Spinola, Noelio A trilha perdida - caminhos e descaminhos do desenvolvimento

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A TRILHA PERDIDA:CAMINHOS E DESCAMINHOS DO

DESENVOLVIMENTO BAIANO NO SÉCULO XX

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

A TRILHA PERDIDA:CAMINHOS E DESCAMINHOS DO

DESENVOLVIMENTO BAIANO NO SÉCULO XX

SalvadorUnifacs

2009

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Copyright © 2009 by Noelio Dantaslé Spinola

Editoração de texto,projeto gráfico e capa:

Joseh Caldas

Produção gráfica e formatação:Joseh Caldas

Revisão:Vera Lúcia Nascimento Britto

Editora UnifacsAlameda das Espatódias n. 915

Caminho das ArvoresCEP 41820-460 – Salvador - Bahia

Tel. 3273 - 8515E-mail: [email protected]

www.unifacs.br

Impresão:Press Color Gráficos Especializados

Tel.: (71) 3418-6300

FICHA CATALOGRÁFICA(Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da Universidade

Salvador – UNIFACS

Spinola, Noelio Dantaslé, 1941 –.A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimen-

to baiano no século XX / Noelio Dantaslé Spinola. – Salvador:UNIFACS, 2009.

528 p.il.Inclui Bibliografia.

1. Desenvolvimento econômico – Bahia. 2. Economia baiana – séc.XX. I. Título.

ISBN 978-85-87325-17-4 CDD 338.98142

[2009]

Este livro não pode ser reproduzido no todo ou em parte,por qualquer meio, sem autorização de:

NOELIO DANTASLÉ SPINOLARua Amazonas, 1335 - Apto.1001

41830-380 - Salvador - Bahia - Brasil – Telefax: 71-33441650E-mail: [email protected]

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A DENISE,luz da minha vida

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Registro meus agradecimentos à UNIVERSIDADE SALVA-DOR – UNIFACS, à FUNDAÇÃO DE AMPARO A PESQUISA DOESTADO DA BAHIA (Fapesb), à FUNDAÇÃO NACIONAL DEDESENVOLVIMENTO DO ENSINO SUPERIOR PARTICULAR(Funadesp) e ao INSTITUTO DE PESQUISAS APLICADAS (Ipa),que financiaram a pesquisa necessária para a elaboração deste li-vro. Agradeço também ao Arquivo Público do Estado da Bahia e aSuperintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI),preciosas fontes de dados e a todas as pessoas que direta ou indire-tamente contribuíram para a sua elaboração, notadamente o pes-quisador Valdir Almeida dos Santos, o economista Filipe PradoMacedo da Silva, as bibliotecárias Gismália Marcelino Mendonça eRoseli Andrade Araújo, os meus estagiários em iniciação científica,Carol e Vinicius e aos meus alunos do Mestrado e do Doutoradoem Desenvolvimento Regional e Urbano do PPPDRU-UNIFACS.Por fim e, em especial, registro a cooperação dos colegas professo-res Manoel Figueiredo Castro, Jorge Antonio Santos Silva, FernandoCardoso Pedrão, Gustavo Casseb Pessoti, José Luiz Luzon Benedicte Vera Lúcia Britto pelas fontes, críticas e sugestões apresentadas.

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Triste Bahia! Ó quão dessemelhanteEstás e estou do nosso antigo estado!Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,Rica te vi eu já, tu a mi abundante.A ti trocou-te a máquina mercante,Que em tua larga barra tem entrado,A mim foi-me trocando, e tem trocado,Tanto negócio e tanto negociante.Deste em dar tanto açúcar excelentePelas drogas inúteis, que abelhudaSimples aceitas do sagaz Brichote.Oh se quisera Deus que de repenteUm dia amanheceras tão sisudaQue fora de algodão o teu capote!

Gregório de Matos (apud BOSI, 2006, p. 38)

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Terreiro de Jesus na segunda metade do Século XIX.Figura 2 – Indústria tradicional baiana: rótulos.Figura 3 – Associação Comercial da Bahia e a Praça Riachuelo,

1885.Figura 4 – Companhia Fabril dos Fiaes – Tecidos de Juta, 1890.Figura 5 – Oxum... Oxum - BahiaFigura 6 – O comércio e o porto de Salvador em 1918Figura 7 – A classe operária: fábrica de confecções, 1918Figura 8 – Início da exploração de petróleo na BahiaFigura 9 – Mapa do Polígono das SecasFigura 10 – Mapa da região semiárida da BahiaFigura 11 – Salvador de 1960: rampa do MercadoFigura 12 – Organograma do sistema das autarquias criado por

Tosta Filho na interventoria de Juracy Magalhães, du-rante o Estado Novo

Figura 13 – Hidrelétrica de Paulo Afonso, alavanca do crescimentoindustrial da Bahia.

Figura 14 – Fac-símile de gráfico original do PlandebFigura 15 – Fac-símile do esquema simplificado da petroquímica

segundo o PlandebFigura 16 – Mecanismo de difusão do dinamismo da nova ativida-

de econômica sobre a economia de uma regiãoFigura 17 – Fluxograma simplificado da produção do Pólo Petro-

químico de Camaçari.Figura 18 – Planejamento espacial da Região Metropolitana de Sal-

vador, 2000.Figura 19 – Pirâmide etária da população da Bahia 2000Figura 20 – Alagados (Salvador – BahiaFigura 21 – Gráfico das taxas de investimento (% do PIB a preços

de 1980) – 1980/1994Figura 22 – Participação relativa das regiões no valor da transfor-

mação industrial 1959/2000

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A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX

Figura 23 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros da in-dústria referente ao valor da transformação industrial,pessoal ocupado e salários em segmentos selecionados,entre 1970 e 2000

Figura 24 – Bahia: pessoal ocupado entre 1970 e 2000Figura 25 – Mapa rodoviário da BahiaFigura 26 – Sistema ferroviário da Bahia (desativado)Figura 27 – Sistema elétrico da Bahia – 2000Figura 28 – Mapa agrícola da Bahia

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Evolução das exportações de açúcar pelo Estado daBahia (1853-1878)

Tabela 2 – Exportações baianas dos principais produtos agrícolas(1851-1878)

Tabela 3 – Distribuição geográfica estimada da indústria têxtil bra-sileira (1866, 1875 e 1885)

Tabela 4 – Indústria têxtil na Bahia no período de 1834-1880Tabela 5 – Execução financeira da Província da Bahia - 1850-1900Tabela 6 – Balança de mercadorias do Estado da Bahia -1839-1899Tabela 7 – Balança comercial da Bahia (comércio exterior) - 1901-

1930Tabela 8 – Estradas de ferro da Bahia em tráfego (extensão, bitola

e custo)Tabela 9 – Execução orçamentária do governo da Bahia - 1904-1907Tabela 10 – Estrutura ocupacional da classe operária de Salvador -

1920Tabela 11 – Comércio no interior baiano – 1923Tabela 12 – Pequenas indústrias da Bahia – 1925Tabela 13 – Bahia – comércio exterior (1932–1936)Tabela 14 – Balanço importações gerais x exportações gerais do Es-

tado da Bahia – 1932–1936Tabela 15 – Receita dos estados brasileiros – 1943Tabela 16 – Bahia: sinopse estatística – 1950Tabela 17 – Bahia: utilização das terras – 1950Tabela 18 – Agricultura: valor da produção na Bahia e no Brasil

(1950)Tabela 19 – Bahia:evolução da cultura cacaueiraTabela 20 – Distribuição regional da indústria do fumo em 1920 e

em 1950Tabela 21 – Serviços na Bahia:resultados líquidos por trabalhadorTabela 22 – Brasil: taxas de crescimento do produto interno bruto

(PIB) – 1964 –1999

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A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX

Tabela 23 – Brasil: taxas anuais de inflação – 1949–1999

Tabela 24 – Brasil: áreas do Polígono das Secas e Semiárido segun-do os estados do Nordeste

Tabela 25 – Brasil: projetos de investimento empresarial concluídospela Sudene –1959–1999 (distribuição segundo os estados)

Tabela 26 – Brasil: projetos de investimento empresarial concluídos pelaSudene – 1959–1999 (distribuição segundo os setores)

Tabela 27 – Plandeb: fontes e aplicações dos recursos (1960 – 1963)

Tabela 28 – Plandeb: investimentos no setor de transportes e comu-nicações do Estado da Bahia (1960–1963)

Tabela 29 – Financiamento do programa de energia (1960–1963)

Tabela 30 – Programa de energia do Plandeb para o Estado da Bahia(1960–1963)

Tabela 31 – Esquema de financiamento do PGI

Tabela 32 – Complexo Petroquímico de Camaçari: inversões na es-trutura física

Tabela 33 – Evolução dos depósitos de incentivos fiscais (1968–1980)

Tabela 34 – Depósito de incentivos fiscais segundo os ramos indus-triais

Tabela 35 – Liberações de recursos autorizados pela secretaria exe-cutiva do CDI (1970–1980)

Tabela 36 – Participação e evolução anual dos depósitos de incenti-vos fiscais por segmento industrial (1977–1980)

Tabela 37 – Equipamentos turísticos inaugurados entre 1983 e 1987

Tabela 38 – Hotéis inaugurados (1983 a 1987)

Tabela 39 – Produção agrícola 1995–1997

Tabela 40 – Brasil: indicadores macroeconômicos 1990–1998

Tabela 41 – Brasil: participação relativa das classes e gêneros da indús-tria de transformação no valor da produção – 1959/1995

Tabela 42 – Brasil: participação relativa das classes e gêneros da indús-tria de transformação no valor da produção – 1996/1999

Tabela 43 – Brasil: valor da transformação industrial –1959–2000

Tabela 44 – Brasil: índices do produto real (1970–2000)

Tabela 45 – Brasil: composição da renda interna da indústria porclasses 1970/1980

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Tabela 46 – Brasil: participação relativa dos gêneros de indústriasno VBP da indústria de transformação 1959/1980

Tabela 47 – Brasil: participação relativa dos gêneros de indústriasno VTI da indústria de transformação 1959/1980

Tabela 48 – Brasil: participação relativa das regiões no valor datransformação industrial 1980/2000

Tabela 49 – Brasil: participação relativa das regiões e respectivasunidades da federação no valor da transformação in-dustrial 1970/2000

Tabela 50 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros da in-dústria referente ao valor bruto da produção, da trans-formação industrial, pessoal ocupado e salários em 1959

Tabela 51 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros da in-dústria referente ao valor bruto da produção, da trans-formação industrial, pessoal ocupado e salários em 1970

Tabela 52 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros da in-dústria referente ao valor bruto da produção, da trans-formação industrial, pessoal ocupado e salários em 1980

Tabela 53 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros da in-dústria referente ao valor bruto da produção, da trans-formação industrial, pessoal ocupado e salários em 1992

Tabela 54 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros da in-dústria referente ao valor bruto da produção, da trans-formação industrial, pessoal ocupado e salários em 2000

Tabela 55 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros da in-dústria referente ao valor da da transformação indus-trial (VTI), pessoal ocupado (PO) e salários (SAL), emsegmentos selecionados, entre 1970 e 2000

Tabela 56 – Bahia: produto interno bruto e per capita, índices e taxasde crescimento entre 1975 e 2000

Tabela 57 – Bahia: estrutura do produto interno bruto (1975 – 2000)Tabela 58 – Bahia: participação percentual dos segmentos do setor

serviços no produto interno bruto (1975–2000)

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................. 25

TÍTULO I – O CONTRADITÓRIO SÉCULO XIX ................. 35

1.1 A GRADATIVA PERDA DE LIDERANÇA DA ECONO-MIA BAIANA ................................................................................. 351.2 O CONTURBADO SÉCULO XIX........................................... 38

1.3 A ECONOMIA BAIANA NO SÉCULO XIX ........................ 481.3.1 Padrões monetários do Brasil .............................................. 74

TÍTULO II – DA PRIMEIRA REPÚBLICA À REDEMOCRA-TIZAÇÃO ........................................................................................ 77

2.1 OS CONDICIONANTES EXTERNOS .................................. 77

2.2 A FALÁCIA DO “ENIGMA BAIANO” ................................ 82

2.3 A ECONOMIA POLÍTICA NA PRIMEIRA REPÚBLICA:FALAS DOS GOVERNADORES ................................................. 942.3.1 Luis Viana ............................................................................... 1002.3.2 Severino Vieira ....................................................................... 1032.3.3 José Marcelino de Souza ....................................................... 1052.3.4 João Ferreira de Araujo Pinho ............................................. 1102.3.5 José Joaquim Seabra .............................................................. 1122.3.5.1 Movimentos sociais ............................................................ 1302.3.6 Francisco Marques de Góis Calmon ................................... 1342.3.7 Vital Soares ............................................................................. 146

2.4 A REVOLUÇÃO DE 1930 NA BAHIA.................................. 1492.4.1 Os interventores .................................................................... 1522.4.1.1 Juracy Magalhães ............................................................... 1532.4.1.2 Landulpho Alves de Almeida ......................................... 1572.4.1.3 As interventorias no final do Estado Novo .................... 160

2.5 A REDEMOCRATIZAÇÃO: O GOVERNO MANGABEIRA .. 1612.6 UM BALANÇO DA ECONOMIA BAIANA NA PRIMEI-RA METADE DO SÉCULO XX .................................................... 1702.6.1 População e emprego............................................................ 170

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A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX

2.6.2 Agricultura ............................................................................. 1722.6.3 Culturas notáveis ................................................................... 1752.6.4 Indústria .................................................................................. 1792.6.5 Comércio ................................................................................ 1822.6.6 Serviços ................................................................................... 183

TÍTULO III – PLANEJAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS 185

3.1 CONCEITOS E CONDICIONANTES DO PLANEJAMEN-TO NO BRASIL ............................................................................... 185

3.2 ORIGEM E EVOLUÇÃO DO PLANEJAMENTO BRASI-LEIRO ............................................................................................... 191

3.3 O PLANEJAMENTO REGIONAL E A QUESTÃO FEDE-RATIVA ........................................................................................... 204

3.4 O ESPECTRO DA SECA E O PLANEJAMENTO REGIO-NAL .................................................................................................. 209

3.5 A TEORIA ECONÔMICA DO PLANEJAMENTO REGIO-NAL NORDESTINO ...................................................................... 220

3.6 ENQUADRAMENTO POLÍTICO DO PLANEJAMENTONACIONAL E REGIONAL .......................................................... 227

3.7 A SUDENE: UM MINISTÉRIO PARA O NORDESTE ....... 230

3.8 ENTRE A UTOPIA E A REALIDADE: A FRUSTRAÇÃODO PLANEJAMENTO REGIONAL ............................................ 235

3.9 O NORDESTE APÓS 1964: O LONGO OCASO E O FIMDA SUDENE ................................................................................... 238

3.9.1 Inventário dos financiamentos empresariais da Sudene .. 247

3.10 ANTECEDENTES DO PLANEJAMENTO NA BAHIA ... 252

3.11 AS PASTAS COR DE ROSA ................................................. 261

3.12 O PLANDEB............................................................................ 2723.12.1 Transportes e comunicações no Plandeb ......................... 2823.12.2 Energia elétrica .................................................................... 2873.12.3 Agricultura e abastecimento .............................................. 2913.12.4 A estratégia industrial do Plandeb ................................... 3073.12.4.1 Urbanismo e localização industrial no Plandeb .......... 3183.12.5 O turismo .............................................................................. 3223.12.6 Outros programas importantes do Plandeb ................... 3233.12.7 Mecanismos de fomento..................................................... 333

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

TÍTULO IV – POLÍTICA GOVERNAMENTAL NA INDÚS-TRIA, NO COMÉRCIO E NO TURISMO ............................... 3414.1 PROGRAMAS E PROJETOS PÓS-1964................................. 341

4.2 INCENTIVOS FISCAIS DO ESTADO ................................... 4054.2.1 Sistemática de incentivos ..................................................... 4064.2.2 A década perdida .................................................................. 418

4.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A POPULAÇÃO E A POBRE-ZA NA BAHIA ............................................................................... 439

TÍTULO V – A ECONOMIA BAIANA NO FINAL DE SÉCU-LO XX ............................................................................................... 449

5.1 PANORAMA GERAL DA ECONOMIA .............................. 449

5.2 O PERFIL REGIONAL DA INDÚSTRIA BRASILEIRA ..... 466

5.3 A PARTICIPAÇÃO DA BAHIA NA INDUSTRIALIZAÇÃONACIONAL E REGIONAL NO PERÍODO DE 1959 A 2000 .... 470

5.4 O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO DA BAHIA NASEGUNDA METADE DO SÉCULO XX...................................... 478

CONCLUSÃO ................................................................................ 507

REFERÊNCIAS .............................................................................. 513

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

PREFÁCIO

A apresentação do autor deste livro, que é feita nas orelhas dacapa, não diz ao leitor alguns fatos que considero importantes paraque se possa ter uma prévia impressão do conteúdo do livro.

Alguns desses fatos são sobre o autor, que sempre foi umescritor prolífico e, aos 67 anos de idade, continua escrevendo livrosalentados em que busca registrar as análises percucientes que fazdo desenvolvimento baiano, seja em termos amplos, como nopresente volume, seja em termos mais restritos, como, por exem-plo, no livro em que analisou a questão dos fatores locacionais nalocalização industrial.

A biografia, apresentada em termos compactos, também nãoregistra que o autor se doutorou com mais de 60 anos, na segundamaior universidade da Espanha, com aprovação plena de uma bancade especialistas em análise regional, obtendo assim o reconheci-mento acadêmico da sua trajetória científica.

Caberia, ainda, acrescentar o quanto a Universidade Salvadorlhe deve. No nosso credenciamento, a comprovação da atividadede pesquisa institucionalizada na universidade se apoiou, entreoutros, nos trabalhos executados pelo autor para estabelecer as con-dições de criação de atividades geradoras de emprego e renda emmais de 100 municípios baianos. E o nosso primeiro programa strictosensu, o Mestrado em Análise Regional, resultou de projeto do pro-fessor Noélio, que foi seu primeiro coordenador e, até hoje, ensina.

Trago inicialmente esses fatos à atenção do leitor para que elejá faça uma idéia do que pode encontrar na leitura do livro.

Isto posto, sobre o livro propriamente dito, devo dizer que,quando comecei a lê-lo, relembrei a minha surpresa intelectual aoentrar em contato, ainda bem jovem, com o livro Formação econômicado Brasil, de Celso Furtado, no qual, pela primeira vez, vi um textohistórico que, para explicar o que é hoje o nosso país, apresentavauma descrição das grandes forças econômicas e sociais que molda-ram a nossa realidade. A surpresa se deveu a que eu estava acostu-mado aos livros de história tradicionais, centrados na apresentaçãodos chamados “grandes vultos” e na descrição de momentosmarcantes do processo histórico sem, porém, contextualizá-los.Numa outra visão, Celso Furtado usava a metodologia dialética queo professor Noélio emprega no seu livro com muita propriedade.

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A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX

O livro, no seu conjunto, além da fundamentada avaliação dotema de que trata, constitui-se também em uma visão do mundo.Isto é, não é um livro sobre economia política, mas a visão do autorcomo economista político, como um homem que exerceu o poder,que participou da elaboração e implementação de políticas públi-cas como as que discute e, com a autoridade que a sua experiênciapública lhe confere, julga o processo de desenvolvimento da Bahia.

Não julga, no entanto, só com esta autoridade da experiência,mas, também, com a autoridade científica de quem já tem outrostextos analíticos sobre o assunto e, além disso, pesquisou longa eamplamente, em fontes primárias, para compor a obra que ora oleitor tem em mãos.

Neste livro, o leitor encontrará uma das revisões mais comple-tas, em seu detalhe e em sua fundamentação teórica, da históriaeconômica da Bahia e dos esforços dos seus governantes em buscartornar a nossa terra um lugar de vida digna para o povo que aquihabita.

Embora, como conclui o autor, este objetivo não tenha sidoalcançado, houve alguma evolução em relação ao passado. O queprecisamos, agora, a partir dessa base, é que a maior capacidadeanalítica dos modernos estudiosos da economia e o aperfeiçoamentogradual da estrutura política do país permitam que consigamosresultados melhores do que os conseguidos até hoje.

Não será tarefa fácil, até porque a economia tecnológica maisintimamente globalizada que caracteriza o século atual apresentauma dinâmica nova, com desafios específicos para os gestoresmacroeconômicos como, por exemplo, a necessidade de estimulara produção de inovações.

Além disso, a recente crise mundial, em que ainda estamosimersos, irá reorganizar a estrutura mundial do poder político eeconômico, com o aparecimento de novos polos, como é evidenteno caso da China.

Com isto, as condições estão postas para que, quem sabe daquia alguns anos, o professor Noélio produza um novo texto como opresente, para analisar como estamos nos saindo nestas novascircunstâncias. É aguardar para ver.

Para concluir, devemos destacar que é um livro que cumpreum importante papel, na medida em que sua postura crítica buscalevar os seus leitores a uma tomada de consciência sobre os sucessose insucessos das políticas públicas de desenvolvimento empregadas

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na Bahia, ao longo do seu meio século de história como região. Po-líticas inicialmente ligadas aos interesses estreitos das classes do-minantes, até o estágio atual em que são políticas de Estado, embo-ra influenciadas pelas elites dominantes e, um fator novo, pela ide-ologia do partido que está no poder.

Esta tomada de consciência deve incitar os leitores e, princi-palmente, os gestores públicos, à ação, à mudança, orientando-ossobre os meios de tornar mais amplos e permanentes os efeitos daspolíticas de desenvolvimento, de forma que este desenvolvimentonão seja meramente crescimento econômico, mas um desenvolvi-mento pleno da nossa sociedade, com reais efeitos de integração damaioria desprivilegiada em termos de renda e, sobretudo, de aces-so às condições necessárias a uma vida humana plena, como saú-de, educação, moradia digna, etc.

O autor, portanto, milita no espírito do grande chamado deMarx para que os intelectuais não procurem apenas compreendero mundo, mas se dediquem a transformá-lo.

Prof. Manoel J. F. Barros SobrinhoReitor da Universidade Salvador – UNIFACS

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

INTRODUÇÃO

América te vejo florindo em outros diasigual ao céu, ao campo, aos rios desatadostecida de mil cores e de mil esperanças,sem medo, sem miséria, sem fome e sem soldados.

Bandeira Tribuzi (2002, p.415)

Este livro estuda o desempenho da economia baiana ao longodo século XX, mediante a análise de suas variações cíclicas, de suasinter-relações com a conjuntura política e econômica internacional,nacional e estadual e de sua inserção no processo de desenvolvi-mento regional do Nordeste brasileiro.

A singularidade do processo de planejamento na Bahia temsido objeto de numerosos trabalhos. Porém, muitos deles foramrealizados de forma fragmentada, não retratando as circunstânciassociais e políticas cujos antecedentes remontam à Primeira Repú-blica e aos embates com a estrutura do coronelato oligárquico quedatam do governo Vargas e cujas conseqüências se fizeram sentirnotadamente no final da década de 1940 e nas décadas de 1950 e1960, mas cobrem todo o período compreendido pelo século XX.

Será que o famoso enigma baiano, sobre o qual se debruçaramimportantes pesquisadores da economia estadual, em busca dascausas para a sua decadência e estagnação, na primeira metade doséculo XX, foi efetivamente superado com o novo surto de progres-so dos anos 70? Ou apenas foi substituído por novos e intrincadosdesafios não superados pela iniciativa privada e pelo planejamen-to estatal? A difícil transição de um modelo agroexportador, esgo-tado pelas limitações das vantagens comparativas e pela depen-dência dos produtores de açúcar, algodão, fumo, café, sisal e cacauaos preços externos, para um novo processo de integraçãoextrarregional, nos moldes do que se estabeleceu na Bahia a partirdos anos 50/60, poderia ter seguido rumos diversos, que propici-assem alternativas de desenvolvimento econômico ao Estado? Porque a Bahia não se desenvolveu como era esperado pelos seus em-presários, planejadores e governantes, apresentando, na atualida-de, um quadro dramático de desigualdade social e de concentraçãoda renda? Em que medida as classes empresariais e as administra-ções estaduais foram responsáveis pelo quadro socioeconômico

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A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX

atual da Bahia? Poderiam realmente ter determinado rumos dife-rentes para o Estado? As respostas a estas questões constituíram osobjetivos deste trabalho que apresenta os resultados de uma pes-quisa realizada entre 2004 e 2008, no âmbito de um Pós-doutoradoem Análise Regional, que contou com o apoio da Fundação de Am-paro à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano da Universi-dade Salvador (Unifacs) e da Fundação Nacional de Desenvolvi-mento do Ensino Superior Particular (Funadesp).

Em termos gerais, objetivou-se promover o estudo da políticaeconômica das sucessivas administrações estaduais baianas, vis-à-vis a política econômica nacional e internacional. Procurou-se avali-ar a aderência dessas políticas à realidade local e as conseqüênciasdas ações e posicionamentos assumidos pela Bahia, realizados atra-vés das ações políticas das suas lideranças e das diretrizes de plane-jamento propostas e ou executadas no transcurso do século XX.

Pretendeu-se, também confirmar as seguintes hipóteses:a) os movimentos do capitalismo internacional e as circunstânci-

as decorrentes do desenvolvimento tardio e dependente docapitalismo brasileiro, que permearam o processo de desen-volvimento estadual ao longo do período examinado,condicionaram e limitaram a eficácia das políticas e do planeja-mento econômico estadual que objetivaram a promoção dodesenvolvimento da Bahia e contribuíram significativamentepara o desequilíbrio inter-regional de emprego e renda;

b) a política macroeconômica do governo federal, ao longo doséculo XX, foi discriminatória para com a Bahia e o Nordes-te, respondendo significativamente pelos desequilíbrios re-gionais de desenvolvimento hoje registrados no país;

c) esse desequilíbrio também decorre da ineficácia das açõesdesenvolvidas, ao longo do século XX, na formulação daspolíticas públicas e no planejamento econômico estadual, aoconferir-se prioridade ao princípio da geração de externali-dades e de concessão de subsídios, através de incentivos fis-cais, como elementos suficientes para a implantação e o de-senvolvimento de parques industriais, e ao eleger-se a gran-de indústria, produtora de bens intermediários, como o“motor” do desenvolvimento regional que resultou na ge-ração de uma base monoindustrial no Estado, fundada nosegmento químico/petroquímico;

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d)observado em termos culturais, o problema decorre da he-rança do processo colonizador, baseado na escravidão, queresultou na cristalização da secular pobreza local e na for-mação de uma estrutura política cujo estamento social do-minante, representado por uma elite agrocomercial e finan-ceira conservadora, inibiu a formação de um capital huma-no qualificado, a mobilidade social de parte considerável dapopulação, a formação de uma classe média local e osurgimento de um mercado interno significativo, o que, emúltima instância, impediu as condições de ocorrência de umprocesso de desenvolvimento endógeno.

Em síntese, o livro se propõe a examinar, nos planos histórico,sociopolítico e econômico, o conjunto de acontecimentos que pos-sam explicar o fenômeno de subdesenvolvimento registrado nosdias atuais.

Neste plano, há que distinguir, nos primórdios da coloniza-ção, a forte influência exercida pelos colégios jesuítas, que nos lega-ram uma formação humanística que dominou as nossas elites diri-gentes até, pelo menos, a segunda metade do século XX.1

Essa elite, carente de formação tecnológica, aliada aos repre-sentantes do comércio exportador-importador e aos grandes pro-dutores agrícolas, dominou a máquina governante do império du-rante todo o século XIX e foi responsável por uma política liberalque abortou todas as possibilidades de uma emancipação manufatu-reira tanto do Brasil quanto, particularmente, da Bahia.

Há que considerar também, segundo um enfoque eminente-mente econômico, que, ao se examinarem os aspectos relacionadoscom o crescimento da economia baiana, notadamente a industrial,tem-se utilizado, com frequência um escopo macroeconômico,baseado na análise da participação do Estado no produto do setorindustrial brasileiro, em termos de valores globais de investimentoe de produção e nos registros das principais ocorrências relaciona-das com a implantação de indústrias. Esta metodologia, que mas-cara a visão do desenvolvimento, confundindo-a com a do cresci-mento econômico, será revista neste estudo, tendo em vista que, apar da precariedade desses números e das demais informações so-

1 Vem daí nossa resistência às atividades manuais, consideradas indignas dos “homensbons” e, conseqüentemente, uma das nossas dificuldades para o desenvolvimento demanufaturas e tecnologia.

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bre a produção industrial, este é um critério extremamente pobre,por ignorar os principais aspectos do processo de globalização daeconomia mundial2, da própria ampliação e transformação da in-dústria no Brasil; por tratá-la como um setor isolado na estruturaçãodo capital financeiro nacional e, finalmente, por abordar superfici-almente os problemas resultantes do impacto da transformação daindústria nacional no âmbito da indústria baiana.

Mais explicitamente, têm sido excluídas da análise questõesrelativas à tecnologia, ao tamanho e à forma de organização dasempresas, aos problemas de financiamento da produção e dacomercialização da produção industrial no mercado, assim comoàqueles relacionados com a produtividade e com a eficiência, emtermos da cada fábrica ou unidade de produção equivalente.

A abordagem macroeconômica usual separa a análise dos fe-nômenos de produção dos fenômenos de emprego. Nesta análise,são destacados os aspectos relacionados com o volume dos investi-mentos e dos aumentos subsequentes da produção, sem que se en-tre no mérito dos impactos de tais aumentos sobre a estrutura dosetor industrial ou da forma como eles contribuem para ampliar acapacidade instalada, a formação do capital e, sobretudo, a geraçãode empregos e de renda.

Outro aspecto fundamental do processo de desenvolvimentoda Bahia, que merece detido exame, por condicionar e qualificar asperspectivas de evolução da economia do Estado na segunda me-tade do século XX, constitui a sua limitada participação no proces-so identificado, no Brasil, como de substituição de importações. Umaanálise retrospectiva permite observar que, no período marcadopela predominância deste processo como elemento motor da in-dustrialização brasileira, basicamente de 1946 a 1960, a expansãoda indústria, na Bahia, em seu conjunto, foi um movimento tímidoque se limitou a incorporar alguns projetos industriais de peque-nos e médios portes, com tecnologia equivalente ou inferior à mé-dia da indústria nacional.

Assim, o crescimento econômico da Bahia, notadamente o in-dustrial, até o início dos anos 1970, foi uma simples ampliação dacapacidade de produção, baseada na renovação da capacidade ins-talada de fábricas já existentes e na implantação de processos in-dustriais de transformação complementares e empreendimentos

2 Um fenômeno que pode ser datado do século XIX.

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agropecuários. É um fenômeno que se infere, entre outros elemen-tos, da participação da indústria de produtos alimentares no valorbruto da produção do Estado que, no período citado, passou de24,5% a 28,4%, indicando indiretamente a ausência de outros gêne-ros de maior dinamismo na composição da produção do setor(SPINOLA, 1983).

Concretamente, ao longo de meio século e até o início da déca-da de 1960, a expansão econômica da Bahia continuou carente deum impulso predominante que permitisse identificar uma rupturacom o esquema de economia regional estagnada. A pequena am-pliação do parque industrial não foi suficiente para sustentar a de-colagem do processo de desenvolvimento a partir de um aprovei-tamento significativo das matérias-primas regionalmente disponí-veis, e não seria senão com a intensificação do planejamento esta-dual, a partir de 1956, que começariam a aparecer algumas respos-tas significativas no plano dos projetos industriais que captassemrecursos das instituições de fomento já em operação na época. Aprópria timidez do crescimento industrial torna, praticamente, su-pérfluas as colocações acerca de alternativas industriais ou de prio-ridades, definindo-se o problema industrial regional, principalmen-te, em termos de incorporação das principais margens de transfor-mação, em linhas de produção agropecuária.

Embora as transformações da Bahia no contexto da economiabrasileira não se possam creditar a um único fator, uma parte delas(que cabe investigar em detalhes), notadamente nos últimos 50 anos,tem sido atribuída à adoção de políticas públicas e ao planejamen-to governamental orientados por uma concepção desenvolvimen-tista. Tal orientação, em primeiro lugar, conferiu prioridade à des-coberta das vocações produtivas regionais e ao dimensionamentode complexos industriais com a expectativa da formação de ummercado de âmbito nacional. Em segundo lugar, propiciou a cria-ção de condições competitivas para que, a partir da atração do gran-de capital internacional para a Bahia - concorrendo com outras lo-calizações alternativas no Nordeste e no Sul-Sudeste do Brasil -,nela se implementasse o desenvolvimento de um parque de indús-trias produtoras de bens finais, de elevado valor agregado.

O desenvolvimento industrial tem sido visto, historicamente,no plano econômico, como a melhor forma de resolver a questãoda pobreza: por isso, muita esperança foi colocada na capacidademultiplicadora e de geração de empregos pelas indústrias.

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Há de se considerar, contudo, um aspecto crítico da industria-lização na Bahia, visto que as indústrias dos gêneros dinâmicos,intensivas de capital, não conseguiram promover os famososbackward e forward effects (HIRSCHMAN, 1960) que possibilitassema formação, via complementaridade, de uma rede industrial pro-dutora de bens finais e de maior valor agregado regional, comoesperavam os planejadores locais. O ramo siderúrgico, por exem-plo, que perdeu o timing para modernizar-se na década de 1960(graças ao retardamento e à redução do projeto original da UsinaSiderúrgica da Bahia (Usiba)), viu limitadas as suas possibilidadesde ampliar-se dado o quadro estrutural do setor, tanto em termosnacionais quanto internacionais, marcado por uma conjuntura deexcesso de capacidade instalada e de superprodução. O segmentometal-mecânico praticamente desapareceu do Estado, quando sereduziu a demanda local por equipamentos para a indústria dopetróleo. Tudo isso redundou em interrupção dos efeitos multiplica-dores dos investimentos na economia baiana, provocando adesindustrialização nesses setores.

Assim sendo, no sentido abrangente do termo, cabe examinaraté que ponto a Bahia pode ser considerada um Estado industriali-zado, pois reúne, de um lado, um conjunto poderoso, mas reduzi-do de empresas produtoras de bens intermediários que respondemmajoritariamente pelo valor bruto da produção e da transformaçãoindustrial e, do outro, uma miríade de micro-e pequenas empresasde pequena expressão econômica. De acordo com o Instituto Brasi-leiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1985, a produção indus-trial baiana correspondia a 3,8% da produção nacional. Em 1990 (jána maturidade do Pólo Petroquímico de Camaçari), a participaçãose eleva para 4%. Esta é uma tendência histórica que todos os esfor-ços desenvolvimentistas dos últimos oitenta anos da história baiananão conseguiram reverter, pois, segundo Almeida, R. (1977), a par-ticipação da Bahia no total da indústria nacional, que era de 3,5%em 1920, caiu para 1,9% em 1940, situando-se em 2,5% em 1957.

Por tudo isto, justifica-se um exame profundo da problemáti-ca econômica baiana, o que ora se propõe neste livro. Isto será pos-sível mediante uma análise do conjunto de fatores de natureza his-tórica, antropológica e sociológica que, associados com e/ou de-pendentes da forma mundial de acumulação e reprodução do sis-tema capitalista, devem responder pela ocorrência observada, re-duzindo a importância do papel dos atores locais no processo

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decisório. Ademais, como afirma Pedrão (1997), presume-se que aprodução de conhecimento científico é um movimento em expan-são progressiva, que depende da reinserção de resultados avalia-dos. Daí a necessidade de controlar os resultados já alcançados.

Diferentemente do conhecimento tradicional, que pode ser esta-cionário, ainda que sensível a alterações, porque mera repetição, o co-nhecimento científico distingue-se por sua tendência a progredir. Seuprogresso depende dessa avaliação e da seleção dos resultados de umprocesso de trabalho, em princípio interminável (PEDRÃO, 1997).

Há que se considerar também, nesta introdução, o planometodológico onde, geralmente, parte-se da discussão sociológicado pressuposto de que somente o método científico específico trans-forma um fenômeno ou coisa em objeto da investigação científica.Isto implica no fato de que todo processo de investigação é cunha-do integralmente pelo método escolhido.

Segundo Berger (1980), tratando-se do objeto de investigaçãocomo de um objeto constituído pelo método, então o problema dodimensionamento e da limitação desse objeto se transforma, sobre-tudo, em uma questão metodológica. Assim, generalizando, pode-mos até afirmar que, com a escolha do método, já optamos por umalimitação específica do objeto de investigação.

Considerações metodológicas, pois, já devem estar presentesfundamentalmente ao iniciar-se a escolha de determinado tema deinvestigação. Na prática, via de regra, o pesquisador em ciênciassociais, segundo Lakatos e Marconi (1991), deve decidir-se previa-mente por um dos quatro métodos de abordagem conhecidos, ouseja: indutivo, dedutivo, hipotético-dedutivo ou dialético e pelosmétodos de procedimento: histórico, comparativo, monográfico,estatístico, tipológico, funcionalista e estruturalista, sendo que

[...] estes últimos correspondentes a etapas mais concretas da in-vestigação, com finalidade mais restrita em termos de explicaçãogeral dos fenômenos e menos abstratos. Dir-se-ia até serem técni-cas que, pelo uso mais abrangente, se erigiriam em métodos”(LAKATOS; MARCONI, 1991).

A seleção de um tema a pesquisar em História deve obedecermetodologicamente aos critérios de relevância, viabilidade, origi-nalidade e de interesse pessoal (CARDOSO, 1982).

O critério da relevância tem dois aspectos: o da relevância sociale o da relevância científica. E, como afirmava Febvre (1989), a História

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é ao mesmo tempo ciência do passado e ciência do presente: é a for-ma pela qual o historiador atua na sua época, na sua sociedade edeve ajudar a explicar o social no presente (e, assim, auxiliar a prepa-ração do futuro). Isto significa que a escolha de temas de pesquisahistórica deve estar atenta, como no caso deste estudo, às priorida-des sociais do momento que se vive. Do ponto de vista da relevânciacientífica, observe-se que a ciência histórica, como as demais, evoluie, em cada etapa, redefine os objetos, conceitos, prioridades e possi-bilidades, assegurando a trabalhos desta natureza um conjunto deinstrumentais analíticos mais eficazes não só pela conjugação deferramentais da análise econômica e da estatística, como pela assunçãode uma linha de análise histórica baseada na escola dos anais3. Sob oprisma da viabilidade, tem-se clareza quanto à possibilidade da exe-cução da pesquisa, dados os recentes progressos assumidos pelosprocedimentos de armazenagem e resgate das informações, a ampli-ação do número de acervos disponíveis e mesmo de uma posturacooperativa das instituições no sentido de criar condições para a suaexecução. No que tange à originalidade, estima-se que se trabalhousobre temas cujo potencial de pesquisa4 ainda não está esgotado, oque permitirá o preenchimento de lacunas do conhecimento e, mes-mo no caso de parte de temas já estudados, se estará trabalhandocom documentação radicalmente renovada, partindo de bases teóri-cas diferentes, analisando e criticando teses anteriormente aceitas.Quanto ao interesse do autor, constitui este trabalho o fecho de umconjunto de pesquisas que deram origem a trabalhos anteriores desua autoria que abordam esta temática. 5

Sem pretender aqui debater essas diretrizes, aponta-se, a se-guir, esquematicamente, a orientação metodológica que foi adota-da neste estudo.

Adotou-se o método dialético na abordagem global do tema,ao derivarem-se as conclusões do exame dos condicionantes espa-ciais, políticos e econômicos que, partindo do mundo para o país edeste para a região e o estado, condicionaram o processo de desen-

3 Braudel (1996); Wallrestein (2001); Arrighi (1997).4 Existe muito material não sistematizado sobre o assunto. Uma importante contribuição

desta pesquisa consistirá na sistematização deste material e na montagem de um banco dedados reunindo informações sobre este período, que atualmente corre o risco de se perder.

5 É o caso dos seguintes trabalhos: A indústria na Bahia: uma proposta de política indus-trial. Salvador: SIC/DIC. 1983; 30 anos da indústria, comércio e turismo na Bahia (1966/1996) Salvador: IPA/UNIFACS, 1997; Análise da política de localização industrial nodesenvolvimento regional: a experiência da Bahia. Salvador: Unifacs, 2003 (Financiadopela Fapesb).

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volvimento da Bahia. No plano dos procedimentos, utilizou-se ométodo dialético aplicado no exame das contradições, lutas e sínte-ses do processo de planejamento brasileiro, do planejamento regio-nal e estadual, resultantes do jogo das forças políticas e sociais con-forme o contexto do processo de acumulação de capital que deter-minou o ordenamento do espaço e a criação do povo, num país emque o Estado surgiu primeiro e determinou os termos do funciona-mento da Nação, como assinala Faoro (1979), em seu clássico estu-do sobre Os donos do poder.

Ademais, entende-se que um dos princípios fundamentais dadialética é o de não considerar a história como a acumulação de fenô-menos isolados, mas como um todo em que os diversos elementos secondicionam reciprocamente. Este princípio é particularmente impor-tante no estudo do subdesenvolvimento porque, nas economias capi-talistas dominantes, as atividades são fundamentalmente autocentradase autodinâmicas e o aspecto externo da acumulação aparece como umelemento essencial, mas complementar, no sentido de contribuir parauma dinâmica preexistente, mais do que para criar uma dinâmica nova.Já nas economias dependentes, pelo contrário, a atividade externa docapitalismo dominante constitui a dinâmica principal em função daqual estas economias dependentes se desenvolvem. Desse modo, , asformas de integração internacional condicionam o ritmo e a orientaçãodo processo de desenvolvimento (AMIN, 1970).

Como não poderia deixar de ser, dentro do escopo estruturantedo método, utilizou-se o método histórico de investigação,pesquisando-se as raízes dos problemas para compreender sua na-tureza e função, explicitando-as. Neste procedimento, foram utili-zados os recursos oferecidos pela história e pela geografia econô-mica nas abordagens espaciais da problemática nordestina e baiana,os quais, associados aos instrumentais sociológicos, possibilitaramum exame crítico de questões que têm sido o leitmotiv das políticaseconômicas regionais, tais como: as do fenômeno da seca nosemiárido regional; o “enigma baiano”; os modelos de regionaliza-ção da Bahia e a aplicação da teoria dos pólos de crescimento(PERROUX, 1977) aos complexos industriais da Região Metropoli-tana do Salvador (RMS) e aos distritos industriais do interior.

O tratamento e a análise dispensados às variáveis que inte-gram a pesquisa, utilizaram o método estatístico para demonstrara ocorrência dos fenômenos investigados nos espaços regionais es-colhidos para serem estudados.

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Operacionalmente, o trabalho demandou cinco anos para a suaexecução (2004/2009) e exigiu a realização de um conjunto de téc-nicas de pesquisas documentais, bibliográficas e de campo.

A pesquisa documental, em fontes primárias, compreendeu arecuperação de informações de arquivos públicos e de acervos par-ticulares localizados no Estado da Bahia e em outras unidades daFederação, notadamente o Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco,Ceará e Brasília. Importância especial foi conferida aos pronuncia-mentos e projetos de parlamentares baianos no Congresso Nacio-nal e na Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, às mensagensanuais encaminhadas pelos governadores à Assembléia Legislativa,aos relatórios de governo, textos de discursos e de conferências,artigos e notícias divulgados pela imprensa.

A documentação direta, que compreende o levantamento dedados no próprio local onde os fenômenos ocorrem, foi efetuadamediante a realização de pesquisas de campo e da realização deentrevistas estruturadas com personalidades que foram protago-nistas no processo histórico estudado, com estudiosos da temática,políticos e empresários.

O livro está dividido em cinco títulos, com suas respectivasseções, mais esta introdução, uma conclusão e anexos estatísticos.

Na primeira parte procede-se a uma análise das causas histó-ricas do declínio econômico da Bahia que tem suas origens nos sé-culos XVIII e XIX. A segunda parte analisa o desempenho da eco-nomia baiana no período compreendido entre os anos 1900 e 1950,período que hospedou o enigma baiano, enfatizando-se os depoi-mentos dos governadores do Estado e as querelas políticas que en-travaram o crescimento da economia estadual. A parte terceira re-porta-se aos esforços governamentais de política pública e de pla-nejamento, com o resgate de muitas informações esquecidas peloshistoriadores. Na quarta parte trata-se dos esforços mobilizadospara a promoção do desenvolvimento estadual nas décadas finaisdo século XX. Por fim, na quinta e última parte faz-se uma análisemacroeconômica deste último período.

Cabe, ainda, apenas registrar que este livro segue, no que serefere à ortografia, o sistema do Acordo ortográfico da língua portu-guesa, posto em vigor a partir de 1º de janeiro de 2009 pelo decretopresidencial n. 6.583 de 29 de setembro de 2008 (BRASIL, 2008).

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TÍTULO IO CONTRADITÓRIO SÉCULO XIX

Durante séculos, praticou o Estado português um mercantilismode tipo inferior, que se contentava com a exploração colonialista enão evoluía no sentido do protecionismo da indústria nacional,como fizeram os Estados inglês e francês.Em consequência, duran-te toda a era do mercantilismo, atuou Portugal como especialistano comércio de intermediação internacional, no carryng trade, queretirava o capital de apoio ao trabalho produtivo do próprio país eo desviava para o estímulo à produção em outros países.(GORENDER, 1978, p.122).

1.1 A GRADATIVA PERDA DE LIDERANÇA DA ECONOMIABAIANA

Os fatores que determinaram a gradativa perda da liderançada Bahia e, com ela, do Nordeste, no cenário político e econômicobrasileiro, decorrem de um conjunto de circunstâncias.

Tudo começa pelo processo de colonização, derivado dos even-tos econômicos e políticos que condicionaram a história do pequenoreino de Portugal nos três primeiros séculos da nossa história. A fragi-lidade portuguesa frente à Inglaterra que expandia o seu império mun-dial contribuiu para que, na prática, se exacerbasse um processo deexploração que constituiu a marca da dominação lusitana. Esta fragili-dade e uma relação de dependência financeira e militar fizeram dePortugal, desde o século XVI, um “intermediário” na apropriação dasriquezas extraídas ou produzidas pela colônia brasileira, as quais, pre-ponderantemente, acabavam canalizadas inicialmente para os holan-deses e, a partir do século XVIII, para os ingleses.

A partir da metade do século XVI a produção portuguesa de açú-car passa a ser mais e mais uma empresa em comum com osflamengos, inicialmente representados pelos interesses de Antuér-pia e em seguida pêlos de Amsterdã. Os lusitanos se encarregavamda etapa produtiva, os fla-mengos, recolhiam o produto bruto emLisboa, refinavam-no.A contribuição dos flamengos — particular-mente dos holandeses – para a grande expansão do mercado doaçúcar na segunda metade do século XVI, constitui um fator fun-damental do êxito da colonização do Brasil. Especializados no co-mércio intra-europeu, grande parte do qual financiavam, os holan-deses eram nessa época o único povo que dispunha de suficienteorganização comercial para criar um mercado de grande dimen-sões para um produto praticamente novo, como era o açúcar. Exis-tem indícios abundantes de que os capitalistas holandeses não se

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limitaram a financiar a refinação e comercialização do produto.Tudo indica que capitais flamengos participaram no financiamen-to das instalações produtivas no Brasil, bem como no da importa-ção da mão-de-obra escrava[...] Poderosos grupos financeiros ho-landeses, interessados como estavam na expansão das vendas doproduto brasileiro, seguramente terão facilitado os recursos reque-ridos para a expansão da capacidade produtiva, Se se tem em con-ta que os holandeses controlavam o transporte (inclusive parte dotransporte entre o Brasil e Portugal), a refinação e a comercializaçãodo produto, depreende-se que o negócio do açúcar era na realida-de mais deles do que dos portugueses (grifo nosso). Somente oslucros da refinação alcançavam aproximadamente a terça parte dovalor do açúcar em bruto. (FURTADO, 1959, p.20).

Outro exemplo deste processo de dependência é o leonino tra-tado de Methuen, firmado entre a Inglaterra e Portugal, em 1703,que transformou o Brasil, do ponto de vista econômico, em colôniade uma colônia, visto que os portugueses, a partir dessa época, ab-dicaram praticamente da sua autonomia (colocando-se sobre a pro-teção militar inglesa) e, consequentemente, da capacidade de gerircom independência os seus negócios, ditando seus rumos, notada-mente no setor industrial.

Como observa Oliveira (2005, p. 24):Mas por que Portugal trocou as Índias pelo Brasil? Porque paraobter as chamadas especiarias – pimenta, noz moscada, canela, cravoe gengibre, além do sândalo, o aloé, a seda, o ópio e a cânfora –tinha de pagá-las em moedas e/ou produtos. Produtos que Portu-gal não produzia. E como não tinha tais produtos, comprava-os acrédito, o qual era caríssimo, representando em um ano 25% dovalor (juros) do empréstimo feito. Após 25 anos da primeira via-gem às Índias – 1524 – Portugal devia da rolagem da dívida oequivalente a três anos de carregamento. E como para enfrentar aconcorrência de outros países sua receita não cobria as despesas,obrigava-se a recorrer a financiamentos internos e externos. Nosmeados do século XVI a dívida interna já era de 100 mil cruzadose a externa de 400 mil cruzados. Um país em bancarrota (grifonosso). Às perdas monetárias somavam-se as perdas em homens.A mortandade no mar era enorme. De quatro mil pessoasembarcadas, diz Pyrard Laval, só duas mil sobreviviam. A ganân-cia levava Portugal a sobrecarregar as caravelas muito além do pesoque poderiam suportar. Os naufrágios eram fatais. Chegou o mo-mento em que os portugueses compreenderam que esta tragédia –a famosa História Trágico-Marítima – não podia continuar. Eis oque leva Portugal a estabelecer o Governo Geral no Brasil, em 1548,com sede na Bahia.

O alvará de 5 de janeiro de 1785, baixado por D. Maria I, proi-bindo a existência de fábricas no Brasil e mandando fechar as que

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existiam é um testemunho eloquente dessa dependência6. Com ele,inaugurava-se a primeira medida política de (des)industrializaçãoem nossas plagas, favorecendo a Inglaterra, cujo sistema imperia-lista passava a dominar econômica e financeiramente a colônia por-tuguesa, domínio que se estendeu até o final do século XIX.

Em 1808, com a abertura dos portos, e em 18107 com os trata-dos que transformam a Inglaterra em potência privilegiada8, comdireitos de extraterritorialidade e tarifas preferenciais, consolida-se no Brasil o imperialismo inglês e formata-se praticamente a ma-triz do nosso subdesenvolvimento.

Essas medidas são complementadas com o acordo de 1827 e coma eliminação do poder pessoal de D. Pedro I, em 1831, o que consoli-da o papel dominante (no plano político) da classe formada pelossenhores da grande agricultura de exportação (FURTADO, 1959, p.115) e, no plano econômico, pelo grande comércio exportador.

No caso específico da Bahia, seu declínio inicia-se com a trans-ferência do Governo Geral de Salvador para o Rio de Janeiro, em1763, perdendo a província sua condição de capital política do país etodos os ganhos inerentes a essa condição. Conforme Tavares (2001),isto se deveu ao fato de o pólo de desenvolvimento do Brasil ter saídodo Norte/Nordeste, firmando-se no Sudeste (Minas Gerais, Rio deJaneiro e São Paulo). A descoberta do ouro nas Minas Gerais e, pos-teriormente, o advento do ciclo do café, plantado inicialmente no Riode Janeiro e depois em São Paulo, deslocaram o eixo da economia,marginalizando para sempre as províncias do Nordeste e do Norte.

Por questões estratégicas, para a Coroa Portuguesa,[...] era necessário estabelecer um centro de poder e administraçãoque ficasse mais próximo de Minas Gerais e Goiás e que facilitasseuma comunicação mais rápida com as capitanias de São Paulo eRio Grande do Sul [...], mas o que a decidiu realmente foi a nova

6 Alvará ditado pelos ingleses, temerosos com a concorrência de várias fábricas de tecidoque começavam a surgir na Bahia e no Brasil.

7 Segundo Simonsen (1944), pelo tratado de 1810 eram concedidas alíquotas preferenciaisde 15% aos produtos ingleses; os produtos portugueses eram taxados em 16% e os dosdemais amigos em 24%.

8 As condições contidas na convenção de 1810 significavam a transplantação do proteto-rado britânico,cuja situação privilegiada na metrópole era consagrada na nossa esferaeconômica e era mesmo imprudentemente consignada como perpétua. A ausência dereciprocidade era absoluta em todos os domínios; era, aliás, difícil de estabelecer, visto aausência de artigos de necessidade comparável para o consumo: os produtos manufatu-rados eram mais necessários ao Brasil que as matérias-primas brasileiras à Inglaterra. Adesigualdade manifestava-se ainda na importância que as exportações representavampara cada um dos países produtores, a Inglaterra constituindo o mercado quase únicopara o Brasil, enquanto aquele país repartia os seus interesses entre países numerosos.(Hypólito José da Costa, em Simonsen, 1937 v. 2, p.254).

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situação das fronteiras do Brasil com os Vice-reinados da Espanhana América do Sul. (TAVARES, 2001, p. 113).

A transferência da família real portuguesa e de todo o aparatocultural, técnico e político da metrópole lusitana para o Rio de Ja-neiro, em 1808, constituiu o golpe de misericórdia nas pretensõesbaianas de assumir uma posição hegemônica na economia nacio-nal. Como bem assinala Braudel (1996), a convivência e a cumplici-dade com o Estado são essenciais para o desenvolvimento do siste-ma capitalista. O investimento político e cultural efetuado no Riode Janeiro, a partir da sua transformação em sede da monarquiaportuguesa, transformou aquela cidade na metrópole do Brasil co-lonial, ali centralizando todo o poder político e econômico que pre-valeceu ao longo do século XIX e parte do século XX.

Assim fundaram-se as bases do sistema dominante que não sómarcaria em definitivo os desequilíbrios regionais que se acentua-ram no século XX, como praticamente definiu-se a matriz da deca-dência baiana.

1.2 O CONTURBADO SÉCULO XIX

O século XIX esteve muito longe de ser um período tranquilo ede grande prosperidade para a província baiana. O seu transcursofoi marcado por revoltas, epidemias, secas, crise na agricultura,adversidades no comércio internacional e a perda do poder políti-co nos anos iniciais com a instalação da corte no Rio de Janeiro e, nocomeço da Primeira República, com a ascensão ao governo da aflu-ente classe dos barões do café.

As revoltas ocorreram entre os escravos e os nativos mulatos ebrancos, todas motivadas pelo anseio de liberdade dos grilhões daescravidão, do jugo português e das condições precárias da vidaem Salvador.

O negro, que é apresentado nos manuais escolares como umpersonagem pacífico, submisso, doce, ignorante, indolente e supers-ticioso, ou seja: uma “besta de carga” que devia ao branco a salva-ção da sua alma e o seu sustento, era, na realidade, o oposto distotudo (REIS, 2003).9 Muitos negros, trazidos como cativos ao Brasil,eram guerreiros em África10. Foram prisioneiros das intermináveis

9 Reis (2003) é uma leitura indispensável para que quiser enxergar o Brasil por uma óticadiferente da do colonizador.

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guerras entre as diversas tribos e povos daquele continente, muitasvezes estimuladas pelo imperialismo europeu. Conforme Reis (2003,p. 309/310),

[...] não era totalmente errado o comentário do conde da Ponte em1808, de que a maioria dos africanos então importados representa-va um alto risco à paz da ordem escravocrata. Eles pertenciam, se-gundo o conde, a “nações as mais guerreiras da Costa Leste”. Osiorubas, por exemplo, traziam a tradição militar do império de Òyóou a experiência de oposição e resistência ao mesmo [...] Possivel-mente havia entre os escravos que vieram para a Bahia muitos quetinham ocupado posições de liderança militar e outras.

Na opinião de Gonçalves (2006) alguns desses negros eram, àsvezes, mais cultos do que seus senhores portugueses semianalfabetos,ocupando na época funções como a de “guarda-livros” entre outrassubalternas.11 Vários deles, como os malês12 sabiam ler e escrever emárabe, além de possuírem grande habilidade para operações aritméti-cas (REIS, 2003; GONÇALVES, 2006). Ainda segundo Reis (2003, p.177) possuíam sua religião islâmica, difundida entre os haussás, bornos,tapas e nagôs. Estes grupos étnicos, entre os quais o Islã estava difun-dido, representavam entre 15% e 25% dos africanos de Salvador em1835. A maioria dos iorubas era adepta do culto dos orixás.13

Viana Filho (1949, p. 120) afirmava que a substituição dosbantos (que eram predominantes no século XVII) pelos negrossudaneses daria à cidade um novo aspecto.

10 Consoante Carneiro (1991, p. 29) os negros trazidos para o Brasil pertenciam a duas gran-des categorias segundo a sua procedência – negros sudaneses e negros bantos. Os bantos,originários do Sul da África (Angola, Congo e Moçambique), foram localizados pelotráfico no Maranhão, Pernambuco e Rio de Janeiro. Em migrações menores, estenderam-se às Alagoas, ao Pará, a Minas Gerais e a São Paulo. Os negros bantos eram os angolas,os benguelas, os moçambiques, os macuas, os congos, etc. Os negros sudaneses, vindosda zona do Niger, na África Ocidental, foram introduzidos na Bahia, de onde se espalha-ram pelo Recôncavo. Negros sudaneses eram os nagôs (iorubas), os jejes (ewes), os mi-nas (tshis e gás), os haussás, os galinhas (grúncis), os tapas, os bornus, etc. Ainda naBahia entraram negros fulas e negros mandês (mandingas), carregados de forte influên-cia africana.

11 Equivalente ao contabilista nos dias atuais.12 Segundo Reis (2003, p.176), malê não denominava o conjunto de uma etnia africana, mas o

africano que tivesse adotado o Islã, embora, se quisermos ser bem estritos e etnicamente corre-tos, malês seria apenas nagôs islamizados. Porém nem todos os africanos mulçumanos se deno-minavam assim. Os haussás, por exemplo, se diziam muçulmi ou mussurumin (GONÇALVES,2006). Ainda segundo Gonçalves (2006) malê era uma forma pejorativa que os nagôs utiliza-vam para denominar os africanos islâmicos. Braz do Amaral, apud Reis (2003, p.175) sugeriuque a denominação derivava de “má lei” que seria como os católicos consideravam o Islã.

13 Conforme Carneiro (1991, p. 33) Arthur Ramos identificou, no Brasil, três modalidadesprincipais de religiões africanas, a saber: a) religiões sudanesas – fetichismo jeje-nagô; b)religiões sudanesas – culto malê; c) religiões bantas – fetichismo angola conguês. [...]como depois da iorubana, é a mitologia jeje a mais complexa e elevada, deve-se dizerque uma mitologia jeje-nagô prevalece no Brasil.

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A cidade e o Recôncavo haviam perdido a tranqüilidade que lhedera o banto, pobre de místicas [...] uma nova religião negra, maisforte, e que se praticava, não mais a céu aberto, mas em interioresfechados, seria o ponto de partida das revoluções negras da Bahia[...] A Costa da Mina não nos mandara apenas negros escravos.Com estes exportara uma fé. É provável que o Sudanês, pelas suascaracterísticas étnicas e religiosas, que parecem te-los marcado comum espírito de inconformismo, senão de rebeldia, haja emprestadoà Bahia, a partir do século XVIII, fisionomia singular, bastante di-versa das demais cidades do Brasil (VIANA, 1949, p.121).

Os motins e as sublevações de escravos ocorriam frequente-mente, ora como incidentes isolados, ora como movimentos coleti-vos, gerando grande insegurança e instabilidade tanto no campocomo na cidade. Os primeiros movimentos rebeldes aconteceramem Salvador, em que pese, posteriormente, serem mais numerososno Recôncavo.

As colinas, matas, lagoas e rios dos arredores da capital baianaserviam de suporte ecológico ao desenvolvimento de uma comuni-dade africana relativamente autônoma, e semiclandestina. A cida-de estava cercada de quilombos e terreiros religiosos, comunida-des móveis... alimentados pelo fluxo ininterrupto de escravos quesabiam tirar proveito da mobilidade proporcionada pela escravi-dão urbana (REIS, 2003, p.69).

Em agosto de 1798, começam a aparecer, nas portas de igrejase de casas da Bahia, panfletos que pregavam um levante geral e ainstalação de um governo democrático, livre e independente dopoder metropolitano. Os mesmos ideais de república, liberdade eigualdade que estiveram presentes na Inconfidência Mineira, agi-tavam agora a Bahia. As inflamadas discussões na “Academia dosRenascidos” resultarão na Conjuração Baiana em 1789. Esse movi-mento, também chamado de Revolta dos Alfaiates, foi uma cons-piração de caráter emancipacionista, articulada por pequenos co-merciantes e artesãos, destacando-se os alfaiates, além de solda-dos, religiosos, intelectuais, e setores populares. Se a singularidadeda Inconfidência de Tiradentes está em seu sentido pioneiro, já que,apesar de todos seus limites, foi o primeiro movimento social decaráter republicano em nossa história, a Conjuração Baiana, maisampla em sua composição social, apresenta o componente popularque irá direcioná-la para uma proposta também mais ampla, inclu-indo a abolição da escravatura. Eis aí a singularidade da Conjura-ção Baiana, que também é pioneira, por apresentar, pela primeira

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vez em nossa história, elementos das camadas populares articula-dos para conquista de uma república abolicionista.

A Revolta dos Alfaiates teve efetivo início com a divulgaçãode panfletos feitos por Luis Gonzaga das Virgens e afixados e dis-tribuídos nas ruas de Salvador, propagando as seguintes idéias:

a) independência da capitania;b) governo republicano;c) liberdade de comercio e abertura de todos os portos;d) fixação do soldo de cada soldado em duzentos réis por dia;e) libertação das pessoas escravizadas.

Luis Gonzaga foi delatado e preso no dia 24 de agosto de 1798.No texto dos panfletos, constava a seguinte frase: “Povo que viveisflagelados com o pleno poder do indigno coroado, esse mesmo reique vós criastes; esse mesmo rei tirano é o que se firma no tronopara vos veixar, para vos roubar e para vos maltratar.” Em outro selia: “Animai-vos Povo Bahiense que está por chegar o tempo felizda nossa liberdade: o tempo em que todos seremos iguais.”

Motivado pela severa crise de abastecimento que se abatia so-bre a capital baiana e pela considerável expansão populacional14,este movimento inspirava-se na revolução das colônias americanase nas idéias iluministas, republicanas e progressistas difundidaspelas classes mais esclarecidas, notadamente pela Maçonaria. Aplataforma política do movimento consistia na proposta de aboli-ção da escravatura, a instauração de um sistema de livre acesso aoscargos públicos e aos empregos em geral, baseado no mérito (abo-lição dos privilégios conferidos aos portugueses que discrimina-vam drasticamente os brasileiros), além da instalação de uma Re-pública na Bahia. A revolta, brutalmente sufocada pelas autorida-des portuguesas, insere-se na crise urbana que convulsionou a Bahiaaté 1838, como a forma pela qual os brancos pobres e os negrostentaram fazer política.

Este é, também, o caso das lutas de 1822 / 1823, pela indepen-dência da Bahia, talvez o movimento mais importante e danoso para

14 “Esta superpopulação relativa explica-se tanto pelo grande contingente de populaçãobranca pobre, portuguesa, excedente da metrópole europeia, como pela população bra-sileira, extremamente diversificada pela cor e pela condição civil, como também pelogrande contingente de africanos trazidos pelo intenso tráfico de escravos que se fazianesta cidade.” (ARAÚJO, 2004, p.254).

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a economia da província. Esta guerra constituiu uma autêntica lutade classes que objetivava, na prática, abrir caminho para a afluentesociedade brasileira de brancos e mestiços para os cargos e posi-ções dominados pelos portugueses nas esferas políticas, sociais,militares e notadamente econômicas. Foi vitoriosa, mas abortou ociclo de crescimento dos vinte primeiros anos do século XIX, cobran-do um elevado preço à Bahia, por todo o restante do século: a cria-ção e as despesas logísticas de um exército improvisado, com maisde treze mil homens em armas, consumiram fortunas e arruinaramfazendas, lançando na miséria famílias outrora abastadas. A esserespeito, afirma Calmon (1978, p. 27): “O golpe sofrido foi terrívelpara a vida econômico-financeira (da Bahia). Esta se desconjuntoue, desde então, começa a série infindável das desgraças que nosperseguiram durante todo o século XIX”.

Porém outros incidentes marcaram o conturbado século XIX, apartir do Levante dos Periquitos, em 1824, que, na visão de Tavares(2001), indicava a frustração da província da Bahia na institucionali-zação do Império como um Estado monárquico, autoritário e centra-lizador.

O sentimento anticolonial era muito forte e, em vários momen-tos entre 1823 e 1831, ocorreram revoltas populares contra os por-tugueses, apelidados de marotos. Esses ataques, denominados Mata-Marotos, traduziam-se como saques a casas comerciais, agressões,assassinatos e exigência de demissão dos portugueses dos cargos

Figura 1 – Terreiro de Jesus na segunda metade do Século XIX.Fonte: Rebouças (1979 p. 105).

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públicos. Muitas abastadas famílias portuguesas abandonaram aBahia, levando consigo consideráveis fortunas acumuladas ao lon-go de séculos de dominação colonial. Este fato contribuiu para adesarticulação do monopólio português do comércio e de uma or-dem e conjunto de relações sedimentados por fortes laços de inter-câmbio importador e exportador que respondiam, até então, pelaprosperidade mercantil da província.

De acordo com a CPE (BAHIA, 1978 p.46) os portugueses ex-pulsos não foram substituídos pelos brasileiros, visto que inexistiamcapitais nacionais disponíveis na província para financiar todas asatividades econômicas. Assiste-se, então, ao controle do comérciode importação e exportação pelos ingleses. Ocorre, também, a pe-netração de casas comerciais de outras nacionalidades, principal-mente alemãs. Aos brasileiros, restaram apenas as atividades inter-nacionais relacionadas com o tráfico de escravos e a intermediaçãodo comércio do porto com as fontes de produção no interior. 15

Entre 1832 e 1833, a Revolução Federalista proclamou a Fede-ração da Província da Bahia na então vila de Cachoeira. Entre osseus propósitos destacavam-se o seguinte:

[...] item 8º [...] esta Província da Bahia não admitirá nada do Rio deJaneiro, senão como Federal [...] Todavia esta Província fica emperfeita paz com seus Irmãos Fluminenses que se portarem comoamigos, assim como com os de tôdas as Províncias, as quais chamapara a Federação e pede se reunam para a solidez do Governo Ge-ral do Império” (TAVARES, 2001, p. 261).

Sem apoio, o movimento fracassou. Demonstrava, porém, ainconformidade dos baianos com a perda de autonomia que resul-tou na transferência, desde 1763, do governo central para o Rio deJaneiro, agora muito mais percebida e economicamente sentida coma criação do Império.

Em 1833, presos no Forte do Mar (atual de São Marcelo), osfederalistas se rebelam e, conforme Tavares (2001, p.262),

Viraram os canhões para a cidade e hastearam a bandeira de duaslistas azuis e uma branca, verticais e paralelas, inspirada na ban-deira dos Estados Unidos da América do Norte. Exigiram que aproposta de federação fosse discutida pelas autoridades provinciais,caso contrário bombardeariam o Arsenal de Marinha. Ainda dessavez sem apoio, resistiram três dias. Depois, entregaram-se.

15 Na verdade, a expulsão de comerciantes portugueses não implicou na sua exclusão docomércio provincial, apenas eliminou a sua hegemonia.

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Em 1835, eclodiu a Revolta dos malês, a mais importante revol-ta negra na Bahia. Esta revolta, que constituiu um movimento bemarticulado por negros de religião islâmica, possuía uma ideologiareligiosa libertária e não foi uma insurreição repentina como ocorreuem movimentos anteriores. Foi arquitetada para abranger oRecôncavo baiano e incorporar a população negra convertida ao Islã.Os malês, se vitoriosos, pretendiam matar todos os brancos, mesti-ços e africanos libertos e escravos que não professassem a fé islâmica.Segundo sugere Reis (2003, p. 265) instalariam um califado baiano.

Em 1837, surge a Sabinada, um movimento separatista lidera-do pelo médico Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira. Segun-do Chiavenato (1980, p. 51), em 7 de novembro de 1837, a revolu-ção é vitoriosa, conquistando a adesão de parte das tropas do go-verno, tendo sido proclamada a república.

A Bahia fica desde já separada, e independente da Corte do Rio deJaneiro, e do Governo Central, a quem desde já desconhece, e pro-testa não obedecer nem a outra qualquer Autoridade ou ordensdali emanadas, enquanto durar somente, a menoridade do SenhorDom Pedro II ( Manifesto dos Sabinos, apud CHIAVENATO, 1980,p. 50).

Os sabinos não conseguiram obter apoio da massa popular oudas elites locais, sendo derrotados em 1838. A repressão foi brutal edesproporcional em relação a incidentes anteriores. ConformeChiavenato (1980) foram feitos mais de mil mortos e três mil feri-dos. Salvador foi incendiada e jogaram nas casas em fogo os defen-sores da república baiana.

Porém, se na Sabinada não houve a mesma participação popularda Cabanagem, nem o vigor da Farroupilha, ela foi muito mais ní-tida ideologicamente. As idéias que a nortearam, quase todas daRevolução Francesa, eram veiculadas nos jornais por intelectuaiscompetentes, dentro de uma tradição retórica que ensaiava impor-se na práxis política. (CHIAVENATO, 1980, p.51).

Segundo Tavares (2001, p. 264), “a cidade do Salvador ficouvirtualmente sob ocupação militar até um pouco depois de 1840,situação que levou à desorganização administrativa da provínciada Bahia e da sua capital”.

Outros movimentos populares, ligados mais às condições pre-cárias da vida da população soteropolitana, notadamente a fome, ea um grande sentimento de insatisfação popular, ocorreram nametade do século XIX, merecendo registro pelas suas peculiarida-des. A Cemiterada, em 1855, consistiu na destruição do primeiro

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cemitério construído em Salvador pela Santa Casa de Misericórdia,proibindo-se os enterros nas igrejas como era a tradição. O segun-do, denominado “Carne sem osso, da farinha sem caroço e do toi-cinho do grosso” ocorreu em 28 de fevereiro de 1858, repetindo-sevinte anos depois. Nas palavras de Mattoso (1992), “A revolta de1858 inscreveu-se num período de crises epidêmicas, misturadasaos problemas de abastecimento da cidade”.

Pelos seus efeitos perversos sobre a economia baiana, cabe tam-bém registrar a Guerra do Paraguai (1864 – 1870), que recrutou daBahia 18 725 soldados, em sua maioria negra, aumentando a escas-sez de braços na lavoura. (CALMON, 1978, p. 79).

Este tumultuado século encerrou-se com a Guerra de Canu-dos (1896 – 1897), que se travou nos sertões da Bahia, mobilizandomais de 10 mil soldados oriundos de 17 estados brasileiros e distri-buídos em quatro expedições militares. Estima-se que morrerammais de 25 mil pessoas, culminando com a destruição total do Ar-raial de Canudos, a fortaleza sertaneja de Antonio Conselheiro. Umadas muitas tragédias brasileiras, Canudos foi um produto da fome,da miséria, da ignorância, da patologia do catolicismo e do absolu-to abandono a que esteve (esteve?) condenada a população dosemiárido nordestino, ao longo da história e no curso do processode exploração econômica inerente ao capitalismo mercantil associa-do aos interesses da classe dominante.

Os infortúnios que marcaram Salvador, no século XIX, como foianteriormente destacado, não se limitaram aos motins, revoltas e guer-ras. A cidade não possuía saneamento: suas condições sanitárias e hi-giênicas extremamente precárias. Ademais, o grosso da população,constituída por negros libertos16, mulatos e brancos pobres, sofria per-manentemente com a escassez e com os altos preços dos alimentos, aprecariedade das habitações e a promiscuidade. Isso tudo constituíaum quadro de saúde pública caótico e receptivo a epidemias. Entreestas, mereceram maior destaque histórico as epidemias de febre ama-rela e do cólera, que ocorreram entre 1850 e 1855.

A febre amarela, segundo Tavares (2001) chegou à Bahia a bordode um brigue negreiro norte-americano e ocorreu em dois surtos, oprimeiro, em 1850 e o segundo, em 1852. As estatísticas a seu respeitosão controversas. A ausência das notificações de óbitos e os sepulta-mentos clandestinos eram comuns naquela época, principalmente

16 Os escravos até que tinham sorte neste caso, pois eram alimentados pelos seus donos.

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quando o governo da província proibiu os enterros nos cemitérios ofi-ciais (SILVEIRA, 2000, p. 99). “Segundo o relatório do presidente daprovíncia, foram atingidas pela febre amarela nesta cidade e subúrbiomais de cem mil pessoas.” (SILVEIRA, 2000 p.100). O número de mor-tos varia. Tavares (2001) refere-se a mais de três mil, em 1850, e a umnúmero maior em 1852, quando, segundo ele, o surto foi mais intenso.Já Silveira (2000) citando Francisco Gonçalves Martins, contabiliza 1310 mortos entre novembro de 1849 e fevereiro de 1850. O interessantedessa estatística é que os negros foram os menos atingidos, com 9,47%para os africanos livres e 7,7% para os escravos. Os brancos responde-ram por 82,83% dos óbitos. Note-se, porém, que à época, a morte deum negro não era importante e, portanto, seus registros podem nãocorresponder à realidade. A maior queixa do governo reportava osprejuízos econômicos da província em decorrência da suspensão dasatividades comerciais.

Em 1855, o cólera chegou do Pará e matou, segundo Tavares (2001,p. 273), mais de 25 mil pessoas na Bahia. Já o Presidente da Província,Dr. Álvaro Tibério de Moncorvo e Lima, no seu relato à AssembléiaLegislativa da Bahia, afirmava que “da Capital, Cachoeira, SantoAmaro, Nazareth e Valença [...] chegou o seu número a 26.414 (mor-tos), com as outras sete comarcas que tem sofrido, excede nossa perdaa 40 mil.” Moncorvo e Lima (apud SILVEIRA, 2000, p.106).

Preocupado com as consequências econômicas da epidemia,Calmon (1978, p.71) transcreve a seguinte carta “assignada porpessôa de responsabilidade política e econômica da época datadade 28 de outubro de 1855”:

O certo é que o anno promettia alguma vantagem aos desgraçadoslavradores, gosando o assucar bom preço. Veiu, porém, o choleraanniquilar tudo, e crear u´a crise horrível, cujos effeitos por aqui jácomeçam a patentear, e a sentir-se, contando-se com o desenvolvi-mento mais amplo.17

Outro problema com que se defrontou a província da Bahia – eque influenciou de forma considerável a sua formação política eeconômica – foi o fenômeno da seca que, como um acidente natu-ral, inevitável, constituiu um dos diversos fatores que contribuí-ram para o drama da pobreza regional.18

17 Em todo o livro, optou-se pela manutenção da ortografia original das fontes transcritas.18 Na realidade, a pobreza nordestina decorre da forma como se organizou a ocupação do

território, a partir do latifúndio monocultor escravagista, da estrutura agrária ainda pre-dominante na região e dos mecanismos de acumulação e espoliação inerentes ao capita-lismo agrário mercantil que se formaram na área.

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Os dados destacados no Quadro 1, seguinte, totalizariam algoem torno de 21 anos de seca no século XIX. Já Mattoso (1992, p.461)informa que, entre 1809 e 1889, “registraram-se 25 anos secos e onzede chuvas excessivas”.

O fato é que a seca impediu a formação de uma atividade agrí-cola regular em 2/3 do território baiano, contribuindo para a forma-ção de oligarquias rurais nas esparsas “ilhas de fertilidade”, impe-dindo surgimento de um mercado interno e fomentando as sériascrises de abastecimento que marcaram todo o século XIX.

A partir das secas de 1833/1834, agravam-se, mais ainda, ascrises de falta de alimentos e o surgimento de movimentos especula-tivos com os produtos essenciais à sobrevivência da população.Conforme Calmon (1979, p. 83), “Em 1845, o negócio da farinha demandioca mostrava-se em conjuntura difícil, provocada pela ex-portação que se fez para o norte do Império, com o fim de socorrera fome que ali era intensa.”

Funcionava a lei do mercado, o monopólio do abastecimento eas práticas atravessadoras, custeadas pelos capitais liberados dotráfico negreiro em decadência, faturavam alto em cima da escas-sez produzida pela seca. É Calmon (1878, p. 84) quem diz:

Fonte: Sudene/Codevasf (2003), com adaptação de formato.Quadro 1 - Bahia: cronologia das secas (1553-1998)

ANOS/PERÍODOS

1553 1843/451559 1857/611564 1877/791583 1896/981592 1898/001652 1914/151690/92 19301724 1950/521731/32 19581734/35 19701776/93 19761819 1979/841823 1986/881824/25 1990/961833/34 1998

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Apareceram os atravessadores, em regra, commerciantes de largosrecursos e capitaes, cuja acção se exercia de modo a evitar que che-gasse o genero ao Celleiro Publico, visando pelo processo que em-pregavam elevar o preço para grangearem ganhos excessivos.

A despeito do quadro social conturbado, a Bahia tambémvivenciou períodos de prosperidade, com os sucessivos governa-dores, desde o marquês de Aguiar até os condes dos Arcos e daPalma, estimulando a economia e tomando medidas de ordem pú-blica que melhoraram o potencial atrativo da sua praça e a feiçãourbana de Salvador.

Em 1811, o vice-rei do Brasil, D. Marcos de Noronha e Britto,oitavo conde dos Arcos de Val de Vez, atendendo aos anseios dosempresários locais, cria a Associação Comercial da Bahia. Em 1815,foi introduzida a primeira máquina a vapor no engenho Inguaçu,em Itaparica (NASCIMENTO, 1997, p.23).

Nessa época ocorreu a instalação e modernização de fábricas, deinstituições de crédito, da escola de Medicina, do curso de Contabili-dade e Geografia. Como não poderia deixar de ocorrer, ampliou-se oincentivo à agricultura do açúcar e a novas plantações, ampliaram-seas estradas para o interior, foram abertos jornais, e introduzida a nave-gação a vapor nas costas e grandes rios da província etc.

1.3 A ECONOMIA BAIANA NO SÉCULO XIX

As atividades comerciais dominaram a vida econômica daProvíncia da Bahia ao longo de todo o século XIX. Para Batista eAraújo (1978, p.11) o raio físico de ação dos comerciantes era exten-so e conseguia dominar os produtores, expropriando-os de partedo seu lucro. Como o comércio era dominado pelas empresas es-trangeiras, predominantemente inglesas, parte substancial destelucro era transferido para o exterior, reduzindo-se drasticamente acapacidade de geração de poupanças que financiassem a formaçãobruta de capital interno.

Araújo e Barreto (1978, p.47) informam que a dominação co-mercial européia, pela sua diversidade, não substituiu o antigomonopólio português. O comércio inglês (predominante) era reali-zado no porto e deixava um amplo espaço para a intermediaçãoentre as fontes de produção (as fazendas) e o porto, atividade queera explorada pelos comerciantes brasileiros. A estes cabia também

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exercer o tráfico de escravos, o comércio com o interior da provín-cia e outras regiões nacionais, inclusive pelo sistema de cabotagem.

Mantendo contacto direto com os produtores, os comerciantesbrasileiros, além de intermediários comerciais, atuavam como in-termediários financeiros.

A nova divisão internacional e inter-regional do trabalho permiteaos comerciantes baianos o estabelecimento de casas de crédito.Antes mesmo da ruptura política já se organizavam as Companhi-as de Seguros “Comércio Marítimo”,”Boa Fé”e “Conceito Público”em 1808, e instalavam-se a “Caixa de Descontos”(1818), filial do 1º.Banco do Brasil. Após a Independência, em 1834, instala-se a CaixaEconômica, posteriormente Banco Econômico da Bahia com o fimde “oferecer às classes laboriosas meios fáceis de acumular seuscapitais[...]” Mais adiante, em 1845, funda-se o Banco Comercial daBahia, em 1848, a Sociedade Comércio da Bahia, o Banco Hypotecá-rio da Bahia e a Caixa Comercial da Bahia... Esta seria, pois, a baseeconômica de um novo bloco em que estariam solidários na domi-nação os comerciantes estrangeiros, principalmente os ingleses,controladores do comércio externo, comerciantes baianos, controlado-res de um comércio de escravos, de um comércio interno e docontacto direto com os produtores de açúcar; e por fim, os Senhoresde Engenho, que apesar de não hegemônicos ao nível econômico,são amplamente compensados pelo exercício do poder político lo-cal, pela posição de prestígio na Corte pelo controle dos cargos naadministração imperial. (ARAÚJO; BARRETO 1978, p.47).

Deve-se observar que, independentemente do sistema bancá-rio e de modo acentuado nos períodos de crise, as principais casascomerciais, diversificando seu raio de atuação, operavam como re-presentação de sindicatos bancários estrangeiros e submetiam oprodutor agrícola a financiamento usurário,com taxas de jurosescorchantes e prazos reduzidos. São os comissários do fumo e doaçúcar, estes últimos caracterizados por Góis Calmon como os gran-des credores dos “barões do açúcar”.

No dizer de Falcon (1978, p. 26),[...] utilizando não apenas seus recursos próprios, mas recursos quesão postos a sua disposição pelo Estado, que são repassados ga-nanciosamente, são muitas as famílias da elite baiana ainda hojecujas fortunas foram forjadas com recursos usurários – porque nãoinescrupulosos? – de tais expedientes que não são localizados, so-frem com eles: os combalidos “barões do açúcar”, os pioneiros pe-quenos produtores de cacau, garimpeiros de diamantes, plantadoresempobrecidos de fumo etc. enfim, o conjunto dos produtores sub-metidos ao controle especulativo de uma ou duas dezenas de casascomerciais de porte, boa parte das quais estrangeiras. Vale ressal-

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tar que no período de 1850/1889, mais de 65% dos capitais movi-mentados na praça não são de procedência nacional, o que atesta ocaráter de praça internacionalizada da Bahia.

Figura 2 – Indústria tradicional baiana: rótulos.Fonte: Museu Tempostal da Bahia, seleção de Gilberto Melo (citado por SPINOLA, 1997, p. 67).

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Entende-se assim que as atividades agrícolas e industriais quese desenvolveram na Bahia, ao longo do século XIX e em boa par-te do século XX, constituíram extensões dos interesses do capitalmercantil, carecendo de condições que possibilitassem o estabele-cimento de um processo de desenvolvimento autossustentável a lon-go prazo, pela dificuldade estrutural da formação de uma classemédia assalariada, capaz de constituir um mercado internoestimulador da produção local em setores da atividade industrial ede serviços.

No caso baiano, na medida em que o comércio revela-se como setorhegemônico e que a acumulação de capitais se processa no circuitotípico de uma economia mercantil, ou seja, na esfera da circulação,torna-se dificultado o processo de transformações das relações de tra-balho em direção ao salariado, pereniza-se o hiato entre circulação eprodução, dificultando as transformações estruturais da sociedadeengendrada no escravismo. (BAPTISTA; ARAÚJO, 1981, p.28).

