SPECT Cerebral Interictal Em Pacientes Com Epilepsia Do Lobo Temporal de Difícil Controle

download SPECT Cerebral Interictal Em Pacientes Com Epilepsia Do Lobo Temporal de Difícil Controle

of 9

description

Artigo

Transcript of SPECT Cerebral Interictal Em Pacientes Com Epilepsia Do Lobo Temporal de Difícil Controle

  • Arq Neuropsiquiatr 2002;60(3-B):779-787

    SPECT CEREBRAL INTERICTAL EM PACIENTES COMEPILEPSIA DO LOBO TEMPORAL DE DIFCIL CONTROLE

    Maria Emilia Cosenza Andraus1, Carlos Alberto Nunes Cosenza2,La Mirian Barbosa da Fonseca3,Cesar Fantezia Andraus4,Isabela DAndrea5,Soniza Vieira Alves-Leon6

    RESUMO O objetivo desse estudo foi avaliar a utilidade do SPECT cerebral interictal na localizao do focoepileptognico em 23 pacientes do Ambulatrio de Epilepsias do Hospital Universitrio Clementino FragaFilho (HUCFF/UFRJ), com epilepsia do lobo temporal (ELT) de difcil controle e tomografia computadorizada(TC) do crnio normal, estudando a correlao entre SPECT interictal, eletrencefalograma (EEG) e, em 11casos, ressonncia magntica (RM) do crnio, e comparar os resultados com os de outras seis sries daliteratura. Doze (52,2%) pacientes apresentaram SPECT anormal. Entre esses, cinco (41,6% dos SPECTs anormais)apresentaram alterao unilateral ao SPECT do mesmo lado do EEG (hipoperfuso em 4 e hiperperfuso em1), trs (25% dos SPECTs anormais) apresentaram hipoperfuso bilateral ao SPECT e alteraes tambm bilateraisao EEG e 4 (33,3% dos SPECTs anormais) apresentaram hipoperfuso unilateral ao SPECT e EEG bilateral. Aanlise estatstica fundamentou-se na lgica fuzzy. Os ndices de correlao entre SPECT X EEG, SPECT X RM eSPECT X EEG X RM foram altamente significativos, com nveis de significncia de 0,01, p < 0,0005 e intervalode 99% de confiana em todas as correlaes. Os estudos de correlao entre as sries estudadas apresentaramresultados semelhantes entre si.

    PALAVRAS-CHAVE: SPECT cerebral, epilepsia do lobo temporal, epilepsia de difcil controle, lgica fuzzy.

    Interictal brain SPECT in patients with medically refractory temporal lobe epilepsy

    ABSTRACT The objective of this study was to evaluate the utility of interictal brain SPECT in localizing theepileptogenic focus in a population of patients of Epilepsy Clinic of Hospital Universitrio Clementino FragaFilho (HUCFF/UFRJ), with medically refractory temporal lobe epilepsy (TLE) and normal computed tomography(CT) scans, studying the correlation between SPECT, electroencephalogram (EEG) and, in 11 cases, brainmagnectic resonance imaging (MRI), and to compare the results to the other six literatura series. Twelve(52.2%) patients presented abnormal SPECT. Among these, five (41.6% of abnormal SPECTs) presented unilateralSPECT changes at the same side of EEG (hypoperfusion in four and hyperperfusion in one), three (25% ofabnormal SPECTs) presented bilateral hypoperfusion and bilateral EEG changes too, and four (33.3%) presentedunilateral hypoperfusion and bilateral EEG changes. The statistical analysis was based on fuzzy logic. Thecorrelation index among SPECT X EEG, SPECT X MRI and SPECT X EEG X MRI were highly significant, withsignifcance levels at 0.01, p < 0.0005 and trust interval at 99% in all correlations. The correlation studiesbetween the series presented similar results.

    KEY WORDS: brain SPECT, temporal lobe epilepsy, refractory epilepsy, fuzzy logics.

