dispõe que “o emprego de algemas será disciplinado por decreto federal”. Não
havendo o decreto federal que regulamente a utilização das algemas, pugna
COBRAPOL pelo ajuizamento de Mandado de Injunção pelos interessados, e não
pela edição de súmula vinculante pelo STF.
170
BRASIL. Superior Tribunal Federal. Súmula Vinculante n. 11. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumulaVinculante>. Acesso em 03 jun. 2009. 171
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Proposta de Súmula vinculante n. 13. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2663926>. Acesso em 04 set. 2009.
90
Tal súmula vinculante recebeu várias críticas por parte da doutrina e também
por parte da sociedade em geral. Em crítica à técnica utilizada pelos Ministros do
Supremo ao editar a SV n. 11, Fredie Didier Jr. enfatiza que:
Se é certo que o papel da jurisprudência é cada vez mais importante, também é certo que é preciso um estudo mais rigoroso da teoria do precedente e um aprimoramento na utilização das técnicas desenvolvidas a partir desse conjunto teórico. E uma das técnicas mais importantes é, justamente, a técnica de “redação do preceito normativo jurisprudencial”, a ratio decidendi, a “norma jurídica geral” construída a partir de casos concretos.
172
Explica, o referido doutrinador, que o enunciado da aludida SV é tão extenso
e vago que mais parece texto legislativo a ser interpretado, aduzindo que haverá
dificuldades tamanhas na aplicação da SV que serão necessárias outras súmulas
para concretizar o disposto no enunciado n. 11.173 Continuando sua crítica,
arremata:
A “súmula vinculante”, cuja existência se justifica para dar segurança/previsibilidade à solução de “determinadas situações típicas”, neste caso terá pouca serventia. Não se quer aqui entrar no mérito da questão do uso ou não de algemas. A proposta não é esta. A preocupação é com a má-técnica do STF na formulação do precedente, que é vinculante. O STF deve lembrar que o “papel normativo” da jurisprudência tem outras características. Situações como essas não poderiam ser “sumuladas”, exatamente porque, em razão das suas peculiaridades concretas, devem sempre ser examinadas a posteriori, e não a priori.
174
Diante disso, o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, deu seu
parecer favorável ao cancelamento da referida súmula vinculante por entender que,
entre outros motivos, não houve exaurimento da matéria no âmbito do STF, verbis:
Quanto a esses requisitos [para edição da súmula vinculante n. 11], assiste razão à entidade sindical proponente, pois não há “reiteradas decisões” do Supremo Tribunal Federal ou “controvérsia atual” que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questões idênticas relacionadas à utilização das algemas, além do que é bastante questionável o seu enquadramento como matéria de caráter constitucional. De se indagar, outrossim, se a súmula teve por objetivo a “validade, interpretação e a eficácia” de alguma norma determinada.
175
Em face do que foi exposto, das manifestações dos doutrinadores e até do
Procurador-Geral da República, temos que é grande a probabilidade de haver o
172
DIDIER JR., Fredie et al. Op. cit., p. 391 173
Idem, ibidem. 174
Idem, ibidem. 175
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Manifestação do Procurador-Geral da República. Proposta de Súmula Vinculante n. 11.
91
cancelamento da súmula vinculante n. 11. Com isso, estaríamos diante de um
verdadeiro overruling expresso, pois o tribunal declararia que editar súmula
vinculante sobre essa matéria não teria sido a mais correta e declararia que aquela
posição tomada durante o procedimento de edição de súmula vinculante que veio a
se tornar a SV n. 11 não foi o posicionamento mais escorreito.
Com isso, se o STF decidir que a súmula vinculante n. 11 deve ser
cancelada, fica clara que a posição do Supremo será de revogar aquilo que havia
decidido, retirando, assim, o efeito vinculante junto com a referida súmula do
ordenamento brasileiro, fazendo verdadeira revogação expressa da súmula.