Na condição de empresa colonial agroexportadora, que pas-sou do domínio formal português para o domínio econômico in-glês, a economia baiana, no curso de da sua história, foi marcadapela sucessão de ciclos de longa e média duração (MATTOSO, 1992,p.571), em que vivenciou períodos de progresso e de crises das prin-cipais atividades agrárias ligadas ao comércio exterior, numa situ-ação que perdura até os dias de hoje, em que as commodities agríco-las foram substituídas por outras de procedência industrial.

Almeida, R. (1977), fazendo um balanço do século XIX, demons-tra que, numa curva de longa tendência, a economia baiana apre-sentou um período de expansão no início do século, de retração nasdécadas de 1820 e 1830, de recuperação entre os anos 1840 e 1850,logo interrompida, ligeira recuperação na década de 1860, para emseguida declinar com a guerra do Paraguai e somente registrar novaalta a partir de 1890. A sucessão de crises da economia baiana nãocorrespondeu às crises da região Sudeste: em verdade, a Bahia foise recolhendo no tempo (grifo nosso).

Entre as atividades do setor primário da economia baiana,destacavam-se, no século XIX, o açúcar19, o tabaco20, o café e,

19 No relato de Calmon (1978), as exportações de açúcar atingiram 29 288 toneladas em1821. Essas exportações sofrem uma redução de 79%, caindo para 6 163 toneladas em1823, como consequência da guerra da Independência.

20 Segundo Almeida, R. (1977) a produção do fumo atingiu 800 mil arrobas (12 mil tonela-das) em 1821, constituindo a grande moeda de troca nas importações dos negros daÁfrica. Nascimento (1997) informa que no período de 1891/1898 estavam registradas naJunta Comercial da Bahia 15 fábricas de charutos, sendo que 12 localizadas no Recôncavo.

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gradativamente, o cacau, além de outros produtos de menor peso àépoca em sua balança comercial21 como o algodão22, a pecuária, aextração e a lavra dos diamantes.23

O açúcar, que atingiu o seu apogeu nos séculos XVII e XVIII,inicia, no século XIX, o seu longo processo de agonia e declínio,mantendo-se, porém, no centro das atenções, por constituir a baseeconômica da classe politicamente dominante.

A guerra da Independência, por exemplo, abortou o ciclo decrescimento dos vinte primeiros anos do século XIX, e as crises agrí-colas importantes, em vários anos da série histórica, cobraram umalto preço ao comércio, à lavoura e às finanças da terra, reduzindoa dimensão da herança deixada para o século XX.

Conforme Mattoso (1992), 40% das exportações de açúcar daBahia destinaram-se para a Inglaterra no período de 1852/1856.Após 1857, mais da metade e até 60% dessas exportações tinham omesmo destino.

A Bahia vivia, pois, sob forte dependência do comércio inglês. Comoeste tinha pouca necessidade de açúcar, sendo suprido por suascolônias, não espanta que o açúcar baiano tivesse problemas demercado. Já nas exportações de todo o Brasil, a parcela destinada àGrã-Bretanha ia de 1/3 a 2/5 , o que sugere que outras praças comer-ciais do país dependiam menos da Inglaterra que a de Salvador(MATTOSO, 1992, p.521)

Por seu turno, Almeida (1977) afirma que dois fatores contri-buíram para a decadência da cultura açucareira. O primeiro, refe-re-se à evasão da mão-de-obra escrava como decorrência da atra-ção exercida pela mineração do ouro a partir do século XVIII e osegundo, está associado com a elevação dos custos de produção.Destaca também a competição internacional, demonstrando que, jáno final do século XVIII, o Brasil havia sido reduzido a pouco maisde 10% do mercado mundial de açúcar.

Mattoso (1992) chama atenção para aspectos edafoclimáticosadversos à cultura do açúcar. Afirma que anos de secas e de chuvasabundantes eram incompatíveis com as necessidades dos solos

21 Segundo Mattoso (1992) em todo o período de 1808/1816 a Balança Comercial baiana foideficitária. Uma tendência que só é revertida no final do século.

22 Segundo Calmon (1978) em 1821 foram exportadas 2.800 toneladas de algodão. Em 1823as exportações deste produto foram reduzidas em 80%, caindo para 565 toneladas.

23 Os escravos, em 1810, somavam, só em Salvador, vinte cinco mil, com os navios repon-do anualmente no porto acima de oito mil novos braços para a lavoura e as atividadesdomésticas e urbanas (CALMON, 1978, p.56).

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Tabela 1 – Evolução das exportações de açúcar pelo Estado da Bahia(1851-1878)

Fonte: Falas dos presidentes da Província da Bahia, Anos – 1884, 1855, 1868, 1878 e 1879.Propostas e Relatórios apresentados à Assembléia Geral pelos Ministros e Secretários deEstado dos Negócios da Fazenda. Rio de Janeiro, Ministério da Fazenda. Anos 1855 -57,1859, 1861 – 64, 1866 – 69 1875, 1877 e 1882, (Apud BAHIA – CPE. A inserção da Bahia naevolução nacional 1ª. Etapa: 1850 – 1889. 5 vl. Salvador: CPE, 1978) Dados originais traba-lhados pelo autor.

QUANTIDADE QUANTIDADE

QUAN- 1851 = 100 1851 = 100ANOS TIDADE (t) CRESCIMENTO CRESCIMENTO

BRUTO (%) BRUTO (%)

1851 51.620 100 -1852 65.524 127 271853 47.728 92 (8)1854 50.440 98 (2)1855 37.390 72 (28)1856 37.664 73 (27)1857 26.641 52 (48)1858 50.056 97 (3)1859 14.874 29 (71)1860 18.020 35 (65)1861 54.098 105 51862 56.647 110 101863 33.020 64 (34)1864 45.113 87 (13)1865 51.827 100 01866 44.683 87 (13)1867 49.906 97 (3)1868 48.029 93 (7)1869 30.934 60 (40)1870 48.938 98 (2)1871 55.020 107 71872 36.292 70 (30)1873 29.934 58 (42)1874 57.557 112 121875 30.456 59 (41)1876 35.494 69 (31)1877 44.798 87 (13)

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argilo-arenosos do Recôncavo, o que gerava, conseqüentemente,queda substancial da produtividade dos canaviais.

Outro problema consistia no desgaste dos solos. Abatidas asflorestas, os solos do Recôncavo foram explorados como minas:buscava-se extrair o possível com a máxima brevidade (MATTOSO,1992, p.462). Destaca também a questão dos parcelamentos das pro-priedades entre diversos herdeiros, o que reduzia a capacidade deobtenção de escala. A tudo isto se associou a praga que atingiu oscanaviais a partir de 1873.

A localização da Bahia no Atlântico Sul e as suas condiçõesfavoráveis para a produção agrícola não foram suficientes para en-frentar a concorrência internacional aos seus produtos.

Evidentemente, o fumo não teve o mesmo peso do açúcar novalor das exportações baianas no século XIX, mantendo, porém,uma produção mais regular, a despeito de também estar sujeito àsvariações climáticas. Observe-se que, segundo os dados da Tabela2, em alguns anos da série, ele assumiu a liderança nas exportaçõesbaianas.

Moeda de troca no tráfico negreiro o fumo foi responsável pelointenso comércio entre a Bahia e o Golfo de Angola e de Benguela.

Na opinião de Borba (1978, p. 12)A lavoura do fumo merece uma confrontação com a da cana, devi-do a total divergência entre as duas. Tal divergência se manifestano plano econômico e nos seguintes aspectos: a lavoura do fumonão necessita de altos investimentos, estando, por isso mesmo, aoalcance de pequenos lavradores sem disponibilidade de capitais,enquanto que o cultivo da cana requer uma considerável quantida-de de mão-de-obra nos seus processos de plantio, corte e transpor-te das safras; a do fumo, ao contrario do que acontece na lavouracanavieira, pode ser realizada pelo lavrador e sua família, que de-senvolvem paralelamente ao plantio do produto a cultura de sub-sistência: milho, mandioca e feijão.

A exemplo das demais culturas agrícolas baianas do séculoXIX, a do fumo foi dominada pelo capital mercantil, representadohegemonicamente por firmas alemãs. Isto significa que o exceden-te gerado por essa atividade foi apropriado por essas firmas e nãorevertido em inversões nas zonas de produção.

Embora tenha sido o “produto constante” e carreado rendas consi-deráveis para a Bahia, sua contribuição, devido a forma pela quaisas relações pré-capitalistas de produção reinantes nesta cultura sesubordinaram ao movimento de expansão do capitalismo comerci-al, ficou singularmente limitada para fomentar o crescimento dasregiões produtoras (BAHIA, 1978, p.89).

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Tabela 2 – Exportações baianas dos principais produtos agrícolas– 1851-1878 (valores em contos de réis)

Fonte: ANÚARIO ESTATISTICO DA BAHIA, 1923. Bahia, Diretoria do Serviço de Estatís-tica do Estado, 1924. Falas dos Presidentes da Província da Bahia, Anos – 1884, 1855, 1868,1878 e 1879. Propostas e Relatórios apresentados à Assembléia Geral pelos Ministros eSecretários de Estado dos Negócios da Fazenda. Rio de Janeiro, Ministério da Fazenda.Anos 1855 -57, 1859, 1861 – 64, 1866 – 69, 1875, 1877 e 1882. (Apud BAHIA – CPE – Ainserção da Bahia na evolução nacional 1ª. Etapa: 1850 – 1889. 5 vl. Salvador: CPE, 1978)Dados originais trabalhados pelo autor.

O café, introduzido na Bahia na metade do século XIX, nãoproduziu, nesta província, os mesmos efeitos de transformaçãogerados em São Paulo. Segundo a CPE (BAHIA, 1978, p.159),24 acafeicultura baiana não conseguiu dar o “salto capitalista” deriva-do do desenvolvimento do capitalismo em termos internacionaispor ter se mantido sob o regime de trabalho escravista e de umcampesinato ou parcerias precariamente vinculados ao circuito detrocas. A despeito de figurar na pauta das exportações baianas, ocafé, aqui, não prosperou no volume atingido na região Sudeste.Faltaram terras férteis, produtividade e um sistema articulado de

24 O capítulo 2.5 – Café, do trabalho da CPE (1978) foi elaborado por Luiz ChateaubriandCavalcanti dos Santos e Hermano José Thomy Dultra.

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transporte e comunicações que possibilitassem a dinâmica da suaexpansão.

A produção do cacau, na Bahia, somente vai assumir grandesignificação no século XX. Conforme se observa da Tabela 2, suaparticipação nas exportações baianas, ao longo do século XIX, é re-duzida, atingindo 9% em 1878. O seu cultivo, porém, responde porintensos movimentos migratórios e pela ocupação da região Sul daprovíncia. Em termos econômicos, sua exploração segue o mesmopadrão ditado pelo capitalismo mercantil que marcou o processoespoliação da Bahia ao longo do século analisado. Em outras pala-vras, os excedentes gerados pela cultura do cacau nunca retornaramsob a forma de inversões na região cacaueira ou em outras regiõesda província.

Merecem registro ainda no setor primário da economia baianaa produção de algodão e a pecuária.

A produção do algodão no Brasil, e consequentemente na Bahia,sempre dependeu de fatores externos. Ou seja, das flutuações dospreços internacionais do produto. Sempre que estes aumentavam,em decorrência de conflitos na Europa ou na América do Norte, aatividade algodoeira se expandia em terras brasileiras.

Segundo estudo da CPE (BAHIA, 1978, p.194)25, entre 1850 e1862, a participação do algodão nas exportações da Província daBahia oscilou em torno da média de 2,8%, com períodos bastantescríticos (1857/1862), quando a participação girou em torno de 0,6%,e outros, de recuperação, a partir de 186226, quando os preços no-minais da exportação passam de 8$513 na safra 1860/1861 para11$049 na safra de1861/1862, atingindo o seu valor máximo de21$575 em 1863/1864. A produção, que atingira 65 458 arrobas nasafra de 1864/1865, elevou-se para 446 726 arrobas em 1867/1868(um acréscimo de 583%), quando os preços regridem para os pata-mares anteriores de 8$974 a arroba. Finda a Guerra Civil America-na, a produção, os preços e a participação desta cultura na pauta deexportação baiana declinam, chegando a 2 349 arrobas na safra de1877/1878.

25 O capítulo 2.7 – Algodão e Têxtil na Bahia, do trabalho da CPE (1978) foi elaborado por:José Luiz Pamponet Sampaio, Mércia Maria Lima Meira, Yara Cecy Falcon Lins e Mariade Fátima Nascimento.

26 A prosperidade da cultura do algodão na Bahia deveu-se à Guerra Civil Americana (Guer-ra da Secessão) transcorrida no período de 1861 a 1865 e que desarticulou a produçãoamericana que dominava o comércio internacional.

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Observe-se que o algodão exportado pelo Brasil era oneradopor altos fretes e sobretaxado nos países importadores (medidasprotecionistas). Enquanto isto, nos Estados Unidos, o grande con-corrente, não se pagava imposto algum, interno ou de exportação.Também os custos logísticos eram bem inferiores, fazendo com queo produto norte-americano fosse ofertado no mercado por preçosbem mais baixos, o que, aliado a sua qualidade técnica, tornava aconcorrência impraticável.

Na década de 1880/1889 a produção não foi suficiente para osuprimento das fábricas de tecido baianas, fazendo-se necessáriasas importações de outras províncias (BAHIA, 1978 p.196).

A pecuária teve papel importante na economia baiana pelo seupapel no suprimento alimentar da população urbana e pela ocupaçãodo território. No plano das exportações, a participação dos seus sub-produtos – couros e peles – não foi significativa, dadas as condiçõesdo mercado e a concorrência dos criatórios do Rio Grande do Sul.

Outro fato de destaque na economia baiana, que contribuiu sig-nificativamente para o povoamento de sua região Sudoeste, foi adescoberta, em 1842, de diamantes na Chapada Diamantina (entãoChapada Grande). A lavra teve uma produção significativa no perío-do compreendido entre 1852 e 1870, atingindo seu ponto máximo deprodução em 1856, quando foram exportadas oficialmente 7 714 oi-tavas (equivalentes a 27,770 kg). Segundo a CPE (BAHIA, 1978, p.125),a exploração do diamante na Chapada, deflagrando um movimentopopulacional de grande magnitude no centro da província, não foisuficiente, contudo, para desarticular o tradicional predomínio doRecôncavo sobre a economia baiana. Por outro lado, seguindo a ten-dência geral, a subordinação da empresa diamantina ao mercadointernacional e ao controle do capital mercantil não permitiu quesurgissem nas lavras relações de produção do tipo capitalista, embo-ra o trabalhador livre convivesse com o escravo.

A atividade industrial no Brasil remonta ao século XVI, fun-dada na produção do açúcar pelos engenhos que se implantaramnas diversas capitanias, financiados pelos holandeses que, comofoi visto anteriormente, até 1580 foram os grandes beneficiados poresta cultura.

Enquanto produzia açúcar, estava a colônia sintonizada com ametrópole portuguesa. Tudo se complicou, ensejando o famosoalvará proibitivo de D. Maria I, posteriormente revogado por D.João VI em 1808, quando começaram a prosperar atividades vincu-

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ladas à produção de tecidos fabricados no Pará, Maranhão, Ceará,São Paulo e posteriormente em Minas Gerais. Conforme Lima (1961),de tal modo essas atividades se desenvolveram e prosperaram quese chegou, em alguns lugares, a fazer tecidos tão finos que se ex-portavam para fora da capitania (LIMA, 1961, p.153).

Os dados sobre a indústria na Bahia, ao longo do século XIX,são controvertidos e, em alguns casos contraditórios, variando se-gundo as fontes de pesquisa. A CPE (BAHIA, 1978, p. 245)27 identi-ficou nove fábricas instaladas antes de 1850, enquanto, na décadaseguinte, mais 16 foram fundadas, não se incluindo a agroindústriaaçucareira que, desde 1833, de acordo com Miguel Calmon du Pine Almeida, contava com 603 engenhos, dos quais 47 eram movidosa vapor e 62, a água. Este número segundo ainda o estudo referido(p. 260), citando como fonte Calmon (O assucar e o álcool na Bahia.Rio de Janeiro: Companhia Typographica do Brasil, 1903, p. 6), eleva-separa 893 engenhos em 1873, dos quais 282, a vapor. Excetuando-seas indústrias do setor açucareiro e fumageiro, as demais atuavam

27 O capítulo 2.8 Indústria, do trabalho da CPE (1978) foi elaborado por José Luís PamponetSampaio e Tânia Maria Bonfim da Silva.

Figura 3 – Associação Comercial da Bahia e a Praça Riachuelo,1885.Fonte: Fotografia de Rodolfo Lindemann, seleção de Gilberto Melo (citado por SPINOLA,(1997, p. 101).

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para o mercado interno. A maioria localizava-se em Salvador, sen-do que, nas cidades do Recôncavo, como Cachoeira, São Felix,Muritiba, Maragogipe e Nazaré, concentravam as indústrias defumo. Os engenhos e as fábricas centrais de açúcar espalhavam-sepor todo o Recôncavo.

Também se desenvolvia no território baiano, desde os temposde Tomé de Souza, uma promissora indústria naval e, nos meadosdo século XVII, a indústria de óleo de baleias que empregava, nailha de Itaparica, 420 trabalhadores (LIMA, 1961, p.185.)

A posição estratégica do Brasil em relação à rota da Índia e a abun-dância de madeira de boa qualidade fizeram com que, logo nosprimeiros tempos, se instalassem estaleiros, não só para reparosnas embarcações, mas também para a construção de novas. [...] Toméde Souza, ao instalar o Governo Geral em 1549, trouxe um grupode artífices especializados que incluía um mestre de construção,carpinteiros, calafates e um ferreiro. Quarenta anos mais tarde,Gabriel Soares de Souza no seu Tratado Descritivo do Brasil men-ciona a existência de 40 carpinteiros na Bahia, portugueses e mesti-ços que se ocupavam de fazer navios. Como iniciativa oficial, o pri-meiro estaleiro estabelecido foi o da Ribeira das Naus, ao final doséculo XVI, também na Bahia. [...] A partir de 1770 foi denominadoArsenal da Marinha. Mantido após a Independência, só veio a serextinto em plena República, em 1899. Uma planta do século XVIIIindica um imponente conjunto de construções, talvez com mais de300.000 m2 de área total, incluindo grande carreira de construção,oficinas, depósitos, quartéis e uma bacia fechada. [...] Construiudurante os séculos XVII e XVIII numerosas e importantes embarca-ções. Uma Carta Régia de 1650 estabelecida que o estaleiro deverialançar ao mar anualmente pelo menos um galeão de 700 a 800 tone-ladas.[...] Já nos inícios do século XVII construía navios maiores,com cerca de 1000 toneladas. Como elemento de comparação po-demos tomar a indicação de que no fim do século XVIII os maioresnavios ingleses da Companhia das Índias deslocavam cerca de 1200toneladas.[...] Note-se, porém, que a construção naval pouco evo-luiu durante o século XVIII. (TELLES, 2001)

Relata Smarcewski (2001, p.16) que em 1725 a quantidade deembarcações operando no porto de Salvador totalizava 1 859 assimespecificadas: galeras, corvetas, barcas, saveiros, lanchas e janga-das. Conforme este autor, de 1500 em diante passaram os portu-gueses suas atividades navais de Gôa e Cochim para a cidade doSalvador e a Baía de Todos os Santos.Foram trazidos da India gru-pos nativos e mão-de-obra especializada na construção naval.DaÍndia vieram o graminho ( um ábaco detentor dos parâmetros utili-zados pelos mestres construtores orientais), o carro-de- boi, omonjolo, socador de grãos (movido a água corrente), a casa de pau-

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a-pique (sopapo)e a renda de bilro entre outros elementos da cultu-ra indiana. Os estaleiros baianos estavam localizados emMassaranduba e Cabrito na península de Itapagipe, em Santo Amaroda Purificação, São Roque do Paraguaçu, Cachoeira, São Felix, Ilhade Bom Jesus, Madre de Deus, São Francisco do Conde, Santo Amarodo Catu, Tubarão, Salinas das Margaridas, Conceição de Salinas,Itaparica e Caboto. Os barcos para navegação de alto mar eramconstruídos no litoral Sul da Bahia em: Taperoá, Valença, Cairu,Camamu, Cajaiba, Ilha Grande, Ilhéus, Comuruxatiba, Canavieiras,Porto Seguro, Caravelas e Nova Viçosa.

As primeiras fábricas de tecido surgiram na província aindana década de 1830. Valença destacava-se por possuir duas fábricasde tecidos, uma das quais, a Todos os Santos, era a maior do paísem meados do século XIX (SAMPAIO, 1975, Cap. 1).

Conforme Calmon (1978), a Bahia presenciou, de 1840 a 1846,o reaquecimento da sua economia, com a formação da Companhiapara Introdução e Fundação de Fábricas Úteis na Província da Bahia,seguida pela implantação de unidades produtoras de papel e denovos engenhos.

Porém, em 1846, as fábricas de tecidos de Valença e os enge-nhos da Conceição e do Queimado entravam em crise, indicando ofim do breve interregno de expansão dos negócios.

A despeito das oscilações da economia, a indústria têxtil, se-gundo Stein (1957, p. 21, apud SAMPAIO, 1975, p. 54), registravana Bahia, em 1875, o funcionamento de onze fábricas de tecidos, oque correspondia a 37% do total existente no país. Uma décadadepois, este número se eleva para doze, mas a participação no totaldo país declina para 25%. Observe-se que, nessa época, S. Paulopossuía apenas nove fábricas (ver Tabela 3). Apesar de estes núme-ros terem sido citados em Sampaio, (1975), este pesquisador traba-lha com um número de dez empresas que se fundiram em cincosociedades por ações entre 1887 e 1891. Quanto ao porte, essas fá-bricas eram pequenas, em comparação com as similares existentesà época, na Europa e na América do Norte. Contudo, para a Bahia eo Brasil, constituíam grandes fábricas.

Para melhor avaliar a posição e a magnitude relativas da indústriade tecidos na Bahia do século XIX, registre-se que, em 1930, ou seja,quase um século após o estabelecimento das primeiras fábricas detecidos, apenas 61 fábricas na Bahia possuíam mais de 12 operári-os. Assim, mesmo que as fábricas de produtos têxteis fundadas antesde 1870 tivessem apenas metade do número de operários registrados

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em 1870/1876, poderiam ser consideradas pelos padrões da época,como grandes indústrias. (SAMPAIO, 1975, p.53).

Como demonstra a Tabela 3, a indústria têxtil baiana mobili-zava, em 1875, um capital da ordem de 1.243.896$000 e gerava 958empregos diretos28. Para Sampaio (1975, p. 59), os operários dessasfábricas eram livres, com grande proporção de mulheres e crian-ças. Recrutados nos orfanatos e no seio da população mais miserá-vel, eram alfabetizados pelas próprias indústrias.

Ao entrarem são preguiçosos e insubordinados, porém com o tem-po se tornam bons podendo ser comparados favoravelmente aosmelhores da Europa [...] Trabalham desde o amanhecer até às19h30min tendo 20 minutos para o almoço e meia hora para o jan-tar. Folgam aos domingos (SAMPAIO, 1975, p. 61).

Com respeito às relações trabalhistas, vale aqui registrar a se-guinte observação da CPE (BAHIA. 1978, p. 219):

De um ponto de vista estritamente econômico, não há dúvida quan-to a existência de relações de trabalho tipicamente capitalistas. En-tretanto é importante considerar as circunstâncias em que esse tra-balho se desenvolvia. Em primeiro lugar, o quadro geral de umasociedade escravocrata. Em segundo a origem desses operários: dascamadas mais pobres da população urbana, e frequentemente de

28 Existe uma grande discrepância entre este número de operários e o apresentado pelaCPE (5.542 homens e mulheres livres mais 929 homens e mulheres escravos). Este fato éregistrado pela CPE, que explica: “além das inexatidões desse primeiro Censo, a existênciade um artesanato de tecidos, principalmente no interior da Província, absorvendo apreciá-vel quantidade de pessoas especialmente mulheres”. Ver BAHIA (1978 p. 215, Tabela 19).

Tabela 3 – Distribuição geográfica estimada da indústria têxtilbrasileira (em 1866, 1875 e 1885)

Fonte: Stein, Stanley, p.21 apud Sampaio (1975, p. 54, Quadro 3).Nota: Percentuais e destaques do autor deste livro.

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orfanatos. Em terceiro lugar, as condições de vida e trabalho nas fábri-cas, especialmente para os operários procedentes dos orfanatos. Umavez que a fábrica fornecia-lhes alojamento, educação, médicos e remé-dios, controlando também suas horas de lazer, é válido supor que essaassistência fosse descontada dos seus salários e, portanto, esse dispên-dio fosse apenas de natureza contábil. Isto implicaria numa circulaçãomonetária menor do que se poderia imaginar reduzindo, assim, o al-cance das transformações de natureza capitalista nas relações de pro-dução. Se isso acontecia no setor de proa da indústria, pode-se bemdeduzir sobre a situação em setores mais atrasados – manufaturas,serviços –, para não falar no campo.

Essas fábricas possuíam, na época (1870/1875), 535 teares e 14248 fusos, produzindo 3 486 825 m de tecidos e 119 512 kg de fios, oque representava, em 1875, 37% da produção brasileira (BAHIA,1978, p.209).

De acordo com as Fallas dos presidentes da província, as fábricasbaianas produziam tecidos grosseiros, destinados à sacaria e a rou-pas para os escravos e para a população de baixa renda. Contudo,algumas fábricas, a partir de 1875, começam a produzir tecidos demelhor categoria – tecidos brancos de primeira qualidade, tecidosde cores diversas e riscados de primeira qualidade, toalhas franjadas,etc. (BAHIA, 1978, p. 211).

A produção era toda destinada ao mercado interno, pois a par-ticipação na pauta do comércio internacional era insignificante. Parao exterior, a Bahia só conseguiu exportar estopas e sacos As pro-víncias do Norte e Nordeste (Pará, Maranhão, Ceará, Paraíba, Per-nambuco, Alagoas e Sergipe) constituíam os principais importado-res internos. Exportava-se também para o Rio de Janeiro e o RioGrande do Sul (BAHIA, 1978 p.212).

A matéria-prima utilizada pelas fábricas baianas era originadana própria província. A partir da década de 1880, a produção nãofoi suficiente para atender à demanda das fábricas baianas, sendonecessária a importação de outras províncias como Sergipe,Pernambuco e Alagoas (BAHIA, 1978 p.196).

Como informam os estudos aqui referidos, a indústria têxtilbaiana era tecnologicamente atrasada em comparação com as simi-lares dos países mais desenvolvidos, o que, evidentemente, retira-va boa parte da sua competitividade, o que se agravava pelo preçoe pela qualidade da matéria-prima.29 As fábricas mais antigas ti-

29 Quando a indústria de extração de óleo de algodão começou a atuar no Nordeste, redu-ziu-se substancialmente a qualidade do algodão destinado às tecelagens.

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nham maquinário contemporâneo às primeiras invenções que mar-caram o início da revolução industrial, como é o caso da referênciaao maquinismo da Fábrica Bonfim (ou Nossa Senhora do Pilar),que possuía 2 400 fusos do Systema Mules Jeny (BAHIA, 1978 p. 207).Este fato é comum no processo de industrialização brasileiro, pelomenos nos primórdios da sua formação.

Os países tecnológica e economicamente menos desenvolvi-dos foram os repositórios dos equipamentos e ferramentas descar-tados e substituídos, nos países desenvolvidos, por outros maisavançados. A Inglaterra, por exemplo, colocava à disposição doBrasil, por valores “acessíveis”, a sua sucata industrial gerada pe-las novas tecnologias que ia desenvolvendo. Foi o que ocorreu tam-bém com o equipamento ferroviário de bitola estreita quando tevede ser substituído pelos equipamentos de bitola larga.

Figura 4 – Companhia Fabril dos Fiaes: tecidos de juta, 1890.Fonte: Museu Tempostal da Bahia, seleção de Gilberto Melo (citado por SPINOLA, 1997, p. 67).

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Tabela 4 – Indústria têxtil na Bahia (período 1834-1880)

Fonte: Sampaio, (1975).

Pelo exposto, observa-se que a indústria têxtil baiana não pos-suía condições técnicas e econômicas para crescer, sobreviver e per-petuar-se no cenário econômico nacional de longo prazo. Foram oscomerciantes importadores que instalaram as fábricas de tecidos,principalmente a partir da década de 1870, buscando resguardar-se das oscilações cambiais que encareciam os produtos importa-dos, tornando vantajosa a produção interna.

De acordo com a CPE (BAHIA, 1978, p. 204):Dois fatores são em geral apontados como fundamentais para acriação e sobrevivência das indústrias de tecidos. O primeiro fo-ram as oscilações do câmbio. No final da segunda metade do sécu-lo XIX , as oscilações da taxa de câmbio constituíram-se num dosprincipais fatores determinantes de fases favoráveis ou desfavorá-veis para os produtos nacionais. Essas oscilações ocasionavam, aoimportador, efeitos opostos àqueles sentidos pelo produtor nacio-nal, com o qual ele competia: o câmbio baixo, tendo efeito proteci-onista, era prejudicial aos negócios de importação. O início da pro-dução interna vinha assim, somado às oscilações do câmbio, intro-duzir um elemento de instabilidade em tais negócios. Os ganhosdos importadores passavam a ser passíveis de variações súbitas,em função de um fator inteiramente fora do seu controle, sendo denotar ainda que o peso dos interesses ligados à exportação favore-cia uma política de câmbio baixo, funcionando a desvalorizaçãoexterna da moeda como um mecanismo de socialização dos prejuí-zos decorrentes das baixas dos preços do café. Nessa situação de

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incerteza é adequado supor que houvesse de parte dos importado-res uma tendência a diversificar a aplicação dos seus capitais, como fito de diminuir a possibilidade de perdas decorrentes da baixado café e do câmbio. Uma via naturalmente indicada para isso se-ria o investimento na produção interna: uma vez que passassem aprodutores dos artigos que importavam, poderiam ganhar comoprodutores o que deixavam de ganhar como importadores, nasépocas do encarecimento das importações. O importador estariatambém em situação vantajosa para superar a defasagem de condi-ções favoráveis ao aumento de produção interna e à importação debens de capital: os períodos de facilidade de importação seriam paraeles fases de maiores lucros, o que facilitaria o custeio da importa-ção de equipamentos com vistas aos tempos de “vacas magras” naatividade importadora. O outro fator explicativo foi a proteção go-vernamental (dispensada através a política tributária para este seg-mento).

A indústria têxtil baiana, além de já ter surgido defasadatecnologicamente, enfrentou, ao longo da sua existência, três pro-blemas sérios: o primeiro, referia-se ao encarecimento da matéria-prima que se tornou mais cara pela distância das fontes de supri-mento, na medida em que se reduzia a produção local; o segundo,derivou de uma autêntica guerra fiscal, deflagrada pelas provínciasnordestinas que passaram a sobretaxar o tecido baiano considera-do concorrente e o terceiro, decorria das limitações do mercadobaiano que não estimulavam a sua expansão e obtenção de escala.

Outras indústrias. Como foi salientado anteriormente, a ativi-dade industrial baiana existiu desde o século XVI, dispersa por ati-vidades básicas e essenciais ao suporte das atividades mercantis eà sobrevivência da população. É impossível imaginar que tudo,mesmo as mínimas coisas, possam ter sido importadas e que paracá não houvesse vindo artífices e profissionais afins, mesmo queem pequena quantidade. O que ocorre é que essas atividades prova-velmente – faltam maiores registros – não se organizaram empre-sarialmente como ocorreu com a agroindústria açucareira e funcio-naram em padrões artesanais ancilares às atividades agrocomerciais,de transporte e de sobrevivência da população. O que ocorre no sé-culo XIX, mercê da importante pesquisa intitulada A inserção da Bahiana evolução nacional, realizada pela CPE em 1978, passou-se a disporde dados mais sistemáticos do funcionamento da economia baiana.Assim, independentemente da agroindústria açucareira e da produ-ção de tecidos, os principais ramos industriais da província, mere-cem registro, ainda, as atividades vinculadas à metalurgia, à quími-ca, à madeira, ao vestuário, aos alimentos e às bebidas e ao fumo.

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Conforme as estatísticas da CPE, a maioria absoluta desta in-dústria localizava-se em Salvador. Nas cidades do Recôncavo, taiscomo Cachoeira, São Felix, Muritiba, Maragogipe e Nazaré, con-centravam-se as manufaturas do fumo. Quase toda a manufatura eindústria existentes empregavam matéria-prima local. A maioriadessas empresas era de pequeno porte e a sua produção destinava-se ao consumo popular, visto que as classes mais abastadas impor-tavam todos os bens de que necessitavam. Os capitais aplicados nosetor de transformação vinham do grande comércio de exportação.

A CPE (BAHIA, 1978, p. 253) apresenta um registro formal daindústria metalúrgica a partir da década de 1850. Era composta porfundições, ferragens e fundições e máquinas. Foram identificados, noperíodo, 14 estabelecimentos, sendo sete de empresários estrangeiros.Dez localizavam-se em Salvador e os demais em Santo Amaro (3) eValença (1). Pela característica dos bens produzidos (engenhos, peçasde reposição para máquinas a vapor), supõe-se que a metalurgia fossetecnologicamente superior aos demais setores. Trabalhando com ma-téria-prima importada, esta indústria incorporava um razoável núme-ro de mão-de-obra estrangeira. O seu declínio, já no século XX, deveu-se à falta de tarifas protecionistas ao similar nacional e consequen-temente à concorrência externa.

De acordo com a mesma fonte, na indústria química, funcio-navam, entre 1819 e 1889, 35 empresas, havendo predominânciadas fábricas de sabão (16). Registrava-se ainda no setor a presençade fábricas de óleos (5), fósforos (4), velas (3), além de carvão, azei-tes, álcool e vinagre. A produção de óleo derivado da baleia, con-forme anteriormente foi assinalado, já existia na província desde ostempos coloniais. Tratava-se de firmas de pequeno porte, todas lo-calizadas em Salvador.

A indústria madeireira apresentava oito unidades no períodode 1861/1884, estando distribuídas por Salvador, Valença, Cacho-eira, São Felix e Nazaré, produzindo tábuas e outros materiais paraconstrução e funcionando, de modo geral, com equipamentos poucosofisticados.

Entre 1858 e 1882 existiam na Bahia sete empresas de vestuá-rio, sendo seis de chapéus. Todas estavam localizadas em Salva-dor. É provável que essas empresas fossem antes manufaturas queindústrias. A pesquisa da CPE identifica, nesse conjunto, duas em-presas que empregavam respectivamente 400 e 250 operários sen-do a maioria de escravos.

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No período de 1869/1889 o gênero de alimentos e bebidas re-gistrava 31 empresas, das quais 18 eram dedicadas à produção e aorefino de açúcar. Aparecem ainda produtores de aguardente, vina-gre, uma “fabrica de cozinhar baleias”, massas e gasosas. Distribu-íam-se por Salvador, Santo Amaro e Catu.

Entre 1819 e 1889, funcionavam 31 manufaturas de fumo, loca-lizadas no Recôncavo (Salvador, São Felix, Maragogipe, Muritiba eCachoeira). Segundo o estudo da CPE (BAHIA, 1978), as manufa-turas de fumo tinham, em geral, pequenas dimensões, capitais re-duzidos, produção limitada, caracterizando-se pela instabilidade enão dispondo, na sua maioria, de recursos para reformas e adapta-ções quando necessário. As firmas com maiores capitais e capaci-dade de produção pertenceram aos alemães que dominaram a ex-portação do produto.

No setor fumageiro, o capital comercial financiava os peque-nos produtores agrícolas, em condições escorchantes que os redu-zia a uma situação de pauperismo e dependência que perdurou atéos tempos atuais.

A conclusão deste exame da atividade industrial da Bahia noséculo XIX pode ser sumariada da forma seguinte e com base noestudo já referido da CPE (BAHIA, 1978 p. 266-267).

O setor industrial, na economia baiana, estava dividido entreindústrias e manufaturas30. Estas últimas com seu processo produ-tivo concentrado em atividades manuais. A maior parte dos estabe-lecimentos, tanto industriais como manufatureiros, era de pequenoporte, a julgar por fatores tais como capitais investidos e mão-de-obra empregada. As grandes empresas eram de caráter fabril,pertecendo à agroindústria açucareira e ao setor têxtil. Havia, en-tretanto, grandes empresas manufatureiras no setor fumageiro e,em menor escala, no setor de vestuário.

No plano da modernização tecnológica registram-se diversasiniciativas em praticamente todos os gêneros de atividades. Essastentativas de modernização não tiveram maior repercussão sobreuma sociedade como a baiana, na qual a estrutura social era imper-meável. Ao contrário, no Sudeste do país, onde as inovações tecnoló-

30 Esta divisão entre indústria e manufatura destaca uma questão tecnológica. Na épocapoucas empresas trabalhavam com um elevado grau de mecanização e o aporte detecnologia nos processos produtivos era reduzido. Os pequenos empreendimentos, ru-dimentares, eram predominantes na Bahia.

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gicas foram acompanhadas de mudanças nas relações de trabalho,toda a estrutura social se transformou.

As matérias-primas empregadas eram de procedência local edas províncias vizinhas, excetuando-se setores como metalurgia e,por algum tempo, madeira, couros e peles.

Predominava a produção de artigos grosseiros destinados ao con-sumo popular, uma vez que a elite importava os bens de que necessi-tava preferencialmente da Europa. Na manufatura do fumo mescla-va-se a matéria-prima local com a importada das províncias do Sul, demelhor qualidade, quando se pretendia obter um produto mais fino.Contudo, muitos bens eram consumidos por todas as classes sociais,indistintamente. Enquadravam-se neste caso os produtos dos setoresde madeira, química, cerâmica (telhas e tijolos), alimentos e bebidas evestuário (chapéus de feltro). A indústria textil tinha considerável par-cela de sua produção consumida pela agroindústria açucareira, sobre-vivendo, em grande parte, devido à demanda de sacos para embala-gem dos produtos primários em bruto ou semibeneficiados, como oaçúcar. Também a indústria metalúrgica fabricava, como um dos seusprincipais itens, maquinário para engenhos e peças de reposição. Asdificuldades e a paulatina decadência da agroindústria açucareira nãopoderiam deixar de refletir-se negativamente sobre outros setores in-dustriais. Parte da produção manufatureira e fabril era absorvida poroutras províncias, como o fumo e os tecidos. Em 1875, exportava-se aterça parte dos tecidos aqui produzidos para outras províncias, expor-tação essa que decorria basicamente da privilegiada posição da Bahiacomo importante entreposto comercial.

A maior parcela da mão-de-obra empregada era livre, porém,em 1872, cerca de 15% ainda eram escravos, existindo estabeleci-mentos, até à década de 1860, nos quais predo-minava o trabalhoescravo Esse tipo de relação de trabalho deveria prevalecer tam-bémnos engenhos. Quando, porém, foram criadas as fábricas centraisde açúcar, nelas passou a preponderar o trabalho assalariado e, deum modo geral, o trabalho livre foi-se generalizando.

O grande comercio de exportação era o responsável pelos ca-pitais aplicados no setor industrial. A existência de matéria-primalocal possibilitava ao comerciante – que agia como financiador – ocontrole da produção agrícola, sua transformação e comercialização.O caso mais evidente é o do fumo. Quanto aos tecidos, a matéria-prima era oriunda principalmente das províncias vizinhas, e essesetor se constituía no mais importante depois da agroindústria

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açucareira. Até 1875, a Bahia foi o maior centro têxtil do Brasil,mas sua perda de posição, daí por diante, seria constante eirreversível. Persistiria, para além do século XIX, na Bahia, umtipo de economia mercantil originária da colônia, enquanto, noSudeste do Brasil, instalou-se um tipo de desenvolvimento capi-talista calcado no modelo europeu ocidental pós-revolução indus-trial (BAHIA,1978 p.267).

No plano da política tributária praticada no século XIX, o esta-belecimento das tarifas baseou-se preponderantemente na taxaçãodos produtos importados. Com o controle político do governo pe-los grandes proprietários de terras, lançava-se sobre o conjunto dapopulação o ônus pela sustentação da máquina pública, como assi-nalam Furtado (1959) e Sampaio, (1975).

Em 1844, com a expiração dos prazos estabelecidos pelos di-versos tratados comerciais, foram editados pelo governo imperialonze “pacotes” tributários. Todos compreenderam tarifas inciden-tes sobre as importações. De forma geral a política fiscal atendeu aolobby dos grandes proprietários rurais e comerciantes interessadosna manutenção de uma política antiprotecionista, prejudicando cla-ramente os interesses da classe industrial. A tarifa Silva Ferraz, de1860, por exemplo, prejudicou a metalúrgica da Ponta da Areia, deMauá, forçando o seu fechamento (SAMPAIO, 1975, p. 23-26).

Segundo a pesquisa da CPE (BAHIA, 1978), os mecanismos dapolítica tributária e financeira do governo imperial foram desfavo-ráveis para a economia baiana. Mesmo tendo participação elevadanas exportações e importações brasileiras, no período, a Bahia so-freu substancial drenagem de recursos, através da taxação dos “di-reitos de exportação e importação”.

A Tabela 5 apresenta dados das contas públicas da provínciano período de 1850/1889. Conforme se observa, em diversos anosda série, apresentam-se déficits públicos que levaram aoendividamento interno do governo provincial, mediante a contrata-ção de sucessivos empréstimos junto aos agentes financeiros locais.O agravamento desta situação no final do século, a partir de 1872,vai levar ao primeiro empréstimo externo da província, em 1888.31

31 O empréstimo foi obtido junto ao Sindicat Brésilien de Paris, no valor de 22,5 milhões defrancos que, convertidos, importavam em 6.317.947$445. Este empréstimo na verdadeserviu para o pagamento de dívidas internas do governo com o sistema financeiro naci-onal (entre eles o Banco da Bahia), sobrando líquido para a caixa do tesouro menos de1% (CPE, 1978 v. 3, p. 71).

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Tabela 5 – Execução financeira da Província da Bahia – 1850-1900(valores em contos de réis)

Fonte: DEB. Anuário estatístico da Bahia, 1923. Apud BAHIA – CPE – A inserção da Bahia naevolução nacional 1ª. Etapa: 1850 – 1889. v.3, p.60, Tabela 6. Salvador: CPE, 1978. Dadosoriginais trabalhados pelo autor.

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Esta situação iria transformar-se num processo de endividamen-to crônico, agravando e comprometendo o desempenho das admi-nistrações estaduais ao longo da primeira metade do século XX.

No que tange à intermediação financeira, conforme já foi re-gistrado, ela foi inicialmente praticada de forma intensiva pelasdiversas casas comerciais que operavam no mercado exterior baiano.Em 1845, surge o Banco Commercial da Bahia, considerado um ban-co emissor (CALMON, 1978, p. 83), seguido por diversas outrasinstituições com poder de emissão de moeda, entre elas a Socieda-de Mercantil da Bahia (Caixa Hipotecária), o Banco Hipotecário daBahia, a Caixa Comercial da Bahia e a Caixa de Reserva Mercantil,todos de curta duração, não atingindo o final do século. Nas déca-das seguintes, outras instituições financeiras também foram cria-das, mas também não conseguiram sobreviver, com exceção doBanco da Bahia e do Banco Econômico da Bahia criados em 1857 e1893 respectivamente. (AZEVEDO; LINS, 1969, p.68; OLIVEIRA,1993, p.88).

Em termos de obras públicas registrou-se nas décadas de 1870/1880 um surto de crescimento caracterizado pela abertura de novasvias de transporte para o interior notadamente as estradas de ferrocujos trilhos, partindo de Salvador, alcançaram os rios São Franciscoe Paraguaçu. Existiam e trafegavam em 1895 sete ferrovias, com aextensão total de 1.245 km, extensão esta que se ampliou para 2.669km em 1930 (TAVARES, 2001, p.369).

No final do século XIX, além da Estrada de Ferro Bahia – São Fran-cisco (573 km), que demorou 41 anos para ser concluída (1896), con-tava a Bahia com as seguintes estradas de ferro: E. F. Central daBahia (316 km); E.F. de Santo Amaro (47 km); E.F. de Nazaré (79km na época); E.F. Bahia – Minas (147 km em território baiano);Ramal do Timbó (83 km em direção de Sergipe) e E.F. Centro-Oesteda Bahia, cuja construção foi iniciada em 1896. (FREITAS, 2000,p.26).

Destaque-se que a implantação do sistema ferroviário na Bahiaconstituiu um excelente negócio para a Inglaterra, numa época emque a modernização de suas ferrovias, com a mudança de bitoladas estradas, sucateava compulsoriamente grande parte do mate-rial rodante que, defasado, necessitaria ser descartado. Ocorre tam-bém nesta época o melhoramento do porto da capital e da navega-ção a vapor. Vale ressaltar que os investimentos na construção deinfraestrutura, notadamente nas ferrovias, constituíram o princi-pal fator de agravamento do déficit público provincial.

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Na década final do século XIX, a Bahia somente apresentousuperávit em sua balança comercial nos anos de 1893, 1898 e 1899(ver Tabela 6)32. Nesse mesmo período, a abolição da escravatura ea proclamação da República multiplicaram as suas dificuldades deordem econômica (desorganização das bases produtivas das lavou-ras) e política (posição das elites políticas da Bahia, favorável àmonarquia, reduzindo a influência da província no novo regime).

Mesmo assim, em 1898/1899, graças à recuperação do câmbio,que se prolongou até 1910, e a política expansionista adotada pelogoverno central a euforia tomou conta das elites dirigentes, vistoque a Bahia ainda mantinha uma posição de destaque na economianacional. Porém o déficit que prevaleceu na balança comercialbaiana ao longo do século gerava uma carência de poupança inter-na necessária para a formação de capital fixo e, consequentemente,o deslanche de um processo de acumulação que propiciasse o cres-cimento real das atividades econômicas.

Para concluir este capítulo, vale recuperar o inventário promovidopelo governador Francisco Marques de Góis Calmon (1924/1928), quecontava, na Bahia, no ano de 1892, 123 fábricas em atividade, predomi-nando as grandes unidades de tecidos da capital e do Recôncavo, emnúmero de 12. Dessas, 3 eram de chapéus, 2, de calçados (uma dasquais, da Companhia Progresso Industrial, empregava 800 operáriosem Plataforma), 5 eram alambiques, 12 eram fábricas de charutos e 4,de cigarros, 5 eram fundições de ferro, bronze e outros metais, 9 eramgrandes engenhos centrais de açúcar, 7 fábricas de móveis e serrarias,2 produziam chocolate, 2, cerveja, 10 eram de sabões e sabonetes; 6produziam velas, 50, massas alimentícias, além de outras de camisas,rapé, gelo, óleos vegetais, biscoitos, pregos, luvas finas, fósforos, etc. Ocomércio registrava, na capital, a existência de 64 casas importadorascontra 11 exportadoras (em sua maioria, de capital estrangeiro). Trintacasas de negócios em comissão compunham o comércio atacadista,fornecendo toda sorte de produtos importados a 964 firmas que atua-vam no varejo.

Também um balanço industrial no final do século XIX indica-va que existiam no Brasil 903 estabelecimentos industriais sendo123 na Bahia – uma participação de 14%. Observe-se que, no perío-do de 1875-1890, contava a Bahia com quase a metade das fábricas

32 Segundo Sampaio, (1975), a balança comercial baiana foi deficitária entre 1823 e 1860. JáMattoso (1992) estende este período até 1887. Porém os dados da Tabela 5, que cobrem operíodo de 1839 a 1889 indicam a obtenção de superávitcomercial em apenas 10 anos dos60 considerados.

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Tabela 6 – Balança de mercadorias do Estado da Bahia – 1839-1899(valores em contos de réis)

Fonte: Anuário estatístico da Bahia, 1923. Bahia, Diretoria do Serviço de Estatísticas doEstado, 1924. Propostas e relatórios apresentados à Assembléia Legislativa pelos Ministrose Secretários de Estado dos Negócios da Fazenda, Rio de Janeiro 1852/1889. Fallas dospresidentes da Província da Bahia, 1850/1889. Apud BAHIA – CPE – A inserção da Bahiana evolução nacional 1ª. Etapa: 1850 – 1889. Salvador: CPE, 1978. Dados originais trabalha-dos pelo autor.Nota : (*) Os períodos de 1851 a 1861 e 1869 a 1887 incluem exportações para outras provín-cias brasileiras. Em destaque, os anos de superávit.

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do país (SAMPAIO, 1975, p. 28). No caso específico da indústriatêxtil, em 1866, possuía a Bahia 56% das fábricas existentes no país,mas, em 1885, esta participação é reduzida para 40%.

Em termos demográficos, conforme os dados do Instituto Bra-sileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Bahia encerra, em 1900, oséculo XIX com uma população de 2.177.956 habitantes, correspon-dentes a 12,58% da população do país. Salvador, neste mesmo ano,totalizava 205 813 habitantes equivalentes a 9,72% do Estado.

Segundo Mattoso (1992, p.119), em 1872, a população baianaera composta de 72,4% de negros e mulatos (dos quais 12,2% escra-vos), 24% de brancos e 3,6% de índios e caboclos33. Também Sampaio(1999, p.51) registra que, em 1890, o número de analfabetoscorrespondia a 81,9% da população, percentual este que não semodifica com a virada do século, pois, em 1920, a porcentagem si-tuava-se praticamente inalterada, em torno de 81,6%.

1.3.1 Padrões monetários do Brasil

Para fins didáticos deste livro, deliberou-se incluir uma pe-quena observação sobre os diversos padrões monetários adotadosno Brasil desde os tempos coloniais.

O primeiro padrão monetário do pais, de acordo com o Ban-co Central do Brasil, foi o RÉIS, denominação derivada do REALque era a moeda portuguesa nos séculos XV e XVI, na época do“descobrimento”. O símbolo era (Rs) e ($). Vigorou até 31 de outu-bro de 1942. Mil réis designava a unidade monetária e reis a unida-de divisionária. O sistema era de base milesimal. A quantidade demil réis era seguida do símbolo $. Um milhão de réis tinha a desig-nação legal de um conto de réis. Exemplo: 5.000$000 (cinco contosde réis), correspondendo a cinco milhões de réis.

O segundo padrão foi o CRUZEIRO, equivalente a 1$000 (ummil réis), o símbolo era Cr$. Vigorou entre 1° de novembro de 1942(Dec. Lei 4791/42) e 1° de dezembro de 1964. Com base centesimal,a moeda divisionária era o centavo. Entre 2 de dezembro de 1964 e12 de fevereiro de 1967 os centavos foram extintos ( Cr$ 1,00 = Cr$1 ). Por curiosidade, (não servindo para correção de valores nemdemonstrando o poder de compra da moeda, segundo alerta doBanco Central do Brasil) na época Rs 1.020.100.800:120$230 (um

33 Com base no Censo de 2000, do IBGE, cerca de 80% da população de Salvador é constitu-ída por negros (pretos, pardos e mulatos), a esmagadora maioria dos quais, por conse-qüência, é pobre.

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bilhão, vinte milhões, cem mil e oitocentos contos, cento e vinte mile duzentos e trinta réis) equivaliam a Cr$ 1.020.100.800.120,23 (umtrilhão, vinte bilhões, cem milhões, oitocentos mil e cento e vintecruzeiros e vinte e três centavos.

O terceiro padrão foi o CRUZEIRO NOVO equivalente a Cr$1.000 (eliminação de três zeros - 1 cruzeiro novo igual a mil cruzei-ros). O símbolo era NCr$. Vigorou de 13 de fevereiro de 1967 a 14de maio de 1970. Voltou o centavo como moeda divisionária.

O CRUZEIRO foi restabelecido, como o quarto padrão, em15 de maio de 1970 e vigorou até 15 de agosto de 1984 tendo oscentavos como moeda divisionária. Em 16 de agosto de 1984 o cen-tavo foi eliminado, passando Cr$1,00 = Cr$ 1. Esse padrão vigorouaté 27 de fevereiro de 1986.

O CRUZADO, quinto padrão, vigorou de 28 de fevereiro de1986 até 15 de janeiro de 1989. Seu símbolo era Cz$ representandoo corte de três zeros no padrão anterior Cr$ 1.000 = Cz$ 1,00. Foramrestabelecidos os centavos.

Entre 16 de janeiro de 1989 e 15 de março de 1990 vigorou osexto padrão representado pelo CRUZADO NOVO. O símbolo eraNCz$. Novo corte de três zeros no padrão anterior, Cz$ 1.000 =NCz$ 1,00. Foram mantidos os centavos.

Em 16 de março de 1990, junto com o escandaloso confiscodas poupanças dos brasileiros, surge o sétimo padrão monetário,como restabelecimento do CRUZEIRO e manutenção dos centa-vos. Esse sistema vigorou até 31 de julho de 1993.

O oitavo padrão monetário vigorou no período de 1° de ou-tubro de 1993 até 30 de junho de 1994, representado pelo CRUZEI-RO NOVO. O símbolo permaneceu Cr$ ocorrendo o corte de trêszeros e a manutenção dos centavos.

A partir de 1° de julho de 1994 entrou em vigor o nono e últi-mo padrão monetário brasileiro no século XX. O REAL cujo símbo-lo é R$ consagrou o processo de estabilização monetária do país,obtida com o Plano Real de estabilização econômica no governoItamar Franco. Em termos de equivalência Cr$ 2.750,00 passou acorresponder a R$ 1,00. Ou, como diz o Banco Central, para fins decomparação didática: Cr$ 1,00 = R$ 0,00037.

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TÍTULO IIA BAHIA NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX

O baiano gasta quatrocentos contos para impedir que um outroganhe cem. Octávio Mangabeira (apud LINS, [1986], p.100).

2.1 OS CONDICIONANTES EXTERNOS

Uma visão eurocêntrica caracterizou o século XIX como umperíodo de paz mundial. Isto pela combinação de um conjunto defatores, entre os quais se destacaram o estabelecimento de um sis-tema de equilíbrio de poder que impediu a ocorrência de grandesconflagrações duradouras e devastadoras entre as grandes potên-cias, a vigência internacional do padrão ouro, que tornava viável eorganizada a economia mundial, e o predomínio do liberalismoeconômico e político (POLANYI, 2000, p.17).

Talvez até pela repercussão sobre a economia brasileira à épo-ca, o padrão ouro constituía um fator de prejuízo para o Brasil nassuas operações financeiras com os países europeus. Como dizia em1905 o governador José Marcelino em sua mensagem à AssembléiaLegislativa da Bahia:

[...] em regra geral os empréstimos externos, que são sempre con-traídos em ouro, por paizes de papel-moeda de curso forçado sãoarriscados e sujeitos as eventualidades, que tocam às vezes às raiasdas peiores aventuras commerciaes. Infelizmente o nosso paiz, tãoenriquecido pela natureza quão depauperado pela escassez de suaindústria, entrou desde muito cedo no regime perigoso do cursoforçado do papel-moeda, e até hoje não pode sair deste labyrintocujos enredos atam-lhe o movimento e impedem-lhe os passos paraa riqueza e para a grandeza econômica (1905, p.36)34.

Enquanto, no século XIX, a Inglaterra exerceu o domínio eco-nômico e político do mundo, o século XX assiste o estabelecimentoda hegemonia norte-americana e a ascensão do sistema de livre ini-ciativa. Para Arrighi (1996,p.59):

[...] a capacidade do Reino Unido de ocupar o centro da economiamundial capitalista foi minada pela emergência de uma nova eco-nomia nacional, de riqueza, dimensões e recursos maiores que osseus. Tratava-se dos Estados Unidos, que evoluíram para tornar-se

34 Mantida a redação original, de acordo com as normas técnicas. Procedimento que seráadotado em todo o livro.

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uma espécie de “buraco negro”, dotado de um poder de atração demão-de-obra, capital e espírito de iniciativa da Europa com que oReino Unido, e menos ainda as nações menos ricas e poderosas ti-nham poucas chances de competir. Os desafios alemão e norte-ame-ricano ao poderio mundial britânico fortaleceram-se mutuamente,comprometeram a capacidade da Grã-Bretanha de governar o sis-tema interestatal e acabaram levando a uma nova luta pela supre-macia mundial, com uma violência e morbidez sem precedentes.

Para Hobsbawm (1995), o século XX se caracterizou como aera dos extremos, pois transcorreu, significativamente, entre even-tos dramáticos como a primeira Guerra Mundial (1914) e o final daGuerra Fria, com a débâcle do sistema soviético na década de 1990.

A primeira Guerra Mundial (1914/1918) provocou uma grave criseno comércio exterior brasileiro, com a queda dos preços dos produtostradicionais da pauta de exportações, a qual se prolongou até o ano de1918. Segundo Fausto (2006), a balança comercial do país começa aapresentar déficits, cessam as entradas de capitais externos e ainadimplência da dívida externa impõe ao país, em 1914, novo fundingloan, com a remessa, para os credores, de 10 milhões de libras esterli-nas e a suspensão de novos pagamentos por um prazo de 13 anos,exceto os do próprio funding. Assim, encerra-se o ciclo de expansãoeconômica da economia brasileira no período, iniciando-se uma faserecessiva. Muitas empresas paralisaram as suas atividades, gerandodesemprego e reduções salariais. O número de desempregados na ci-dade de São Paulo atingiu 10 mil pessoas. As emissões de papel moe-da para sustentar a economia cafeeira e cobrir os déficits da receitafederal deflagraram um processo inflacionário, com o índice de preçospassando de 37,9, em 1917, para 109,8 em 1920. Na Bahia, cuja balançacomercial ficou superavitária em todo o período, o cacau e o fumo,principais geradores de recursos para os cofres estaduais, tiveram suaexportação reduzida. Os capitais alemães, que irrigavam o comérciode Salvador, desapareceram, e as atividades mercantis ficaram prati-camente paralisadas no período da guerra. Contudo, foi favorecida aexportação de produtos alimentares. A participação desses produtos,no valor total de exportações, passou de 3,8%, no período de 1901/1913, para 15,2% em 1914/1918, sendo que o volume decuplicou du-rante a guerra (VILLELA, 1973, p.137). Este fato, associado à impossi-bilidade de importações, contribuiu sensivelmente para o encare-cimento dos alimentos no mercado interno, o que conduziu aos pri-meiros movimentos paredistas na cidade do Salvador. O conflito tam-bém prejudicou a obtenção de créditos externos para obras no gover-

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no de J. J. Seabra, levando a sua administração posteriormente a umestado de insolvência.

Ainda sobre a primeira guerra, comenta Gustavo Franco:Muita gente diz que o mundo que desabou em 1914, com a eclosãoda Primeira Guerra Mundial, era ainda mais globalizado que o dehoje. Pode ser. Mas com certeza suas entranhas macroeconômicas, eem especial as relações entre “centro” e “periferia”, para usar umalinguagem própria dos anos sessenta, tinham muito mais clareza. ACity londrina era o centro do mundo e o Banco da Inglaterra, segun-do se dizia, o regente de uma orquestra de bancos centrais, organi-zados hierarquicamente em círculos concêntricos, como o inferno deDante. Em épocas de abundância de capitais, e juros baixos em Lon-dres, a “periferia” era irrigada seqüencialmente, os mais próximosprimeiro, e um a um, a fim de defender-se da enxurrada e de evitaruma apreciação cambial excessiva, adotavam o regime de câmbiofixo, vale dizer, entravam para o padrão ouro. Ocorreu conosco emdiversas ocasiões, às vezes apenas por alguns meses, e em duas oca-siões por alguns anos: 1854-7, 1858-9, 1862-4, 1888-9, 1906-14, 1926-30. Quando os ventos viravam para pior, em geral por conta de algu-ma crise financeira em algum lugar, a reação era em cadeia, pois osistema era interligado. A pressão se fazia sentir em Londres, quechamava para si a liquidez, elevando os juros e sangrando as reser-vas de toda a orquestra, que acompanhava o maestro no movimentode elevação de juros. Assim, a periferia mais remota, nos círculosmais afastados, era atirada para fora do padrão ouro por mais que seesforçasse em resistir. Esses pecadores não encontravam alternativafora do “papel moeda inconversível”, ou seja, no regime de flutuaçãocambial. (FRANCO, 2002).

Como país subdesenvolvido, o Brasil mudou gradativamente, nes-te século, a sua relação de dependência, saindo do domínio econômicobritânico para o norte-americano. Esta transferência ocorre de formagradativa, pois a subordinação aos financiamentos europeus,notadamente aos britânicos, prevalece até a segunda Guerra Mundial.

Com a Bahia não foi diferente. Numa situação de franca des-vantagem, segundo Tavares (2001, p.368), em 1928, após sucessi-vas renegociações da sua dívida externa, estava devendo 8 milhõesde libras ao London and Brazilian Bank e 48 milhões de francos aoCrédit Mobilier Français e a outros estabelecimentos bancários fran-ceses, enquanto a dívida interna atingia 119.118:050$000 em 1929.Assim, endividada e sem capacidade de investimentos pelo déficitcrônico da sua balança comercial35; controlada por velhas oligar-

35 Neste conceito estão inseridas as importações e exportações internas. Como a Bahia nãopossuía um parque industrial capaz de abastecê-la, era dependente de volumosa impor-tações dos demais estados da Federação, notadamente do Sul e Sudeste.

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quias comprometidas com o capital mercantil e agroexportador, con-servadoras e absolutamente impermeáveis às perspectivas do ca-pitalismo industrial; sem o capital humano habilitado para empre-ender ou compor um vigoroso mercado interno que atraísse inves-tidores estrangeiros e, por fim, sem o capital político que ainda de-tinha quando, no início da Primeira República, perde a influênciapolítica que deteve junto ao poder central durante o Império, paraemergente classe dos cafeicultores paulistas.

Na opinião de Furtado (1959), a solução do nosso problema decrescimento econômico passaria necessariamente pelo crescimentodas exportações e geração de superávits em nossa balança comercial.Porém, de acordo com Pelaez (1976), em virtude da baixa elastici-dade-renda da procura, os preços das exportações de produtos pri-mários caíram a longo prazo. Com efeito, a elasticidade-renda dademanda (e também a elasticidade-substituição) constituiu outracausa da deterioração dos preços dos produtos primários, e eraexplicada por Prebisch, em 1951, da seguinte forma: à medida quecrescia a renda, diminuía a demanda relativa por bens primários eaumentava a de bens industriais. Exemplificando: a cada aumentode 1% na renda por habitante nos Estados Unidos, as importaçõesde produtos primários cresciam apenas 0,66%, enquanto, na Amé-rica Latina, a demanda por produtos industriais aumentava 1,58%:

A própria evolução da técnica fazia com que diminuísse a de-manda por produtos primários nos centros industriais, seja pelasubstituição por produtos sintéticos ou pela melhoria na racionali-zação da produção. Além disto, estes centros usavam de proteçãoaduaneira para os seus próprios produtos primários.

Por outro lado, em virtude da existência de mercados monopo-listas e sindicatos poderosos nos países industriais, os preços dosprodutos manufaturados importados pelas regiões atrasadas per-maneceram rígidos, isto é, não declinaram durante as contraçõeseconômicas. Como resultados destas duas características estrutu-rais – preços e receitas de exportação de produtos primários emdeclínio e preços rígidos de produtos manufaturados –, as relaçõesde troca dos países produtores de bens primários agravaram-sedurante todo o período de crescimento acelerado do comércio in-ternacional no século XX. Nas palavras de Prebisch (1963):

A maior capacidade das massas, nos centros cíclicos, para conse-guir aumentos de salários na crescente e defender seu nível na min-guante, e a atitude desses centros, pelo papel que desempenham

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no processo produtivo, para deslocar a pressão cíclica para a peri-feria, obrigando a comprimir suas rendas mais intensamente quenos centros, explicam porque as rendas destes tendem persistente-mente a subir com mais força que nos países da periferia, segundotorna-se patenteado na experiência da América Latina.

Nesse contexto, destacam-se os benefícios resultantes do pro-gresso tecnológico, conquistados pelos países mais desenvolvidos,que consistiram no aumento dos rendimentos dos produtores e nodeclínio dos preços pagos pelos consumidores. Os países industri-ais desfrutaram o melhor de dois mundos, recebendo rendimentoscrescentes como produtores de bens manufaturados, cujos preçosnão declinaram, e consumindo produtos primários, cujos preçoscaíram através do tempo. Assim, os países industriais colheramtodos os benefícios do progresso tecnológico e da divisão internaci-onal do trabalho, consolidando-se definitivamente, no século XX, opadrão mundial de países ricos e pobres.

A confirmação deste padrão e a perspectiva da sua irreversibili-dade são demonstradas por Arrighi (1997) que, citando Harrod,Roy (1958) fala da divisão da riqueza pessoal em dois tipos queestão separados por obstáculos intransponíveis.

O primeiro deles refere-se à riqueza democrática que constitui“um domínio sobre os recursos que, em princípio, está disponível paratodos, em relação direta com a intensidade e eficiência de seus esfor-ços” (ARRIGHI, 1997, p. 216). O segundo tipo é constituído pela rique-za oligárquica que nada tem a ver com a intensidade e a eficiência dequem a possui e nunca está disponível para todos, por mais intensos eeficientes que sejam seus esforços. Isso se demonstra pelo conceito detroca desigual que explica não podermos todos ter domínio sobre pro-dutos e serviços que incorporam o tempo e o esforço de mais de umapessoa de eficiência média. “Se alguém o tem, isso significa que umaoutra pessoa está trabalhando por menos do que ele ou ela deveriacontrolar, se todos os esforços de igual intensidade e eficiência fossemrecompensados igualmente” (ARRIGHI, 1997, p. 216). Assim, o usoou o gozo da riqueza oligárquica pressupõe a eliminação de outros. Oque cada um de nós pode realizar não é possível para todos.

Segundo Arrighi, ao transpor este raciocínio para a análise dossistemas mundiais (e regionais), numa economia capitalista, encon-tramos um problema de “adição” semelhante e muito mais sériodo que aqueles que enfrentam os indivíduos quando buscam obterriqueza pessoal. “As oportunidades de avanço econômico, tal comose apresentam serialmente para um Estado de cada vez, não cons-

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tituem oportunidades equivalentes de avanço econômico para to-dos os Estados” (ARRIGHI, 1997, p. 217). Como afirma Wallerstein(1988), “desenvolvimento neste sentido é uma ilusão” Ou seja: ariqueza dos estados do núcleo orgânico (o chamado primeiro mundoem termos globais, a região Sudeste, no caso brasileiro) é análoga àriqueza oligárquica de Harrod. Esta riqueza não pode ser generali-zada porque se fundamenta em processos de exploração e de ex-clusão que pressupõem a reprodução contínua da pobreza da mai-oria da população num contexto regional.

Por outro lado, como demonstra Santos (1979), ao tratar doscircuitos superior e inferior que constituem os espaços urbanos nasregiões subdesenvolvidas, a pobreza absoluta ou relativa dos esta-dos semiperiféricos (Brasil Sudeste em relação ao primeiro mundo)e periféricos (Brasil Nordeste em relação ao Brasil Sudeste) induzcontinuamente suas elites a participar da divisão internacional dotrabalho por recompensas marginais que deixam o grosso dos be-nefícios para os integrantes dos estados do núcleo orgânico.

A luta contra a exclusão leva à busca de um nicho comparativa-mente seguro na divisão internacional do trabalho, forçando as regi-ões semiperiféricas a uma maior especialização em atividades pelasquais possam obter algum tipo de vantagem competitiva, o que leva auma relação de trocas desigual (deterioração dos termos de intercâm-bio), na qual os estados semiperiféricos fornecem mercadorias que in-corporam mão-de-obra mal remunerada para aqueles do núcleo orgâ-nico, em troca de mercadorias que incorporam mão-de-obra bem re-munerada e a uma exclusão mais completa dos estados periféricos dasatividades nas quais o estado semiperiférico busca maior especialização.

Nos esforços pela reversão deste estado de coisas, que mobili-zou o melhor da inteligência econômica baiana entre as décadas de1940 e 1960, o economista Pinto de Aguiar certamente um homemadiante do seu tempo, já dizia em 1972: “aqueles Estados que con-seguiram, à força de labuta e esforço, uma taxa de crescimento maiorque a nossa, lutarão certamente para conservá-la. E se a nossa su-bordinação econômica for um elemento importante para isto, ten-tarão mantê-la”. Como, de fato, a têm mantido.

2.2 A FALÁCIA DO “ENIGMA BAIANO”

No final da década de 1950, intelectuais baianos, entre eles LuísHenrique Dias Tavares (O problema da involução industrial da Bahia), dis-

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cutiam as causas da contradição entre os avanços obtidos pela Bahiana formação dos seus sistemas de transportes e energético, no cresci-mento demográfico, na melhoria urbana da capital e, em muitos ou-tros aspectos, a redução da importância da sua indústria na primeirametade do século XX. Enfim, perguntavam-se: por que a Bahia não sedesenvolveu como os principais estados da região Sudeste?

Octávio Mangabeira, espantado com o que viu ao assumir ogoverno do estado (1946/1950), cunhou a expressão “enigmabaiano” e, preocupado com a estagnação da economia estadual,encomendou a Ignácio Tosta Filho o primeiro Plano de desenvolvi-mento da Bahia, documento pouco divulgado na atualidade e prati-camente desaparecido.

Também Pinto de Aguiar escreveu uma monografia com o tí-tulo Notas sobre o enigma baiano, em que acaba por decifrar o enig-ma, cujas causas devem ter ficado claras para quem leu o títuloanterior deste livro.

Para Aguiar (1972, apud SPINOLA, 2003 p.103)Se conseguíssemos eliminar todas as causas de contenção que vêmdo nosso passado, (grifo nosso) entre as quais são marcantes asubcapitalização, o retardamento técnico, teríamos de vencer ago-ra, sobretudo como causas principais: 1. O problema de instabili-dade da nossa economia, que, preponderantemente primária e evi-dentemente reflexa, depende, endogenamente, da sazonabilidadedas safra e, exogenamente, das flutuações dos mercados exteriorese dos preços nestes vigentes; 2. O desgaste do nosso intercâmbiocomercial interno, com a política cambial vigente no país, agravan-do a tendência estrutural da deterioração da relação de preços dosprodutos que enviamos para os outros estados e das mercadoriasque deles recebemos; 3. A escassa capacidade de poupança, decor-rente destas causas, e o reduzido estímulo aos investimentos, emvirtude de tais variáveis.

Também Rômulo Almeida cita como razões principais para oconsiderável atraso da economia baiana em relação à do Sudeste:

[...] o ritmo fraco de capitalização devido à decadência política daBahia na república, efeito e novamente, causa as dificuldades detransportes e a carência de energia, que, para vencê-las, não encon-travam recursos na economia colonial baiana, as quais terão sidotambém causa de outra carência, a quase nula imigração(ALMEIDA, 1977, p. 19-54) (grifo nosso).

Aprofundando mais o seu argumento, Rômulo Almeida de-monstra como um outro fator,

[...] a falta de interesse dos ricos comerciantes da terra nos empre-endimentos da produção: não tinham tirocínio industrial e, com

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isso, o espírito de iniciativa e indústria (grifo nosso), tão vivo etenaz na história ainda recente da Bahia, havia de desencorajar-se eevadir-se [...], enquanto a indústria evoluía noutras partes.(ALMEIDA, 1977, p.19-54).

Por seu turno, o ex-ministro e banqueiro Clemente Mariani(1977) em estudo divulgado em fins dos anos 1950, sob o títuloAnálise do problema econômico baiano, sintetiza e amplifica as consi-derações dos autores aqui citados em seu diagnóstico da economiaestadual.

A Análise do problema econômico baiano situa a proeminênciaeconômica da Bahia nos séculos iniciais da colonização e estuda oque chama de “começo e progressão da relativa decadência econô-mica do Estado”. Os primórdios dessa decadência encontram-se naperda de importância do açúcar em nosso comércio exterior, acele-rando-se com o fim da escravatura. Contudo, salienta que, com anova lavoura do cacau, a economia estadual recupera-se, ensejandoa realização de várias obras de infraestrutura. Detém-se tambémno exame da política econômico-financeira oficial do pós-guerra. Oautor concluiu essa parte da exposição afirmando que o desenvol-vimento da lavoura do cacau teria criado novas perspectivas deenriquecimento do Estado, com a consequente possibilidade deaplicação da poupança decorrente em benefício da sua economia,se o monopólio de câmbio, iniciado com a Revolução de 1930 (aquem chamava de madrasta da Bahia) e até hoje mantido sob for-mas diversas, não houvesse representado uma perfeita espolia-ção dos recursos do Estado, em benefício do governo federal36 que,desse modo, obteve as divisas baratas para atender a suas necessi-dades administrativas ou mesmo a sua política econômica, geral-mente traçada com absoluta insensibilidade para com o interessedo Estado e de sua população (MARIANI, 1977, p. 55-121).

Outro aspecto que merece destaque, no rol dos embaraços aodesenvolvimento da Bahia no século XX, encontra-se na formula-ção da política tributária nacional pela Constituição de 1891. Comoassinala Sampaio (2005, p. 21).

A organização tributária da República foi calcada nas disposiçõespreliminares da Constituição de 1891, segundo as quais as princi-pais fontes de receita da União seriam o imposto sobre importa-

36 Só que Mariani não considerou que na monocultura cacaueira os resultados obtidos eramtransferidos para o exterior pelas empresas exportadoras, e gastos no Rio de Janeiro eSão Paulo, quando não em Paris, pelos familiares e descendentes dos velhos coronéis.

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ções, o imposto do selo e, mais tarde, o de consumo. Os Estadosteriam a prerrogativa de decretar impostos sobre a exportação demercadorias de sua própria produção, sobre bens imóveis rurais eurbanos, sobre transmissão de propriedades e sobre indústrias eprofissões. Os municípios, em termos reais, não tinham qualquerfonte de renda. Essa política foi altamente favorável aos Estados doCentro Sul, cuja produção cafeeira dominava a pauta de exporta-ções do País, e inversamente desvantajosa para aqueles que, comoa Bahia, não tinham perspectiva de enfrentar a crise econômica que,em cheio, atingia a economia de mercado. A produção agrária naBahia era diversificada (fumo, café, açúcar, cacau), mas nenhumdesses produtos tinha valor significativo na pauta de exportações.Em decorrência, a renda gerada pelo setor exportador era diminu-ta, incapaz de gerar estoques de capital (grifo nosso). Além do mais,o Estado perdeu o imposto de importação e não teria chance, dada aforte resistência do setor agrário, de implementar uma política detaxação de bens imóveis, como havia ocorrido nos Estados do Cen-tro-Sul. Esta situação explica, em parte, a forte resistência à implan-tação do regime republicano que se manifestou na Bahia.

Além dessas causas, acredita-se que a raiz do problema, quepersiste até os dias atuais, está na pobreza da população baiana,que frustra as possibilidades da existência de um mercado inter-no com elevado poder de compra. Como ficou demonstrado notítulo anterior, a pobreza na Bahia originou-se, inicialmente, nomodo de produção escravagista37, característico do processo de ex-ploração colonial realizado pelo capitalismo agrário-mercantil eu-ropeu que consumiu quatrocentos anos da história brasileira. Apassagem deste regime para o do trabalho livre foi marcada pelaausência de um conjunto de reformas estruturais no sistema socio-político e econômico do país, notadamente aquelas que se faziamnecessárias na área educacional e no meio rural carente de umareforma agrária. As limitações impostas pelo sistema educacional,tanto ao longo do século XIX quanto no século XX, influenciam di-retamente a mobilidade social e, consequentemente, a geração doemprego e da renda que, abortada, limita a criação de um mercadointerno vigoroso que, como foi visto, é justamente o “calcanhar deAquiles” do nosso processo de desenvolvimento.38

37 É muito importante destacar que a ênfase dada ao negro neste trabalho decorre do fatode que na Região Metropolitana de Salvador, que responde por mais de 50% do PIBestadual, 80% da população é constituída por negros e, como tal, pobres e com baixainstrução.

38 Haja vista que, apesar de possuir a primeira faculdade de Medicina do país, a primeirauniversidade baiana (UFBa.) somente foi em criada em 1946, após a ditadura de Vargas.

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Talvez porque medidas deste porte só ocorreriam através deuma revolução sangrenta, totalmente contrária ao estilo do sistemapolítico conciliador das elites brasileiras, registrou-se, na prática,uma total omissão do governo da União que, controlado por oligar-quias reacionárias e conservadoras, abandonou os negros libertos àsua própria sorte, situação esta que se mantém até o presente.39

Em termos contemporâneos, as formas mais recentes do pro-cesso de globalização mundial, que assumiram condições hegemôni-cas a partir da revolução cibernética iniciada nos anos 1980, e dainternacionalização do comando financeiro da economia mudarama trajetória do processo de acumulação nos países latino-america-nos, gerando uma tendência à integração de diferentes tipos de in-vestimentos em alguns setores econômicos estratégicos que passa-ram a concentrar, em seu suporte logístico, os investimentos públi-cos com infraestrutura. Neste contexto, a geração de empregos, ousua remuneração, ficou regulada pela rentabilidade ou pela efici-ência do capital nesses setores, registrando-se, na Bahia, uma subs-tancial redução do mercado de trabalho.

A pobreza, portanto, a par de suas raízes históricas, tende a seacentuar como decorrência das exigências do mercado internacio-nal, da abertura da economia nacional com o consequente impera-tivo da busca de produtividade para assegurar condições mínimasde competitividade, de acordo com um processo condicionado porregras transnacionais que fogem ao controle dos governos locais.Ianni (1988) observa, com propriedade, que o mercado internacio-nal de trabalho também faz circular internacionalmente as técnicasde seleção, controle e repressão das “raças subalternas”. Quantomais se desenvolve o caráter internacional do capitalismo, mais seinternacionalizam e intensificam os movimentos das forças produ-tivas básicas, seja o capital e a tecnologia, seja a mão-de-obra. Con-tudo, estas circunstâncias não implicam a generalização da liber-dade do trabalhador em termos sociais e políticos. Um operárionegro, no Brasil, é sempre ao mesmo tempo negro e operário.

O fato concreto é que as circunstâncias históricas, agravadaspelo fenômeno da globalização, respondem por uma massa consi-derável de mão-de-obra marginalizada, predominantemente deorigem africana, destacando-se parcela majoritária da população

39 Através de uma discriminação racista, sutilmente disfarçada.

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rural (em grande parte não assalariada, ocupada como agregados emesmo como servos das propriedades agrícolas).

Na área urbana, historicamente, a população negra foi absor-vida pelas atividades mais elementares e rudimentares, quando nãopermaneceu na marginalidade ou na informalidade. As dificulda-des de acesso à educação, mantidas de certa forma pela conveniên-cia política das classes dominantes até os tempos atuais, limitaramsubstancialmente a mobilidade social dos negros, condenando-os auma maior participação nos postos de trabalho menos remunera-dos do mercado de trabalho.

A escolaridade média de um jovem negro com 25 anos de ida-de gira em torno de 6,1 anos de estudo; um jovem branco da mes-ma idade tem cerca de 8,4 anos de estudo. Este é um quadro que semantém constante desde a década de 1920. Por seu turno, as dispari-dades regionais em escolaridade da população infantil são aindabem mais expressivas. Enquanto, em São Paulo, a proporção decrianças com 14 anos que nunca chegaram a completar um ano deestudo é de 3% e a proporção com menos de quatro anos de estudoé de 21%, no Nordeste, as proporções são de 13 e 52% respectiva-mente (HENRIQUES, 2001).

A par dessa discriminação educacional, observe-se que o pro-cesso de acumulação capitalista, ao transitar do estágio agrário-mercantil para o industrial, não abriu espaços para a absorção demão-de-obra com melhor nível salarial, criando um contingente cadavez maior de excluídos. Este fenômeno se agrava nos tempos atu-ais de globalização, com o advento da informática, da automação eda importação de mão-de-obra do Sudeste e até do exterior (Espanhae Portugal). Veja-se, por exemplo, o brutal desemprego de mão-de-obra qualificada que ocorreu em Salvador, na década de 1990, coma transferência, para o Sudeste, dos setores de administração, fi-nanças e marketing das empresas do “polo” de Camaçari, que fo-ram reduzidas à simples condição de fábricas.

Assim o crescimento da economia baiana nos séculos XIX e XXsomente ocorreria, pelo menos em termos de um desenvolvimentoautossustentado, se as suas exportações, tanto internas quanto ex-ternas, se expandissem de forma substancial, gerando superávitsque viabilizassem o poder de compra das importações e gerassemrecursos que fossem canalizados para investimentos em setoresdinâmicos da economia estadual e nas infraestruturas física e urba-

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na social possibilitando a formação de uma classe média e operáriacom amplas possibilidades de mobilidade social. Em outras pala-vras: se tivessem existido as condições objetivas para a criação deum amplo mercado interno ou regional.

Mas são conhecidos os efeitos perversos do domínio do capi-tal agrário-mercantil que comandou politicamente o Estado até ametade do século XX e que não se inclinava para as atividadesmanufatureiras, esbaldando-se com o consumo perdulário dos pro-dutos importados da Europa. Tudo isso condicionou e limitou osefeitos das iniciativas que objetivavam a promoção do desenvolvi-mento industrial da Bahia, contribuindo decisivamente para agradativa perda da sua importância no cenário econômico do país.

Ainda examinando as peculiaridades da pobreza da Bahia, umasingularidade a destacar, no plano sociológico, é que todos os es-forços mobilizados pela catequese jesuítica, objetivando ocidentali-zar o negro no curso de uma escravidão cruel, não suprimiu suacultura ancestral, conservada e transmitida de geração a geraçãoatravés da história oral. Mas, até os anos 1990, pelo menos, comosequela, o fez acostumar-se com o pouco, num determinismo fata-lista que o levou a aceitar pacificamente a pobreza como sendo umacondição (um destino, “uma sina”) dada por Deus e, para a conso-lidação deste comportamento, contribuiu de forma significativa opapel exercido pela filosofia e evangelização da Igreja Católica, se-cularmente posta a serviço das classes dominantes.40

O indivíduo, nesta circunstância, existe socialmente como ob-jeto e não como sujeito, daí aceitar com naturalidade que é pobre,não lhe ocorrendo a alternativa e a possibilidade de mudar de ver-bo, assumindo, como uma condição passível de mudança, que estápobre.

Nesta circunstância, não é demais relembrar o que disse CelsoFurtado, em sua obra clássica sobre a formação econômica do Bra-sil, ao analisar a transição do negro de uma economia escravagistapara outra de mercado:

[...] o homem formado dentro deste sistema social está totalmentedesaparelhado para responder aos estímulos econômicos. Quasenão possuindo hábitos de vida familiar, a idéia de acumulação de

40 Este comportamento vem sendo modificado a partir dos anos 1980, graças ao surgimentode movimentos de afirmação da raça negra. No interior do Estado, através de movimen-tos populares como o do MST. Cabe, porém a pergunta, até onde as massas lideradaspelo MST não são semelhantes ao rebanho de Antonio Conselheiro?