    Os mtodos funcionais de neuroimagem come-aram a ser utilizados a partir da dcada de 80, sen-do os primeiros estudos com a tomografia por emis-so de fton nico (single photon emission compu-ted tomography-SPECT) cerebral relatados por Bonte

    et al. em 19831. Em 1892, porm, o neurocirurgioSir Victor Horsley, observando diretamente o cre-bro durante crises convulsivas, foi o primeiro a des-crever a ocorrncia de hiperperfuso focal crtica2. Em1939, Penfield e col.3 descreveram aumento do fluxo

    Programa de Epilepsias do Servio de Neurologia do Hospital Universitrio Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal doRio de Janeiro (UFRJ) e Programa de Engenharia de Produo da Coordenao dos Programas de Ps-Graduao em Engenharia (COPPE/UFRJ) Rio de Janeiro RJ, Brasil; 1Doutoranda em Neurologia da Faculdade de Medicina da UFRJ; 2Professor Emrito da COPPE/UFRJ econvidado do Laboratoire dAnalyse et dArchitecture de Systmes de Toulouse, Frana; 3Professora Titular de Medicina Nuclear da UFRJ;4Mestre em Neurocirurgia, Doutorando em Engenharia de Produo da COPPE/UFRJ; 5Mestranda em Neurologia da Escola Paulista deMedicina, UNIFESP; 6Responsvel pelo Programa de Epilepsias do Servio de Neurologia do HUCFF/UFRJ e Professora Adjunta do Serviode Neurologia da Universidade do Rio de Janeiro. Apoio:CAPES.

    Recebido 16 Outubro 2001, recebido na forma final 9 Maio 2002. Aceito 20 Maio 2002.

    Dra. Maria Emilia Cosenza Andraus Rua Djalma Ulrich 201/1201 - 22071-020 Rio de Janeiro RJ- Brasil. E-mail: [email protected]

  • 780 Arq Neuropsiquiatr 2002;60(3-B)

    sanguneo cerebral regional em humanos no perodocrtico, e em 1968, Plum e col.3 descreveram hiperper-fuso focal durante crises convulsivas induzidas emanimais. Com o desenvolvimento da tcnica de SPECT,essa caracterstica da fisiologia durante as crises podeser estimada atravs de um mtodo diagnstico impor-tante e valioso para a localizao de crises focais dedifcil controle2. Os estudos definitivos sobre SPECTem epilepsia de difcil controle foram feitos aps oestabelecimento de que o hipometabolismo focal paraa glicose, evidenciado pela tomografia por emissode psitrons (positrons emission tomography-PET), re-presentava de forma confivel o local do foco epile-ptognico na ELT2.

    O SPECT cerebral constitui, portanto, mtodo deneuroimagem funcional capaz de detectar alteraeslocalizadas do fluxo sanguneo cerebral regional atra-vs da administrao intravenosa de substncia radioa-tiva ao paciente, seguida do mapeamento tridimensi-onal da distribuio dessa substncia no crebro4.Podem-se obter imagens do estado funcional num mo-mento especfico, anterior ao momento de aquisiodas mesmas, viabilizando a realizao de examesictais, com imagens do fluxo sanguneo cerebral re-presentativas do exato momento da crise4-6. Isto deve-se ao fato de que o radiofrmaco possui rpida extra-o numa primeira passagem pelo crebro, permane-cendo dentro da clula nervosa por vrias horas4,5.Sendo assim, a aquisio das imagens registra o esta-do funcional enceflico no momento da injeo doradiofrmaco4,5. No perodo ictal, ocorre aumentodo fluxo sanguneo na regio do foco epileptognico,com sensibilidade em torno de 90 a 100%2,4,6,7-11. Jnos perodos ps-ictal e interictal, ocorre reduodo fluxo ou hipoperfuso, com sensibilidades vari-ando de 70 a 80% e 50 a 70%, respectivamente3,6,12,13.Algumas vezes, nos estudos ps-ictais precoces (cominjeo do radiofrmaco de um at cinco minutosaps o trmino da crise) ocorre o chamado desviops-crtico (post-ictal switch), que consiste na com-binao de hipoperfuso medial com hiperperfusolateral, e constitui achado confivel na lateralizaodo foco3,6,12,13. Estudos sugerem a ocorrncia de pa-dres tpicos e atpicos de perfuso evidenciados peloSPECT, mesmo ictal, que tambm podem contribuirpara a lateralizao do foco epileptognico14.

