SPECIAL RAILROADS AS FERROVIAS BRASILEIRAS VOLTAM A … · expansão das ferrovias no Brasil...

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E las levaram o Brasil ao desenvolvimento em duzentos anos, dominaram o modo de se locomover durante séculos, foram estatizadas e, posteriormente, abandonadas. Atualmente, estão contribuindo para o transporte de cargas em várias regiões do País. A história do desenvolvimento brasileiro pode ser contada por meio das linhas férreas. Um dos maiores empreendedores brasileiros, o Barão de Mauá, recebeu, em 1852, a concessão do Governo Imperial para a construção e exploração de uma linha férrea. Dois anos mais tarde, Dom Pedro II inaugurou a primeira ferrovia do Brasil, com 14,5 quilômetros de extensão e bitola (largura determinada pela distância entre os dois trilhos) de 1,68 metros, ligando o Rio de Janeiro, então capital brasileira, à Serra da Estrela, em Petrópolis, no mesmo Estado. Entusiasta dos meios de transporte, Mauá também iniciou a indústria naval brasileira com a produção de 72 navios a vapor e a vela. Com a construção da Estrada de Ferro Mauá, permitiu a integração das modalidades de transporte aquaviário e ferroviário, introduzindo a primeira operação intermodal do Brasil. Desde a segunda metade do século XIX, a expansão das ferrovias no Brasil acompanhou o desenvolvimento de regiões específicas, como o café do Vale do Ribeira até o Porto de Santos, em São Paulo, ou o carvão extraído em Criciúma até o Porto de Imbituba, em Santa Catarina. Em 1922, existia no Brasil um sistema ferroviário com, aproximadamente, 29 mil quilômetros de extensão, cerca de duas mil locomotivas a vapor e 30 mil vagões em tráfego. Cenário atual Atualmente, de acordo com dados da Confederação Nacional dos Transportes - CNT, a malha ferroviária em funcionamento alcança 29.817 quilômetros, a maioria operada por empresas privadas, por meio de 11 concessões. A Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, no entanto, estima que apenas dez mil quilômetros sejam efetivamente utilizados. A principal característica das linhas é a interligação de áreas de produção agrícola e de exploração mineral do interior do País com os portos. Mais de 92 mil vagões de carga e quase três mil locomotivas percorrem os trilhos pelo Brasil hoje. As maiores concentrações de vias férreas nacionais estão situadas nos estados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. O sistema ferroviário possui cerca de 25% da matriz de transporte de cargas no Brasil. Essa participação representou 243,4 bilhões de TKU (unidade física entendida como toneladas transportadas por quilômetro útil), com 395,5 milhões de TU (toneladas úteis transportadas) em 2009. Outro ponto interessante indicado pela CNT é a demanda crescente do transporte de passageiros por via férrea. Embora concentrado na movimentação de cargas, o transporte ferroviário é responsável pelo deslocamento de 1,5 milhão de passageiros por ano. O cenário favorável ao crescimento dessa movimentação veio, sobretudo, depois da implantação do atual modelo de concessões à iniciativa privada, iniciado em 1997. Antes disso, o modelo estatal estava sucateado e gerava prejuízos em torno de R$ 13 bilhões. Dados da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários - ANTF indicam que esses mesmos R$ 13 bilhões foram recolhidos aos cofres públicos em impostos e arrendamentos. Os investimentos privados chegaram a R$ 24 bilhões e promoveram um aumento de 103% na produção ferroviária nacional. AS FERROVIAS BRASILEIRAS VOLTAM A APITAR NA LOGÍSTICA NACIONAL Empresas investem para que o trem acompanhe o crescimento do Brasil Camila Latrova 56 éBRASIL ESPECIAL FERROVIAS SPECIAL RAILROADS

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Elas levaram o Brasil ao desenvolvimento em

duzentos anos, dominaram o modo de se

locomover durante séculos, foram estatizadas

e, posteriormente, abandonadas. Atualmente,

estão contribuindo para o transporte de

cargas em várias regiões do País. A história do

desenvolvimento brasileiro pode ser contada

por meio das linhas férreas.