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riqueza lhe é praticamente estranha Demais, seu rudimentar de-senvolvimento limita extremamente as suas “necessidades”. Sen-do o trabalho para o escravo uma maldição e o ócio um beminalcançável, a elevação do seu salário acima das suas necessida-des – que estão definidas pelo nível de subsistência de um escravo– determina uma forte preferência pelo ócio... Cabe tão somentelembrar que o reduzido desenvolvimento da população submetidaà escravidão provocará a segregação parcial desta após a sua aboli-ção, retardando sua assimilação e entorpecendo o desenvolvimen-to econômico do país. (FURTADO, 1959, p.167)

A manipulação colonialista do negro, com todas as suasconsequências, em associação com a sua herança racial, contribu-íram para que ele não se inserisse adequadamente no processo deacumulação capitalista européia ocorrido na Bahia, fazendo comque, sincreticamente, assumisse uma lógica econômica própria. Areligião negra é a esfera sociocultural em que é mais evidente acompreensão ingênua ou crítica, das condições alienadas da suavida e o ponto de partida de organização da sua consciência social.Assim, a religião, em conjunto com a magia, o folclore e a música,reteve as características africanas, mais do que a vida econômica.

Tratando-se da elite dirigente e de seus aderentes, tambémquando se investigam as raízes do problema da perda de dinamis-mo e de competitividade da Bahia no século XX, não se pode des-prezar outro efeito da formação humanista por esta recebida nosprimórdios da colonização, fortemente influenciada pelos colégiosjesuítas, que legaram o espírito bacharelesco que as dominou até,pelo menos, a segunda metade do século XX.41 Dos nove governa-dores que administraram a Bahia entre 1900 e 1930, oito eram ad-vogados alguns dos quais juristas ilustres.42

Se em vez dos jesuítas tivéssemos como fundadores da cultura na-cional os oratorianos, muito mais permeáveis à adoção no ensinodas ciências, muito mais abertos ao iluminismo do que a escolástica,então a coisa teria sido diferente. Diferente para a sociedade brasi-leira e para o brasileiro enquanto cidadão. (OLIVEIRA, 2005, p.30).

A contribuição para a formação de uma classe média nada tevea ver com aquela transfusão de know-how e background familiar tra-

41 Vem daí nossa resistência às atividades manuais, consideradas indignas dos “homensbons” e, consequentemente, a nossa dificuldade para o desenvolvimento de manufatu-ras e tecnologia.

42 Não que isto implique preconceito contra a classe jurídica. Porém a vocação desta é mais polí-tica, faltando-lhe maior sensibilidade administrativa ou tecnológica. O único engenheiro quegovernou a Bahia, nos primeiros cinqüenta anos do século XX, foi Octávio Mangabeira, umgovernador competente apesar de ter se notabilizado como tribuno.

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Figura 5 – Oxum... Oxum - Bahia.Fonte: Verger (1982, p. 279).

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zidos pelos imigrantes japoneses, italianos, alemães etc. que vie-ram para as regiões Sul e Sudeste. No nosso caso, valeu o que dizia,em 1821, Rodriguez de Brito (apud ARAÚJO, 2004 p. 37):

Como qualquer grande cidade colonial, Salvador cumpria tambémo seu destino de ser uma das lixeiras dos impérios (Boxer, 1969).Aventureiros, excluídos de toda a natureza vindos do Reino, aquibuscavam fazer o seu “Brasil”, ou seja, mudar de condição social,fazendo valer apenas a brancura da pele e a condição de reinol,portanto superiores ao conjunto dos nascidos na Bahia, mesmo osmais ricos. Estes eram os grandes trunfos de uma população por-tuguesa em uma sociedade escravista baiana que terminariam porconstituir o grande contingente de ociosos urbanos que recusavatodo trabalho de negro, ou seja, todo trabalho manual que os pu-dessem desqualificar como superiores (grifo nosso). Esta era amácula de sangue. Havia, igualmente, uma prática de excluir dosempregos públicos todo aquele que por si, seus pais ou avós, tives-sem exercido artes mecânicas, isto é, que tivessem contribuído peloseu trabalho para a multiplicação de riquezas. Esta era a mácula dotrabalho.

Administrativamente, na Bahia, prevaleciam as relações senho-riais, em que o poder se legitimava pelas alianças das famílias abas-tadas, pelo nepotismo e clientelismo, associado a um paternalismodecorrente das relações escravocratas que asseguravam, pelo do-mínio econômico ou da força, a fidelidade e a submissão de popu-lações ignorantes e mantidas em um nível de pobreza extrema.

Esta é a moldura que expressa o desenvolvimento de uma so-ciedade cujo poder fundamentava-se no prestígio e na capacidadeda elite dirigente em favorecer os aliados e dependentes.

A ordem jurídica institucional vigente privilegiava os deten-tores do poder e desestimulava qualquer iniciativa no sentido dasua alteração. Este poder baseava-se na propriedade da terra queatribuía condições determinantes das atividades econômicas aosseus possuidores, mesmo que decadentes como os barões do açúcar.Outra fonte eram as ligações familiares e a comunhão de interessescom outros poderosos, notadamente aqueles vinculados ao capitalmercantil exportador e principalmente com o governo, que assegu-rava as condições de atendimento aos aliados, dependentes, afilha-dos com as benesses do poder.

O quadro formado era de uma sociedade dominada por umaclasse construída na terra, mediante títulos de nobreza e “paten-tes” da Guarda Nacional, vendidos desde os tempos de D. João VI(prática continuada no Império), em que pontificavam os “homensbons” que, por suas relações, prestígio e o apoio cúmplice da Igre-

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ja, eram capazes de proteger, assistir, assim como exigir e exploraras pessoas das classes subalternas.

Durante o Império, esta oligarquia baiana foi possuidora de umlargo poder baseado no prestígio e presença que mantinham juntoao Imperador. A República iria reduzir substancialmente este podernacional, diminuindo a força dos políticos baianos, substituídos gra-dativamente pelos paulistas, mineiros e gaúchos, entre outros.

Conservadoras, reacionárias ao novo regime e contando commenor poder de barganha e capacidade de atender seus aliados egrupos de apoio, era natural a resistência e mesmo a oposição dasoligarquias locais ao governo central.43

Nessa circunstância, desenvolve-se o coronelismo no interiore registram-se, até a Revolução de Trinta, conflitos que dividem aoligarquia local em grupos políticos antagônicos.

Estas disputas pelo poder, que se travaram ao longo da Pri-meira República, entre “gonçalvistas”, “vianistas”; “severinistas”,“marcelinistas”, “seabristas” e “ruysistas”44 revelaram-se um au-têntico jogo de soma zero em que, na prática, ninguém ganhou e aBahia perdeu muito no cenário nacional.45 Getúlio Vargas, incor-porando o espírito modernizador da Revolução de 30, preteriu atodos os oligarcas baianos durante o seu longo período ditatorial,mas, nem por isto, conseguiu modernizar a Bahia.

A arquitetura do poder no período da República Velha baseou-se numa costura de interesses bem urdida entre o poder central e oestadual, configurando-se no chamado pacto dos governadores.Segundo Matta (2008).

Desde o primeiro governo eleito, ficou claro que as articulações edisputas internas de cada Estado seriam resolvidas no plano regio-nal. O governo federal passava a apoiar o grupo vencedor da dis-puta pelo poder de cada Estado, conseguindo assim a almejada es-tabilidade para o país. As oligarquias vencedoras conseguiam as-sim o prestígio que almejavam para alimentar sua articulação in-terna. Praticamente os Estados tinham suas situações controladaspelo governo republicano, que poderia concentrar-se no projeto de

43 Somente em 1912, com a eleição de J. J. Seabra, a Bahia passa a aderir às políticasmodernizadoras da República.

44 Como eram denominados os partidários dos governadores José Gonçalves, Luis Vianna,Severino Vieira, José Marcelino, José Joaquim Seabra e Ruy Barbosa. Depois de 1930,ainda tivemos os “juracisistas” e, finalmente (?), os “carlistas”, grupos vinculados res-pectivamente aos governadores Juracy Magalhães e Antonio Carlos Magalhães.

45 Quem diz isso é ninguém menos que Octávio Mangabeira, em sua primeira mensagem àAssembléia Legislativa da Bahia no ano de 1947.

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Estado Nacional. Por sua vez, os representantes dos Estados nogoverno federal deveriam ser fieis e estar em acordo com a políticahegemônica, que não poderia deixar de ser aquela desejada pelaagroindústria cafeeira e pela nascente indústria do Estado de SãoPaulo. Com exceção da afirmação hegemônica inequívoca dos pro-jetos paulistas, a organização do poder não ficou muito diferentedaquela existente no império, e talvez por isso, tenha logrado su-cesso e estabilidade. Na Bahia as oligarquias puderam então arti-cular-se da forma antiga. Cada grupo oligárquico se organizavaem torno de um líder de maior prestígio. Segundo o estabelecidopela república velha, cada proprietário conseguia em sua região,uma base eleitoral que representava seu poder de barganha e arti-culação. Estas bases, os “currais eleitorais” eram verdadeiras má-quinas preparadas para legitimar o poder destes senhores. Dentrode sua região de domínio os coronéis manipulavam como queriamos resultados das urnas, que ao nosso ver expressava legitimamen-te o poder constituído. Mesmo que a república tenha desejado criaro jogo democrático baseado na pluralidade de projetos políticos,desejos e interesses, na prática o que prevalecia era o velhoclientelismo e dependência das populações, que recebiam respos-tas claras de punição, inclusive violenta, a cada tentativa de oposi-ção. O oligarca era o poder. Os grupos oligárquicos, por sua vez,uniam-se através do tráfico de influências, da designação de car-gos e do favorecimento na distribuição e aplicação de recursos, queem conjunto serviam para fortalecer seu prestígio ante as popula-ções já dependentes de suas bases, o que o fortalecia ainda mais.Este jogo alimentava a dinâmica de formação das alianças e dosgrupos políticos. Percebe-se também, a ausência de projetos políti-cos antagônicos: grosso modo os antagonismos existiam quanto aquem ocuparia os cargos. Por isso as oposições eram de cunho pes-soal, críticas sobre a habilidade, caráter, capacidade das autorida-des ou políticos. De nada ou muito pouco interessavam os proje-tos de desenvolvimento regional ou de outro tipo, e nem haviadivergência, quanto à realização de algum plano político ou deEstado mais arrojado. Com uma economia basicamente agroexpor-tadora ou de subsistência, politicamente baseada na propriedadedas terras e alianças entre poderosos, e ainda convivendo comum ambiente social organizado segundo uma clientela dedicadae dependente dos grandes proprietários, o Estado da Bahia esta-va distante da modernidade e da organicidade econômica tão pre-gados pelos discursos republicanos (grifo nosso).

É realmente impressionante a intensidade do conflito que en-volveu as lideranças baianas até os anos 1930. Toda uma considerá-vel energia e capacidade política, que poderiam convergir parabeneficiar o Estado mediante projetos que promovessem seu desen-volvimento, foram desperdiçadas em disputas movidas por inte-resses pessoais, ciúmes, vinganças políticas, intrigas, conspiraçõese outras atitudes negativas que, vistas de hoje, desmerecem vultos

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históricos como Ruy Barbosa, Luis Viana, Severino Vieira, José Mar-celino, Araújo Pinho, J. J. Seabra e Antonio Moniz de Aragão. Ogoverno federal, que frequentemente se envolvia nas querelas pro-vinciais, também teve sua parcela de responsabilidade: por exem-plo, o presidente Hermes da Fonseca mandou bombardear Salva-dor e Epitácio Pessoa firmou acordo irresponsável com os “coro-néis jagunços” em 1920, ignorando radicalmente o governo estadual,como se verá nos capítulos seguintes.

A este respeito, em 11 de janeiro de 1912, em editorial na suaprimeira página, intitulado Lagrimas de Sangue, escrevia o Diário deNotícias:

[...] A política, nesta boa terra, bradamos todos os dias, nósos prejudicados, tem sido a causadora de todos os nossosmales, de todas as nossas queixas, de todas as nossas amar-guras, de todas as nossas grandes infelicidades, passadas,presentes, e, talvez, futuras. O egoísmo criminoso de muitos,não querendo respeitar a soberania popular; a ambição natu-ral, embora ilimitada de outros; a falta de patriotismo, porfalta de comprehensão das coisas; a teimosia, a vaidade dosnossos homens públicos, arrastaram a Bahia, digna de serum dos estados que marcham na vanguarda victoriosa daFederação Brazileira, á triste condição que o seu povo choraactualmente, com lagrimas de sangue...

O enigma baiano prova-se assim uma falácia porque nada po-deria existir de enigmático num quadro bastante claro de perda deespaço econômico e político determinado no correr dos séculos XVIIIe XIX e agravado nos primórdios do século XX pela ausência de umapolítica desenvolvimentista que congregasse a classe dirigente baiana.

2.3 A ECONOMIA BAIANA NAS FALAS DOS SEUS GOVER-NADORES

Conforme mostra o Quadro 2, nos primeiros cinquenta anosdo século XX, a Bahia foi administrada por vinte e sete governado-res, entre titulares, interinos e interventores46.

O Quadro 3 relaciona-os de acordo com os períodos marcantesda história brasileira, ou seja, a Primeira República, também cha-

46 Até a metade do século XX Salvador foi administrada por 36 intendentes/prefeitos. Atéo ano 2000 este número ascende a 60.

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Quadro 3 – Convergências de mandatos: presidentes x governadoresFonte: Elaboração do autor, seguindo CARTILHA (1981)Nota: (*) Ver quadro anterior.

Quadro 2 – Governadores e interventores da Bahia - 1889-1950Fonte: Elaboração pelo autor, seguindo a CARTILHA (1981).

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mada de República Velha, o período Vargas, aí compreendendo oEstado Novo e a redemocratização, a partir da Constituição de 1946.

Ironicamente, a política econômica da Primeira República, emseus anos iniciais (1889/1891), foi conduzida pelo baiano Ruy Bar-bosa47 cuja gestão tornou-se objeto de controvérsias pelo episódioque ficou conhecido em nossa história como o “encilhamento”48.

Ruy Barbosa era contrário às políticas econômicas protecionis-tas, classificando-as de “preconceito mercantilista do século 18 arefletir-se no século 19”. A despeito desta posição, teve de render-se à realidade dos fatos. Segundo Luz (1961, p.64, apud AGUIAR,1973, p.179):

O Governo Provisório da Republica, impressionado com o grandedesenvolvimento econômico da Alemanha e dos Estados Unidos,simultâneo com a intensificação do protecionismo nesses paises,adotou uma política também nitidamente protecionista, preocupan-do-se, ao mesmo tempo, em criar novas fontes de receita no interi-or do país, a fim de diminuir a dependência em que se encontravao Tesouro, dos impostos de importação. Com esse espírito decre-tou-se em 1890, a tarifa Ruy Barbosa, que elevou para 60% os direi-tos alfandegários sobre cerca de 300 artigos estrangeiros que com-petiam com os similares nacionais, notadamente os artigos têxteise de alimentação, enquanto reduziu aqueles que incidiam sobre asmatérias-primas empregadas na produção nacional (grifo nosso).

Ao exercer um cargo eminentemente de financistas, dedicou-se, logo no início do seu período de 14 meses no governo, à elabora-ção da primeira Constituição republicana da qual foi o seu princi-pal redator. Nelson Werneck Sodré resumiu as contribuições doministro Ruy Barbosa da seguinte forma:

A tarefa reformadora de Ruy Barbosa abrange grande variedadede iniciativas, afetando a estatística, o montepio do funcionalismo,o Tribunal de Contas, o crédito hipotecário, a reforma tributária, ocrédito à lavoura e indústria, a legislação de sociedades anônimas,o problema das emissões. Todas essas iniciativas, porém, obede-cem a uma razão coerente, ao sentido renovador, à necessidade depossibilitar o desenvolvimento das forças produtivas, até aí entra-vadas por um aparelho de Estado obsoleto e por um sistema eco-nômico e financeiro retrógrado (SODRE, 1967, p.300)

Tendo encontrado um Tesouro falido e uma base monetáriainsuficiente para a demanda de moeda oriunda das transforma-

47 Figura mitológica para os baianos, pela sua vasta cultura e renomado saber jurídico.Nunca pôde realizar o seu sonho de governar a Bahia, porém constituiu um vulto queinfluenciou profundamente a política estadual, contribuindo em muito para entravá-laaté a sua morte, em 1923.

48 Gíria carioca que se referia ao local do hipódromo onde ficam os cavalos.

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ções por que passava a economia nacional, o ministro não desistiados seus propósitos da promoção do desenvolvimento mediante ofomento à industrialização e à expansão dos negócios, sobretudoatravés do incentivo à criação de sociedades anônimas.

Entre 1889 e 1892 ocorre o fenômeno muito conhecido mas poucoestudado que se convencionou chamar encilhamento. Alguns dadosnos permitirão verificar as suas exatas dimensões. Comecemos pê-los que dizem respeito ao meio circulante. A pressão para o seu au-mento provinha principalmente da transformação no sistema de tra-balho. A abolição do trabalho escravo demandava um acréscimo daordem de 50.000 contos, num total de 200.000 da circulação da épo-ca, para remunerar a mão-de-obra. A pressão inflacionária estavadevidamente estimulada, com as características iniciais. Ë que a abo-lição do trabalho escravo, nas zonas em que a passagem ao trabalhoassalariado era possível, — e entre elas estava a do café, — provoca-va, efetivamente, uma redistribuição da renda em favor da mão-de-obra. Ora, os mecanismos que, ao fim do século, surgem na estrutu-ra económica, quando a situação em face aos mercados exteriorescomeça a oferecer perigos, fundavam-se na necessidade, precisamen-te, de, diante de um novo quadro, manter a concentração da renda.Tais mecanismos, agora muito mais complexos, não podiam maisoperar, entretanto, com a impunidade antiga. Não podiam operarassim porque se haviam gerado no interior interesses diversos, quese contrapunham aos dos exportadores de alimentícios e matérias-primas, e, mais do que isso, que tinham a força, agora, de resistir àpressão daqueles mecanismos. Desde que relações capitalistas deprodução são introduzidas progressivamente no país e alargam suaárea de aplicação, o meio circulante recebe novos estímulos: a circu-lação cresce dos 206.000 contos de réis, de 1889, para 561.000 em 1891,isto é, quase triplica. O capital das sociedades por ações ascende de800.000 contos de réis, em 1889, para os 3.000.000 de 1891. É o fenô-meno que se conhece por encilhamento, visto em termos monetários,com o seu singular cortejo de ilusões, — as dos que supunham oBrasil muito menos colonial do que realmente era, — e a sequênciainevitável de desastres. (SODRÉ, 1963, p.301).

O resultado das emissões, porém, foi um desastre. Em vez definanciar a industrialização, gerou um dos maiores surtos inflacio-nários do país e também desenfreada especulação financeira naBolsa de Valores, pois o dinheiro fora desviado de seu propósitoinicial para toda a sorte de negócios, muitos deles fictícios. Fortu-nas surgiram da noite para o dia, enquanto a economia brasileirasofreu violento colapso. A grande euforia industrial-financeira sóterminou com o corte da emissão de moeda, muito desvalorizada,o que gerou uma grave crise econômica e contribuiu para o isola-mento político de Deodoro da Fonseca. Em 20 de janeiro de 1891, oprimeiro ministro da Fazenda do Brasil deixou o cargo. E o presi-dente renunciou em 23 de novembro do mesmo ano, sob iminente

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ameaça de deposição pelos republicanos, representados pelo vice-presidente Marechal Floriano Peixoto, que assumiu “naturalmente”a presidência.

Analisando as consequências da política econômica do primeirogoverno republicano, observa Sodré (1967, p. 300/302):

As composições de forças oriundas de etapas de luta, nas condi-ções que o Brasil apresentava ao aproximar-se o fim do século XIX,dificilmente resistem à prova do poder. Aquela que possibilitou amudança do regime durou apenas o tempo necessário para reali-zar a sua tarefa específica. Como executantes da tarefa, os militaresdetiveram as rédeas, num primeiro e conturbado período. Não ti-nham condições para aprofundar as transformações necessárias,com o poder partilhado. A luta interna surgiu na vigência do pró-prio Governo Provisório, ao comando de Diodoro da Fonseca. Asubstituição de Rui Barbosa na pasta da Fazenda foi um sinal evi-dente do movimento para alijar a representação da classe média. Oaparecimento no palco, sem nenhum constrangimento, de velhostitulares da monarquia indicava que não havia nenhuma incompa-tibilidade profunda entre esses velhos quadros, e o que representa-vam, com a nova ordem política. A classe senhorial recompunhaapressadamente as suas fileiras divididas no episódio da mudançado regime. A presença militar impede, por algum tempo ainda, quea recomposição se efetive. Com a dissolução do Congresso, Diodoroprovoca a ascensão de Floriano Peixoto ao poder. O florianismo é arepresentação típica de classe média, com a coloração militar a vincá-la. É a forma com que tal classe luta, após a mudança do regime,para resistir ao restabelecimento de uma situação condenada. Oschoques serão, por isso mesmo, violentos; as manifestações da opi-nião, apaixonadas. Sob os seus aspectos superficiais, razões pro-fundas movem as correntes e pontilham os episódios. É a crise daRepública. A fase de mudança do regime, e a própria mudança,surgem em consequência de alterações estruturais na economia bra-sileira: são tais alterações que, em pressão final, rompem o equilí-brio e arruinam a monarquia. (Estão presentes na crise a que o novoregime é submetido, desde logo.

[...]

E tudo isso se refletiria, finalmente, nas perturbações da ordem queocorrem entre 1893 e 1895, por vezes de proporções inqüietantes. Odeclínio cambial é também um índice interessante: a taxa cai de 27d, em 1889, para uma variação entre 16 e 10 d, em 1892, e para 6 d,em 1898, já depois da crise política, mas ainda no âmbito da criseeconómica. Quando se verifica que a população bra-sileira precisa-va, para fins elementares, de vestuário, alimento, utensílios, que sóos fornecimentos externos proporcionavam, é fácil estimar os efei-tos daquele declínio na massa de consumidores, cujo poder aquisi-tivo decaía muito depressa. “A grande depreciação cambial do úl-timo decénio do século, — assinala um economista, — provocadaprincipalmente pela expansão creditícia imoderada do primeiro

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governo provisório, criou forte pressão sobre as classes assalaria-das, particularmente nas zonas urbanas (grifo nosso). Essa pres-são não é alheia à intranquilidade social e política que se observanessa época, caracterizada por levantes militares e brotes revolucio-nários, dos quais o país se havia desabituado no correr do meioséculo anterior”. A causa estava na estrutura econômica, em fasede adaptação a um quadro novo, quando se geravam e cresciamresistências ponderáveis à concentração da renda. Os elementos li-gados à exportação, isto é, a classe dominante, representada peiafração ascensional, enfrentaria agora resistências continuadas e ne-cessitaria, para enfrentá-las, gerar mecanismos económicos e polí-ticos capazes de lhe assegurar o domínio. Ás resistências não pro-vinham apenas da classe média, que pagava as importações, masainda de setores da classe dominante, excluídos da exportação evoltados para o mercado interno. A adaptação de uma estruturacolonial a uma estrutura externa de capitalismo em fase imperialis-ta só poderia ser desenvolvida por uma sobrecarga atirada ao con-sumidor, às classes dependentes, àquela que fornecia o trabalho e àclasse média. As populações mais prejudicadas eram, necessaria-mente, as urbanas. Vivendo de ordenados e de salários e consu-mindo uma parcela apreciável das importações, era minada em seupadrão de vida pelas alterações da taxa cambial, justamente ondeope-rava mais fortemente o mecanismo de concentração da rendaque beneficiava os exportadores.

Não foram somente econômicas as consequências do encilha-mento. Como uma espécie de compensação pelas agruras que advi-riam do saneamento financeiro do país, no governo Campos Sales(1898 – 1902), surgiu a “política dos governadores”, que consistianuma barganha na qual o amplo apoio e prestígio concedido pelogoverno federal aos senadores e deputados correligionários dosgovernadores dos estados seriam retribuídos pelo apoio dessesgovernadores à execução da política geral do país49. Reduzia-se,assim, a importância dos partidos e, simultaneamente, consolida-vam-se as oligarquias regionais. Esta é a época do voto de cabresto,viabilizado nos “currais eleitorais”. A consequência direta da polí-tica dos governadores foi a formação de oligarquias estaduais que,tomando posse das administrações, realizariam doravante eleiçõesrepletas de fraudes e sufocariam drasticamente as tentativas de re-beldia contra o sistema estabelecido. A fiscalização das eleições eraexercida pela Comissão de Verificação dos Poderes, formada porcinco deputados, normalmente indicados entre aliados do gover-

49 Também denominado de “pacto dos governadores”, este sistema beneficiava os estadosmais fortes da Federação, como São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul e enfraque-cia substancialmente o Estado da Bahia, que não possuía cacife militar ou econômicopara inserir-se entre aqueles mais poderosos.

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no, o que impedia a vitória de qualquer oposição Estas eram aschamadas “eleições a bico-de-pena”, uma vez que a Comissão frau-dava qualquer resultado favorável à oposição. Esta fraude eleitoralera conhecida como “degola”. É neste contexto que vão operar to-dos os governadores da Bahia até, pelo menos, a Revolução de 1930.

As falas que são reproduzidas a seguir contêm muita retóricae declarações de intenções, quando não queixas e lamúrias pelapermanente crise financeira do Estado, do que fatos concretos emtermos de realizações. São, porém, um registro interessante da cenahistórica e do pensamento da elite política baiana no período. Tam-bém constituem lições de economia política e muita sabedoria dosnossos velhos antepassados que bem ou mal pensaram e se preo-cuparam com a Bahia, até mesmo por um dever do ofício.

2.3.1 Luis Viana50

Segundo governador da Bahia eleito pelo voto popular51 e o pri-meiro do século XX. Governou a Bahia no período de 28/05/1896 a28/05/1900. Em seu período de gestão o político de maior prestí-gio político na Bahia era Ruy Barbosa, de quem, por sinal, era cor-religionário.52

Luiz Viana teve o seu governo marcado pela Guerra de Canu-dos (1896/1897), um trágico massacre de sertanejos com idéiaslibertárias pelas tropas da República brasileira a serviço das classesdominantes. A seca, uma catástrofe natural, também perseguiu aadministração de Luiz Viana, sendo responsável por movimentosmigratórios atraídos para o sul do Estado onde começava a se ex-pandir a cultura do cacau. Segundo o governador:

A zona do sul prospéra sob um regimem de paz, e para ella vaeafluindo a corrente immigratoria de nacionaes, levados pela fertili-

50 Luiz Viana foi advogado, juiz, deputado provincial, desembargador e senador estadual.51 O primeiro governador eleito pelo voto popular foi Joaquim M. Rodrigues Lima, (28/

05/1892 a 27/051896). Observe-se, porém, que o processo eleitoral carecia de legitimida-de em um estado onde a maioria da população era analfabeta. Segundo Nicolau (1999)As eleições deixaram de ter relevância para a população, eram simplesmente uma formade legitimar as elites políticas estaduais. Elas passaram a ser fraudadas de uma maneiramuito mais intensa do que no Império. Dessa época vêm as famosas eleições a bico depena: um dia antes da eleição, o presidente da Mesa preenchia a ata dizendo quantaspessoas a tinham assinado, fraudando a assinatura das pessoas que compareciam. Pre-valecia o famoso “ voto de cabresto” nos “currais eleitorais” controlados pelas oligarquiasestaduais.

52 Salvador foi administrada por José Eduardo Freire de Carvalho Filho que permaneceucomo intendente no período de 1900 (janeiro) a 1903 (dezembro).

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dade do solo e pelas agruras da estação estiosa que esterilisou asplantações, tornando inhabitaveis, por algum tempo, os logaresonde residiam esses immigrantes.

Falando da economia estadual destaca em sua Mensagem de 7de abril de 1900 que:

[...] o movimento agrícola e industrial do Estado, se não seavantajava, como era para desejar, tinha comtudo, incremento ani-mador, quer por parte dos poderes públicos, quer pela iniciativaindividual. De todos os productos agrícolas que formam a riquezado Estado, o que mais tem se desenvolvido nestes dois últimosannos (1898/1899) é a canna de assucar, devido a multiplicidadede usinas existentes e em construcção na zona denominada dorecôncavo, cujas terras são tão apropriadas á cultura destagramminea.

Refere-se em seguida à intervenção efetuada pelo governo es-tadual, objetivando amparar a cultura açucareira mediante aconstrução de usinas que seriam exploradas por concessionários:“Das seis fabricas de assucar cujo contracto foi o Governo autorisadoa fazer nos termos da Lei n. 255 de 4 de agosto de 1898, contratei,por emquanto tres, uma das quaes está funccionando, e fabricandoexcellente producto”[...]

Destaca as realizações em sua região natal, o São Francisco,relatando que:

[...] outrora estava aquella artéria fluvial, de mais de 1.300 kilometrosnavegaveis no tronco e cerca de 800 nos afluentes, com populaçãotalvez de um milhão de habitantes (um número exagerado peloGovernador) reduzida a uma viagem a vapor mensalmente. Hojepartem da cidade de Joazeiro seis vapores mensaes, e os depósitosda Empreza (Viação do Brasil) ficam tão sobrecarregados de mer-cadorias que ella cogita em augmentar o numero de viagens.

Luiz Viana tentou incentivar a vinda de imigrantes estrangei-ros para a Bahia, construindo uma parte do ramal ferroviário doque posteriormente viria a ser a Estrada de Ferro de Nazaré, ligan-do São Miguel das Matas a Amargosa. Mas a imigração não logrouêxito na Bahia. Segundo Tavares (2001, p. 359) “no período consi-derado da maior imigração para o Brasil, 1916 – 1930, só entraramna Bahia 2.172 imigrantes”. Não foi por falta de esforços do go-verno. Nas palavras de Luiz Viana em sua mensagem de 1900:

Tentei, como vos disse, com a máxima cautela o serviço de immigração.Prepararam-se accomodações convenientes, e mandei vir repetidaslevas de immigrantes agricultores, artistas, jardineiros e para o serviçode criadagem. O anno de 1898 passou-se inteiro nesta experiência quecustou centenas de contos de réis ao Estado. Mal localisava-se oimnigrante, feita a importância indispensavel para comprar uma passa-

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gem para o Rio ou Santos, abandonava o Estado e para ali se dirigia,parecendo que ao deixarem a patria tinham a ideia preconcebida de setransportarem áquelles logares. De uma leva de 400 que aqui aportarame foram recebidos na Hospedaria de Immigrantes, teve o governo co-nhecimento de que mais de duzentos fizeram seguir logos sua baga-gens para o Rio e Santos, desembarcando tão somente afim de fazeremjus á passagem que haviam tido para o nosso porto. Este facto e outrosfizeram-me suspender a immigração subvencionada, parecendo-mepreferível offerecer-lhes lotes de terra em logares apropriados, sob acondição de ahi se fixarem, não podendo alienal-os sinão depois daprimeira succesão. A corrente immigratória está estabelecida para osEstados do sul, onde a amenidade do clima é attrahente. Emquanto,pois, o immigrante encontrar facilidade de viver bem ali, devemosperder a esperança de encarreirar a immigração estrangeira para o nos-so Estado, onde ainda não tem ligação de espécie alguma. (1900, p.15)

O governador refere-se às dificuldades das comunicações no Es-tado, dependentes, à época, da construção de ferrovias cuja expansãoera dificultada pela falta de recursos e outros entraves institucionaisenvolvendo o governo central. Reclama “da necessidade de uma Leique tenda a incrementar a indústria de mineração”. Argumenta queos capitais que poderiam ser atraídos na exploração desses minerais(notadamente os externos) “afugentam-se com a ausencia de garanti-as effectivas”. É, também, enfática a sua preocupação com o povoa-mento do estado. Argumentava que “incrementar a industriamineralógica tão abundante no Estado, é, não só desenvolver maisuma fonte de riqueza pública, como attrahir bons elementos deimmigração expontanea”. A despeito de ser um equívoco que a expe-riência internacional comprova, o governador, à época, justificava seuargumento explicando que “os factos demonstram que nos logares desedes de companhias mineralógicas depois de annos, mesmo dissolvi-das estas pela extincção das jazidas, ficam os núcleos coloniaes quecomeçam então a desenvolver-se, dedicando-se a outros misteres.”

No plano financeiro, o governador inaugura a ladainha de quei-xas que será a constante nos governos que o sucederão. Quedas nasarrecadações dos impostos e, consequentemente, na receita ordiná-ria que no último ano integral da sua administração, 1899, foi de10.964:767$139 contra 14.844:704$692 no ano anterior, representan-do uma redução nominal de 26%.

A dívida consolidada externa totalizava 17.205.000 de francosfranceses, correspondendo, em moeda nacional, ao câmbio de 27por mil réis, a 6.973:365$000, ou seja, 64% do montante da arreca-dação estadual.

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2.3.2 Severino Vieira53

Governou a Bahia entre 1900 e 1904. Exerceu seu mandato emum período de saneamento financeiro do país promovido a nívelfederal pelo presidente Campos Sales o que, evidentemente, res-tringia de forma drástica a capacidade de investimentos do Estado,mesmo com financiamentos externos.54

Campos Sales assinou um acordo na modalidade funding loancom os credores externos do Brasil. Para que a rolagem da dívidafosse efetivada, exigiram os credores que as finanças públicas fossemreorganizadas. Na execução de seu programa financeiro contouCampos Sales com o ministro Joaquim Murtinho. Foram feitos cor-tes nos gastos públicos, inclusive suspendendo algumas obras, au-mentaram-se alguns impostos, desvalorizou-se o câmbio, restrin-giu-se o crédito e houve “enxugamento monetário”, chegando odinheiro a ser queimado. Tais medidas provocaram queixas amar-gas e acusações de que se estava retardando o progresso do país.Realmente, tal fato pôde ser constatado posteriormente, com o agra-vante de que capitais estrangeiros haviam passado a controlar gran-de parte da economia nacional. Houve desemprego e recessão.

O governador baiano, como bom representante das classesconservadoras e do capital agrário exportador e mercantil baiano,assumia também uma posição contrária à política industrialistaadotada por Ruy Barbosa, de quem foi adversário político.

Em sua mensagem à Assembleia Legislativa, datada de 11 deabril de 1901, investia o contra a emissão de papel-moeda, conside-rando-a uma desgraça para o país.

Conclue-se, portanto, que os embaraços, que mais poderosamentetêm obstado todo o esforço da administração em alcançar a norma-lidade das finanças do Estado, têm por causas originaes a depreci-ação dos nossos productos nos mercados consumidores e sua des-valorização em conseqüência da elevação da taxa cambial ...Nomomento actual, os paizes do velho mundo, a América do Norte eaté algumas Repúblicas sul-americanas, como a Argentina e o Chi-le, dispondo de uma apparelhagem industrial moderna e versa-dos na prática dos methodos scientificos de trabalho (grifo nos-so), proporcionam as suas classes productoras meios de concurren-

53 Severino Vieira (8/6/1849 - 23/9/1917) era formado em Direito. Foi jornalista, promotorpúblico juiz municipal ,deputado provincial, ministro da Indústria,Viação e Obras Pú-blicas e senador da República.

54 Foram intendentes da cidade do Salvador no governo de Severino Vieira, José EduardoFreire de Carvalho Filho até dezembro de 1903 e Antonio Vitório de Araújo Bulcão noperíodo de 1904 (janeiro) a 1905 (dezembro).

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cia que supplantam nos mercados consumidores a producção depovos, como nós, ainda em estado rudimentar, desprovidosd’aquelles recursos e de homens habilitados por convenienteinstrucção profissional. (BAHIA, VIEIRA, 1901, p.32).

No início da sua administração, em 1900, Severino Vieira criti-cava a industrialização, considerando-a impraticável, e alinhando-se com os conservadores que defendiam a concentração dos esfor-ços públicos no fomento à agricultura, notadamente aquela volta-da para a exportação. Porém, em 1903, no final do governo prova-velmente sensível à reação da opinião pública contrária aos eleva-dos preços dos bens de consumo imediato, passa a defender a in-dustrialização.

Demonstrando clarividência, defende o governador uma polí-tica de instrução e a formação de escolas profissionais objetivandodotar o Estado de condições competitivas.

Buscando justificar o baixo volume de obras públicas na suaadministração, Severino Vieira, em sua mensagem, demonstra queem todos os anos de uma série compreendida entre 1896 e 1902 apre-sentou o Estado uma posição deficitária na execução do seu orça-mento e informa que, sendo a importância arrecadada em todo oexercício apenas de 10.417:124$664, apura-se no exercício de 1903 umdéficit de 1.533:728$046, observando que “para este resultado, que édesanimador, contribuem poderosamente os déficits de exercíciosanteriores que, não tendo podido ser liquidados por falta de recur-sos, vão pesando desmedidamente sobre os exercícios seguintes.”

Esta situação financeira, como se verá nas páginas seguintes,permanecerá nas administrações posteriores. A capacidade de in-vestimentos do Estado é condicionada pela sua capacidade de ex-portar e produzir superávits na sua balança comercial (interna eexterna) Isso não ocorrendo resta o recurso aos financiamentos ex-ternos que passam a cobrir os déficits, a amortização de juros sobrejuros de débitos acumulados ao longo do tempo, pouco restandopara a formação bruta de capital fixo imprescindível ao crescimen-to da economia estadual.

Registre-se que neste governo foi criado, pela Lei n° 474 de 5de setembro de 1902, o Banco de Crédito da Lavoura da Bahia, pri-meiro instituto de crédito estadual, dedicado ao fomento das ativi-dades agrícolas.

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Tabela 7 - Balança comercial da Bahia (comércio exterior) - 1901-1930

Fonte: ANUÁRIO estatístico da Bahia, 1923 – 1935. Bahia, Diretora do Serviço de Estatísti-cas do Estado apud Bahia - Fundação de Pesquisas – CPE, 105 anos de economia baiana:estatísticas básicas - 1872 – 1976. Salvador: mimeo. 1979.Nota: t = toneladas(*) Valores em 1.000 libras esterlinas

2.3.3 José Marcelino de Souza55

Foi o nono governador da Bahia na República Velha e o quartoeleito pelo voto direto. Administrou a Bahia no período de25/5/1904 a 28/5/1908.56 Sua gestão foi marcada pelo conflito como Poder Judiciário, após a desobediência de seu chefe de Polícia,

55 José Marcelino de Souza (1848 – 1917) era bacharel em Direito, exerceu as funções depromotor público e juiz de direito tendo sido senador estadual e da República.

56 Em sua gestão Salvador foi administrada por cinco intendentes: Antonio Victório deAraújo Falcão (jan.1904 – dez. 1905); Alfredo Ferreira de Barros (Interino, 17 a 25.12.1905);Leopoldino Antonio de Freitas Tantú (Interino, dezembro de 1905 a março de 1906) An-tonio Victório de Araújo Falcão (abril de 1906 a dezembro de 1907) e Antonio Carneiroda Rocha (janeiro de 1908 a fevereiro de 1912).

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Aurelino Leal, em cumprir um habeas corpus concedido pelo Tribu-nal de Justiça. Deu grande importância aos meios de transporte,tendo ampliado em 78 km as vias férreas e estadualizado a Estradade Ferro de Nazaré. Comprou a companhia Navegação Baiana,ameaçada de cessar suas atividades. Desenvolveu a navegação flu-vial. Recebeu o Estado praticamente falido, tendo que contrair umempréstimo da ordem de um milhão de libras esterlinas junto aoLondon and Brazilian Bank, conseguindo, com isso, rolar a dívidaflutuante, quitar a folha dos funcionários, então com oito meses deatraso e ainda realizar alguns investimentos nas ferrovias do Esta-do. Não foi fácil para o governador57 conseguir o empréstimo pre-tendido. Os banqueiros europeus estavam preocupados e arredioscom o Brasil, de modo geral, dada a inadimplência tanto da Uniãocomo dos Estados. A primeira tentativa junto aos banqueiros fran-ceses (Banque de Paris et Pays Bas) fracassou, somente conseguin-do-se sucesso junto aos banqueiros ingleses, porém a uma taxabastante elevada. Basta observar que, para um milhão de libras es-terlinas, o valor líquido recebido foi de oitocentas mil libras (typ de80 ½ líquido, juros de 5% a.a. e amortização de ½ %).

O empréstimo obtido foi calculado para pagamento em 5058

parcelas anuais do principal, acrescidas de juros e comissões, sen-do programado o pagamento da última parcela para o ano de 1954.Pela estimativa na época, isto correspondia a uma anuidade de55.560,000 de libras esterlinas, sendo o montante da dívida igual a2.730.443,672 de libras esterlinas.

Para o governador:A crise econômica, que nos aflige desde algum tempo, ainda per-dura, se bem que um pouco atenuada. Devido mais à nossa inferio-ridade industrial do que a causas naturaes e aos phenomenos docommercio, aggravou-se sobremodo com seccas freqüentes e pro-longadas, que, felizmente cessando no meiado de 1904, deram lu-gar a que melhorasse por este lado a nossa situação. A sua causaprincipal, porém, subsiste: e só com muito esforço de propaganda,de ensino e de demonstrações praticas, a fatal rotina poderá cederpasso ao trabalho intelligente e aperfeiçoado, quer no campo, quernas fabricas, no tratamento e beneficiamento dos nossos productosagrícolas.(BAHIA,JOSÉ MARCELINO, 1905, p.30).

57 José Marcelino contou com o apoio de Severino Vieira (seu antecessor no cargo) que, semcustos para o Estado, representou a Bahia em Londres nas operações de fechamento dofinanciamento.

58 A rigor, segundo José Marcelino, o prazo de pagamento foi de 49 anos, 51 dias e 7 décimos (sic).

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Da mesma forma que o seu antecessor, José Marcelino ressaltaa necessidade de elevação da produtividade e da qualidade dosprodutos baianos como forma de aumentar sua competitividade.Em sua mensagem, ele registra que os produtos principais da Bahia(fumo, cacau e café) sempre tiveram cotações inferiores frente àsdos seus concorrentes no mercado internacional. Em sua opinião:

[...] para sahirmos dos grandes embaraços econômicos [...] é indis-pensável um conjunto de providências: o ensino profissional queprepare bons operários, feitores e administradores [...]; viação fér-rea e de rodagem, fluvial e marítima... e finalmente o crédito sob aforma cooperativa e syndicatária, para auxiliar o capital emprega-do (BAHIA, JOSÉ MARCELINO, 1905 p.31).

Comentando o superávit da balança comercial, que foi cons-tante em seu período (ver Tabela 6), com uma visão de economista,afirma o governador:

[...] se d’aquelle bonito saldo a nosso favor, porém, deduzirmos asgrandes quantias remettidas, annualmente, para a Europa, a títulode renda e de amortização dos capitaes estrangeiros aqui collocados,e para os touristes59, quantias estas que é impossível calcular,exactamente, mas que não será temerário estimarem-se em cercade 5 a 6 mil contos, fica do dito saldo reduzido a muito pouco (grifonosso). Para um Estado rico e novo como o nosso, é pouco lisonjeiraesta situação econômica” (BAHIA, JOSÉ MARCELINO, 1905, p.31).

Na administração de José Marcelino, possuía o Estado 1 327,838km de ferrovias em pleno funcionamento. Atualmente, o sistemaferroviário do Estado praticamente desapareceu.

As nove estradas em operação produziram, em 1904, uma re-ceita de 4.364:240$988 e uma despesa de 3.791:648$160, resultando,portanto, em um lucro da ordem de 715:916$307. A Tram-Road deNazaré (Nazaré/Santo Antonio de Jesus) foi a ferrovia mais lucra-tiva, apresentando um superávit de 322:397$471, ou seja, 47,13%do lucro total do sistema. Na construção deste resultado positivo,destacam-se ainda a Estrada de Ferro Central da Bahia, com supe-rávit de 209:265$704 (29,23%), a Estrada de Ferro Bahia ao São Fran-cisco, com superávit de 107:306$192 (14,99%) a Estrada de FerroBahia e Minas, com superávit de 37:216$280 (5,20%), a Estrada deFerro do São Francisco, com superávit de 26:924$501 (3,80%), oRamal de São Miguel das Matas a Areia (atual Ubaíra), com supe-rávit de 12:806$216(1,79%). As estradas de ferro de Santo Amaro,Centro-Oeste e o Ramal do Timbó foram deficitárias.

59 O governador, àquela época, utiliza este conceito e suas repercussões no balanço de pa-gamentos, utilizando ironicamente o termo em francês relativo aos turistas. Ou seja, es-trangeiros sem compromissos permanentes para com o país.

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O sistema ferroviário até então construído obedecia a uma ló-gica de escoamento da produção do interior do Estado para a Capi-tal, sistema este que a partir da década de 1930 foi gradativamentesubstituído pela estradas de rodagem.

Ainda com relação ao sistema ferroviário, observa José Marcelino,em sua Mensagem, sua pequena contribuição para a economia estadual:

A viação férrea do Estado pela sua extensão em trafego que já é de1.327 kilometros, podia prestar reais e valiosos serviços ao nossoprogresso, se suas tarifas fossem tão rasoaveis, que animassem odesenvolvimento da cultura dos productos econômicos, doscereaes e legumes, da industria pastoril e de extracção nas vastasregiões do Estado... Com tarifas altas e até prohibitivas, porém,poucos serviços têm relativamente prestado (grifo nosso).

O governador informa que 73% das ferrovias do Estado per-tencem ao governo federal, que insiste nas tarifas elevadas comoforma de recuperar o capital investido. Discordando dessa posi-ção, propõe a unificação das estradas e a redução das tarifas comouma forma de, obtendo escala, aumentar o volume dos negócioscom rentabilidade econômica e benefícios sociais.

Quanto à viação fluvial e costeira, critica o governador a concor-rência predatória das duas empresas que exploram o transporte marí-timo entre Salvador e Ilhéus/Canavieiras e informa as providênciasque adotou para incrementar o transporte no rio São Francisco.

O governador relata também as providências adotadas para aimplantação da viticultura em Juazeiro, com o início da irrigaçãona área experimental onde foram plantadas dez mil cepas.

Tabela 8 - Estradas de ferro da Bahia em tráfego (extensão, bitolae custo) - janeiro de 1905

Fonte: Mensagem encaminhada a Assembleia Legislativa da Bahia, em 1905, pelo governa-dor José Marcelino de SouzaNota: (F) Estrada de Ferro Federal. (E) Estrada de Ferro Estadual

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Registra, ainda no ano de 1906, a criação do Instituto Agrícolaque passou a funcionar sob a direção de um técnico (Dr. L. Zehnt-ner), contratado em Java pelo Dr. Miguel Calmon.

Na área da energia, informa a realização de três concessões para“aproveitamento das forças hydraulicas”. A primeira, nas cachoei-ras do rio Jaguaripe, no município de Nazaré, cuja energiaaproveitável é, aproximadamente, de 2 mil CV; a segunda, nas ca-choeiras do Macela e da Gameleira, no rio Paraguaçu, situadas nosmunicípios de Cachoeira e São Félix, com previsão de aproveitamentode aproximadamente 8 mil CV. Essas duas primeiras concessões fo-ram dadas à empresa Guinle & Cia. A terceira concessão, ao enge-nheiro Horácio E. Williams, foi para aproveitamento das cachoeirasdo rio Jiquiriçá, nos municípios de Valença e Jaguaripe, com energiaaproveitável de 2 mil CV. Ou seja, um total de 12 mil CV.

Nessa gestão, também foi criado o Banco de Crédito da La-voura com um capital de cinco mil contos, cabendo ao Estado asubscrição de 80% do capital.

A situação financeira do Estado foi precária ao longo de todo omandato de José Marcelino, apresentando déficits sempre cobertospor empréstimos e pela rolagem da dívida. A Tabela 9 seguintedemonstra esta situação.

Ao fechar o balanço da sua administração, José Marcelino pas-sava para o seu sucessor um saldo devedor de 4.154:310$497, nãoconsiderando, neste total, os vencimentos futuros das dividas in-terna e externa que vinham sendo rolados governo a governo.

Tabela 9 - Execução orçamentária do governo da Bahia - 1904-1907

Fonte: Mensagem do Governador José Marcelino a Assembléia Legislativa da Bahia, 1906/1908. Arquivo Público do Estado da Bahia.

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2.3.4 João Ferreira de Araújo Pinho60

Governou a Bahia no período de 28/5/1908 a 22/12/1911,quando renunciou ao mandato numa manobra política objetivandoa derrota dos seus adversários.61

Em sua primeira mensagem à Assembleia Legislativa, comode praxe, Araújo Pinho faz uma análise da situação econômica doestado, na qual se destacam os seguintes aspectos: inicialmenteobserva que “extincto o elemento servil, sem providencias parallelasdesorganizou-se, em geral, o trabalho, tornando-se instável e defici-ente”, comenta que a escravidão “como uma fatalidade útil engen-drou o preconceito, que ficou tradicional,” de serem os trabalhosmanuais indignos para os cidadãos, criando a grave distorção que noslevava à “mania dos empregos públicos convertidos em fallaz mira-gem, perseguida por concorrência apressurada”. Isto “nos qualifi-cou paiz de doutores quando ainda é lamentavelmente considerávela cifra de analphabetos. Verdade é que necessitamos ser um paiz dehomens doutos em suas profissões”, para em seguida defender “ainstrucção profissional e technica do povo” como o instrumento paraa prosperidade e o progresso (grifos nossos). Afirma que “a agricultu-ra, a indústria e o commércio, já não podem ser tarefas de empíricos[...] à educação econômica, ao ensino profissional está reservada a mis-são de operarem uma revolução bemfaseja nas várias manifestaçõesdo trabalho nacional.” Defende a colonização, desde que com o apoioda União, afirmando que “as nossas condições não nos permittem apreocupação de raça e procedência [...] os imigrantes jornaleiros, ver-sados em artes e officios, que nos procurem, não sendo vehículos deidéias subversivas (grifo nosso) são preciosos factores economicos:produzem, consomem, valorizam”.

Já naquela época, defendia Araújo Pinho conceitos em desta-que nos dias atuais, ao afirmar que

[...] estabelecida uma corrente razoável do que se chama capitalhumano, disciplinado profissionalmente o trabalho, fecundado pelocapital, a agricultura desenvolverá nossas riquezas naturaes incom-

60 Advogado, promotor de justiça, deputado provincial, presidente da província de Sergipe,senador estadual na Bahia. Em sua gestão Salvador foi administrada pelo IntendenteAntonio Carneiro da Rocha.

61 Segundo Consuelo Novais Sampaio (1998, p.109) Araújo Pinho “cansara-se de ser umgovernador governado”. A sua renúncia, faltando 12 dias para a realização das eleições,em que era muito forte a candidatura de J. J. Seabra, foi articulada por José Marcelinoobjetivando adiar a data das eleições e transferir o governo para a cidade de Jequié, ondeseria mais fácil derrotar Seabra.

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paráveis, reflectindo sua prosperidade na evolução ascendente daindústria e do commércio... principalmente se tiver ao seu alcancemeios fáceis de comunicação e transporte que lhe colloquem à por-ta dos mercados de consumo.

Araújo Pinho cunhou para o seu governo o lema “mais ad-ministração, mais administração, menos política no sentido estrei-to desta palavra” e, coerentemente, cedeu o comando político doEstado ao seu antecessor e patrono José Marcelino, atitude que re-duziu substancialmente a sua importância como governador62. De-fendeu de forma moderada a intervenção do governo na economia,a qual deve ser discreta e sem exageros, considerando “razoável aprotecção a indústrias [...,] mas não ultrapassando o período da in-fância e até que mais fácil e rapidamente alcancem o vigor impres-cindível à luta da concorrência”.

Ao assumir estarmos, à época, “muito longe da phase indus-trial” e sermos, “por muito tempo ainda um paiz agrícola”, defen-de a prioridade para o desenvolvimento da agricultura.

Nesta linha de raciocínio pondera que:[...] alem da alta do preço do todas as utilidades em consequência dadepreciação da nossa moeda em cerca de 45 % perseguem-nos a baixado preço dos principais gêneros de nossa exportação, – a crisecommercial, aggravada pela falta de Estabelecimentos de Credito,devorados pela ruína, e pelo abalo em outros produzido. - É mani-festa a desconfiança dos capitaes. A moeda emigrou ou retraiu-se dacirculação, motivando o mal estar oppressivo, que perturba aproducção, diificulta as permutas, immobilisa os valores, esmoreceo movimento das transacções e gera a apatia (grifo nosso). Sem institu-tos que satisfaçam as necessidades urgentes da praça, a ausência denumerário e a retracção do credito forçam o productor a queimar os seusproductos para haver recursos que lhe minguam; e a oferta, por issoavultando, aceentúa baixa dos preços.Para mais experimentar-nos apaciência e a resignação, surgiu a sèca, que, vae talando as pastagens eplantações, quasi extinguindo os productos da lavoura e da industriapastoril em muitos pontos do Estado, onde já se manifesta o êxodo doshabitantes flagellados. Todos estes males e provações exercem damnosaintluencia na situação economica e financeira do Estado, opprimindo-ode modo excepcional.(BAHIA, ARAÚJO PINHO, 1909, p.9)

O governador esperava melhorar a situação financeira do Es-tado mediante a transferência das ferrovias estaduais, ou parte de-las, para o governo federal. Pelo menos assim afirmava em suaMensagem de 1909:

62 Acabou fazendo tanta política quanto os demais, apenas com menor competência. Perdeu ocontrole do governo foi levado a renunciar numa manobra política do seu grupo para impe-dir a posse de Seabra gerando o incidente que culminou com o bombardeamento de Salvador.

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A Bahia tem elementos que, discretamente utilizados, asseguram arestauração das suas forças. A encampação de suas estradas,correspondendo ao plano geral da viação férrea, criteriosamenteorganizado pelo Governo Federal com o fim patriótico de promo-ver a ligação de todos os Estados à Capital da Republica, nos pro-porcionará recursos sem prejuízo dos melhoramentos que as estra-das representam e dos benefícios que são destinadas a prestar.

Com efeito, a construção da malha ferroviária estadual custousubstanciais recursos ao Estado e respondeu em parte pelo seuendividamento externo. Na opinião de Araújo Pinho:

[...] a somma elevada de capitaes que exigem estes empreendimen-tos, principalmente tratando-se de linhas ferreas, não nos permitedar-lhes o desenvolvimento desejado, contando unicamente comos recursos ordinarios do Thesouro... sem falar na elevada cifra de21.393:380$480 que o Estado tem empenhado até 31 de dezembroúltimo nas suas linhas ferreas, ja monta à importância de432:551$220 o compromisso annual do Thesouro com garantias dejuros e os juros das apolicies emittidas para compra e construçãodas mesmas linhas. (BAHIA, ARAÚJO PINHO, 1909, p.50)

Examinando-se o Balanço geral do Estado da Bahia, de 31 de dezem-bro de 1908, constata-se que as cinco ferrovias estaduais, àquela época,respondiam por um investimento da ordem de 21.393:380$480 (comoafirmava o governador em sua Mensagem de 1909 (p.69)), valor esteque representava 53% do ativo do Estado. Adicionando-se a este valoros investimentos com a navegação interna e costeira (2.089:225$984) ea do São Francisco (2.826:417$348), o total das inversões atinge 65 % doativo estadual.

As ferrovias estaduais, à exeção da Centro-Oeste, apresenta-ram resultados positivos no ano de 1908, sendo a Estrada de Ferrode Nazaré (a mais extensa na época, com 185,323 km de tráfego, e ade maior volume de investimento - 11.953:096$364) a mais lucrati-va, apresentando um lucro correspondente a 32% da sua receita.

2.3.5 José Joaquim Seabra63

Na visão dos historiadores, certamente o vulto histórico maiscontrovertido e polêmico entre os governadores baianos da primeirametade do século XX, J.J.Seabra foi eleito duas vezes para o gover-

63 Advogado, deputado estadual, deputado federal, ministro da Justiça (governo RodriguesAlves),ministro da Viação (governo Hermes da Fonseca), posteriormente duas vezes se-nador federal.

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no da Bahia64. O primeiro mandato, exerceu-o no período de 1912 a1916 e o segundo, de 1920 a 1924. Porém o seu poder político seestendeu, na prática, por 12 anos, entre 1912 e 1924, visto que ele-geu o seu sucessor Antonio Ferrão Moniz de Aragão (1916-1920),que foi seu liderado.65

Como uma personalidade que contrariou muitos interesses earregimentou ferozes e poderosos inimigos na elite oligárquicabaiana, tendo contra sí os “vianistas”, “severinistas” e “marcelinis-tas”, é objeto de juízos divergentes66. Para uns, foi um modernizador,que efetivamente implantou o ideal republicano na Bahia, derro-tando a velha oligarquia local, reduzindo a influência do “coronelis-mo”, integrando o interior (notadamente o “sertão) ao governo es-tadual, além de realizar uma administração profícua, responsávelpor importantes medidas político-institucionais e obras, entre asquais se destacou a reforma urbana da cidade do Salvador. Paraoutros, foi apenas um novo oligarca.

Segundo Consuelo Sampaio:Havendo capturado (grifo nosso) o poder através da política dassalvações nacionais, que, como já foi referido, pretendia o aniquila-mento das oligarquias regionais, Seabra – garantindo-se o apoiodos coronéis e estendendo a ação do seu partido a todo o estado –estabeleceu na Bahia um domínio oligárquico como até então nãose conhecera (SAMPAIO, 1998, p.111).

Há o que se discutir sobre o sentido da palavra oligarca, pois ofato é que Seabra morreu pobre no Rio de Janeiro, dando aulas,sem ter deixado um grupo de políticos ou de interesses econômi-cos associados como frequentemente aconteceu e acontece com osoligarcas antigos e modernos.67

Os inimigos de Seabra atribuiram-lhe a maquinação (em cum-plicidade com o presidente Hermes da Fonseca) para o bombar-deio da cidade do Salvador, ocorrido em 10 de janeiro de 1912, comouma forma de impor o poder federal em um Estado que até então

64 Na sua primeira gestão Salvador foi administrada por quatro intendentes, a saber: EngºJúlio Viveiros Brandão (1912-1914); Monsenhor João Gonçalves da Cruz (Interino, 1913);Cel. João de Azevedo Fernandes (Interino, 1914 – 1915) e Antonio Pacheco Mendes (1915– 1917). Primeiro Intendente nomeado pela Reforma da Lei Orgânica dos Municípios.

65 Neste tópico comentar-se-á todo o período “seabrista” inclusive o governo de Moniz deAragão.

66 Segundo Tavares (2001, p.331), “Polêmico e temido pelos velhos chefes da política baiana– Luis Viana, Severino, José Marcelino e Araújo Pinho – por causa do seu estilodescomprometido e ousado” e porque não os obedecia.

67 Ver o exemplo recente do “carlismo” que vicejou e viceja em torno da figura tambémpolêmica do falecido ex-governador Antonio Carlos Magalhães.

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oferecia resistências à hegemonia do governo central. Isto, porém,nunca ficou provado.

Verdade ou não, o fato é que este acontecimento, pela suadramacidade e pela verdadeira guerra civil que provocou em Sal-vador, marcou indelevelmente a biografia de Seabra. Segundo Sil-va (2008):

Diversos prédios foram atingidos pelos tiros, incluindo o próprioPalácio do Governo. A biblioteca estadual foi incendiada, destru-indo livros e documentos insubstituíveis. O número de mortos eferidos é incerto, mas a batalha nas ruas foi sangrenta. Para o pró-prio Seabra, a repercussão do bombardeio foi ruim, inclusive napolítica nacional. Muitas pessoas importantes do governo Hermesdiscordaram da ação. O almirante Marques de Leão pediu demis-são e o Barão do Rio Branco, que nunca havia vindo a Salvador,morreu pouco depois – de desgosto, segundo a lenda que correuna Bahia, pelo bombardeio. Por mais que negasse, Seabra foi acu-sado a vida inteira de ser o idealizador da ação. Até hoje, esse epi-sódio é um dos mais marcantes de sua biografia. Ninguém sabe,com absoluta certeza, se foi Seabra quem ordenou o bombardeio.Mas ele foi certamente o maior beneficiário. Após mais alguns diasde tumulto, conseguiu finalmente ser eleito.

Como político, e por motivos óbvios, em sua primeira Mensa-gem à Assembleia Legislativa, em 7 de abril de 1912, Seabra não fazqualquer menção aos incidentes que cercaram a sua assunção aogoverno do Estado.

Inicia sua exposição com a defesa do progresso, afirmando quea Bahia não participava, em “qualquer aspecto”, da

[...] grande obra de bem estar, de cultura e de civilização, pela qualse afirma, gloriosamente, o poder moral das nações bem governa-das [...] O problema imposto aos responsáveis pela sua direcção, naordem econômica, política e social, não é o de melhorar o que estáconseguido, senão lhe obter, em todos os departamentos da admi-nistração, uma actividade nova (grifo nosso) convenientementeapparelhada, em condições de influir com exito na reviviscencia eregeneração do Estado (BAHIA, SEABRA,1912 p.4).

Prega “uma ampla e necessária reforma” que, de fato, reali-zou, considerando os embaraços decorrentes da penosa situaçãofinanceira do Tesouro em que o sacrifício do imposto não deixarenda para a realização de investimentos.

Alfinetando seus adversários, refere-se às “fortes resistênciaslevantadas principalmente contra a indispensável remodelação davida econômica da Bahia”, afirmando que o seu programa de go-verno contemplaria:

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A inadiável necessidade de regular e consolidar por todos os meiosque não embaracem, e entorpeçam a actividade creadora do Esta-do, a situação das suas finanças, normalisando, ao mesmo tempo, aacção do Thesouro pela realidade do orçamento (grifo nosso) e ouso escrupuloso dos dinheiros publicos em despezas uteis, de ab-soluta legalidade; a gradual organisação de todos os serviços ad-ministrativos sob as modestas bases em que as actuaes circumstan-cias a permitem, de modo, porem, a lhes garantir, com os recursosde que disponham e entregues á direcção e vigilancia de competen-cias reaes, a effectiva utilidade de seu destino; a intervenção, emfim,decisiva e ousada do poder público, em tudo quanto entenda como desenvolvimento economico do Estado, excluida a idéa, porincompativel com as suas funções, da acção industrial directa, ealargado o pensamento de animar e favorecer o trabalho, attrahindoos capitaes, encorajando as novas explorações, acudindo ás neces-sidades da lavora, attendendo ás justas exigencias da industria edo commercio [...] (BAHIA, SEABRA, 1912, p.5).

Numa visão de desenvolvimento integrado, associando à cons-trução da infraestrutura e penetração ao interior o seu povoamen-to, até mesmo para dar viabilidade as ferrovias em termos de cargae passageiros, afirma em sua mensagem:

Quando tive a honra de auxiliar o governo do Marechal Hermes daFonseca, occupando o cargo de Ministro e Secretario dos Negóciosda Viação e Obras Publicas, entendi, que era a viação ferrea desteEstado a sua maior necessidade, grande força de sua, já retardada,transformação econômica. Sob esse pensamento foi que revi ocontracto existente, fazendo abranger nas clausulas do novo accordoa solução do importantíssimo problema da colonisação, que,após umasérie de inúteis experiências, quase sempre desorientadas e malconduzidas, cahiu em absoluto abandono.Orçando por cerca de milquatrocentos e dez kilometros de linhas trafegadas, foi a viação fér-rea da Bahia elevada, no referido contracto de Abril, a pouco menosde três mil e quinhentos kilometros, pois excederá de dois mil a novarêde, de estudos bastantes adeantados,e cujos trabalhos deconstrucção estarão iniciados dentro de trinta dias. Considerando,por sua vez, o povoamento do solo como um factor indispensável áproveitosa utilisação das novas linhas, ficou estabelecido no contracto,como uma obrigação desse accordo, a colonisação por nada menosde 5 nucleos por cada cem kilometros, á margem das estradas, ondea utilíssima medida possa ter conveniente applicação. (p.7).

Antecipando que faria a reforma urbana de Salvador, o novogovernador declara que fez

[...] adeantar definitivamente no cargo de Ministro da Viação do atualgoverno da República, o segmento das obras do porto desta capital, esob a responsabilidade do seu contracto, com os saldos disponíveis dacontribuição do commercio, que as paga iniciei a reforma desta cida-de, absolutamente necessária, máxime na parte baixa, onde a ativi-

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dade mercantil, à falta de espaço, se sentia opprimida, e o aspecto daestreita faixa occupada entre a collina e o mar patenteava na conser-vação do passado, mais que atrazo,os testemunhos formaes de umaverdadeira decadência. Estes melhoramentos devem ser extendidosa toda capital, porque, ponto de convergencia de todas as atividadesdo Estado, em fácil comunicação com o litoral do paiz e os centros decivilisação exterior, onde, na Europa e na América do Norte, se achamos grandes mercados de sua exportação, não deve esta cidade conti-nuar no abandono em que já se não encontram, mesmo entre nós,capitaes de muito menos importancia (grifos nossos).

Uma das mais importantes contribuições de J. J. Seabra para amodernização política e administrativa da Bahia foi, sem dúvida, aredução do poder semifeudal exercido pelos coronéis no interiordo Estado em sua primeira administração68. Para esclarecer este as-pecto, é importante transcrever o relato de Pang (1979 p.123-124):

O Governador Seabra encontrou uma solução parcial para o monopó-lio de poder dos clãs, no interior, na centralização das ajudas e na sele-ção dos funcionários públicos dos municípios. Pela Constituição de1891, cada município da Bahia podia eleger seu intendente. O sistemade eleições para o chefe do executivo podia ser facilmente manipula-do, contanto que a política entre o governador e os coronéis estivessebem organizada por um domínio unipartidário e/ou um forte poderestadual, apoiado por forças militares, como em São Paulo, Minas eRio Grande do Sul. Nesses estados as chances dos coronéis locais serebelarem contra os líderes políticos estaduais eram ainda maisminimizadas pelas oportunidades econômicas em expansão, que per-mitiam um maior grau de mobilidade social e física do que havia naregião norte do País. Consequentemente, a violência não era o únicomeio de acertar as relações de poder entre o governador e os coronéis.Os PR serviram não só como executores das eleições, mas tambémcomo intermediários dos interesses econômicos dominantes, em seucontacto com os governos federal e estaduais. Na região norte do País,essas funções vitais não foram assumidas pelo partido, mas sim porpolíticos individuais. Os acordos, baseados em permutas, consequente-mente, não eram institucionalizados em bases permanentes, e à medi-da que entravam e saíam governadores, os acordos mudavam. O ho-mem que dominava o município era inevitavelmente o intendente, e oapoio político do coronel-intendente era essencial para o objetivo deSeabra; instituir uma governança unipartidária na Bahia. A Lei da Re-forma de 11 de agosto de 1915 foi decretada para atender às necessida-des de Seabra e do PRD, fazendo com que a seleção de intendentespassasse a ser por nomeação. Uma vez no cargo, o intendente perma-neceria durante quatro anos, dependendo do governador. Em 1915havia no estado, 141 cargos de intendente para serem preenchidos.Apesar de poucos terem percebido isso inicialmente, a implementaçãoda reforma podia, a longo prazo causar uma profunda mudança na

68 Há quem diga, no entanto, que Seabra pretendia apenas fortalecer o seu poder pessoalna Bahia e garantir a sua volta ao poder.

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política baiana. Podia alterar a relação de poder entre o governador eos coronéis, e entre os coronéis e os membros do legislativo. A centra-lização das nomeações podia aumentar a dependência dos intendentesem relação ao governador, e não quanto ao senado estadual. Emconsequência, a força política do senado, que se baseava em seu po-der de verificação das eleições municipais, evaporou-se da noite parao dia. Em suma o Governador Seabra estruturou um sistema que exi-gia um novo equilíbrio de potências contra os coronéis, liquidando osintermediários do poder dos senadores (grifo nosso). Essa mudançafacilitou a ascensão do domínio partidário, o último passo para a sub-missão dos coronéis. A lei da reforma também aumentou a capacida-de de Seabra monopolizar os processos eleitorais no estado. Duranteos quatro últimos meses do governo (dezembro de 1915-março de 1916)o governador aproveitou todas as vantagens da lei da reforma, nome-ando 135 novos intendentes (de um total de 141). Uma mudança tãorápida de estrutura administrativa a nível municipal era essencial seSeabra fosse permanecer no poder depois de março de 1916, mesmocorrendo o risco do outro ciclo de violência coronelista. A constituiçãoestadual não lhe permitiaassatendentes PRD, fazendo com que aseleender as necessidadesbra; instituir uma governan ser seu própriosucessor, exigindo que se afastasse durante um mandato. Durante suaausência ele teria que manter o controle do PRD e dos intendentes, sequisesse voltar ao poder quatro anos depois. Além disso, uma vez as-segurado o controle dos intendentes, Seabra poderia obter os resulta-dos eleitorais que bem desejasse o que aumentou ainda mais seu pres-tígio político nos níveis estaduais e nacional

Consuelo Sampaio também afirma que:Cuidadosamente, Seabra preparou e engrenou todas as peças damáquina político-administrativa do estado para o estabelecimentode uma firme centralização do poder. A Lei 1.102 foi a arrancadadecisiva, firmando uma dependência direta dos chefes políticosdo interior em relação ao Executivo. Efetivamente, a Lei de Orga-nização Municipal - antecedida por significativa Reforma Cons-titucional - ao tornar o posto de intendente de nomeação do go-vernador, possibilitou a Seabra o controle absoluto da maioriados municípios; forneceu-lhe meios de contrabalançar as forçasoposicionistas nos municípios onde o PRD era minoritário; tornouo legislador menos dependente do coronel do interior, desde quan-do estariam ambos ligados por vínculos de lealdade ao mesmo par-tido. De certa forma, reduziu também o poder dos legisladores, poisa comunicação entre eles e os chefes políticos locais, que anterior-mente era direta, passava a ser feita através do governador - umatentativa de impor certa disciplina partidária, mediante uma relati-va minimização das atuações individuais Para um total de 141 mu-nicípios baianos, Seabra nomeou 135 intendentes, no período dedezembro de 1915 a março de 1916. Dentre eles, cerca de 65% eramcoronéis e majores da Guarda Nacional, muitos dos quais haviamrecebido suas patentes entre 1902 e 1906, quando Seabra, comoministro da Justiça, foi quem as havia concedido. (SAMPAIO, 1998,p.131) (grifos nossos).

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Lamentavelmente, esta providência foi totalmente anulada pelainabilidade política do seu sucessor, Moniz de Aragão, que acaboumergulhando a Bahia numa guerra civil, travada nos sertões do Es-tado e que, por muito pouco, não resultaria na invasão da cidade doSalvador pela horda de jagunços do “coronel” Horácio de Matos.69

O estopim da crise derivou de várias causas que agudizaram aimpopularidade de Moniz de Aragão, desde a repressão, com a forçapolicial, dos movimentos populares deflagrados pela carestia dosalimentos até a implantação da lei n. 1 104 de 9 de maio de 1916. Oartigo 3º desta lei interferia radicalmente na autonomia municipalao obrigar os intendentes a remeterem até o dia 15 de janeiro decada ano uma cópia autêntica do orçamento municipal.

O conflito travou-se entre as forças dos coronéis e as da políciaestadual, sendo insuflado pela oposição que esperava provocar umaintervenção federal e a anulação do pleito em que Seabra conquis-tara o seu segundo mandato. No início, o governo central cruzouos braços. Quando decidiu intervir, em 1920, Epitácio Pessoa, queera desafeto de J. J. Seabra deu o golpe de morte no projeto de cen-tralização administrativa.

Em 1920, foram assinados pelo governo federal três tratadosde paz com os “coronéis”. Com esses tratados, Epitácio Pessoa criouna Bahia “estados independentes”, pois exonerava os “coronéis”de todas as acusações pelos crimes cometidos no período das lutas,deixando-os imunes aos processos estaduais e autorizando-os amanobrar as eleições. Ao coronel Horácio de Matos, foi permitidoque elegesse (ou melhor, nomeasse) um senador e um deputadopara que representassem os seus interesses pessoais e regionaisna Assembléia Legislativa do Estado. Os coronéis podiam tam-bém manter os seus exércitos de jagunços, o que estabelecia umnovo equilíbrio de poder na região70.

Com isto, Epitácio Pessoa substituiu o governador do Estadocomo árbitro e intermediário entre os interesses regionais e os fede-

69 Antonio Ferrão Moniz de Aragão foi o primeiro governador formado pela Faculdade deDireito da Bahia. Além de advogado, foi professor universitário, jornalista e senador darepública. Governou a Bahia no período de 1916 a 1920 sob forte influência de J.J.Seabrade quem foi um fiel liderado. Na sua administração foram intendentes de Salvador:Antônio Pacheco Mendes (1915 – 1917); Engº João Propício Carneiro da Fontoura (1917 –1918); José da Rocha Leal (1918 – 1920); Cel. Manuel Duarte de Oliveira (1920 – 1921).

70 Segundo Pang (1979 p.146) naquela época a Força Pública Estadual tinha cerca de 2.600praças, a maioria mal armada e todos mal pagos. Segundo cálculos do comandante daguarnição federal no estado este número reduzia-se para cerca de 1.500 homens comouma força de combate real. Contra este efetivo os coronéis dispunham de 4.100 jagunçosarmados até os dentes e dispostos a morrer pelos seus líderes.

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rais, criando uma linha direta de comunicação com os “coronéis”sertanejos. Pela primeira vez na história da Bahia, o governo fede-ral sancionou o poder pela violência. Isto coagiu mais ainda os go-vernos estaduais a aceitar a independência dos “estados coronelis-tas” do sertão como instituições rivais em poder e autoridade. Nãoobstante, em sua intervenção não contentou a oposição que deseja-va a anulação da eleição de Seabra.

Alguns autores minimizam os efeitos dos três convênios fir-mados entre o governo federal e os “coronéis”. Argumentam que,a despeito do grande poder que lhes era concedido, este poder nãoera exercido isoladamente e dependia das outras instâncias degoverno. É fato que Seabra compôs-se com os chefes sertanejos, ten-do inclusive nomeado Horácio de Matos, o principal líder do le-vante, delegado de Polícia na vasta região que se estendia dachapada Diamantina ao vale do São Francisco e feito dele senadorestadual.71

Mesmo assim, os esforços e projetos governamentais aban-donaram o sertão e se concentraram na capital e sua área de influ-ência direta.

No governo de Seabra, a Bahia, principalmente Salvador, pas-sou por uma fase dinâmica notadamente com a reforma urbana dacapital. Pretendia o governador transformar a cidade do Salvador,tomando como exemplo as reformas que se fizeram no Rio de Janeiro,que ele viu se modernizar quando era ministro da Justiça e NegóciosInteriores, e os padrões que encontrara em Paris quando teria ficadodeslumbrado com as grandes obras que o barão de Haussmann exe-cutou. Assim sendo, no seu governo, Salvador adquiriu um aspectode metrópole. A orientação progressista e simbólica do plano de re-modelações urbanas representou um autêntico trade-off, pois negoua cidade colonial. Para a abertura de novas ruas e avenidas ehigienização da cidade, vários prédios antigos tiveram de ser sacrifi-cados, fazendo desaparecer alguns símbolos da era colonial, crian-do-se novos espaços para representar a modernidade.

Com as obras do porto, a “cidade baixa” na área do Comérciofoi reurbanizada e aberta a avenida Jiquitaia, fazendo melhor a suacomunicação com a península de Itapagipe. Também foi aberta aavenida Sete de Setembro que deu uma nova fisionomia ao centroda capital.

71 Sobre o Convênio de Lençóis, ver Tavares (2001 p.344-345).

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A reforma urbana de Seabra foi viabilizada pelo empréstimo ex-terno, realizado em Paris e Londres, sob intermediação do empresárioEduardo Guinle. O governador cria então a Companhia de Melhora-mentos para pôr em ação o seu plano de governo. Realiza as obras daVila Policial, do Congresso, da Biblioteca Pública e do Arquivo Públi-co, assim como do Hospício São João de Deus (depois Juliano Moreira),do Instituto Vacinogênico e do Museu-Escola. São ainda celebradosconvênios para construção da avenida Dois de Julho e da estrada li-gando o bairro do Rio Vermelho a Itapuã. Além disso, construiu opalácio da Aclamação para residência dos governadores, instituiu aImprensa Oficial do Estado e deu início às obras do quartel do Corpode Bombeiros e do palácio Rio Branco. Alega, em sua mensagem àAssembléia Legislativa, que deu início ao primeiro programa estadualde casas populares, construindo habitações para a classe operária. Nãose tem comprovação deste fato.

Nas palavras do governador:E mais, Srs. da Assembléa, sem referir o bem auspiciado empenhocom que, interessado pela sorte dos menos felizes da fortuna, favo-reci, em três contractos differentes, a edificação de cerca de qua-tro mil casas para os nossos operários; (grifo nosso) sem fallar nostrabalhos, cuja combinação ultimo da annexação ao Palácio da an-tiga Praça do Concelho, já negociada entre o meu e o Governo daUnião, por troca com o edifício do Thesouro, augmentado, refor-mado, melhorado, de todo o prédio da Delegacia Fiscal; e sem vosnomear, ainda, o Paço da Acclamação, cujas obras iniciei para tornal-o, definitivamente a residência dos Chefes do Estado; as obras deconstrucção da Avenida S. Bento á Barra, extendidas até o Rio Ver-melho e prolongadas dahi entre povoações que serão, futuros arra-baldes nossos, por uma estrada de rodagem, até as praias de Itapoan,na extensão total de 24 kilometros.

Com o seu estilo rebuscado, típico da época, e dando testemu-nho do clima de ódio que cercava a sua administração, acrescenta:

São factos, Srs. Representantes do estado, que as prevenções do in-teresse, do ódio ou da inveja não tem jeito de esconder nem forçapara contestar ou destruir, (grifo nosso) os deste quadro: o Palácio doGoverno, que se restaura; a Imprensa Official, que se edifica e organisa:o Paço do Congresso, a Bibliotheca do Estado e o Archivo Publico, quereunidos no plano de uma mesma e ampla construção, a se implan-tar em grande área, já desapropriada, da collina da Praça Rio Branco,não tardarão que surjam das fundas cavas de seus fortes alicerces; osprédios escolares que conclui e, a par de outros projectados, esse daCachoeira que, inteiramente, levantei: o Museu Escola, que finda asdemolições, todo dia adeantadas, da casa dos governadores, se erigirá,para os serviços de instrucção, dos restos desse Palácio da Vitória, jáabandonado, e que o desaprumo e a ruina não cessavam de consu-

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mir; a Directoria de Rendas, que até o mobiliário renovei; o InstitutoVaccinogenico e Anti-Rabico, cujos muros e tectos, já há um anno, to-dos os dias adeanto; a Villa Policial, emfim, que há de substituir ossujos e sombrios pardieiros dos nossos desmantellados quartéis depolicia, onde, vós os visteis, e por só dizer o que mais vos magoou osentimento, era o chão, o solo humido, a terra nua e num delles ex-posta ao tempo, o leito dos soldados!

Como foi assinalado antes, a modernização da cidade cobrouum alto preço ao seu patrimônio histórico com a destruição da antigaigreja de São Pedro Velho, da igreja das Mercês e de parte da igrejada Ajuda, cortada ao meio para facilitar o tráfego nas novas aveni-das. Este fato custou a Seabra acerbas críticas dos seus adversáriospolíticos. O que sobrou do prédio do Senado Estadual foi doado aoInstituto Histórico e Geográfico da Bahia.

A política modernizadora de J. J. Seabra foi apoiada pela im-prensa que era unânime em elogiar, nesses primeiros tempos, a “ide-ologia do progresso”, que concebia uma cidade onde “as viellasserão avenidas, os velhos pardieiros se transformarão em prédiosonde a architectura moderna deixará seus traços elegantes e ahygiene, com seus preceitos salutares, assegurará a estabilidade deseu estado sanitário”. O período das intensas obras executadas pelogovernador chegou a ser denominado como “a Renascença Baiana”,tamanho o impacto causado na cidade e no país.

Porém a grande atração de técnicos da construção civil de ou-tros estados para Salvador acabou por gerar insatisfação. Na épo-ca, a Gazeta de Notícias ironizou:

[...] funcionários honestos, competentes e antigos servidores muni-cipais foram postos à margem para que não testemunhassem nemcriticassem os moderníssimos planos de melhoramentos, as refor-mas, os estudos e as maravilhosas concepções dos profissionaisimportados. (apud BAHIA INVEST 2006).

Mas o fato é que, independente das críticas, Seabra foi corajo-so o suficiente para imprimir uma nova estética à cidade de Salva-dor. Como reconhece Maria do Carmo Baltar Esnaty de Almeida,em dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Arquite-tura da Ufba, sob o título A victória da Renascença Bahiana: a ocupaçãodo distrito e sua arquitetura na Primeira República, o plano remodeladorde Seabra marca de forma significativa a cidade.

Pretensioso em suas propostas iniciais, o projeto de modernizaçãourbana, ainda que não implementado na íntegra, visava sobreporuma cidade ideal – civilizada e progressista – a uma estrutura real,herdada dos tempos da colônia. Estabelecendo uma hierarquia de

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valores para as diferentes áreas da cidade, o plano seabrista ratificaas tendências de expansão urbana que já se delineavam desde me-ados do século XIX, induzindo-as e acelerando-as nos setores elei-tos para representar a modernidade da capital”, (ALMEIDA, 1997)

É também importante destacar a repercussão social do projetode Seabra, que, no dizer de Silvia Becher Breitenbach, também emsua dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Arquite-tura da Ufba, assim se expressa:

Assim, este projeto pelo qual passou a cidade de Salvador vai se ma-nifestar na sua estrutura social. Após anos de subserviência, a popu-lação baiana passa a encontrar-se com as maravilhas da tecnologia,de então: o bonde, a iluminação a gás, o tratamento de esgotos (grifonosso). Esse novo modo de vida, demandante de uma modernização,era objetivado através de um processo de cunho nacionalista, que fun-damentou a base filosófica de toda a Primeira República. Assim, oecletismo – que engloba, também, o neocolonial como o último reper-tório formal do ecletismo – impulsionou o avanço tecnológico, com aassimilação de novas técnicas, embora todo esse aparato deestrangeirismo eclético deflagre uma reação calcada ideologicamenteno tradicionalismo conservador. Dessa reação, surge o neocolonial,que tentou legitimar sua produção construída evocando a tradição,para afirmar o verdadeiro espírito nacional. Foram duas décadas deesforços, em que os profissionais construtores tentaram estabelecer umestilo composto por ornamentos característicos da arquitetura coloniale que foram reutilizados e recombinados pelas décadas de 30 e 40 emdiante. (BREITENBACH, 2005).

Analisando a situação financeira do Estado, afirmava Seabra:Não seria admissivel, realmente, que continuasse, sem grave riscopara o Estado, a política financeira dos expedientes, a recuar de-senganada dos desastres de cada imposto novo para a solução dospequenos e repetidos empréstimos que se destinam ao pagamentodas despesas do Thesouro, accumuladas no “deficit”da imprevidên-cia. Dessa maneira, crescendo pela divida os compromissos daBahia, não lhe ficariam recursos á reforma de seus desorganisadosserviços e seria impossível conseguir o augmento da renda do erá-rio publico pela producção do Estado, desenvolvida e melhorada(BAHIA, SEABRA, 1912 p.4).