Diante disso e referindo-se também à possibilidade de se fazer a revogação
implícita de um precedente nos sistemas que adotam o stare decisis, temos que a
súmula vinculante não pode ser implicitamente revogada, pois é necessário haver
todo o procedimento de cancelamento de súmula vinculante através do PSV, que ao
final será procedente e cancelará o enunciado vinculante editado pelo STF.
3.4 A NATUREZA DA SÚMULA VINCULANTE – TERTIUM GENUS?
No presente trabalho, abordou-se a questão da distinção entre precedente e
jurisprudência176, e, quanto a esta, a distinção entre jurisprudência dominante e
súmula. No Brasil, ganha relevância a jurisprudência dominante, não
necessariamente traduzida em súmula177. Em todo caso, nenhuma das hipóteses do
sentido jurisprudência assume a natureza vinculante, exceto a súmula do STF, após
a edição através do procedimento prescrito no Art. 103-A da CF/88.
No entanto, a peculiaridade da eficácia vinculante, estabelecida em preceito
normativo constitucional, diferencia a súmula vinculante em relação aos demais
sentidos de jurisprudência. Esta diferenciação faz com que a súmula vinculante seja
176
Para essa distinção, cf. item 1.2. 177
Para essa distinção, cf. item 2.3.
92
compreendida como certo grau de autonomia que a afasta do gênero jurisprudência
até então dominante no Brasil.
Por outro lado, a eficácia vinculante da denominada súmula vinculante a
aproxima do precedente no sentido que lhe é atribuído no âmbito da teoria do stare
decisis. Contudo, a súmula vinculante não traduz o sentido do precedente da teoria
do stare decisis, por que a eficácia vinculante nesse modelo é aferida “a posteriori”,
vale dizer, o juiz do segundo caso decidirá aplicar, ou não, o precedente firmado no
caso anterior. No caso da SV, a eficácia vinculante é prescrita no momento da
criação da própria SV, porque esta eficácia vinculante é declarada pelo próprio STF.
Portanto, embora próxima do gênero jurisprudência, considerando a
necessidade de reiteradas decisões no mesmo sentido, com ela não se confunde
dada a eficácia vinculante de que é revestida. E, embora próxima do gênero
precedente judicial, no sentido que lhe é atribuído na teoria do stare decisis, com ele
não se confunde, porque a eficácia da súmula vinculante é “a priori” e não posterior
como no precedente judicial do stare decisis.
Assim, resta concluir que a súmula vinculante é um tertium genus em
relação à jurisprudência e ao precedente judicial da teoria do stare decisis.
93
CONCLUSÃO
1. O recente fenômeno da valorização da jurisprudência, e, de modo mais
específico, dos precedentes judiciais, é objeto da crescente atenção dispensada
pela doutrina. Este fenômeno se insere em um outro, mais amplo, qual seja: o da
harmonização dos sistemas legais e judiciais da common law e da civil law, como
meio para a obtenção da segurança jurídica, conforme preconizado no Documento
Técnico n. 319 do Banco Mundial.
2. Em termos de cenário global, já era prevista a miscigenação dos sistemas
jurídicos e nesse sentido há intensa busca pela segurança jurídica, fazendo-se com
que haja verdadeira necessidade de se seguir as decisões judiciais prolatadas
anteriormente, os precedentes judiciais, os quais estão presentes tanto no common
law quanto no civil law, sendo diferente apenas o modo pelo qual se atribui
importância aos mesmos.
3. Como resultado dessa harmonização constata-se a influência do
precedente da teoria do stare decisis, nos termos em que é adotada pelos países do
commom law, na criação de um modelo brasileiro de precedentes judiciais. Esta
influência está presente no modelo de precedente judicial consistente na súmula
vinculante inserida no ordenamento jurídico brasileiro através da EC 45/2004.