Um dos maiores empreendedores brasileiros, o

Barão de Mauá, recebeu, em 1852, a concessão do

Governo Imperial para a construção e exploração

de uma linha férrea. Dois anos mais tarde, Dom

Pedro II inaugurou a primeira ferrovia do Brasil,

com 14,5 quilômetros de extensão e bitola (largura

determinada pela distância entre os dois trilhos)

de 1,68 metros, ligando o Rio de Janeiro, então

capital brasileira, à Serra da Estrela, em Petrópolis,

no mesmo Estado. Entusiasta dos meios de

transporte, Mauá também iniciou a indústria naval

brasileira com a produção de 72 navios a vapor

e a vela. Com a construção da Estrada de Ferro

Mauá, permitiu a integração das modalidades de

transporte aquaviário e ferroviário, introduzindo

a primeira operação intermodal do Brasil.

Desde a segunda metade do século XIX, a

expansão das ferrovias no Brasil acompanhou

o desenvolvimento de regiões especí�cas, como

o café do Vale do Ribeira até o Porto de Santos,

em São Paulo, ou o carvão extraído em Criciúma

até o Porto de Imbituba, em Santa Catarina. Em

1922, existia no Brasil um sistema ferroviário

com, aproximadamente, 29 mil quilômetros de

extensão, cerca de duas mil locomotivas a vapor e

30 mil vagões em tráfego.

Cenário atual

Atualmente, de acordo com dados da

Confederação Nacional dos Transportes - CNT,

a malha ferroviária em funcionamento alcança

29.817 quilômetros, a maioria operada por

empresas privadas, por meio de 11 concessões.

A Agência Nacional de Transportes Terrestres -

ANTT, no entanto, estima que apenas dez mil

quilômetros sejam efetivamente utilizados.

A principal característica das linhas é a interligação

de áreas de produção agrícola e de exploração

mineral do interior do País com os portos. Mais de

92 mil vagões de carga e quase três mil locomotivas

percorrem os trilhos pelo Brasil hoje. As maiores

concentrações de vias férreas nacionais estão

situadas nos estados do Rio Grande do Sul, São

Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

O sistema ferroviário possui cerca de 25% da

matriz de transporte de cargas no Brasil. Essa

participação representou 243,4 bilhões de TKU

(unidade física entendida como toneladas

transportadas por quilômetro útil), com 395,5

milhões de TU (toneladas úteis transportadas)

em 2009. Outro ponto interessante indicado pela

CNT é a demanda crescente do transporte de

passageiros por via férrea. Embora concentrado

na movimentação de cargas, o transporte

ferroviário é responsável pelo deslocamento de

1,5 milhão de passageiros por ano.

O cenário favorável ao crescimento dessa

movimentação veio, sobretudo, depois da

implantação do atual modelo de concessões

à iniciativa privada, iniciado em 1997. Antes

disso, o modelo estatal estava sucateado e gerava

prejuízos em torno de R$ 13 bilhões. Dados

da Associação Nacional dos Transportadores

Ferroviários - ANTF indicam que esses

mesmos R$ 13 bilhões foram recolhidos aos

cofres públicos em impostos e arrendamentos.

Os investimentos privados chegaram a R$ 24

bilhões e promoveram um aumento de 103%

na produção ferroviária nacional.

AS FERROVIAS BRASILEIRAS

VOLTAM A APITAR NA

LOGÍSTICA NACIONALEmpresas

investem para que o trem

acompanhe o crescimento

do Brasil

Camila Latrova

56 éBRASIL

ESPECIAL FERROVIASSPECIAL RAILROADS

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A previsão da Associação Nacional

dos Transportadores Ferroviários

é que o número de vagões &que

próximo a 140 mil até 2020

!e foresight of the National

Railway Association is that the

number of wagons reaches a number

close to 140 thousand until 2020

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Nova regulamentação

O Governo Federal, ciente do potencial das

ferrovias, lançou, no �nal de julho, edital com

o novo marco regulatório para as concessões,

com o objetivo de promover a entrada de

outras empresas e estimular a competitividade

do setor ferroviário, melhorando e barateando

a qualidade dos serviços oferecidos. Com as

novas regras, as concessionárias que exploram

atualmente as malhas ferroviárias terão outros

compromissos, como cumprir, a partir de 2012,

metas de utilização para cada trecho concedido,

tráfego mútuo e o direito de passagem,

obrigação que permite o uso dos trilhos de

outras companhias.