Apontava como única solução que poderia resolver a crise fi-nanceira estadual:

[...] consolidar com segurança, por uma grande operação de credi-to, toda a divida,em ouro, do Estado, reduzindo a um só os tresempréstimos externos (grifo nosso) e diminuindo, em tempoopportuno, os juros da divida interna, de apólices, cujo gradualresgate se fará por uma quota progressiva da renda orçamentária,desde que esta exceda de um total previamente fixado; pagar comum terço, no maximo, da saldo da operação realizada, a dividafluctuante immediatamente exigível, se esta não puder ser satisfei-ta com os recursos da propria receita ordinária do Thesouro, limi-

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tando-se as despesas communs do Estado ao estrictamente indis-pensável á boa marcha dos serviços da administração; applicar orestante, ou sejam dois terços do referido saldo, e com o mais es-crupuloso cuidado, a melhoramentos materiaes e dispendios decaracter reproductivo, cuja influencia se faça sentir no adeantamentoeconômico do Estado; firmar, rigorosamente, o regimen dos orça-mentos equilibrados e severamente cumpridos, sob a disciplinaaustera e moralisadora de uma arrecadação bem fiscalisada e dedespezas em que, de modo nenhum, se auctorisem dissipações.

Em 11 de agosto de 1914, o governador J. J. Seabra encami-nhou à Câmara dos Deputados uma Informação official, como Anexonº. 1 da sua Mensagem daquele mesmo ano, tratando da dívida ex-terna da Bahia. Nesta informação o governador fazia um balançodos financiamentos obtidos pelos diferentes governos do Estadonum período de 25 anos. Ou seja, de 1888 a 1913, foram obtidos osempréstimos descritos a seguir.72

O primeiro deles, o empréstimo de 1888, foi contratado pelopresidente da Província da Bahia, Cons. Manoel do NascimentoMachado Portella, autorizado pela lei n. 2578 de 21 de abril de 1888,junto ao Syndicat Brésilien de Paris, nas seguintes condições:

a) valor: 800.000 libras esterlinas (vinte milhões de francos);b) tipo73: 0,91% (455 francos por cada título de 500 francos);c) juros: 5% a. a.;d) amortização: (acumulativa) 1% a. a.;e) prazo: 37 anos;f) garantias: a renda da província, pela obrigação das remessas

ajustadas para o serviço do empréstimo;g) valor efetivamente recebido: 728.000 libras esterlinas

(18.200.000 francos) equivalentes, na época, a 6.317:947$445.Este empréstimo destinou-se ao refinanciamento de dívida

contraída com o Banco da Bahia e resgate de apólices da dívidaprovincial. Apenas um resíduo equivalente a 0,1% foi recolhidoao Tesouro (grifo nosso). Tinha custado aos cofres do governobaiano, até 31 de dezembro de 1913, a cifra de 22.689:359$924 daqual 46% correspondia à amortização do principal e o restante adiferenças de câmbio. Em 1914, o saldo devedor era de 10.949.000francos, ou seja, 60% do financiamento original.

O segundo empréstimo, o de 1904, foi autorizado por um con-junto de leis, sendo a última a de n. 580 de 20 de outubro de 1904.

72 Os dados foram extraídos dos originais das mensagens depositadas no Arquivo Públicodo Estado da Bahia e são transcritos com pequenos ajustamentos de nomenclatura.

73 Ágio.

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Foi contratado um montante de 1.613.800 libras esterlinas, porémliberadas 1.062.360 libras esterlinas. O empréstimo foi concedidopor uma casa bancária inglesa (provavelmente a Rotschild), quenão é especificada na Mensagem, sob as condições abaixo:

a) valor: 1.062.360 lbs.;b) tipo: 80,3% (ou seja, foram efetivamente recebidas 803.000

libras esterlinas);c) juros: 5% a.a.d) amortização: (acumulativa) 0,5 % a. a.;e) prazo: 50 anos;f) garantias: hipoteca como primeiro privilégio até o reembol-

so completo de todo o principal e juros, da renda do imposto deexportação sobre fumo e, no caso deste ser insuficiente, sobre o ca-cau e o café;

g) valor efetivamente recebido: 803.000 libras esterlinas quecorresponderam a 13.737:243$88.

Cerca de 90% deste empréstimo também se destinou aorefinanciamento da dívida do Estado e ao pagamento de credoresdiversos. Os 10% restantes foram para investimentos em transpor-tes, destacando-se a aquisição de vapores (492.477$690) e na Estra-da de Ferro de Nazaré (269.449$708), obras no trecho de São Migueldas Matas a Areias (atual Ubaíra). Segundo a Mensagem de 7 deabril de 1914, p.147:

“Restava a pagar em 31 de dezembro de 1913, do empréstimo de1904, inclusive as 62.360 lbs. applicadas ao resgate antecipado de3.118 títulos do empréstimo de 1888, a somma de Lbs. 1.002.195 – 9– 1, tendo sido pago , de annuidades vencidas, o total de8.024:728$373 sendo do valor ao par a somma de 4.821:670$731 e dedifferenças de cambio a somma de 3.203:057$642.”

O terceiro empréstimo foi feito em 1910 e seu contrato foi au-torizado pela lei n. 770 de 6 de outubro de 1909 e fechado em Pariscom o Crédit Mobilier Français por Miguel Calmon du Pin e Almeidacomo representante do Estado da Bahia. Este contrato totalizava omontante de 1.800.000 libras esterlinas (ou 45 milhões de francos),tendo sido repassado ao município de Salvador a cifra de 365.000libras esterlinas, nas seguintes condições:

a) valor: 1.800.000 libras esterlinas;b) tipo: 86%;c) juros: 5% a. a.;d) amortização: (acumulativa) 0,5% a. a.;e) prazo: 50 anos.

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Este empréstimo apresenta um conjunto de condições que odistingue dos anteriores. A começar pela que estabelecia a obrigato-riedade da aplicação de 600.000 libras esterlinas “especial e ex-clusivamente” na construção de estradas de ferro e de transportese na compra de material (grifo nosso). Como garantias eram pe-nhoradas todas as rendas das estradas de ferro existentes no Esta-do a saber:

a) Estrada de Ferro de Nazaré, 185,3 km;b) Estrada de Ferro de Santo Amaro, 47 km.Estas duas estradas, por pertencerem ao Estado, eram toma-

das em hipoteca de primeira linha O contrato estabelecia que asestradas discriminadas a seguir, que estavam sob o regime de con-cessão, deveriam voltar imediatamente ao controle do Estado:

a) Estrada de Ferro Centro-Oeste, 51,7 km;b) Estrada de Ferro da Bahia a Minas 142,4 km (trecho Ponta

da Areia a Aymorés).Ficava ainda pactuado que, se o governo federal encampasse

essas ferrovias, o valor da indenização recebida pelo Estado da Bahiaseria transferido para o banco credor como antecipação de paga-mento da dívida.

Era também exigido como garantia, em primeira linha, depoisde abatida “a parte que puder ser necessária para o (pagamentodo) empréstimo de Londres, de 1904” o produto dos direitos sobrea exportação de cacau e café.

Conforme o demonstrativo da Mensagem aqui referida, até 28de março de 1912, do empréstimo recebido (Rs. 23.987.843$127) ha-viam sido transferidos, para a Intendência do Município da Capi-tal, 4.856: 279$251, ou seja, (20,24%). É possível que este emprésti-mo tenha sido destinado ao financiamento de obras de urbaniza-ção da cidade do Salvador.

Foram depositados, no Tesouro Estadual, 13.387: 335$010(64,55%). Do saldo, 2.202:406$672 estavam sem utilização em depó-sito na Europa e apenas 3.536: 522$194, ou seja, 14,74% foram apli-cados na aquisição de equipamentos para as ferrovias e navegação.Segundo os registros, dos recursos recebidos pelo Tesouro Estadual,apenas uma pequena parcela de Rs. 464:600$000 foi destinada ainvestimento. Atestando a fragilidade financeira do Estado, umacifra de 3.436: 507$235 foi destinada ao pagamento de salários atra-sados do funcionalismo estadual. Esta cifra é praticamente igualao valor destinado para investimentos, correspondendo a 25,67%

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do total depositado no Tesouro e a 14,33% do valor total do em-préstimo contraído (grifos nossos),

Para viabilizar seu programa de obras, o governador contavaobter um financiamento da ordem de 10 milhões de libras esterli-nas e com isto também consolidar a dívida externa em uma só, comuma taxa de juros menor. Neste sentido, contratou os serviços dobanqueiro carioca Eduardo Guinle, provavelmente por indicaçãode Ruy Barbosa, a quem aquele havia servido anteriormente. A criseinternacional que culminou com a primeira Guerra Mundial – 1914/1918 – liquidou seus planos, fazendo com que obtivesse apenas 40%do pleiteado. Em suas palavras:

Agora, e segundo os recentes e seguros avisos do capitalista e ban-queiro Dr. Eduardo Guinle, eu vos posso annunciar que estãoassignados, em final e definitivo accordo, o empréstimo de quatromilhões esterlinos e o contracto do Banco de Credito Hypotechecarioe Agrícola da Bahia, devendo este ficar organisado, o mais tardar,até Maio deste anno e aquelle se effetuar no mesmo prazo, lançadassuccessivamente, nas praças de Paris e Londres as respectivasemissões.

Como ele mesmo diz, entre as condições dessa negociação, foiestabelecida a criação do Banco Hipotecário e Agrícola da Bahiaque iria substituir o antigo Banco da Lavoura. A estrutura do novobanco foi sugerida pelos banqueiros credores no bojo do emprésti-mo global contratado então para o Estado e seguia modelo já ado-tado pelos Estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Tratava-sede um projeto modernizador, pois o novo banco ampliava conside-ravelmente o raio de ação do anterior. Ocorre que a crise econômicadeflagrada pela primeira guerra e o bloqueio das remessas de re-cursos limitaram drasticamente a ação do banco que só recebeu 22%do financiamento contratado na França para a constituição do seucapital. A oposição, através da imprensa hostil, explorou bastanteo fato tentando desmoralizar o governador. Reagindo aos ataquesSeabra fez a seguinte exposição:

Banco Hypothecario

Sobre este instituto de credito estabelecido, na forma do contracto de21 de outubro de 1912, pelo typo de seus congeneres de Minas e S.Paulo, e creado para o fim de substituir, servindo melhor os inte-resses da nossa agricultura e commercio, o Banco da Lavoura, quese fundou em virtude da Lei n. 474, de 5 de setembro de 1902, eutenho a vos dizer, principalmente, que os seos capitataes continuam,sob a pressão das circuntancias, bastantes affastados da cifra em queaquelle contracto os fixou, e que, apezar deste grande embaraço, se

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tem assignalado as vantagens de sua indispensável instituição, des-tacando-se, como índice de ordem no curso de suas funções, o facto,immensamente auspicioso, de não ter carecido , mais uma vez, dagarantia do Estado. Sem o que occorre nos mercados financeiros dePariz e Londres, e que,desde algum tempo, impede que complete,pelo menos, o capital-obrigações, até agora somente conseguido numapequena parcella de seo valor, eu já teria intervindo para que seadeantasse a emissão dos títulos que o devem formar e, findo o pra-zo de realização do empréstimo, se já estiverem desopprimidas aspraças européias, serei inflexível ao exigir que o Banco o tenha paraacudir ás necessidades das transacções propostas, satisfazendo, detodo, os seus fins. Penso que neste cuidado e vigilância deve estar oGoverno, não admittindo, quando assim deve faze-lo, contra os inte-resses do Banco, que nesse particular, são os do Estado e os mesmosda lavoura, da industria e do commercio, outros e, então indesculpa-veis addiamentos. Por melhor administrado que possa ser, como otem sido, o novo instituto, que valerá o Banco que, neste particular,são os dos Estados e os mesmos da lavoura, da industria e docommercio, outros e, então, indesculpáveis addiamentos. Por me-lhor administrado que possa ser, como o tem sido, o novo instituto,que valerá o Banco sem dispor de capites suficientes, os que se mar-caram, ä conta de indispensáveis, no contracto de 21 de Outubro?Como se acha, num campo de acção por demais limitado, sem osrecursos necessários à expansão de seus movimentos, na hypotesede que assim, em evidente fraqueza, tivesse o Banco de continuar,estaria burlando o pensamento do Governo, que só o cntractou, dan-do-lhe a garantia do Estado, para que dispozessem os nossosproductores de um estabelecimento capaz, em condições de auxilial-os pelo uso regular do credito na actividade do trabalho util. O capi-tal é tudo, e, passada a crise, urge que o Banco Hypothecario o tenhana somma a que se obrigou e que constitue a primeira e a maior desuas responsabilidades. Como situação, na esphera de seos recursos,a do Banco é excellente. Dizem-no, acima das palavras, os attestadosdas cifras de seos balanços, pelas quaes se verifica que, apezar dasgraves e successivas difficuldades do anno derradeiro, lhe foi possí-vel apurar lucros sufficientes á dispensa da garantia do Estado. As-sim é que elle poude reservar a importancia correspondente a cincopor cento, para ser distribuída, como dividendo, pelos accionistas;as sommas necessárias, na forma de seos estatutos, a amortisaçãodas acções e das obrigações emitidas; as quantias precisas ao resga-te, por soma de cerca de mil lettras hypothecarias; quando se fezmister ao pontual pagamento dos juros das lettras em circulação e aosupprimento do ágio do ouro na conversão das despezas effectuadasnessa espécie; o saldo emfim, beneficiario, posto que pequeno, pas-sado no exercício do corrente anno e ainda sem applicação determi-nada. Vantagens, todas estas, que sobreexcederam os prejuízos oriun-dos da crise geral; do flagello, em Janeiro de 1914, das innundações;do espaçamento, pela moratória, nas liquidações do seo activo; daperda motivada, no caso do Trapiche Pilar, pela emissão cauciona-da, na parte que lhe coube, de bilhetes de falsos depósitos; da cam-

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panha, finalmente, que o interesse levantou e, de todos os modos,tem buscado sustentar contra o banco, affigindo, de menos, o seonome quando lhe não perturba os negócios. A este ultimo respeitonão careço repetir-vos o que tem praticado contra o Governo, pelamaledicência da injuria e as ousadias , a perversidade da calumniaimpenitente e vil. Nada articula que não seja um invento sempredesmanchado ou uma falsidade logo destruída. Mas , a espaçostorna de, torna aos artifícios do mal nessa nefanda obra da especu-lação política, ou partidária, que por manchar ou denegrir, não sesente, pelo que diz, insinua e espalha, compellida ao dever de ne-nhuma prova, ou só indicio, e, todavia, me obriga a enfrenta-la,como sempre o faço, para lhe pulverisar os aleives (grifo nosso).Quando se me avisou, com a responsabilidade de um nome honra-do, o do Sr. Conselheiro Antonio Carneiro da Rocha,que, alem doseu próprio valor, tinha o de estar exercendo, como meu represen-tante, as funções de Fiscal do Banco, de haver recebido o seucontractante, ao que lhe parecia, o capital do Estado no antigo Bancoda Lavoura, logo auctorisei que se apurasse a verdade desse aviso ese promovesse contra os culpados, perante os tribunaes de justiça, asações da Lei. Não é que me coubesse temer o prejuízo do Thesouro,mais que certo na liquidação final do instituto substituído, quandochegasse o prazo de seu termo, e impossível de suceder, no Banconovo, pelas garantias do accordo de 11 de abril, com as quais o evi-tei, Mas era porque, sem nada conceder ao segundo instituto quenão fosse um direito do primeiro, eu só combinara em firmar esseacordo, attendendo á dificuldade da immediata e integral restitui-ção do capital do Estado que com toda a segurança acautelei, peladeclaração, ao depois solennemente reaffirmada e confirmada emdocumento escripto, de que esse capital “não tinha sido pago nem,de futuro, o seria a ninguém”Accentuada, por denuncia competen-te, a desconfiança de que assim não fôra, contra o que antes creara edissera aquelle mesmo Fiscal, quando o Banco ainda não tinhaescripturação, já se não justificava a concessão do accordo de Abril,aggravando-se pela má fé a culpa dos que, na hora da primeira sus-peita, conseguiram desmentil-a , offerecendo, em prova, com as de-clarações do contractante, o testemunho oral do fundador do BancoHypothecario e o escripto de dons de seus Directores, e assim obtive-ram que eu o mantivesse e o Senado o approvasse. Irreductivel, poisno cumprimento do meu dever legal e intansigente na opposiçào elucta que sempre merece de minha justa revolta a acção indigna, man-dei propor, no Rio, a annulação da Acordo de 11 de Abril para a subse-qüente restituição daquelle , ao que parecia, desviado capital, e aquiconsiderando o dolo, a accão criminal que havia incidido os seus res-ponsáveis. Que havia mais a fazer quem faria mais do que eu fiz? Adecisão judicial, da qual logo appelou para a superior instância o re-presentante do Ministério público, concluiu pela impronuncia dosdenunciados, demonstrando a sentença que foi publicada e está cor-rendo, não haver recebido o contractante do Banco Hypothecario, comoparecera ao seu Fiscal pelo exame do primeiro balanço desse institutode credito, o capital, pertencente ao Thesouro, do Banco da Lavoura.

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Aguardo o voto do Tribunal de Appelação para prosseguir nos outrosprocessos ou suspendel-os, segundo seja o seu aresto. Do seu juízo háde derivar o meu procedimento, em que, sempre fiel á honra, mante-rei a independência com que agi nesse agitado caso, tão cheio de con-trariedades e desgostos, e no qual só se moveu, com os incitamentosdo melhor patriotismo, o nobre e único interesse de dotar este Estadocom um estabelecimento de credito capaz da attender ás necessida-des, muito urgentes, do seu desenvolvimento econômico (grifo nos-so). E porque qualquer que seja a sorte do pleito sobre o qual vae deci-dir aquelle collendo Tribunal, independe delle a acção funccional doBanco, hei de insistir na vigilância, quanto ao empréstimo contractado,pela definitiva formação de seus necessários capitaes, fixados em 90milhões de francos, dos quaes, e por seu mal, só a décima parte foi arealisada numa emissão de 20 milhões (grifo nosso).

A respeito desse banco, diria Góis Calmon em 1924:O Banco de Credito Hypothecario e Agrícola do Estado, annunciadocomo immensa força capitalista, que substituiu em 1912, o modestoinstituto regional do Banco de Credito da Lavoura do Estado da Bahia,depois de quasi treze annos ,ainda, não fez mais do que viver do acer-vo do activo absorvido e, simplesmente mantem uma vida vegetativa,ou melhor direi parasitaria, porque para a sua manutenção não lhebasta o que era sufficiente ao Banco substituído, isto é, os juros e asamortizações que recebe das hypothecas que herdou; elle faz suas con-tas, dispende com uma direcção em Paris sommas quantiosas e ou-tros elevados gastos, inclusive com diferença de câmbio, e no fechoannual da sua escripta, tem verificado, seguidamente, déficitdéficits, eentão, recorre á clausula de garantia de juros do seu contracto celebra-do com o Estado, recebida até o anno de 1923, na importância de Rs.1.717:428:000 (BAHIA, CALMON, 1924 p.201).

É de observar que Góis Calmon, tão detalhista e minucioso emseus textos, não menciona que o projeto do banco foi gravementeprejudicado pelas circunstâncias que marcaram a época da primei-ra guerra e que atropelaram todas as administrações brasileiras,nestas incluídas a de J. J. Seabra.

Seabra conseguiu, não obstante, ao final do seu primeiro man-dato, renegociar toda a dívida do Estado nas condições pretendi-das, o que importaria em certo alívio para as finanças governamen-tais na administração seguinte.

O contrato de renegociação foi assinado em 7 de dezembro de1923, com o Ethelburga Syndicate Limited, de Londres com plenaconcordância dos demais credores ingleses e franceses Pelo contra-to, ficou o governo baiano obrigado, durante um período de quatroanos, a pagar mensalmente a quantia de Rs 500:000$000 (quinhen-tos contos de réis) em moeda papel, ou seja Rs 6.000:000$000 (seismil contos de réis) anuais.

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2.3.5.1 Movimentos sociais

Consequência da conjuntura econômica desfavorável, das in-fluências externas74 e do amadurecimento da classe operária, Sal-vador foi palco, entre 1917 e 1921, nos governos de Moniz de Aragãoe J. J. Seabra, de greves dos trabalhadores que marcaram a época.

Os movimentos operários baianos seguiram o exemplo do queocorria à época em todo o mundo e especificamente na região Su-deste, principalmente em São Paulo, onde foi intensa a conflagra-ção trabalhista no período.

De acordo com o Censo de 1920, a capital baiana possuía entre45.563 e 14.784 operários. Para explicar números tão discrepantes,Castelluci (2004, p.59) informa que

Maria Cecília Velasco e Cruz demonstrou em sua análise da compo-sição social da classe operária carioca em 1917, que a diferença deresultado é produto, entre outras coisas, do fato do inquérito indus-trial não considerar, para efeito de contagem, as pequenas unidadesde produção, que produziam em pequena escala e encomenda.

Seja como for, para uma população total, em Salvador, de283.422 pessoas, contadas pelo referido censo, esses números sãoconsideráveis.

Figura 6 – O comércio e o porto de Salvador em 1918Fonte: Coletânea da revista Bahia Ilustrada, 1917/1918, seleção de Gilberto Melo (citadopor SPINOLA, 1997, p. 101).

74 Vale lembrar que em 1917 ocorre a Revolução Bolchevique na Rússia e que o ideáriosocialista vinha sendo difundido em todo o mundo.

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As condições de trabalho, à época, associadas à carestia, eramdesumanas e exploravam ao máximo a classe trabalhadora. Nada aestranhar de uma elite que se formou escravagista e, consequente-mente, não possuía uma consciência social desenvolvida. Rubin(1979, p.36) cita reportagem do jornal O Tempo, de 7 de junho de1919, que informa ter sido procurado por uma comissão de operá-rios que declararam:

Doutor somos mal pagos e sofremos muito”, para depois mostrarvales de descontos: “José Victoriano, por exemplo, que tinha dereceber 41$000, só recebeu 12$000”. Os operários denunciaram ain-da: “Recebemos o dinheiro num envelope fechado. E se, ao abrir-mos, verificando diferença entre a quantia dentro e a que está es-crita exteriormente reclamarmos, seremos multados em 1$000, pordesconfiança da direção”.

Sobre as condições de trabalho industrial, também, O Tempode 9 de junho de 1919 transcreve um comunicado do Comitê Cen-tral da Greve: “Os operários da Fábrica Boa Viagem fizeram diver-sas declarações pedindo melhorias para o seu trabalho. Uma des-sas moças contou que na referida fábrica já perdera por tuberculo-se ali adquirida, o pai e duas tias”.

O regime de trabalho, nas fábricas baianas e também no co-mércio e serviços, era de 12h diárias, com intervalo de 1h para oalmoço. No comércio, a jornada era mais extensa, atingindo 13h eaté 14h diárias, inclusive aos sábados. Além disso, havia, em mui-tas fábricas, as multas, os recursos de pagar dias perdidos por mo-tivo de doença, a utilização do sistema de armazéns de compraobrigatória dos empregados por preço mais elevado, etc. Pratica-mente não existia legislação trabalhista nem previdência social,assim a vida média do operário era de 25 anos. (RUBIN,1979, p.32).

Em todo o conflito, merece destaque a atitude do governadorMoniz de Aragão ao recusar o uso da força contra os grevistas em1919. Adotando uma posição conciliatória, o governador promul-ga, em 10 de junho, a lei n. 1 309 que estabelece em oito horas diáriasa jornada de trabalho para todos os estabelecimentos industriais eoficinas pertencentes ao Estado ou por ele subvencionados, revoga-das as disposições em contrário.

Interessante e esclarecedora é a posição assumida nessa oca-sião por Ruy Barbosa, ferrenho adversário político do governador.Ruy, como candidato à Presidência da República, naquele ano de1919, assume uma posição “conciliatória”, buscando o apoio dossetores urbanos e, em particular, da classe operária. Nessa estratégia

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de campanha, incorporou ao seu programa, como um dos tópicosbásicos, uma moderada reforma social que, entre outras medidas,propunha jornada de oito horas, limitação para as horas extras,regulamentação do trabalho do menor e do trabalho noturno,igualdade salarial para as mesmas funções, etc. A sua posição foiconsiderada demasiadamente liberal e perigosa pelas oligarquias,que, através de seu porta-voz, O Estado de São Paulo, define Ruymaliciosamente como candidato da classe operária. Contraditoria-mente, é o mesmo Ruy que, reagindo contra a atitude de Moniz deAragão no Teatro Politeama, de Salvador, acusou:

O governo, aqui, inspira, excita e encoberta a greve, os esboçosda mazorca, as encenações do comunismo [...] esta aliança escan-dalosa do mundo oficial com o maximalismo de encomenda [...]trancando nos quartéis a força pública [...] agasalhando no palá-cio do governador os caudilhos da mazorca [...] O governo atacaas classes conservadoras e desencaminha as classes obreiras” (grifonosso). (BANDEIRA, 1967, apud RUBIN, 1979 p. 40).

Seabra concluiu seu segundo mandato, no qual praticamentededicou-se à política nacional, de forma melancólica.75 Com seu tem-

Tabela 10 – Estrutura ocupacional da classe operária de Salvador - 1920

Fonte: Castelluci (2004, p. 60, Tabela 2).

75 No segundo mandato de J.J. Seabra foram intendentes de Salvador: o Cel. Manuel Duartede Oliveira (1920 – 1921) e o Engº Epaminondas dos Santos Tôrres (1921 -1924).

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peramento ousado e insubmisso, fez algumas apostas políticas in-felizes, rompendo, ainda no processo eleitoral, com o novo presi-dente Arthur Bernardes que se constituiu em seu feroz e implacá-vel inimigo. Sem qualquer apoio na esfera federal – algo indispen-sável até os dias de hoje para a sobrevivência dos governos estaduais– para surpresa dos seus adversários, lançou como candidato à suasucessão Francisco Marques de Góis Calmon, um banqueiro vincu-lado por laços históricos à cultura do açúcar e parente do seu ad-versário político em termos federais, Miguel Calmon du Pin eAlmeida, ministro do presidente Artur Bernardes, também seu fer-renho inimigo. Percebendo que seria posteriormente descartado76

rompeu com esta candidatura, esfacelou seu partido, sendo derro-tado e abandonado pelos seus mais fiéis e antigos correligionários.Foi obrigado a passar o governo com a Bahia sob intervenção fede-ral, em estado de sítio, e com um dívida externa muito maior doque a encontrada, além de insolvente.

Finalmente, as forças conservadoras venciam, após doze anos,o político que as desafiara e que tentara modernizar a Bahia de for-ma autocrática.

Figura 7 – A classe operária: fábrica de confecções, 1918Fonte: Coletânea da revista Bahia Ilustrada, 1917/1918, seleção de Gilberto Melo (citadopor SPINOLA, 1997, p. 101).

76 Segundo Sampaio (1998, p.179), para justificar sua atitude, Seabra baseou-se numa cartaque o dissidente Medeiros Neto enviara ao senador Moniz Sodré (23 de nov.), segundo aqual Góis Calmon, através do seu irmão* ministro, teria assegurado ao presidente daRepública que sua “vitória seria a liquidação do seabrismo [...]”. Por uma questão desobrevivência política, portanto, Seabra negava “positiva e francamente a continuaçãodo seu apoio a Góis Calmon.” Preferia, no final das contas, “a luta ao suicídio”.

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2.3.6 Francisco Marques de Góis Calmon77

Uma série de tumultos políticos marcou a candidatura de GóisCalmon ao governo do Estado. A intervenção do governo federalassegurou sua vitória, sendo empossado em 29 de março de 1924sob a vigência do estado de sítio, decretado em todo o Estado.

Seu governo voltou-se especialmente para a solução dos pro-blemas administrativos e financeiros do Estado, herdados da ges-tão anterior78. Góis Calmon inaugura, em 1924, o sistema rodoviá-rio que irá, daí em diante, gradativamente, substituindo a preocu-pação com as ferrovias, que foi uma constante em todos os gover-nos que o antecederam. Assim, construiu a ligação rodoviária entreSalvador e Feira de Santana e outras, em concreto armado, sendo ade Santo Amaro a segunda a ser construída no país. No setor deeducação, com Anísio Teixeira, promove importante reforma nosistema educacional do Estado e dissemina o ensino médio no inte-rior. Deu ênfase à saúde pública, criando a Secretaria de Saúde eAssistência Pública, e incentivou a agricultura e a indústria.

Góis Calmon não era um político, no estilo dos seus antecesso-res. Era possuidor de uma boa formação técnica e estava, intelectual-mente, neste plano bem acima do universo de conhecimento dosseus pares. Muitas das suas propostas não foram assimiladas pelosprodutores baianos culturalmente bastante atrasados e resistentesà mudança. Particularmente interessado na cultura do açúcar, mo-bilizou consideráveis esforços buscando a sua recuperação. Quemlê seus relatórios se impressiona com a riqueza de detalhes com aqual esgrime os argumentos em prol da modernização das princi-pais culturas agrícolas do Estado que constituíam o centro de seusinteresses. Tentou formar uma administração competente, levandopara o quadro do Estado inúmeros profissionais qualificados.

No plano político, Góis Calmon não obteve sucesso, notada-mente no que se refere à sua luta contra os “coronéis” do interior,tendo a frente Horácio de Matos. Conforme Pang (1978 p. 183-184):

77 Advogado e banqueiro teve um papel relevante como intelectual escrevendo sobre a his-tória econômica da Bahia no século XIX. Era ligado à burguesia agrário-comercial-expor-tadora, notadamente aos produtores de açúcar, cultura cuja recuperação defendeu arden-temente, e, também, parente de Miguel Calmon Du Pin e Almeida que foi Ministro e Se-cretário de Estado dos Negócios da Indústria, Viação e Obras Públicas, dos governos AfonsoPena e Nilo Peçanha e da Agricultura, Indústria e Comércio, do governo de Artur Bernardes,no período de 16 de novembro de 1922 a 15 de novembro de 1926.

78 Na gestão de Góis Calmon foram intendentes de Salvador: o Engº Joaquim Wanderleyde Araújo Pinho (1924 – 1926); Francisco Eloy Paraíso Jorge (Interino, 1926 – 1927) e oCel. Francisco Gomes Magarão Ribeiro (Interino, 1928).

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[...] o maior desafio que os Calmon enfrentaram em sua ascensão àsupremacia política veio dos coronéis de Lavras. Entre dezembrode 1924 e fevereiro de 1925, os exércitos particulares do estadocoronelista de Lavras confrontaram-se com as forças unidas da ForçaPública da Bahia e dos coronéis anti-horacistas. Nessa guerra, opapel do Presidente da República foi crucial, como árbitro da res-tauração da paz o estabelecimento da entente cordiale entre o ser-tão e Salvador (grifo nosso). Na Bahia, a guerra entre os Calmon eHorácio de Matos foi o primeiro teste da viabilidade da políticados presidentes. O resultado da chamada Batalha de Lençóis ilus-tra perfeitamente o funcionamento da relação entre o coronel e opresidente, por um lado, e o reduzido papel do governador nosnegócios locais, pelo outro.[...]Assim como no tratado de 1920, Horácio impôs suas condições,como um xogum Tokugawa lidando com os emissários do impera-dor impotente. O conflito entre o governo de Góis Calmon e Horáciode Matos mostrou duas importantes mudanças que haviam acon-tecido no coronelismo da Primeira República. Em primeiro lugar aexistência dos “estados dentro do estado”, tornara-se uma realida-de, mas não como fato isolado, separado da polícia da capital doestado e da federação. Pelo contrário, a sobrevivência de um esta-do, coronelista baiano foi decidida no Rio e não em Salvador (grifonosso). A política dos presidentes não foi, na realidade, um fatorchave no controle dos coronéis dos municípios pelos partidos do-minantes do centro-sul (o PRM e o PRP), mas foi um fator. decisivopara a sobrevivência dos coronéis dos estados secundários, que empouco tempo se tornaram aliados do PRP ou do PRM, Em segundolugar, a entente cordiale entre os coronéis e os bacharéis não resul-tou na dicotomia da política do estado, mas sim no estabelecimen-to de uma relação de poder triangular de uma aliança entre os co-ronéis, os presidentes e os PR . Essa tendência continuou a existirdurante a década de 1930 até a década de 1960, com os presidentescada vez mais dependentes dos chefes políticos locais para a ob-tenção de votos. Visto dentro desse contexto, a importância docoronelismo como instituição de poder local não declinou depoisde 1930, mas continuou como um novo fator na política nacional.

Assim, da mesma forma que nos governos passados, o podergovernamental se exercia plenamente apenas em Salvador e noRecôncavo. O interior era dominado pelas oligarquias rurais, con-formando um sistema que muitos, equivocadamente, confundiramcom o feudal. Este quadro, de certa forma,com outros matizes, per-dura até os dias atuais.

A ordenação administrativa do Estado propiciou a ampliaçãodo setor burocrático com a criação de inúmeros cargos públicosque foram ocupados por nova elite, a dos bacharéis, que passaria aassumir as posições de mando na política baiana.

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Em 7 de abril de 1925, Góis Calmon apresenta seu extenso relatório(2 volumes) relativo ao ano de 1924 em que pôde realmente fazer umbalanço da situação do Estado. Na sua Mensagem79 à Assembleia, GóisCalmon não esconde sua antipatia em relação a J. J. Seabra:

Paixões encandesceram a ponto de crear fora do Estado a impres-são irreal de um prestigio perdido, aliás, na reiterada pratica deum Governo que ficara assignalado pelo desrespeito systematicoàs prescripções formaes da Constituição e das Leis. Algunsfeitichistas da política, filiados á idea de que no Executivo aindareside um poder soberano e absoluto, esquecidos do regimen queadoptamos e dos princípios democráticos que devem originar anossa acção social, imbuídos do fanatismo confiante na perpetui-dade das posições políticas, julgaram que, dispondo da força mo-ral e material, que, em regra, aquelle poder conserva, fácil lhes se-ria supplantar a vontade eleitoral e annular os demais poderesconstitucionaes.Por esse erro de visão desvirtuaram o regimen compretensão voluntariosa, em querer que emanasse da vontade ex-clusiva do Governador a escolha do seu sucessor. Em torno de tãoerrada concepção concentraram-se elementos dissidentes do Parti-do Democrata, sob a direcção do próprio Governador, cujoquatriennio terminou em 29 de março ultimo.

Nesta mensagem, Góis Calmon apresenta seu projeto sobre a re-forma do ensino no Estado da Bahia, que se transformou na lei n. 1846de 14 de agosto de 1925. Esta lei ficou conhecida na história da educaçãobrasileira como Reforma Anísio Teixeira. Tavares (2001, p. 350) a conside-ra como a realização mais importante do governo de Góis Calmon.

A iniciativa da organização de um sistema único de ensino primá-rio na Bahia só é tomada no Governo Góis Calmon, em 1925. Aní-sio Teixeira, pela primeira vez à frente da administração da educa-ção na Bahia, propõe e implanta, através da Lei nº. 1846, a unifica-ção dos serviços educacionais estaduais e municipais, estabelecen-do-se: • Ensino primário (a cargo dos municípios e do Estado) cons-titui-se um só e único serviço, sob a direção geral do Estado. • Acompetência de “criar, manter, transferir e suprimir escolas de ins-trução primária” dos municípios é reconhecida, nos limites da lei.• Unificados os serviços, todos os professores passam a ser funcio-nários estaduais. A lei prevê também a forma de ingresso e a car-reira dos professores, bem como os níveis da sua remuneração. • Omunicípio fica obrigado a destinar 1/6 da sua receita para a edu-cação primária, podendo ainda criar contribuições especiais paraa educação; 80 • O tesouro do Estado pagará aos professores a partir

79 As mensagens de Góis Calmon são as mais detalhadas de todos os governadores deste período(1900/1930) constituindo excelente fonte de informações sobre a economia no período.

80 Esta exigência foi posteriormente revogada no governo seguinte de Vital Soares diantedo clamor dos municípios que não possuíam condições financeiras para arcar com estadespesa. Os 17% (1/6) exigidos foi o percentual máximo em relação à Receita Geral doEstado que o governo Góis Calmon aplicou na instrução pública, quando os seus antecesso-res se situaram numa faixa média de 10%.Como exigir igual procedimento dos municípios?

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dos recursos recolhidos mês a mês pelos municípios à Fazendaestadual. Em caso de não recolhimento, será apurada a responsabi-lidade do Intendente, que poderá ser afastado temporária ou defi-nitivamente do cargo. Tal inovação não poderia deixar de provo-car fortes reações em contrário, na Bahia do final da 1ª República,depois das crises entre poder local, coronelístico, e o poder estadu-al. A nova lei, apesar de ter provocado o aumento significativo dasmatrículas na escola primária, e de ter trazido reais vantagens paraos professores, pela unificação da carreira e de proventos, é acusa-da de autoritária e de atentar contra a autonomia dos municípios.(MENEZES, 1999, p.160).

A reforma começa pela “centralização do serviço de ensino”.Góis Calmon (1925, p.59) considerava que “a administração do en-sino na Bahia, dividida entre uma simples Inspetoria (Geral do En-sino) e a Secretaria do Interior, Justiça e Instrução Publica” pussuiauma multiplicidade de objetivos e que a estrutura descentralizada,como estava, impedia uma necessária especialização, além de uni-dade de comando. Segundo ele, “a dispersão do serviço retira-lhe arobustez”.

Criou, assim, a Diretoria da Instrução Pública, procurando dar-lhe “tanto quanto possivel, certa liberdade e autonomia acção”. Comeste mesmo espírito “buscou a unificação do Ensino Municipal eEstadual”. Justificando esta providência afirma, com bom senso,de que sendo a educação “um serviço que, como se sabe, exigedirecção technica e especializada” vivia o ensino municipal entre-gue às intendências, “cuja organização meramente política” nãopermitia a “continuidade de realização de um plano de educaçãopopular” (grifo nosso). Adiante, declara em sua mensagem:

Fica, desta sorte, com a necessária centralização o serviço escolar,que hoje disperso pelos cento e muitos municípios do estado, quesão outras cento e muitas administrações escolares, não é mais doque um serviço rudimentar de alphabetização, para cujo corpo do-cente, a exigencia do próprio diploma de professor primário é tidacomo luxo dispensável e superfluo81. A seriedade administrativae a seriedade technica faltam, por completo, ao serviço” (BAHIA,CALMON, 1925, p.59).

Estabeleceu que “a gratuidade absoluta (do ensino) existirásomente para o curso elementar. Todos os outros cursos supplemen-tares estão sujeitos a taxa da qual, entretanto, se libertam os allumnosdesprovidos de recurso”. Argumentando contra uma evasão que

81 Isto em 1925! O fato é que até 1990 existia no interior da Bahia uma infinidade de “pro-fessoras leigas” sem o correspondente diploma.

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atingia 90% dos alunos matriculados no ensino elementar, estabe-lece a obrigatoriedade escolar, afirmando: “não é tanto a obrigatorie-dade da matricula, quanto a da frequencia que se tem de levar aeffeito”.

No que tange aos docentes, pondera que:[...] os professores são actualmente escolhidos na Bahia em virtudede um concurso de docummentos, que nem sempre vale o concur-so de competencia. Se os candidatos se encontram em identicascondições, prevalece para a escolha entre os concorrentes o criterioda maior antiguidade de formatura. A idéa é exdruxula e perigosa.Antiguidade de formatura commumente quer dizer antiguidadede estudos e distanciado alheiamento dos livros [...] A lei verdadei-ramente garantidora dos direitos do professorado deve assentarno merecimento pessoal.

Assim sendo, mudou o critério de seleção, adotando o méritocomo fator predominante para a seleção dos docentes, estabelecen-do um período de carência (probatório) de três anos para a obten-ção da vitaliciedade. Segundo o governador, “O espírito da novalei do ensino é permitir a ascenção dos mais capazes e só delles”.

A duração dos cursos foi fixada em quatro anos para o ensinoelementar e três anos para o ensino complementar. Os programasde ensino contemplavam as seguintes disciplinas: no fundamental,

1) Língua portuguesa; 2) Caligraphia; 3) Elementos de arithmetica,inclusive systema metrico; 4) Desenho linear; 5) Noções degeographia geral e chorografia82 do Brasil; Elementos de Históriado Brasil; 6) Lições occasionais de civilidade, de educação moral ecivica, de hygiene elementar e de agricultura e industria applicadasà localidade; 7) Prendas domesticas para as meninas; 8) Canticos ehynos escolares; 8) calistenia.83.

No ensino complementar, os estudos compreendiam:1) Lingua Portuguesa; 2) Lingua Francesa; 3) Geographia Geral; 4)Historia do Brasil; 5) Arithmetica e Algebra; 6) Desenho geometricoe de imitação; 7) Sciencias naturaes (noções); 8) Sciencias physicas(noções); 9) Educação e instrucção moral e civica; 10) Musica; 11)Trabalhos e prendas domesticas; 12) Gymnastica.

O governador explica que não existiam, nas escolas baianas,programas de ensino no curso primário, daí o mal conceito que exis-tia sobre as coisas da instrução na Bahia84 (grifo nosso). Para justifi-car sua implantação e fixação por regulamento obrigatório, afirma:

82 Estudo ou descrição geográfica de um país, região, província ou município (Corografia)83 Exercícios de ginástica para a beleza e vigor físicos.84 Este conceito perdura até os dias atuais, bastando ver a posição da Bahia no rank nacional.

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Inevitavelmente, os programmas, alem de interessarem fortemen-te a opinião publica, encerram o ideal – o fim com que é dada ainstrucção. Nele, mais do que a simples lista de materia a ensinar,se deve encontrar, pelo, menos parcialmente, o ideal educativo eo modo de realizal-o (grifo nosso).

Rompendo claramente com o humanismo jesuítico e optandopela formação técnica e pragmática, Góis Calmon estabelece umacomparação com a escola americana, mostrando que, diferentemen-te da nossa, aquela faz com que

[...] a creança americana deix[e](a) a escola como um pequenino eemprehendedor homem de trabalho, (grifo nosso) cheio de inicia-tiva, levando mais em conta os resultados materiais de suaactividade do que os cuidados com a sua cultura intelectual.

E acrescenta:[...] ora, na America, os trabalhos manuais85 e o desenho têm sidoa grande escola de desenvolvimento da personalidade pelo culti-vo intensivo da vontade e do pensamento. Enquanto as escolastheoricas e livrescas desenvolvem a intelligencia e a imaginação,descurando a vontade, a educação americana fortifica sobretudoesta pela acção. Toda a educação primaria americana assenta nes-se principio froebeliano86: educar pela ação” (p.65).

Observe-se que, há 83 anos, atrás Góis Calmon já falava, pio-neiramente, na formação empreendedora e dinâmica do nosso povo.Por que isso não ocorreu?

No que se refere à economia, sua área de especialização, GóisCalmon traça um interessante retrato da situação da Bahia ao atin-gir o primeiro quartel do século XX. Vale lembrar que seu governotranscorre numa fase de recuperação e prosperidade da economiabrasileira, superados os traumas gerados pela primeira guerra.

O governador começa sua exposição com o mote que posterior-mente se transformou em refrão dos economistas do setor público es-tadual até os dias de hoje: a participação da Bahia no balanço de paga-mentos, como se, numa estrutura de excessiva concentração da renda,em que os excedentes eram aplicados na amortização de empréstimosexternos, em consumo suntuário ou em aplicações fora do Estado poruma oligarquia estróina, significasse progresso para a economia local.

Destaca, assim, em sua Mensagem de 7 de abril de 1925 (p.157 eseguintes), “que é considerável a contribuição da Bahia na balança

85 Na nossa cultura atividade destinada apenas aos pardos, pretos e escravos.86 Froebel (1782-1852) Educador alemão. Suas idéias reformularam a educação. A essência

de sua pedagogia são as idéias de atividade e liberdade Trabalhou com Pestalozzi, eembora influenciado por ele, foi totalmente independente e crítico.

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commercial do Paiz, e que os seus saldos annuaes da exportação parao exterior, são valores effectivos a favor do intercambio brasileiro.”Segue-se a exposição de uma concepção econômica, isolacionista e típicade banqueiro usurário, que não faz justiça à inteligência do governa-dor e que retrata bem a mentalidade da elite baiana na época. O gover-nador considera uma vantagem para a Bahia não existir no Estado

1º. corrente imigratoria extrangeira, que possa determinar a emi-gração de capitaes para o exterior, resultante da economia dos co-lonos (como se houvessem, porque não houve, colonos, estes nãoiriam produzir e gerar riquezas no estado, com bem fizeram nasregiões Sul e Sudeste); 2º Não existindo capitaes estrangeiros em-pregados neste Estado, consequentemente, também não se verificaa saida de juros e amortizações desses capitaes (pelo visto o gover-nador não considerava os aspectos positivos das inversões estran-geiras, notadamente em capital fixo, que poderiam compensar onosso atraso tecnológico e escassez de poupança); 3º. O serviço dadívida externa do Estado exige, presentemente, o pagamento, ape-nas, (grifo nosso) da importancia annual de seis mil contos de réis(como se a dívida externa rolada desde o início do século, nãoconstituisse um grande embaraço para o desenvolvimento do esta-do); 4º. Sendo muito”. pequeno o numero de pessoas que daquiseguem, em viagem, com destino ao estrangeiro, por tal motivotambem não se dá evasão de avultadas quantias-ouro (como se oisolacionismo por pobreza e atraso fosse uma vantagem econômi-ca); 5º. Não se verifica, outrossim, o caso de residirem bahianos naEuropa ou em outros meios extrangeiros (como se isto fosse vanta-gem. Talvez porque entendia o governador que quando no exteri-or os baianos, certamente filhos dos oligarcas locais, numa vida per-dulária e inútil, constituiam uma fonte de drenagem de recursosvia mesadas. Anula-se a possibilidade de ocorrer o contrário vistoque os melhores técnicos brasileiros na época se formaram no exte-rior. Inclusive Anísio Spinola Teixeira, seu secretário).

Informa o governador que o comércio interior do Estado mo-vimentava, em 1923, Rs.212.593:286$000 em giro, através 20 020 em-presas.

São dados colhidos com base no pagamento do imposto sobreindústria e profissões, não incluindo os estabelecimentos da capi-tal, que demonstram a fragilidade econômica do interior baiano.

Em 1924, os três principais produtos de exportação baianoseram o cacau, o fumo e o café. Os três, reunidos, respondiam por70% do valor exportado. O açúcar, em quinta posição, respondiaapenas por 8% deste valor.

A despeito da posição modesta ocupada pelo açúcar, é ele,como foi anteriormente mencionado, o objeto primeiro das preo-cupações do governador, que admite ter sido ela a cultura mais

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protegida por auxílios, concessões e impostos mínimos que lhe im-pediram a decadência fatal, precipitada pela crise de 1873, e segui-damente, até o maior desastre, resultante da desordem produzidapela reforma social de 1888 (abolição da escravatura) (p.159) (grifonosso).

Para resolver os problemas da cultura do açúcar, vítima dassecas, o governador defende a adoção da irrigação.

Em relação à cultura do fumo, a segunda maior exportadora doEstado, diz Góis Calmon: “é uma das grandes lavouras do Estado,com papel preponderante no seio da Nação. Infelizmente, tambémé, em geral, rotineira, por ser a lavoura do pobre e tradicionalmentedo proletário” (grifo nosso). Mas, também, descobre-lhe um mérito“foi nella que, entre nós, nasceu o cooperativismo, o principioassociativo.” E, aí descreve o progresso do cooperativismo à época:

É notorio o desenvolvimento continuado do credito popular e agrí-cola entre nós. Basta assignalar que, quando me dirigi a essaAssemblleia, em igual data, no anno de 1925, existiam, apenas naBahia 13 Caixas Ruraes do systema Raiffeisen87, ao passo que hojeesse numero já ascende a 38, além de um banco Luzzatti, das quaesestão em inteira actividade, distribuindo múltiplos benefícios, asCaixas Ruraes de Amargosa, Agua preta,, Belmonte, Bomfim,Brejões,Cachoeira, Feira de Sant’Anna, Itabuna, Muritiba, Nazareth,

Tabela 11 - Comércio no interior baiano - 1923

Fonte: Góis Calmon. BAHIA, Mensagem, 1925, p.157.Nota: * Aguardentes, expressão portuguesa.

87 Tanto as cooperativas do tipo Raiffeisen (surgidas na Alemanha) como os bancos popu-lares do tipo Luzzati (surgidos na Itália) são instituições de crédito cooperativo introdu-zidas no Brasil no início do século XX, notadamente no Rio Grande do Sul.

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Santo Amaro, São Felix,Serrinha e Santo Antonio de Jesus. As cai-xas ruraes de Alagoinhas, Affonso Penna, Areia, Caetité,Cannavieiras, Cruz das Almas, Livramento, Santa Ignez e Lage sóreceberam o material de escripta que o Governo, na forma do art. 2da lei n. 1764, de 13 de Junho de 1925, se obrigou a fornecer gratui-tamente, nos mezes de Janeiro e fevereiro do corrente anno, de modoque ainda não puderam demonstrar sua actividade. (BAHIA,CALMON, 1926, p.239).

Assinala a importância do cacau para a economia do Estado,como primeiro produto da sua pauta de exportações, responden-do, em 1924, por 31% do valor exportado, e preconiza um conjuntode medidas de natureza técnica para o melhoramento da cultura.

A respeito da indústria, observa:[...] as nossas pequenas e grandes indústrias ainda deixam muitoa desejar. Os homens de iniciativa são, em geral, os que menosdispõem de capital e de crédito. Os seus trabalhos, iniciador einventivo, têm de sujeitar-se aos ramos capitalistas que percebemser a indústria uma boa fonte de renda.

Em termos de incentivos fiscais à indústria refere-se a projeto delei que autorizará a concessão, a fundo perdido, de Rs 1.000:000$000 acada alto forno e de Rs 50:000$000 a cada forno catalão “com o fim defazer surgir na nossa terra a industria metallurgica”.

Quanto à pequena indústria, Góis Calmon informa que[...] a estatística e o fisco não puderam ainda conhecer de umas pe-quenas indústrias, quasi familiares, de bordados, rendas e outrosartefactos de agulha e crochet, bonecas, flores, doces, etc. como devarias outras de institutos officiaes e particulares destinados a finsde aprendizagem e de economia interna dos mesmos... O gênio in-dustrioso do nosso povo é notável e de uma vocação artística im-pressionante.

Aí, minuciosamente relaciona as atividades em funcionamen-to naquele ano de 1925 (Tabela 12).

Além das empresas listadas na Tabela 12, o governador relacio-na a existência de outras, não quantificadas, dos gêneros de ourive-sarias, lapidação de pedras preciosas, pequenos curtumes, artefa-tos de ferro esmaltado, de bengalas, de produtos farmacêuticos ecerâmicos, de rapé, fumo desfiado e migado (picado), de chocolate,bombons, salga e conserva de peixes e adubos químicos. A tabelaanterior não fornece maiores informações para análise, vez queomite dados relacionados ao valor da produção. Entre as pequenasindústrias relacionadas, predominavam os fabricantes de bebidase destilarias que representavam 43% das empresas. O setor de cal-çados ocupa o segundo lugar, com 19% das empresas, apesar de

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apresentar uma produção modesta. Ainda significativa era a parti-cipação das fábricas de charutos e cigarros, com 9% das empresas,mas um volume de produção mais elevado. Os setores que se des-tacam estão diretamente vinculados à base agrícola estadual: açú-car, fumo e couros e peles e pertencem ao ramo das chamadas in-dústrias tradicionais, vinculadas a atividades relacionadas com asnecessidades primárias da população.

Quanto às “chamadas grandes indústrias”, o governador refe-re-se à indústria têxtil com dados defasados (de 1914), relatando aprodução de “uns 50.005.336 metros de fazendas diversas em 11fábricas”. Refere-se também às fabricas de açúcar que,

[...] na safra de 1923/1924 produziram 22.997.700 kg nas 17 usinas,não sendo possível obter-se a das 5.946 engenhocas e dos 705 enge-nhos existentes; à de sal com 8.252.485 kg; os dois grandes cortumesque preparam marroquins, pellicas, cordovões e duas fabricas deproductos pharmaceuticos, allopathicos e homeopathicos, cuja pro-dução não poude ser apurada.

A respeito das estradas de rodagem – depois do açúcar, o temade sua predileção –, diz Góis Calmon em seu relatório:

O progresso de nossa producção, a propaganda feita pelo Governopela Imprensa Official e os auxílios que tem concedido a reconhecidanecessidade de viagens mais cômodas e rápidas por automóveis,

Tabela 12 – Pequenas indústrias da Bahia - 1925

Fonte: Góis Calmon, BAHIA, Relatório 1925, p.195.

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determinaram esse extraordinário movimento da iniciativa mu-nicipal e individual para o aperfeiçoamento de nossas velhas es-tradas e aberturas de novas (grifo nosso). E assim, até fins de De-zembro do anno passado, mais de 900 kilometros de rodovias nos-sas estavam sendo percorridos por mais de centenas deautomoveis e caminhões. Estão quase promptas, faltando algumasobras de arte definitivas e pequenos reparos, as seguintesestradas:De Alagoinhas a Irará, de Serinha à Feira de Sant’Ana; deGeremoabo a Queimadas e deste ponto a Patronicio do Coité e aCícero Dantas; desta Capital a São Sebastião e de Brotas a Feira deSant’Ana; desta localidade a Mundo Novo, por Camisão e MonteAlegre e ainda para Berimbao e Serrinha; de Affonso Pena a Sapé ;de Castro Alves a Santo Antonio do Arguim; de Lagedo Alto a Ve-ados e deste a Brejões; de Amargosa a Tartaruga; de Nazaré aAratuype; de Santa Ignez a Olhos D’Agua; de Jaguaquara a Itirussú;de Jequié a Rio Branco; de Curaçá ou Capim Grosso, a Juazeiro; deCaetité a lapa e de Caetité a Caculé; da fazenda Alegria do Candeala Condeuba; de Cachoeira a São Gonçalo e de Muritiba a Cruz dasAlmas.O governo auxilia a construção das estradas de Monte Ale-gre a Mundo Novo; de Feira a Camisão; de Affonso Pena a Sapé; deCastro Alves a Santo Antonio do Arguim; de Curaçá a Juazeiro ede Cachoeira a São Gonçalo.

Como informa o governador, a construção das estradas de roda-gem foi de iniciativa municipal ou de particulares. O Estado se incum-bia da construção das obras de arte e fornecia um subsídio por quilô-metro construído. Ainda sobre a precariedade do sistema de transpor-te do Estado à época, declara-se admirado de que “a nossa producçãose tenha desenvolvido, sem tal accessorio indispensável e com a faltahoje evidente, de animaes de transporte. No que diz respeito às ferro-vias, apresenta o seguinte balanço para o ano de 1924:

[...] não acompanharam o progresso da produção” 88 entregues aodomínio da incapacidade, sem idoneidade technica e financeira,e ao desprezo dos governos passados, com indiferença dos inte-resses da lavoura e do commercio, que são os do publico, estag-naram no desmantelo, salvo uma ou outra excepção. A internaçãodas estradas de ferro pelo nosso sertão foi descuidada. Umas es-tão paralizadas há mais de dez annos, outras desde o mesmo tem-po que roceiramente trabalham nus 60 kilometros intermináveise algumas, as do Governo Federal, quase que profiam no mesmopasso (p. 209) (grifo nosso).

Percebe-se que, em se tratando, a ferrovia, de um meio de trans-porte que exige investimentos substanciais, esgotados os financia-mentos externos e não atingidas todas as suas finalidades – ou pelo

88 Mas absorveram grande parte dos financiamento externos comprando locomotivas, va-gões e trilhos velhos dos ingleses.

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desvio dos recursos, corrupção ou subestimação dos orçamentosde obras, numa época em que os levantamentos topográficos e osconhecimentos da mecânica dos solos não eram muito desenvolvi-dos notadamente na Bahia, e levando-se em consideração a criseeconômica decorrente da primeira guerra –, seria de admirar queeste sistema estivesse prosperando. Faltaram recursos de modo gerale as obras pararam. As empresas existentes foram exploradas demodo predatório, logo teriam que se deteriorar sem a manutençãopermanente. A Estrada de Ferro de Nazaré, segundo relata GóisCalmon, foi encontrada com parte dos dormentes podres.

De significativo nesta área, registra-se, no governo GóisCalmon, a conclusão da Estrada de Ferro de Nazaré, com a exten-são dos seus trilhos até a cidade de Jequié que se tornou o pontofinal da ferrovia até a desastrada providência do governo federalque a extinguiu na década de 1970.

Ainda no tocante ao sistema de transportes, o governo GóisCalmon assumiu novamente as empresas de navegação do Estado– Navegação Baiana e Viação do São Francisco –, promovendo suasmodernizações.

Justificava-se a preocupação de Góis Calmon com a questãodos transportes que estrangulavam a nossa economia e limitava oseu processo de industrialização. Como homem ligado ao meioempresarial devia ter conhecimento do quadro descrito, muitos anosdepois, por Thales de Azevedo e E.Q. Vieira Lins no livro Históriado Banco da Bahia: 1858-1958, transcrito a seguir.

A decadência que se assinalava da Bahia para o norte, a insuficiên-cia do abastecimento europeu durante a guerra, criaram condiçõespropícias à expansão comercial fora dos limites estaduais com oconsequente maior desenvolvimento do parque industrial. Toda aregião circunvizinha, em grande parte produtora de café, era con-taminada também, pelo progresso paulista. Por volta de 1922, fá-bricas “inundavam a nossa praça com pregos por qualquer preço”fazendo concorrência à indústria local, sendo de observar que, des-de muito antes, já havia “inundação de caixeiros-viajantes cariocase paulistas”.Era observado, ainda, que, enquanto os governantesbaianos não davam a devida atenção aos meios de transporte, osEstados vizinhos faziam avançar as suas estradas de ferro e de ro-dagem, estendendo paralelamente por intermédio dos seus “cai-xeiros-viajantes” os seus perímetros de influência e negócio, queresultava no desvio da freguesia do comércio metropolitano. Ob-servação de quem sentia diretamente os efeitos da concorrênciacomercial, correspondia, contudo, à realidade, embora não pudes-se ser imputada exclusivamente aos nossos governos. Efetivamen-te, enquanto crescia o parque ferroviário do Sul, sempre fazendo

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crescer os mercados de consumo, nós nos limitávamos a uma es-trada de penetração para o São Francisco, uma outra para o sudo-este, e uma que tentava o centro. No mais, ficávamos arranhandoo litoral como caranguejos. Enquanto todo o Norte, incluída aBahia, possuía, em 1919, cerca de 5.290 km de ferrovias, o nossoEstado possuindo 1.728, o Sul possuía 22.548 km, sendo que SãoPaulo com 6.615 e Minas com 6.613. A situação não se alterariapara o futuro, com o decréscimo, para nós, em qualidade, adisparidade ocorrendo, também, no setor das rodovias. Ainda nosetor ferroviário, se, proporcionalmente, em face da superfície dosEstados, devíamos ter, em relação a São Paulo, pelo menos o dobrode trilhos, possuíamos apenas menos de um terço. Ocorria portan-to, que nos distanciávamos do nosso interior, que passava a serassistido comercialmente pelos Estados vizinhos, e Salvador se re-duzia, cada vez mais, à condição de metrópole do Recôncavo. Querdizer que, havendo sempre uma tendência para a concentração in-dustrial nas grandes cidades, no nosso caso Salvador, restringiam-se gradativamente as possibilidades de um consumo interno,consequentemente jugulando o nosso desenvolvimento industrial.(1969, p. 228) (grifos nossos).

No final do seu governo, Góis Calmon apresenta um detalha-do estudo do endividamento da Bahia (Mensagem de 1927) demons-trando que, naquele ano, o Estado devia a soma de Rs 98.522.050$941dos quais 56%, ou seja, Rs. 55.072:600$000, correspondiam à dívidainterna e os restantes Rs 43.449:450$941 (44%) aos banqueiros inter-nacionais. Esta dívida externa equivalia a Frs. 42.976.500,00, ou seja,Rs. 17.303: 514$001, a serem pagos aos bancos franceses e a L2.941.418-4-0, ou Rs. 26. 26.145.936$940, aos bancos ingleses, por-tanto os maiores credores do Estado.

Pelo que se observa durante todos os períodos governamentaisda Primeira República a Bahia constituiu uma grande fonte de rendapara o sistema bancário nacional e internacional carreando praticamen-te tudo que arrecadava da população para os cofres dos banqueiros.

2.3.7 Vital Soares89

Inicialmente um liderado de Góis Calmon, a quem deveu asua eleição para o governo do Estado, Vital Henriques Baptista Soa-res administrou a Bahia no período de 28 de março de 1928 a 21 de

89 Egresso do quadro jurídico do Banco Econômico da Bahia,do qual foi Presidente. Emsua gestão administrou a cidade do Salvador o Engo.Francisco de Souza (1928 – 1930). Apartir dessa administração os intendentes passaram a ser denominados prefeitos (FUN-DAÇÃO, 2008).

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julho de 1930, quando renunciou para concorrer à Vice-Presidênciada República na chapa de Júlio Prestes, vencedora do pleito nacio-nal, mas impedida de assumir o poder pelo movimento revolucio-nário de 1930 encabeçado por Getúlio Vargas.

Governando a Bahia por um curto período, Vital Soares divi-diu suas atenções com a continuidade da política adotada pelo seupredecessor, buscando a integração e o fortalecimento das relaçõesentre o sistema financeiro e o comércio e a agricultura e com a polí-tica nacional, em que ganhou mais não levou a Vice-Presidência daRepública.

Tratou-se, pois, de um governo de transição do regime demo-crático para o autoritário que vai governar o Brasil e a Bahia por 15longos anos.

Como todos os seus predecessores, Vital Soares aborda, emsuas mensagens à Assembleia Geral Legislativa do Estado, ques-tões que se padronizaram nas mensagens anteriores: a situação eco-nômica e a péssima situação das finanças públicas, o desempenhodas lavouras tradicionais de exportação e a recorrente questão daseca e dos seus transtornos.

Tratando-se de um sucessor amigo e companheiro do gover-nador anterior e tendo mesmo Góis Calmon exercido uma admi-nistração eficiente, a Mensagem, encaminhada em 7 de abril de 1929,é prenhe de otimismo. Mal sabia o novo governador da hecatombefinanceira que desabaria sobre o mundo no fatídico mês de outu-bro daquele ano a partir do crash da bolsa de Nova York.

Dizia então o governador:Nada mais animador, na antevisão do futuro deste Estado que a ob-servação dos dados estatísticos, relativamente ao nosso intercambiocommercial. Ao findar o Império, a nossa exportação para o estran-geiro não ia além de 9.794:000$000; dez annos mais tarde, já naRepublica, ela se representava pela cifra de 62.288:000$000 para che-gar em 1920, ao montante de 145.403:000$000 e tocar em 1928, a im-portância de 335.700:000$000. (BAHIA, VITAL SOARES, Mensagem,1929).

Em seguida, apresentava um quadro comparativo entre os sal-dos da balança comercial do Brasil e da Bahia, no período de 1900 até1928, em que se registrava uma considerável vantagem para esta últi-ma. Em sua análise afirmava: “À eloquência desses dados, deve-seapenas fazer uma annotação: enquanto a balança brasileira registroudéficit em dois anos, 1913 e 1920, a da Bahia nunca se desnivelou emsentido descendente.” Afirmava, em seguida, que o saldo mercantil

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brasileiro de 1928 totalizara £ 6.770.000 ou, em moeda brasileira, cercade Rs. 275.000: 000$000, enquanto o saldo baiano no mesmo períodofoi de £ 5.367.000 ou cerca de Rs.217.300.000$000 para concluir que “osaldo de intercambio commercial do nosso Estado foi o grande con-corrente para o saldo brasileiro, comparado com o qual o bahiano re-presentou 79,3%.”

Alinhando outros dados agrícolas que atestavam, a seu ver, ariqueza e prosperidade da Bahia, destacava o governador:

[...] a vantagem da nossa condição de Estado polycultor [alfinetan-do o Estado de São Paulo] a qual importa desenvolvida, por quefiquemos ao abrigo das graves crises que arruínam os povos, quan-do lhes mingua a única ou maior fonte de produção (grifo nosso).

Tema freqüente nas mensagens governamentais, apresenta ogovernador um demonstrativo da dívida externa da Bahia, em 31de dezembro de 1927, a qual totalizava, ao câmbio de estabilização,Rs 149.038:032$140 que correspondiam em 89% a créditos inglesese o restante, a créditos franceses. Em moeda estrangeira, a dívidatotalizava £ 3.267.438-4-0 e Frs.48.230.500.

Em sua segunda e última Mensagem, de 2 de julho de 1930,desapareceu o otimismo governamental. Segundo Vital Soares:

O anno de 1929 assignalou uma das maiores crises econômicas dasque tem atravessado o Estado da Bahia. E se esta crise foi de ori-gem geral, affectando não só ao Brasil como a grande numero deoutras nações, pequenas não foram as suas consequências na vidado nosso Estado, que sofreu consideráveis prejuízos, pertubando-se grandemente as suas múltiplas actividades realizadoras. Bastaponderar que a nossa exportação exterior em 1929 foi menor queno ano precedente na elevada cifra de 86.765 contos de réis. A im-portação também decresceu de 117.019 contos em 1928 para103.155 contos em 1929. O saldo da nossa balança commercial que em1928 se expressou em 218.680 com tos de réis, ficou em 1929 em145.749 contos de réis... Esses resultados de 1929 refletem as meno-res exportações do Estado, quer nas suas quantidades, quer nosseus valores reduzidos pelas baixas cotações a que todos ficaramsujeitos.

Pelo teor das mensagens não se observa de parte do Governa-dor qualquer preocupação com o problema social que adviria dacrise econômica. A oligarquia agrária mercantil baiana não perce-bia que estava perdendo o poder dadas as novas forças políticas esociais que emergiam no país.

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2.4 A REVOLUÇÃO DE TRINTA NA BAHIA

A Bahia nada teve a ver com a Revolução de Trinta. Esta che-gou até aqui como um fato consumado por causas, motivações ecircunstâncias engendradas pela ruptura da política do “café comleite”, o colapso da economia cafeeira associado à grande depres-são de 1929, o descontentamento das classes média e operária dosestados do Sudeste e do Sul e a insatisfação dos militares (oTenentismo).

Boris Fausto, em sua obra clássica sobre este movimento,desmistifica muitos mitos apreciados pelos historiadores de esquer-da, que identificam neste movimento a vitória da burguesia indus-trial sobre as oligarquias agrário-exportadoras e a representativi-dade da classe média na revolução, demonstrando que o surgimentodesta, na estrutura do poder dos altos escalões da classe governa-mental, virá a ocorrer muito depois de 1930. A despeito de valori-zar o papel dos militares e dos seus anseios por derrubar a Repú-blica Velha e modernizar o país, Fausto demonstra que estes foraminstrumentados pelos políticos gaúchos e mineiros que, unidos,comandaram o golpe de estado que levou Getúlio Vargas ao poder.Desta forma, a Revolução de Trinta não implicou em alterações nasrelações de produção na esfera econômica ou na modificação declasses no poder. Segundo a historiografia, o termo revolução trans-cende a uma simples ruptura constitucional, implicando numatransformação radical da ordem política, social e econômica de umanação. Não foi isto o que ocorreu aqui com a “Revolução” de 1930,que melhor seria classificada como um golpe de estado.

Segundo Fausto (1997, p.136) a formação de uma frente consti-tuída por forças de natureza diversa não responde, por si só, à ques-tão da classe ou fração que substitui, no poder, a burguesia cafeeira.Francisco Weffort encontra a melhor resposta para o problema, ca-racterizando os anos posteriores a 1930 como o período em que

[...] nenhum dos grupos participantes pode oferecer ao Estado asbases de sua legitimidade: as classes médias porque não têm auto-nomia frente aos interesses tradicionais em geral; os interesses docafé porque diminuídos em sua força e representatividade políticapor efeito da revolução, da segunda derrota em 1932 e da depres-são econômica que se prolonga por quase um decênio; os demaissetores agrários porque menos desenvolvidos e menos vinculadoscom as atividades de exportação que ainda são básicas para o equi-líbrio do conjunto da economia. (WEFFORT 1968, apud FAUSTO1997 p.136).

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Em tais condições, segundo Fausto (1997, p.136), instala-se umcompromisso entre as várias facções pelo qual “aqueles que con-trolam as funções de governo já não representam de modo diretoos grupos sociais que exercem sua hegemonia sobre alguns dos se-tores básicos da economia e da sociedade”. (WEFFORT 1998, apudFAUSTO 1997, p.136).

A possibilidade de concretização do estado de compromisso édada, porém, pela inexistência de oposições radicais no interior dasclasses dominantes e, em seu âmbito, não se incluem todas as forçassociais. O acordo se estabelece entre as várias frações da burguesia. Asclasses médias – ou pelo menos parte delas – assumem maior peso,favorecidas pelo crescimento do aparelho do Estado, mantendo, en-tretanto, uma posição subordinada (FAUSTO 1997 p.136).

Na opinião de Rodrigues (1982, p. 98-99)A luta eleitoral e a armada contaram com a simpatia popular, ape-sar do divórcio entre as elites governamentais ou oposicionistase o povo. O receio consistia em que a revolução viesse temerosa-mente, como esclareceu João Neves da Fontoura, de baixo para cima.Pelos seus objetivos reformistas liberais, quase limitados à “Repre-sentação e Justiça”, porque nascia da cúpula dos partidos excluí-dos na participação do poder, da cisão da minoria dominante, omovimento de 1930 só foi revolucionário na forma do comporta-mento, na reação às proscrições acumuladas. Não visava a aten-der, senão em parte mínima, às reivindicações populares, nem aten-dia às aspirações de mudança estrutural do país. Antes pretendia,pelas reformas secundárias, especialmente eleitorais que permitis-sem o acesso das minorias oposicionistas ao poder, evitar ou retar-dar a revolução. A luta teve desfecho rápido, apesar da mobilizaçãomilitar que provocou, e tal qual as revoluções liberais - como a de1842 - não foi relativamente sangrenta, talvez não chegando a 300 onúmero de mortos nas primeiras lutas, logo seguidas das costu-meiras expectativas e tentativas de acordo entre revolucionários elegalistas, e da adesão final, tudo em 20 dias. (Grifos nossos).

Da mesma forma que na Proclamação da República, a Bahia,pelas suas lideranças, começou a Revolução de Trinta na contra-mão da história.

Mais pelo medo de perder o poder de gerir seus interessesparoquiais e por uma tremenda resistência às mudanças do quepor um idílico espírito democrático, todas as suas lideranças, à ex-ceção de J. J. Seabra, se opuseram ao movimento de trinta e a Getú-lio Vargas.

Numa sociedade atrasada como a baiana, as mudanças quecomeçaram a ser introduzidas contrariavam radicalmente todos osinteresses da oligarquia local dominante.

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Isto fica claro no texto seguinte de José Honório Rodrigues emseu, também clássico, Conciliação e reforma no Brasil:

O governo provisório (1930/1934) apresentou muitos ganhos posi-tivos. A reforma eleitoral de 1932 atendia à velha aspiração liberal.Adotava-se o voto secreto, a representação proporcional, o sufrá-gio feminino, o regime de partidos, a justiça eleitoral. Era um avan-ço, embora contivesse falhas e defeitos que a legislação posteriortentou corrigir. A representação ganhava em autenticidade, mascontinuava sem fidedignidade, com a exclusão dos analfabetos, eos partidos continuavam como organizações estaduais, embora apolítica nacional não fosse mais controlada pelas simples coalizõesestaduais. Mas a grande conquista política que o movimento de1930 deu ao povo foi a de que, pelas urnas, pelas eleições, muitastransformações graduais poderiam se efetivar. A outra reforma,mais social que liberal, foi a instituição do regime de trabalhoprotegido pelo Estado. Getúlio Vargas, na plataforma lida em 1930,falara em Código do Trabalho, na estabilidade, no amparo ao tra-balho das mulheres e dos menores. O Brasil aderiu ao Bureau In-ternacional do Trabalho de Genebra, mas das 31 convenções apro-vadas e assinadas pelos nossos delegados só três haviam até entãosido enviadas ao Congresso, onde não tinham andamento. Assu-mindo o governo a 3 de novembro, já aos 26, Vargas criava o Mi-nistério do Trabalho, Indústria e Comércio; de março de 1931 aabril de 1941 decretou 160 leis novas de proteção social e de regu-lamentação do trabalho. A legislação trabalhista, a previdênciasocial e a justiça do trabalho, criada pela Constituição de 1934,mas nascida com as Comissões Mistas de Conciliação e Julgamen-to, refletiam a nossa inspiração progressista, justificavam, por sisós, a revolução de 1930.

Mas o principal, como reforma substancial, era a luta pela emanci-pação econômica, que o nacionalismo empreendia. As primeirasconquistas foram os Códigos de Minas e Águas (julho de 1934),que removiam os obstáculos e embaraços ao aproveitamento dasriquezas do subsolo e ao regime industrial das águas. A nacionali-zação progressiva das minas e jazidas minerais, e a afirmação deque as fontes de energia são propriedade nacional inalienável, a leidos dois terços, a anulação, em maio de 1931, dos contratos daHabira Iron, assinados em 1920, o novo sistema de tarifas e de isen-ção e redução aduaneiras, ambos de 1934, que favoreciam o cami-nho da industrialização, as comissões de planejamento do petróleoe da siderurgia, esta instituída em agosto de 1931, representavamum grande esforço para a realização de reformas básicas. A pró-pria Constituição de 1934, refletindo essa transformação, consagra-ria, nos artigos 116 e 117, os primeiros princípios do nacionalismoeconômico. O gigantesco crescimento industrial brasileiro, entre1930-1934, quando declinaram os investimentos americanos e in-gleses e surgiu o nacionalismo econômico, representou também umareforma estrutural. Somente no campo Vargas não mexeu, nempara melhorar a situação do lavrador e do sertanejo. A Revolução

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liquidou, é verdade, com os “coronéis”, e um deles, o que mais seservia de sertanejos para os objetivos políticos seus e de seus che-fes, Horácio de Matos, foi assassinado na Bahia, em 1931; pouco apouco foi também extinto o cangaceirismo, a ferro e fogo. Lampiãomorreu em 1938 e ele e seu grupo foram degolados; o Caldeirão doBeato Lourenço, com seus fanáticos, foi extinto a fogo de polícia eexército, com mais de cem mortos. Os insubmissos do campo esta-vam sendo massacrados; distúrbios ocorriam no Nordeste, ondesertanejos abandonados pelo Governo, sofrendo de fome e das se-cas, atacavam feiras e invadiam cidades (1982 p. 100-101) (grifosnossos).

Em síntese esse período da nossa história econômica, segundoMatta ( 2009)

[...] foi marcado pela definitiva submissão das oligarquias baianasao capital industrial do Sudeste do Brasil. Com o Estado Novo eGetúlio Vargas no poder, a classe burguesa brasileira passa a assu-mir a liderança econômica e política no país. Mais dinâmica, maisligada ao sistema econômico internacional, a burguesia logra im-por seus projetos de estado e sua lógica de dominação, transfor-mando o poder e organização das tradicionais oligarquias e lati-fundiários em órbita secundária e dominada. Enquanto o capitalis-mo cresce no centro da economia de consumo, as regiões de orga-nização agrária e política oligárquica passam a ter sua classe domi-nante dependente do apoio e favorecimento deste centro para man-ter-se no poder. A Bahia toma este papel após 1930. Torna-se saté-lite secundário e dependente da política e economia paulistas, eseus grupos de poder passam a caminhar na direção do que desejao Sudeste, se pensam em manter-se como dirigentes baseados noprestígio. É um período em que o jogo político interno ainda obe-dece as regras das tradicionais oligarquias, mas seja qual for o gru-po vencedor das disputas internas, ver-se-á a realização de objeti-vos do Sudeste do Brasil na Bahia, assim como em outras regiõesdo país. A lógica da sociedade burguesa está em dar mais força eprioridade às pretensões de seus centros mais dinâmicos.

2.4.1 Os interventores90

Todas as lideranças políticas foram marginalizadas pelo mo-vimento revolucionário, atendendo a pressões dos próprios milita-res. Mesmo J. J. Seabra, que apoiou o movimento, não foi conside-rado pessoalmente para assumir o governo estadual.

90 Segundo a Fundação Gregório de Matos, no período da Revolução de Trinta (1930 – 1945)Salvador foi administrada por 13 prefeitos, sendo cinco interinos. O Engº Arnaldo Pimentada Cunha (1931 – 1932) foi o primeiro nomeado em caráter efetivo pelo Governo Revolucio-nário. O Major Severino Prestes Filho (1937 – 1938) foi o primeiro nomeado após o golpede novembro de 1937. Em 1945 assumiu o Des. Adalício Coelho Nogueira, primeiro pre-feito nomeado após a queda de Getúlio Vargas. (Fundação Gregório de Matos – HistóriaAdministrativa de Salvador, 2009) de Getúlio Vargas. (FUNDAÇÃO, 2008).

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Foram 11 os interventores na Bahia, a maioria “tampões” – porcurtos períodos de tempo. Entre todos, merecem registro especial ainterventoria do então tenente Juracy Montenegro Magalhães – oprincipal líder da revolução na Bahia e com grande destaque emtermos nacionais – e a do agrônomo Landulpho Alves de Almeida.

2.4.1.1 Juracy Magalhães

Acusado pelos seus adversários de autoritário, temperamentale truculento91, o cearense Juracy Montenegro Magalhães revelou-se muito mais político do que militar ao longo da sua vida. Marcouuma época na Bahia, tendo governado-a por duas vezes. A primei-ra, no período da Revolução de Trinta (seis anos) e a segunda, noregime democrático (quatro anos) no período de 1958 a 196292.

Aqui chegou em 1931, tendo contra si todos os oligarcas daterra, inclusive J. J. Seabra, que se sentira preterido pelos revoluci-onários. Trazia duas preocupações básicas (segundo suas própriaspalavras): liquidar o famoso cangaceiro Lampião e sanear as finan-ças do Estado. Ao final da sua administração, quando rompeu comGetúlio Vargas, por ser contrário ao Estado Novo, tornara-se o maisnovo “coronel” baiano, liderando uma corrente – o juracisismo – aqual, sobretudo no interior, o idolatrava.

Combateu o “cangaço”, porém Lampião foi derrotado e mortona interventoria de Landulpho Alves em 1938.

A despeito de não ter contado com os velhos políticos, Juracytratou de criar as suas bases no interior onde conseguiu pleno êxi-to. Compôs-se com os antigos coronéis e construiu no interior umaliderança que perdurou ao longo de toda sua vida e ainda hoje be-neficia alguns dos seus herdeiros.

Quanto à economia estadual, declara o governador, em suaMensagem de 1937 à Assembleia Legislativa, estar o Estado recupe-rado e em franca expansão. Tomando por base as exportações – oeixo da economia baiana –, apresenta um quadro favorável para operíodo de 1932 a 1936.

91 Juracy Magalhães foi acusado pelos seus adversários de ser o responsável pelo espanca-mento de diversas pessoas durante a sua interventoria. Entre as vítimas estão relaciona-das os jornalistas Ernesto Simões Filho e Wenscelau Galo.

92 Juracy Magalhães governou a Bahia, durante a Revolução de 30, no período compreen-dido entre 19 de setembro de 1931 e 10 de novembro de 1937 quando rompeu com Getú-lio Vargas. Entre 1931 e 1935 permaneceu como interventor. Entre 1935 e 1937 comogovernador, eleito que foi, indiretamente, pela Assembleia Legislativa do Estado da Bahia.

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Juracy soube aproveitar os quadros técnicos que começaram ase formar no Estado, notadamente a partir do governo de GóisCalmon, entre eles Ignácio Tosta Filho, criador do Instituto de Cacauda Bahia, ainda na interventoria de Artur Neiva. Em seu governo,são criados os institutos do Fumo, da Pecuária e o Instituto Centralde Fomento Econômico da Bahia (ICFEB), predecessor do Banco doEstado da Bahia (Baneb).

Em sua mensagem de 1937, Juracy chamava a atenção para oaspecto contraditório da economia baiana que

[...] dotada dos recursos naturais favoráveis e fecundos e dos sal-dos constantes da sua balança exterior, vinha definhando em suasreservas de energia produtiva chegando à situação aflitiva em quea encontrou a revolução de 1930.

Numa crítica velada aos seus antecessores afirma que[...] não tiveram eco, ao que parece, entre nós, no período anterior arevolução de 1930, as notícias interessantíssimas do ponto de vistada economia pública, sobre a atitude dos governos, em várias par-tes do mundo, intervindo através de medidas oficiais na salvaçãoda derrocada que o endividamento da agricultura produziu, ame-açando a ordem social e política do universo.

Para justificar a criação dos institutos, enaltece “o critério ve-lho, mas, surpreendentemente esquecido pelos nossos economis-tas, de que pela ação combinada da técnica e do crédito se resolvemos problemas da produção”. Com esta argumentação, justificava ogovernador a formação de um sistema integrado de ação econômi-ca que antecede as iniciativas de planejamento da década de 1950(ver Figura 12 no capítulo 3.10) Em sua opinião, os institutos, lide-rados pelo ICFEB, integravam o plano de organização, fomento eamparo às fontes de produção da Bahia.

Em seu relatório de 1937, Juracy apresenta uma informaçãoimportante para o processo de empobrecimento da Bahia, quandoanalisa o que denomina de Sinopse do intercâmbio geral do Estado daBahia (ver a Tabela 14).

Segundo o governador, “Sendo considerável a importação anu-al de mercadorias, principalmente de produtos industrializados, quea Bahia compra a outros estados, escoa-se, dessa forma, em grandeparte, o saldo que obtém no seu comércio exterior” (grifo nosso).

E inaugura a política de industrialização fundada na conces-são de incentivos fiscais:

Com o desenvolvimento, porém, das suas indústrias impulsiona-das pela isenção de impostos às que forem se instalando e redução

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Tabela 14 - Balanço importações gerais x exportações gerais doEstado da Bahia

Fonte: Mensagem do governador Juracy Magalhães a Assembleia Legislativa do Estado daBahia em 2 de julho de 1937 p.51

Tabela 13 - Bahia – comércio exterior (1932-1936)

Fonte: Mensagem do governador Juracy Magalhães a Assembleia Legislativa do Estado daBahia em 2 de julho de 1937 (p.50).

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de ônus fiscais às que já se encontram em franca atividade, o queconstitue uma providência de verdadeiro fomento econômico (gri-fo nosso), tudo indica que uma maior produção dessa natureza,não só atenderá às necessidades de consumo como poderá permitiruma vantajosa exportação para outros mercados do norte do país .