    A eplepsia do lobo temporal (ELT) a sndromeepilptica mais comum dos adultos, sendo respon-svel por cerca de 40% dos casos, e em mais de 50%apresenta refratariedade medicamentosa5,15-19. Ad-mite-se que a ELT seja constituida por um grupoheterogneo de pacientes, englobando sndromes ousubsndromes diversas, mais apropriadamente deno-

    minadas epilepsias do lobo temporal, que apresen-tam em comum a ocorrncia de crises parciais, comou sem generalizao secundria, presumivelmenteoriginadas nesse lobo15,16. Esse termo no se refereaos vrios fatores etiolgicos possveis, e utilizadopara denotar a condio de pacientes com ou semleso estrutural aparente15,16. O SPECT pode contri-buir na investigao do foco epileptognico, e umdos mtodos utilizados na avaliao pr-cirrgicadesses pacientes (cerca de 60 a 80% apresentam curatotal ou melhora com a cirurgia)5,17-25. Vrios auto-res tm relatado estudos de SPECT cerebral em paci-entes com epilepsia. Muitos concordam que o SPECTno perodo interictal no constitui marcador sens-vel nem especfico para a lateralizao do foco epi-leptognico, com resultados variando entre 50% comhipoperfuso do lado correto e 10% com late-ralizao incorreta20,25. Nos casos de ELT, 50 a 65%apresentam concordncia com o eletrencefalograma(EEG) interictal12,20, 24-29.

    Lamusuo et al.12 realizaram estudo comparativoentre SPECT cerebral interictal e PET em 18 pacientescandidatos ao tratamento cirrgico, nos quais foramimplantados eletrodos subdurais como referncias,que localizaram o foco epileptognico em 15 pacien-tes. Os resultados do PET e do SPECT foram compat-veis com as referncias subdurais em 13 e 9 pacien-tes, respectivamente. Os autores concluem que o PETparece ser mtodo mais acurado para localizao docrtex epileptognico do que o SPECT interictal. Po-rm, cabe ressaltar que esses pacientes, apesar de sub-metidos a avaliao clnica, monitorizao por vdeo/EEG, ressonncia magntica (RM) e avaliaesneuropsicolgicas, no tiveram localizao previa-mente definida do foco epileptognico. Nesses casos,cujos critrios clnicos e eletrencefalogrficos so in-suficientes na localizao do foco epileptognico,mtodos de neuroimagem funcional representam umaesperana para possibilitar localizao mais efetiva2.

    Guillon et al.29 estudaram a correlao entre ofluxo sanguneo cerebral regional atravs de SPECTinterictal e o registro de pontas interictais por ele-trodos profundos, em 20 pacientes com ELT. Dezes-seis pacientes apresentaram hipoperfuso, sendoque 14 corresponderam ao lobo temporal epilepto-gnico. Cinco pacientes apresentaram hipoperfusomedial e oito apresentaram hipoperfuso global dolobo temporal. Em oito pacientes, a hipoperfusotambm se estendeu ao crtex adjacente. impor-tante ressaltar que a hipoperfuso medial estavaassociada com atividade eletrencefalogrfica de pon-tas limitada s estruturas mediais. Os autores con-cluem que a comparao entre SPECT e EEG interictal

  • Arq Neuropsiquiatr 2002;60(3-B) 781

    com eletrodos profundos indicou que houve corre-lao topogrfica entre a extenso da rea dehipoperfuso e a zona irritativa.

    Runge et al.30 comparando resultados de SPECTictal e interictal com a administrao de etileno dicis-tena dietil ster (ECD-99mTc), realizados em 23 paci-entes com epilepsia focal de difcil controle, encon-traram os seguintes resultados: 17 (74%) dos 23 pa-cientes que realizaram SPECT interictal apresenta-ram hipoperfuso correspondente ao foco eletrofisi-olgico (evidenciado pelo EEG), e 6 pacientes apre-sentaram SPECT normal; 18 (86%) dos 21 pacientesque realizaram SPECT ictal apresentaram hiperper-fuso regional no mesmo local do foco eletrofisio-lgico e 3 pacientes hipoperfuso similar do SPECTinterictal. Os autores concluem que o SPECT ictalconstitui mtodo mais efetivo para localizao defoco epileptognico.

    Lancman et al.21, em estudo prospectivo, avalia-ram os benefcios potenciais do uso do SPECT ictal einterictal, com injeo de ECD-99mTc, para latera-lizao de focos epileptognicos em dez pacientescom epilepsia parcial de difcil controle, candidatosao tratamento cirrgico. Os estudos ictais eviden-ciaram hiperperfuso em oito dos dez pacientes, e oSPECT interictal hipoperfuso focal em trs casos.