A nova regulamentação ainda trata do direito

do usuário, permitindo que um cliente de

ferrovia possa ter sua composição (locomotiva

e vagões) para fazer o transporte da sua carga.

Até o �nal do ano, a ANTT deverá dispor para

consulta pública, a proposta de alteração dos

tetos tarifários para cada tipo de transporte,

que nunca foram alterados desde o início das

concessões, em 1996.

O objetivo das novas regras é eliminar gargalos

que atrapalham a produtividade do transporte

sobre trilhos. Desses 29 mil quilômetros de

malha ferroviária, cerca de dez mil estão em

boas condições de trafegabilidade, mas não

são plenamente utilizados e outros seis mil

quilômetros não estão em condições de serem

usados. De acordo com o diretor-geral da

ANTT, Bernardo Figueiredo, as resoluções

criam a oportunidade para que essas linhas

possam ser reutilizadas. “Caso a concessionária

não tiver a proposta de explorar e criar serviços

nesses trechos, pode abrir para o mercado ou

devolver para o governo.”

A Associação Nacional dos Usuários do

Transporte de Carga - ANUT, entidade que

representa os clientes das ferrovias, recebeu

com entusiasmo as novas resoluções. Para a

associação, com a regulamentação do setor

ferroviário de cargas, o frete cobrado pelas

operadoras deverá ser reduzido.

As concessionárias que atuam no setor, junto

com a ANTF ainda estão avaliando o impacto

econômico, logístico e jurídico da nova

regulamentação ferroviária. Atualmente as 11

empresas têm exclusividade de transporte nos

trechos onde operam e precisam se adaptar às

novas transformações.

Futuro

As ferrovias devem tomar a dianteira da logística

brasileira nos próximos anos. A estimativa da

ANTF é que a participação nos transportes do

País passe do patamar de 25% para 32% até

2023. Já a malha ferroviária deverá expandir

para mais de 48 mil quilômetros.

O modelo de concessões implementado na

década de 90 trouxe grandes avanços ao

setor, que estava sucateado. Entretanto, com

o crescimento econômico e a nova realidade

vivida pelo Brasil, as aspirações cresceram e a

percepção, tanto do governo, como das empresas

é que as ferrovias precisam atender uma nova

demanda, maior, mais ampla, com a adoção de

novas estratégias modais e intermodais.

THE BRAZILIAN RAILWAYS RESUME THEIR WHISTLE ON NATIONAL LOGISTICS

Companies invest for the train to accompany the growth in Brazil

They led Brazil to development in two hundred

years, dominated ways of transportation

during centuries, were nationalized and, later,

abandoned. Currently, they are contributing to

the transportation of cargo in various regions of

the country. !e history of Brazilian development

can be told by the railway lines.

One of the greatest Brazilian entrepreneurs,

Baron of (Barão de) Mauá, received, in 1852, the

concession of the Imperial Government for the

construction and exploration of a railway. Two

O ATUAL MODELO DE CONCESSÕES GEROU APORTES PRIVADOS DA ORDEM DE R$ 24 BILHÕES

THE CURRENT CONCESSIONS MODEL

GENERATED PRIVATE CONTRIBUTIONS

IN THE SUM OF BR$ 24 BILLION

A frota de material rodante das malhas

ferroviárias concedidas no Brasil cresceu

128% no período de 1997 a 2010

!e "eet of rolling stock of the rail network

granted in Brazil grew 128% in the period

from 1997 to 2010

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years later, Dom Pedro II inaugurated the %rst

railway in Brazil with a length 14.5 kilometers and

gauge (distance between the railway lines) of 1.68

meters, connecting Rio de Janeiro, the Brazilian

capital at the time, to the Serra da Estrela, in

Petrópolis, in the same state. An enthusiast when

it comes to transportation, Mauá also began the

Brazilian naval industry with the manufacture

of 72 steam and sailing vessels. !e construction

of the Iron Road of (Estrada de Ferro de) Mauá

permitted the integration between water and

rail transport, introducing the %rst intermodal

operation in Brazil.