Por fim, fazendo um balanço da sua administração no que sereferia ao compromisso de sanear as finanças do Estado relatavaJuracy Magalhães:

Encontramos, em 1931, uma arrecadação 56.321:768$000, ascenden-do em 1936 a 106.736:600$000. A exportação geral, (valorcommercial) subiu de 276.371:000$000, a 566.036:000$000 tendo oseu volume aumentado de 175.012 a 307.672 toneladas. O intercâm-bio geral ascendeu de 539.714:000$000 a 1.047.807:000 $000. O mo-vimento bancário acompanhou esse ritmo de progresso elevando-se de 476.661:177$000 a 661.866:339$000. Os depósitos nos bancoscresceram de 144.913:541$000 a 186.536:125 $000. O giro comercialpassou de 783.683:785$000 a 1.737.793:000 $000. O balançopatrimonial também reflete esse florescimento, subindo o seu sal-do de 28.735:245$675 a 58.114:236$758. Fugindo do regimen dos“déficits” orçamentários, assinalamos, no exercício de 1936, um sal-do de 20.935:161$431. Apreciável é a melhoria da cotação dos títu-los do Estado, tendo os de Unificação, subido de 325$000 a 390$000,mantendo-se em 650$000 os da Emissão Única. O intercambio ge-ral também apresenta um excesso de 84.265 contos da exportaçãosobre a importação.Os depositos na Caixa Economica Federal, índice de riqueza parti-cular, subiram de 29.823:221000 a 62.834:250$000. A percentagemda despesa “pessoal” em relação á receita geral caiu de 48,44% a25,56%. Estabelecida em confronto, não nos furtaremos, por outrolado, completando a documentação fotográfica que acompanha estamensagem, ao grato prazer de inventariar serviços públicos, pres-tados pela atual administração. É ainda a conciencia do dever cum-prido que a tanto nos conduz, sujeitando-nos , embora, a que aslentes da maldade descubram na simples referencia de fatosincontraditaveis. Criamos uma resistente ossatura econômica parao Estado, elevando-se já a 26.479.464$450 a contribuição para osInstitutos de Fomento Econômico, de Cacau de Fumo, e Pecuária,enquanto apenas um governo anterior auxiliou com 62:000$000pequenas caixas de credito no interior, e outro doou 3.200:000$000ao extinto Banco da Lavoura. Ao lado de credito, atendemos aoaparelhamento tecnico da produção, organizando a lavoura do al-godão, da mamona e do café, a fruticultura, a sericultura, enquan-to os institutos especializados cuidam do cacau, do fumo e da pe-cuária. Iniciamos a colonização instalando uma colônia mixta dejaponeses e nacionais em Água Comprida, a 24 quilometros daCapital. Estudamos a exploração industrial do chisto betuminoso.Adquirimos novas unidades para as companhias de navegação jáde plena propriedade do Governo, reformamos o seu material emelhoramos e aumentamos a nossa rêde ferroviária. Construímos

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maior numero de predios escolares que cinco vezes a soma dosedificados em todos os governos anteriores. Rasgamos uma quilo-metragem inatingida de rodovias de tipo superior, levantando tam-bém um inexcedida metragem de pontes. Construímos os edifíciospara a Secretaria da Agricultura e Repartição do Saneamento. Do-tamos de um perfeito serviço de águas a cidade do Salvador.Apercebidos dos clamores de uma época, enfrentamos corajosamen-te o problema da assistencia social.(BAHIA, MAGALHÃES, 1937)

2.4.1.2. Landulpho Alves de Almeida

Dois fatos de grande importância marcaram a interventoriadesse discreto agrônomo e professor da Escola Federal de Agricul-tura da Bahia, no período de 1938 a 1942. O primeiro, foi o deflagrarda Segunda Guerra Mundial (1939) e o segundo, a descoberta depetróleo na Bahia que constituiu sua bandeira de luta. Como sena-dor, entre 1951 e 1954 e líder da bancada do Partido TrabalhistaBrasileiro no Senado Federal, defendeu em árdua luta política, du-rante os anos de 1952 e 1953, o monopólio estatal do petróleo e foi orelator da lei n. 2 004, de 1953, que o estabeleceu no Brasil e criou aPetrobras. Em sua homenagem, a única Refinaria de Petróleo doNordeste93, localizada em Mataripe – Bahia, recebeu o seu nome.

Outras contribuições de Landulpho Alves, ao longo de suainterventoria, consistiu na promoção do desenvolvimento e moder-nização da agricultura em pelo menos 1/3 do interior do Estado,notadamente na fruticultura e na cultura do algodão. Construiu aEscola de Agronomia de Cruz das Alves e concluiu o Instituto Cen-tral de Educação Isaías Alves, em Salvador.

Para o crescimento econômico da Bahia, sua importância fun-damental reside na contribuição decisiva para a criação da Petrobrase do monopólio estatal do petróleo, o que passou a gerar novasesperanças de progresso para a Bahia. São suas as seguintes pala-vras encaminhadas ao presidente da República em 1940:

Traçou a Interventoria normas que deveria, inevitavelmente, se-guir, tendo como ponto de partida o que ditava o Estado Nacional,destacado o preceito pelo qual pouco ou nada valia o individuo,senão como parte integrante e útil da comunidade. Os interessespessoais e de grupos, sempre que contrariassem os interesses dacomunhão, deveriam ser postos à margem ou desprezados. Dentrodêsses preceitos, reunidos todos no seu programa de ação, que adi-ante transcrevemos, organizou a Interventoria, já então com o au-

93 Pelo menos até o ano de 2009.

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xilio dos Snrs. Secretários de Estado, o programa de trabalho quese deveria levar a efeito, nos diversos setores de atividades. Enca-rando, desde o inicio, o aspecto mais grave da vida baiana – o queoferecia o panorama do seu pouco desenvolvimento econômico,de seu baixo índice de produção e de riqueza, fator êsse a que seligava a insolubilidade aparente de todos os seus problemas maisprementes, (destacando-se a quase nenhuma condição de defesacontra as numerosas enfermidades que dominam as suas popula-ções pobres, a ausência de recursos para sua instrução primária ea escassez de elementos com que organizar a sua educação pro-fissional) - tratou, desde logo, o Governo, de desenvolver a pro-dução econômica do Estado. Criar riqueza deveria ser a palavrade ordem, uma vez que, no levantamento do nível de vida da po-pulação, dependia a solução de todos os seus problemas de im-portância mais relevante. Foi necessário criar, sem tardança a Se-cretaria da Agricultura, Indústria e Comércio,94 orientação que logose revelou a todos como altamente proveitosa. A obra que vai rea-lizando essa Secretaria de Estado é de molde a merecer os aplausose até mesmo a admiração da Bahia. Seguiu-se logo o estabeleci-mento do plano rodoviário do Estado, cuja execução, sem demora,se iniciou e que, sem interrupção, se leva a efeito, com o reconheci-mento de todos os baianos, especialmente das populações do inte-rior do Estado que, nos dois anos de atuação da atual Interven-toria, contam com maior extensão de rodovias de classe do que asconstruídas em toda a vida da Bahia. Iniciativas foram, igualmentee de imediato tomadas, visando a valorização do homem pelo tra-tamento da sua saúde e pela propagação do ensino primário. Ne-nhum dêsses trabalhos, como nenhum outro dos conduzidos peloGoverno, foi feito sem o estabelecimento de um plano prèviamentedelineado, em que se examinassem a sua conveniência, a preferên-cia de um sobre outro, a viabilidade prática, a reprodutividade eco-nômica ou social, a sua harmonia com os fatores da atualidadebaiana, com os princípios que nortearam o Regimen, com os meiosfinanceiros a custeá-los. Os encargos vultosos, deixados pela Ad-ministração que se findou com o advento do Estado Novo, de obrasadiáveis e, em muitos casos, suntuárias, determinaram providênci-as que os deveriam reduzir, sem danos para o erário público. Fo-ram adiadas obras já contratadas, cujo valor ascenderia a perto dequinze mil contos de reis ( 15.000:000$), de um Fórum e as autori-zadas em lei que custariam quantia idêntica, de um teatro. O au-mento dos vencimentos do funcionalismo, pela Interventoria ime-diatamente anterior à atual, determinou tal elevação de despesasque exigiu providências drásticas , tendentes a só realizar o quefosse realmente inadiável e reprodutivo, incluídas as obras cuja pa-ralisação importasse em prejuízo maior. Medidas foram tomadasna defesa da economia do Estado já liquidando algumas das suas

94 O que ocorreu de fato foi a separação da Agricultura, Indústria e Comércio da Viação eObras Públicas, passando a formar duas secretarias separadas.

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dívidas, já regularizando às suas transações com estabelecimentosde crédito. A par disto, trabalho de proporção larga foi feito, nosentido de um melhor lançamento do tributo público e de sua arre-cadação. (BAHIA, ALVES, 1940).

Pela leitura do texto, observa-se que Juracy Magalhães, antesde deixar o governo (e prevendo a sua volta no final da ditadura(como de fato ocorreu), deixou algumas “arapucas” para o seu su-cessor. Ao desarmá-las (com o cancelamento de obras esperadaspela magistratura e outras do agrado da classe média e das elitesem Salvador), criou um clima de antipatia que alimentou os movi-mentos que culminaram com a sua demissão do governo.

Landulpho entrou em atrito com poderosos coronéis do inte-rior, entre eles os Lins e Albuquerque, por combater as práticasnepotistas e clientelistas praticadas por estes.

Proprietários do jornal O Imparcial, os Albuquerques mantive-ram intensa campanha contra Landulpho Alves.

Conforme Ferreira (2006), Landulpho se tornou desafeto políticode Francisco Lins Albuquerque, importante chefe político e caudilhodo Sertão baiano, um dos “coronéis” remanescentes da primeira Re-pública, que ainda possuía “polícia” própria constituída de capangas,mesmo na capital. Como ao interventor não interessava esse tipo decaudilhismo sertanejo, ele não prestigiava o coronel Franklin e, ao con-trário, o perseguia, não atendendo aos seus pedidos de nomeação deautoridades municipais e cancelando o privilégio que lhe asseguravao monopólio para a exportação da cera de ouricuri, um rendoso negó-cio. Então, aproveitando-se da conjuntura, o coronel, que comprara OImparcial, (colocando em sua direção seu filho Wilson Lins), apoiou omovimento patriótico e antifascista, pretendendo usá-lo contra ointerventor. Ele conspirava com o coronel Pinto Aleixo, comandanteda Sexta Região Militar, o afastamento de Landulpho Alves do gover-no, contando, para isso, com o apoio do general Aurélio de GóisMonteiro, no Rio de Janeiro.

O chefe do executivo estadual sofreu uma pesada campanha queo acusava de germanófilo e pró-integralista. O fato de Landulpho Alvesser casado com uma descendente de alemães e de ter nomeado anti-gos membros da Ação Integralista Brasileira para os cargos da admi-nistração pública, a começar por seu irmão e secretário de Educação,Isaías Alves, alimentava as suspeitas de ambiguidade política dointerventor, ou seja, publicamente se apresentava favorável às mani-festações contra o nazifascismo, mas, na prática, agiria como um quinta-

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coluna. O desgaste provocado pelo jornal à imagem do governo, levouà queda de Landulpho Alves, logo sucedido pelo coronel Renato OnofrePinto Aleixo95 (FERREIRA, 2006).

2.4.1.3 As interventorias no final do Estado Novo

As interventorias finais do período ditatorial de Vargas poucoacrescentaram à economia baiana: ocorreram em pleno período daSegunda Guerra Mundial e assistiram ao agravamento da pobreza,notadamente no interior. Segundo Pinto Aleixo em seu relatório de1944 para o presidente Getúlio Vargas:

Muito tem sofrido o Estado da Bahia nesse período, vendo seusprincipais produtos de exportação armazenados durante longosmeses à espera de condução e sentindo a falta de mercadoria deimportação estrangeira e de outros estados, notadamente de gêne-ros alimentícios, ocasionando a alta exagerada de preços e escassezmesmo dessas utilidades.

Figura 8 – Início da exploração de petróleo na BahiaFonte: Acervo fotográfico da Petrobrás. Seleção de Gilberto Melo (citado por SPINOLA,1997, p. 101).

95 O coronel Renato Onofre Pinto Aleixo, posteriormente promovido a general, quandoassumiu a interventoria no estado da Bahia em substituição a Landulpho Alves, exerceuo cargo de interventor no período compreendido entre 24/11/1942 e 28/10/1945.

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Mesmo nesse quadro de restrições, a Bahia encontrava-se emquarto lugar no quadro da arrecadação dos estados brasileiros, abai-xo apenas de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais.

Observe-se, já nesta ocasião – metade do século XX –, a des-proporção entre a receita de São Paulo (39 %) e a dos demais esta-dos do Brasil. A Bahia participa com apenas 5 % do total do país.

Numa síntese desse período, a Bahia encerra o período da Revo-lução de Trinta tão ou mais pobre do que iniciou. Esta será a realidadecom que se defrontará Octávio Mangabeira ao assumir o governo doEstado, eleito pelo povo, novamente no regime democrático.

2.5 A REDEMOCRATIZAÇÃO: O GOVERNO MANGABEIRA96

Octávio Mangabeira foi eleito governador da Bahia, contando comamplo apoio das classes empresariais e da população, em um períodode relativa tranquilidade política do país, sob a presidência do generalEurico Gaspar Dutra. O seu estilo gentil de governar, que contrastavacom os modos truculentos de muitos dos seus antecessores, despertoumuita simpatia em diferentes segmentos da sociedade baiana. Segun-do Jorge Amado, em seu discurso de posse na Academia Brasileira deLetras, Mangabeira após deixar o governo, foi alvo de calorosa

96 Governou a Bahia no período de 10/04/1947 a 31/01/1951. Foi professor universitário,jornalista, engenheiro e político. Na sua longa vida pública exerceu os cargos de Minis-tro das Relações Exteriores do Governo Washington Luís, Primeiro-vice-presidente daAssembléia Constituinte, Vereador, Deputado Federal, e Senador.

Tabela 15 - Receita dos estados brasileiros - 1943 (valores em cru-zeiros)

Fonte: Relatório de governo do gal. Renato Onofre Pinto Aleixo,1944.

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manifestação de apreço que lhe fizeram os sindicatos. E o orador97 dis-se, ao fazer-lhe o elogio: “Senhor Otávio Mangabeira, o senhor soubegovernar a Bahia com muita delicadeza”. Mangabeira guardava namemória e no coração essa frase como a melhor homenagem às suasqualidades de governante.98

Assim, realizou uma administração fecunda, marcada pela suapreocupação com o atraso da Bahia e a pobreza do povo baianoque registrou em desabafos espirituosos que ficaram para a histó-ria. Constituíram sua marca registrada. É de sua autoria, por exem-plo, a observação de que “na Bahia o atraso é de tal ordem quequando o mundo se acabar os baianos só saberão cinco dias depois[...]” (COSTA, 2008 p.268).

Em sua Mensagem à Assembleia Legislativa do Estado da Bahia,em 7 de abril de 1948, Octávio Mangabeira fazia uma magistral sín-tese da causa do atraso baiano naquela metade de século:

[...] se há terra que haja sido vítima, através de gerações, das cha-madas “lutas políticas”, que tanto mal lhe fizeram, será talvez anossa. Foram elas, as “lutas políticas”, que levaram, provavelmen-te, uma grande figura do Império a dizer que a Bahia era“ingovernável” enquanto já na República, observou um dos seushomens de Estado que os baianos eram “unanimemente divergen-tes” (BAHIA, MANGABEIRA, 1948, p.2).

Sobre a miséria em que se encontrava o interior do Estado,afirmava na precitada Mensagem de 1948:

[...] chego a não compreender o estado de penúria em que os deixa-ram (os municípios) na distribuição das rendas públicas, tanto aconstituição de 1891 como a de 1934. É possível que esse erro fun-damental esteja à base ou à raiz de algumas das grandes crises deque vamos padecendo e que às vezes parecem irremediáveis. Éevidente que nunca teremos, nem poderemos ter verdadeira pros-peridade, enquanto o interior permanecer desaparelhado, despro-vido, sem condições para desenvolver-se, e, não raro, sem o míni-mo conforto indispensável à vida. Municípios há cuja renda porano não atinge a 50 mil cruzeiros sendo inúmeros os que rendemcerca de 100 mil. Sabemos o que estes algarismos representam nostempos que correm. (BAHIA, MANGABEIRA, 1948, p.11).

97 Segundo Costa (2008, p.215) tratava-se do orador popular Oswaldo Washington do Nasci-mento, conhecido pelo apelido de Jacaré que fazia muito sucesso na cidade, utilizando comotribuna um caixão que colocava no passeio da Câmara de Vereadores, na Praça Municipal.

98 No governo Magabeira foi prefeito de Salvador: José Wanderley de Araújo Pinho (1947 –1951) sendo o primeiro prefeito nomeado pelo governo constitucional .(FUNDAÇÃO,2008).

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A despeito das iniciativas relatadas pelos seus predecessoresao longo dos quase cinqüenta anos transcorridos até a sua posse, oquadro percebido na Bahia ao final da primeira metade do séculoXX era desanimador.

Para Tavares (2001, p.461), uma das situações mais traumáti-cas que o governo Mangabeira encontrou foi a crise urbana de Sal-vador, gerando as “invasões” provocadas pela a migração de mi-lhares de famílias tangidas para a capital como decorrência das se-cas e da fome que cronicamente grassavam no interior baiano enordestino.

Apesar dos esforços de outros governadores, com destaque paraGóis Calmon, ainda era considerável a falta de infraestrutura: estradase energia basicamente. Como disse Baleeiro (2000, p.144, apud COS-TA, 2008, p. 200) não existia no Estado um palmo de asfalto, salvo orevestimento primário da estrada velha do Aeroporto, efetuada pelosamericanos. A Chesf ainda não funcionava e Salvador era abastecidapela Usina de Bananeiras, o que não atendia à demanda da população.A falta de estradas tornava oneroso o abastecimento da cidade cujocusto de vida se tornava elevadíssimo e provocava frequentes protes-tos populares (protestos estes, aliás, que ocorreram desde o século XIX,sem que os diferentes governos, em diferentes regimes, adotassemmedidas estruturais para a sua solução).

Sabedor do ponto de estrangulamento econômico que repre-sentava, para a Bahia, a carência de infraestrutura, notadamente nobinômio rodovia e energia, Mangabeira trabalhou intensamentenesses setores. Segundo relata, modernizou os estaleiros da Com-panhia de Navegação Baiana e adquiriu quatro novos navios paraintensificar as ligações e o comércio entre a Capital e os municípiosdo Recôncavo Baiano que com a Estrada de Ferro de Nazaré (jáconcluída ligando Jequié a São Roque do Paraguaçu – porto inau-gurado em 1941) contribuía para o abastecimento de Salvador. Cons-truiu mais de 500 quilômetros de estradas rodoviárias, destacan-do-se, entre estas, a ligação entre Salvador e Feira de Santana e, emassociação com o governo federal, a Rio – Bahia.99

99 Góis Calmon em suas mensagens informa que construiu “mais de 900 km.” de estradasinclusive a ligação entre Salvador e Feira de Santana. Algumas com o uso de concretoarmado. Como isto foi na década de 1920 é possível que transcorridos aproximadamente30 anos estas obras tivessem que ser ampliadas, reparadas etc. o que politicamente aca-bava sendo apropriado como tendo sido construído. Ademais Mangabeira era adversá-rio sofrido e magoado com a Revolução de Trinta o que pode ter implicado na omissãode obras realizadas naquele período por Juracy Magalhães e Landulpho Alves.

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Com respeito ao abastecimento e à carestia, Mangabeira sedetém longamente no seu Relatório de 1947. Primeiro, como liberal,demonstra-se contrário ao tabelamento de preços e enumera diver-sas providências adotadas em relação ao suprimento dos diferen-tes gêneros alimentícios. No caso da carne, promoveu a moderni-zação dos “matadouros”, a recuperação de outros e o aperfeiçoa-mento do sistema de transportes utilizando a rede ferroviária exis-tente. Interferiu no abastecimento de peixe, mandando construirdois barcos com capacidade para 30 t, cada um, e buscou a conclu-são do processo de modernização do Frigorífico Geral do Estado.Demonstrando seus conhecimentos de economia, provavelmenteadquiridos nos Estados Unidos, afirmava: “o fornecimento em lar-ga escala de peixe, não só virá proporcionar ao povo a compra, abaixo custo, de tão precioso alimento (economia de escala), comonão será de estranhar que influa, indiretamente, de modo favorá-vel, no próprio mercado de carne” (efeito substituição). Quanto aoleite, dizia: “para que se tenha uma idéia da situação lastimável emque se encontra a capital baiana no que concerne ao leite, basta di-zer que uma população, que não deve andar por longe de 400 milhabitantes, dispõe apenas de 15 mil litros.”

Diante desse diagnóstico, explicita as providências adotadas:construção de ramais rodoviários para o escoamento da produçãonas bacias leiteiras; importação de matrizes de alta qualidade paramelhorar o plantel leiteiro e organização de uma empresa mistapara a instalação e exploração de um Entreposto Central de Leite.No caso dos legumes ou “verduras” (sic), providenciou a aquisiçãode duas fazendas (no vale do Jacuípe e do Joanes) para reforçar acapacidade da fazenda Rio Seco de Santo Amaro, explorada porjaponeses e que escasseava o suprimento nos períodos do verão.Quanto aos cereais, investiu na mecanização da lavoura, importan-do dos Estados Unidos “a maior quantidade de máquinas agrícolasque ainda se viu na Bahia.” Deu início à construção de pequenosaçudes para contrapor-se à seca e começou a organizar uma coope-rativa central de armazéns e silos.

Referindo-se bem especificamente a Salvador, Mangabeira écontundente:

Uma cidade com serviços deficientes, para não dizer lastimáveis,de iluminação, de abastecimento de água, e em geral de saúde pú-blica, e igualmente de assistência; uma cidade mal tratada, na lim-peza, no calçamento das ruas, na manutenção dos jardins, e onde oacesso a pontos pitorescos se apresente, não raro, difícil, quando

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não mesmo impossível, ou pelo menos incômodo; desprovida dehotéis, restaurantes, cafés ou bares, cinema, teatro – não basta quetenha bela a natureza, templos, antiguidades, tradições, para queproporcione aos seus moradores, sobretudo aos seus visitantes,porventura habituados ao conforto da vida moderna, o agrado, osatrativos, que a façam realmente sedutora, como convém, principal-mente ao turismo (grifo nosso). (BAHIA, MANGABEIRA, 1947, p.9).

Mangabeira percebeu também a aparente contradição entre opotencial econômico da Bahia e a miséria a que estava condenada.E cunhou a expressão “enigma baiano”100 (objeto da seção 2.2 destelivro), que repercute até os dias de hoje, dada a sua atualidade,definindo-a da seguinte forma:

Intrigava-me, desde muito, o que chamei o enigma baiano: porquerazão a Bahia, cujas qualidades e riquezas eram, em geral, tão cele-bradas, se mantinha em condições de progresso indiscutivelmenteinferior ao que resultaria, em boa lógica, de semelhante conceito,assim tivesse ele a procedência que se lhe atribuía? (A TARDE, 30/01/1951, apud GUIMARÃES, 2003, p. 102)

E reforça suas palavras com a seguinte observação:Diga-se de passagem, que a Bahia é no momento, o Estado quemais fornece divisas ao país, pois ocupa o primeiro lugar entre osque tiveram saldo, de janeiro a novembro de 1947, entre a importa-ção e a exportação. (BAHIA, MANGABEIRA, 1947, p.21).

Feitas tais constatações, passa o governador à ação, dandocontinuidade ao processo de planejamento econômico da Bahia ini-ciado ainda por Juracy Magalhães, trinta anos antes do Plandeb.

Incumbido pelo Governo do Estado, de proceder a um inquéritosobre a economia baiana, sugerindo conclusões que devem servirde base a um plano que, executado sem solução de continuidade,durante um dado número de anos, ponha afinal a Bahia nocaminho de certo e seguro engrandecimento econômico, o Sr.Ignácio Tosta Filho, especialista no assunto, realizou um estudo devastas proporções, cujos resultados expôs em três conferências pú-blicas que tiveram o maior êxito. Impresso e distribuído o seu tra-balho será objeto de um debate em reuniões mais restritas, nas quaisse convidarão a tomar parte quantos possam concorrer para o es-clarecimento da matéria, sob vários aspectos. (MANGABEIRA, 1948,p.11) (grifo nosso).

Cercado por um clima político favorável, Octávio Mangabeirapôde fazer uma boa administração para Bahia, preparando urbanisti-camente Salvador para a comemoração dos 400 anos da sua fundação

100 Já comentado na seção 2.2 deste Título.

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e completando muitas obras iniciadas, interrompidas ou concluídas,mas destruídas pelo tempo, dos seus antecessores (aqui já referenciadasanteriormente). É o caso do estádio da Fonte Nova, iniciado porLandulpho Alves, com o concurso técnico do urbanista Mário LealFerreira e do arquiteto Diógenes Rebouças. O estádio, que se chamariaGetúlio Vargas, acabou sendo Octávio Mangabeira.

Outro caso típico é o do Escritório do Planejamento Urbanísticoda Cidade do Salvador (Epucs), fundado por Mario Leal Ferreira oqual, anos depois, viria a definir a nova ocupação dos espaços virgensda cidade, orientando a sua expansão em direção ao litoral Norte. Se-gundo Penteado Filho (1991)em conferência apresentada no seminá-rio “Salvador e o Plano Diretor”, promovido pelo CPM:

A primeira experiência de planejamento urbano em Salvador deu-se na década de 40, com o EPUCS – Escritório do PlanejamentoUrbanístico da Cidade do Salvador, cujo trabalho ficou conhecidocomo Plano Mário Leal Ferreira, em alusão a seu coordenador. Aprimeira iniciativa data de 1935, com a Semana de Urbanismo, decuja organização participou a Comissão Organizadora do Planodo Cidade, criada pelo Governo do Estado e pela Prefeitura Mu-nicipal. Foi realizado, então, um seminário, que levantou aquelesque eram considerados os principais problemas da cidade, basica-mente questões relativas às suas condições sanitárias: elevada inci-dência de tuberculose, associada à insalubridade das habitações,falta de saneamento, estreiteza das ruas e conseqüentes dificulda-des de transporte, deterioração do patrimônio histórico e artísticoe pouco aproveitamento dos recursos naturais. Salvador surgiu ese desenvolveu precocemente na história nacional, o que implica-va numa estrutura urbana bastante antiga em relação a outras ci-dades brasileiras de desenvolvimento mais recente. Ao mesmo tem-po, desde a virada do século, a cidade apresentava crescimento mo-derado, como decorrência da decadência da atividade açucareirano Estado, cuja economia passava a depender crescentemente daexploração do cacau. O crescimento populacional não era muitoexpressivo: de 1900 a 1940 a população passou de 206.000 para290.000 habitantes101. Diga-se de passagem, que foi essa combina-ção de riqueza no período colonial e estagnação no período subse-qüente que – aliada a fatores geográficos, de recorte do litoral etopográficos – possibilitou a relativa preservação do importanteacervo arquitetônico e urbanístico do Centro Histórico. Caso tives-se ocorrido, a continuidade do crescimento econômico em ritmoacelerado no final do século passado e início deste, teria fatalmentelevado à substituição das edificações históricas. A principal funçãoeconômica de Salvador durante quase toda a primeira metade do

101 Segundo Costa (2008) citando Milton Santos, esta tendência reverteu-se. De 1940 para1950 a população soteropolitana passou de 290.443 para 417.233 e 1.007.195 habitantesem 1970.

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século XX foi o escoamento da produção de cacau, através do seuporto, que foi remodelado entre 1913 e 1928. Essa atividade, noentanto, não possibilitou um crescimento econômico significativo,além de manter o caráter agro-exportador da economia. De fato, operíodo que se segue à virada do século é aquele em que se estabe-lece o atual padrão de desigualdades regionais no país, com odeslanche do processo de industrialização na região Sudeste. Sãoreflexos dessa estagnação econômica na metrópole baiana que osintegrantes da Semana do Urbanismo identificam em 1935: estru-tura urbana obsoleta e graves problemas sanitários. Para se ter umaidéia da magnitude destes últimos, basta lembrar que os dados dis-poníveis indicam um constante crescimento da mortalidade infan-til e da mortalidade geral, entre 1900 e 1940. Entre as primeirasdiscussões e o início do plano decorrem oito anos. Apenas em 1943implanta-se o Escritório do Plano Urbanístico da Cidade do Salva-dor, entidade privada sob coordenação de Mário Leal Ferreira, queconcorreu com uma proposta de um escritório carioca, com a parti-cipação do urbanista Agache, que coordenou o Plano do Rio deJaneiro. O prazo de um ano, inicialmente previsto para a elabora-ção do trabalho, foi sucessivamente adiado e só cinco anos depoisfoi aprovado o Decreto-Lei no 701, regulamentando o Loteamento,Parcelamento e Uso do Solo. Um ano antes havia falecido MárioLeal Ferreira. O plano do EPUCS era extremamente ambicioso, de-talhado e minucioso. Tinha influências do movimento da cidade-jardim, com ênfase nos aspectos físicos do uso e ocupação do solo,mas também considerava fatores econômicos e sociais em grandedetalhe. Foi elaborada uma pesquisa de campo, por amostragem,cobrindo o município de Salvador. A abrangência e o detalhamentodo trabalho eram assustadores, chegando a níveis que trabalhosmais recentes, como o PLANDURB e o EUST, não se aventurarama pretender. Uma das queixas de Mário Leal Ferreira contra a Pre-feitura, apresentada como justificativa nas solicitações de adiamentodos prazos, era o não cumprimento do compromisso da Prefeituraem elaborar a Planta Cadastral da Cidade. A questão do cadastro e,de modo mais amplo, do estabelecimento de um sistema de infor-mações permanentemente atualizado, é uma questão até hoje nãoresolvida, que prejudicou o EPUCS, o PLANDURB, o EUST e ou-tras experiências de planejamento urbano em Salvador. Depois daaprovação do Decreto-Lei no 701, em março de 1948, foi criada aCPUCS – Comissão do Planejamento Urbanístico da Cidade doSalvador, não mais como atividade de consultoria, mas como ativi-dade própria da Prefeitura, com o objetivo de encerrar os trabalhosde Mário Leal Ferreira, que não tinham sido totalmente concluí-dos. Isso, no entanto, não acontece de maneira efetiva, uma vezque a Comissão passa a ser absorvida por tarefas de assessoramento,ligadas as necessidade imediatas da Prefeitura. Somente dez anosdepois, em 1959, o arrojado sistema viário proposto no plano co-meçou a ser implantado, com a criação da SURCAP – Superinten-dência de Urbanização da Capital. O tempo decorrido não deve servisto de forma muito crítica, porque se tratava de um plano de longo

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prazo, a ser implantado em função do crescimento da cidade. Alémdisso, foi necessário que a estagnação econômica baiana fosse rever-tida, com a reaceleração decorrente da implantação da RefinariaLandulfo Alves, em Mataripe, para que houvesse condições que pos-sibilitassem investimentos da magnitude requerida. Embora muitascríticas possam ser formuladas sobre a forma como se deu a implan-tação das avenidas de vale, particularmente no que toca à apropria-ção da valorização do solo urbano, a solução adotada seguiu, emsuas grandes linhas, as propostas desenvolvidas no plano.

Também construiu Mangabeira o Fórum Ruy Barbosa emterreno desapropriado na interventoria de Juracy Magalhães e cujaobra ficara paralisada na interventoria de Landulpho Alves quetinha outras prioridades.

Mangabeira contou, na área da educação, com o concurso docélebre educador baiano Anísio Spinola Teixeira (revelado aindano governo de Góis Calmon), que criou o Centro Educacional Car-neiro Ribeiro, mais conhecido por Escola Parque, lugar para edu-cação em tempo integral e que serviria de modelo para os futurosCiac e Ciep.

Na área da saúde, o governo Mangabeira foi exemplar, tantona construção, recuperação e ampliação de hospitais como no com-bate à tuberculose numa época que, segundo dados do seu própriorelatório, morriam cinco pessoas por dia desta enfermidade nacidade do Salvador. Mangabeira informa que, com a cooperaçãodo governo federal, construiu 16 hospitais no interior do Estado,reformou e ampliou o Santa Terezinha (para tuberculosos), oleprosário e o asilo de loucos Juliano Moreira e o Instituto OswaldoCruz.

Preocupado com a precariedade da rede hoteleira da capital, oque considerava um entrave para o desenvolvimento do turismotambém construiu o Hotel da Bahia em sociedade com a inciativaprivada.

Para Noberto Odebrecht, citado por Costa (2008, p.214):Mangabeira soube construir uma aliança com a classe empresariale financeira do Estado conseguindo a cooperação e o apoio de lide-ranças como as de Fernando de Góis e Miguel Calmon entre outros.Assim, foi possível liderar, motivar -e conduzir essa estruturaeconômica em beneficio da estrutura social. Contou ainda comAnísio Teixeira para revolucionar modernizar a educação na Bahia,implantando a Escola Parque, em Salvador. Quanto ao setor deinfraestrutura, construiu a estrada Ilhéus-Itabuna e expandiu osistema rodoviário no interior do Estado, apoiado pelos banquei-ros financiadores dessas obras. Na área cultural, já no fim do seu

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governo, contratou com a Construtora Cristiane Niellson aconstrução do Teatro Castro Alves, que se concretizou no governode Antônio Balbino. Construiu o Fórum Ruy Barbosa, contemplan-do a área jurídica, e o Aeroporto Dois de Julho, juntamente com aestrada Pituba-Itapuã (depois Avenida Octávio -Mangabeira) e oHotel da Bahia, possibilitando a comunicação do Estado com omundo externo. Dessa forma o Estadista Octávio Mangabeira, comconvicções e vontade política, pôde realmente modernizar e pro-mover o crescimento do Estado da Bahia, comunicando-se com aestrutura econômica para desenvolver o social.

Finalmente, em seu Relatório de 1948, sabedor da condição deestado agrícola da Bahia, dizia o governador:

Não se modifica, entretanto, uma agricultura, de fase quase pré-capitalista pelos seus processos e resultados, senão com o poder dodinheiro e da técnica, que explica o terrível êxito da economia capi-talista. Isto quer dizer que precisamos ter dinheiro para ser ricos(grifo nosso).

Em outro trecho do seu relatório, Mangabeira preconiza:Três grandes fatores, que aqui se indicam sem cuidados de escolaou doutrina, são imprescindíveis aos olhos do simples bom senso,para fundamentar o programa da renovação da Bahia ou de outrasterras em iguais condições: crédito financeiro, potencial de energiaelétrica e imigração, esta no que represente, não só o aumento deíndice demográfico, como, principalmente, a presença de um novoagente qualificado de produção (grifo nosso).

Octávio Mangabeira e sua equipe sabiam muito bem das severaslimitações da nossa população, tanto urbana quanto rural, naquilo quese referia à técnica, ao know-how e ao empreendedorismo, e mirava osefeitos imigração sobre os estados do Sul e Sudeste. Mas, para a nossainfelicidade, os imigrantes europeus, ou asiáticos, cortejados por qua-se todos os governos baianos desde Luís Viana, nunca se adaptaramàs condições da Bahia, preferindo as regiões mais frias e de condiçõesedafoclimáticas mais favoráveis. E, de uma sociedade de coronéis, ba-charéis e escravos, não se poderia esperar a formação de uma classemédia vigorosa ou o surgimento de empresários empreendedores. Umproblema que nos aflige até os dias atuais.

De tudo o que foi lido e pesquisado sobre o governo do Dr.Octávio Mangabeira, o que mais impressiona é a sua humanidade.Diferentemente de todos os seus antecessores, foi ele certamente ogovernador baiano que mais se preocupou com o povo, com a po-pulação, com a qualidade da vida dos baianos. Pena que homensdo seu porte, honestidade e dignidade não apareceram no governoda Bahia nos últimos cinqüenta anos do século XX.

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2.6 BALANÇO DA ECONOMIA BAIANA NA PRIMEIRA ME-TADE DO SÉCULO XX102

Fazer uma análise econômica dos primeiros cinqüenta anosdo século XX constitui um esforço árduo, tendo em vista a deficiên-cia ou até mesmo a inexistência de base estatística. Como em quasetodas as atividades científicas, quanto mais se caminha em direçãoao passado mais difíceis e imprecisas se tornam as informações e aspossibilidades da sua operacionalização. Basta dizer que, em ter-mos monetários, além dos períodos de inflação acelerada, tivemos,no Brasil, no século passado, a vigência de nove padrões monetários,com sucessivos cortes de zeros, etc., o que torna extremamente di-fícil, quando não impraticável, a construção de séries constantescom base nos índices de preços. Assim sendo, os dados contidosneste livro devem ser vistos com as naturais reservas.

É de se observar, por exemplo, que o sistema de contas nacio-nais para o Brasil foi criado em 1947 pelo Instituto Brasileiro deEconomia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), somente passandopara o IBGE em 1986 e as contas nacionais para a Bahia, pela CPE –CEI, a partir de 1975.

Por tudo isso, as palavras registradas suprem os números au-sentes ou deficientes, como no caso das “falas dos governadores”compiladas e comentadas na seção anterior. É o depoimento dogovernador Octávio Mangabeira que nos diz que a Bahia chegou àmetade do século XX como uma economia agrária exportadoraatrasada e em nítida desvantagem quando comparada a outrasunidades da federação.

A tabela seguinte apresenta um quadro simplificado da situa-ção econômica do Estado em 1950.

2.6.1 População e emprego

Estudo realizado por Herold (2004) demonstra que o crescimentopopulacional da Bahia e da sua capital entre 1920 e 1940 foi

102 Objetivando fornecer ao leitor um quadro referencial da situação econômica da Bahia noano de 1950, valeu-se o autor, entre outros, dos dados estatísticos levantados e contidosno Estudo comparativo da renda da Bahia, elaborado pelo economista Aristeu Barretode Almeida e constante do relatório intitulado Situação e problemas da Bahia – 1955,elaborado pelo economista Rômulo de Almeida e também vulgarmente conhecido comoPastas cor de rosa.

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insignificante. A população de Salvador cresceu a uma taxa de 0,16%ao ano, enquanto que o crescimento da Bahia foi de apenas 0,81%. Nadécada de 1940, as taxas de crescimento aumentaram para 3,7% e 2,1%,respectivamente. Em 1950 o Estado totalizava 4 834 575 habitantes dosquais 417 235, ou sejam 8,6% do total residiam em Salvador.

O estudo referido demonstra que a proporção de baianos vi-vendo em Salvador decresceu entre 1900 e 1950. A participação dapopulação de Salvador na população total da Bahia neste períodofoi a seguinte:

1900 ................... 9.6%1920 ................... 8.5% 1940 .................. 7.4%1950 ................... 8.6%Na realidade, Salvador estagnou durante as primeiras quatro dé-cadas do século XX. A vibração econômica que existiu foi devida àsindústrias de cacau e de tabaco e ao comércio interno. Em 1890,Salvador ainda era a segunda maior cidade do Brasil mas, por vol-ta de 1940, caiu para a quarta posição (ficando atrás do Rio, SãoPaulo e Recife). De fato, a população de Salvador cresceu a umataxa anual de 1% durante 50 anos, de 1890 a 1940. Poucas indústri-as novas foram estabelecidas após 1920, porque novas fábricas deprodutos em substituição aos importados foram implantadas noSudeste e no Sul, regiões mais prósperas. A cidade permaneceucomo um entreposto comercial para a região, mas poucas ativida-des econômicas novas se desenvolveram até a decolagem movidapela Petrobrás nos finais dos anos 40. (HEROLD, 2004)

A explosão demográfica de Salvador e da sua região metropo-litana só vai ocorrer na segunda metade do século XX notadamente

Tabela 16 - Bahia: sinopse estatística - 1950

Fonte: Almeida A. (1982) .

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a partir da década de 1970 quando grandes projetos industrais,habitacionais e de infraestrutura se realizam no seu território.

Segundo Souza (1980) o crescimento da população de Salvador entreas décadas de 1940 e 1950 deveu-se ao movimento migratório líquidoque contribuiu com 57,1% do incremento demográfico da cidade.

Os dados do IBGE (1954 p.41 apud ALMEIDA, A.,1982) indi-cam que, a composição da população baiana era bastante parecidacom a do país. A população economicamente ativa (PEA)correspondia a 31,4% da população total, um pouco menor que ado Brasil, que equivalia a 33%. O setor primário, compreendidopela agricultura, pecuária, silvicultura e indústria extrativa, consti-tuía-se no maior absorvedor da mão-de-obra baiana, empregando72,88% da sua PEA. contra 60,58%do Brasil. Segue-se o setorterciário (comércio 7,32%, serviços 8,39%, outros 3,39%) quetotalizava, na Bahia, 19,10% contra 26,38% no país. O setor secun-dário, com a indústria, absorvia 8,02% na Bahia e 13,04% no Brasil.

No que se refere a Salvador a relação entre a PEA e a popula-ção total permaneceu em torno de 40% nos anos 1940 -1950, caindopara 36% em torno de 1970, visto que a criação de empregos nãoacompanhou o crescimento da população (HEROLD, 2004).

Os cálculos efetuados por Almeida, A. (1982) indicavam que adiferença básica da Bahia em relação ao Brasil residia na percepçãoda renda. No seu estudo comparativo da renda per capita baiana e abrasileira da época, Almeida concluiu que a Bahia apresentava umdéficit global de 51%. Ou seja, em termos médios, a remuneraçãodos trabalhadores baianos correspondia à metade nacional.

2.6.2 Agricultura

Segundo Almeida, A. (1982), em 1950:A Agricultura é o principal ramo de atividade do Estado, tanto doponto de vista da renda, como do número de pessoas que a ela sededicam. Ela absorve quase 3/4 da população ativa remuneradaque, mesmo auferindo baixo rendimento por trabalhador, totalizam4,4% da renda global da Bahia. Na composição dessa renda, as la-vouras, a produção animal e a extrativa vegetal entram respectiva-mente com 67,5, 22,8 e 9,7%, o que significa que o valor da produ-ção do conjunto das lavouras representa, isoladamente, 28% da ren-da estadual, a produção de origem animal, isto e o valor de rezesabatidas, de produtos derivados e de aumento dos rebanhos bovi-no, suíno, ovino e caprino, participa com 9,4%; e a extrativa vegetalcontribui com 4% da renda bahiana.

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Não obstante, em virtude da baixa remuneração dos trabalha-dores baianos, ao representar a metade da brasileira, o setor agríco-la em pouco contribuía para reduzir a diferença da renda estadualem relação à do país.

A Tabela 17 a seguir, que contém a distribuição absoluta e re-lativa das terras na Bahia, mostra a deficiência baiana no uso eco-nômico de seu território.

103 Segundo Baleeiro (2000, p.57), ainda na década de 1970,, a Bahia tinha somente 17% dassuas terras tituladas.

Analisando-se as propriedades recenseadas em 1950, observa-seo seu baixo grau de utilização (34%) significativamente menor que amédia nacional para o mesmo período, quando atingia 54%, (IBGE,1954 apud ALMEIDA, A. 1982). Inversamente, a disponibilidade deterras incultas e improdutivas (35%) era significativamente maior naBahia do que nas propriedades recenseadas no resto do país.Segundoo estudo de Almeida, A. (1982), a área cultivada por trabalhador, naBahia (4,97 ha), representava apenas 41,1% da área nacional cultiva-da por trabalhador (12,09 ha.)

Embora a renda por hectare (Cr$ 3.319,00) fosse superior à dopaís (Cr$ 3.096,00), este rendimento precisaria crescer até mais queduplicar, a fim de que a renda per capita atingisse a média nacional,isto é, cada hectare de terra cultivada na Bahia deveria renderCr$7.533,00. (ALMEIDA, A., 1982).

Tabela 17 - Bahia: utilização das terras103 - 1950

Fonte: ALMEIDA,1955Notas: 1 TR = Terras recenseadas

2 Na área total estão excluídas as superfícies líquidas.

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Ainda de acordo com os dados coligidos pelo autor citado (verTabela 18 seguinte), o valor da produção agrícola baiana, em 1950,correspondia a 5,2% da nacional. O cacau, produto mais representati-vo do Estado, com 37,81% do valor da produção baiana, apresentavauma insignificante participação nacional com apenas 2,06%. Quintoproduto agrícola mais significativo da produção baiana (10,03%), em1950, o café liderava o valor da produção nacional, com 31,72%.

Tabela 18 - Agricultura: valor da produção na Bahia e no Brasil(1950)

Fonte: Equipe de Renda Nacional – FGV apud Almeida A. (1982).

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2.6.3 Culturas notáveis

Como foi visto ao longo das seções anteriores, a economiabaiana dependia, na primeira metade do século XX, das culturasdo açúcar, do fumo, do café e do cacau. Ao chegar aos anos 1950,com exceção do cacau, todas as demais entravam em decadência,perdendo o peso de sua contribuição e levando ao empobrecimen-to muitos “aristocratas” baianos, notadamente aqueles vinculadosà economia açucareira.

As causas da decadência da cultura do açúcar na Bahia já fo-ram expostas no primeiro título deste livro. Vale a pena mencionarque, segundo a CPE (BAHIA, 1978) a sua produção em 1950 (60.206t) correspondeu a 37% da produção obtida em 1930 (160.578 t), amaior do Estado na primeira metade do século, de acordo com osdados disponíveis.

O cacau constituiu a única das culturas componentes dos ci-clos primário-exportadores que marcaram a história da economiabaiana, até o final da década de 1980, quando foi destroçada peladoença da “vassoura de bruxa”.

A região cacaueira baiana, que se tinha desenvolvido na Bahiaa partir do século XVIII, vindo a assumir, na primeira metade doséculo XX, marcante papel na pauta das exportações brasileiras,por volta de 1910 colocou o Brasil na liderança mundial dos produ-tores, tendo este posteriormente cedido terreno aos países africa-nos. Em 1950, contribuía o cacau com uma participação equivalen-te a 37,8% na formação do Produto Agrícola do Estado e respondia,segundo a Comissão Executiva do Plano de Recuperação Econômi-co Rural da Lavoura Cacaueira (Ceplac) (BRASIL, 1975, p.73) por64,8% das exportações baianas.104

Uma análise retrospectiva da série de produção desta cultura, re-sulta na observação de que, no período de 1950/1960, a produção es-tagnou. Tal fenômeno foi consequência de um processo de desgaste aque se vinha submetendo esta atividade ao longo de trinta anos e quese podia traduzir pelos dados apresentados na Tabela 19.

Esse quadro revela o baixo nível da produtividade que decli-nou em 14,7 e 16,0% nesses mesmos períodos. De fato, chegou-se aobservar que, enquanto na Bahia se obtinha uma média de 450 kg

104 Segundo a mesma fonte, esta participação atingiria um máximo de 74% em 1954, decli-nando em seguida. Em 1959 representava apenas 32,2%.

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de amêndoas por hectare, em Gana, se obtinham 900 kg em áreaidêntica.

Um conjunto de fatores respondeu pelo problema. A começarpela forma primitiva e empírica que norteou o plantio, a má quali-dade das espécies inicialmente adotadas, a velhice das plantações ea exaustão dos solos.

A este conjunto de causas agronômicas, associou-se a ausên-cia, durante extenso período, de uma política econômica voltadapara a assistência e o fomento da cacauicultura.

Efetivamente, ocorreu em relação ao cacau exatamente o opostoda política adotada para o café. Durante anos, sofreu a economiacacaueira um processo corrosivo de descapitalização, originado emprincípio pela vinculação do preço do produto ao câmbio oficial,de taxa fixa, fato que desvinculava a sua cotação de qualquer refe-rência com os preços internos naturalmente mais elevados. Esta sis-temática prolongou-se durante um período de vinte e três anos(1931-1954), sendo sucedida pela política do confisco cambial, nãomenos perniciosa. Tais medidas drenaram desta economia subs-tanciais recursos — estimados à época, pelo Banco da Bahia, em315 milhões de dólares — que se transferiram para o financiamentoda industrialização do Sudeste brasileiro. Em termos estaduais, apolítica tributária adotada funcionou também como dreno, postoque os recursos obtidos pelo governo do Estado não retornaramsob a forma de investimentos públicos. Eram aplicados no subsídioàs regiões mais débeis do contexto baiano e para sustentar o cus-teio da máquina governamental.

Na prática, a cultura do cacau seguiu o mesmo ritmo das ou-tras culturas agrícolas que predominaram no Estado. Explorada por“coronéis” semianalfabetos (a propósito, ver as obras imortais deJorge Amado) não internalizou na região os lucros produzidos que

Fonte: Spinola (1978, p. 57).

Tabela 19 – Bahia: evolução da cultura cacaueira

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foram esbanjados pelos herdeiros perdulários em outras regiões,como já se disse anteriormente, e até mesmo fora do país. As casasexportadoras, que controlavam a comercialização do produto, fo-ram as principais beneficiárias dos resultados produzidos pela eco-nomia do cacau.

Somente a partir de 1957, com a criação da Ceplac, iniciou-se aadoção de uma política dirigida para o desenvolvimento da econo-mia cacaueira. A esta providência do governo federal associaram-se as administrações estaduais, a partir da década de 1960, dandoinício a um processo gradativo de investimentos na criação de umainfraestrutura física de que tanto se ressentia a região.

A despeito dos esforços mobilizados pela Ceplac, a culturacacaueira foi perdendo espaço diante da concorrência internacional,até o final da década de 1980, quando entrou em grave declínio emdecorrência da praga que dizimou as plantações.

Já a cultura do fumo na Bahia sofreu o seu maior baque quan-do ocorreu a efetiva abolição da escravatura que lhe fez perder acondição de moeda de troca no comércio negreiro.

A despeito de ser encarada com desprezo pelos governadores,como Góis Calmon, citado na seção anterior, para quem ela era,“infelizmente e em geral, rotineira, por ser a lavoura do pobre etradicionalmente do proletário”, a cultura do fumo se manteve napauta de exportação da Bahia, como um dos seus produtos maisimportantes até a década de 1950 quando ocupava a segunda posi-ção na pauta de exportação baiana e representava 14,1% do valorexportado.105

Segundo Almeida (2003), na Bahia, a quantidade de estabele-cimentos industriais manteve-se praticamente inalterada entre 1920(48) e 1950 (47) .

Gradativamente, sucumbiu o setor à concorrência estabelecidapelos produtores das regiões Sudeste e Sul (São Paulo e Rio Grandedo Sul) que dominaram o mercado tanto em função da qualidadequanto da produtividade. Segundo o autor precitado “em 1950 aprodutividade da indústria paulista do fumo já superava a das ou-tras indústrias estaduais, graças ao aumento da escala média deseus estabelecimentos e à mecanização mais rápida de suas linhasde produção” (ALMEIDA, 2003). Aliado a este fator, as sequelas da

105 Segundo a S.E.F. do Ministério da Fazenda, apud Almeida R. (1982) Quadro 11.

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Segunda Guerra Mundial, com a perseguição aos empresários ale-mães, que constituíam o motor desta cultura na Bahia, terminarampor desestabilizá-la, condenando-a a um progressivo declínio eperda de importância no contexto da economia estadual.

O número de operários, que fora de 6.158, equivalente a umaparticipação de 42,4% do total do país em 1920, declinou para 3.940ou 27,4% em 1950. A participação no valor da produção caiu de20% em 1920 para 7,6% em 1950 (ver a Tabela 20 seguinte)106.

O Recôncavo baiano entrou em definitiva decadência, pois,progressivamente, assistia à derrocada das suas principais cultu-ras: o fumo e o açúcar.

Ainda conforme Almeida (2003), (apud ALMEIDA, 1974, p.81):

[...] no decorrer dos anos 40, o volume da mão-de-obra empregadapela indústria de transformação na Bahia manteve-se praticamenteestagnado, chegando mesmo, ao final do período, a registrar umdecréscimo de pouco mais de 1%.

Isso se deveu à redução do nível de emprego na indústria têxtil(menos 30%) e na de fumo (menos 54%). Ambas somaram umaperda de 16 mil empregados Em um contexto de avanço da indús-tria do cigarro e de decadência do consumo de charutos, caiu aparticipação da indústria baiana do fumo no valor da produçãonacional do ramo.

106 Registra-se uma pequena divergência da ordem de 0,82 pontos percentuais entre as fon-tes citadas nas tabelas 18 e 20.

Tabela 20 - Distribuição regional da indústria do fumo em 1920 eem 1950

Fonte: Paulo Henrique de Almeida. A manufatura do fumo na Bahia: história de um outroRecôncavo. Salvador, 2003.Nota: * DF = Rio de Janeiro.

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2.6.4 Indústria

A atividade industrial na Bahia, nos anos 1950, era frágil, coma predominância de pequenos negócios. Pelos cálculos de Almeida,A. (1982), a sua participação na formação da renda baiana era, na-quele ano, inferior à da agricultura, do comércio e dos serviços,correspondendo a 12%. Segundo os dados coligidos no Censo in-dustrial, comercial e dos serviços 1950 – IBGE, (apud BAHIA, 1979)existiam, àquela época, 4 270 estabelecimentos industriais no Esta-do, dos quais 90,75% pertenciam à classe da indústria de transfor-mação, 6,07% à classe dos serviços de utilidade pública, 1,73% àindústria extrativa e 1,45% à construção civil.

A indústria empregava 42.290 pessoas das quais 82,73% tra-balhavam na indústria de transformação, 10,53% na construção civile o restante (6,74%), na indústria extrativa107 e nos serviços de utili-dade pública.

No setor, como um todo, predominavam as indústrias ditastradicionais que representavam 70,5% do universo, contra 29,5%do denominado segmento dinâmico.108

Conforme o uso dos bens, nas indústrias de transformação,oIBGE identificava, no Estado, em 1950, 10 estabelecimentos produ-tores de bens de capital (0,26%), 1.471 produtores de bens interme-diários (37,96%) e 2 394 produtores de bens de consumo (61,78%).

O valor da produção (VBP), à época, era de CR$ 1.744.739 mil,cabendo à classe da indústria de transformação participar com80,90% e a construção civil, com 11,34%. A participação restante sedistribuía entre a indústria extrativa (4,09%) e os serviços de utili-dade pública (3,67).

107 Na indústria extrativa registrava-se em 1950 a produção de petróleo bruto num volume de338.707 barris predominantemente no campo de Candeias (95%). Além do petróleo, eramextraídos no estado, em pequenas quantidades, o amianto, cristal de rocha, sal marinho,minério de cromo. talco, magnesita, e minério de manganês, esses dois últimos responsáveispor 73,77% da produção extrativa mineral do estado (BAHIA, 1979, p.103).

108 Trabalha-se com a classificação das empresas em gêneros “dinâmicos e tradicionais”.Como se sabe, estes conceitos têm a ver com o grau de modernidade tecnológica daindústria e, inclusive, com a sua capacidade de reproduzir e disseminar novas formas detecnologia que racionalizem processos, aumentem a produtividade e inovem. Este seriao caso do gênero dinâmico, em contraposição às indústrias tradicionais, estagnadas frenteao aporte de tecnologia e, até mesmo, refratárias à modernização.Esta classificação écriticada por diversos autores, pelo menos quanto à sua abrangência, tendo em vista arevolução tecnológica mundial que vem sendo incorporada praticamente por todos ossegmentos da indústria, notadamente a partir dos anos 90. Entretanto, conforme se de-monstrou no correr do texto, observa-se que a classificação é pertinente para a indústriabaiana examinada no período de 1950 a 1980.

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O valor da transformação industrial (VTI) totalizava Cr$ 810.812mil e apresentava a mesma tendência do VPB que a indústria detransformação, respondendo por 75,85% e a construção civil, por13,76%. As duas outras classes respondiam por 6,36% (serviços deutilidade pública) e 4,03% (indústria extrativa).

O gênero dos produtos alimentares (panificações, torrefaçõesde café e outras atividades alimentícias) , do segmento tradicional,dominava a indústria de transformação com 41,21% dos estabeleci-mentos, 31,53 % do pessoal ocupado, 50,16% do valor da produçãoe 40,17% do valor da transformação industrial.

A indústria têxtil, naquele ano, apesar de responder por 1,16%dos estabelecimentos, ocupava a segunda posição nos demais itenscotejados, sendo 18,25% do pessoal ocupado, 13,52% do VBP e16,45% do VTI. Esta indústria, que tão significativo papel desem-penhou na economia baiana no final do século XIX, começou a de-finhar no século XX, chegando ao ano 2000 com 8,0% do pessoalocupado, 2,5% do VBP e 1,9% do VTI.

De acordo com o que foi detalhado no Título I deste livro, aindústria têxtil baiana foi vítima de vários fatores adversos entre osquais encontram-se:

a) a decadência da cultura algodoeira (notadamente na qualida-de da fibra) que, na Bahia, somente veio a se recuperar a partirdo século XXI, depois de superada a praga do “bicudo”;

b) a falta de apoio político (veja-se que ela não fez parte dapreocupação de nenhum dos governos comentados nestelivro, cuja atenção estava voltada prioritariamente para aagricultura) e, consequentemente, apoio financeiro;

c) a dependência do mecanismo de vendas por consignação109

que, segundo Tavares (1966), foi a principal causa dessedeclínio, visto que vinculou o controle da indústria aos gran-des comerciantes locais que, por seu turno, preocupados coma obtenção de resultados a curto prazo, não possuíam maio-res interesses na atividade industrial;

d)a não-participação da indústria baiana, como de resto a si-milar nordestina, no processo de modernização do setor pro-movido pelo governo federal a partir de 1954;

109 Entende-se por consignação industrial a operação na qual ocorre remessa, com preçofixado, de mercadoria, com finalidade de integração ou consumo em processo industrial,em que o faturamento dar-se-á quando da utilização desta mercadoria pelo destinatá-rio (art. 470 do RICMS). Grifo nosso.

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e) o consequente obsoletismo dos equipamentos, que decre-tou a baixa produtividade e falta de competitividade frenteà modernizada indústria paulista.

A indústria de transformação de minerais não metálicos ocu-pava a segunda posição em termos de estabelecimentos (30,33%) eo terceiro lugar nos demais itens: 16,45% do pessoal ocupado e 8,71%de VTI. No VBP (com 4,70%) perde para a indústria química e far-macêutica, que responde por 5,21% apesar de apresentar apenas3,88 de VTI. Note-se que a produção de cimento – importanteinsumo para o crescimento das atividades econômicas – só teveinício na Bahia a partir de 1953, com a construção, pela Lone Star,da Fábrica de Cimento Aratu. (PROCHNIK, 1985 p. 419).

As indústrias existentes, em sua maior parte, eram de peque-no porte. Segundo o IBGE (apud BAHIA, 1979), 81,99% das empre-sas existentes possuíam a constituição jurídica de firmas individu-ais. Na época, existiam no Estado apenas 115 sociedades anônimas,o que representava 2,69% do total. Coerentemente com estes da-dos, 71,26% dos estabelecimentos existentes empregavam até cincopessoas e 15,85%, entre seis e dez pessoas. Porém, as maiores em-pregadoras eram as sociedades anônimas que absorviam 38,54%do pessoal, ou seja, 16 299 empregos. As firmas individuais respon-diam por 36,48% dos empregos, equivalentes a 15 429 pessoas. Naindústria de transformação, a maior empregadora era o gênero deprodutos alimentares que respondia por 11 033 postos de trabalho,ou seja, 31,53% de toda a indústria. Seguiam-lhe, a distância, a in-dústria têxtil - com 6.385 empregados (18,25%) - e a de transforma-ção de minerais não metálicos - com 16,45% correspondentes a 5.754trabalhadores.

A situação salarial do operariado baiano, em 1950, era, segun-do Almeida, A. (1982) tal que “individualmente, todas as ativida-des remuneram pior na Bahia. No conjunto, o salário médio pagona indústria representa 59% da média nacional” (grifo nosso).

Almeida, A. (1982) sintetiza a posição da indústria baiana emrelação à brasileira em 1950 com os seguintes dados:

Valor adicionado 51,1% da média nacionalSalário 59,8% da média nacional

Concentração da produção por estabelecimento:Operários 60,9% da média nacional

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Capital por operário 53,8% da média nacionalForça motriz 51,9% da média nacionalTamanho do setor110 58,3% da média nacional

2.6.5 Comércio

Conforme os cálculos de Almeida, A. (1982) que considerou“os dados do Censo Demográfico, combinados com os da rendanacional da FGV,” a renda por trabalhador na Bahia, em 1950, erade Cr$ 21.852,00, o que representava 81% da renda nacional equi-valente. Isto, considerando, no cálculo, “o conjunto do Comercio,Transporte, Comunicações e Intermediários Financeiros”.

Analisando o conteúdo numérico do Censo Comercial de 1950, nota-se maior concentração comercial no Brasil: com maior número depessoas por firma, em 1° de janeiro de 1950; maior volume de ven-das, em 1949 e maior estoque, no fim de 1949. As médias baianasrepresentaram, respectivamente, 72,9, 69,8 e 76,6% das médias na-cionais. (ALMEIDA, A. 1982)

O autor ressalta a importância do comércio exterior para a eco-nomia baiana, destacando, em seu estudo que “as vendas para oexterior representaram 57,1% das realizadas para consumo inter-no, enquanto que no Brasil elas só representaram 19,6%” das efetua-das com a mesma finalidade.

Confirmando as palavras do governador Mangabeira, antesaqui citadas, a CPE (BAHIA – CPE, 1978, p.152) mostra que, em1951, as exportações baianas eram constituídas, em 99,79%, por pro-dutos primários. No que tange ao comércio interno, o Estado eraamplamente deficitário. Dados fornecidos por Campos e Lattini(1982) mostram que a Bahia acumulava déficits sucessivos em seucomércio por vias internas (em 1948 – Cr$ 208.179 mil –, em 1949 -Cr$ 304.033 mil – em 1950 – Cr$ 281.435 mil – e em 1951 – Cr$ 66 517mil). Em síntese, o que ganhava no comércio exterior destinava-sea pagar o que comprava internamente, caracterizando-se uma per-manente sangria em suas possibilidades de formação bruta decapital. Sobre esta situação, já se queixava, em 1922, o governadorGóis Calmon. Analisando este quadro em 1955, Campos e Lattiniassim se manifestavam:

110 Número de operários ocupados na indústria, % da população total.

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De um modo geral, observam-se nas transações comerciais do Esta-do da Bahia, saldos elevados no que concerne às transações com oexterior, compensados por déficits também expressivos no comérciode cabotagem. Em 1951, o movimento de mercadorias por vias inter-nas apresentou um saldo apreciável. Não obstante, deve ser consi-derado que nos dois anos imediatamente anteriores (1949 e 1950) ocomércio baiano por vias internas apresentou um movimento deimportações de valor mais elevado que o das exportações. É impor-tante a participação da Bahia no total do ativo do comércio exteriordo Brasil, representando só as exportações de cacau, em sua quasetotalidade, escoadas por portos baianos, cerca de 4% do total da re-ceita brasileira. Em conjunto, o valor das exportações da Bahía, desti-nadas ao exterior, representam cerca de 7 a 8% sobre o total exporta-do pelo Brasil. Por outro lado, os saldos do comércio com o exteriorrefletem, também, a pequena demanda efetiva do Estado, de su-primentos de produtos estrangeiròs, indicando dessa forma o seupequeno consumo dos principais bens oriundos de outros países,habitualmente importados pelo Brasil. As importações baianas dire-tamente do exterior oscílam em torno de 2,5% sobre o total brasilei-ro. Provavelmente, em face das dimensões dessa demanda, parte dosuprimento baiano de produtos estrangeiros é satisfeita pela impor-tação de outros Estados, por cabotagem e vias internas. Tal práticarepresenta sem dúvida, perda de substância da economia baiana,de vez que esses produtos estarão encarecidos de muito em relaçãoao seu vaIor de chegada a nosso País, se considerarmos a elevadapercentagem de aumento que sofrem com os gastos de transportes,impostos e lucros dos intermediários (grifos nossos).

2.6.6 Serviços

Os serviços sempre constituíram importante setor na econo-mia estadual. Segundo Almeida, A. (1982), o setor participava com17% na formação da renda total (ver Tabela 16).

Conforme os Estudos de renda nacional da FGV, a renda por pes-soa ocupada neste setor atingia, em 1950, Cr$ 11.264,00, um núme-ro bastante superior à media geral de rendimentos dos trabalhado-res baianos. Situava-se, entretanto, abaixo da média nacional dotrabalhador brasileiro, da qual representava 91%, e do rendimentomédio do setor serviços no país, do qual representa 69%.

Pelos cálculos de Almeida, A. (1982), com base na sinopse pre-liminar do Censo dos serviços, que abrange:

a) serviços de confecção, conservação e reparação;b) alojamento e alimentação;c) higiene pessoal;d) serviços de diversão e radiodifusão,

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a receita líquida por trabalhador na Bahia, isto é, a receita menosdespesas de consumo, na produção dos serviços, representava 48,2%da receita líquida.

Pelo exposto, como decorrência das inúmeras causas aqui rela-tadas, encerrava a Bahia a primeira metade do século XX em nítidasituação de desvantagem em relação às regiões mais desenvolvidasdo Brasil, tornando irreversível, já àquela época, a recuperação doespaço perdido no processo de crescimento econômico nacional.

Como se verá nos títulos e seções seguintes, esta situação so-mente foi agravada na segunda metade do século sob análise.

Tabela 21 - Serviços na Bahia:resultados líquidos por trabalhador

Fonte: Almeida, A. (1982).

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TÍTULO IIIPLANEJAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

A única certeza do planejamento é que as coisas nunca ocorremcomo foram planejadas. (Lúcio Costa, arquiteto, um dos criadoresde Brasília).

3.1 CONCEITOS E CONDICIONANTES DO PLANEJAMENTONO BRASIL

A compreensão da problemática que caracterizou o processode crescimento111 econômico regional e urbano do Estado da Bahiaexige que se passe pela análise e pelo entendimento do desempe-nho da economia nacional e das suas inter-relações espaciais noperíodo que transcorre do final da segunda Guerra Mundial até osúltimos anos do século XX. Isto requer que se faça uma revisãohistórica das experiências de planejamento econômico e das políti-cas públicas realizadas nos espaços de influência do governo fede-ral e no âmbito decisório da região Nordeste e da Bahia.

Conceitualmente, o termo planejamento tem sido utilizado, noBrasil, de forma livre e imprecisa, compreendendo tanto as ativida-des empresariais, na área da microeconomia, quanto os diversostipos de intervenção macroeconômica para a estabilização de pre-ços e combate à inflação, como ocorreu no passado recente.

Na opinião de Campos (1974, p. 47):Seria talvez conveniente maior esforço de precisão semântica, pela di-ferenciação entre simples declarações de política, programas de de-senvolvimento e planos de desenvolvimento. No primeiro caso, ter-se-ia uma simples enunciação de uma estratégia e metas de desenvol-vimento. Um programa de desenvolvimento compreenderia, além dadefinição de metas, a atribuição de prioridades setoriais e regionais e aformulação de incentivos e desincentivos relacionados com essas pri-oridades. Um plano de desenvolvimento avançaria ainda mais pelaespecificação de um cronograma de implementação, pela designaçãodo agente econômico (público ou privado) e pela alocação de recursosfinanceiros e materiais. A palavra “projeto” seria reservada para odetalhamento operacional de planos ou programas.

111 Coerente com as hipóteses assumidas neste estudo (ver introdução) entende-se que, nomáximo, ocorreu na Bahia e no Nordeste um processo de crescimento econômico, nãosendo correto metodologicamente falar-se em desenvolvimento econômico.

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A experiência tem indicado que o planejamento econômico,em termos internacionais, tem assumido diferentes formas que sãocondicionadas pela estrutura econômica e sociopolítica da regiãoobjeto desta iniciativa. Assim é o caso do planejamento indicativo,típico dos sistemas mistos de livre empresa do mundo ocidental (p.ex., na França) ou do planejamento normativo ou ativo, segundoLange (1963), característico das economias submetidas a regimesautoritários ou socialistas (como é, ainda, o caso da China). Sobeste aspecto é importante que se transcreva a seguinte colocação deRafael de Almeida Magalhães:

Nem o planejamento estatal, nem muito menos planos nacionaisde desenvolvimento são instrumentos apenas de governos autori-tários. No pós-guerra europeu, todos os países, mesmo os feroz-mente conservadores, adotaram-nos como técnica moderna de ges-tão pública, servindo-se deles, sobretudo, os governos de compro-misso social-democrata. E o desempenho dos países europeus apósa devastação da guerra, no qual o planejamento estatal e os planosde desenvolvimento foram instrumentos decisivos, constituem-seem exemplo conspícuo da excelência deles na construção de socie-dades que efetivamente conjuguem crescimento e justiça, a marcade fábrica da reconstrução europeia. (MAGALHÃES, 2009, p.255).

Por seu turno Pedrão (2000), afirma que a questão do planeja-mento gira em torno de um modo racional sistemático de tratar osrecursos humanos e físicos, em função do interesse público.

Toda a atividade de planejar sempre se apoiou na representa-ção social da esfera pública, exigindo sempre opções, no que se re-fere a atualizar historicamente o interesse público e a fortalecê-lo,ou a torná-lo mais rígido e enfraquecê-lo. Há um componente téc-nico, um componente ideológico e um componente ético no modocomo se tratam as esferas pública e privada. Como um de seus as-pectos mais difíceis, o planejamento obriga a explicitar posições emtemas tais como a distribuição da renda, as políticas de educação esaúde e principalmente, quanto às oportunidades das pessoas.

As experiências com planejamento compreendem as dos países so-cialistas e de diversos países não socialistas, desde os nórdicos aossaxões, passando por franceses, italianos e especialmente da Índia.Acumulou-se uma ampla e complexa experiência de planejamentonos países latino-americanos entre 1946 e 1976, com variados mati-zes de um país a outro, com um grande número de documentos deplanejamento e experiências muito desiguais com a execução dosplanos. Tais colocações tornam necessária uma referência às matri-zes conceituais do planejamento. A separação entre as experiênciasocidentais e as socialistas é artificial e posterior aos fatos. Basta vercomo os “ocidentais” absorveram as técnicas de insumo-produto e

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de projetos multipropósito desenvolvidas na esfera socialista. Ofi-cialmente, também foram ignoradas as técnicas desenvolvidas nonazismo e no fascismo, apesar de estar hoje claro que ali se criaramas atuais estruturas dos complexos industriais e de uso estratégicodos setores de construção civil. No entanto essa separação intenci-onal influenciou o discurso do planejamento na América Latina,inclusive na Cepal, apesar de que os governos nacionais sofreraminfluências dos regimes autoritários, que ainda precisam seresclarecidas. (PEDRÃO, 2000, p. 1-2).

Há também de se considerar que os planos podem variar deum esquema de planejamento altamente agregado, que consideraalgumas variáveis macroeconômicas, a esquemas de planejamentodesagregado, como seria o caso de um programa de desenvolvi-mento multissetorial, estruturado em coeficientes e análises deinsumo-produto.

Por sua área de influência ou grau de abrangência em termosgeográficos, o planejamento, sem perder as características anterio-res, pode também ser nacional, regional, estadual e municipal.

João Paulo dos Reis Velloso, em seu discurso de posse no Mi-nistério do Planejamento e Coordenação Geral do Brasil, em 1969(período do mais radical autoritarismo da ditadura militar que do-minou o país de 1964 a 1986), definia a visão do planejamento bra-sileiro segundo o pensamento dos donos do poder à época:

O Estado promotor do desenvolvimento define os objetivos básicose a estratégia geral de desenvolvimento. Programa a sua atuação di-reta. Participa, em boa medida, nos investimentos e na produção,nos setores da infraestrutura econômica e social. Só excepcionalmenteparticipa, nos investimentos e produção, nos “setores diretamenteprodutivos” (indústria de transformação, extração mineral e vege-tal, agricultura, comércio, sistema financeiro, serviços pessoais). Emrelação às áreas de responsabilidade do setor privado (setores dire-tamente produtivos e parte da infraestrutura) realiza planejamentoindicativo, define os instrumentos de política (incentivos edesestímulos), e exerce ação reguladora. (VELLOSO, 1969).

Numa revisão histórica, notadamente nos aspectos sociais, sãoquestionáveis os resultados da experiência brasileira de planeja-mento. É inegável o expressivo crescimento econômico do país na se-gunda metade do século XX, sobretudo no período que vai de 1968até 1980, graças à implementação de muitas das medidas e açõespreconizadas nos diversos planos elaborados no período. Porém,não foi atingido o padrão de desenvolvimento econômico desejável e,ao encerrar o século, se observa a manutenção de um consideráveldesequilíbrio inter-regional, acentuada concentração da renda e a

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permanência de uma elevada parcela da população vegetando abai-xo da linha de pobreza, continuando o país dependente, em grandeescala, dos humores dos capitais externos.

No plano técnico e político, já em 1974, Roberto Campos (tam-bém ministro do Planejamento e Coordenação Geral do Brasil noperíodo de 1964-1967) listava um conjunto de limitações que con-tribuíram para dificultar a implementação do planejamento no Bra-sil. Dentre estas, destacavam-se as seguintes:

No plano técnico: deficiências estatísticas no tocante a dados fun-damentais como o emprego de mão-de-obra, o investimento do se-tor privado e as relações inter-industriais; a escassez de planejadoresexperimentados; o importante peso do setor agrícola, no qual o pla-nejamento é difícil pela proliferação de pequenas unidadesdecisórias, para não falar em fatores climáticos; a importância dosetor externo (exportações e ingresso de capitais) sujeito a agudasflutuações, particularmente no caso do comércio exterior, depen-dente até pouco tempo de uma pequena faixa de produtos de ex-portação sujeitos a grande instabilidade de preços. No plano polí-tico-institucional: a existência de subdivisões políticas autônomas.Quando essas unidades têm substancial peso e recursos próprios, ecapacidade autônoma de levantar recursos por tributação e emprés-timos, é extremamente difícil submetê-las à disciplina do planeja-mento central. A única alternativa prática é tentar uma coordena-ção dos planos estaduais com os federais; a inadequação do meca-nismo de implementação. Ainda que os planos sejam concebidos

Tabela 22 - Brasil: taxas de crescimento do produto interno bruto(PIB) - 1964-1999

Fontes: Banco Central do Brasil. Fundação Getúlio Vargas (FGV) IBGE. O Globo Economia,Rio de Janeiro, 16 mar. 2009

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por técnicos, têm de ser implementados através da máquina buro-crática, que no Brasil partilha de natureza de burocracia“prismática”, preocupada mais com alcançar “status” que com exi-bir “performance”, e que não se ajusta facilmente aos objetivos na-cionais da chamada burocracia “Weberiana”, dos países desenvol-vidos, com seu enfoque racional e estruturas especializadas;faltade um mecanismo político de formação de consenso. Impregnadosde facciosismo e personalismo, os partidos políticos tradicionaisprovaram-se incapazes do esforço de formação de consenso neces-sário ao estabelecimento de um compromisso político com deter-minados objetivos de planejamento, e a “posteriori” com a conti-nuidade de implementação das metas. Depois da Revolução de 1964,duas medidas de reforma institucional foram tomadas: primeiro aabolição dos partidos tradicionais, excessivamente personalistas efacciosos, e sua substituição por um sistema bipartidário, o quepresumivelmente facilitaria a manutenção da disciplina partidáriaem apoio de planos e programas governamentais; segundo, a abro-gação do poder do Congresso de aumentar o dispêndio orçamen-tário, que tornaria impraticável qualquer planejamento financeiroconsistente. Esta última medida foi complementada pela exigênciade submissão ao Congresso de orçamentos plurianuais de investi-mento; a instabilidade política. Em vista da ausência de um meca-nismo de formação de consenso político, representando os planos,portanto, pouco mais que um compromissamento pessoal do chefedo executivo, a instabilidade de liderança tem efeito devastadorsobre o esforço de planejamento. Donde alguns economistas e ci-entistas sociais expressarem completo ceticismo sobre a relevânciade esforços de planejamento num contexto político instável, enquan-to outros recomendam um enfoque mais modesto, construído so-bre “ilhas de racionalidade.” (CAMPOS, 1974, p.50).

Uma leitura atenta desta lista de problemas permitirá perce-ber, nas suas entrelinhas, uma manifestação explícita do mais gra-ve dos problemas que afetou no passado e afeta, no presente, oplanejamento no Brasil. Trata-se do autoritarismo de que se revesteo exercício do poder em todos os níveis e escalões governamentais.Os tecnocratas brasileiros que, levados para o governo pelos mili-tares, assumiram, até os dias atuais, parcela considerável deste po-der, nunca contemplaram de perto a realidade social do país e ja-mais se preocuparam em envolver a comunidade nos processos deplanejamento.

A considerável distância que separa a Nação do Estado, noBrasil, e, consequentemente, o reduzido grau de exercício da cida-dania, impediu que muitos planos formulados viessem a ser co-nhecidos e assimilados pela sociedade civil. Por outro lado, a au-sência de democracia e a total falta de transparência na ação públi-ca, ao longo de 22 anos da história recente do país (1964-1986), fize-

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ram com que delírios de grandeza e projetos faraônicos, sem qual-quer viabilidade econômica, integrassem o planejamento estatal,enquanto a oferta abundante de crédito externo propiciava o cha-mado “milagre brasileiro” (1968-1980).

Além desses fatores sociopolíticos há ainda que destacar o pro-cesso inflacionário crônico, que castigou o país ao longo da sua his-tória em todo este século, agravando-se a partir dos anos 1980, quan-do se chegou a momentos de hiperinflação. Também neste perío-do, assistiu-se à crise do endividamento externo (moratória)112 e àadoção de medidas de combate a inflação representadas por perió-dicos “pacotes de estabilização” de preços, que substituíram o pla-nejamento do desenvolvimento, submetendo o país, integralmen-te, ao receituário do Fundo Monetário Internacional (FMI).

No que diz respeito ao planejamento regional, multiplicaram-se, nas décadas de 1970 e 1980, as instituições de fomento, tais comosecretarias de planejamento e bancos estaduais e regionais de de-senvolvimento, registrando-se a ausência de uma coordenação na-cional, com a disseminação dos recursos dos grandes órgãos regio-nais de desenvolvimento, diminuindo a eficácia de suas ações. Se-gundo Cano (1998, p. 41):

A despeito do esforço que os “planejadores regionais” têm empre-gado, a perplexidade de sua impotência tende a aumentar. É sinto-mático, neste sentido, o título de um recente trabalho sobre o senti-do da planificação regional, apresentado por um de seus mais séri-os seguidores latino-americanos: Que hacer con la planificaciónregional antes de medianoche? (BOISIER, 1979). Em certa passa-gem, diz: “Que responderemos [...] quando a legião de planificado-res regionais que nós mesmos formamos nos perguntarem em coro:como preparamos na prática um plano de desenvolvimento parauma região que realmente possa ser implementado” (BOISIER,1979). Mais adiante, afirma que para que as regiões menos desen-volvidas do país possam capacitar-se a negociar com o governocentral uma política diferenciada para seu desenvolvimento, elasterão que “ser capazes de convencer as autoridades centrais, sobreuma base técnica, que um mecanismo de diferenciação territorialnão afetará a execução dos objetivos globais perseguidos com o usode um determinado instrumento de política econômica. Além dis-so, devem provar que os benefícios de uma medida de tal naturezasuperam os custos administrativos de sua aplicação e controle.(BOISIER, 1979, p. 160) (tradução e grifos nossos).

112 As bravatas do presidente José Sarney provocaram graves conseqüências no relaciona-mento do Brasil com os organismos financeiros internacionais somente normalizado comgrande esforço no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.

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Não obstante as críticas, nem tudo foi inútil na experiência bra-sileira de planejamento e o debate, quanto a sua validade, ressurgecom impacto no final do século XX, quando parece declinar ahegemonia do pensamento neoliberal prevalecente no país, a par-tir dos anos 1990, e se constata que os pobres continuam mais po-bres, os ricos mais ricos e a necessidade de planejamento se impõecomo uma fórmula de racionalizar as ações e corrigir as distorçõesprovocadas pelas livres forças do mercado. Resta ver se existirãocompetência e vontade política para retomar-se o longo caminhocuja trilha vem sendo descrita ao longo das páginas deste livro.

3.2 ORIGEM E EVOLUÇÃO DO PLANEJAMENTO BRASILEIRO

As preocupações com o desenvolvimento e a sua discussão,no Brasil, pelas diversas correntes de pensamento, remontam aoséculo XIX, acentuando-se, contudo, a partir das décadas de 1930 e1940, sobretudo no período imediato ao pós-guerra e no contextode uma época de reconstrução mundial, gestada nos acordos deBreton Woods, na criação do Fundo Monetário Internacional, doBanco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento(Bird), no Plano Marshall para a Europa e na constituição da Orga-nização das Nações Unidas, da qual brotou a Comissão Econômicapara a América Latina (Cepal), sem dúvida um dos maiores celei-

Tabela 23 - Brasil: taxas anuais de inflação (1949-1999)

Fontes: IBGE. Estatística histórica do Brasil. Séries Estatísticas Retrospectivas. FGV. Conjun-tura econômica: até 1960. IPA – Índice de preços no atacado. 1961/1995 IGP-DI – Índice geralde preços, conceito disponibilidade interna. 1996/1999. IPC – Fipe.

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ros de idéias e proposições para a promoção do desenvolvimentoeconômico da América do Sul.

É neste período que, na opinião de Mantega (1987, p. 25), sur-ge um novo paradigma:

[...] no seio da própria economia política burguesa, com vistas asuperar a ineficiência do liberalismo econômico face à recorrenteinstabilidade do Estado nos domínios da economia. Os precurso-res da Nova Economia Política foram Piero Sraffa, Joan Robinson eEdward Chamberlin, que se preocuparam em demonstrar que aconcorrência capitalista não era tão perfeita quanto julgava a eco-nomia neoclássica, e elaboraram a Teoria da Concorrência Imper-feita; enquanto Joseph Schumpeter, Michael Kalecki e John M.Keynes, seus contemporâneos, se empenhavam em dar consistên-cia a uma teoria do ciclo econômico que auxiliasse a neutralizar osperíodos de contração das atividades. Coube, no entanto, a LordKeynes o papel de maior projeção na revolução teórica em curso,que passou a denominar-se a “revolução keynesiana”. Segundo anova ótica keynesiana, as forças de mercado, deixadas a si mes-mas, estariam longe de promover a alocação ótima de recursos, cau-sando, pelo contrário, capacidade ociosa, desperdício e desempre-go. Nesse contexto, fazia-se necessária a intervenção mais decididado Estado na economia, não mais apenas enquanto administradorda coisa pública (defesa, educação, justiça, etc..) ou mero reguladordas atividades privadas, mas também enquanto agente direto daprodução, aumentando os investimentos e gastos da sociedade (ti-dos como insuficientes no capitalismo avançado), privilegiandodeterminados setores em detrimento de outros, enfim, orientandoa estrutura econômica para uma produção mais equilibrada. Esta-vam lançadas as sementes do intervencionismo ou dirigismo eco-nômico que iriam frutificar nos vários países capitalistas, inclusivenos mais atrasados, cindindo a economia política burguesa em pelomenos duas grandes correntes relativamente antagônicas: ointervencionismo e o liberalismo econômico.

No Brasil, foi preponderante, nessa época, a influência do pen-samento keynesiano nas análises formuladas por autores estran-geiros dedicados ao estudo do subdesenvolvimento, entre os quaisRaul Prebisch, Albert Hirschman, Gunnar Myrdal e Ragnar Nurksee brasileiros como Celso Furtado, Rômulo Almeida, Ignácio Rangele Maria da Conceição Tavares, entre outros que contribuíram paraa formação das diretrizes da Cepal e do Instituto Superior de Estu-dos Brasileiros (Iseb), fundamentando teoricamente o planejamen-to que veio a desenvolver-se no país, inclusive o modelo de substi-tuição de importações e, politicamente, o que se convencionou de-nominar de paradigma nacional-desenvolvimentista.