    Lee et al.9 em estudo retrospectivo de 19 pacien-tes com ELT, submetidos a EEGs e SPECTs ictais e inte-rictais, e que tiveram sucesso aps tratamento cirr-gico, encontraram lateralizao correta do SPECT in-terictal em 8 de 9 pacientes com alteraes epile-ptiformes unilaterais ao EEG, e em 5 de 10 pacien-tes com alteraes bilaterais. O SPECT ictal apresen-tou concordncia maior com o EEG realizado conco-mitantemente, mas lateralizao correta da regioepileptognica ocorreu em apenas 11 de 19 pacien-tes. Os autores puderam evidenciar que o SPECT inte-rictal foi mais sensvel e revelador em pacientes comdescargas epileptiformes interictais unitemporais doque em pacientes com descargas bitemporais. Nes-te estudo, o SPECT ictal apresentou frequente late-ralizao falsa.

    Carrilho et al.23 estudaram 26 pacientes com ELTe tomografia computadorizada (TC) do crnio nor-mal, submetidos a RM e SPECT interictal. Dezesseis(61,5%) das RMs e 17 (65,4%) dos SPECTs apresen-taram algum tipo de anormalidade. A concordnciaentre SPECT e RM ocorreu em 8 (30,7%) pacientes eentre SPECT e EEG em 15 (57,7%). A concordnciaentre SPECT, RM e EEG ocorreu em 7 (26,9%) paci-entes. Os autores concluem que SPECT interictal temvalor na deteco e lateralizao de anormalidadesem epilepsia do lobo temporal, porm que o mesmo

    no deve ser utilizado isoladamente na deteco defocos temporais.

    Este estudo teve como objetivo avaliar a utilidadedo SPECT cerebral interictal na localizao do foco epi-leptognico em pacientes com ELT de difcil controle.

    MTODOFoi realizado estudo prospectivo, transversal, que in-

    cluiu 23 pacientes provenientes do Programa de Epilepsi-as do Servio de Neurologia do HUCFF/UFRJ, protocoladosna Ficha Padro de Atendimento a Pacientes com Epilep-sia (proposta pela Liga Brasileira de Epilepsia, Captulo doRio de Janeiro)31. Os pacientes apresentavam critrios pr-estabelecidos de ELT de difcil controle, verificados atra-vs de anamnese, exame fsico, EEG interictal de superf-cie com alteraes epileptiformes (descargas de pontas,ondas agudas e/ou ondas lentas) temporais (uni ou bila-terais, nem sempre resritas regio temporal), e TC docrnio normal. Os critrios fundamentaram-se nas carac-tersticas gerais e eletrencefalogrficas interictais da ELT,propostas pela classificao da International LeagueAgainst Epilepsy (ILAE), de 198932. Onze pacientes reali-zaram RM do crnio. A RM foi realizada fora do HUCFF,em centro de referncia no Rio de Janeiro, seguindo a ro-tina de investigao para epilepsia. A mdia de idade dospacientes no momento da incluso nesse estudo foi 30,34+ 8,91 anos, com idade mnima de 18 anos e mxima de49 anos. Doze pacientes eram do sexo masculino e 11 dosexo feminino. O tempo mdio de durao da doena erade 18,13 + 9,73 anos, com tempo mnimo de trs anos emximo de 35 anos. Os pacientes estavam recebendo dro-ga antiepilptica pelo menos por dois anos, em monoterapiaou em terapia combinada, com dosagem srica dentro dafaixa teraputica, indicando adeso ao tratamento.

    O SPECT cerebral foi realizado com a injeo de etileno-dicistena dietil ester (ECD-99mTC) (radiofrmaco com esta-bilidade in vitro em torno de seis horas, lipoflico, neutroe de alta pureza21), no Servio de Medicina Nuclear doHUCFF/UFRJ. Um aparelho gama cmara (Siemens, tipoDiacam-SPECT) de detector nico foi utilizado para aqui-sio das imagens. As imagens foram reconstrudas numcomputador ICON (Macintosh), utilizando softwareTC.brain (prprio do aparelho) e um filtro Butterworth.

    Antes da injeo do radiofrmaco, os pacientes perma-neceram cerca de 30 a 45 minutos em repouso, em salacom ambiente tranquilo. A dose utilizada de ECD-99mTc foide 20 a 30 mCi (dose preconizada para adultos21), por viaintravenosa. A aquisio das imagens foi realizada cercade 30 a 60 minutos aps a injeo do radiofrmaco, ten-do sido realizados 64 cortes, com durao de 32 segun-dos cada corte. Os planos de corte estudados foram otransverso, sagital e coronal, e as anormalidades descri-tas foram observadas em pelo menos duas incidncias.

    O SPECT foi realizado no perodo interictal, com interva-lo de pelo menos 24 horas entre a ltima crise e a realiza-o do exame.