4. Constatada a influência do precedente judicial do stare decisis na criação
do precedente judicial consistente na súmula vinculante, buscou-se demonstrar a
relação entre um e outro. Para tanto, foi adotada a Teoria Geral dos Precedentes
formulada por Michele Taruffo, a qual é válida para a identificação das
características dos precedentes em vários sistemas jurídicos diferentes, além da
abordagem das raízes históricas da formação do commom law e do civil law.
5. Constata-se que a diferenciação entre precedente e jurisprudência se dá
em duas classes: a quantitativa e a qualitativa, significando que enquanto o
precedente é tido como uma decisão única que exaure os fatos do caso concreto, a
94
jurisprudência seria um conjunto de varias, dezenas decisões que tem a tendência
de sintetizar aquilo que está sendo decidido.
6. Averiguada essa diferenciação, verificou-se que o conceito de segurança
jurídica no civil law era mais ligado à abstração contida na lei, sendo que o juiz
apenas iria aplicar aquilo que estivesse na lei. Por outro lado, no common law o juiz
iria aplicar aquele direito que já vinha sendo aplicado para que o Rei tivesse o dever
de respeitar aquele direito da terra, ou seja, o juiz iria aplicar o precedente, aquele
caso que já foi decidido. É essa a raiz histórica que diferencia basicamente o
precedente judicial da jurisprudência.
7. Tem-se que o common law é, nos países que adotam esse sistema, o
direito do homem inglês, ou seja, o direito que deve ser aplicado ao caso, enquanto
que a teoria do stare decisis, advinda do brocardo stare decisis et quieta non
movere, é um conjunto de técnicas recentemente criadas para a devida utilização
daquele direito já criado e exposto através dos precedentes judiciais. Com isso, o
stare decisis seria um instrumento para a manutenção do posicionamento do
tribunal.
8. A técnica consistente no overruling tem função no de revogação do
precedente judicial, podendo ter efeitos retroativos ou prospectivos, assim como
pode ser expresso ou implícito. Enquanto que a técnica do distinguishing tem a
função de se distinguir um caso do outro, revelando-se que não se tratam de casos
idênticos, para que assim não se aplique a regra obtida no precedente, formando,
então um novo precedente para outro caso ou ainda apenas aplicando outra regra
ao caso em tela.
9. A Teoria Geral dos Precedentes de Michele Taruffo analisa a questão dos
precedentes a partir de dimensões para se chegar ao estado em que o precedente
se encontra em determinado ordenamento.
10. A dimensão institucional seria aquela que verificaria como está inserido o
precedente no contexto hierárquico dos tribunais, podendo-se classificar o
precedente em vertical, horizontal e autoprecedente. Já a dimensão objetiva iria
verificar o que no precedente é que seria vinculante, ou seja, iria identificar a ratio
decidendi e a obter dictum para saber o que na decisão judicial tem o condão de ser
vinculante. Em relação à dimensão estrutural, tem-se se averigua a possibilidade de
95
um precedente ser referido no caso seguinte análogo a ele, fazendo-se a
classificação: somente um precedente, jurisprudência constante (vários
precedentes), precedentes contraditórios e caos jurisprudencial, quando a referência
a qualquer decisão anterior é válida devido número exacerbado de decisões em
vários sentidos. Finalmente, em relação à dimensão da eficácia encontramos a
possibilidade de se verificar o grau da eficácia vinculante que o precedente tem,
fazendo-se até uma escala para auferir esse grau de vinculação.
11. A súmula vinculante é tida como um precedente vertical, pois é
declarada pelo Supremo Tribunal Federal, órgão que está no vértice das matérias
constitucionais.
12. A súmula vinculante é um conjunto de precedentes com eficácia
vinculante, pois não pode ser descartada a sua escorreita utilização diante do caso
concreto análogo ao já estabelecido como vinculante.
13. A nova feição do Supremo Tribunal Federal é decorrente de uma
necessidade do Supremo, pois o mesmo se viu abarrotado de processos para julgar
e, do mesmo modo, com a necessidade de julgar causas que tem intensa
repercussão nacional e que, por conseguinte, são sobremaneira expostos pela
mídia, ao mesmo tempo em que tem que julgar milhares de casos que tem matérias
idênticas, mudando apenas as partes.