Na Cepal, Raul Prebisch investiu contra a lei das vantagenscomparativas, um dos pilares da teoria clássica do comércio inter-

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nacional, sustentando, no final da década de 1940, que o problemados países subdesenvolvidos, entre outras causas, decorria da de-terioração dos termos de intercâmbio com os países desenvolvidos,tendo em vista a condição de exportadores de produtos primários.Para Prebisch:

[...] a relação de preços de intercâmbio se tem movido contra osprodutos primários. Deste modo, a parte o fato de negar-se a estesuma co-participação satisfatória no progresso tecnológico doscentros, parece que a periferia tem transferido a estes últimos partedos avanços de produtividade do próprio setor primário exporta-dor.

Logo:[...] enquanto os centros absorvem todo o benefício do desenvolvi-mento técnico de suas indústrias, os países periféricos transferempara elas parte dos frutos do seu próprio progresso técnico.(PREBISCH. 1963, p.5-6).

Desta forma, segundo o pensamento dominante na Cepal, osubdesenvolvimento dependia da estrutura interna dos países sub-desenvolvidos, prisioneiros de um sistema econômico primário-exportador, com baixo nível de integração entre os setores produti-vos e desemprego estrutural, dada a baixa capacidade de absorçãoda mão-de-obra pelas atividades agroexportadoras.

A industrialização, a reforma agrária e o desenvolvimento domercado interno constituíam, na visão da Cepal, a solução dos pro-blemas de atraso econômico. Para atingir estes objetivos, a Cepalsugeria a decidida participação do Estado na economia e a adoçãodo planejamento, objetivando o fortalecimento da economia nacio-nal. A doutrina da Cepal adquiriu uma coloração nacionalista, ori-entada para a promoção da acumulação capitalista em bases locaise em oposição ao imperialismo comercial e financeiro internacional.

O Iseb incorporou parte do pensamento da Cepal e consoli-dou a ideologia nacional-desenvolvimentista que objetivava liqui-dar com o passado colonial e abrir uma nova fase de desenvolvi-mento no Brasil. Esta ideologia dominou o cenário político-econô-mico brasileiro a partir do segundo governo Vargas até o governoCollor (em 1990) quando o neoliberalismo recuperou o poder deinfluenciar a condução da economia nacional. Segundo WanderleyGuilherme (1963, p. 55-56):

Foi o desenvolvimentismo a última forma assumida por aquela ide-ologia que, nascendo com o próprio alvorecer do capitalismo noBrasil, teve por missão derrotar as sobrevivências ideológicas de

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uma estrutura arcaica e em decadência – a estrutura semi-colonialpredominante no país até a década dos 30 – ao mesmo tempo emque vislumbrava e projetava as vias pela quais deveria evoluir osistema econômico nacional. Para tal fim, melhor dizendo, paraganhar ideologicamente a maioria das forças sociais, retirando-asde sob o controle das teses colonialistas, esmerou-se a ideologia dodesenvolvimento – aqui entendida como a ideologia incumbida dederrotar as teorias coloniais e equacionar os meios do arranque ca-pitalista inicial – em demonstrar que a liquidação da dependênciaeconômica para com o exterior, assim como a solução das princi-pais agruras sociais, poderiam ser obtidas com a expansão do capi-talismo. Acenando sempre com esta possibilidade, veio a ideologiadesenvolvimentista travando combate contra a ideologia adversária,simultaneamente à abertura dos caminhos à expansão capitalista,até que, na década de 50, consolidou-se na variante específica cons-tituída pelo desenvolvimento, cujo foco principal de irradiação foio Iseb, em sua primeira fase.

Ainda nas décadas de 1930 e 1940, colocava-se em frontal opo-sição a esta corrente de pensamento intervencionista outra corren-te cuja formulação teórica neoliberal apoiava-se em Friedrich vonHayek (economista austríaco que marcou, com seu livro seminal,The road to serfdom, a ressurreição do liberalismo econômico) lidera-da aqui, entre outros, por Eugênio Gudin, Octávio Gouveia deBulhões e Roberto Campos.

Debate teórico à parte, o que contava na prática era que, noplano político-econômico, travava-se uma disputa entre, de um lado,as oligarquias agroexportadoras, comprometidas com a burguesiacomercial importadora e exportadora e com o capitalismo interna-cional, tendo a frente Eugênio Gudin liderando o bloco neoliberale, do outro, o empresariado industrial paulista que, sob o comandode Roberto Simonsen, presidente do Centro das Indústrias do Esta-do de São Paulo, acabou vitorioso, empurrando o governo Vargaspara uma postura nacional-populista e intervencionista que criouas precondições do industrialismo que se instalou com o governoKubitschek.

Na prática, as experiências relacionadas com o planejamentoforam tomando corpo, ao longo do período de 1939 a 1951, e foramprovocadas principalmente pela escassez e gargalos característicosda economia de guerra. Mobilizou-se a cooperação internacionalpara melhorar o sistema de transporte e facilitar o acesso às matérias-primas. Segundo Campos (1994), o centro dos esforços de planeja-mento era então o recém-criado Departamento Administrativo doServiço Público (Dasp), um organismo do governo federal, direta-

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mente vinculado ao gabinete do presidente da República, do qualalguns funcionários tinham recebido treinamento em administra-ção pública, vários deles no exterior, notadamente nos EstadosUnidos. Os três primeiros planos de investimento preparados noBrasil – o Plano quinqüenal de obras e reaparelhamento da defesa nacio-nal (1939), o Plano de obras (1943) e o Plano Salte (1946-1950) – tive-ram sua origem em idéias de técnicos do Dasp. Durante o períodode guerra, buscou-se cooperação internacional para esforços limi-tados de planejamento. Nesse contexto, inserem-se a Missão Taub,de 1942, um grupo de engenheiros que preparou um programa deinvestimentos de dez anos, nunca executado, a Missão TécnicaAmericana (Missão Abbinck) que, em 1943, promoveu a primeiraaproximação de formulação de uma política macroeconômica noBrasil, tendo, como orientador, do lado brasileiro, o professor Otá-vio Gouvêa de Bulhões. No tempo em que iniciou seus trabalhos,havia crescente percepção dos problemas de inflação e balanço depagamentos. Formularam-se recomendações de políticas sobreambos esses assuntos, juntamente com propostas de reformatarifária e reabilitação ferroviária.

A Constituição de 1946, liberal por excelência, como reação aoextinto regime Vargas, não faz menção explícita ao planejamento,mas plantou as sementes do planejamento regional através dadestinação de 3% da receita federal para o desenvolvimento econô-mico da Amazônia, e montante equivalente para investimento nasáreas deprimidas do Nordeste.

O Plano Salte, preparado durante 1946 e 1947, e apresentado aoCongresso pelo presidente Dutra, em 1948, foi de longe o mais sig-nificativo desses esforços, mas, mesmo assim, representava poucomais que uma listagem de despesas governamentais em quatro cam-pos: saúde, alimentação, transporte e energia. Aprovado pelo Con-gresso em 1950, o Plano Salte teve implementação fragmentária.

Por seu turno, as consequências da política cambial praticadapelo governo no período de 1945-1953, que foram extremamenteprejudiciais ao processo de crescimento econômico brasileiro, aca-baram por contribuir significativamente para a mudança de orien-tação da política econômica, mediante o abandono da orientaçãoliberal e a adoção de mecanismos de controle que culminaram coma introdução do planejamento no país.

Ocorreu que, em 1946, o governo estabeleceu o sistema de liber-dade cambial extinguindo o denominado mercado livre especial, que

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disciplinava a aquisição de moeda estrangeira para viagens e remes-sas a título de donativos. Manteve-se, entretanto, o mercado oficial,alimentado por uma parcela das divisas obtidas pela exportação queo governo reteve. Essa restrição seria eliminada logo mais tarde, abo-lindo-se igualmente as taxações que ainda incidiam sobre as impor-tações e outras exigências (prova de venda de câmbio no licenciamen-to das exportações, etc.). Alegava-se, de modo expresso, que odisciplinamento até então vigente “só se aplica em época de carênciade divisas”, o que não era o caso do país, que havia acumulado, du-rante a guerra, reservas ponderáveis no exterior.

Não decorreu muito tempo e os saldos existentes foram consumi-dos, seguindo-se um período em que as exportações se revelaram in-suficientes para sustentar o fluxo de importações. Quando o fenôme-no ocorreu, observa Souza (1970), “o país não dispunha de maior ex-periência no disciplinamento do comércio exterior”. Ao que acrescenta:

Do segundo semestre de 1947 a fins de 1953, tentam-se, sucessiva-mente, diversas providências no pressuposto de manter as transa-ções sob a égide de taxas cambiais livremente convencionadas, masque não registrassem bruscas alterações. Esse empenho – que con-sistia, na verdade, na manutenção de taxas fictícias – fazia aparecer ofenômeno da gravosidade, isto é, produtos brasileiros cujos custosinternos ultrapassavam os preços do mercado internacional. A cir-cunstância sugere um artifício: importações vinculadas a exporta-ções. A inoperância do sistema levaria, entretanto, à restauração aber-ta dos controles de câmbio, com ênfase no disciplinamento das impor-tações. Inicia-se o ciclo da famosa Instrução 70. (SOUZA, 1970, p. 43).

A instrução n. 70, de outubro de 1953, restabeleceu o monopó-lio cambial em favor do Banco do Brasil, representando a primeiramedida de política pública intencionalmente voltada para a indus-trialização interna.

Com essa instrução, optava-se pelo regime do subsídio direto edo estabelecimento de categorias de importação, segundo o critérioda essencialidade. Com a efetiva organização da Superintendênciada Moeda e do Crédito(Sumoc), em 1953, é que teria início a formu-lação de uma política sistemática de disciplinamento das comprasno exterior, a partir de 1958 vinculada à tarifa aduaneira ad valorem113,introduzida pela lei n. 3.244 (conhecida como Lei de Tarifas).

113 Ad valorem “conforme o valor”. Um tributo “ad valorem” é aquele cuja base de cálculoé o valor do bem tributado. Contrasta com o tributo específico, arrecadado conformeuma dada quantia por unidade de mercadoria. (Cf. BRASIL. Ministério da Fazenda. Te-souro Nacional. Glossário. Disponível em: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/servicos/glossario/glossario_a.asp>. Acesso em: 24 mar. 2009).

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É nesse período (1948-1960), que o Nordeste sofre a maior dre-nagem de recursos da sua economia. Conforme Baer (1996), cercade US$ 413 milhões114, foram transferidos para a região Sudeste,dado o confisco cambial praticado pelo governo da União.

A transferência de ativos ocorreu porque o preço pelo qual o Nor-deste vendeu seus haveres em moeda estrangeira subiu menos queo preço das mercadorias compradas no Sudeste... O sistema cambi-al representou uma carga adicional para a economia do Nordestedurante o processo de industrialização dos anos 50. Os importado-res da região tinham de pagar elevados encargos relativos às taxas“subsidiadas” de importação como a de bens capital. A receitaoriunda dessas taxas era usada pelas autoridades cambiais paraamparar a economia cafeeira centrada no Sudeste. Os superávitsdo sistema cambial também aumentaram a capacidade do Bancodo Brasil de conceder empréstimos, grande parte dos quais foi rea-lizada no sul. (BAER, 1996, p. 297).

O controle de câmbio tinha, a rigor, um caráter defensivo, por-quanto tardou muito que se completasse por uma política agressivano terreno das exportações, de sorte que a ação estatal de cunhomodernizador e positivo atuante acabaria deslocando-se para a esferado que mais tarde se denominou planejamento, entendido, inicialmen-te, não como instância administrativa, mas como um conjunto de téc-nicas destinadas a assegurar a consecução de determinadas metas.

A introdução do planejamento no Brasil, com o Estado desem-penhando o papel de coordenador econômico e mesmo de empre-sário em vários setores da economia, ocorreu segundo as prescri-ções da ideologia nacional-desenvolvimentista fundamentada nasconcepções da Cepal, já examinadas anteriormente.

A política estatal que se realizou no país, a partir dos anos 1950,foi influenciada pelo trabalho da Comissão Mista Brasil – EstadosUnidos (CMBEU) (1951-1953) e do Grupo Misto BNDE/Cepal (1953-1955) que forneceram preciosos subsídios para a elaboração dosplanos nacionais de desenvolvimento da época, a saber: o Plano dereabilitação da economia nacional e reaparelhamento industrial (segun-do governo Vargas), o Plano de metas (governo Juscelino Kubitschek)e o Plano trienal de desenvolvimento (governo João Goulart).

A Comissão Mista Brasil–Estados Unidos (CMBEU) iniciouseus trabalhos em 19 de julho de 1951, em decorrência de acordofirmado com os Estados Unidos em dezembro de 1950. Funcionouininterruptamente até dezembro de 1953. Após essa data, todo o

114 O Banco da Bahia ( ver 2.6.3 ) apresenta para o Estado uma perda de US$ 315 milhões.

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seu acervo passou ao Conselho Técnico de Economia e Finanças,que o divulgou durante o ano de 1954.115 Contou com a participa-ção de cerca de cinqüenta técnicos seniores brasileiros, recrutadosentre a elite acadêmica e a administração, bem como de variadogrupo de especialistas estrangeiros. A coordenação dos trabalhoscoube ao economista brasileiro Roberto de Oliveira Campos.

A Comissão Mista procedeu a amplo diagnóstico da economiabrasileira. Identificou, desde logo, uma série de fatores favoráveisao desenvolvimento econômico, entre outros:

a) o aparecimento de um grupo de homens de empresa, criati-vos, empreendedores e abertos a projetos de longo prazo,embora reconhecesse o predomínio das unidades familiaresfechadas;

b) a necessidade de modernização de métodos agrícolas;c) os melhoramentos em tecnologia, educação e saúde;d)a sensibilidade e a adaptabilidade da economia a variações

de preços e mercados;e) a mobilidade do capital e da mão-de-obra.Mais tarde, o empenho modernizador cifrar-se-ia na mobiliza-

ção de tais ingredientes.Em relação aos fatores desfavoráveis, a Comissão chamou a

atenção para aspectos igualmente essenciais, embora não se possadizer que, no ciclo subseqüente, se tenha atentado para a sua signi-ficação, a exemplo do que ocorreria com as componentes favoráveis.

Os técnicos da Comissão Mista consideraram que os obstácu-los ao desenvolvimento decorriam tanto de condições naturais comode circunstâncias sociais e culturais. Não pretenderam estabelecerqualquer hierarquia, mas chamar a atenção para a solidariedadedesse conjunto.

Dentre as condições naturais, destacaram-se: a vigência de cli-ma tropical exaustivo em muitas das áreas litorâneas, o insucessoem descobrir reservas de petróleo em larga escala ou de carvão deprimeira qualidade, a formidável barreira representada pela Serrado Mar, o fato de que os maiores rios da área central têm seu cursona direção “errada” e, finalmente, o fato de que grande parte dossolos disponíveis acha-se sujeita a rápida erosão.

115 Essa documentação abrange 17 volumes, compreendendo o Relatório geral (2 v.), Proje-tos de transportes (9 v.), Projetos de energia (4 v.), Projetos diversos (1 v.) e Estudosdiversos (1 v.).

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A presença de tais fatores, por si só, não explica, contudo, avigência do subdesenvolvimento. As dificuldades naturais não fo-ram superadas em decorrência de atitudes e instituições culturais esociais. A esse propósito, afirma-se no Relatório geral:

Entre tais atitudes e instituições, destacam-se a tradição herdada deuma agricultura devastante e feudal, os hábitos especulativos docomércio e um sistema de governo paternalístico (grifo nosso). Ofenecimento da classe alta, rural e feudal, da era monárquica – queproduziu, sem dúvida, notáveis estadistas e servidores públicos - e aemergência de novos grupos de poder político e econômico não fo-ram acompanhados por um rápido desenvolvimento de novas atitu-des em relação a educação, tecnologia e governo. A educação conti-nuou a orientar-se no sentido de assegurar posição social, ao invésde dar ênfase ao treinamento técnico para tarefas agrícolas e indus-triais (grifo nosso). O governo permaneceu pessoal e paternalísticoem alto grau, relevando-se todos os grupos ansiosos por auxílio eproteção governamental. (CMBEU, t.1, 1954, p. 40).

Em face de circunstâncias tão complexas, a Comissão Mistarecomendou a atuação em setores muito limitados. Essa estratégiase justificava no entendimento dos técnicos que a integraram, pelofato de que, embora esse programa representasse apenas uma pe-quena parcela dos investimentos totais do país, “provavelmentecontribuiria para a criação de uma nova concepção de prioridades,a qual, seria lícito esperar, influenciaria de futuro, os critérios deinvestimentos e planejamento de todo o setor público da econo-mia”. Assim, não se pretendeu nada de espetacular, mas o estabe-lecimento de um novo estilo.

O princípio essencial da atuação recomendada acha-se formu-lado nos seguintes termos:

Em qualquer programa de desenvolvimento econômico, é absolu-tamente vital que se canalizem os recursos, em tempo útil, em cer-tos setores-chave cuidadosamente selecionados. Esse princípio erade aplicação particularmente pertinente no caso da Comissão Mis-ta, que não tinha expectativa razoável de dispor senão de recursoslimitados, quer em moeda nacional, quer em estrangeira, para ofinanciamento de seu programa. A manutenção de uma disciplinade prioridades, com o feito de evitar a dispersão de recursos, im-plicava numa escolha de regiões de aplicação, setor econômico eprojetos individuais de maneira que se rompessem os pontos deestrangulamento que ameaçam retardar o crescimento da indús-tria e da agricultura no Brasil, e desse lugar a uma “reação em cadeia-” propícia ao desenvolvimento (CMBEU, t.1, 1954, p. 40.).

Ao longo de sua atividade, a Comissão Mista atuou atravésdas subcomissões de energia elétrica,) de transporte ferroviário, de

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transporte sobre água, de portos, de agricultura e de assistênciatécnica. Além do exame da situação geral de cada um dos gruposde atividades considerados, selecionou-se o tipo de atuação maisrecomendável. Para cada uma de tais iniciativas, elaborou-se o cor-respondente projeto. Mais tarde, semelhante procedimento seriageneralizado, o que, na época, era um fato inusitado.

O projeto descrevia a situação do mercado e avaliava as condi-ções vigentes no atendimento da demanda. Na eventualidade dese justificarem investimentos corretivos, a iniciativa era concebida,do ponto de vista técnico, em seus mínimos detalhes. Seguia-se odimensionamento das inversões requeridas e a identificação dasfontes de financiamento.

A Comissão Mista elaborou 41 projetos de investimentos eminfraestrutura, cuja prioridade, em termos de volume de recursos,recaía, em ordem decrescente, nos setores de transporte , energiaelétrica, navegação costeira, portos e estradas de rodagem. Estamaior importância aos setores de transporte e energia – definidos apartir do trabalho da CMBEU, de acordo com Corrêa (2009) seguiao novo conceito de pontos de estrangulamento –, aos quais seriamdestinados o grosso dos recursos, cerca de 60% e 33%, respectiva-mente, do montante total dos investimentos, prevendo-se o acrés-cimo total de 683.000 MW de potência instalada de energia elétrica,entre 1952 e 1957, correspondendo a um aumento percentual de34,3%. Grande parte dos projetos específicos do setor de eletricida-de desenvolvidos no âmbito da Comissão seriam concretizados apartir do Programa de Metas de Kubitschek.116

116 Em meados dos anos 50, as atividades do setor de energia elétrica eram praticamente mo-nopolizadas por duas grandes empresas estrangeiras, a Brazilian Traction Light and Power,canadense, que fornecia os serviços de eletricidade, bondes, gás e telefones no DistritoFederal, na capital paulista e em diversas cidades dos estados do Rio de Janeiro e de SãoPaulo, ao longo do vale do rio Paraíba, cujo parque gerador representava mais de metadeda capacidade instalada total do país em 1950 (52,1%), e a American and Foreign PowerCompany (Amforp), que controlava cerca de trinta empresas operando em diversos cen-tros importantes, como as capitais dos estados do Nordeste e do Sul do país, do EspíritoSanto e de Minas Gerais, além do interior de São Paulo, na região de Campinas (CASTRO,1985: 3 apud CORREA, 2007) . Havia também em funcionamento diversas concessionáriasde porte bastante modesto, cerca de 1.800, segundo estatística disponível para o ano de1947 (CASTRO, 1985: 77 apud CORREA, 2007)), que atendiam regiões pouco dinâmicas,incluindo-se nesse conjunto tanto empresas de capital privado nacional quanto prefeitu-ras municipais que operavam diretamente os serviços de eletricidade. Diferentemente daLight e da Amforp, as concessionárias nacionais operavam usinas muito pequenas, sendoseus serviços voltados quase que exclusivamente para o consumo domiciliar e a ilumina-ção pública em âmbito local. (CORREA, 2007, p. 207-242).

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Porém faltavam os recursos para a viabilização desses proje-tos, uma vez que o Brasil padecia, segundo a Comissão Mista, deuma baixa margem de poupança, conforme já havia sido assinala-do pela Cepal e pelos nacional-desenvolvimentistas.

Estimava-se à época que os 41 projetos do Plano de Reaparelha-mento Econômico custariam cerca de 22 bilhões de cruzeiros, dosquais 14 bilhões seriam financiados em cruzeiros pelos governosfederal e estaduais e cerca de 8 bilhões, equivalentes a 387 milhõesde dólares, seriam financiados pelo Banco Interamericano de Re-construção e Desenvolvimento (BIRD) ou pelo Export-Import Bank(Eximbank). Desse investimento total, 60,6% deveriam ser alocadosno setor de transportes, 33,1% no setor de energia elétrica e 6,3%em projetos relativos a indústria, máquinas agrícolas e estocagemde cereais.(D’ARAÚJO, 2009)

Evidentemente, a solução aventada também coincidia com aCepal e seguidores: o recurso à “poupança externa”. E aqui seexplicita um dos objetivos básicos da Comissão Mista, que consis-tia justamente em elaborar projetos concretos que pudessem atrairos capitais estrangeiros. Para a Comissão Mista a necessidade decapitais estrangeiros era “óbvia e premente” e exigia que se tomas-sem medidas urgentes para induzi-los a penetrar no país:

Se bem fosse óbvia e premente a necessidade de inversões de capitasestrangeiros no Brasil, para auxiliar a correção de deficiências emsetores básicos da economia e para promover as condições favorá-veis a um crescimento mais rápido, essas aspirações de progresso enecessidade de financiamento não estavam, muitas vezes,consubstanciadas em projetos concretos e tecnicamente bem traba-lhados, suscetíveis de imediata apreciação por instituições finan-ceiras tais como o Banco de Exportação e Importação de Washing-ton e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento.Esperavam os dois governos que, mediante a utilização de assis-tência técnica, dentro do contexto e objetivos do ponto IV, grandeprogresso poderia ser alcançado na elaboração de projetos capazesde induzir um fluxo de empréstimos para desenvolvimento porparte de instituições financiadoras internacionais ou norte-ameri-canas, do que, ao seu turno, resultaria um estímulo maior à inver-são117 de capitais privados. Ambos os governos reconheciam a ne-cessidade de investimentos privados, mas se lhes afigurava igual-

117 Inversão: termo que, aplicado em economia, tem o mesmo significado que investimento.Na verdade, trata-se de um termo em espanhol (castelhano) inversión, traduzido direta-mente para o português como inversão. Os textos de economia dos anos 1950 e 1960receberam forte influência do pensamento estruturalista da Cepal, cujas principais obrasforam escritas por economistas argentinos e chilenos. (SANDRONI, 2004, p.308).

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mente claro que empréstimos de fundos públicos eram tambémindispensáveis para a prévia eliminação de pontos de estrangula-mento em alguns setores básicos como transportes e energia, sem oque as oportunidades para inversões privadas sofreriam gravecontrição (CMBEU, t.1, 1954, p. 6.).

O conceito dos pontos de estrangulamento constituiu uma im-portante contribuição da Comissão Mista para a evolução do plane-jamento no Brasil.118 Daí decorreu a idéia da organização do BancoNacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), com o propósitode financiar o que então se denominou de Plano nacional dereaparelhamento. Ao BNDE, cabia a mobilização de parcela de moedanacional comprometida nos projetos antes mencionados, tendo pas-sado a atuar preferentemente na execução do reaparelhamento fer-roviário. A própria Comissão Mista incumbiu-se de promover a ne-gociação de empréstimos estrangeiros, em especial junto ao BancoMundial (Bird). Posteriormente, essa tarefa foi transferida para o pró-prio BNDE. A Comissão deu curso ainda a um programa de treina-mento de técnicos brasileiros no exterior, com vistas, sobretudo, àformação de profissionais familiarizados com a elaboração de proje-tos e à efetivação de controle de financiamentos de longo prazo.

As idéias popularizadas pela Comissão Mista Brasil – EstadosUnidos seriam, posteriormente, incorporadas pelos próprios moder-nizadores do Estado. Em primeiro lugar, na ação planejada, dever-se-ia ter presente que, sendo limitados os recursos disponíveis, o essenci-al é estabelecer a necessária escala de prioridades. Outro elemento igual-mente valorizado correspondia à clara definição das fontes de financi-amento e à adequada mobilização de agências estrangeiras. Contudo,tais procedimentos seriam compreendidos e valorizados quase exclu-

118 Pontos de estrangulamento: áreas de demanda insatisfeita em função das característicasdesequilibradas do desenvolvimento econômico. Segundo Sandroni (2004, p.481) qual-quer obstáculo que diminua, freie ou mesmo impeça o crescimento, até os níveis deseja-dos, do fluxo de produção. Um ponto de estrangulamento obvio ocorre na agricultura,em que uma demanda mais elevada de produtos agrícolas só encontra resposta ou mai-or oferta depois de preparada a terra, plantada e colhida a safra (conforme o cultivo, esseprocesso pode durar vários anos). Na indústria, o processo é mais rápido, pois se podeapelar para vários recursos, como alocação de mão-de-obra extraordinária (se o pontode estrangulamento for esse), uso de matérias-primas alternativas ou mesmo elaboraçãode produtos substitutos. Os pontos de estrangulamento costumam ocorrer nos momen-tos de expansão acelerada de demanda. Quando esse fenômeno ocorre em situações eco-nômicas normais, pode até ser previsto por meio de instrumentos econométricos. Quan-do ocorre em tempos de guerra, por exemplo, é fundamental uma resposta rápida; asdificuldades são então contornadas com direcionamento da produção, controles e ou-tros mecanismos.

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sivamente pelo limitado número de técnicos brasileiros que viveramessa experiência. Faltava um elemento catalisador, apto a transformá-lo em patrimônio de comunidade mais ampla. Esse elemento viria aser o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, fruto, como sedisse, de recomendações da Comissão Mista.

Criado em 1952, com o objetivo de tocar o Plano de Reequipamentoe Fomento da Economia Nacional, o BNDE logo conquistou posi-ção de liderança, dando início ao estabelecimento de normas deatuação inteiramente novas ao conjunto da administração tradicio-nal. O essencial corresponde ao empenho de submeter certos ór-gãos públicos a regime de projeto, isto é, ao imperativo deconsubstanciar seus propósitos e planos num documento que leveem conta as exigências do mercado, que componha adequadamen-te as fontes de recursos a mobilizar e assegure o retorno do investi-mento. A aplicação consequente desse conjunto de princípios irialevar a que se desse preferência à gestão empresarial. Criam-se en-tão diversas empresas. O importante a destacar é que, no seio des-tas, algumas tiveram a possibilidade de alcançar sucesso em ter-mos de economia de mercado, o que permitiu evidenciar a vitali-dade do novo segmento em emergência, mesmo quando a compo-nente modernizadora da tradição patrimonialista virtualmente de-sapareceu sob o governo João Goulart (D´ARAÚJO, 2009).

O aperfeiçoamento da teoria dos pontos de estrangulamentoconduziu ao enfoque dos “pontos de germinação” 119, aplicado comométodo de planejamento desde a criação do BNDE, em 1952, e queatingiria plena maturidade alguns anos mais tarde, com o trabalhodo Conselho Nacional do Desenvolvimento, estabelecido duranteo governo Kubitschek, em 1956.

Ao se aproximar o fim dos trabalhos da Comissão Mista, quecompletou projetos para a eliminação dos mais óbvios pontos deestrangulamento, sentiu-se a necessidade de um enfoque mais so-fisticado. Nenhum planejamento global e integrado poderia ser re-alisticamente empreendido por causa das dificuldades de coorde-nação política em base nacional, de deficiências estatísticas e daabsoluta inadequação do mecanismo técnico do governo. Sentia-se, outrossim, que a iniciativa privada, com estímulos apropriados,tinha suficiente impulso de crescimento, no campo de substituiçãode importações, para dispensar complexos esforços de globalização.

Enquanto o enfoque dos “pontos de estrangulamento” se con-centrava na remoção dos obstáculos criados pela inadequação dainfraestrutura dos serviços públicos, o método dos “pontos de ger-

119 Áreas que geram demanda derivada.

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minação” visava a identificar os “setores de impulso”. Levantavadois problemas de prioridades: prioridade dentro de cada setor ealocação de recursos entre a infraestrutura e os projetos diretamen-te produtivos. Àquela época, os problemas de desequilíbrio regio-nal entre o Sul e o Norte, que depois assumiriam muita importân-cia nas preocupações governamentais, não tinham ainda adquiridosuficiente força política: o enfoque era em termos estritamente eco-nômicos antes que de produtividade social e política.

A mais urgente prioridade parecia ser dar plena ocupação dasfacilidades produtivas no Sudeste do país que, a despeito de umademanda exacerbada pela inflação, não poderiam operar plenamen-te por causa de escassez de energia e transportes – um contrastecom a situação do Nordeste, onde a energia de Paulo Afonso per-manecia subutilizada por causa do ritmo lento de investimentosprivados na área.

O Quadro 4 sintetiza, cronologicamente, as tentativas de fixa-ção de um planejamento consolidado na forma de planos e projetosde desenvolvimento que contemplasse o país como um todo.

3.3 O PLANEJAMENTO REGIONAL E A QUESTÃO FEDERA-TIVA

O planejamento do desenvolvimento regional no Brasil sem-pre esteve condicionado pela estrutura política dominante no país,prosperando nos períodos de fortalecimento do sistema federativoe desaparecendo nas épocas de dominação autoritária que pratica-mente impôs à nação um modelo de administração centralizada.

No século XX, o Brasil esteve submetido, durante 40 anos, emperíodos intercalados, a regimes autoritários durante os quais aautonomia dos estados foi mantida apenas de forma simbólica.

Mesmo na vigência de governos democráticos a dependênciafinanceira que submeteu os estados ao governo central e as caracte-rísticas do regime presidencialista fizeram com que o Brasil, mes-mo sendo formalmente uma federação, operasse na prática comoum Estado unitário.

Como foi visto anteriormente, na vigência da Primeira Repú-blica (1889-1930), em que vigorou o “pacto dos governadores”,assistiu-se a um processo de descentralização. A Constituição de1891 inaugura o regime de repartição de competências (políticas e

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Quadro 4 - Brasil: cronologia das experiências de planejamentoFontes: Holanda (1975, p. 57-60) e RELATÓRIOS do Banco Central do Brasil – Bacen.

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tributárias) entre o poder central e as unidades federadas. Os esta-dos passaram a realizar programas extensivos de obras públicas,sendo que São Paulo vai mais além desses programas, passando aconceder subsídios às migrações. O processo de descentralizaçãoocorrido nessa época transcorreu de forma desigual, visto que SãoPaulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul concentravam cerca de70% das receitas e despesas nacionais, no final da década de 1920,ficando os demais em constantes dificuldades financeiras e,consequentemente, dependentes do governo federal. Essa fase foichamada federalismo dual, posto que os governos federal e estaduaismantinham cooperação no financiamento e exercício de funções pú-blicas.

No período compreendido entre 1930 e 1945, instalou-se ocentralismo autoritário. Duas constituições foram promulgadas, ade 1934, que teve curta duração, e a de 1937, de cunho eminente-mente ditatorial. A primeira, traria consigo o fortalecimento dogoverno central e definiria com clareza a autonomia dos municípios,atribuindo-lhes competência para a decretação de tributos. A se-gunda, promulgada com a instalação do Estado Novo, adequariaos instrumentos de intervenção do governo central aos objetivosdo novo regime.

O processo político implantado por Getúlio Vargas, com o Es-tado Novo, fortaleceu sobremaneira a União. Isso se deu de duasmaneiras, através do autoritarismo e da forte intervenção federal,que redundaram na nomeação, pelo poder central, de interventoresnos estados e pelo fortalecimento do aparelho político, administra-tivo e fiscal da União.

Entre 1945 e 1964, ocorre a reversão da tendência centralizadora.Foi a fase do federalismo cooperativo em que houve um aumentoda ajuda financeira intergovernamental, diferentemente do mode-lo federalista do Estado Novo. São criados programas que exigemvinculação de receita e os fundos especiais crescem consideravel-mente. É nesse período que prospera o planejamento regional.

Até então, as medidas adotadas pelas autoridades governa-mentais eram insuficientes e incapazes de possibilitar uma maiorintegração nacional. Com o objetivo de formular uma política dedesenvolvimento que integrasse a reprodução do capital nas diver-sas regiões do país à reprodução a nível nacional, foram criadosorganismos com o objetivo de programar o enquadramento dasregiões no processo de formação capitalista nacional.

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No entanto, a intensificação da intervenção do Estado na eco-nomia para promover o crescimento emperrou o processo federati-vo. Ou seja, as crescentes necessidades para a manutenção do pa-drão de acumulação no país fizeram surgir, embora sob uma Cons-tituição mais liberal (Constituição de 1946), de maneira vigorosa, apresença do Estado na economia (principalmente nos setores bási-cos: energia, transportes, etc.). Esta crescente participação exigiuuma profunda reforma no sistema tributário nacional, de modo aassegurar o fluxo de recursos para viabilizar o crescimento econô-mico. Porém, as medidas adotadas –

[...] como a criação em 1951, de um adicional restituível sobre oimposto de renda, cujos recursos deveriam compor o Fundo deReaparelhamento Econômico, dando origem à criação do BNDE, areestruturação do Plano Rodoviário Nacional, a constituição doFundo Federal de Eletrificação, cujos recursos provinham do im-posto único sobre energia elétrica, criado em 1954, a instituição doimposto de renda retido na fonte (OLIVEIRA, 1980, p. 49).

– não foram suficientes para financiar tal crescimento e o governo re-corre ao endividamento externo e ao mecanismo inflacionário, queacabaram por comprometer mais ainda a autonomia dos estados.

No período de 1964 a 1986, ocorreu o golpe militar que desti-tuiu o governo João Goulart e elevou à Presidência da República omarechal Castelo Branco. A partir daí, instaura-se no país um pro-cesso sem precedentes de centralização do poder da União. Essacentralização do poder nas mãos do Estado estava assentada naideologia de segurança e desenvolvimento nacionais e na racionali-dade administrativa. O Estado continuou a nortear o capitalismonacional, adotando uma estratégia do planejamento global, e comdoses maciças de capital estrangeiro.

O regime recém-implantado respaldava-se no pacto de podere nas alianças que se estabeleceram entre as classes dominantes.Sua composição tem origem entre dois segmentos: os militares e oempresariado industrial. Esta junção de interesses acabou por afas-tar os setores mais atrasados das classes dominantes do poder, fi-cando em seu lugar a burguesia industrial e financeira. Afastou tam-bém “[...] o movimento dos trabalhadores e, de modo mais geral,ainda que mais vago, um movimento de cidadania apenas balbuci-ante”. (OLIVEIRA, 1995)

A centralização torna-se mais evidente com a promulgação daConstituição de 1967, quando o poder das esferas subnacionais fi-cam subordinados ao poder central.

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As medidas que explicam esta excessiva centralização são enu-meradas abaixo por Oliveira (1980, p. 86):

Eliminação da competência residual da decretação de impostos dasesferas estadual e municipal outorgadas pela Constituição de 1946.Com a Carta de 67, somente a União passava a ser facultada a ins-tituição de novos tributos; transferência para o Senado Federal dopoder que os estados desfrutavam de estabelecerem as alíquotasde seus impostos, atribuindo-se, também ao Presidente da Repú-blica, o poder de fazer sugestões quanto à sua determinação; trans-ferência para a competência da União de tributos tidos como rele-vantes para os objetivos da política econômica.

Todo esse conjunto de intervenções do Estado, que marcouesta fase, foi caracterizada por Oliveira (1985), como sendo da mor-te da Federação. Esta posição também é compartilhada por Scheino-witz (1995), ao afirmar que “a partir da revolução de 1964, a centra-lização é tão acentuada que o país toma as feições de um estadounitário”.

A Constituição promulgada em 1988 fechou o ciclo de autorita-rismo iniciado em 1964. O processo de descentralização norteou todoo processo de elaboração da nova Carta. A distribuição dos recursospúblicos entre as unidades federadas visava ao autêntico federalismofiscal, ao contrário da centralização de recursos por parte da União nafase anterior. Porém, no período que transcorre entre 1988 e 1999, nãose registram atividades de relevo na área do planejamento nacional e/ou regional, dadas as incertezas provocadas pela inflação, o fim doparadigma nacional desenvolvimentista e o advento do neoliberalismocomo doutrina de política econômica.

Neste período, assiste-se apenas a edição de um conjunto depacotes de estabilização de preços (ver Quadro 4) todos fracassa-dos (à exceção do Real) e que foram eufemisticamente denomina-dos Planos.

Assim, apenas no intervalo democrático que transcorreu entre1946 e 1964, ocorreu a reação política dos estados ao centralismo dogoverno federal, o que propiciou o surgimento do planejamento regio-nal, notadamente na Bahia que foi pioneira, nacionalmente, nesta área.

É de ressaltar que a natural confusão, na opinião pública, de“região” com “estado”, levou a que as reações esboçadas contra acentralização política tomassem, de início, o caráter de reivindica-ções regionalistas. No campo político, o movimento em favor daseconomias regionais não perdeu esta conotação “estadual”, e foi apartir desse elemento político que se fizeram as reivindicações, re-forçadas por elementos de ordem econômica.

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No plano econômico, o reconhecimento dos desequilíbriosinter-regionais de desenvolvimento, provocado pelas reivindica-ções de ordem política, influiu, decisivamente no movimentoregionalista do país. Em resposta a isso, a própria União tratou decriar organismos administrativos, objetivando cuidar dos interes-ses e promover o desenvolvimento das áreas regionais e reivindi-cantes, abrangendo sempre mais de um Estado.

Na verdade, foi este elemento econômico, mais do que o ele-mento político, que influiu na criação desses órgãos. Aliás, a sim-ples constatação da existência de disparidades muito grandes dedesenvolvimento entre as regiões justifica a existência dos movi-mentos reivindicatórios. Mesmo que não houvesse conotação polí-tica alicerçando as reivindicações regionalistas pela melhoria dosníveis de bem-estar, estas teriam aparecido forçosamente, como fru-to da disparidade de desenvolvimento ou, eventualmente, comoresultado de algum problema conjuntural.

3.4 O ESPECTRO DA SECA E O PLANEJAMENTO REGIONAL

O fenômeno da seca perpassa, como pano de fundo, todo odrama da pobreza nordestina pela qual tem sido indevidamenteresponsabilizado120, constituindo-se no principal motivador políti-co das iniciativas de planejamento regional adotadas pelo governoa partir dos anos 1940.

O cenário da seca no Brasil se constrói na região Nordeste, queestá situada logo abaixo da linha do Equador, ocupando a posiçãoNorte-Oriental do país, entre 1º e 18º30’ de latitude sul e 34º20’ e48º30’ de longitude oeste de Greenwich. Ocupa uma área de1.561.177,8 km2, o que equivale a 18,3% do território brasileiro, sen-do composta, no plano político-administrativo, por nove estados(Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernam-buco, Alagoas, Sergipe e Bahia) e 1 847 municípios. Conforme osdados da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais daBahia (SEI) – Órgão da Secretaria do Planejamento do Estado da

120 Na realidade, a pobreza nordestina decorre da forma como se organizou a ocupação doterritório, a partir do latifúndio monocultor escravagista, da estrutura agrária ainda pre-dominante na região e dos mecanismos de acumulação e espoliação inerentes ao capita-lismo mercantil e industrial que se formaram na área. A seca é um acidente natural queapenas agudiza o problema.

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Bahia – e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), asua população totalizava, no final do século, 51,53 milhões de habi-tantes, o que correspondia a 28% da população brasileira. Deste to-tal, 35,56 milhões representavam a população urbana e 15,97 milhões,a rural. A densidade demográfica da região era de 33,1 hab/km2.

Esta região tem sido, ao longo de sua história, castigada pelofenômeno da seca que, segundo estudo da Superintendência parao Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), remonta a milhares deanos, antes mesmo da sua povoação121.

A ocorrência das secas no Nordeste registra-se na região com-preendida pelo Trópico Semiárido que, segundo a Sudene, ocupa54% do território nordestino, o que equivale a 842 976 km2.

Por decisão política do governo brasileiro, foi criada em 1936,uma poligonal que definia a área considerada como exposta ao ris-co de seca e, consequentemente, merecedora de apoio governamen-tal em condições privilegiadas.

Dadas as vantagens oferecidas aos estados e municípios inclu-ídos neste Polígono das Secas, foi o seu contorno, por pressão dosgovernos estaduais, ampliado sucessivamente até assumir a suadimensão atual que totaliza 1.085.187 km2 com a inclusão de umaárea de 120.701 km2 do Estado de Minas Gerais (ver Tabela 24 eFigura 8).

As intervenções governamentais na área foram sempre moti-vadas pelos efeitos catastróficos das secas e da sua repercussão juntoà opinião pública, porém pautadas pelos interesses da elite políticae do capitalismo mercantil dominante na região.

Para Sobrinho (1958, p. 76), as fases da política de combate àssecas corresponderam de certa forma, a conjuntos de soluções emi-nentemente técnicas, como as seguintes:

a) solução hidráulica, mediante a açudagem e a irrigação, caracte-rística da ênfase concedida pelo Estado no combate às secas; b) -solução florestal, mediante o reflorestamento ou florestamento in-tensivo e racional do território;c) – solução do dry-farming, queimplicava o aproveitamento dos recursos de água localizados, ouseja, o refinado aproveitamento das precipitações pluviais ou cul-tura científica do solo; d) – solução compósita, denominação dadaao ajustamento do meio físico e do meio social a situações novasque impliquem o máximo rendimento e êxito no trabalho da explo-ração agrícola.

121 A propósito ver Quadro 1 no capítulo 1.2 deste livro.

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Sem descartar o mérito dessas soluções, mas fazendo restri-ções à solução hidráulica, em virtude do escasso alcance espacialda irrigação no semiárido, Andrade (1970) divide a ação do Estado,diante das secas, no Nordeste, em cinco fases. A primeira, “caracte-rizada pela comiseração, no sentido de salvar o flagelado da fome”,é anterior à seca de 1877-1879, e é por ele denominada fase humani-tária. Viria depois a fase de reconhecimento, “caracterizada por deci-sões governamentais de sentido realista, objetivando levantamen-tos destinados à implantação de obras”, que iria da seca de 1877-1879 ao ano de criação da Inspetoria de Obras Contra as Secas (Iocs),em 1909. Um terceiro momento compreenderia a fase de intervençãoe sistematização através de estudos e obras, caracterizado pela reali-zação de estudos gerais e de base do Nordeste, em especial noscampos da engenharia, da geologia e da botânica, efetuados com oapoio de técnicos estrangeiros, bem como a execução de algumasobras de açudagem. Essa fase compreende o período que vai de1909 a 1930. Entre os anos de 1931 e 1957, realizam-se trabalhos queo autor caracteriza como incluídos na fase de diferenciação. Nessafase, expandem-se as atividades da antiga Iocs, que fora transfor-mada em Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (Ifocs) em1919. Reforçam-se, no mesmo período, as obras de açudagem e de

Fontes: IBGE – Anuário estatístico do Brasil, 1994; Sudene – DPO – PSU/SRE – IPL/EST.Nota: (1) Área de atuação da Sudene, incluída por critério político.

Tabela 24 - Brasil: áreas do Polígono das Secas e Semiárido se-gundo os estados do Nordeste

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construção de estradas, organizam-se os serviços de piscicultura ede reflorestamento e os postos agrícolas, dando-se por iniciada umaetapa de trabalhos mais específicos no domínio da agronomia, comênfase mais acentuada na agricultura de sequeiro do que na agri-cultura irrigada.

Por fim, vem a fase de integração do desenvolvimento regio-nal e promoção universitária, característica do período pós-Sudene,

Figura 9 - Mapa do Polígono das Secas Fonte: Lei 4.763 de 30.08.1965.

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quando o Estado passa a adotar instrumentos voltados para o com-bate às secas que ultrapassam os estreitos limites das obras deinfraestrutura, hídrica principalmente, que notabilizaram as fasesanteriores. Trata-se da fase posterior a 1958, ano de uma das maisfortes secas deste século.

Nilson Holanda, ex-presidente do Banco do Nordeste do Bra-sil (BNB), diferencia as fases da política econômica em relação aoNordeste, também tomando as secas como elemento mobilizadorda ação do Estado. Mais econômico no número de fases, ele enten-de ter havido três momentos importantes nessa política, todos elesno século atual, significando que os esforços realizados no séculopassado não tiveram maior importância para a configuração da açãodo Estado no tempo presente. Para ele, viria, em primeiro lugar, afase hidráulica,cobrindo o período de 1909 a 1948, no qual as açõesgovernamentais tiveram como ênfase a construção de açudes e es-tradas e a perfuração de poços.

O período situado entre os anos de 1948 e 1954 corresponderia auma fase de transição, caracterizada pela prioridade conferida à cons-trução de obras de infraestrutura energética, com a instituição, em 1945,da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), e ao aproveita-mento múltiplo dos recursos hídricos, com a criação, em 1948, da Co-missão de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf)122.Esta última prioridade não deixaria de estar incluída na primeira ouno conjunto de solução esquematizadas anteriormente por Souza (1958).

A fase moderna, caracterizada pela promoção intensa do cresci-mento regional, iniciar-se-ia em 1954, após a criação do BNB, vindoa se consolidar, depois de 1959, com a instituição da Sudene.

A seca de 1958 influenciou consideravelmente a decisão decriação da Sudene pelo governo Kubitschek. Assim é que, no docu-mento básico do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento doNordeste (GTDN), editado em 1959, a questão da seca, especifica-mente, constitui parte integrante de um conjunto inter-relacionadode proposições apresentadas em quatro grandes linhas:

122 Atuou durante os 20 anos estabelecidos pela Constituição de 1946. Para sucedê-la, foicriada, em 28 de fevereiro de 1967, pelo decreto-lei n. 292, a Superintendência do Vale doSão Francisco - Suvale, autarquia vinculada ao então Ministério do Interior. Em 16 dejulho de 1974, para suceder a Suvale, foi instituída a Codevasf – lei n. 6.088 -– empresapública, atualmente vinculada ao Ministério da Integração Nacional, com sede e foro noDistrito Federal. Por força da lei n. 9.954, de 6 de janeiro de 2000, a Codevasf teve suaárea de atuação ampliada para a bacia do rio Parnaíba, perfazendo uma área total deabrangência de 970.000 km² (11,30% da área do território nacional).

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a) a intensificação dos investimentos industriais, visando a criarno Nordeste um centro de expansão manufatureira;

b) a transformação agrícola da faixa úmida, com vistas a pro-porcionar uma oferta adequada de alimentos aos centros ur-banos, cuja industrialização deveria ser intensificada;

c) a transformação progressiva da economia da zona semiárida,no sentido de elevar sua produtividade e torná-la mais re-sistente ao impacto das secas;

d)o deslocamento da fronteira agrícola do Nordeste, visandoa incorporar à economia da região as terras úmidas dohinterland maranhense, em condições de receber os exceden-tes populacionais criados pela reorganização da faixasemiárida.

O GTDN qualificou as características da economia do semiáridocomo inadequadas para produzir alimentos, uma vez que esta re-gião apresenta baixa produtividade e reduzido grau de integraçãonos mercados, sendo extremamente débil e, além disso, sujeita acrises periódicas de produção provocadas pela seca, isto é, a per-turbação na distribuição pluviométrica ou queda no nível de preci-pitação, ou ainda a combinação das duas anormalidades.

As características de calamidade social do fenômeno, confor-me o referido relatório, adviriam principalmente de sua forte re-percussão em uma das camadas constituintes da economia dosemiárido, a agricultura de subsistência:

Nas três camadas da agricultura do semiárido – agricultura de sub-sistência, algodão mocó e criação – a gravidade da seca e seu pro-longamento em crise social se devem ao fato de seus efeitosincidirem de forma concentrada na primeira das referidas cama-das. (BRASIL, 1959, p.66)

O relatório critica as soluções que até então tinham sido pro-movidas visando ao combate à seca. Os dois tipos de medidasadotadas, tanto as de curto prazo, visando a criar fontes de empre-go através da abertura de frentes de obras públicas, quanto as delongo prazo, objetivando aumentar a oferta de água, através daaçudagem, segundo a visão do GTDN, não teriam modificado osproblemas fundamentais trazidos pela seca, ou seja, a questão daprodução agrícola. “Sendo a seca crise da produção agrícola nãobasta criar oportunidades de emprego, deve-se também intervir nomercado de gêneros alimentícios” [...] (BRASIL, 1959, p.70).

Por outro lado, a açudagem também não estaria modificandoa fisionomia da região, pois,

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[...] apesar da volumosa massa de água represada, a fração de águasaçudadas diretamente reutilizadas em irrigação é insignificante(10.000 ha.) efetivamente na atividade pecuária, sem, entretantoresolver-lhe completamente os problemas uma vez que a alimenta-ção do gado (forragem) não está solucionada. (BRASIL, 1959, p.71).

De um outro ângulo, a açudagem estaria deixando como efei-to residual o agravamento, a longo prazo, da situação da popula-ção, ao contribuir para reter maior massa populacional na região.

Sob a ótica do GTDN, portanto, a seca é uma “crise na produ-ção agrícola” e a grande questão a ser resolvida no semiárido refe-re-se a uma organização das atividades produtivas sob novas ba-ses, em que se ressaltaria, sobretudo, a adaptação às condições domeio físico e a eliminação da agricultura de subsistência, a camada“menos resistente às secas” e a mais “improdutiva do sistema”, ese propunha que uma

[...] pecuária sustentada durante os períodos secos em forrageirasarbóreas que se adaptem às condições mesológicas e uma agricul-tura de plantas xerófilas igualmente adaptadas ao ambiente, prote-gidas e orientadas por eficiente assistência técnica e financeira doGoverno, poderiam constituir o núcleo central de uma economiade elevado grau de resistência às secas e de razoável nível de pro-dutividade. (BRASIL, 1959, p.75-76)

Esta reorganização, contudo, esbarra no problema do excedentepopulacional, uma vez que estaria sendo baseada “muito mais nautilização dos recursos naturais e muito menos na utilização de mão-de-obra barata” (BRASIL, 1959). Assim, com o objetivo de eliminara improdutividade da subsistência e utilizar a mão-de-obra libera-da, surge, como proposta do GTDN, o deslocamento da fronteiraagrícola, através da colonização dirigida, visando, através destapolítica, a resolver o problema da oferta de alimentos e a absorçãodo excedente populacional.

A proposta do GTDN com relação ao semiárido, como parteintegrante e complementar de sua proposta de industrialização,sobretudo na faixa litorânea, fica assim explicitada em duas frentes:

[...] a de reorganização da economia da região semi-árida, visandoeliminar o setor subsistência, e a da abertura de uma fronteira agrí-cola na periferia úmida, quer através de uma utilização mais racio-nal dos vales úmidos da faixa litorânea, quer por um deslocamentodemográfico em maior escala na direção do Maranhão. (BRASIL,1959, p. 78)

Conforme se pode observar da Tabela 24, a Bahia é o Estadodo Nordeste que possui maior área territorial encravada no

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semiárido. Nada mais lógico que, em seu primeiro plano de desen-volvimento regional, pioneiro no Brasil, fosse abordada a questãoda seca.

Assim, o Plano de Desenvolvimento do Estado da Bahia –Plandeb123 concluído em 1959, buscou detalhar a situação baiana esuas limitações em termos de obras contra as secas, destacando aprecariedade da situação local, decorrente de descaso do governofederal com relação ao Estado:

A área sujeita a secas na Bahia é, oficialmente, de 318.000 km2 , im-portando em 56% do território e 33,6% da área total do polígono dassecas; entretanto, em 1958, de um total de 7.312.000 (milhões) de m3de capacidade nos açudes do Dnocs no Nordeste, a Bahia dispunhaapenas de 259 mil m3, ou seja, cerca de 3,5%, além de pequena capa-cidade construída pelo Estado. De 652 km de canais de irrigação,dispunha apenas de 9 abertos pelo poder público, sendo que até omomento, esses canais só irrigaram 4 ha, a cargo do serviçoAgroindustrial no açude Jacurici, embora a área irrigável já atinja 90ha. Ao lado de um pequeno número de poços, abertos pelo Estado,os perfurados pelo Dnocs, até 1956, na Bahia eram em número de611 para um total de 4.994 em todo o polígono. Destes, foram apro-veitados 387, representando uma percentagem de aproveitamentode 63% - a mais baixa entre todos os Estados da região, dando umacapacidade de vazão horária média de 3.562 litros contra 3.753 litrosno conjunto do Nordeste. (BAHIA - CPE, 1960, v. 2, p. 50).

Feitas as críticas, o plano passa a fazer as sugestões da Bahiapara um programa de combate às secas, onde se ressaltam quatropropostas básicas:

a) a organização econômica para resistir às secas, através daorganização da economia agrícola e do abastecimento pelosistema do Fundo de Desenvolvimento Agroindustrial daBahia ( Fundagro);

b) a organização para emergência nos momentos de seca,objetivando garantir trabalho e assegurar renda para evitarmigrações;

c) a implementação de culturas resistentes à seca e a criaçãodo programa de pesquisa de recursos naturais e seu apro-veitamento;

d)criação de um programa permanente de reservas de água eirrigação e um programa de pequena açudagem, poços e ir-

123 O Plandeb é analisado no capítulo referente ao planejamento na Bahia.

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rigação individual.Ao sistema Fundagro caberia, através de empresas como a

Companhia de Armazéns Gerais e Silos da Bahia (Caseb) e a Com-panhia de Alimentação e Sementes (Casemba), a manutenção deestoques, reservas de sementes, visando a regularizar o mercadode gêneros alimentícios e forragens e garantir preços mínimos aosprodutores. A Empresa de Conservação dos Solos, Água e Meca-nização Agrícola (Ecosama) se incumbiria de proporcionar aos agri-cultores serviços de manutenção de mecanização agrícola e conser-vação do solo, construção de açudes e perfuração de poços. A Ma-tadouros e Frigoríficos S/A (Mafrisa) asseguraria o melhor apro-veitamento do gado e fomento à pecuária.

No que se refere aos cuidados de emergência, o Plandeb suge-re quatro pontos no intuito de garantir o emprego:

a) a elaboração e reservas de projetos com indicação de priorida-des e constituição de catálogo de projetos em construção “a fimde serem acelerados com a verba federal de emergência”;

b) constituição de um sistema de crédito pelo BNB ou peloBandeb para fornecer aos proprietários rurais a capacidadede pagar salários numa época de frustração de safras e paraa realização de obras e instalações de interesse permanente;

c) organização de arsenais de equipamentos para propiciar tra-balho pronto aos flagelados;

d)manutenção de um sistema de divulgação permanente deinformações objetivas e prontas sobre meteorologia e condi-ções da agricultura.

Na implantação de culturas mais resistentes à seca, são apon-tados o sisal, a mamona e o algodão, que são objeto de programaespecífico dentro da programação geral para o setor agrícola doPlandeb, e o incremento da cultura da palma e da algaroba, a seremutilizados como forragem. Também são propostas algumas medi-das visando à melhoria da produtividade dos rebanhos e o desen-volvimento da pecuária leiteira na zona seca.

No que concerne à pesquisa de recursos naturais, o plano in-dica que sejam considerados os vales dos rios permanentes, prin-cipalmente os da bacia do São Francisco, o Paraguaçu, o Itapicuru,o Vaza-Barris e o rio de Contas, visando ao aproveitamento múl-tiplo, principalmente de irrigação. Propõe ainda estudos em florada caatinga, criação animal na região e pesquisas de água

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subterrânea.Finalmente, com relação aos programas de armazenamento de

água e irrigação, o Plandeb apresenta detalhadas proposições quan-to ao planejamento e execução de obras de açudagem e irrigaçãoatravés dos órgãos especializados, federais e estaduais, destacan-do-se tais proposições como a grande ênfase da programação de

Figura 10 - Mapa da região semiárida da Bahia.Fonte: SUDENE (1994).

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combate às secas.A irrigação aparece como preocupação importante, sendo desta-

cada sua implementação nos açudes Jacurici, Sohem, Serrote, Ceraímae Cocorobó. Propõe o Plandeb que sejam aceleradas as obras deaçudagem, como a construção do aterro da barragem dos Pinhões (emJuazeiro), os açudes Araci e Zé Manuel (Casa Nova), rio do Salto(Caculé), Adustina (Paripiranga), Zabumbão (Paramirim) Delfino(Campo Formoso) e Várzea Formosa (Itiúba), devendo ser tomadasprovidência no sentido de aproveitamento desses açudes para irrigação.

Também são apontadas as possibilidades de irrigação do bai-xo-médio São Francisco, segundo estudos projetados pelo Codenocom a colaboração da CVSF, a irrigação em Barreiras (no rio Gran-de) e no vale dos rios Formoso e Corrente, um programa especialpara o rio Salitre e ainda programas pioneiros de motobombas nosrios São Francisco, Paraguaçu e Itapicuru.

Além da irrigação, também o fornecimento de energia hidrelé-trica é salientado e, neste sentido, estaria a construção da barragemno alto rio Brumado, e da barragem de Pedra no médio rio de Con-tas, cujo papel principal seria regularizar a vazão do rio e asseguraro funcionamento da usina do Funil.

Além disso, os órgãos atuantes no setor hídrico deveriam esta-belecer uma programação de pequenas obras contra as secas, le-vando em conta “com especial prioridade”, os roteiros do gado noseu deslocamento dos centros de criação, recriação ou engorda, atra-vés das zonas secas, sendo fundamental que “sejam estes órgãosdotados de equipamentos de transportes para que as sondas e ostratores não fiquem ociosos a espera de transportes providencia-dos pelos interessados, o que tem redundado numa fabulosa perdade tempo [...]” (PLANDEB, 1960).

Após o encerramento do século XX, um balanço da interven-ção governamental na região nordestina e dos esforços de planeja-mento indica o fracasso da maior parte dos programas e projetoselaborados, como decorrência dos seguintes fatores:

a) muitos planos, programas e projetos simplesmente não saí-ram do papel, constituindo exercício teórico e de retórica,como se demonstra no capítulo seguinte;

b) os recursos aplicados no combate à seca, foram desviados pelacorrupção endêmica que contamina o setor público regionalem todas as instâncias (indústria da seca) e, quando não o fo-ram, beneficiaram as elites dirigentes e a burguesia vinculada

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ao capitalismo mercantil e industrial que explora a região.Para comprovar estas afirmações, basta que se compilem as

estatísticas sobre a concentração da renda e a miséria regional. Afi-nal, como afirmava Vide (1998, p. 136), “a seca não admite comba-te; temos que aprender a conviver com ela [...] o uso inadequado doterritório durante um período de seca pode ser a causa da desertifi-cação [...] a desertificação é mais um conceito solução”.

3.5 A TEORIA ECONÔMICA DO PLANEJAMENTO REGIO-NAL NORDESTINO

A principal justificativa teórica do planejamento regional do Nor-deste brasileiro, cujo exame mais detido interessa aos objetivos destelivro, encontra-se no relatório do GTDN, intitulado Uma política de de-senvolvimento econômico para o Nordeste já mencionado na seção anterior.

Este documento histórico reflete as tendências do movimentoiniciado nos anos 1950 em defesa de uma maior racionalidade nasdecisões e planos econômicos, de acordo com as diretrizes do Planode metas, do governo Juscelino Kubitschek que preconizava umaforte presença do Estado na condução da economia e dos processossociais no Brasil.

O estudo realizado pelo GTDN constituiu uma análise precisados problemas do Nordeste como região paupérrima a desenvol-ver, sintetizando várias das concepções relevantes, do ponto de vistateórico, da segunda metade dos anos 1950 sobre o processo de de-senvolvimento regional.

O diagnóstico, que assume como válidas algumas das princi-pais idéias da Cepal, a respeito da necessidade de transformaçõesestruturais na economia regional (reforma agrária e industrializa-ção de base conjugadas em uma única política), compreende os trêsprimeiros capítulos do documento e apresenta um núcleo teóricocomposto de concepções polêmicas, surgidas entre 1955 e 1958 erelacionadas ao grande debate sobre o subdesenvolvimento. O tra-balho incorpora teses de François Perroux, Douglas North, GunnarMyrdal, Paul Rosenstein – Rodan e Albert Hirschman todas da dé-

124 Ao fazer referência a esses estudiosos pelo sistema autor-data, registra-se a data da edi-ção do livro consultado o que, quase sempre, não corresponde à data em que o trabalhocirculou originalmente, normalmente no idioma original de seus autores.

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cada de 1950124, que em combinação com as idéias da Cepal, torna-ram o estudo de Celso Furtado um eficiente instrumento da lutapara demonstrar a importância do planejamento como meio de su-peração dos problemas regionais. Em resumo, o plano de ação pro-posto baseava-se no argumento de que: “o desenvolvimento brasi-leiro, com a forte influência do Estado na sua condução e dadosoutros fatores de ordem econômica, impôs a existência de umdualismo estrutural” (CEPAL) em detrimento do Nordeste, que sereforçaria graças aos “efeitos de polarização” (HIRSCHMAN) dodesenvolvimento em favor do Sudeste, num “processo de causaçãocircular cumulativa” (MYRDAL), tendente a deprimir cada vez maisa região nordestina.

A solução para o Nordeste seria uma espécie de “causação cir-cular” (MYRDAL) em sentido contrário ao processo que se desen-volvia até então. “Um grande impulso” (ROSENSTEIN-RODAN),representado por “mudanças estruturais baseadas no planejamen-to” (CEPAL) e na utilização dos elementos dinâmicos da própriaeconomia nordestina. Esses elementos “seriam o setor exportador,que forneceria a base de recursos” (NORTH) capaz de ampliar apoupança interna, “os investimentos públicos germinativos”(HIRSCHMAN) e “a industrialização motriz” (PERROUX) que, emconjunto e dentro de um planejamento bem elaborado e executado,possibilitariam o desenvolvimento regional a um ritmo adequadoe em nível de “auto-sustentação” (CEPAL).

Para que isto ocorresse, seria necessária a realização de mu-danças estruturais, sem as quais não seria viável a solução propos-ta, via industrialização, dados os efeitos limitantes da inadequadaestrutura de posse da terra vigente no Nordeste sobre os preços doalimentos que, em alta, inviabilizariam a indústria regional comoconcorrente da sua similar do Sudeste.

O estudo do GTDN, ao comparar a disparidade de níveis derenda e de ritmo de crescimento das economias do Nordeste e doSudeste, constata que “como os processos econômicos desse tiposão cumulativos e de difícil reversão, cabe deduzir que a soluçãodo problema nordestino enfrenta obstáculos que irão se avantajandocom o tempo”. Mais adiante, afirma: “A experiência histórica indi-ca que as desigualdades regionais de níveis de vida, quando assu-mem característica de sistemas econômicos isolados, tendem ainstitucionalizar-se” (BRASIL, 1959, p.7-8).

Esta constatação coincide com o pensamento de Myrdal sobre

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a “causação circular cumulativa”, quando ele afirma que:“Em geral, uma transformação não provoca mudanças compensa-tórias; mas, antes, as que sustentam e conduzem o sistema, commais intensidade, na mesma direção da mudança original. Em vir-tude disso, o processo social tende a tornar-se acumulativo e, mui-tas vezes, a aumentar aceleradamente sua velocidade. (MYRDAL,1960, p.34).

Também Hirschman (1960, p. 35/43), ao analisar os “efeitos defluência e de polarização” e raciocinando em termos de regiões deum mesmo país, afirma:

Desde que a região desenvolvida possua uma área agrícola grandee produtiva, ou seja, capaz de suprir suas necessidades de produ-tos primários importando de outros países... a região atrasada esta-rá completamente afastada dos contatos benéficos com o desenvol-vimento da outra, ao mesmo tempo em que ficará exposta aos efei-tos adversos da polarização. Nestas condições, esta fase tenderia aestabelecer uma prolongada divisão do país em uma área progres-sista e outra deprimida.

Ainda Hirschman:Na medida em que a industrialização da área adiantada se proces-se pela adoção de linhas de produção não existentes na área atrasa-da, esta leva outra desvantagem, porque terá agora de comprar asmanufaturas da região desenvolvida, produzidas sob barreiras al-fandegárias logo instituídas, ao invés de comprar bens similares,anteriormente importados de fora a preços mais baixos.

Em outro trecho, complementa: “E, juntamente com o pessoalqualificado e as empresas, provavelmente o pequeno capital gera-do pela região atrasada irá se transferir para a outra”. (HIRSCH-MAN, 1960, p.52)

O documento do GTDN está repleto de constatações desse tipo:a) a persistirem as tendências atuais, há o risco real de que se

diferenciam cada vez mais os dois sistemas econômicos jáexistentes no território nacional.

b) As causas profundas que respondem pela secular tendência aoatraso da economia nordestina [...] vieram adicionar-se a ou-tras [...] decorrentes da própria política de industrialização se-guinte no último decênio [...] A escassez de divisas, criadas pelapolítica de desenvolvimento, e os maciços subsídios aos inves-timentos industriais, decorrentes da política de controle das im-portações, favoreceram amplamente a região Sudeste.

c) O setor privado transfere recursos do Nordeste principal-mente nos anos bons: recursos que saem da região em buscadas melhores oportunidades de investimentos oferecidas

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pelo Sudeste.d)[...] o agravamento do fenômeno, em anos recentes, deve-se

ao fato de que a essas causas primeiras vieram adicionar-seoutras, de natureza econômica, ligadas à própria política dedesenvolvimento do país.

e) A política protecionista, cujo louvável objetivo é proteger asindústrias nacionais, tem provocado importantes transferên-cias de recursos em desfavor da região potencialmente maispobre, aumentando, assim, a disparidade de níveis de de-senvolvimento. (BRASIL, 1959, p. 8)

Em outra parte do estudo do GTDN, surge claramente a con-cepção dualista da Cepal:

Constitui equívoco apresentar a economia brasileira como um sósistema, comparável a outras economias subdesenvolvidas de ní-vel de renda per capita similar... Por maiores que sejam as dificul-dades com que ainda se depare o desenvolvimento do Sudeste,pode-se admitir como certo que [...] prosseguirá e que [...] terá atin-gido um grau de autonomia no seu abastecimento de bens de capi-tal que o habilitará a superar os sérios problemas de balanço depagamento que atualmente enfrenta. O panorama da economia doNordeste é totalmente diverso: ao término do próximo decênio [...]o Nordeste figurará como a mais extensa e a mais populosa zonasubdesenvolvida deste continente (BRASIL, 1959, p. 19).

Na opinião de Hirschman (1965), a distribuição regional doinvestimento público tende para “a dispersão de fundos entre nu-merosos projetos de menor escala, espalhados por todo o territó-rio” explicável em face de que “o padrão de dispersão requer capa-cidade tecnológica e de planejamento relativamente pequeno... de-ficiências que usualmente afetam os países subdesenvolvidos”. Sus-tentando-se nesta crítica, diz o GTDN: “As transferências por inter-médio do governo federal avolumam-se nos anos secos e, em gran-de parte, diluem-se em obras assistenciais”. E isto implica em que“são gastos que nenhum efeito tem na estrutura econômica e nacapacidade de produção do sistema” (BRASIL, 1959).

A teoria da causação circular de Myrdal (1960) constitui umdos elementos básicos da análise do GTDN para a superação nor-destina do subdesenvolvimento juntamente com a tese do big push(ROSENSTEIN-RODAN, 1960). A comparação de trechos selecio-nados dos dois autores e do GTDN deixa claro a influência aquireferida. Para Myrdal (1960, p. 43):

[...] um movimento ascendente do sistema inteiro pode resultar demedidas aplicadas neste ou naquele de seus pontos; mas isto não

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equivale a dizer que seja indiferente, do ponto de vista prático epolítico, onde e como atacar o problema do desenvolvimento”. Afir-ma também ser “improvável que uma política racional se realizepela mudança de um fator apenas” e que “os efeitos finais cumula-tivamente ampliados de um impulso ascendente, criteriosamenteaplicado aos fatores relevantes, são, de certo modo, prova e tam-bém indício do “desperdício social” preexistente.

Já Rosenstein-Rodan (1960, p. 67) sustenta que:Lançar um país (ou uma região) a um crescimento autossustentadoé, de certo modo, como fazer decolar um avião. Há uma velocidadecrítica sobre a pista que deve ser alcançada antes que o aparelho seeleve... Procedendo a passo a passo não se logrará um efeito igual àsoma total dos passos. Uma quantidade mínima de inversão é con-dição necessária (embora não suficiente) para o êxito [...]

A respeito, conforme o GTDN:a) [...] como o esforço exigido pelo desenvolvimento é relativamen-te maior nas primeira etapas [...], caso se criem, na região, condi-ções mais favoráveis à absorção de capitais privados, o Nordestepoderá firmar-se em sua própria poupança para alcançar um ritmode crescimento similar ao do Sudeste.b) Uma melhora das oportunidades de inversão, seja de um impul-so dinâmico original de fora, seja de modificações estruturais quepermitam crescer apoiando-se na própria procura interna. No pri-meiro caso, o elemento dinâmico do desenvolvimento são as ex-portações; no segundo, é a industrialização.c) [...] anulados certos efeitos negativos da política nacional de de-senvolvimento para a região e proporcionada uma ajuda razoávelna etapa inicial, pode-se contar com uma melhora substancial doritmo de crescimento da economia nordestina.d) Sem prejuízo de um esforço sistemático no sentido de ampliar aslinhas de exportação do Nordeste, a análise da presente situação...indica... que o seu atraso só poderá ser superado mediante umapolítica de industrialização (que) visa ao tríplice objetivo de daremprego, criar uma classe dirigente nova, imbuída do espírito dedesenvolvimento, e fixar na região os capitais formados em outrasatividades econômicas, que atualmente tendem a emigrar. (BRA-SIL, 1959, p. 33).

Assim, parece clara a estreita correlação entre as idéias dosdois teóricos referidos e o modo como se estruturou a estratégia doGTDN em seus contornos mais amplos.

Ainda de acordo com o GTDN:[...] um plano de industrialização para o Nordeste terá que visar doisobjetivos centrais: primeiro reorganizar as indústrias tradicionais daregião... a fim de reconquistar a posição que antes detinham em facedo parque industrial do Sudeste; segundo modificar a estrutura dosistema industrial da região, com a instalação de indústrias de base,criando, assim um sistema de autopropagação (BRASIL, 1959).

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As indústrias de base preconizadas pelo GTDN estão em per-feito acordo com o conceito de “indústria motriz” de Perroux (1964,p.168):

Uma unidade é motriz num determinado espaço social e econômi-co quando a resultante de todos os efeitos por ela gerados é positi-va no sentido de proporcionar uma mudança de estrutura e fazercom que a produção real líquida do conjunto de unidades experi-mente uma maior taxa de crescimento.

Neste ponto, o documento do GTDN demonstra uma clara ten-dência discriminatória em relação à Bahia (que na visão de CelsoFurtado deveria, juntamente com o Maranhão, formar uma frontei-ra agrícola para abastecer o semiárido industrializado, tanto que,nas prioridades industriais, não são contemplados os empreendi-mentos vinculados à indústria do petróleo, uma proposta do pla-nejamento baiano. A indústria motriz preferida no caso seria a si-derurgia, que, ironicamente, acabou se instalando na Bahia, numaescala de produção menor do que a projetada, dadas as pressõesexercidas pelo lobby dos empresários e políticos da região Sudesteem favor do Estado de Minas Gerais.125

O papel do setor público, nesse processo, dada a constataçãode que “os vultosos gastos efetuados na região pelo governo fede-ral [...] revestem a aparência de investimentos, mas constituem emgrande parte simples subsídio ao consumo”, seria exatamente o de“dotar a região atrasada de algumas atividades econômicas próprias,continuadas e ativamente indutoras” (BRASIL,1959). Ou, traduzin-do na linguagem do GTDN ao expor os fatores capazes de apoiar asua estratégia industrial: “cabe ter em conta que já existem no paísinstituições de financiamento governamentais, como o BNDE e oBNB, legalmente obrigadas a despender na região um volume subs-tancial de recursos” (BRASIL, 1959).

Há um último elemento de interação entre o plano do GTDN eas concepções teóricas por ele utilizadas. Trata-se das reformas es-truturais, englobando a agricultura e a indústria em um mesmoprocesso de mudança. A argumentação do GTDN, toda ela oriun-da do pensamento da Cepal, é incisiva:

Sendo a terra um fator escasso, em grande parte monopolizada,aliás, para o cultivo de cana, e crescendo intensamente a popula-

125 Como conseqüência desta medida a Bahia foi impedida de produzir laminados de aço oque limitou drasticamente as possibilidades de desenvolvimento de um parqueautomotivo no Estado e, por extensão, no Nordeste. Hoje a fábrica da Ford, implantadaem Camaçari, importa os laminados da Usiminas.

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ção, a região inclina-se a depender cada vez mais de alimentos im-portados do Sudeste. Por conseguinte, a tendência do nível dospreços dos alimentos é para crescer, relativamente à região sulina.Trata-se de um processo que leva, necessariamente, ao estrangula-mento das indústrias da região, que, mais cedo ou mais tarde, esta-rão incapacitadas para concorrer dentro de seu próprio mercadocom as manufaturas importadas do Sul. Pode-se afirmar, portanto,que o ponto mais fraco das indústrias do Nordeste reside: na pró-pria agricultura da região. Destarte, o primeiro objetivo de um pla-no de industrialização terá que ser o de modificar a tendência aoencarecimento relativo dos alimentos. A reestruturação da agricul-tura nordestina, visando um uso mais racional e intensivo dos re-cursos escassos de terra e água, constitui um pré-requisito da in-dustrialização. É por esta razão que, no Plano de ação aqui sugerido,dá-se ao problema do abastecimento de alimentos às zonas urba-nas a mesma alta prioridade que à intensificação dos investimen-tos industriais. (BRASIL, 1959, p. 61)

Este argumento é, em sua essência e dada a motivação de pro-mover o desenvolvimento industrial, o mesmo utilizado por DavidRicardo neste trecho, ao abordar a questão da renda da terra e suarelação com o processo fabril da Inglaterra no início do séc. XIX.Sem dúvida alguma, é certo que a redução do preço relativo doproduto primário, ocasionado por melhoras na agricultura, produ-ziria naturalmente uma crescente acumulação, já que as utilidadesdo capital aumentariam enormemente. Dita acumulação ocasiona-ria maior demanda de mão-de-obra, maior salário, uma populaçãocrescente, uma demanda mais ampla de produtos primários e umincremento nos cultivos. Em outras palavras, maior mercado, mai-or produção e produtividade, maior acumulação, mais desenvolvi-mento, tanto no setor industrial quanto na agricultura.

Contudo, esta mudança pretendida na estrutura agrícola daregião nunca ocorreu. Não se fez a reforma agrária quando jurídicae politicamente era possível, (ver I Plano diretor da Sudene) e osprogramas de irrigação ainda eram incipientes.

A terra, na região, continua sendo uma fonte de poder e deacumulação. Isto porque de um lado somente os grandes proprie-tários da terra – agricultores, fazendeiros e comerciantes – tem acessoao crédito subsidiado e aos incentivos governamentais (como o Finor– Agrícola) o que assegura, mantém e consolida o poder desta cate-goria e, de outro, favorece a acumulação visto que a exploraçãoagrícola e pastoril é realizada segundo os interesses desta classedominante que marginaliza os pequenos proprietários.

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Assim os parceiros, rendeiros, moradores e pequenos proprie-tários do Nordeste semiárido têm grande parte de seus magros ex-cedentes apropriados pelos grandes proprietários rurais. Na opi-nião de Martins (1982, p. 7).

Se a renda fundiária fosse distribuída com certa equidade, segura-mente os efeitos da seca seriam minorados ou evitados para aque-les que os padecem de modo mais imediato. A verdade é que osertanejo pobre paga um alto preço para trabalhar a terra, perce-bendo uma ínfima renda.

3.6 ENQUADRAMENTO POLÍTICO DO PLANEJAMENTONACIONAL E REGIONAL

Sob este ângulo, o plano do GTDN constituiu a expressão davontade do poder central de resolver, a seu modo, a questão dosubdesenvolvimento nordestino. O GTDN foi criação do governoKubitschek, em 1956, e só com a presença de Celso Furtado na suadireção, em 1958, conseguiu-se, rapidamente, elaborar um estudoadequado tecnicamente. No entanto, sendo o Estado condicionadopela luta dos grupos político-econômicos pelo poder, a vontade dopoder central acima referida deveria corresponder a uma idéia do-minante dentro da estrutura do poder central. E essa idéia tinhaduas faces interdependentes no momento histórico do governoKubitschek: o planejamento como técnica e a industrialização comoação integrada de desenvolvimento.

Assim sendo, ao plano do GTDN, correspondeu o Plano demetas, mesmo que este não particularizasse o Nordeste como re-gião a desenvolver. Essa idéia existia126 e a ela Juscelino se referia,ainda em 1955, em plena campanha eleitoral (o grande problemaque hoje se apresenta ao Nordeste é o da sua industrialização). Ouseja: não qualquer tipo de desenvolvimento, mas o industrial, cor-respondente ao mesmo processo que ocorreria nacionalmente apartir de 1956.

Para o governo federal, desenvolver o Nordeste sob a sua lide-rança, usando o planejamento como técnica e a industrialização

126 Na verdade a idéia de criação do GTDN foi gerada pelos técnicos nordestinos da Asses-soria Econômica da Presidência da Republica no governo Vargas, liderada por RômuloAlmeida, Jesus Soares Pereira, Cleon de Paiva Leite e Euvaldo Correia Lima.

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como instrumento de mudanças estruturais, era um meio de inter-vir com eficiência na economia, objetivando resolver um problemade desequilíbrio inter-regional que tendia a se agravar, sem afas-tar-se de uma política mais ampla, de âmbito nacional. Para a in-dústria do Sudeste, como grupo hegemônico no poder, não era in-diferente o comando desse processo e sua reivindicação era a deque a iniciativa deveria lhe competir.

O Plano de metas do governo Kubitschek foi responsável poruma transformação qualitativa na economia brasileira e se consti-tuiu na mais ampla ação orientada pelo Estado, na América Latina,visando à implantação de uma estrutura industrial integrada. De1956 a 1960, o produto interno bruto (PIB) brasileiro cresceu 8,1% ea renda per capita, 5,2% ao ano, em média. Outro aspecto decorren-te da sua aplicação, visto por Ianni , “é que se aprofundaram bas-tante as relações entre o Estado e a economia, sendo a atuação dopoder público destinada a acelerar o desenvolvimento econômico,particularmente a industrialização, e a impulsionar o setor privadonacional e estrangeiro” (IANNI,1977, p. 142).

Nesse quadro, é importante notar que, dados os resultados doprocesso de substituição de importações dos períodos anteriores, aindustrialização deixou de ser induzida pelo estrangulamento dosetor externo e se adotou uma estratégia política de desenvolvi-mento que acabou por consolidar e expandir o capitalismo depen-dente, ou associado, segundo a perspectiva do governo da época.

Essa estratégia política, consubstanciada em metas que visa-vam a fazer o país desenvolver-se “50 anos em 5”, requereu a atua-ção direta do Estado na superação de “pontos de estrangulamen-to” e na própria atividade empresarial, enquanto “a estrutura dosetor industrial tornou-se amplamente integrada à estrutura eco-nômica mundial, por intermédio das empresas multinacionais”. Isto,que Oliveira (1977) considera um “salto de qualidade operado nadiferenciação setorial industrial”, resultou na incorporação, à eco-nomia brasileira, de estilos de competição oligopolista que podemser encontrados na estruturação das grandes organizações, nos es-quemas de reprodução protegidos, de mercado “cativo”, como nocaso das indústrias automobilística, de construção naval e [...] mo-nopólios do Estado em setores produtivos.

Como decorrência desse processo de planejamento, no ano emque o trabalho do GTDN foi publicado e a Sudene foi criada (1959),já se podia identificar com clareza que:

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[...] a parte da burguesia que não dispunha de condições para be-neficiar-se dos programas de investimentos e estímulos governa-mentais, e que era o setor mais propriamente nacionalista dos de-bates políticos de então, perdera espaço e condições de ser ouvida,enquanto a outra parte - a grande burguesia industrial - pouco apouco conseguia beneficiar-se das relações com o poder executivoe, também, associar-se a empresas de origem estrangeira. Isto é,houve uma parte da burguesia brasileira que ingressou, sozinhaou associada, na segunda” industrialização ocorrida no Brasil, coma execução do Programa de Metas (OLIVEIRA, 1977, p.86).

Em que pese aos objetivos comuns do plano para o Nordeste eo de metas, visando à industrialização e adotando o planejamentocomo ferramenta de ação, nada, na realização do segundo, autori-zava os enfoques “autonomistas e regionalistas” da indústria quedeveria ser implantada na região.

Conforme observa Moreira (1979, p. 67), com propriedade, “na-quele momento (de lançamento do GTDN), as possibilidades deindustrialização autônoma para a região Nordeste já careciam desentido, como a própria industrialização nacional defendida até finsda década de 50 por diversas correntes”. O mesmo autor acrescen-ta “que a consideração do problema (de desenvolver o Nordeste)encontrava-se mais na perspectiva do que seria “bom” para a re-gião que no enfoque das necessidades de acumulação, enquanto ainiciativa privada movia-se neste último sentido”.

Em termos regionais, a posição dos industriais nordestinos,em favor do plano do GTDN, a par de francamente favorável, tevea apoiá-la, em termos nacionais, o esforço do empresariado paulistaque pretendia manter-se na liderança do processo de desenvolvi-mento brasileiro. Antes mesmo da divulgação do estudo, em 1957,uma missão da Fiesp veio ao Nordeste, a convite das federações deindústrias dos estados da região e da Chesf, divulgando logo apósuma nota em que se lê:

O impulso econômico, de que não pode mais prescindir o Nordes-te, terá de promanar, pois, de duas fontes. Ou virá de São Paulo - e,nesse particular, São Paulo efetuará uma grande e notável obra deintegração econômica nacional - ou então do exterior, o que gerariaum sem número de inconvenientes. (FIESP, 1957)

A presença dos industriais do Sudeste no Nordeste formalizauma aliança inter-regional, objetivando uma solução favorável àclasse empresarial, independentemente das contradições internasque pudessem existir entre o desejo hegemônico da indústriapaulista e a vontade expressa no Plano de ação do GTDN de tornar a

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indústria nordestina capaz de concorrer com as suas congêneresem todo o país. O pouco peso político e econômico do empresariadolocal foi sobremodo ampliado por aquele apoio, dado com o claroobjetivo de alijar a oligarquia agrária das decisões que fatalmenteviriam. O suporte ao plano é, pois, nacional, mas se constitui regio-nalmente, pela presença dos empresários do Sudeste no foco dosacontecimentos.