  • 782 Arq Neuropsiquiatr 2002;60(3-B)

    Tratamento e anlise estatsticaPara inferncia matemtico-estatstica foram utilizados

    valores gerados por estruturas fuzzy, que transformam vari-veis lingusticas qualitativas, inerentes comunicao hu-mana, em variveis numricas compreensveis por compu-tadores33-35. Para efeito de comparao, foram consideradassries estatsticas geradas a partir da anlise de seis estudosda literatura, com caractersticas populacionais semelhantes,todas compostas atravs do mtodo de incrementos mar-ginais, aps serem submetidas ao mesmo tratamento (to-das as sries foram submetidas ao tratamento fuzzy). Fo-ram consideradas as sries de Lamusuo et al.12, Guillon etal.29, Runge et al.30, Lancman et al.21, Lee et al.9, e Carrilho etal.23. Tecnicamente, esses estudos podem ser consideradoscomo amostras de um estudo de maior amplitude, paraefeito de inferncia do universo. O processo tem incio narepresentao lingustica de observaes cognitivas. me-dida que a complexidade do sistema aumenta, os algoritmosclssicos perdem sua preciso, a informao torna-se im-precisa ou ambgua34. nesse estgio que a lgica fuzzyfornece os recursos para melhor entendimento do compor-tamento do sistema33-35. A lgica fuzzy, introduzida na dca-da de 60 por Zadeh33, na Universidade da Califrnia, vemsendo cada vez mais utilizada em medicina, especialmenteem relao interpretao de exames complementares34.De forma geral, so especialistas que estabelecem os valo-res matemticos em funo da importncia ou peso de cadaatributo. Tais atributos podem ser fortemente correlacio-nados, ter correlao parcial ou relativa, no apresentar cor-relao aparente ou no ter correlao. Nesse estudo, comoo mais significativo era a gerao de sries estatsticas paraefeitos de correlao, foram estabelecidos valores com per-

    tinncia mxima para os suportes, valores para as variveissem correlao aparente, para as variveis com relativa cor-relao e para as variveis com alto grau de correlao. Se-gundo critrios fuzzy de tcnica imagem-interpretao, atri-buiu-se maior valor (valor 2,0) para o SPECT com alteraesdo mesmo lado do EEG, uni ou bilateral. O valor 1,5 foiatribudo ao SPECT anormal unilateral associado ao EEG comalteraes bilaterais, e valor 1,0 foi atribudo ao SPECT nor-mal. Pelo fato do EEG com anormalidade temporal ter sidoum dos critrios diagnsticos de incluso no estudo, a elefoi atribudo valor 2,0 em todos os casos. Sendo a srie queassume maior valor de suporte, o EEG constituiu a refern-cia para a determinao da correspondncia com o SPECT.Na anlise de regresso simples entre SPECT e RM, o SPECTanormal recebeu valor 2,0, devido possibilidade da ocor-rncia de alteraes funcionais sem leses estruturais. Re-ceberam valor 2,0 as RMs com alterao do mesmo lado doSPECT, valor 1,5 a RM com alterao unilateral e SPECT bila-teral e valor 1,0 as RMs normais. A partir desses valores,foram estabelecidas relaes entre os resultados dos exa-mes de SPECT interictal, EEG e RM para cada um dos paci-entes. Pelo fato de ser homogneo o tratamento dado gerao de valores (matematizao das variveis lingus-ticas), alto o grau de confiabilidade dos resultados. Naanlise de correlao mltipla, SPECT e RM evoluem emtorno do EEG com valores coincidentes ou no. A Figura 1ilustra o grfico de representao dos valores fuzzy.

    Listados n pacientes e considerando tais pesos ou valo-res de suporte, a composio das sries ocorreu por incre-mentos marginais. Com o critrio estabelecido, a ordemdos pacientes no interfere nos valores. Por exemplo, seja1,0 o valor de correspondncia do primeiro paciente listado,

    Fig 1. Conjunto das variveis correlacionadas, representao dos valores fuzzy. X1-Variveis sem correlao aparente; X2-variveis com relativa correlao; X3-variveis com alto grau de correlao.

    Funo de Pertinncia= xo = 0 = definitivamente sem correlao; = x1 = 1= sem correlao aparente;

    = x2 = 1.5 = correlao parcial ou relativa;= x3 = 2.0 = fortemente correlacionado.

  • Arq Neuropsiquiatr 2002;60(3-B) 783

    seja 2,0 o do segundo paciente listado, os dois primeiros valo-res da srie sero 1,0 e 3,0, dado que o incremento 2,0.