Since the second half of the 19th century, the

Brazilian railway expansion has accompanied

the development of speci%c regions, such as co'ee

from the Vale do Riberia to Porto de Santos,

in São Paulo, or coal extracted in Criciúma to

the Porto de Imbituba, in Santa Catarina. In

1922, there was a railway system in Brazil with

approximately 29 thousand kilometers in length,

about two thousand steam locomotives and 30

thousand wagons in movement.

Current scenario

Today, according to the data of the National

Confederation of Transport - CNT, the working

rail network in operation reaches 29,817 km,

mostly operated by private companies, through

11 concessions. !e National Land Transport

Agency - ANTT, however, estimates that only ten

thousand kilometers are used.

!e main characteristic of the railway is the

interconnection of the agricultural production

areas and mineral exploration from the

interior of the country with the ports. More

than 92 thousand cargo wagons and almost

three thousand locomotives travel on the rail

in Brazil today. !e greater concentrations

of national railways are situated in the states

of Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas

Gerais and Rio de Janeiro.

!e railway system has about 25% of the cargo

transport matrix in Brazil. !is participation

represented 243.4 billion TKU (physical unit

representing tons per useful kilometer), with 395.5

billion TU (useful tons transported) in 2009.

Another interesting point indicated by the CNT

is the growing demand for passenger transport

via railroad. !ough it is concentrated in cargo

transport, the railroad is responsible for 1.5

million passengers per year.

A favorable scenario regarding the growth of this

movement came, overall, a/er the implementation

of the current concessions model due to private

initiatives, starting in 1997. Before this, the state

model was scrapped and generated losses of about

BR$ 13 billion. Data from the National Association

of Railway Transport - ANTF indicate that these

same BR$ 13 billion were recovered to public safes

in taxes and leases. Private investments reached

BR$ 24 billion and promoted an increase of 103%

of the national railway production.

New regulation

!e Federal Government, conscious of the potential

of the railways, released, during the end of July,

an announcement with the new regulations for

concessions, with the objective to promote the entry

of other companies and stimulate competitivity in

the rail sector, improving quality and lowering

costs of services provided. With the new rules, the

concessionary companies that currently explore

the rail networks will have other compromises

such as, starting from 2012, utilization goals for

each passage granted, mutual tra:c and the rite

of passage, an obligation permitting the use of the

rails by other companies.

!e new regulation still treats user rights,

permitting a railway client to have a composition

(locomotive and wagons) to transport their

cargo. Until the end of the year, the ANTT should

make available for public consultations the

proposal of altering the tari' caps for each type

of transportation, which have never been altered

since the beginning of the concessions in 1996.

!e objective of the new rules is to eliminate

bottlenecks that impede the productivity of the

transportation on the rail. Of these 29 thousand

kilometers of rail networks, about ten thousand

are in good conditions for tra:cability, but are not

used and another six thousand kilometers are not

in conditions of being used. According to the general

director of the ANTT, Bernardo Figueiredo, these

resolutions create opportunities for these rails to

be reused. “In case of the concessionary company

not have the proposal of exploring and creating

services at these ranges, they become available to

the market or are returned to the government”.

!e National Association of Freight Transport

Users - ANUT, an entity that represents the

railway clients, enthusiastically received

the new resolutions. For the association,

with the regulations of the cargo railway

sector, the freight charged by the operating

companies shall be reduced.

!e concessionary companies that are active in this

sector, along with the ANTF, are still evaluating

the economic, logistical and judicial impacts of the

new railway regulation. Currently, 11 companies

have transportation exclusivity on the operating

rails and need to adapt to the new transformations

Future

!e railways should take the front wheel of the

Brazilian logistics in the years to come. ANTF

estimates that the participation of the country’s

transportations should pass 25% to 32% until

2023. !e rail network should expand to more

than 48 thousand kilometers.

!e concessions model implemented in the 90s

brought great advances to the sector, which was

scrapped. However, with economic growth and

the new reality in Brazil, aspirations grow and

the perception, not only of the Government, but

of companies as well, is that railways need to

meet a new demand, a larger and more ample

demand, with the adoption of new modal

and intermodal strategies.

A malha ferroviária em funcionamento alcança 29.817

quilômetros, a maioria operada por empresas privadas

!e working rail network in operation reaches 29,817 km,

mostly operated by private companies, through 11 concessions

A malha ferroviária em funciona

quilômetros, a maioria operada

!e working rail network in operat

mostly operated by private companies

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