Outros elementos que dariam suporte institucional ao planodo GTDN e que são regionais porque correspondem a uma ação/definição que aqui tiveram lugar foram: a atuação do Banco doNordeste do Brasil, criado após a seca de 1952, que apoiou finan-ceiramente, em parceria com a Sudene, o processo de industrializa-ção; a instalação da refinaria Landulpho Alves em Mataripe, naBahia, em 1950, pelo seu caráter indutor da expansão manufatureira;a criação da Chesf e a entrada em operação da usina de PauloAfonso, em 1954, pela maior oferta de energia elétrica e a nova men-talidade técnica resultante dessa constelação de fatores e da pró-pria expansão do sistema capitalista no país, facilitando, de certomodo, a adoção das medidas preconizadas pelo plano.

3.7 A SUDENE: UM MINISTÉRIO PARA O NORDESTE

Ao longo de três governos – Kubitschek, Quadros e Goulart -,a Sudene se estruturou para as suas primeiras ações, tendo comoparâmetros as idéias do GTDN e como condicionantes os fatorespolítico-econômico-sociais do período 1959-1963. Embora amudança presidencial não tenha modificado os termos em que secolocou a questão nordestina no estudo redigido por Celso Furta-do e tampouco os elementos favoráveis e desfavoráveis à ação donovo órgão federal, o aprofundamento da crise brasileira criou umasérie de obstáculos para a proposta inicial.

A ação do governo Kubitschek, após a divulgação do estudo doGTDN, foi instantânea e articulada, bem de acordo com a tendênciado executivo de sobrepor-se à reação do legislativo através de “fatosconsumados”. Ao tempo em que enviava ao Congresso o projeto delei criando a Sudene, em fevereiro, criava, no dia 20 do mesmo mês, oConselho de Desenvolvimento do Nordeste (Codeno), pelo decreto n.45.445/1959, que passaria a trabalhar sob a presidência de CelsoFurtado.

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O Codeno, da forma como se estruturou, era a própria Sudeneoperando independentemente da aprovação pelo Congresso, aomenos no que toca àquelas medidas indispensáveis ao funciona-mento imediato do futuro órgão e quanto ao seu papel político, deunificação de forças regionais favoráveis ao desenvolvimento pla-nificado e tudo o que isso significava. Com efeito, competia-lhe,através do seu Conselho Deliberativo, do qual participavam os go-vernadores dos estados da região:

[...] formular, com base nos trabalhos técnicos da secretaria execu-tiva, as diretrizes da política de desenvolvimento regional; verifi-car e orientar a execução dos programas e projetos integrantes doplano diretor; sugerir a integração dos planos estaduais de desen-volvimento na orientação do plano diretor (elaborado pela secreta-ria executiva do órgão); opinar sobre a elaboração de projetos acargo de órgãos federais que operam na região; e propor ao gover-no federal a adoção de medidas tendentes a facilitar ou acelerar aexecução dos programas, projetos e obras, bem como a fixação denormas para a sua elaboração. (COHN, 1976, p. 133)127

Em termos da sua estrutura, o Codeno era composto por umórgão eminentemente “técnico”: a Secretaria Executiva, cujo traba-lho era respaldado pela aprovação “técnica-política” do seu Conse-lho Deliberativo, em que os governadores nordestinos recém-elei-tos (1958) jogavam o peso das forças sociais que os levaram à vitó-ria nas urnas em favor das decisões aceitas em plenário. Esta fór-mula transferiu-se intacta para a estrutura da Sudene, mudando aSecretaria Executiva a sua denominação para Superintendência eampliando-se a composição do Conselho Deliberativo.

Operando politicamente, não permitindo o esquecimento daidéia da Sudene enquanto o projeto de sua criação tramitava noCongresso, e como órgão técnico do qual emanavam projetos já paraserem tocados pelo futuro órgão federal e que também deveriamser aprovados pelo legislativo, o Codeno era a expressão mais aca-bada do Executivo, que buscava desembaraçar-se dos demais po-deres, mediante soluções originais e decorrentes da sua percepçãomais global dos problemas a enfrentar. Isso, fruto do avanço doplanejamento estatal ao longo da década de 1950, é assim visto porRobock, no contexto do tema ora apreciado:

Exigindo jurisdição total e direta sobre todos os aspectos do desen-volvimento da região e estabelecendo um plano regional que, ape-sar de um compromisso de planejamento descentralizado, foi im-

127 Publicado inicialmente em O Estado de São Paulo, edição de 21dez. 1959.

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posto de cima para baixo, o movimento da SUDENE estava desti-nado a despertar um máximo de resistência política. (ROBOCK,1964, p. 120)

A despeito de, no discurso, considerar de fundamental impor-tância a cooperação dos governos estaduais, a Sudene relutou emincorporar ao I Plano diretor a maior parte das proposições do Planode desenvolvimento do Estado da Bahia (Plandeb), elaborado porRômulo Almeida, com a justificativa de que este plano incluía mui-tos programas ainda não projetados para o Nordeste e cuja aprova-ção situaria os outros estados em posição desvantajosa. A Sudeneparecia sentir que um plano estadual não elaborado sob a sua su-pervisão poderia oferecer oposição inflexível a seus objetivos deplanejamento regional. Na realidade, a Sudene nunca esteve pre-parada para seguir a sua filosofia de planejamento.128

A Sudene, criada afinal pela lei n. 3.692, de 15 de dezembro de1959, com 14 emendas ao projeto original (outras 14, vindas do Se-nado para a análise da Câmara dos Deputados, foram rejeitadas),foi a grande vitoriosa no debate parlamentar, e mesmo público, dofim do governo Kubitschek, porquanto as emendas não desfigura-ram o texto original e, ao manterem sob sua subordinação o Dnocs,deram-lhe um poder de manobra que, de outro modo, teria signifi-cado o encerramento da tentativa planificadora no nascedouro.

O próprio Celso Furtado, como superintendente do órgão, des-taca “que pela amplitude de suas atribuições e pela extensão de seuâmbito, a Superintendência está virtualmente transformada numministério de desenvolvimento regional, dotado de excepcional for-ça executiva” (HIRSCHMAN, 1965, p. 98).

Como foi ressaltado por vários autores, por exemplo,Hirschman (1965), “os poderes da Sudene eram amplíssimos” nalei n. 3.692/1959, a de sua criação. Através do disposto nos Artigos2º, 7º e 12, controlava efetivamente (em termos de concepção, apro-vação e fiscalização de execução dos programas) todos os órgãosfederais atuantes na região nordestina. Os recursos para o seu fun-cionamento eram substanciais (Art. 10 e 26), devendo o órgão “re-ceber 2% acima dos 3% do Dnocs, 1% do CVSF e 0,8% do BNB”,retirados esses percentuais da renda tributária da União em cadaano. Favores cambiais e fiscais (Art. 12, 18 e 19), até então inexistentes

128 Na verdade, a concepção do planejamento baiano (Rômulo Almeida) mais pragmático,divergia substancialmente da utopia da Sudene (Celso Furtado).

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no Nordeste, foram concedidos à indústria de base, alimentícia eutilizadora de insumos regionais, implicando isso em “isenções doimposto de renda e de tarifas aduaneiras e [...] tratamentos prefe-renciais quanto à concessão de divisas estrangeiras e de câmbio decusto”. (HIRSCHMAN, 1965, p. 99).

Embora não constasse da lei de criação, o decreto n. 47.890, de9 de março de 1960, que aprovou o regulamento da referida lei,conferiu à Sudene, em seu Artigo 73, a atribuição de “promover, naforma lei, desapropriações por necessidade ou utilidade pública,ou por interesse social”. Em termos legais, ao menos, poderia asuperintendência realizar a reforma agrária defendida peloGTDN, mediante solicitação do seu titular ao Poder Executivo,“depois de autorizadas as desapropriações pelo Conselho Delibera-tivo”. Passou o governo ao largo da apreciação do Legislativo, nes-se particular, dada a provável polêmica que a explicitação desseartigo na lei de criação provocaria, mas o seu respaldo maior era aConstituição em vigor, que previa o fato.

Com a lei n. 3.995/1961, que aprovou o I Plano diretor do ór-gão, os seus poderes foram ampliados e pode-se falar, efetivamen-te, em total concordância entre os seus propósitos e o texto doGTDN. Além dos aspectos já citados, passou a ser da sua atribui-ção “promover a organização, a incorporação ou a fusão de socie-dades de economia mista [...]”, o que, na prática, significaria “cartabranca” para a implantação daquelas unidades motrizes a que sereferia o documento do grupo do Nordeste. Mais ainda: pelos Art.8º e 19, detalharam-se o plano energético regional e o seu suportefinanceiro, ambos geridos pela Sudene e pela Chesf, do mesmomodo que o plano rodoviário nordestino foi explicitado no Art. 21.

Além desses aspectos, que diziam respeito ao conjunto de equi-pamentos infraestruturais básicos para o desenvolvimento regio-nal, o plano abrangia praticamente todos os itens citados no Planode ação do GTDN. No entanto já se pode notar, no contexto queincluiu a implantação da infraestrutura energética e de transpor-tes, uma tendência para agilizar a atração de indústrias: os subsídi-os à importação permaneceram (Art. 33) e surgiu o Artigo 34, quefacultava

[...] às pessoas jurídicas e de capital 100% nacional efetuarem a de-dução até 50%, nas declarações do imposto de renda, de importân-cia destinada ao reinvestimento ou aplicação em indústria consi-derada pela Sudene de interesse para o desenvolvimento do Nor-deste.

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Tal artigo, primeiro passo para a institucionalização do quepassou a ser conhecido como sistema “34/18”, foi inserido na leido I Plano diretor durante a sua passagem pelo Congresso, sendo oseu autor, segundo Oliveira F. (1977), “um parlamentar do Nordes-te ligado à burguesia industrial açucareira, o então deputado Gilenodi Carli, ele mesmo antigo presidente do Instituto do Açúcar e doÁlcool”, inspirado em dispositivo semelhante introduzido em 1959no programa de recuperação do Sul da Itália. De acordo com Cas-tro (1971), o artigo era, antes de tudo, uma compensação buscadaàs pressas para a impossibilidade da concessão do câmbio favore-cido (previsto na lei de criação) para a importação de equipamen-tos industriais, eliminado pela instrução 204 da Carteira de Comér-cio Exterior do Banco do Brasil (Cacex), editada em março de 1961.

No II Plano diretor, aprovado pela lei n. 4.239/1963, já não se fazmenção a qualquer tipo de desapropriação, o mesmo ocorrendo nosdois planos que o sucederam. O que caracteriza esta lei é a ênfase nosincentivos à indústria: isenção do imposto de renda no Art. 13, redu-ção do imposto de renda no Art. 14 e ampliação dos beneficiários deque tratava o Artigo 34 da lei do I Plano diretor, mediante a retirada daexpressão “de capital 100% nacional” na redação do Art. 18 da novalei, o que implicava a abertura do mecanismo de dedução do impostode renda para aplicação em empresas industriais, no Nordeste, ao ca-pital estrangeiro. Manteve-se, todavia, a importância relativamentemaior dos investimentos em energia e transportes, com o que “as ati-vidades imediatas da Sudene se encontravam agora em campos “nãoantagônicos” tais como transporte rodoviário, energia elétrica [...] eindustrialização”. (HIRSCHMAN, 1965).

O que importa notar é que, ainda sob a direção de Celso Furtado,idealizador da estratégia integrada de desenvolvimento regional, aSudene passou a não incorporar todas as diretrizes do Plano de ação e anão acompanhar a análise estrutural do diagnóstico do GTDN, quedava suporte àquele plano. Ao desfazer-se do instrumento, ao mesmotempo político e econômico, da reforma agrária, a superintendênciaabandonou os pressupostos do documento que lhe serviu de base,concentrando-se na industrialização. A própria idéia da proteção à in-dústria regional, um dos “pilares” do plano do GTDN, foi arquivada,não por “maquinações” do Legislativo, já que o Art. 18 da lei n. 4.239/1963 foi aprovado intacto, como foi redigido na Sudene (ou, pelo me-nos, no Executivo).

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3.8 ENTRE A UTOPIA E A REALIDADE: A FRUSTRAÇÃO DOPLANEJAMENTO REGIONAL

Dificilmente se encontraria, na história recente da economiabrasileira, uma integração tão estreita entre as estratégias teóricasde ação quanto aquela existente entre o Plano trienal de desenvolvi-mento econômico e social (BRASIL, 1962) o II Plano diretor da Sudene(BRASIL, 1963) ambos referentes ao período 1963-1965, e o estudodo GTDN (BRASIL, 1959). Dificilmente, também, se encontrariamdescompassos maiores entre o que preconizavam aqueles documen-tos e a evolução da realidade sobre a qual deveriam intervir, o queacabou por inviabilizar tanto a aplicação do plano trienal quanto alinha de ação proposta pelo GTDN e reiterada no II Plano diretor daSudene. Por serem contemporâneos e terem sido coordenados poruma mesma pessoa – Celso Furtado, como superintendente daautarquia regional e depois como ministro do governo Goulart -, éde todo importante buscar, nas duas peças teóricas de planejamen-to acima citadas, para os anos 1963-1965, o modo como se articula-ram e sua repercussão sobre a atuação concreta da Sudene, notada-mente quanto à industrialização e à reforma agrária.

Em termos do alcance da ação planificadora, ambos os traba-lhos buscaram atingir os mesmos objetivos nos seus respectivosâmbitos (nacional e regional). Dizia o plano trienal que “a planifi-cação, para alcançar a necessária eficácia, deveria cobrir progressi-vamente os seguintes campos”:

a) pré-investimentos destinados a ampliar a base de recursos natu-rais economicamente utilizáveis; b)pré-investimentos destinados aaperfeiçoar o fator humano; c) investimentos destinados a anteci-par as modificações estruturais, seja de caráter pioneiro, visando àampliação de espaço econômico, seja de tipo estrutural propria-mente dito, como os investimentos destinados a permitir a reduçãono coeficiente de importações; d) investimentos (...) de tipo infraestrutural ou que exigem um longo período de maturação; e) in-vestimentos de tipo social, a serem realizados a fundo perdido, taiscomo obras de saneamento. (BRASIL, 1962, p. 15).

Por seu turno e guardadas as devidas proporções, o II Planodiretor, “como instrumento do desenvolvimento do Nordeste”, ori-entava-se nas seguintes direções técnicas:

a) criação de uma moderna infraestrutura de serviços de transpor-tes e energia elétrica” (correspondente ao “item d” do Plano Trienal);

b) levantamentos intensivos e sistemáticos dos recursos da região eadaptação à tecnologia com vistas ao aproveitamento mais econô-mico desses recursos” (“item a” do Plano Trienal);

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c) promoção da iniciativa privada através da ação coordenada deestímulos de tipo financeiro, fiscal e de assistência técnica” (“itemc” do Plano Trienal);

d) aperfeiçoamento progressivo do fator humano” (“item b” doPlano Trienal);

e) melhoria das condições básicas de vida pela criação de serviçospúblicos adequados [...]” (“item e” do Plano Trienal)”. ( BRASIL,1963).

Não é de admirar, portanto, que, no seu terceiro capítulo, rela-tivo à Correção dos desequilíbrios regionais, o plano trienal pratica-mente repetisse a abordagem teórica do GTDN, por sua vez trans-crita pelo II Plano diretor da Sudene na Apresentação do superinten-dente ao Conselho de Ministros.

Integravam-se os dois trabalhos também no aspecto político,por abordar as reformas que preconizavam, notadamente a “agrá-ria” que, como foi salientado, deixou de ser artigo de lei exatamen-te no II Plano diretor.

O agravamento das condições sociopolítico-econômicas dopaís, em 1963, orientou a ação do governo Goulart para restringir odebate “das reformas de base” apenas ao item da reforma agrária,cuja filosofia já se explicitava no próprio plano trienal:

[...] todas as terras, consideradas necessárias à produção de alimen-tos, que não estejam sendo utilizadas ou o estejam para outros fins,com rendimentos inferiores a médias estabelecidas regionalmente,deverão ser desapropriadas para pagamento em longo prazo. (BRA-SIL, 1962, p. 195)

Tratava-se, como se vê, de uma estratégia política que, passan-do ao largo da reação que suscitaria uma reforma agrária específicapara o Nordeste, a ser votada pelo Congresso no âmbito da lei do IIPlano diretor, dificultando sua aprovação, envolvia outros elemen-tos cuja necessidade de reformas - de âmbito nacional - era pontopacífico e apoiado por grupos importantes do Legislativo.

Uma vez aceitas pelo Congresso, com todo o peso político-elei-toral da sua heterogênea representatividade, e uma vez postas emprática por um executivo com poderes amplos, as reformas teriammaior viabilidade prática no Nordeste, não entrando a Sudene emchoque direto com os interesses contrariados dos latifundiários (nocaso da reforma agrária), que poderiam ameaçar a ação do órgão,via um trabalho de bastidores, e prejudicar os demais pontos dasua estratégia global.

No que coube ao Nordeste e à ação da Sudene, a impossibili-dade política de promover a reestruturação da base agrária regio-

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nal desencadeou uma concentração na política industrial, fundadanos incentivos fiscais e no apoio do setor público à implantação dainfraestrutura requerida para receber as unidades manufatureiras,sem distinção da origem do seu capital.

Ao ser forçada a optar pela política de captação de empreendi-mentos industriais, a estratégia integrada (industrialização, comreforma nas relações de produção do campo) do GTDN deixou deexistir. Em seu lugar, a estratégia de planejamento regional ado-tada, não atendeu mais aos interesses de uma mudança global noNordeste e sim, pela sua unilateralidade, aos de uma integraçãode corte setorial entre a região e o Sudeste, onde estavam osbeneficiários do 34/18 de maior porte, por extensão, os que deci-diriam a respeito das aplicações industriais nordestinas.

O sistema de financiamento do desenvolvimento industrialatravés do mecanismo do 34/18 e posteriormente do Fundo de In-vestimento do Nordeste (Finor), na forma como foi equacionado(dirigido a empresas com estrutura jurídica de sociedades por ações),excluiu praticamente as pequenas e médias empresas do processode industrialização nordestina.

Outro aspecto a observar é o da sua característica essencial desubsídio ao capital. Com toda razão, Castro (1971, p. 234) distingueo 34/18 da proteção aduaneira argumentando que ele,

[...] como política de industrialização, implica admitir que o pro-blema da área resida na formação de capital e não na economicidade(rentabilidade) das empresas, uma vez montadas. Em operação, asempresas não deverão encontrar obstáculos ou limitações [...] e nemsequer enfrentar os problemas próprios de uma indústria infantil[...].

Não buscando defender as novas unidades da concorrênciaexterna, a sistemática em apreço trazia implícita uma consideraçãode ordem “geográfica” (a região faz parte do país e, como tal, nãocabe proteger a sua indústria à custa das de outras áreas) e outra deordem “operacional” (a estrutura econômica da região não deveser um entrave à operação das novas unidades, cabendo um papeldestacado ao governo para a superação dos entraves existentes).

Comparativamente à isenção tributária, vale citar Hirschman(1965, p. 26), para o qual “as isenções fiscais aumentam alucratividade de uma nova indústria em si lucrativa, mas em nadacontribuem para reduzir os prejuízos... se o novo empreendimentonão se revela lucrativo”.

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Embora reduzindo o montante de capital próprio necessárioao empreendimento, o 34/18 levava à existência de um risco porparte do grupo líder da nova empresa e de outro risco por partedos sócios que a ela aderissem através das suas deduções, o que,em tese, contribuiu para que depositantes e beneficiários buscas-sem aplicar o seu dinheiro em projetos com viabilidade real.

Na prática, o 34/18 não protegia a indústria contra a concor-rência tampouco eliminava o risco do empreendimento, diluindo-o o entre um maior número de interessados no sucesso da empre-sa. Mesmo sendo um subsídio, o custo do capital que dele se ex-traía não era zero. Ainda segundo Hirschman (1965), dentro daracionalidade econômica:

Existe [...] um custo alternativo objetivamente determinado na uti-lização de recursos para um projeto próprio medido pela renúnciade uma aplicação financeira em projeto de terceiros. É pouco pro-vável que a empresa se utilize de depósitos bloqueados num proje-to próprio, a não ser que espere obter resultados pelo menos pro-porcionais ao que obteria se optasse pela alternativa.

3.9 NORDESTE APÓS 1964: O LONGO OCASO E O FIM DASUDENE

Com a mudança do marco institucional, decorrente do golpe mi-litar de 31 de março de 1964, o Executivo impôs-se unilateralmente aolegislativo, extinguindo os partidos políticos, após o que formulou con-dições totalmente novas para o funcionamento do Congresso, sob asua tutela. Dadas as condições políticas excepcionais que implantou, ogoverno pôde atuar na área econômica com um completo controle dasvariáveis capazes de possibilitar a execução de um plano abrangente,englobando aquelas áreas mais críticas para a retomada do crescimen-to do produto (monetária, bancária, tributária, cambial, salarial), im-plantando nova sistemática para o seu funcionamento.

O Programa de ação econômica do governo (Paeg), para o período1964-1966, foi o instrumento de planificação utilizado para dar cur-so às idéias econômicas do governo Castelo Branco. Segundo a in-terpretação de Ianni, em seus níveis principais, a política econômi-ca governamental modificou as condições de funcionamento dosmercados de capital e de força de trabalho, reformulando as rela-ções de produção “segundo as exigências da reprodução capitalis-ta e da expansão do setor privado”. (IANNI, 1977, p. 42).

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Em sua essência, o Paeg consistia[...] numa definição, sistemática e coerente, por parte do governo,das medidas tendentes à criação da ordem dentro do qual operaráaquilo que se convencionou chamar de “forças do mercado”, demaneira compatível com a distribuição de renda desejada e a metaprogramática de maximização da taxa de desenvolvimento econô-mico. (BRASIL, 1964, p. 13).

Para alcançar esse resultado, oferecendo os meios “para que aempresa privada pudesse funcionar em condições (inclusive não-econômicas) melhores e florescer, o Estado foi levado a interferirde modo ainda mais profundo e sistemático nas relações econômi-cas internas e externas”. (IANNI, 1977, p. 233).

Dessa interferência, que objetivava, entre outros aspectos, “ace-lerar o ritmo de desenvolvimento econômico do País [...] e conter[...] o processo inflacionário”, não escapou a política de desenvolvi-mento regional, particularmente quanto ao Nordeste. Assim é que,no capítulo 24, o Paeg estabelecia a necessidade de integração dosplanos regionais e se, de um lado, reconhecia a necessidade e im-portância (desses planos), a eles impôs, desde logo, duas condiçõesimportantes”:

a) que os objetivos sejam definidos primordialmente em termos dedesenvolvimento econômico [...]; não se estabeleceriam, a priori,sem a devida consideração dos fatores da região [...] metas regio-nais em termos de proporcionar à região crescimento a um ritmomais intenso que o do resto do País;

b) que os planos de desenvolvimento regional sejam formuladosdentro do contexto de um programa de desenvolvimento nacional,a fim de não prejudicar a dinâmica daquele processo nem correr orisco de virem a frustrar-se em seus propósitos. (BRASIL, 1964,p. 225).

Em outras palavras, os planos regionais deveriam tomar emdevida conta os impactos das diferentes políticas econômicas, emrelação a outras regiões e, notadamente, ao processo de desenvol-vimento do país como um todo. A pouca importância dada ao de-senvolvimento regional no contexto do Paeg pode ser avaliada pe-las cinco páginas que abordam o tema, no conjunto das 240 páginasdo documento. A Sudene, que antes possuía status de ministério,passou, como os demais órgãos federais atuantes nas diversasregiões brasileiras, a figurar como uma autarquia subordinada aoMinistério Extraordinário para a Coordenação de OrganismosRegionais, posteriormente extinto. O próprio III Plano diretor doórgão já se incluía no Paeg, de forma compacta, em duas páginas.

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Especificamente quanto ao problema nordestino, a abordagemdeixaria de ser incisiva para tornar-se genérica:

A maximização das taxas de crescimento, em curto prazo, podeexigir “concentração de investimentos” nas regiões de mais rápidoprogresso (...), entretanto razões de justiça social, e até mesmo de“estabilidade política, desaconselhariam a adoção rígida” de talpolítica de investimentos. Além disso, razões de ordem econômicase poderiam aliar a argumentos de eqüidade, no caso de regiõesem deterioração - “como o Nordeste brasileiro durante certo perío-do” – nas quais o estoque de capital existente fique sub-utilizadoou venha a ser ameaçado de colapso.(BRASIL, 1964, p. 225).

O III Plano diretor, aprovado pela lei n. 4.869/65, em sua Intro-dução, já abordava “a continuidade da ação da Sudene” nos termosdo seu ajustamento “às transformações resultantes do próprio pro-cesso de desenvolvimento [...] e à integração cada vez maior da eco-nomia regional na economia brasileira”. (BRASIL, 1966).

Dentro dessa perspectiva, cabe notar que 68% dos Cr$ 89,3 bi-lhões previstos para 1965 e 71% dos Cr$ 95,0 bilhões previstos para1966, no III Plano diretor, dirigiam-se para investimentos em infraes-trutura (energia, transporte e saneamento básico), prevendo-se ain-da a captação de US$ 19 milhões no exterior para aplicação nessamesma área, o que confirmava a ênfase anteriormente dada pelo IIPlano diretor e estava de acordo com a política de incentivo à indús-tria, pela vinculação direta entre inversões em infraestrutura e in-cremento das atividades fabris.

Tanto o Paeg como o III Plano diretor da Sudene definiram aproblemática nordestina em termos estritamente econômicos, inse-rindo-a “no contexto de um programa de desenvolvimento nacio-nal” (BRASIL, 1964).

O objetivo da ação da Sudene e de outros órgãos federais naregião seria o de “promover a integração espacial e setorial da eco-nomia nordestina, buscando dar-lhe complementaridade, evitardistorções locais de crescimento e integrá-lo, cada vez mais, na eco-nomia brasileira” (BRASIL,1966) estratégia preconizada sustenta-va-se em duas diretrizes que reproduziam o essencial do modelobrasileiro de crescimento capitalista, com forte presença estatal edivisão de áreas com a iniciativa privada:

a) promover os meios de captação das poupanças privadas, con-servando e ampliando a utilização do sistema atual de incentivos,criando ou estimulando os meios de captação direta, criando e con-servando as economias externas necessárias... e atraindo e orien-tando a aplicação de recursos externos; b) manter um nível de in-

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vestimentos públicos... que permita criar e fortalecer os estímulos aà atração e à orientação dos investimentos privados, e suprir asnecessidades daquelas áreas prioritárias para as quais a iniciativaprivada não manifesta interesse ou em que se recomenda a partici-pação direta do setor público. (BRASIL, 1966, p. 14).

A despeito de ter sido elaborado em pleno período de comba-te antiinflacionário, o III Plano diretor ainda manteve, para o triênio1966-1968, um percentual em torno de 50% do total das aplicaçõesestatais previstas nos setores infraestruturais, agregando-se a estescerca de 25% destinados à pesquisa de recursos naturais, prepara-ção de recursos humanos e administração geral que, em última ins-tância, corresponderam a uma complementação das condições atra-tivas proporcionadas por energia, transportes e comunicações aocapital privado.

Em síntese, como observava o próprio III Plano diretor, a con-cepção do programa da Sudene levava em conta um elemento fun-damental, qual seja, o de “que o desenvolvimento do Nordeste,desde que não atingiu ainda condições de auto-sustentação, conti-nua a depender dos investimentos do Governo Federal e, portanto,de decisões a serem tomadas fora do sistema econômico”.

Tal constatação se inseriria em outro nível de abordagem, oque considerava o Nordeste como região não prioritária nos esfor-ços de combate à inflação, conforme se pode depreender do realis-ta (conquanto óbvio) argumento da “impossibilidade de alcançar-se a taxa de crescimento estabelecida... para a economia nordestinacaso se verifique, no triênio, redução nos dispêndios do GovernoFederal semelhante a que ocorreu no ano de 1964” (BRASIL, 1966).

Um outro aspecto a ser considerado, como parte daquilo quefoi citado acima como “decisões a serem tomadas fora do sistemaeconômico”, foi o esvaziamento do poder da Sudene dentro da novapolítica federal para a região. No III Plano há a informação de que“de todo dinheiro público arrolado para o Nordeste, no triênio,apenas 19% devem caber à SUDENE”. Com esta decisão, limitava-seo caráter executivo da Sudene que passaria à condição de órgão deplanejamento e de coordenação, descentralizando-se ao máximo,em favor de estruturas técnicas e administrativas regionais e esta-duais, as tarefas executivas e de aplicação de recursos.

Longe de ser esta a concepção original da superintendência,cabe ressaltar que a política federal na área tributária esvaziou tam-bém a capacidade de autodeterminação dos estados e municípios,sendo, portanto, um eufemismo as “estruturas técnicas e adminis-

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trativas regionais e estaduais”. Como constatou o IV, e último, Pla-no diretor,

[...] analisando a evolução dos gastos públicos através de um dosseus mais importantes órgãos – a SUDENE –, verifica-se que os re-cursos a ela destinados vêm decrescendo substancialmente a partirde 1964. Decrescem ainda mais os recursos destinados a investi-mentos se, aos da SUDENE, fossem somados os recursos do DNOCSe da SUVALE, também órgãos executores da política governamen-tal na área. (BRASIL, 1968).

Ora, se não foram os órgãos criticados pela Sudene os beneficiá-rios da sua perda de posição e de poder, e dada a importância dastransferências federais para os estados, fica claro que a Uniãoavocou para si, com a sua ampla gama de autarquias, empresas eórgãos, a tarefa de desenvolver o Nordeste, nos seus termos e nãodentro de uma ótica “regionalista”.

Nessa linha de raciocínio, não se deveria esperar que, com aretomada do desenvolvimento nacional, a partir de 1968, o Nor-deste viesse a ter uma posição prioritária em relação a outras regi-ões. Não se deveria esperar, tampouco, que os gastos já realizadose os incentivos industriais existentes fossem relegados a segundoplano, mas sim intensificados, para que a região contribuísse com asua parcela para o incremento do produto global.

Tal idéia está genericamente exposta no Programa estratégico dedesenvolvimento (PED) 1967, no seu capítulo relativo ao desenvolvi-mento regional, cujos objetivos são:

[...] criar um processo auto-sustentável de desenvolvimento em cadagrande região” e “inserir esse processo dentro de uma linha deintegração nacional, com vistas a uma relativa diferenciação eco-nômica de cada região e a formação de um mercado nacionalintegrado.(BRASIL, 1967).

Dentro dessa visão genérica, alguns instrumentos preconiza-dos pelo PED são dignos de realce pelo que representaram em ter-mos de integração dos planejamentos nacional e regionais comoformulação de uma nova política:

A criação do Ministério do Interior veio possibilitar a ação orgâni-ca do governo Federal no tocante ao desenvolvimento regional. Suaatuação se vem firmando no sentido de definir claramente as atri-buições dos diversos órgãos e delimitar-lhes a área de atuação.Como os recursos são escassos, torna-se imperioso ... que estes se-jam alocados em espaços econômicos suscetíveis de desenvolvimen-to planejado, capazes de induzir o crescimento de áreas vizinhas.A definição prévia de polos de desenvolvimento... é uma tarefa quedeve merecer especial atenção. Fixados esses polos, o governo Fe-

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deral concentrará seus investimentos neles e natural será esperarum maior afluxo de empresas privadas para a área. (BRASIL, 1967,p. 135-136).

Para o Nordeste, especificamente quanto à industrialização,as diretrizes básicas do PED foram no sentido de :

[...] melhoria do mecanismo dos incentivos fiscais, de modo a apri-morar os critérios de prioridade, a fim de evitar a criação de umaestrutura industrial artificial... e evitar que a política de incentivosfiscais e as despesas governamentais resultem em concentraçãoexcessiva de investimentos em determinados Estados... levando emconta que um dos problemas cruciais da região é a necessidade decriação de empregos, a política de incentivos deve ser executadano sentido de evitar a excessiva utilização de tecnologia intensivaem capital.... (BRASIL, 1967, p. 137)

Embora fosse esta a orientação oficial para a região, os meca-nismos existentes para todo o território nacional e a política globaldo governo voltavam-se para um sentido completamente distinto:concentração excessiva em determinadas áreas dos investimentospúblicos e privados, formação de um setor manufatureiro de carac-terísticas tecnológicas uniformes para todo o país e de alta densida-de em capital.

O IV Plano diretor da Sudene, para o período 1969-1973, ex-pressava uma visão semelhante ao PED, sintetizada na idéia de que“o crescimento econômico deve ocorrer simultaneamente com oprogresso social”. Não obstante, é nos efeitos da expansão da eco-nomia que situava ele a perspectiva da melhoria das condições so-ciais, apresentando pouca diferença nessa concepção relativamen-te aos planos anteriores. Em termos do diagnóstico sobre a região,o IV Plano diretor é quase uma repetição do GTDN, o que não deixa-va de estar em descompasso com toda a visão do período pós-revo-lucionário quanto ao Nordeste, em que se procurou demonstrarque o estudo de 1959 não tinha uma boa base de sustentação. Adespeito de sua “roupagem” nova, o IV Plano diretor não mudavamuito, em substância, os termos do desenvolvimento regional a serperseguido para o Nordeste e, quando muda, peca por ir contratoda a evidência dos fatos reais.

O principal descompasso dizia respeito exatamente à interpre-tação dada pelo plano aos objetivos básicos do governo federal paraa região. Segundo ele, um desses objetivos seria a

[...] obtenção de um ritmo de crescimento da economia que possi-bilite a continuidade do processo, a redução das disparidades inter-regionais e que tenha como característica principal, um maior grau

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de independência daquelas variáveis cujo comportamento escapeaos centros de decisão do sistema econômico regional. (BRASIL,1968).

O que foi visto no tópico anterior não autoriza tal linha de ra-ciocínio, vez que toda a política seguida pela União após 1964 sedirigia em sentido oposto, buscando controlar de forma centraliza-da as ações regionais e setoriais. Também uma ênfase maior na “ofer-ta de serviços de natureza social” conflitava com os recursos pre-vistos para as diversas áreas, com menos de 10% do total destina-dos a saneamento básico e pouco mais de 5% para educação, saúdee habitação.

No que concerne à indústria, o plano defendia a tese de que“cabe a este setor exercer a função de centro dinâmico da economiae constituir um ponto de apoio ao objetivo de obtenção de um cres-cimento autossustentado para o sistema” (BRASIL, 1968)

Esta posição, que estava de acordo com o objetivo nacionalquanto à primazia da indústria como motor do desenvolvimento,conflitava, no tocante ao modelo de crescimento proposto para oNordeste, já irreversivelmente alijado como política a ser seguidano âmbito do sistema de planejamento centralizado do executivo,mormente quando se propunha a “conferir maior grau de autono-mia ao desenvolvimento regional”. (BRASIL, 1968)

Há também uma posição “romântica”, bastante sintomática daseparação entre o processo de planejamento que se intentava aindarealizar regionalmente e o processo real de execução do planeja-mento nacional: a ênfase dada ao “aumento dos recursos vincula-dos aos órgãos de coordenação, no caso, a Sudene, contrariando atendência manifestada nos últimos anos”. ( BRASIL,1968) O “esva-ziamento” da autarquia é fato reconhecido pelo próprio plano, masnão reconhece que, sendo uma política sistematicamente seguida eexpressa com clareza no PED (do qual IV Plano diretor é apenas umdetalhamento regionalizado), isto não se dá por acaso e sim comofruto de uma deliberada concepção de planejamento. A programa-ção de recursos para o Nordeste, para o período 1969-1973, somados programas dos diversos órgãos que atuavam na região, evi-dencia que a própria execução do novo plano mantém a tendênciaantes assinalada, com a Sudene administrando apenas 11,6% dototal dos recursos.

O romantismo desta posição da Sudene é mais patente quan-do se sabe que, a partir de 1965, em que pese à queda persistente

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dos recursos da autarquia no total das despesas públicas previstaspelo governo federal na região, os incentivos fiscais derivados dadedução do imposto de renda foram estendidos a outras regiões(Amazônia, em 1965, Espírito Santo, em 1969) e setores (refloresta-mento e turismo, em 1966, e pesca, em 1967). Embora os incentivosa outras regiões tivessem um caráter não concorrencial com os des-tinados ao Nordeste, vez que o da Amazônia foi criado para permi-tir um mínimo de desenvolvimento em uma área ainda inexplorada,sem as condições infraestruturais nordestinas, e o do Espírito San-to restringiu-se aos dedutores do próprio Estado, tal não se deucom os incentivos setoriais que, sendo de âmbito nacional, corres-pondiam a uma drenagem real de recursos aplicáveis na região.Isto porque, tanto o Sudeste como o Sul, dispunham de melhores emais variados elementos que o Nordeste para atrair o empresariadoligado àqueles setores.

Ocorreu, em 1970, nova mutilação de recursos de incentivosfiscais à ordem da Sudene, com a dotação de 30% do total da capta-ção das deduções do imposto de renda destinadas ao Nordeste,Norte, pesca, reflorestamento e turismo para o Programa de integraçãonacional (PIN). Após o período aqui analisado (1964-1970), 20% da-queles recursos foram compulsoriamente transferidos para o Pro-grama de redistribuição de terras e de estímulos à agroindústria do Nortee do Nordeste (Proterra), com o que pelo menos 50% dos incentivosfiscais originalmente concedidos à região, para serem geridos pelainiciativa privada com a fiscalização e orientação da Sudene, deixa-ram de incluir-se na órbita decisória da entidade. É evidente que,existindo a Amazônia e os setores beneficiários dos incentivos (comuma parcela marginal dos recursos aplicados no Nordeste), opercentual efetivamente cabível de coordenação por parte da Sudenetendeu a decrescer ao longo dos anos, no mesmo diapasão dos re-cursos oficiais a ela destinados.

Dentro dessa ótica, não caberia, pois, as expectativas em senti-do contrário à perda de posição da Sudene expressas pelos IV Planodiretor. Sendo o PIN e o Proterra, ao menos em parte, programasque aplicariam recursos no Nordeste e em atividades ligadas aosetor dinâmico da sua economia ou a ele correlatas, mais se tornapatente que a estratégia regional passava ao largo de um papel maisefetivo da autarquia, nos termos em que foi concebido originalmen-te, uma vez que a ela não caberia administrar ou coordenar aquelesprogramas no âmbito do território sob a sua (teórica) tutela.

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Antes que, em 1970, o I Plano nacional de desenvolvimento (I PND)fosse colocado em execução, o documento Metas e bases para a açãodo governo, editado na vigência do IV Plano diretor, deixou claro quea estratégia seguida desde o II Plano diretor (sem a inclusão da re-forma agrária como elemento básico do desenvolvimento regional)mantinha-se como a ideal para o terceiro governo da revolução,com alguns ajustes, apoiando-se em dois pontos essenciais:

Continuação do programa acelerado de investimentos do governoFederal, por intermédio dos Ministérios com atividades destaca-das na área (Interior, Transporte, Minas e Energia, Educação, Saú-de)... e do programa de transferências da União para os Estados eMunicípios do Nordeste, pelo Fundo da Participação e Fundo Es-pecial...; Prosseguimento do programa de industrialização, quedeverá absorver a quase totalidade dos incentivos fiscais... Em co-laboração com a Sudene, já se está preparando a programação dofluxo de caixa para os próximos anos, a fim de assegurar-se plenoatendimento aos projetos prioritários para a indústria do Nordes-te. (BRASIL, 1970, p. 20)

Dentro do objetivo que o documento chamou “de política na-cional de desenvolvimento regional”, deu-se ênfase ao

[...] prosseguimento e consolidação dos programas de Ação Coor-denada da União, nas diferentes regiões e Estados, de modo a...permitir verdadeira ação integrada do Governo Federal, através dosdiferentes Ministérios, em praticamente todas as unidades da Fe-deração, mediante a aprovação de planos estaduais relacionadoscom a distribuição do Fundo de Participação e do Fundo Especial,evoluindo-se, gradativamente, para a articulação das decisões fe-derais e estaduais, de modo a completar-se o elenco de meios pelosquais se efetivará a política de desenvolvimento regional integra-do. (BRASIL, 1970, p.21)

Além dos significativos ajustes representados pela maior im-portância conferida às transferências da União, pela mais enfáticapresença dos vários ministérios no Nordeste (de forma direta e nãopor intermédio da Sudene) e pela explícita definição de asseguraros recursos indispensáveis aos projetos prioritários industriais nor-destinos que se inserissem na política global de maximização docrescimento econômico por via da racionalização das medidas plani-ficadoras e executoras, o documento Metas e bases dava uma outradimensão à questão do financiamento setorial, ao estabelecer a ne-cessidade do “fortalecimento dos principais mecanismos gerais deincentivos ao desenvolvimento local integrado, notadamente pelaconsolidação do sistema de bancos regionais de desenvolvimento,com repasse do BNDE, BNH, etc.”.

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Isto correspondeu, na prática e em articulação com a perda deimportância relativa do Nordeste na atração dos incentivos fiscais de-rivados de deduções do imposto de renda, a uma mudança funda-mental na política de industrialização nordestina, baseada em dois itens:a ampliação das formas de aplicação dos recursos do 34/18 dentro daprópria indústria e a maior presença dos órgãos financiadores de âm-bito nacional, por exemplo, o BNDE, como viabilizadores da execuçãode grandes projetos manufatureiros na região, substituindo em parteos montantes dos incentivos fiscais subtraídos por outras áreas e seto-res beneficiários. Em outras palavras, esta mudança correspondia, re-gionalmente, ao processo de transformação qualitativa implementadonacionalmente pelo Executivo a partir de um conjunto de subsídios aocapital privado, de amplo espectro, e de uma maior presença do Esta-do nas decisões relativas a programas e projetos de grande porte, dis-tribuídos pelo território brasileiro em função de fatores locais favorá-veis e da sua rentabilidade econômica, e não pelo seu impacto restritoàs áreas circundantes.

Entre 1964 e 1970, portanto, o Nordeste passou de um status deregião-problema dentro do Brasil, para outro, em que o seu cresci-mento econômico ocorria no mesmo quadro traçado para o conjun-to das demais regiões. Não que o Nordeste tivesse deixado de serum problema real, mas, aos olhos da planificação estatal, este pro-blema deveria ser equacionado de um modo integrado, em que aregião se desenvolvesse concomitantemente ao desenvolvimentodo país, sem tratamento preferencial que não tivesse sua contrapar-tida econômica para o projeto da “nação-potência”. Neste contex-to, a Sudene, pela sua história, pelas suas ligações com a ordemvigente no período anterior a 1964, pelas suas limitações, não po-deria evidentemente manter-se incólume, passando a desempenharum papel secundário nas decisões e na execução do planejamentonacional regionalizado até a sua definitiva extinção em 2001.

3.9.1 Inventário dos financiamentos empresariais da Sudene

A despeito das considerações precedentes, não se pode ignorar acontribuição da Sudene tanto na formação de quadros técnicos para aregião, na disseminação de modernos procedimentos tecnológicos eadministrativos no tecido empresarial, na formação de uma cultura deplanejamento e de desenvolvimento de projetos, quanto no financia-

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mento de investimentos empresariais no Nordeste brasileiro, atravésdos mecanismos de incentivos fiscais (34/18 e Finor).

Como demonstra a Tabela 25 seguinte, no período compre-endido entre 1959 e 1999, foram concluídos, na região, 2105 proje-tos, que mobilizaram investimentos totais no valor de R$ 42.835,79milhões. O apoio financeiro com recursos administrados pelaSudene totalizou R$ 12.283,00 milhões, tendo sido criados 453 646empregos diretos.129

A Bahia, graças aos megaprojetos da petroquímica, liderou ascaptações, respondendo por 37,57% das inversões e 29,02% dos re-cursos dos investimentos fiscais no período.

O valor médio regional dos investimentos, nestes 40 anos, si-tuou-se em torno de R$ 20,3 milhões e o custo da geração de umemprego em R$ 94,4 mil. Estes dados sofreram a influência dos pro-jetos intensivos de capital instalados na Bahia, o que não invalida aconstatação de que a Sudene, ao longo da sua existência, contem-plou as médias e grandes empresas, ao contrário do idealizado emsua concepção original nos tempos do GTDN.

O setor industrial absorveu, no período, 72,46% dos investi-mentos e 66,93% do financiamento com recursos da Sudene, sendoo responsável pela geração de 69,70% dos empregos diretos. O va-lor médio de um investimento industrial situou-se em torno de R$30,8 milhões contra R$ 6,0 milhões de um investimento no setorprimário (agroindustrial, agricultura, pecuária e pesca) que, no seuconjunto, respondeu apenas por 13,95% das inversões e 18,80% dosempregos diretos criados.

Em 2001, o governo Fernando Henrique Cardoso deu o tiro demisericórdia extinguindo a Sudene. Para substituí-la, anunciarama criação de uma agência que, instalada em 2008, já entrou em fun-cionamento, mas dificilmente deverá repetir o desempenho da an-tiga autarquia, constituindo-se no máximo em um fórum paralamentações das lideranças locais. Mesmo porque, os tempos e ascircunstâncias são completamente diferentes.

129 O número de empregos criados é bastante discutível, pois foram fornecidos com basenas informações contidas nos projetos que, de modo geral, superestimam estes dadospara ganhar pontos na análise dos seus aspectos sociais. Como não são comprovados naprática depois de implantados os empreendimentos, é certamente possível que existauma grande diferença entre o divulgado e o concretizado. Também é discutível a quan-tidade de empresas instaladas. Muitos projetos fecharam, faliram ou mesmo sequer con-cluíram suas implantações após aprovados. A história econômica do Nordeste careceainda de, um balanço isento da contribuição efetiva dos financiamentos concedidos pelosistema Sudene/BNB.

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O canto fúnebre em homenagem à Sudene está bem recitadonas palavras seguintes de Pedro Eugênio, na época deputado fede-ral e presidente da Frente Parlamentar pelo Desenvolvimento doNorte e Nordeste da Câmara dos Deputados.

A extinção da Sudene (Superintendência de Desenvolvimento doNordeste) encerra muitas lições que devemos incorporar hoje paramelhor agirmos. A primeira diz respeito ao processo de destruiçãodo Nordeste. Uma região, para ser digna deste nome, tem que ter,antes de tudo, uma identidade de pensamento. Seus moradoresdevem ter o sentimento de “cidadania regional”. Para isto, é neces-sário construir-se a “solidariedade dos que estão no mesmo bar-co”. Aquele sentimento de que, para progredirmos como gente, te-mos que, juntos, fazermos este espaço avançar, social, política eeconomicamente. E de uma forma que integre a todos que, nestaembarcação chamada Nordeste, fazem a travessia da vida. Este sen-timento, que existiu no passado, pelo menos em alguma extensão,tem se diluído cada vez mais. As antigas lutas sociais, anticolonialis-tas, abolicionistas, republicanas, antilatifundiárias, democratizantes,foram dando ao Nordeste o sentido de terra irredenta, libertária.Mas, as oligarquias dos sertões e das matas sempre dominaram odia-a-dia. Por outro lado, a urbanização nos colocou mais uma vezna vanguarda quando, em ampla frente, construímos avançada po-lítica de desenvolvimento regional, de que foi símbolo e instrumentoa Sudene. A industrialização dos anos 70 nos tornou contemporâ-neos da modernização conservadora que alavancou o desenvolvi-mento nacional. E o mito do desenvolvimento pelo desenvolvimentoou “fazer o bolo crescer para depois cortar as fatias”, caiu por terraquando o crescimento regional ainda nos manteve largamente apar-tados dos índices sociais e econômicos do centro dinâmico do país.Economia nacional mais integrada, o Nordeste entrou nas décadasperdidas sem um projeto próprio. Não se formou uma elite - nemdo lado do capital nem do trabalho - capaz de formular tal projeto.Nem a intelectualidade das universidades e centros de pesquisa edos movimentos culturais logrou fazê-lo. E como, a partir de seupróprio umbigo? O Nordeste integrou-se ao centro e ao mundo deforma fragmentária. Salvo algumas exceções, nossa riquíssima cul-tura permanece ilhada em seu próprio espaço de manifestação, semobjeto político a exaltar e enriquecer. Por isso deram um tiro fatalna Sudene, vendendo a mentira de que estava sendo substituídapor uma agência de desenvolvimento “mais enxuta e ágil”, quan-do verificamos que ela sequer está definida em suas funções e es-trutura. Tanto que dois absurdos aconteceram, na cara dos gover-nadores, prefeitos, parlamentares, empresários e povo em geral,como um deboche final a dizer: vocês estão mortos! O primeiro dizrespeito aos recursos que empresas idôneas receberiam da Sudenepara concluir seus projetos. As medidas provisórias do governofederal acabaram com os mecanismos de transferências, e mais deduas centenas, pelo menos, de empreendimentos, estão ameaça-dos; alguns já fecharam as portas. É quebra de contrato, calote. O

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segundo diz respeito às transferências dos funcionários da Sudenepara outros órgãos federais. Antes mesmo de um novo organogra-ma, antes que as medidas provisórias – que estamos contestandona Câmara Federal - sejam votadas; em pleno processo de negocia-ção que lideranças políticas da região tentam estabelecer com o Exe-cutivo Federal, o Governo Federal transfere centenas de servidorespara outros órgãos federais. Entre eles, doentes em tratamento, pes-soal em condições de aposentar-se, gente que solicitou até sertransferida para um órgão, e sem ser ouvida, foi para outro, dei-xando o órgão quase sem contabilistas e economistas. E, por fim,no velho estilo autoritário, tratou-se de transferir os líderes do mo-vimento que pedia a volta da Sudene, mas não como antes, e sim,sua volta com moralização e restauração em um novo modelo queas forças vivas da região e do país pudessem democraticamenteparir; tudo como forma suprema de incompetência ou de vontadepolítica de humilhar. Humilhar aos servidores? Não apenas. Se foipara humilhar, foi a todos nós, nordestinos. Para cuspir na cara dosgovernadores; para dizer aos parlamentares: vocês não têm forçapolítica! Para dizer aos nordestinos: o Nordeste acabou. E terá aca-bado, sim, se nossos interesses específicos, dos municípios, dos es-tados, dos pequenos e grandes negócios, da produção familiar e dacapitalista, dos trabalhadores e intelectuais, não couberem mais emum projeto regional unificador. Mesmo assim, a transição para umprojeto nacional teria que se dar em um contexto de respeito e dig-nidade. Não está havendo respeito, temo, por que também não háum projeto nacional. Neste sentido, o fim do Nordeste anuncia ofim do Brasil (EUGÊNIO, 2002).

Tabela 25 - Brasil: projetos de investimento empresarial concluí-dos pela Sudene - 1959-1999

Fonte: Sudene. Coordenação de Acompanhamento e AvaliaçãoNotas: (1 ) A tabela inclui 72 projetos que estão na condição de conclusão provisória. – (2 ) Qtd =número de projetos — (3 ) Preços de jul.1994. — (4 ) Área mineira de atuação da Sudene Notas:

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Figura 11 – Salvador de 1960: rampa do MercadoFonte: Pierre Verger (citado por FALCON, 2003, p.30)Nota: legenda de nossa autoria.

Tabela 26 - Brasil: projetos de investimento empresarial concluí-dos pela Sudene -1959-1999 (distribuição segundo os setores)

Fonte: Sudene. Coordenação de Acompanhamento e AvaliaçãoNotas: (1 ) Qtd = número de projetos – (2 ) Preços de jul.1994. Posição: 30 nov.1999.

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3.10ANTECEDENTES DO PLANEJAMENTO NA BAHIA

A Bahia foi o primeiro Estado brasileiro a desenvolver a ativi-dade de planejamento do seu desenvolvimento econômico.

Seguindo a tradição de José da Silva Lisboa, o Visconde de Cayru,que, no início do século XIX, editou os seus Princípios de economia polí-tica em que buscou difundir as idéias do clássico a Riqueza das nações,num esforço pouco feliz de compatibilizar o pensamento liberal deAdam Smith com a cultura vigente em uma economia escravagista, e,em 1925, de Francisco Marques de Góis Calmon, um sutil analista dasperspectivas econômicas da Bahia no período de 1808 a 1889130, des-pontou no Estado, nas décadas compreendidas entre 1930 e 1950, o“iluminismo baiano” com o surgimento de uma geração de estudiososdas questões econômicas que contribuiu de forma decisiva para a for-mação de um ambiente intelectualmente favorável à estruturação doplanejamento regional. Ressalte-se que, nessa época, também influen-ciou o processo de estruturação do planejamento o intercâmbio de ex-periências com diversas instituições científicas e técnicos estrangeiros,notadamente dos Estados Unidos da América.

No primeiro plano, destacaram-se personalidades como Rômulode Almeida, Ignácio Tosta Filho, Edgard Santos, Manoel Pinto deAguiar, Américo Barbosa de Oliveira, Miguel Calmon du Pin e AlmeidaSobrinho, Clemente Mariani, Luís de Aguiar da Costa Pinto e MiltonSantos, entre muitos outros que aqui fizeram escola, funcionando comomultiplicadores de idéias no Instituto de Economia e Finanças, na Fa-culdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal da Bahia, ena Associação Comercial da Bahia.131

No interior do Poder Executivo, a preocupação com o planeja-mento do desenvolvimento estadual teve início na década de 1930,na interventoria de Juracy Magalhães (1931/1935)132 que, com a co-laboração de Ignácio Tosta Filho, criou o Programa das autarquias, oqual instituía o sistema de defesa e fomento da produção agrícola

130 CALMON, Francisco Marques de Góis. Vida econômica – financeira da Bahia: elemen-tos para a história. ( 1808 a 1899). Salvador: Imprensa Oficial do Estado, 1925.

131 Para uma visão mais abrangente das equipes técnicas que contribuíram para o planeja-mento da Bahia, no período de 1950 a 1960 ver Souza e Assis (2006).

132 Como foi visto anteriormente neste estudo, Juracy Magalhães governou a Bahia durantea Revolução de 1930, no período compreendido entre 19 de setembro de 1931 e 10 denovembro de 1937, quando rompeu com Getúlio Vargas. Entre 1931 e 1935 permaneceucomo interventor. Entre 1935 e 1937 como governador, eleito que foi, indiretamente,pela Assembléia Legislativa do Estado da Bahia.

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supervisionado pelo Instituto Central de Fomento Econômico, cria-do em 1937 e que posteriormente seria transformado no Banco doEstado da Bahia (Baneb). Nesse período, também são criados o Ins-tituto de Cacau da Bahia (ICB) (1933), o Instituto Bahiano do Fumo(1935), a Cooperativa Central Instituto de Pecuária e, por particula-res, o Instituto de Economia e Finanças da Bahia (IEFB) (1935) queviria a ser o núcleo dinamizador do ensino de economia na Bahia.133

Em termos políticos, a Constituição Estadual de 1947, em seu Art.115, já previa a criação do Conselho Estadual de Economia e Finan-ças (CEE), o que ocorreu através da lei n. 155 de 31.12.1948, comamplas atribuições nas áreas de planejamento e de incentivos aodesenvolvimento. Entretanto, o CEE nunca foi instalado.

Em 1949, o governador Octávio Mangabeira mandava o eco-nomista Ignácio Tosta Filho elaborar um Plano de ação econômica parao Estado da Bahia,134 documento editado pela Imprensa Oficial, emtrês volumes, porém pouco conhecido e que, na prática, resultouna reestruturação do ICB e em um conjunto de recomendações paraobras de infraestrutura voltadas para a economia estadual, assimcomo o projeto de criação do Banco da Produção - que substituiriao Instituto Central de Fomento Econômico - sobre o qual se comen-ta na seção 3.12.7 seguinte.

Em depoimento sobre, Tosta Filho, dizia Rômulo Almeida:[...] criou um sistema de organização econômica regional, a partirdo Instituto do Cacau, em 1931. Depois fez o Instituto da Pecuária,que era uma cooperativa; e em 1937 consolidou isso tudo no Insti-tuto Central de Fomento Econômico, uma espécie de banco que,depois, se transformou no Banco de Fomento do Estado da Bahia,Banfeb e, em seguida, no Banco do Estado da Bahia, Baneb. O tra-balho que desenvolveu no Instituto do Cacau foi uma coisa impor-tantíssima, apesar de muito prejudicado pelas interferências e in-terrupções provocadas pela economia de guerra. Ele não fazia so-mente a defesa direta do cacau; organizava as informações sobre omercado e passava aos produtores; desenvolvia a experimentação

133 Pedrão (2000, p.7) informa que o Instituto de Economia e Finanças da Bahia era umasociedade civil criada em 1937 por um grupo de economistas baianos, que manteve umasede com uma biblioteca e uma revista, dirigida por Daniel Quintino da Cunha. Em1955, foi ativado por Rômulo Almeida, que o instalou, primeiro em dependências daEscola de Enfermagem da UFBA e depois ocupando o quarto andar do prédio da Facul-dade de Ciências Econômicas da UFBA. Entre 1955 e 1963, recebeu importantes contri-buições de Anibal Villela, John Friedmann e Armando Mendes. De 1960 a 1962, foi diri-gido por Manoel Pinto de Aguiar. Produziu quantiosa documentação de pesquisa, apoi-ando o ensino de economia. Suas operações ficaram praticamente encerradas em 1963.

134 Em um país sem memória este documento desapareceu, não sendo encontrado nas biblio-tecas baianas.

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agrícola; promovia a abertura de estradas; criou a Viação do Sul baíana,Sulba. Estava sempre procurando diversificar. Enfim, era um homemcom uma visão extraordinária, que tinha na cabeça os dados sobre osprodutos principais de exportação. Eu sempre lamentei que não setivesse gravado o que ele tinha de informação. Em 1952, o Tosta Filhohavia sido convidado para organizar a Comissão de Planejamento daDefesa Preventiva contra as Secas no Estado da Bahia e em 53, (quan-do Rômulo presidia a Comissão Incorporadora do Banco do Nordes-te) foi contratado, em conjunto com o Sóstenes de Miranda, umagrónomo que era seu colaborador, para fazer um estudo sobre o quese poderia chamar os orçamentos familiares no sertão nordestino - ouseja, qual era a renda real do sertanejo. Porque a renda mercantil erabaixa, e eu queria identificar isso. Em 1961 ele me substituiu na presi-dência da CPE, por pouco tempo, e depois foi para a Cacex.”(SOUZA;ASSIS, 2006 p.247).

Contudo, a primeira tentativa de planejamento econômico globale criação de um sistema estadual de planejamento teve início com aintegração dos esforços do IEFB, da Universidade Federal da Bahia eSecretaria da Fazenda do governo do Estado, sob a liderança de RômuloAlmeida, ainda no governo de Antônio Balbino. (1955-1959).

Em 27 de maio de 1955, o decreto n. 16.261 criava o Conselhode Desenvolvimento Econômico da Bahia (Condeb) e a Comissão

Figura 12 – Organograma do sistema das autarquias criado porTosta Filho na interventoria de Juracy Magalhães, durante o Esta-do Novo.Fonte: Boaventura e Muniz (1964, p. 2). Novo desenho do autor deste livro.

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de Planejamento Econômico da Bahia (CPE) que atuaria como suaSecretaria Executiva.

O primeiro documento produzido pela CPE foi uma exposi-ção de motivos que integrava um ofício do governador AntônioBalbino ao presidente Juscelino Kubitschek, expedido em 15 deagosto de 1956.135 Neste mesmo ano, esta exposição é editada pelaImprensa Oficial da Bahia, com o título Participação da Bahia na vidanacional.

No documento, o governador da Bahia analisa a “situação dedesequilíbrio em que encontram, em geral, as finanças dos esta-dos” e afirma que esta situação anômala representa uma verdadei-ra crise da Federação e poderá levar “[...] à demissão da própriaautonomia por parte de um grande número de estados”. Faz, ain-da, uma detalhada análise dos problemas vividos pela Bahia e osprejuízos a ela impostos pela política cambial do governo federal,concluindo nos seguintes termos:

Nestas condições, Senhor Presidente, o governo da Bahia solicita,formalmente, ao governo da República:

– que considere a imediata adoção da reforma cambial, de sorte a eli-minar o chamado confisco que grava os nossos produtos de exporta-ção em relação à taxa de câmbio prevalecente no mercado livre;

– que conceda, através dos órgãos financiadores federais – para apli-cação em obras e empreendimentos de interesse fundamental para aeconomia nacional na região – o financiamento a longo prazo de,pelo menos, dois bilhões de cruzeiros (Cr$ 2.000.000.000,00) (grifonosso). Esta cifra não chega nem mesmo à metade da diferença sofri-da pela economia regional o ano passado, em relação à renda queteria, se prevalecessem, para as exportações, as taxas livres de câm-bio; e é mesmo inferior à diferença de renda, só em 1956, se prevale-cesse a 4º. Categoria. O financiamento solicitado se enquadra no es-quema cambial vigente, de acordo com a reforma Aranha;

– que assegure, como um mecanismo automático, o financiamentoestacional por antecipação da receita, através do Banco do Brasil,no primeiro semestre, até uma importância correspondente a 15%da receita tributária prevista do Estado;

– que conceda o registro de financiamentos estrangeiros, nospróximos 3 anos, e os avais necessários para que se os efetivem,num montante de cerca de trinta milhões de dollares;

– que conceda câmbio para as importações de necessidade comprova-da para a administração estadual não financiáveis, bem como paramaterial de revenda, se concedido a qualquer outra entidade pública;

135 Nesta época as Pastas “Cor de Rosa” já haviam sido confeccionadas. Supõe-se tambémque os estudos para a elaboração do Plandeb estivessem em pleno curso.

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– que realize (o Governo Federal) – um programa mínimo no terri-tório bahiano, baseado em objetivos econômicos prioritários con-forme as indicações do anexo 19;

– que leve em conta nas decisões de política monetária (pagamen-tos de Tesouro, crédito e câmbio) as peculiaridades da economiaregional.

As medidas b e c serão em benefício direto do Estado, de suas enti-dades, ou de empreendimentos privados de fundamental impor-tância regional. (BALBINO, 1956, p. 17/18).

No anexo 19 da mensagem, é proposto um programa qüin-qüenal de investimentos para o período de 1956-1960, com a mobili-zação de CR$ 5,06 trilhões (grifo nosso). Tais investimentos con-templariam prioritariamente o setor de transportes e comunicaçõesque absorveria 41% dos recursos. O setor industrial, em conjuntocom o urbano, é contemplado com 11% dos recursos aí já incluída,àquela época, uma provisão de Cr$ 50 milhões para a construçãode um “Bairro Industrial”.136

A CPE surgiu com o objetivo de diagnosticar a economia baiana,conceber programas e projetos e institucionalizar o sistema de pla-nejamento estadual, tendo sido responsável pela elaboração do Pro-grama de Recuperação Econômica da Bahia entre dezembro de 1954e abril de 1955, e, posteriormente o Plano de desenvolvimento da Bahia(Plandeb), concluído em 1959. A CPE tem uma longa história naestrutura administrativa do Estado, como atesta a SEI (BAHIA, 2006,p. 6) em seu histórico:

A idéia de instituir um órgão responsável pela elaboração de estudose pesquisas que subsidiasse o planejamento governamental efetivou-se com a criação da Comissão de Planejamento Econômico (CPE)-peloDecreto n° 16.261 em maio de 1955–, dirigida inicialmente pelo econo-mista Rômulo Almeida. Como órgão de estudo, planejamento, coor-denação e controle, a CPE constituiu-se na primeira experiência

136 A Sudene foi criada por efeito indireto, mas incontestável, de carta enviada pelo governadorAntónio Balbino de Carvalho ao presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, em que ques-tionava o modelo centralizador do desenvolvimento da economia nacional. Preocupado,Juscelino criou uma Operação Nordeste, que pôs a cargo de Obregon de Carvalho. Esta deulugar à criação do Conselho de Desenvolvimento do Nordeste e este, por sua vez, à Sudene.Obregon de Carvalho foi cuidadosamente esquecido, assim como o fato de que toda essaoperação se fez com base no Banco do Nordeste, com os quadros técnicos criados por Rômulo.A partir daí, não seria somente um choque de vaidade e prestígio, com Celso Furtado procu-rando cavar-se um espaço no Nordeste, mas seria também um confronto de pontos de vistasobre o funcionamento do capitalismo na região. Rômulo defenderia um modelo de moder-nização da produção rural, com acesso direto dos produtores a informações de mercado ecom a criação de mecanismos de financiamento. Paralelamente, continuaria com seu esforçoprincipal em torno de um projeto de indústrias de base e infraestrutura (PEDRÃO apudSOUZA; ASSIS, 2006, p. 259).

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institucional de planejamento no Brasil, sendo responsável pela rea-lização de importantes estudos e projetos no Estado da Bahia. Em facedos bons resultados alcançados pela CPE, o Governo do Estado trans-formou-a em Fundação Comissão de Planejamento Econômico, dan-do-lhe, além de maior autonomia por meio do Decreto n° 17.260 dejaneiro de 1959, novas atribuições como a de “realizar estudos, pesqui-sas, projetos, análises e trabalhos” solicitados pelo Governo. Por contada reforma administrativa, em 1966 a CPE passa a se intitular Funda-ção de Planejamento (CPE). Nessa mesma data, é criado o Departa-mento Estadual de Estatística (DEE), com o encargo de realizar análi-ses econômicas. Em 1973, a instituição recebe o nome de Departamen-to de Geografia e Estatística (DGE), assumindo a função de realizarlevantamentos geográficos no Estado. No ano de 1975, é extinto o DGE,assumindo suas atribuições a Fundação Centro de Planejamento daBahia (CEPLAB). Simultaneamente, a Fundação de Planejamento (CPE)é nomeada Fundação de Pesquisas (CPE). Agregando novas atribui-ções, em 1979 a CPE passa a chamar-se Fundação Centro de Pesquisase Estudos (CPE), denominação que manteria até o ano de 1980, quan-do é extinta juntamente com o CEPLAB, sendo suas funções absorvi-das pelo recém criado Centro de Planejamento e Estudos (CPE). Noano de 1983, o Centro de Planejamento e Estudos é nomeado Centrode Estatísticas e Informações (CEI), criando-se, em paralelo, o Centrode Projetos e Estudos (CENPES), transformado em 1997 na FundaçãoCentro de Projetos e Estudos (CPE). Em 04 de maio de 1995, por forçado Decreto n° 4.177 ocorre a fusão entre a Fundação Centro de Proje-tos e Estudos (CPE) e a autarquia Centro de Estatísticas e Informações(CEI), instituindo-se, então, a Superintendência de Estudos Econô-micos e Sociais da Bahia (SEl), que se constitui, atualmente, no prin-cipal provedor de dados do Estado (grifos nossos).

Em 1961, já no governo de Juracy Magalhães, foi criado o Con-selho de Desenvolvimento Industrial (CDI), com o objetivo de es-tudar e aplicar incentivos fiscais e estaduais à indústria.

O planejamento na Bahia foi sempre de natureza indicativa. OPlandeb, por exemplo, não foi aprovado pela Assembléia Legislativae enfrentou reações contrárias dentro da própria equipe do gover-no Juracy Magalhães (1959-1963). As causas desta rejeição decorre-ram da resistência da classe política do Estado, bastante atrasada àépoca, e ao predomínio de uma velha (e já comentada nos capítulosanteriores deste livro) estrutura de poder oligárquica, patrimo-nialista e clientelista, que via no planejamento uma séria ameaça delimitação da sua autoridade e poder137.

137 Jamais poderia um sistema político baseado no poder dos seus “caciques” de realizarobras em suas bases eleitorais mediante emendas apresentadas ao orçamento do Estado,abrir mão deste poder para uma normalização dos investimentos que não atendessemaos seus interesses paroquiais. Aliás, a péssima qualidade técnica da classe política baiana,para falar só deste aspecto, historicamente se constituiu um sério obstáculo ao desenvol-vimento do Estado.

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Apesar disto, muitas das indicações do Plandeb foram gradativa-mente implementadas na Bahia até o final da década de 1980, à medi-da que a sociedade local se modernizava e sempre que existia o respal-do coincidente de programas e projetos do governo federal e/ou cor-respondência com os interesses do capitalismo nacional e internacional.

É interessante observar que o Plandeb foi elaborado quase namesma época em que a equipe coordenada por Celso Furtado desen-volvia o relatório do GTDN para o Nordeste. Embora contemporâneos,esses planos são, contudo, fundamentalmente diferentes na essênciade suas estratégias industriais. Enquanto o GTDN propunha um mo-delo autônomo, visando a repetir, no Nordeste, o desenvolvimentocapitalista do Sudeste, o Plandeb refletindo a experiência adquiridapela equipe que o concebeu, em trabalhos anteriormente realizadospara o governo federal138, propunha um modelo de integração ao de-senvolvimento do próprio Sudeste, como caminho para chegar-se aodesenvolvimento sustentavel da Bahia.

Os desdobramentos de cada um dos planos, no que toca à natu-reza das empresas por eles engendradas, eram, naturalmente, tam-bém diferentes. Enquanto o GTDN objetivava um processo regionalde substituição de importações, o Plandeb, a despeito de constituirum plano bem articulado e que objetivava o desenvolvimento daBahia em todos os setores, contemplando a adoção de programas eprojetos integrados para a agricultura, indústria e comércio, além dainfraestrutura física e urbano-social do Estado, adotava como estra-tégia de alavancagem do desenvolvimento local a promoção da gran-de empresa dedicada à produção dos bens intermediários, visandoaos mercados da região Sudeste. A adoção dessa estratégia de“desconcentração concentrada” fez com que a Bahia se transformas-se, ao longo do tempo, numa grande produtora de intermediáriossem conseguir desenvolver, como foi imaginado no Plandeb, umparque de transformação de produtos finais que promovesse um efei-to linkage e internalizasse convenientemente a industrialização emseu território. De exportadora de commodities agrícolas, a Bahia pas-sou à condição de exportadora de commodities industriais.

Por seu turno, a estratégia do GTDN, descolada da dinâmicado capitalismo nacional, também não prosperou, conforme anterior-mente demonstrado.

138 Rômulo Almeida, por exemplo, havia sido chefe da Assessoria Econômica da Presidên-cia da República no segundo governo de Getúlio Vargas.

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A industrialização baiana decorrente da estratégia de “descon-centração concentrada” seguiu, naturalmente, um processo inver-so ao desenvolvido no Sudeste do país. Naquela região, em funçãoda lógica do processo de desenvolvimento capitalista nacional, aindustrialização ocorria através do incentivo à produção de bensde consumo, especialmente os duráveis, o que era impossível numaregião pobre como a do Nordeste cujo mercado interno, per se, nãoassegurava consumo que viabilizasse escala competitiva às empre-sas produtoras de bens finais que ali se instalassem. A Bahia vive,então, a industrialização basicamente a partir de suas matérias-pri-mas, que são transformadas em bens intermediários, em função dademanda do próprio Sudeste.

Na medida em que a nova industrialização voltava-se paraatender às demandas do mercado do Sudeste, implantar-se-ia, tam-bém, toda uma infraestrutura de transportes, interligando a Bahiae o Nordeste àquela região, o que já se preconizava no contexto doplanejamento estadual, objetivando o escoamento da produção e,também, a interiorização do desenvolvimento com a ocupação dosgrandes espaços vazios e a ampliação do mercado local. Só que asligações viárias no sentido leste-oeste do Estado não ocorreram coma eficácia devida e a estratégia seguida pelo governo federalpriorizou a abertura dos grandes estirões rodoviários somente nosentido sul-nordeste (primeiro a BR-116139 e, depois, a BR-101140), oque, fatalmente, traria novas condições concorrenciais para as em-presas tradicionais nordestinas, desarticulando suas bases e abrin-do caminho para a penetração, em seus mercados, de unidades maiscompetitivas, tecnologicamente modernas e melhor administradas,oriundas do Sudeste ou do exterior.

As propostas do Plandeb não foram assimiladas no planeja-mento da Sudene. Celso Furtado considerava que, se assim o fizes-se, estaria criando problemas com os demais estados da região, bas-tante atrasados em relação a Bahia.

Duvidando do modelo concentrador do plano de metas, o Plandebconsiderava a possibilidade de articulação entre a reestruturaçãoagrícola e um parque industrial. Do mesmo modo em que conside-rava o maior potencial para geração de empregos no desenvolvi-

139 Construída em 1950, a BR116, Rio-Bahia foi asfaltada, com parte inaugurada em 1960 etotalmente asfaltada em 1961. (Cf. www.bahia3000.hpg.ig.com.br/comunicacoes/comunicaçoes.htm. Acesso em: 16 mar. 2009).

140 Construída em 1974 (SPINOLA, 2003).

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mento da agricultura, o plano baiano destacava, reversivelmente,o papel das indústrias como absorvedoras de mão-de-obra exce-dente do campo e como mercado para os produtos agrícolas. In-dústria e agricultura se integrariam na periferia do sistema. As metasdo Plandeb compreendiam a criação de um sistema que ampliasseao máximo as possibilidades de fixação de capital endógeno,potencializando não somente as possibilidades de emprego, mastambém a qualidade do emprego, através da produção de artigosde consumo básicos que aliviassem a pressão do déficit do comér-cio interno. Esse processo elevaria a renda per capita que represen-tava, em 1957, 47% da renda per capita nacional. Neste sentido, aestratégia baiana de desenvolvimento divergia essencialmente doplano federal, claramente dita no próprio Plandeb e em entrevistasde Almeida: “A Bahia ficou relegada para outra época, seja pelascondições políticas já ultrapassadas, seja pela duvidosa doutrina deconcentrar todos os recursos nacionais no suposto centro dinâmicodo país, a fim de que daí se possa irradiar mais tarde o progressopara o resto do Brasil.” “Pensar a substituição de importação emnível regional. Não podia. O erro da Sudene foi pensar nos projetosna escala do mercado regional.” ”Além disso, escaramuças pessoaisentre Almeida e Furtado terminaram por reforçar o próprio con-texto de divergência de projetos: “Acho que a chance que aindahouve foi de uma aliança entre Rômulo e Celso Furtado, só que nocomeço os dois brigaram porque, na verdade, Rômulo esperava serindicado pra Sudene. Então, houve uma queda-de-braço entre osdois e até a Bahia se compor com Celso passou algum tempo, e temmuita história debaixo da mesa que não vai se falar... Quer dizer,eu próprio, o grupo do planejamento baiano, me dava com dificul-dade com o pessoal da Sudene, até com meus amigos. Até hoje souamigo do Chico de Oliveira. Ele veio pra cá. Antes tinha sido meucolega. Veio pra cá no escritório da Sudene e eram posições dife-rentes. (SANTANA apud SOUZA; ASSIS, 2006 p.269)

Pode-se dizer que, entre a concepção e a viabilização, o plane-jamento na Bahia, em que pese ao idealismo dos seus formuladores,sempre foi pragmático. Os planejadores baianos buscaram sintoni-zar-se com as tendências da política econômica do governo federal eelegeram as oportunidades possíveis de exploração dos recursos dis-poníveis, no contexto da expansão do capitalismo nacional e interna-cional. Parece que os planejadores baianos acreditavam sinceramen-te nos efeitos geradores de emprego das grandes empresas produto-ras de intermediários, o que produziria a decolagem das indústriastransformadoras de bens finais, além de efeitos modernizadores e deintegração com a base agrícola estadual, o que, de fato, não ocorreu,pelo menos na dimensão esperada. Em muitos casos, notadamenteapós 1964, o planejamento baiano limitou-se a potencializar, em ter-mos estaduais, planos e programas decorrentes de decisões federais.

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Para isto, foi decisiva a capacidade de articulação e negociação daslideranças políticas do Estado, nos escalões decisórios do país o quecontribuiu para gerar uma economia de renda altamente concentra-da e bastante desigual em sua distribuição espacial.

3.11 AS PASTAS COR DE ROSA

Historicamente, o Plandeb foi precedido por um conjunto deestudos enfeixados sob o título Situação e problemas da Bahia – 1955:recomendações de medidas ao governo, os quais foram popularizadospelo jornal A Tarde como As pastas cor de rosa. Contam-se duas ver-sões a respeito desse estranho apelido. A primeira, segundo o pró-prio Rômulo: “[...] como essas pastas tinham capas cor-de-rosa, ojornal A Tarde, que era muito contra o Balbino, aproveitou e fezuma notinha assim: “Recebemos três pastas cor-de-rosa, e deu umachacoalhada no negócio” (ALMEIDA apud SOUZA; ASSIS, 2006,p.225). A segunda versão, mais irreverente, conta que o jornal A Tar-de, não assimilando a derrota do seu candidato ao governo do Esta-do (Pedro Calmon, irmão do redator-chefe do jornal, Jorge Calmon),movia intenso combate a Antonio Balbino. Mas A Tarde representa-va também as forças reacionárias e conservadoras de direita no Esta-do e via no projeto de Rômulo tendências fortemente esquerdizantes,com a intervenção do Estado na economia através do planejamento(uma técnica que contrariava todo o paradigma liberal vigente e ain-da mais implantado pelo regime dito comunista na União Soviética)das sociedades de economia mista propostas e defendidas pelo en-tão Secretário da Fazenda de Antonio Balbino, um homem que foravinculado a Getúlio Vargas141 que, pelo seu populismo e nacionalis-mo, atraiu contra si todo o ódio da direita brasileira.

Sob a coordenação de Rômulo Almeida, as pastas “cor de rosa”constituíram um conjunto de estudos inéditos sobre a economiabaiana elaborado entre 1954 e 1955. Modernamente, dir-se-ía, fo-ram os termos de referência do Plandeb. Em 1982, Rômulo Almeida,redigiu o seguinte prefácio para o documento142:

141 Fala-se que A Tarde alcunhava Rômulo Almeida de “Rômulo melancia”, ou seja: verdepor fora, mas vermelho por dentro. Nesta época vivia-se intensamente a “guerra fria”quando eram exacerbados os debates e disputas entre a direita e a esquerda.

142 As Pastas cor de rosa se encontram arquivadas como “relíquia” na Biblioteca da Superin-tendência de Estatística e Informações (SEI), organismo do sistema de planejamento dogoverno do Estado da Bahia. O governo baiano nunca se lembrou de publicá-las.

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A apresentação da edição original mimeografada, datada de abril de1955, já conta como nasceu esse mutirão que teve como cenário a Escola deEnfermagem da Universidade Federal da Bahia, a partir, ainda, de novem-bro de 1954, quando estava claro o resultado (ainda não completo e oficial)do pleito para Governador. Aceitei acrescentar notas ali não contidas ouque explicassem referências da época, hoje só inteligíveis para os leitoresversados na história. Algo também se ajusta no sentido de enquadrar asproposições contidas nas “Pastas Cor de Rosa” ao processo histórico: o queveio antes, o que acontecia alhures, o que veio depois. As linhas deste pró-logo se completam com diversas notas esparsas ao longo do volume. O quese pretendia? Creio que o Governador Balbino deve dar seu depoimentotambém. Recebi seu convite convencido de estar ele convencido do impera-tivo de abrir novos rumos para o Estado e de ser capaz de ir substituindoas velhas bases patriarcais de sustentação política por uma organização emobilização das forças sociais e uma conscientização das elites políticasem torno de objetivos de desenvolvimento. Um transito do velho binômio;coronelismo e clientelísmo para uma política ideológica e de massas. Haviapressa, pois as mudanças seriam lentas e o mandato curto. Era precisoacabar o período governamental com êxito popular. Dessa forma, haviaque aproveitar os poucos meses anteriores à posse para um levantamentodas informações e da problemática, bem como para a formulação de pro-postas preliminares. Algumas destas, pelo fundamento que· tivessee pelo consenso que alcançassem, poderiam ser já diretrizes paraa ação imediata do Governo, ou para evitar rumos duvidosos. Ou-tras seriam hipóteses de trabalho para o sistema de planejamentoe implantar, inclusive a própria concepção deste (grifo nosso). Nãodiscutiremos aqui a questão do realismo e da eficácia do rumo: se ele estavacerto e era viável, se houve hesitações e inabilidades no seu percurso, oupressões incontornáveis de uma realidade política inadvertida, se a derro-ta eleitoral, em 1958, foi influenciada pela tentativa de forçar a mudançaou, ao contrário, pelo enfraquecimento da nova linha política. Os traba-lhos ora publicados eram em preliminar levantamento do “esta-do das artes”, no variado campo da problemática baiana, um exer-cício coletivo de aportar e confluir informações e idéias, uma pri-meira tentativa de coordená-las num sistema (grifo nosso). Afinal,havia a intenção de fazer desse trabalho de grupo a introdução de um es-forço sistemático e de um hábito permanente de planejamento, um elemen-to de divulgação entre as lideranças sociais, e não só internamente na novaequipe governamental, para que provocasse o debate a uma atitude de par-ticipação. Este ponto deve ser frisado: a orientação para que o trabalho de

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planejamento não fosse nem um instrumento centralizador nem muitomenos um privilégio de elites técnicas e políticas. Ele deveria ser realizadocom a participação de todos os níveis da administração e de todos os seto-res e classes sociais. Foi esta uma diretriz implantada pela CPE durantesua primeira fase, a qual veio já da “pré-história” desta instituição, o perí-odo inteiramente informal do trabalho na Escola de Enfermagem,consubstanciado nas três “Pastas Cor de Rosa”. Esta denominação seconsagrou com a nota que a sociedade tradicional, através de umjornal representativo, recebeu o trabalho, destilando em ironia oseu derrotismo (grifo nosso). Desde a sua elaboração preliminar, a idéiaera de trazer todas as contribuições válidas as da técnica, as do saber, e asda experiência - ao debate. Três contribuições relevantes não foram possí-veis, em razão de não estarem as pessoas disponíveis: as de Tosta Filho, deClemente Mariani e de Pinto de Aguiar. Entretanto, conforme se vê nasindicações da Apresentação original, do texto e do sumário, foi possível acontribuição de muitos143, inclusive para realizar trabalhos de naturezainédita no País, como a tentativa de um balanço de pagamento estadual.Significativamente, nenhuma remuneração foi paga. Os únicos desembol-sos foram feitos pela Universidade para passagens e hospedagem, quandoos órgãos federais não tinham recursos para custear despesas de funcioná-rios seus mobilizados. Essa participação não se impunha apenas pela faltade meios materiais e pelos limitados quadros e escassas informações en-contradas na Bahia: realizava-se, também, pela facilidade que encontráva-mos na administração federal, apesar de divergência política com o presi-dente Café Filho e o Ministro Gudin, e também pela convicção da duplanecessidade de colocar a Bahia nas cogitações da administração federal eassegurar, nos programas desta, corretas prioridades para suas atividadesno território baiano, em coordenação com os esforços do Governo do Esta-do. Em síntese, a idéia era de um planejamento inter-administrativo inte-

143 Rômulo Almeida – Coordenador; Américo Barbosa de Oliveira – BNB; Antonio SchimidtMendes; Aristeu Barreto de Almeida - BNB/ETENE; Arthur Levy – Petrobras; CarlosBarbosa de Souza - Ministério da Agricultura; Chistian Bomskon - Técnica Dinamarque-sa e Industrial no Paraná; Domar Campos – SUMOC – Superintendência da Moeda e doCrédito Fábio Bastos – BNDE; Gerson Augusto da Silva - E. Bras. Adm. Pub. - FGV; IvoFreire d’Aguiar - Técnica em Laticínios - Vitória da Conquista; Jaime Santa Rosa - Insti-tuto Nacional de Tecnologia MTIC João Marcelo da Silva - Departamento da ProduçãoVegetal da Secretaria da Agricultura Indústria e Comércio; José de Nazaré Teixeira Dias- E. Bras. Adm. Pub. FGV; Lawrence L. Barber - E. Bras. Adm. Pub. – FGV; Luiz C. deDanin Lôbo - E. Bras. Adm. Publ. FGV; Mader Gonçalves - Comandante - Ministério daMarinha; Mário Padre - Pecuarista e Industrial – Itabuna; Nonato Martins - InstitutoAgronômico do Leste; Renato Martins - Ministério da Agricultura; Sidney Lattini –SUMOC; T. Pompeu Accioly Borges – BNB; Wilson de Salles Leão - Zootecnista.(PASTASCOR DE ROSA,1955 fl.5).