    Para validar os resultados da anlise estatstica atravsde regresses, foram estabelecidos os intervalos de confi-ana e realizados os testes de hiptese para beta (b). Ovalor de prova (p) foi calculado atravs do teste t de Stu-dent. A anlise estatstica foi realizada com o auxlio doprograma SPSS.8 (Statistical Products & Service Solutions),junto ao Programa de Engenharia de Produo da Coor-denao dos Programas de Ps-Graduao em Engenha-ria (COPPE) da UFRJ e Laboratoire dAnalyse e dArchitec-ture de Systmes de Toulouse, Frana.

    Esse estudo foi aprovado pela Comisso de Investiga-o Cientfica (CIC) e pelo Comit de tica em Pesquisa(CEP) do HUCFF/UFRJ.

    RESULTADOSDos 23 pacientes estudados, 12 (52,2%) apresen-

    taram SPECT anormal. Entre esses 12 pacientes, cinco(41,6% dos SPECTs anormais) apresentaram alteraesunilaterais ao SPECT do mesmo lado do EEG, sendoque quatro deles apresentaram hipoperfuso e umapresentou hiperperfuso localizada. Trs pacientes(25% dos SPECTs anormais) apresentaram hipoperfu-so bilateral ao SPECT com alteraes tambm bilate-rais ao EEG. Quatro pacientes (33,3% dos SPECTs anor-mais) apresentaram hipoperfuso unilateral ao SPECTe as alteraes eletrencefalogrficas eram bilaterais.

    Onze dos 23 pacientes haviam tambm realiza-do RM do crnio, tendo sido constatada anormalida-de em trs (27,2%) casos (tumor tmporo-parietaldireito, atrofia hipocampal direita e atrofia hipo-campal bilateral). Houve lateralizao concordantecom o SPECT nos trs casos. As oito RMs restantesforam normais. Os resultados do SPECT, EEG e RMencontram-se na Tabela 1.

    Aps a transformao dos dados para anlise es-tatstica, tendo sido atribudos valores para cada re-sultado de SPECT, EEG e RM, foram observados ndi-ces de correlao entre SPECT X EEG (correlao dePearson =0,998, p < 0,0005), SPECT X RM (correla-o de Pearson =0,998, p

  • 784 Arq Neuropsiquiatr 2002;60(3-B)

    Tabela 2. Comparao dos resultados de seis sries da literatura com os da presente amos-tra, aps submetidas ao mesmo tratamento estatstico.

    Autores/Ano SPECT X EEG SPECT X RM SPECT X EEG X RM

    Lamusuo et al.12/ 1997 CP-1,000 CP-0,995 CP-1,000

    DP-0,008 DP-0,038 DP-0,088EEG

    t-121,559 t-36,110 0,121RM

    p

  • Arq Neuropsiquiatr 2002;60(3-B) 785

    so pode ser abrangente, envolvendo todo o lobo tem-poral ou hemisfrio cerebral, e a crise ter incio nasestruturas mediais daquele lado, por exemplo. Sendoassim, foi necessria a atribuio de valores graduadosaos resultados do SPECT, uma vez que no foi realiza-do EEG nem monitorizao prolongada por vdeo-EEGconcomitantemente ao SPECT, nem eletrodos intra-

    cranianos para localizao mais precisa do foco ele-trofisiolgico em nenhum dos casos, no nos permi-tindo invalidar os resultados de SPECT que no tive-ram lateralizao correspondente ao EEG ou que noapresentaram alteraes exatamente na mesma re-gio que o EEG. Considerando que a lgica fuzzy re-conhece uma srie de valores, assegurando que a ver-

    Fig 2. Grficos das anlises de regresso entre SPECT X EEG, SPECT X RM e SPECT X EEG X RM a partir das sries de Lamusuo et al. Rungeet a, Guillon et al, e Lancman et al, com desvios no significativos das retas estimadas, para comparao.

  • 786 Arq Neuropsiquiatr 2002;60(3-B)

    dade uma questo de graduao, tornando expres-ses qualitativas perfeitamente manuseveis estatis-ticamente, utilizamos essa metodologia no tratamen-to estatstico de nossos dados. Foi estabelecida a hiptesede uma alta correlao entre SPECT, EEG e RM.