14. Há duas tendências a serem observadas pelo Supremo. A primeira seria
no sentido de que as suas decisões sejam efetivamente seguidas pelos chamados
tribunais inferiores e a segunda no sentido de que as decisões precisam ser julgadas
de um modo diferente, a se ver o caso do fornecimento de medicamentos que está
sendo julgado pelo STF. É nesse contexto que se insere a súmula vinculante.
15. A súmula vinculante é a transposição dos casos concretos para a
abstrativização de um enunciado e que com isso, ter-se-á efeito vinculante aos
demais órgãos do Poder Judiciário e da administração pública direta e indireta. Para
tanto é necessário ser seguido o rito descrito tanto no Art. 103-A da CF/88 quanto na
Lei 11.417/06 e também nas Resoluções 381 e 388 do STF, fazendo-se, assim
verdadeira garantia constitucional o seguimento desse rito.
96
16. Para garantir a vinculação dos demais órgãos do Poder Judiciário e da
administração pública direta e indireta ampliou-se a possibilidade de se propor
reclamação constitucional perante o STF para a preservação da autoridade da
súmula vinculante, buscando-se, assim, a reclamação como um processo
eminentemente documental assemelhado ao mandado de segurança para que
ocorra a devida manutenção da eficácia vinculante sem haver uma multiplicação de
processos no STF.
17. A súmula vinculante é verdadeiramente a interseção dos sistemas do
civil law e do common law, verificando algumas diferenças e outras semelhanças
que guarda com ambos os sistemas, analisando-se primeiramente o modo de
criação da súmula vinculante e do precedente, no sentido de que o precedente da
teoria do stare decisis já é criado para ser vinculante, enquanto que na súmula
vinculante precisa-se declarar os fundamentos daqueles precedentes que a formam
e que são vinculantes para os demais órgãos.
18. Constata-se, também, que o sobrestamento da Proposta de Súmula
vinculante pode ser um indício de que o precedente a ser julgado pode ser o
precedente determinante na formação da súmula vinculante, necessitando-se,
assim, haver o seu trânsito em julgado para que a matéria tenha as reiteradas
decisões necessárias para que enfim possa-se editar a súmula vinculante.
19. Tem-se ainda que em relação à questão da diferença quantitativa e
qualitativa em relação às reiteradas decisões, a despeito de o preceito normativo
constitucional dar a entender que a questão quantitativa é fundamental, entende-se
que o que é necessário é o exaurimento da matéria pelo STF, ou seja, não
necessariamente são imprescindíveis várias decisões para se editar uma súmula
vinculante, necessitando-se apenas de decisões que realmente discutam o tema ao
invés de apenas se citar dezenas de decisões.
20. Em relação ao cancelamento da súmula vinculante, tem-se que a
revogação é expressa, pois o Supremo deve cancelar a súmula vinculante
expressamente, inclusive seguindo o mesmo rito que segue para a edição da
referida súmula, tendo-se somente a diferença de não haver decisões concretas
acerca do tema para o próprio STF analisar. Nesse caso, a questão passa longe dos
casos concretos decididos pelo STF e já vem pelo meio da abstração.
97
21. Por fim, resta concluir que há influências tanto da civil law quanto da
common law no instituto conhecido como súmula vinculante e insculpido no Art. 103-
A, CF/88. Com isso, a súmula vinculante adquire tanto a natureza de jurisprudência
do Tribunal, quando se analisa a questão das reiteradas decisões necessárias,
quanto no momento em que se percebe que aquelas decisões dos casos concretos
terão o efeito vinculante típico dos países do common law, fazendo-se então um
“precedente à brasileira”, ou seja, um terceiro gênero entre a jurisprudência
constante e o precedente judicial.
98
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