    Quando os dados obtidos pelos diferentes mto-dos so concordantes, a possibilidade de um diag-nstico topogrfico preciso aumenta. Foram atribu-dos graus de relevncia que transformaram variveisqualitativas em valores numricos, passando-se ge-rao de sries que se permitiram correlao. Dadaa nossa estrutura de pesquisa, foi possvel considerarcomo amostras paramtricas seis estudos da literatu-ra, para comprovar ou no a hiptese bsica estabe-lecida, ou seja, a da utilidade do SPECT interictal. Talhiptese seria confirmada por regresses mltiplas ealtas correlaes entre os trs mtodos complemen-

    tares. A observao dos grficos tridimensionais (Figs2 e 3) confirma essa constatao, pelos pontos proje-tados do SPECT interictal, com desvios mnimos dasretas estimadas.

    CONCLUSOO SPECT interictal mostrou-se til no auxlio ao diag-

    nstico topogrfico da epilepsia do lobo temporal dedifcil controle, apresentando grau de correlao (la-teralizao) significativo com o EEG e a RM. Os estu-dos de correlao entre as sries estudadas apresenta-ram resultados semelhantes entre si.

    REFERNCIAS1. Bonte FJ, Stokely EM, Devous MD, Homan RW. Single photon emission

    tomographic determination of rCBF. Am J Neuroradiol 1983;4:544-546.2. Berkovic SF, Newton MR. Single photon emission computed

    tomography. In Engel J Jr, Pedley TA (eds). Epilepsy: a comprehensivetextbook. Philadelphia: Lippincott-Raven, 1998:969-975.

    Fig 3. Grficos das anlises de regresso entre SPECT X EEG, SPECT X RM e SPECT X EEG X RM a partir das sries de Lee et al, Carrilho etal e Andraus et al, com desvios no significativos das retas estimadas, para comparao. ND, no disponivel.

  • Arq Neuropsiquiatr 2002;60(3-B) 787

    3. Zubal GI, Spencer SS, Imam K, et al. Difference images calculated fromictal and interictal technectium-99m-HMPAO SPECT scans of epilepsy.J Nucl Med 1995;36:684-689.

    4. Oliveira AJ, Hilrio LN, Anselmi OE. SPECT cerebral: princpios e as-pectos tcnicos. In Costa JC da, Palmini A, Yacubian EMT, CavalheiroEA (eds). Fundamentos neurobiolgicos das epilepsias: aspectos clni-cos e cirrgicos Volume I. So Paulo: Lemos, 1998:659-671.

    5. Buchpiguel CA, Tazima S, Portela LAP, et al. O impacto das tecnologiasPET e SPECT no tratamento cirrgico das epilepsias. Mdicos HC-FMUSP 1999;7:40-44.

    6. Treves ST, Connoly LP. Single-photon emission computed tomography(SPECT) in pediatric epilepsy. Neurosurg Clin N Am 1995;6:473-480.

    7. Hogan RE, Cook MJ, Binns DW, et al. Perfusion patterns in postictal99mTc-HMPAO-SPECT after coregistration with MRI in patients withmesial temporal lobe epilepsy. J Neurol Neurosurg Psychiatry1997;63:235-239.

    8. Kuikka JT, Mervaala E, Vanninen E, Klvinen R. Does technetium-99m bicisate image local brain metabolism in late ictal temporal lobeepilepsy? Eur J Nucl Med 1994;21:1247-1251.

    9. Lee BI, Lee JD, Kim JY, et al. Single photon computed tomogrphy-EEGrelations in temporal lobe epilepsy. Neurology 1997;49:981-991.

    10. OBrien TJ, So EL, Mullan BP, et al. Subtraction SPECT co-registered toMRI improves postictal SPECT localization of seizure foci. Neurology1999;52:137-146.

    11. Varma AR, Moriarty J, Costa DC, et al. HMPAO SPECT in non-epilepticseizures: preliminary results. Acta Neurol Scand 1996;94:88-92.

    12. Lamusuo S, Ruottinen HM, Knuuti J, et al. Comparision of (18F) FDG-PET,(99mTc)-HMPAO-SPECT, and (123I)-Iomazenil-SPECT in localizing theepileptogenic cortex. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1997;63:743-748.

    13. Lewis DH. Functional brain imaging with cerebral perfusion SPECT incerebrovascular disease, epilepsy and trauma. Neurosurg Clin N Am1997;8:337-344.

    14. Wichert-Ana L, Velasco TR, Terra-Bustamante VC, et al. Typical andatypical perfusion patterns in periictal SPECT of patients with unilate-ral temporal lobe epilepsy. Epilepsia 2001;42:660-666.

    15. Bustamante VCT, Sakamoto AC. Epilepsias do lobo temporal: caracte-rsticas clnicas e semiologia crtica ao vdeo-EEG. In Yacubian EMT,Garzon E, Sakamoto AC (eds). Vdeo-eletrencefalografia: fundamen-tos e aplicao nas epilepsias. So Paulo: Lemos, 1999:73-81.

    16. Engel J Jr. Introduction to temporal lobe epilepsy. Epilepsy Res 1996;26:141-150.17. Guerreiro CAM, Guerreiro MM. Epilepsia: o paciente otimamente con-

    trolado. So Paulo: Lemos, 1999.18. Crespel A, Baldy-Mouliner M, Coubes P, Chevallier J. Localizing and

    prognosis value of 99Tcm-ECD SPECT in patients with refractory tem-poral lobe epilepsies. Rev Neurol 2001;157:639-648.

    19. Zentner J, Hufnagel A, Wolf HK, et al. Surgical treatment of neoplasmsassociated with medically refractory temporal lobe epilepsy.Neurosurgey 1997;41:378-386.

    20. Ho SS, Berkovic SF, Berlangieri SU, et al. Comparision of ictal SPECTand interictal PET in the presurgical evaluation of temporal lobeepilepsy. Ann Neurol 1995;37:738-745.

    21. Lancman ME, Morris HH, Raja SR, Jo Sullivan M, Saha G, Go R.Usefulness of ictal and interictal 99mTC ethyl cysteinate dimer singlephoton emission computed tomography in patients with refractorypartial epilepsy. Epilepsia 1997;38:466-471.

    22. Alves-Leon SV, Andraus ME, DAndrea I. Neuroimagem nas epilepsias re-fratrias. In Qurico-Santos T, Carvalho RP (eds). I Simpsio deneuroimunologia; interaes neuroimunes: implicaes na homeostasia enos processos patolgicos. Niteri: Imprensa Universitria/UFF,1999:20-22.

    23. Carrilho PG, Yacubian EMT, Cukiert A, Fiore LA, et al. MRI and brainSPECT findings in patients with unilateral temporal lobe epilepsy andnormal CT scan. Arq Neuropsiquiatr 1994;52:149-152.

    24. Duncan JS. Imaging and epilepsy. Brain 1997;120:339-377.25. Oliveira AJ, Costa JC, Hilrio LN, Anselmi OE, Palmini A. Localization of the

    epileptogenic zone by ictal and interictal SPECT with 99mTc-Ethyl cysteinate dimerin patients with medically refractory epilepsy. Epilepsia 1999;40:693-702.

    26. Devous MD, Thisted RA, Morgan GF, Leroy RF, Rowe CC. SPECT brainimaging in epilepsy: a meta-analysis. J Nucl Med 1998;39:285-293.

    27. Duncan R, Patterson J, Hadley D, Roberts R, Bone I. Interictal temporalhypoperfusion is related to early-onset temporal lobe epilepsy. Epilep-sia 1996;37:134-140.

    28. Schmitz EB, Costa DC, Jackson GD, et al. Optimised interictal HMPAO-SPECT in the evaluation of partial epilepsies. Epilepsy Res 1995;21:159-167.

    29. Guillon B, Duncan R, Biraben A, Bernard A-M, Vignal J-P, Chauvel P.Correlation between interictal regional cerebral blood flow and depth-recordedinterictal spiking in temporal lobe epilepsy. Epilepsia 1998;39:67-76.

    30. Runge U, Kirsch G, Petersen B, et al. Ictal and interictal ECD-SPECTfor focus localization in epilepsy. Acta Neurol Scand 1997; 96: 271-276.

    31. Sarmento MR, Alvarenga RP, Alves SV. Ficha de sistematizao deatendimento ao paciente com crises epilpticas: estudo multicntrico.Arq Neuro Psiquiatr 1992;50:45.

    32. Comission on Classification and Terminology of The International Lea-gue Against Epilepsy. Proposal for revised classification of epilepsiesand epileptic syndromes. Epilepsia 1989;30:389-399.

    33. Zadeh LA. Fuzzy sets. Information and Control 1965;8:338-353.34. Teodorescu HN, Kandel A, Jain LC. Fuzzy and neuro-fuzzy systems in

    medicine (International series on Computational Intelligence). Portland:Booknews, 1998.

    35. Shaw IS, Simes MG. Controle e modelagem fuzzy. So Paulo: EdgardBlucher/FAPESP, 1999.