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grado, sob liderança efetiva do Governo do Estado, com seu órgão de pla-nejamento participativo, à frente da sociedade baiana. Os conflitos previs-tos com os interesses do clientelismo político supunham-se, seriam supe-rados por projetos em que a dispersão não prejudicasse a eficiência, pelaconvocação de patronos políticos para projetos locais surgidos do planeja-mento, e, sobretudo, pela adaptação dos políticos a mudança num sentidoideológico e programático. Algumas colaborações de técnicos de entidadesfederais se estenderam por todo o período, tal o caso do Engenheiro Agrô-nomo Renato Martins, do Ministério da Agricultura. Pela extensão e pro-fundidade dos trabalhos, é possível avaliar o grande engajamento. Muitostécnicos eram baianos ou ligados a nós por atividades anteriores na áreafederal. Quanto ao pessoal sediado na Bahia, as possibilidades eram meno-res, pela falta de estruturas e deficiências de informações. Numerosas reu-niões foram realizadas na Escola de Enfermagem, bem como no Rio. Ostrabalhos se cristalizaram em contribuições pessoais firmadas, ou em no-tas dos debates que a equipe registrava e que iam sendo redigidas e inte-gradas ao conjunto, conforme o plano indicado no sumário. Poucas contri-buições prometidas falharam, e destas, algumas foram posteriormente re-colhidas pela CPE já implantada. O texto não podia chegar a ser maduro eperfeitamente integrado, nem era isso possível, no tempo de trabalho par-cial da turma para cobrir toda a gama de assuntos, coordenar toda a maté-ria e integrá-la numa redação final unificada. Assim, além de serem preli-minares por sua natureza, os trabalhos colecionados se apresentaram emgraus diferentes de elaboração: redação semifinal em alguns casos, geral-mente ordenados numericamente e com guias na margem, e matérias ain-da em fase mais preliminar, sob a forma de esquemas. As contribuiçõesfirmadas foram incluídas como “anexos” às vezes de textos que não chega-ram a ser feitos. No que se refere à equipe, não foi possível conseguir que osvários setores ou entidades federais relevantes indicassem representantespermanentes, pela impossibilidade dos indicados se deslocarem, ou outrarazão. As reuniões eram feitas com o pessoal que estivesse na Bahia. Dadaa escassez de pessoal, o chefe da equipe teve que desdobrar-se na mobilizaçãoe articulação das colaborações, que exigiu viagens, no planejamento dotrabalho e coordenação das matérias e na própria redação ou revisão, paraassegurar unidade. É mais uma razão de atribuir-se caráter preliminar,provocativo, à matéria exposta. Estas reuniões contaram com participaçãofreqüente do Governador eleito, Antônio Balbino e, ocasionalmente, doReitor, Professor Edgard Santos. A situação da administração estadual,naquele momento, era de extrema carência de informação organizada, sal-vo o trabalho regular do DGE, integrado ao sistema IBGE. Havia, tam-

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bém, alguns funcionários razoavelmente informados em termos pessoais,cuja experiência foi ouvida, salvo casos de inibição política. O esquema detrabalho realizado provavelmente não tinha precedentes no Brasil, nem aconcepção de uma organização de planejamento como a proposta nas “Pas-tas”. Pelo que esteve em nosso conhecimento, havia dois esforços relevan-tes ao nível estadual: em Pernambuco, o Conselho de Desenvolvimento dePernambuco, CONDEPE, que reunia comissões e grupos, tendo um se-cretário permanente, já havendo obtido da equipe do já famoso Padre Lebretum estudo muito sugestivo, referido neste volume. O outro era da CEMIG,em Minas, que recém iniciara estudos sobre como promover o mercado deenergia elétrica, mas com visão global da economia mineira. (Foi a CEMIG,assim, a semente do sistema de planejamento e promoção do de-senvolvimento que se implantou em Minas Gerais depois do sis-tema baiano, havendo inc1usive se beneficiado do estudo de nos-sa experiência, mas com o mérito de se haver consolidado com acontinuidade no mais eficaz sistema estadual do País) (grifo nos-so). Na Bahia, além da referência da Apresentação a uma tentativa have-ria que referir ainda um idéia conjunta do Engenheiro Helenauro Sampaioe minha, no Governo tampão em que aquele era Secretário de Viação eObras Públicas (1945-46?), e que resultou apenas num esquema de umsistema de planejamento. Afora isso, foi realmente importante, comoconcepção estrutural e como prática, o esforço persistente coman-dado por Tosta Filho para estabelecer o “sistema de organizaçãoeconômica da Bahia”, iniciado com o Instituto de Cacau, em 1931,depois continuado com a implantação do Instituto baíano deFumo, da Cooperativa Instituto de Pecuária da Bahia e, afinal, em1937, do Instituto Central de Fomento Econômico da Bahia, ma-triz do atual BANEB (grifo nosso). A seqüência projetada do trabalhona Escola de Enfermagem se cumpriu polarizadamente: no Estado, o esta-belecimento da Comissão de Planejamento Econômico na Universidade, aincorporação do Instituto de Economia e Finanças da Bahia e suadinamização, constituindo ambos um sistema integrado e participativo,do qual brotou depois o FUNDAGRO, Fundo de DesenvolvimentoAgroindustrial, com seu sistema de empresas. O sistema se caracterizoupelo caráter participativo e mobilizador da sociedade, pela atividademultidisciplinar integrada, pelo planejamento como função continua, fle-xível e progressiva, pela coordenação entre atividades estaduais e federais,e outros aspectos que apresentaram feição pioneira na experiência de pla-nejamento. Quanto as organizações básicas, já previstas nas “Pastas Corde Rosa”, a CPE teria o papel de coordenar o planejamento e a ação pioneira

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do Estado e o relacionamento com os órgãos federais, contando com Departa-mento de Planejamento e de Projetos e um sistema subsidiário nas secretariase em diversos setores sociais. Na universidade, o “centro de estudos econômi-cos e administrativos” a que se referia o texto, iniciado efetivamente com ostrabalhos ad hoc na Escola de Enfermagem, voltar-se-ia para os estudos bási-cos. Este esquema antecipa o sistema estabelecido depois na SEPLAN, com acriação do IPEA, com a vantagem, para o caso regional, de estar o instituto deestudos entrosado no trabalho de pesquisa e ensino da Universidade. Quantoà temática, devem ser ressaltados alguns trações que distinguiram o esforçobaiano: a preocupação com a engenharia institucional, que fez dela uma refor-ma administrativa efetiva; a atenção especial a um sistema de promoção e fi-nanciamento; o papel decisivo do Estado, apesar da limitação dos meios, numesforço de mobilização da iniciativa privada; a despreocupação com a novidadetécnica e o prestigio acadêmico que trariam métodos sofisticados, porém ima-turos e para os quais as informações eram insuficientes, como o uso de modeloseconométricos; o treinamento no processo dos executores, além dos planejadores;a atenção aos problemas de conjuntura e flutuações; a subordinação dos inte-resses fiscais a objetivos econômicos e sociais; a ligação entre agricultura eabastecimento, numa visão econômico-social dinâmica; a prioridade para aconcentração de esforços nos pontos ou áreas germinativos, dai a prioridadepara a região cacaueira e sua integração com o Recôncavo; o tratamento inte-grado dos problemas de habitação, urbanização e desenvolvimento; o relacio-namento dos projetos de transporte. aos objetivos de produção e não apenas àintegração territorial; a atenção ao problema das comunicações, que não tinhaprestigio naquele tempo. E, se bem as “Pastas Cor de Rosa” não chegassem aidentificar as possibilidades diferenciais da Bahia e Pernambuco para a indús-tria, como o fez depois a CPE, registrou o diagnóstico do principal fator econô-mico da crise do Nordeste, o qual afetava particularmente a Bahia osdesequilíbrios contra a região, nos fluxos triangulares Nordeste-Exterior-CentroSul do Brasil. (ALMEIDA, 1982).

As Pastas cor de rosa são compostas por nove capítulos e um apên-dice em que são estabelecidas as diretrizes que viriam posteriormentea ser adotadas pelo Plandeb. Nestes capítulos, abordam questões rela-tivas ao planejamento e às condições gerais de desenvolvimento e apre-sentam trabalhos inéditos à época sobre as condições para que se ace-lere o desenvolvimento econômico da Bahia (Américo Barbosa de Oli-veira do BNDE, posterior criador da Usina Siderúrgica da Bahia(Usiba)); um estudo comparativo da renda na Bahia, no ano de 1950,que se inicia com o questionamento: por que a renda per capita da Bahia

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está tão abaixo da mesma renda para o Brasil? (Aristeu Barreto deAlmeida); o primeiro balanço de pagamentos do Estado, para o perío-do de 1951-1954 que viria a fornecer bases concretas para a tese dedescapitalização da Bahia em benefício de outras regiões, notadamentea Sudeste144 (um estudo elaborado por Domar Campos e aprovadopor Sydney Alberto Lattini, do Departamento Econômico da Sumoc);e um estudo sobre as migrações internas no Brasil e no Estado da Bahiapor Pompeu Accioly Borges do BNB.

As Pastas contemplam também trabalhos nos grandes setoresrelacionados com os transportes e comunicações, energia, agricul-tura e abastecimento (o mais extenso e abrangente) indústria (deque se desdobram várias delas, desde a indústria química até o ar-tesanato, as indústrias domésticas e o turismo), finanças, adminis-tração pública e a pesquisa.

O documento apresenta uma imperdoável lacuna, não abrin-do capítulos específicos para as áreas de saneamento, saúde e edu-cação, o que viria posteriormente a ser corrigido no Plandeb.

Figura 13 – Hidrelétrica de Paulo Afonso, alavanca do crescimen-to industrial da Bahia.Fonte: Arquivo do Desenbahia (citado por FALCON, 2003, p.36).Nota: legenda de nossa autoria.

144 Na época só se falava Centro-Sul.

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As diretrizes gerais do estudo para o planejamento do desen-volvimento do Estado da Bahia, são transcritas na íntegra a seguir.I. Prosseguir o Estado o planejamento, ou promovê-lo com a elabora-

ção da União e de missões de assistência técnica, e através dele pro-mover a coordenação dos esforços das três esferas oficiais e da inici-ativa privada (um planejamento mais acurado da ação futura é emsi mesmo, uma obra de governo).

II. Organizar-se o Estado, administrativa e financeiramente, para quesejam mais eficientes os seus dispêndios e, assim, sua participação noprocesso do desenvolvimento. Ampliar e organizar o seu esforço deinvestimento, orientando-o para os pontos chave, reduzindo relativa-mente as despesas ordinárias de custeio adotando um orçamento quedistinga custeio e investimento, relacionado com as flutuações das fi-nanças do Estado e um sistema de controle técnico-econômico tanto daeficiência dos dispêndios, quanto da arrecadação. Criação do Banco doEstado e de um Fundo Especial de Investimentos.

III. Ajustar ou aperfeiçoar o Estado suas leis e instituições, no sentidode estimular iniciativas e aplicações de capitais particulares:a) leis e atitudes fiscais e administrativas;b) ensino ajustado às necessidades da produção;c) pesquisas de recursos, mercados e tecnologia (o planejamento,

de que este documento é um relatório preliminar, constitui umpasso neste sentido);

d) informações e assistência direta;e) seleção e orientação dos programas não diretamente econômi-

cos, tendo em vista o desenvolvimentoIV. Organizar a colaboração técnica e financeira com os municípios e

com entidades privadas, visando mobilizar e coordenar recursos parao plano geral do desenvolvimento, devendo, quando necessárioà realização deste, suprir, parcial ou totalmente, as defici-ências da iniciativa particular ou pública local. Princípio fun-damental para esta colaboração, além de sua necessidade ou altaconveniência econômica é apoiar o esforço próprio dos interessadosdiretos. Princípio negativo é autorizar os recursos do auxílio esta-dual para atender ao maior número, impossibilitando o Estado deatacar os pontos de maior poder de germinação.Os itens II e VI levarão a realizar o máximo sem dependência diretado orçamento comum do Estado, mobilizando, o quanto possível, oesforço financeiro e a responsabilidade administrativa local ou indi-retamente interessada.

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V. Ao tempo em que instala um mecanismo de assistência geral, volta-do para todo o Estado e para todas as atividades procurando “aju-dar a quem se ajuda”, dentro de programas prioritários (mecanis-mo de coordenação dos recursos públicos locais e particulares, nosentido do plano), deve o Estado concentrar o máximo de re-cursos em empreendimentos e atividades e em locais oulinhas geográficas, que resultem em maior produtividadepara a economia conjunta do Estado (e assim propiciem maiscedo a produção de recursos para maior assistência direta aoutras áreas ou pontos). É o princípio da concentração derecursos em pontos seletivos, estratégicos, mais fecundosou germinativos, ou de maior produtividade marginal, doponto de vista social, cuja adoção é indispensável a um pro-grama de desenvolvimento. No sentido desta diretriz, deve-seorientar o programa de regionalização dos serviços da admi-nistração estadual.

VI. Nas linhas da diretriz anterior e das referentes à coordenação derecursos de diversas fontes, deve ser traçado um programa especial,em que o efeito social e cultural se case ao da maior e mais rápidareprodutividade econômica dos investimentos neste setor. Assim,a prioridade não é a de orientá-los para onde houver maismiséria, mas sim, para onde contribuam para dar maior pro-dutividade aos outros investimentos, ou para atraí-los, ouseja, onde mais ajudem à produção, criando inclusive maisempregos produtivos e reduzindo, potencialmente, o êxodopara pontos tradicionais de atração, como a capital. Doisexemplos: facilitar habitações operárias para a localização de in-dústrias; evitar os enormes desperdícios de capital que se vêm rea-lizando, com o crescimento vigoroso, mas desordenado, das povoa-ções, vilas e cidades das zonas em crescimento, como a do Sul, cujosorçamentos municipais nada mais podem fazer que pagar indeni-zações para alargar ruas. A titulo de exemplo de como os progra-mas se devem integrar, e importante lembrar que o de urbanismo ehabitação deve ser causa e efeito do de produção de materiais deconstrução e instalação, na medida do possível.

VII. Promover investimentos da União e entidades federais,compensatórios do desgaste tradicional no intercambio, con-siderados essenciais à mobilização dos recursos potenciais do Esta-do e à ampliação das exportações (além da coordenação deles noplano geral e de sua maior eficiência isolada e conjuntamente).

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VIII. Obter, mediante preparação técnica e política, favorecimentos es-peciais no regime cambial, tendo em vista os fatores acima. A Lei1.807 (Federal, de 7 de janeiro de 1953 que dispõe sobre operaçõesde câmbio e dá outras providências) já prevê o caso de um planopara a Bahia, salvo o fator compensação.

IX. Capital Social – Promover um programa conjunto das três esferasadministrativas, com a ajuda possível de particulares, para o pro-vimento do capital social necessário à utilização dos recur-sos naturais, no desenvolvimento das atividades e maioreficiência dos capitais, obedecendo a prioridade, de acordo com amaior produtividade de cada projeto:a) transportes - um plano geral tendo em vista o sistema ou servi-

ços de transportes, e não seccionados;b) comunicações – complemento indispensável de transportes;c) energia – inclusive florestal;d) água industrial e agrícola;e) saneamento

X. Programa de redução das flutuações da economia agrícola ou desuas consequências sobre o abastecimento e a economia geral doEstado:a) reduzir a irregularidade das rendas do agricultor e sua depen-

dência dos intermediários, bem como as perdas vultosas das sa-fras, a irregularidade (ineficiência) do fluxo dos transportes e doabastecimento: armazéns (e silos) e, subsidiariamente, usinasde beneficiamento e processamento de produtos agropecuários

b) água (aproveitamento dos rios, açudes e poços para irrigação);XI. Programa agrícola, tendo em vista o objetivo anterior, propi-

ciando condições gerais para o desenvolvimento da agricultu-ra e do abastecimento, estabilidade da economia agrária, con-servação de recursos naturais e expansão ou introdução de pro-duções especificas que tenham mercado atual, previsto ou pla-nejado (abastecimento em função de diretrizes de política ali-mentar e poder aquisitivo, coordenação do fomento agrícolacom crédito, transportes, armazenagem, indústrias existentesou a criar mercado direto e indireto, através da elevação dopoder aquisitivo do operariado urbano).

XII. Programa especial de empreendimentos, na escala estadualou regional, de organização da economia agrícola e do abas-tecimento, com a colaboração financeira do Estado nos ter-mos do item IV.

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XIII. Programa de produção florestal, tendo em vista reduzir a depen-dência do Estado das flutuações, reduzir o desperdiço das metas emdesgaste acelerado, manter e criar reservas de energia e matérias-primas florestais, defesa de recursos de solos e água.

XIV. Programa material, tendo em vista também reduzir a dependênciadas flutuações, aproveitar recursos variados (ainda mal conheci-dos) e assim ampliar a produção de minérios, para exportação epara desenvolver indústrias.

XV. Programa industrial, tendo em vista, ainda, reduzir a de-pendência das flutuações, melhor aproveitar a capacidadede importar e todos os conhecidos efeitos sobre os demaissetores da economia e a renda geral. É um programa fun-damental. Para ele concorrem todas as medidas apontadas,mas ele requer, também, o estabelecimento de critérios es-peciais e de uma atitude mais participante do Estado, ten-do em vista facilitar localização e recursos técnicos, assegu-rar mercado em compra do Estado, ajudar a criação de cer-tas indústrias e atividades, das quais dependem as outras,ajudar a eclosão de um conjunto de indústrias que se com-pletam nas economias externas de produção (indústrias iso-ladas têm condições muito difíceis de vida).

XVI. Assistência e fomento à pequena produção artesanal e do-méstica e a produção agrícola para abastecimento próprioou local, que se impõem, nas condições da nossa economia, pelosseguintes motivos:a) limitação de capital (e do poder aquisitivo) para o desenvolvi-

mento da produção mercantil, na escala necessária” para em-pregar e abastecer, num padrão mínimo razoável, a toda a popu-lação;

b) virtualidade desse programa para elevar os padrões de alimen-tação, vestuário etc.;

c) contribuição desse programa para a formação de operários téc-nicos e homens de empresa, que se promovam ao plano de econo-mia mercantil;

d) fecundidade cultural (criação artística, equilíbrio psico-social)do artesanato e produção caseira;

e) certas possibilidades efetivas da produção artesanal, concorrer,aqui, nos mercados dominados pela produção fabril, desde quehaja assistência técnica, defesa e organização para o mercado;

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f) contribuição, talvez importante, para elevar a renda real, aindaque, parcialmente em forma não computável monetariamente;

XVII. Programas de interesse social e cultural direto, que contribuam parao processo de desenvolvimento, segundo programas estudados paraeste fim:

a) saúde: redução da mortalidade e da insanidade;b) elevação dos níveis de educação geral, técnica e científica;c) informação e orientação para emprego, melhor produtividade

ajustamento social;d) condições de segurança social e bem estar psico-social, que le-

vem ao florescimento da personalidade da consciência profissio-nal, do gosto pelo trabalho e da produtividade. Uma ordem socialaprazível é importante para o desenvolvimento, tanto mais quenão se a deseja em termos puramente materiais.

(Grifos nossos).

Em toda esta preparação para o planejamento, é importantedestacar, por fim, a adoção de medidas pioneiras no país como ainstrumentação técnica do processo. Assim:

[...] a separação dos orçamentos de investimento e custeio consti-tuiu o cerne da estratégia desenvolvimentista. O IEFB, com apoioda Universidade e agencia-do pela CPE, traz para Salvador técni-cos do DASP e FGV e organiza cursos de orçamento público comAntônio Barsante, do DASP e FGV, e Willian Tylor, do Bureau ofBudget dos EUA. Também Annibal Villela e Gerson Augusto daSilva, técnicos da FGV, realizaram o curso de introdução econômi-co-financeira. Esse triângulo - CPE, IEFB e Universidade – ganhaapoio institucional que lhe garante sobrevivência autônoma. Essaautonomia, contudo, não se constituiu num tipo de pesquisa e dis-cussão pura e abstrata, pois havia uma articulação com o poder.Este demandava subsídios da realidade do subdesenvolvimentobaiano que lhe servisse para suas políticas. Ao mesmo tempo, essaarena não se tornou um instrumento de metas de governo, ou seja,pôde realizar pesquisas, debater e realizar estudos que foram alémdas necessida-des imediatas, como vimos nos trabalhos acima.(SANTANA apud SOUZA; ASSIS, 2006 p. 267)

3.12 O PLANDEB

O Plano de desenvolvimento do Estado da Bahia (Plandeb), elabo-rado no governo de Antonio Balbino (1955 – 1959), constitui a ex-pressão máxima do afloramento intelectual decorrente do notável

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background formado, na Bahia, por uma elite de pensadores que es-tudaram e discutiram a sua problemática nas décadas compreendi-das entre 1930 e 1950.

O Plandeb significou mais do que um plano. Representou umamplo projeto para a Bahia, cuja ambição consistia na promoção doseu desenvolvimento econômico e social, com propostas que extra-polavam a simples duração de um mandato governamental e comum escopo bastante avançado para uma sociedade atrasada, con-servadora, ignorante e reacionária, como era a baiana daquele tem-po. Afinal, tendo sido elaborado no governo de Antonio Balbino,previa a sua execução no período de 1960 a 1963, correspondenteao governo de Juracy Magalhães.

Evidentemente, não deu certo. Para que isto acontecesse ter-se-ia que “mudar” a cultura do povo e das suas classes dirigen-tes145. Alguns dos seus projetos e das suas propostas somente viri-am a se concretizar, de forma fragmentária e assistêmica, nos pro-gramas posteriores dos governos baianos que se sucederam na se-gunda metade do século XX.146

Ademais, ao divergir do planejamento da Sudene e consequen-temente do governo federal o plano perdia sustentação financeira emque pese as expectativas manifestadas pela equipe que o elaborou.

A questão que emerge dessa diferença é saber até que ponto o pro-grama baiano poderia se cumprir assumindo essa posição. Ou seja,tendo em vista a dependência dos projetos da CPE, incluindo aíFundagro e siderurgia, das fontes de financiamento federais comoo BNDE e Banco do Nordeste, até que ponto a ação federal consti-tuiu limites a esses projetos? Esta é uma pergunta que deve servirde esteio para uma análise sobre os impasses do desenvolvimentono Brasil e constitui um dos eixos reflexivos do pensamento deRômulo Almeida. O tema do desequilíbrio regional, questão sobrea qual se debruçou toda uma geração, continua sendo um proble-ma que ainda exige um tratamento criativo e estruturante. (SANTA-NA apud SOUZA; ASSIS, 2006 p. 267)

O plano compôs-se de 15 capítulos, precedidos de uma parteintrodutória. Nele, faz-se uma exaustiva e minuciosa análise da eco-nomia baiana, projetando atividades para o horizonte temporalcompreendido entre 1960 e 1963.

145 As marcas da escravidão se reproduziam num sistema oligárquico clientelista e nepotistaabsolutamente impermeável aos processos de mudança do status quo

146 Programas estes sem o estofo intelectual do Plandeb e que pomposamente se autointitulavam de “planos de governo”.

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Tabela 27 - Plandeb: fontes e aplicações dos recursos - 1960-1963 (1)

Fonte: BAHIA, 1960. Plandeb.Nota: (1) Valores em milhões de cruzeiros a preços de 1959. Dados consolidados pelo autor.

O total de investimentos projetado para o quadriênio foi deCr$ 70.964 milhões de cruzeiros, a preços de 1959, sendo a partici-pação estadual equivalente a 20% desse montante. Isto equivaleriaa investimentos anuais de Cr$ 17.741 milhões. É importante assina-lar que a renda interna da Bahia, estimada por Almeida, A. (1982),para 1950, com base no censo do IBGE, era de Cr$ 10.038,1 milhões.

O Plandeb constitui, até hoje, uma peça fundamental para quempretenda estudar a Bahia. Por isso, é de se lamentar que, passadosexatamente 50 anos da sua elaboração, o documento ainda não te-nha sido publicado. Indagado a respeito, Rômulo Almeida assimse pronunciou:

Na época, durante o governo de Juracy, tive a satisfação de recebera visita do Hirschmann147, e ele me disse: “Olha, eu acho que é acoisa mais original que tenho visto em termos de planejamento re-gional. Vocês deviam publicar.” Possivelmente, se tivesse sido pu-blicado, poderia receber mais comentários na literatura – porque aliteratura é muito baseada nas versões que tiveram mais curso. Porexemplo, não há referência aos documentos originais dos estudosque fizemos quando da criação do Banco do Nordeste, como o Pla-nejamento de combate às secas. Ele é de 1952, e é realmente o pontode partida para uma nova visão sobre os problemas do Nordeste,superando esse negócio de engenharia de obras e assistencialismo.

147 Albert O. Hirschman, notável economista norte-americano especializado em desenvol-vimento econômico.

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Fica parecendo que a Sudene começou tudo. Posteriormente, a CPE,já como fundação, queria publicar o Plandeb na íntegra, mas acon-tece que já estava no governo de António Carlos Magalhães e elebarrou. Fizeram apenas um resumo. Cheguei a levar a íntegra dodocumento para a Fundação Getúlio Vargas, mas o Benedito Silvame disse: “Olha, nós queremos publicar, mas é preciso que hajaalgum apoio, uma co-edição.” Custava um dinheirão, e a Funda-ção estava numa situação muito difícil, com um déficit enorme. OAntónio Balbino até disse que daria um apoio, mas até hojenada.(SOUZA; ASSIS, 2006 p.260)

As principais diretrizes do Plandeb podem resumir-se comose faz nos parágrafos seguintes.

A primeira delas determina que ele deve estar em consonânciacom a Operação Nordeste.148

O plano que,a seguir, se apresenta para o Estado da Bahia, reunin-do o esforço estadual, o federal e uma adicional coordenação deinversões municipais e privadas, foi concebido em perfeita inte-gração, com a Operação Nordeste, (grifo nosso) tão oportunamen-te lançada pelo Presidente da Republica, com adequada visão dosproblemas regionais. A Bahia reitera suas manifestações favoráveisa essa declaração da política do Governo Federal, na qual só podelamentar tenha vindo com tanto retardamento e não se esteja efeti-vando na velocidade e nas condições previstas, apesar do desejomanifesto do Senhor Presidente Juscelino Kubitschek.

Efetivamente, no ano de 1959, marcado pelo lançamento da Opera-ção Nordeste, as condições de assistência federal à região se agra-varam: houve retardamento e redução de dispêndios federais, ele-vação súbita dos preços de produtos comprados sem equivalentereajustamento da taxa de câmbio e diminuição relativa da assistên-cia da União ao Nordeste.

É, portanto,” nessa íntegração com o espírito da OPENO que a Bahiadeseja colaborar com o Governo Federal para seu completo êxito eo plano ora apresentado, em bases preliminares, ao exame do Go-verno Federal, é uma contribuição nesse sentido. A Bahia reivindi-ca há muito, investimentos compensatórios pela baixa remunera-ção de suas exportações, que a tem privado de capacidade pararealizar investimentos básicos no seu território, a fim de propici-ar mais largas possibilidades de emprego à sua população. Talreivindicação, que corresponde a inversão de parte dos saldos doságios das exportações baianas, a Bahia está pronta a partilhar comtodo o Nordeste, em beneficio da OPENO (grifo nosso). Nesse sen-tido partiu da “bancada baiana uma emenda incorporada à lei que

148 Como a imprensa denominava as ações governamentais voltadas para o desenvolvi-mento do Nordeste a partir do governo de Juscelino Kubitschek. A rigor, na prática,como demonstrado o Plandeb estava na contramão do pensamento de Celso Furtado. Apropósito ver Furtado (1959 b).

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criou a Sudene, a qual, entretanto, não teve tradução satisfatóriano regulamento respectivo.

Cabe, entretanto, acentuar que o programa da Bahia, se a OperaçãoNordeste for prejudicada na sua realização, deve ser levado a efei-to, em beneficio do conjunto da economia nacional. E ele represen-ta uma reivindicação de nosso Estado, imprescindível para que sepossa assegurar a parcela da população brasileira que vive na Bahiaum mínimo de oportunidades de nutrição, educação e emprego.(BAHIA, 1960).

Mais adiante, no que denominam “sentido nacional do planobaiano”, destacam os redatores do Plandeb a contribuição que elepretende dar ao Programa de metas” do governo J.K., notadamenteao balanço de pagamentos, “tanto produzindo exportações comosubstituindo importações”. A despeito da argumentação políticacom que se busca uma aderência ao Programa de metas não deixamos mesmos relatores de registrar:

Lamentavelmente, entretanto, a realização das “metas” no terri-tório baiano não tem obedecido ao mesmo ritmo que se verificaem outras partes do Pais (grifo nosso). Exemplo conspícuo é o atrasono programa relativo às construções rodoviárias e ao reequipamentoda ferrovia federal Leste Brasileiro. Os exemplos podem ser repeti-dos em todos os setores. Nem mesmo o acesso a Brasília – que éreputado “meta síntese” pelo governo Federal – foi consideradoa partir da Bahia, a despeito de se localizarem em sua costa osportos que estão mais próximos da futura Capital do País e cujasligações se favorecem por sensível redução de distância virtual(grifo nosso).

E acrescentam:Aparentemente, a Bahia ficou relegada para outra época (grifonosso), seja pelas condições políticas já ultrapassadas, seja peIaduvidosa doutrina de concentrar todos os recursos nacionais nosuposto centro, dinâmico do Pais, a fim de que dai se possa irradiarmais tarde o progresso para o resto do Brasil. Não tem sido levadosem conta pelo Governo Federal 3 fatores que impõem prioridadepara investimentos na Bahia: 1) a existência de recursos naturais ehumanos que possibilitam uma alta produtividade a investimentosprogramados, em “benefício de exportações e do programa dedesenvolvimento do País”; 2) a compensação parcial às contribui-ções da economia baiana para o desenvolvimento geral do País (con-tribuição cambial e petróleo); 3) o necessário e inadiável atendi-mento de padrões mínimos de subsistência e de educação a todosos brasileiros, como objetivo que, mantendo e valorizando o capi-tal humano da nacionalidade pretere, inclusive, investimentos detangível carater desenvolvimentista. Não nos referimos a um estí-mulo ao consumo convencional, prejudicando as poupanças, nema um igualitarismo impossível nos níveis de vida, mas apenas ao

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atendimento das condições mínimas de nutrição, de educação ede emprego, sem o que não existe um povo organizado e muitomenos um mercado interno que dê base ao desenvolvimento in-dustrial (grifo nosso). Evidentemente, o “Programa de Metas” doPresidente Juscelino Kubitschek não pretendeu desconhecer essanecessidade. O programa da Bahia apela, só como último argumen-to, para esse objetivo nacional de manter e valorizar o potencialhumano, porque realmente apresenta todas as outras condições parase integrar plenamente no programa nacional de desenvolvimen-to. (BAHIA, 1960 p. 14-15).

Pela segunda diretriz, deveria o plano promover a geração deemprego e renda149, única forma de criação de um mercado internoque conferisse escala de produção ao parque empresarial local. E, paraisto, o incremento nos investimentos e na sua maior produtividade(maior relação produto/capital), procurar-se-ia a fixação de capitaisgerados no Estado mediante a oferta de melhores condições de diver-sificação de atividades, a importação de capitais de outras áreas, pelaoferta de maiores facilidades básicas (transporte, energia, incentivosfiscais, etc.), a elevação dos investimentos pela União e, principalmen-te, o aumento substancial na sua produtividade.

Considera-se indispensável, dar oportunidade para o emprego dapopulação ao menos aos níveis mínimos, e de assegurar as condi-ções que valorizem os salários nominais, através de um abasteci-mento farto e do atendimento das necessidades mínimas de edu-cação e assistência sanitária à parcela da população brasileira re-sidente no território baiano (grifo nosso). Ao mesmo tempo, seconsidera conveniente desenvolver ao máximo as possibilidadesapresentadas pelos recursos naturais, industriais e humanos que aBahia apresenta, em beneficio do mais rápido desenvolvimento eemancipação da economia nacional. (BAHIA, 1960).

Por conhecer a impossibilidade de maior elevação dos saláriosreais mediante uma melhor distribuição da renda, o plano previa oaumento do poder aquisitivo da população através da melhoria doabastecimento e consequente redução dos custos dos alimentos, umproblema crônico da Bahia (leia-se Salvador), desde os tempos co-loniais. O plano menciona também, mas sem a ênfase devida, asimportantes questões relacionadas com a educação e a saúde. É atérisível o esforço dos seus redatores em tentar fazer uma vinculaçãodo desenvolvimento da Bahia com a emancipação da economianacional. Neste aspecto, parece que faltou convencer o governo fe-

149 Este objetivo virou um bordão no discurso de todos os políticos a partir da década de1990.

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deral e o empresariado do Sudeste brasileiro. Continuando, enfatizao Plandeb a necessidade do desenvolvimento simultâneo (quer di-zer integrado) da agricultura e da indústria. Segundo Santana:

Duvidando do modelo concentrador do plano de metas, o Plandebconsiderava a possibilidade de articulação entre a reestruturaçãoagrícola e um parque industrial. Do mesmo modo em que conside-rava o maior potencial para a geração de empregos no desenvolvi-mento da agricultura o plano baiano destacava, reversivelmente, opapel das indústrias como absorvedoras de mão-de-obra exceden-te do campo e como mercado para os produtos agrícolas. Indústriae agricultura se integrariam na periferia do sistema (2006, apudSOUZA; ASSIS, 2006 p. 269).

No texto do Plandeb:Essas diretrizes implicam em objetivos de produção e alvos de in-vestimento. Assim, o desenvolvimento das oportunidades de em-prego e de renda melhor para a população baiana resulta do de-senvolvimento concomitante da agricultura, da indústria e dos ser-viços. Naturalmente devem ser desenvolvidos prioritariamenteaqueles que apresentem condições efetivas mais prontas, ou aque-les ramos de atividades ou projetos específicos que se revelem maisnecessários ou convenientes para propiciar condições ao desenvol-vimento geral. O ritmo de desenvolvimento da Bahia dependera,como é sabido, do vulto dos investimentos e de sua maior produti-vidade, ou seja, de uma melhor relação produto: capital. O maiorinvestimento se traduzirá numa alteração da estrutura do comer-cio, reduzindo-se relativamente as atuais importações para con-sumo (ampliadas embora em termos absolutos), as quais serão subs-tituídas por importações de bens de capital. A elevação dos inves-timentos se fará através da possibilidade de fixação dos capitaisproduzidos intermitentemente pela própria economia baiana (masaqui não fixados por falta de certas condições para a diversificaçãode atividades econômicas); além disso, pela vinda de capitais defora para varios dos empreendimentos agrícolas e industriais queencontram, na Bahia, possibilidades nos recursos naturais e nomercado potencial, mas se detém em face da carência de certasfacilidades básicas A pesquisa das possibilidades de investimen-tos em que para a mesma unidade de aplicação, se alcance o mai-or numero de empregos na presente estrutura da economia regio-nal leva a dar prioridade ao desenvolvimento da agricultura. Esteé necessário também para propiciar um abastecimento mais farto,nas cidades, de mantimentos para os trabalhadores e de matérias-primas para as indústrias. E estas indústrias são, por sua vez,necessarias, reversivamente, ao desenvolvimento agrícola, paraabsorver os inevitáveis excedentes de população rural e para asse-gurar um mercado mais amplo para a própria agricultura, enquan-to, inversamente, o maior desenvolvimento desta assegura merca-do mais amplo e firme, ao parque manufatureiro. Na agricultura ena indústria as iniciativas. obedecerão ao jogo do mercado dos

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fatores e dos produtos. Sem contrariar os imperativos do mercado,a política adotada neste plano estimulará as atividades que: a) apre-sentem uma relação produto : capital mais favorável, ou utilizemmelhor os recursos de capital real disponível; b) propiciem maiornúmero de empregos por unida-de de capital invertido. O princí-pio geral é assegurar a maior produtividade possível aos escassosrecursos de capital do País, mas, em face das possibilidades imedi-atas de produção, inclusive para exportação ao Exterior, e em faceda necessidade social do atendimento de condições mínimas denutrição, de educação e de emprego, não podemos aceitar que seadie, o problema baiano, pelo fato de que ele requer alguns inves-timentos básicos de certo vulto, cuja relação direta produto: capi-tal é baixa. Por outro lado, como se fez no caso do petróleo, não éconcebível que se apliquem ortodoxa e diretamente os critérios aci-ma ao caso de indústrias de base que, na Bahia, se possam localizar,apresentando vantagens para a economia geral do País e enrique-cendo os recursos industriais na região, inclusive recursos técnicosvariados, encorajadores da fixação de outras indústrias, que propici-em mais empregos (BAHIA, 1960 f.16) (grifos nossos).

O Plandeb bate numa questão que continua presente nos diasatuais (2009) e que, apesar de óbvia, parece insolúvel no Brasil. Trata-se da eficácia do gasto público. Isto, com efeito, autoriza a seguintedigressão: pode-se afirmar que o processo de desenvolvimento de-pende do resultado de dois indicadores que ainda estão por serconstruídos. O primeiro refere-se a uma taxa de eficácia dos gastospúblicos (Tegap) e o segundo, a uma taxa do grau de corrupção(Tagcor). Há que se convir serem essas taxas absolutamente inversasproporcionalmente. Teoricamente, pelo menos no que depende dopapel do governo na economia, ao se maximizar a Tegap e minimizara Tagcor seriam atingidos níveis consideráveis de desenvolvimento.Dados empíricos confirmam este fenômeno em termos internacionais.No Brasil, pelo que se sabe, enquanto a Tegap tende para 0, a Tagcortende para 1, numa escala de eficácia cujo o grau varie de 0 a 1.

De acordo com o Plandeb:[...] a maior taxa de investimentos, a dos recursos públicos federaisou recursos de outras origens canalizados através da União. A apli-cação desses recursos tem um amplo significado: o de ampliar ovolume de investimentos - que é uma das condicionantes necessáriasdo desenvolvimento - e o de propiciar aqueles investimentos denatureza coletiva, que são no caso do nosso território os maisurgentes e por isso os que criam condições de produtividade paraoutros capitais já invertidos ou com possibilidades de inversão àvista. A elevação da produtividade dos capitais já invertidos ou ainverter depende totalmente, de um programa adequado deinversões federais e estaduais, estas porem de menor importânciapela limitação já exposta dos recursos do Tesouro baiano. Não se

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pretende, entretanto, apenas que o Governo Federal amplie os in-vestimentos: é tambem indispensável que melhore substancialmen-te a produtividade de seus investimentos atuais, que já são bastan-te vultosos (conquanto apenas correspondam aproximadamente àsreceitas de tributos formais, arrecadadas no território baiano) e quepresentemente, como é da mais clara evidência, são submetidos a umprocesso de dispersão, de descontinuidade, de inoportunidadeestacional dos dispêndios, enfim, de desperdício. Sabemos as limita-ções institucionais para alcançar uma eficiência razoável na elabora-ção e na execução dos orçamentos públicos. Entretanto, um esforçosubstancial, inclusive na esfera política, precisa ser feito por todos oshomens públicos de responsabilidade no Pais ajudando o Presiden-te da Republica a submeter os orçamentos públicos a uma progra-mação adequada, e assim, a assegurar uma eficiência razoável aosinvestimentos federais. Do contrário, precisaremos, para alcançaro mesmo nível de desenvolvimento, de investimentos novos fede-rais de muito maior vulto, o que, obviamente, encontraria dificul-dades intransponíveis. (BAHIA, 1960 p. 17) (grifos nossos).

Afirmava o Plandeb que a estrutura de recursos indicava osseguintes setores em que as inversões na Bahia apresentavam produ-tividade marginal não inferior à inversão em quaisquer outras áre-as ou setores da economia brasileira:

a) na ampliação das exportações que são possíveis pela natu-reza dos recursos regionais e pelas condições atuais e previ-síveis do comércio exterior;

b) no desenvolvimento da mineração e indústria metalúrgica,sem falar nas derivadas do petróleo, bem como em algunsoutros itens de maior importância, para substituir importa-ções nacionais e criar recursos importantes de indústriasbásicas do país.

A esses dois setores de investimento se poderiam acrescen-tar, ainda, partindo de uma política econômica nacional tendente amelhor utilização dos recursos humanos e ao atendimento de míni-mos vitais e sociais às populações, dois outros setores:

a) o das atividades que aproveitem mão-de-obra e recursosnaturais, que não apresentam vantagens relativas apreciá-veis, mas apresentam condições competitivas, sobretudomediante alguma ajuda no período de implantação, geran-do emprego e substituições nas importações interestaduaisda Bahia;

b) o das atividades que se poderiam considerar provisórias noprocesso de desenvolvimento, tendentes a assegurar empre-go, até o momento em que a economia regional e a nacional,

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em outras partes do país, possam assegurar melhores con-dições de aproveitamento da força do trabalho.

E acrescentava:Importante é, entretanto, acentuar, do ponto de vista nacional e deum ângulo friamente econômico, os dois primeiros setores. Aindaaqui poder-se-ia argumentar que, tendo a Bahia demonstrado ca-pacidade de aumentar consideràvelmente o produto real e as ex-portações, apesar dos desestímulos evidentes da política econômi-ca nacional sobre sua economia, e da falta desses investimentos bá-sicos, bastaria um sistema de crédito agrícola e de outras ajudas dopoder publico diretamente aos setores agrícolas e exportadores, nalinha já iniciada pela CEPLAC. Sem duvida, isso teria ainda algumefeito, mas efeito que em breve se esgotaria por falta de economiasexternas indispensáveis para a redução dos custos gerais e dessamaneira estender as margens de cultivo ou de exploração econô-mica.

[...]

As possibilidades de absorção de maiores exportações baianas nosmercados exteriores são suficientes para um programa muito maisamplo e esse programa mais amplo requer um elenco de investi-mentos básicos. Esses investimentos básicos são também indis-pensáveis, para tornar possível um programa de exploração mi-neral e de indústrias derivadas, de grande alcance no processoatual da industrialização do País, pois que a Bahia tem revelado avocação de um distrito de não-ferrosos, além de possuir tambémreservas importantes dos ferrosos.150 (BAHIA, 1960, fl. 18) (grifosnossos).

Assim, afirmava-se no plano:[...] esses investimentos básicos ainda deverão ter o papel de tornarsuper-marginais muitos dos investimentos do setor 3º, antesreferido. Essas inversões em conjunto redundariam na mudançada estrutura da economia regional, principalmente as inver-sõesnas facilidades básicas que atendem aos setores 2º e 3º combinadoscom as inversões diretas no 2º setor.

Nestas condições, o programa de investimentos públicos,semipúblicos ou patrocinados pelo poder público deveria compre-ender:

1. realização de programas básicos de transporte e comunicações,suprimento de recursos variados de energia, facilidades urba-nas fundamentais, principalmente água, localização industrial ehabitação, de reserva de água para a agricultura e sua melhorutilização;

150 Estava aqui inserida a idéia da especialização da Bahia na produção de intermediários,complementares no processo da industrialização brasileira.

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2. um sistema integrado de organização da economia agrícola edo abastecimento alimentar e de expansão programada dos ser-viços de pesquisas, demonstração e extensão na agricultura;

3. ampliação da fronteira agrícola, através de colonização das ter-ras úmidas ou de fácil irrigação, mal aproveitadas, propiciandocolocação aos excedentes nordestinos, bem como a possibilida-de em empreendimentos agrícolas padrão com a localização decolonos estrangeiros;

4. desenvolvimento, pela Petrobras, de um programa de utiliza-ção das possibilidades industriais e dos estímulos econômi-cos resultantes da produção do petróleo;

5. prioridade para a localização de uma usina siderúrgica médiana Bahia, dentro do programa siderúrgico nacional, bem comofacilidades especiais para a fixação de indústrias metalúrgicasdiversas, mecânicas, de materiais de construção, embalagens, etc.,indicadas na Bahia pela localização de matérias-primas e outrosfatores, e que propiciem a criação de facilidades para outras in-dústrias;

6. um programa de educação, compreendendo o suprimento dascarências na educação de base para a população em idade esco-lar e conforme imperativo constitucional, e a ampliação das opor-tunidades de treinamento e aperfeiçoamento nas técnicas recla-madas imediatamente no atual estágio processo de desenvolvi-mento;

7. um programa de assistência sanitária também ajustado às ne-cessidades presentes do processo de desenvolvimento;

8. um programa de levantamento sistemático de recursos natu-rais e de pesquisas das possibilidades do seu aproveitamentoeconômico. (BAHIA, 1970, fls. 19-20) (grifos são nossos).

3.12.1 Transportes e comunicações no Plandeb

O primeiro programa do Plandeb estimava a realização de in-vestimentos da ordem de Cr$ 24.955,4 milhões (a preços de 1959)no período de 1960 a 1963. Em sua introdução é efetuada a seguinteanálise do setor:

Consideradas, conjuntamente, a área, a topografia e a natureza dossolos, a população e a produção, constatamos ser a Bahia o Estadopior servido do Nordeste, em matéria de transportes e comunicações.(Grifo nosso). Se acrescentarmos os recursos naturais e as possibilida-des a curto prazo, mais se acentua tal carência. Não se pode desconhe-cer que, a partir, da década de 1930, acelerou-se o desenvolvimentodas redes de transportes, no Estado e poucas teriam sido as unidadesfederativas a demonstrarem igual esforço. Entretanto, apesar disso,continuam baixíssimos os números relativos, justificando, assim, a afir-mação inicial. Basta lembrar que, para um território de 563.000 km2 e

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uma população de cerca de 6 milhões de habitantes, dispõe a Bahiaapenas de 2.593 km de linhas ferroviárias e 31.600 km de extensãorodoviária, valendo destacar que, destes, mais de 70% se constituemde “estradas-carroçáveis”, sem qualquer espécie de revestimento. De-ficiente também tem sido a navegação de cabotagem, sobretudo pelaprecariedade das instalações portuárias que tornam deficitária, a utili-zação física dos portos (casos de IIhéus e Caravelas) ou então, quandoa permitem, opõem barreiras à sua utilização econômica, pela movi-mentação lenta e pelas taxas elevadas (caso de Salvador) onde, emconsequência desses e, possivelmente, de outros fatores, as própriascompanhias federais de navegação evitam frequentemente, escalar.Em relação a pequena cabotagem, teríamos que acrescentar, às razõesapontadas, uma outra deficiência, qual seja o precário conhecimentode litoral baiano, que só ultimamente tem sido melhor pesquisado,através da Diretoria de Hidrografia, e Navegação do Ministério daMarinha. Tais deficiências, que se fazem mais acentuadas quando setem em vista a importância econômica das regiões, onde se fixam osdiversos portos (principalmente os de Salvador e Ilhéus), poderão sermelhor verificadas se lembrarmos, por exemplo, que para uma exten-são de costa de 932 km. dispõe o Estado de menos de 2 km, de caisacostável em portos ditos “organizados”. É bem verdade que não temfaltado o esforço do Poder Público Estadual — numa região, como anossa, em que à iniciativa privada não pode caber a promoção deuma politica desenvolvimentista. Observa-se, entretanto, e infelizmen-te, que tem havido uma decadente capacidade de investir dessa esferaadministrativa que, no passado, pôde canalizar recursos para consti-tuição e exploração de uma Ferrovia e de uma Companhia de Nave-gação e que, hoje, encontra sérias dificuldades para a própria manu-tenção de tais empresas. A ação federal, no Estado, não tem sidotampouco, dinâmica, como seria de esperar. Recordamos, por exem-plo que, apesar de ser a Bahia, em área territorial, o 6º Estado doBrasil e o 3º no que tange à população, a extensão da rede rodoviáriafederal, em território baiano, apresenta uma densidade (5,470 kmpor 1.000 km2) inferior ao de 14 estados — inferior, inclusive, a de 6estados nordestinos. Ressalta-se, ainda, que, das rodovias construídaspelo Governo Federal, na Bahia, apenas 2%,se encontram pavimen-tados—percentagem baixíssima se se encarar a importância de taisvias para o próprio Plano Federal de ligação Norte-Sul do país. Ape-sar dessas considerações, nossa política de transportes terá que eleger,como essencial, a ação do Governo Federal. Esta, entretanto, deveránão somente caracterizar-se por um maior volume de investimentos,mas também, para que não falhe em seus objetivos, integrar-se, comas demais inversões (publicas e privadas) num complexo homogêneo,interrelacionado. Esta interrelação, porém — queremos acentuar —não devera ser meramente administrativa. Tem que ser também deordem “técnica”, de modo que os vários tipos de vias de transportesse completem, em função do interesse global da economia baiana. É oque persegue o Governo Estadual ao estabelecer critérios para a esco-lha de trechos ferroviários ou rodoviários que devam ser, prioritaria-mente, atacados; trabalho iniciado com assistência de diversos órgãos

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técnicos e das Forças Armadas, e que consta do programa de estudosque se integra neste Plano. Um de tais critérios, é o que visa a amplia-ção das exportações para fora do pais, como acontece no plano de pa-vimentação das estradas da região Sul da Bahia,ao qual o Governo dáênfase neste Programa. Com efeito, será difícil, noutra parte do país,lograr-se um investimento em rodovias que a este se equipare, no quetange à sua produtividade social. Os trechos, a serem pavimentadosrepresentam as mais importantes vias de escoamento do principal pro-duto agrícola do Estado e o segundo, como fonte de divisas, para oBrasil: o cacau. Estando as referidas vias em perfeita conexão com aBR–5, rodovia federal, incluída no Plano Quinquenal de Obras Públi-cas para 1956/1960 formam, em conjunto, uma rede de tráfego de ine-quívoco interesse econômico, em coordenação, com o porto de Ilhéuse o futuro, da baía de Maraú.151 Claro está que não bastam, à economiabaiana, os investimentos em transportes simplesmente para ampliaras exportacões. Preciso é que, também, sejam levados em conta o apro-veitamento dos recursos minerais básicos, (e a própria implantação,que se pretende, da indústria, siderúrgica, na Bahia, justificaria essecritério de prioridade), além das facilidades, já efetivas, de produçãomineral, para a economia de divisas para o país, as “facilidades doabastecimento” dos grandes centros urbanos e, não esquecendo a nos-sa participação na região Nordeste do país, a “integração do mercadoregional” — indispensável para que, marchemos para uma mudançaestrutural, com a industrialização nordestina e, assim, com a possibili-dade mesma de uma melhor utilização dos recursos estaduais. A pro-moção, por conseguinte, de um programa conjunto das três esferasadministrativas, com a possível ajuda de particulares – obedecendo,sempre na determinação das prioridades, ao critério, global, que abran-geria os demais critérios apontados, da maior produtividade social docapital — será certamente a melhor arma de que se poderá dispor paracombater aquêle gargalo da economia baiana.( BAHIA, 1960, f.1 e 2)(grifos nossos).

O plano nesta área apresentava o seguinte escopo:

1 – TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES

0 – Introdução

1 – Portos

151 O porto de Maraú (grande sonho do então deputado Vasco Neto) – também conhecidocomo de Campinhos –, na baia de Camamu, na Bahia, teve sua construção iniciada, che-gando a ter instalados os dolfins de amarração. Posteriormente, a obra foi paralisada enunca mais iniciada. Além da perda de consideráveis recursos públicos que ali foraminvestidos, impediu-se a concretização de um projeto de grande valor estratégico para aBahia e o Brasil. O porto era imaginado na época como ponto de saída das exportaçõesoriunda do Oeste baiano. Reunia e reúne ainda hoje excelentes condições geográficas efísicas incomensuravelmente superiores às do porto de Ilhéus. Trata-se de um exemplotípico do que nos referimos neste estudo a uma situação de TEGAP = 0 e TAGCOR = 1.

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1.1 - Porto de Salvador1.2 - Cais de Minérios1.3 - Porto de São Roque1.4 - Porto de Ilhéus1.5 - Porto de Maraú1.6 - Porto de Coroa Vermelha1.7 - Porto de Caravelas

2 – Navegação2.1 - Levantamento hidrográfico da região Sul2.2 - Companhia de Navegação Bahiana2.3 - Viação Bahiana de São Francisco2.4 - Construção naval

3 - Ferrovias3.1 - Departamento Nacional de Estradas de Ferro

Cruz das Almas-Santo Antonio de JesusJequié – UbaitabaPonte de JuazeiroFeira – Alagoinhas

3.2 – Leste Brasileiro3.3 – Estrada de Ferro de Nazaré

3.4 – Estrada de Ferro de Ilhéus3.5 – Estrada de Ferro Bahia – Minas4 – Rodovias

4.1 – Plano Rodoviário Estadual4.1.1 - Zona do Recôncavo4.1.2 - Zona Cacaueira4.1.3 - Outras Ligações4.1.4 – BR – 28

4.2 – Plano Rodoviário Federal4.2.1 – BR 54.2.2 – Rede prioritária do Nordeste4.2.3 – BR 44.2.4 – Sistema complementar de transporte4.2.5 – Outras rodovias para integração do sistema4.2.6 – Ligações com Brasília4.2.7 – Ligações secundárias4.2.8 – BR-28- Pilar – Retiro4.2.9 – Custo geral do programa federal

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4.3 – Viação Sul Bahiano S/A

5 – Transportes Aéreos

6 – Telefone6.1 – TEBASA6.2 – Cia. Telefônica Sul-baíano6.3 – Outras telefônicas

Tabela 28 - Plandeb: investimentos no setor de transportes e co-municações do Estado da Bahia (1960-1963)(1)

Fonte: BAHIA, 1960.Nota: Valores em milhões de Cr$ de 1959. Dados consolidados pelo autor.

Como se vê a partir dos dados da tabela, o sistema rodoviáriopassa a ser a prioridade estadual com 61,52% dos investimentosprogramados. No entanto, somente na década de 1970 foi que seconsolidou o plano rodoviário federal para o Nordeste, com a pavi-mentação da BR-116 (Rio – Bahia) e BR-101 (Litorânea). Estas rodo-vias viabilizaram o modelo econômico regional em construção, as-segurando as condições para o escoamento dos produtos interme-diários fabricados na Bahia, em direção ao Sudeste, e o abasteci-mento, por este, do Nordeste, com os produtos de consumo final,oriundos do seu moderno parque de indústrias. Neste contexto, aconstrução do complexo rodoviário estadual, que possibilitaria aarticulação das diversas regiões baianas, produzindo um impactopositivo na integração e expansão do mercado regional, apesar deplanejado em 1959, não foi executado.

A opção rodoviária adotada coincidiu com o desmonte dosistema ferroviário estadual. A desativação da Estrada de Ferro de

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Nazaré e do Porto de São Roque do Paraguaçu, na baía de Todos osSantos, implicou na desarticulação do sistema de transportes quesustentara a produção têxtil e fumageira. Com isso, ficaram isola-das as bacias do Jaguaribe e do Jiquiriçá, indiretamente desestimu-lando o crescimento da região Sudoeste do Estado, cortando-se arelação interna entre a indústria têxtil e sua região supridora dematérias-primas152.

3.12.2 Energia elétrica

Para o programa de energia elétrica da Bahia, previa o Plandeba destinação de recursos no montante de Cr$ 6.053 milhões, sendoCr$ 5.362 milhões em moeda nacional e US$ 6.905 mil em moedaestrangeira, convertida esta à taxa de US$ 1,00 = Cr$ 100,00. Tudo apreços de 1959. Do montante em moeda nacional, 93% seriam des-tinados a obras e instalações elétricas e o restante a estudos eprojetos.O esquema de financiamento previa os seguintes percen-tuais de participação:

152 Posteriormente em 1996, a Rede Ferroviária Federal – Leste Brasileiro, 7º Região, queatendia ao Estado da Bahia, Sergipe e Minas Gerais, com 1.905 Km de linhas foiprivatizada. Atualmente o sistema está inoperante e completamente sucateado.

Tabela 29 - Financiamento do programa de energia (1960/1963)

Fonte: BAHIA, 1960, p. 9.Nota: (*) 90% estrangeiros.

O Plandeb programava projetos para nove sistemas no Esta-do. Os sistemas definidos estão definidos no Quadro 5 adiante.

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Para isso, definia em seu texto básico que[...] o programa de eletricidade pretendia reunir os e esforços daUnião e do Estado para a sua consecução, devendo ser integradono Plano de Eletrificação do Nordeste (Plene), sob o patrocínio daSudene e da Chesf a fase inicial foi estudada e elaborada peloCodeno/Chesf.

Salientava que aquele programa quadrienal constituía aindaum esboço do Plano de eletrificação do Estado, que deveria ser:

[...] minucioso, circunstânciado e de período mais amplo, adepender de melhor estudo das fontes e das demandas deenergia, tendo em vista as características econômicas e sociaise os novos empreendimentos econômicos, em projeto ou ten-dência de localização nas várias regiões e localidades.

Mesmo considerando que, pelo seu porte e natureza, o pro-grama só pudesse “ser financiado substancialmente pela União epelo Estado”, considerava a necessidade da participação dos mu-nicípios e da iniciativa privada, “interessados diretos e imediatosna sua execução”. Previa financiamentos do BNDE e da Caixa Eco-nômica Federal da Bahia, bancos internacionais e fornecedores deequipamentos e materiais. Os financiamentos do BNDE às empre-sas deveriam ser contratados com a corresponsabilidade do Esta-do. A Caixa Econômica Federal da Bahia (CEFB) financiaria as pre-feituras municipais, que deveriam também participar com algunsrecursos de seus orçamentos na formação de crescente capital socialdas empresas.

Quadro 5 - Energia elétrica: sistemas contemplados na BahiaFonte: BAHIA, 1960.

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Para o Plandeb: “um dos objetivos deste programa, é conse-guir a ampliação da demanda de energia elétrica proveniente dePaulo Afonso” (grifo nosso), argumentando que

[...] as deficiências de transmissão e distribuição têm restringido oaumento de demanda da linha sul da Chesf, (justamente a que aten-deria à Bahia) fazendo-a menor que a da linha norte. Segundo orelatório dessa empresa, enquanto a demanda da linha norte cres-ceu de cerca de 15 MW em janeiro de 1955 para116 MW em dezem-bro de 1959 a linha sul passou, de 27 MW para somente, 54 MW, nomesmo período.

No texto, justifica-se a inapetência e a incompetência baianapara a absorção da oferta de energia com o argumento de que “adispersão entre esforços estaduais e os federais e municipais nosempreendimentos elétricos, ao lado do grande retardamento daCoelba foram as causas principais deste baixo crescimento relativo.

Conclui-se a parte introdutória do documento com um apelopela urgência de se “promover a coordenação dos esforços gover-namentais e dar à Coelba meios que lhe permitam ampliar os seusatuais sistemas e consequentemente as demandas de energia dePauIo Afonso, possibilitando, melhor aproveitamento ao investi-mento na grande central e linha de transmissão”.

O Plandeb traça a política de eletrificação do Estado nos se-guintes termos:

Na realização do programa de energia elétrica, deverá ser adotadaa política sugerida para o Plano de Eletrificação do Nordeste(PLENE). Esta política se resume em:a) uniformidade de orientação técnica e administrativa, com apro-

vação da Sudene e sob o comando de uma holding do NE;b) comando, pelo Estado, do seu programa, com o atendimento das

exigências técnicas e administrativas referidas, na alínea, anteri-or; este comando se processara através de seu órgão próprio (De-partamento de Energia), e sua execução e posterior operação dosdiversos sistemas serão feitos pela Companhia de Eletricidadeda Bahia (COELBA) e suas subsidiárias ou associadas;

c) investimentos previstos no programa através da ampliação do ca-pital social da Coelba, que executaria as obras e instalações direta-mente ou por intermédio das suas subsidiárias ou associadas;

d) responsabilidade simultânea dos poderes municipais com osgovernos federal e estadual, nos empreendimentos elétricos denatureza local;

e) estabelecimento de subsídios, diretos ou indiretos, às empresas,a fim de permitir a aplicação de tarifas favoráveis ao desenvol-vimento de áreas de baixos consumo e fator de carga; a unifor-midade de tarifas em todo o Estado, a discriminação dos investi-

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mentos em remuneráveis e não remuneráveis, poderão ser pro-vidências a adotar para atingir tal objetivo.

De acordo com os princípios da política a ser adotada, o pro-grama previa a aplicação de recursos dentro do critério de empre-endimento industrial.

O conjunto dos investimentos foi considerado de maneira glo-bal, tendo em vista unicamente a soma dos recursos necessários,cujo montante de cada uma das origens foi estabelecido por esti-mativa, levando-se em consideração, em parte, as possíveis fontesde receitas que deveriam ser aplicadas especificamente. Como tal,não foram discriminadas as obras sob a responsabi lidade desta oudaquela esfera governamental ou empresa.

O programa compreendia aplicações em:a) estudos e projetos;b) obras e instalações elétricas;c) equipamentos de construção, instalações gerais e de comu-

nicações;d) encargos financeiros oriundos de financiamentos;e) constituição do “capital de movimento” das empresas. Conforme se previa no plano, a geração dos diversos sistemas

se apresentaria, ao fim do período (1963), com uma capacidade to-tal de 224.400 kW.

Nos “sistemas isolados”, previu-se um reforço de geração de10.000 kW, mediante a instalação de cerca de 50 novas usinas tér-micas de 100 kW em media.

Este total de geração deverá ser provavelmente aumentado, pois,em muitos casos, haverá apenas aquisição e montagem deequipamentos de geração para reforço ou reforma de usinas jáexistentes, redundando em menor inversão por kW e permitindo,com os recursos previstos, adquirir maior numero de unidadesgeradora.

O Plandeb estimava que 162 localidades deveriam estar su-pridas, em 1963, pelos diversos sistemas.

Neste numero estão compreendidas cidades e algumas vilas quejá são hoje servidas pelos sistemas da Coelba e da CEEB, e de par-ticulares, com suprimento satisfatorio de energia. De referênciaàs usinas térmicas isoladas, já existentes, estas não foram consi-deradas no total acima, pois sua situação tem sido oscilante, comacentuada precariedade, e não há dados recentes. Pode-se, po-rém, estimar que o cumprimento dêste programa permitirá su-prir de modo eficiente a mais de 120 das nossas principais con-centrações urbanas;, com uma melhoria geral nas demais cidadese vilas mais importantes.

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A Tabela 30 a seguir apresenta a programação da distribuição,por sistema, das potências instaladas e das localidades que estarãoservidas com a execução do programa.

3.12.3 Agricultura e abastecimento

Um dos mais importantes capítulos do Plandeb, logo na introdu-ção ao programa, afirma que o desenvolvimento da agricultura na Bahiaconstitui imperativo para propiciar uma renda mais elevada e empre-go efetivo ao atual excesso de população, bem como para assegurar osuprimento de produtos agrícolas que melhorem o abastecimento nasgrandes cidades, favorecendo a industrialização.

Nesse sentido o Plandeb define dois objetivos para o progra-ma agrícola, a saber: aumentar a produtividade e ampliar a áreaocupada, ou seja, a fronteira agrícola no Estado.

Tabela 30 - Programa de energia do Plandeb para o Estado da Bahia(1960/1963)

Fonte: BAHIA (1960, fl.6).Notas: HE = Hidroelétrica – TE = Termoelétrica(*) No sistema São Francisco está colocada a central de Paulo Afonso (Usinas I e II), con-

siderando-se desta para a Bahia apenas o limite de capacidade da linha de transmis-são que serve. Salvador.

(**) No Formoso-Corrente os dados estão sujeitos a alterações.(***) Os números referentes aos sistemas isolados estão sujeitos a variações. Os recursos

permitirão instalar cerca de 50 usinas de 100 kW cada, em média.

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Apresenta as seguintes razões para esta prioridade:a) urgência na solução dos problemas regionais de abastecimen-

to e na contribuição para solucionar a crise nacional principal-mente na região Nordeste. Além da expansão das populaçõesurbanas e da necessidade de bem supri-las, a fim de facilitar oprocesso de industrialização, é preciso substituir as bases su-burbanas tradicionais de abastecimento;

b) exportações para o :exterior que ainda encontram largas pos-sibilidades;

c) geração de emprego e renda;d) existência de recursos de solo e água, que propiciam um

desenvolvimento agrícola, notadamente no setor animal, des-de que haja facilidades básicas;

e) necessidade de uma organização econômica contra as secasou seus efeitos.

Para justificar a eleição das prioridades, afirmam os redatoresdo plano ser certo que, em termos relativos, a população agrícola alongo prazo tende a decrescer com o aumento da produtividade e ocrescimento industrial. Porém, em termos absolutos, e mesmo emtermos relativos, é muito provável que ainda haja larga possibilida-de de empregos em atividades rurais, desde que os processos agríco-las sejam mais produtivos e propiciem maior produção, tanto paraabastecer os mercados internos quanto para exportar aos mercadosexteriores, criando, assim, maior capacidade, de pagar salárioscompensadores da elevação dos custos da vida. Em outras palavras:

[...] acreditamos que num primeiro período a elevação na produtividadeagrícola na área baiana terá o efeito líquido de ampliarmos empregos naagricultura só num segundo período prevalescerá a tendência de liberarmão-de-obra para atividades secundárias e terciárias.

Entretanto, ponderam que[...] o simples desenvolvimento da agricultura não resolve, nelaprópria, o problema de ocupação; mas, durante o périodo em queteremos que continuar enfrentando a carência de capitais para in-dustrialização, a agricultura representa o campo de atividade emque mais empregos é possível assegurar, com menor coeficiente decapital “per capita”. A despeito dos elevados custos das mercado-rias de produção nacional – de que dependem os produtores – cus-tos afetados continuamente pela inflação, é de ressaltar a impor-tante contribuição que a Bahia conseguiu dar ao balanço comercialdo Brasil com suas exportações. Nas condições presentes os fatoslimitantes da expansão dessas exportações são, alem dos altos cus-tos e a crescente falta dos suprimentos necessários a produção (além

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dos suprimentos de boca e dos artigos essenciais de consumo, im-portados do Sul), o reduzido coeficiente de capital aplicado emtransportes e facilidades básicas, bem como nas proprias explora-ções agrícolas, e ainda, naturalmente, as limitações da demandanos mercados exteriores. Este último fator não chega ainda a seruma drástica limitação no caso de exportações muito variadas e emquan-tidades ainda pequenas. Nestas circunstâncias, a elasticida-de de substituição ainda é, geralmente, muito alta.

Assim, a redução de custos e a melhoria da qualidade - emsíntese, melhoria da produtividade – poderia permitir ampliaçãodas exportações.

No que se refere ao cacau – o principal produto da pauta deexportações baianas à época – assinala-se no Plandeb que as pers-pectivas do mercado internacional são favoráveis para uma expan-são apreciável da oferta, desde que não seja abrupta. Permitem,portanto, um programa de melhoria da produtividade e ampliaçãomoderada da área cultivada (conforme, aliás, a limitação dos solosconvenientes), de sorte a alcançar um aumento da produção de cer-ca de 30%, num período aproximado de cinco anos.

O plano registra, fazendo um balanço dos recursos naturaisdisponíveis na Bahia à época (1958), que, com uma superfícieterritorial de 562.000 km², dispõe a Bahia de 82.000 km² de flores-tas tropicais (já em parte derrubadas) e 25.000 km² de vegetaçãolitorânea e palmeirais, ao lado de 366.000 km² de caatingas e 89.000km² de cerrados. Nessas condições, a percentagem de área úmida,de cerca de 20%, importa numa extensão bastante ampla, de cercade 10.700.000 ha. Acresce que os cerrados são, em parte, recuperá-veis e, embora se verifique na Bahia algumas das áreas mais secasde todo o país, certa extensão das caatingas se desenvolve em alti-tudes mais elevadas, propiciando condições melhores de umidade,a despeito da baixa precipitação.

As terras secas são cortadas por quatro rios permanentes: oSão Francisco, o Paraguaçu, o Itapicuru e o rio das Contas, os doisúltimos “cortando” em ocasiões excepcionais, por não contarem comnenhuma obra de represamento.

As terras reputadas as mais ricas – segundo a tradição – não sãomuito extensas: o massapé, os canaviais, o monzoníte do cacau; mascertas áreas bem situadas, que eram reputadas de solos pobres –como os chamados tabuleiros (o “tabuleiro da miséria”, como ochamava o povo), que se estendem, sobretudo, em torno doRecôncavo, entre o litoral e as caatingas, têm revelado condiçõesmuito propícias para a agricultura intensiva, graças à mecanizaçãoe a adubação. Pouco se sabe, entretanto, sobre os recursos de solo e

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água e suas possibilidades de aproveitamento na Bahia o que im-põe programa considerável de pesquisas integrante dêste Plano. Aposição da Bahia no Nordeste (na direção das maiores migraçõespara o Sul) indica interesse econômico maior no aproveitamentode seus recursos naturais. Assim, suas áreas úmidas se situam maisperto dos mercados regionais e dos do Sul e Centro do País queoutras áreas periféricas onde se desenvolvem programas oficiaisde povoamento subsidiado.

Após este balanço, passa-se a uma análise da evolução da agri-cultura no Estado, no período compreendido entre 1945 e 1957, edas condições que pautaram este processo. Assim é observado que,a partir de 1945, para um crescimento de 29% da população, a agri-cultura expandiu em 40% o seu produto, sendo que, dentro dela, aslavouras 35% e a produção animal 63%. O aumento da área cultiva-da foi de cerca de 50%.

Os autores ressalvam as conhecidas limitações da nossa esta-tística agrícola, que, entretanto, é válida para indicar tendências.Ainda assim, na época, a área ocupada pela lavoura e pela pecuáriacorrespondia, apenas, a 11% da área disponível do Estado. Consi-derando que essa ocupação, em grande parte, era de terras sujeitasa secas, a percentagem de áreas úmidas a ocupar efetivamente ain-da era muito alta. Isso era resultado do fato de que as matas, e ou-tras áreas do litoral eram, tempos, atras, economicamente desinte-ressantes, inclusive sujeitas a malaria hoje praticamente extinta.

A visão global, oferecida pela gráfico da Figura 14 demonstraque, no conjunto da lavoura baiana, as principais características dosrendimentos físicos são uma flutuação constante que se observa aolongo do período estudado é uma nítida tendência ao decréscimo.

Para os autores do plano, como já foi dito e o gráfico deixouclaro, todas as flutuações ocorridas nos rendimentos são reflexosde situações mais ou menos semelhantes ocorridas nas áreas culti-vadas ou na produção obtida. Estas, por sua vez, sofrem as influên-cias, de outros fatores e transmitem a sua incidência aos rendimen-tos. Na Bahia, o fator que detém a maior parcela de responsabili-dade na instabilidade agrícola é o fenômeno das secas. Assim, asquedas ocorridas nos rendimentos correspondem aos períodos nosquais as secas se manifestaram com mais intensidade ou são devidasainda ao prolongamento dos seus efeitos. A periodicidade das se-cas resulta numa queda tambem periódica nos rendimentos físicosda terra. Entretanto, como nos intervalos entre as secas os rendimen-tos têm experimentado acentuadas recuperações, a consequência tem

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sido uma flutuação mais ou menos constante ao longo do períodoestudado.153

Além das flutuações mencionadas, os rendimentos físicos dalavoura baiana apresentaram-se com uma evidente tendênciadecrescente. Esse fenômeno, na interpretação do Plandeb, teria asua origem nas seguintes “causas básicas, que poderiam ter agidotanto em conjunto, como isoladamente:

a) exaustão, nas áreas que já vinham sendo utilizadas com cultu-ras mais antigas e ausência de métodos eficientes de recupera-ção;

b) produtividade física mais baixa nas áreas de utilização recente;

c) má utilização da terra por parte dos produtores.

Continuando a análise, diz-se no Plandeb que[...] em termos percentuais, o conjunto dos rendimentos de 24 cul-turas mais importantes apresenta um decréscimo em 1957 de 10%sobre os níveis, de 1945. Contudo, esta não é a maior queda obser-vada no período: durante, os 3 primeiros anos da década de 1950,período que corresponde a uma seca intensa, registrou-se um de-créscimo nos rendimëntos que chegou a atingir ao duplo da queda

Figura 14 - Fac-símile de gráfico original do Plandeb.Fonte: BAHIA (1960).

153 No original do Plandeb é concedido crédito ao gráfico da Figura 14 e a alguns parágrafosdo capítulo ao estudo do Dr. Hélio Sento Sé realizado no IEFB e publicado em 1957, como título Estrutura e desenvolvimento da lavoura na Bahia.

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de 1957. O fenômeno da queda dos rendimentos não é comum atodas as culturas. Entretanto, as que apresentam taxas elevadas noincremento da produtividade são, justamente, as que ocupam po-sições secundárias na formação da renda do subsetor, tal como é ocaso do coco da Bahia, da cebola, do feijão e da mamona. Por outrolado, culturas como a do cacau, da mandioca, do café, do fumo e dacana de açúcar, que constituem os esteios da lavoura baiana, apre-sentam sensíveis reduções na produtividade das áreas por elas ocu-padas. Dentre essas culturas cabe ao cacau a maior responsabilida-de pela situação apontada. Ocupando 30% da área total da lavourado Estado, o que lhe confere o primeiro lugar também em termosde área ocupada, e sofrendo grandes reduções, no seus rendimen-tos físicos, a cultura do cacau faz com que, numa tentativa de aná-lise como esta, os dados globais sejam grandemente influenciados.Verificou-se, entretanto, uma recuperação da produtividade docacau nas safras 1957/58,e 1958/59 (BAHIA, 1960).

Consoante se afirma no Plandeb, a agricultura representou,na renda interna da Bahia, a partir de 1947, entre 36,7% no ano deextrema seca e de retração do mercado exterior (1952) e 47,6% noano de condições opostas (1954), ficando a modal, no período até1957, em torno de 39%. Não obstante, assinala-se no plano que o“aumento da área cultivada não propiciou empregos para todos”.Mesmo informando não dispor de suficientes dados demográficosna época, assinala-se no plano que “entre 1940/1950, para um cresci-mento de 20% na população rural, o crescimento do número deempregos foi de 11%, apesar da emigração, sobretudo do pessoalem idade de trabalhar. Também no mesmo período a populaçãourbana, na Bahia, cresceu de 46% e os empregos de 37%”. Con-clui-se assim, que “a ampliação da área cultivada foi, em grandeparte, um recurso de sobrevivência para uma vida submarginal”,embora às custas, frequentemente, de maior devastação de recursosnaturais.

Partindo desta constatação imagina-se no plano que “a expan-são ordenada da fronteira agrícola, a ampliação do capital à dispo-sição dos empresários para que possam dar mais emprego” e todoum conjunto da medidas tendentes à promoção de maior produti-vidade permitiriam “o pagamento de melhores salários para fazerface a alta do custo de vida representariam medidas imperativasno sentido: de possibilitar um mais amplo emprego agrícola”.

Didaticamente, exemplifica-se o plano com o caso da pecuáriaque, nas condiçoes tradicionais, emprega apenas 4% do pessoal parauma ocupação de cerca de 45% da área dos estabelecimentos agrí-colas. No entanto, ao adotar métodos de melhoria das pastagens e

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reservas de forragens, em associação com lavouras, poderá absor-ver uma grande massa de emprego.

Registra-se no plano que, a partir de 1945, a produção agrícolaglobal cresceu de 37%, a de exportação 23%, a de produtos agríco-las para abastecimento 32% e a pecuária 76%. O acentuado cresci-mento urbano (46%), a redução relativa da economia de autoconsu-mo e padrões alimentares ainda muito baixos, “evidenciam a insu-ficiência do incremento das culturas de abastecimento, em faceao crescimento de 29% na população estadual.”

Continuando em sua análise, informa o Plandeb que:[...] o crescimento mais auspicioso foi o da produção animal. Par-tindo da base 100, em 1947, a produção animal, na Bahia, teria atin-gido 787, em 1957. Esse crescimento, no Nordeste, só foi maior noPiauí (854) e em Alagoas (795), partindo os dois estados, porém, devolume de produção muito mais baixo. Fora do Nordeste, o Espíri-to Santo registrou 807, Goiás 914, Mato Grosso 1.184 e Paraná 1.391.A percentagem da Bahia, no conjunto nacional, que fora no ano basede 4,9, subiu para 5,3 sendo esse um dos únicos, casos em que aBahia cresceu no conjunto nacional, revelando ao lado de outroselementos a grande potencialidade baiana para a produção animal.No período considerado, tomando ainda os anos mais recentes atéo momento, apesar da instabilidade freqüente, a produtividade damão-de-obra deve ter crescido em face de melhoria dos termos deintercâmbio dos produtos de exportação a partir da guerra (embo-ra não em termos reais,a partir de 1950). Entretanto, se retirarmoso setor de exportação e a pecuária (ultimamente perturbada porinsensatas intervenções) o conjunto da agricultura se revela crítico(grifo nosso).

Atribui-se aos seguintes fatores a razão desta insuficiência:a) a disponibilidade de facilidades básicas de transporte, energia e

água não tem crescido na mesma proporção que em outras áre-as agrícolas do país, reduzindo-se portanto em relação a agri-cultura baiana a capacidade competitiva.

b) os custos relativos dos fatores têm crescido mais na Bahia do quenas regiões agrícolas em torno dos centros industriais. Os fatoresindustriais da produção agrícola (ferramentas, adubos, inseticidas,máquinas diversas, tratores, chapas de aço, etc,) a medida que sãoproduzidos no País segundo uma política conveniente e necessáriado ponto de vista nacional – se apresentam cada vez com preçosmais altos para as regiões agrícolas distantes, sobretudo as que sefavoreciam de importações diretas (e até de centros de exportaçãomais próximos como é o caso do Nordeste e Norte). Além de afeta-rem os termos de intercâmbio da agricultura em todo o País, preju-dicam particularmente a agricultura situada mais distante dos cen-tros de produção industrial, pois que esta tem que pagar o sobrecustodos transportes internos ineficientes e da escassez maior na pro-

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porção da distância dos centros de suprimento. Quanto aos produ-tos industriais que vão afetando crescentemente o custo de vida(mesmo aos padrões mínimos rurais, mas afetados inevitavelmen-te pelo efeito de demonstração ou de imitação) e assim determinan-do o salário mínimo, o mesmo raciocínio se aplica. Os próprios su-primentos de boca, não produzidos nas fazendas, e assim vindosde outras partes, se tornam relativamente mais caros que nas áreasagrícolas em torno dos centros industriais, pois que estas se benefi-ciam da melhoria da produtividade na produção agrícola e nostransportes. Dai resulta que, a despeito de salários nominais maisbaixos, os custos relativos da produção agrícola tendem a ser, for-çosamente, mais altos na Bahia que nos Estados industriais (grifonosso) se não houver uma política corretiva;

c) comercialização deficiente e espoliativa, em conseqüência primei-ro da falta de transportes e, segundo de uma situação oligopsônicano comércio dos produtos agrícolas e abastecimentos alimenta-res (grifo nosso). Em conseqüência, apesar de custos relativos cres-centes, os preços para os produtores, tendem a ser mais baixos queem outras áreas agrícolas do país. Com dados de 1950 e algumasobservações outras , verificou-se que o preço médio obtido peloprodutor agrícola baiano teria sido menor 7% (1950) que o do pro-dutor agrícola brasileiro para os mesmos produtos, embora os pre-ços nos grandes mercados consumidores baianos fossem ligeira-mente maiores que nos do Sul do país;

d) deficiência nos programas de pesquisas e assistência técnica (de-monstração, fomento, extensão) como conseqüência, principalmen-te, da falta de uma organização econômica, para a agricultura e, acurto prazo, das condições político-administrativas que determi-nam uma insanável desordem e ineficiência na maior parte dos ser-viços públicos respectivos, além da limitação de recursos do Esta-do; a limitação do capital de aplicação direta nas explorações agrí-colas: a rigor, somente o cacau, o gado e alguns outros produtostêm permitido a formação de capital próprio (grifo nosso). Geral-mente, o capital formado na agricultura não chega para atenderaos custos de reprodução ou substituição dos suprimentos neces-sários para o andamento das fazendas. A expansão desse capitaldeverá resultar de uma maior taxa de poupança, proveniente doconjunto de medidas tendentes ao aumento da produtividade, asquais também terão como conseqüência atrair e fixar capitais gera-dos em outros setores e, até fora do Estado bem como da expansãodos recursos do crédito a serviço da agricultura baiana. Mesmo nasatuais condições, aqui descritas, em grande número de casos o cré-dito já pode propiciar aumento de produção, da produtividade, dosempregos e dos salários agrícolas. O baixo coeficiente do capitalpor área ou por trabalhador, é acompanhado, naturalmente, pormétodos rotineiros, incompatíveis com a necessidade de competircom a agricultura mais moderna, mesmo em termos nacionais. Osuprimento das deficiências e capital direto do empresário agrícolamuito poderá fazer para a utilização de técnicas já de sua aceitaçãoe conhecimento. É preciso, entretanto, advertir contra o perigo de

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um hiper-investimento em máquinas que não possam ser mantidase amortizadas com o produto da exploração agrícola, ou em técni-cas que são caras em comparação com práticas ainda extensivas ebaseadas nos baixos salários. Assim, o suprimento de bens e servi-ços que constituem fatores na produção agrícola deve ser feito maiseficientemente e em condições cooperativas, ou comunitárias, eco-nomizando-se o capital total ou, em outras palavras, alcançando-separa o mesmo uma maior produtividade global.

Realizada esta análise das razões de ineficiência da agricultu-ra baiana que, meio século transcorrido, em muitos aspectos aindacontinua atual, o Plandeb apresenta suas diretrizes para o Progra-ma agrícola da Bahia. Inicia por afirmar que o fundamental consistena organização do mercado de fatores e de produtos, ou seja, aprópria organização da economia agrícola, pois que sem ela osesforços de extensão (ou “fomento”, como impropriamente se cos-tumou a denominar e inadequadamente a praticar) e de pesquisas,se tornam quando muito heróicos, mas de baixa produtividade.

A partir desse ponto fundamental, recomenda a adoção, deforma coordenada de um conjunto de medidas num programa, cujaslinhas gerais são resumidas a seguir:

a. facilidades básicas de água para agricultura, objeto de umprograma de pequena açudagem e pequena irrigação e deum programa mais amplo de irrigação em maior escala, ca-pitulado entre as inversões especiais para a expansão da fron-teira agrícola, juntamente com colonização;

b. organização do mercado dos fatores e dos produtos - obje-tivo do sistema, a cargo principalmente do Fundo de Desen-volvimento Agroindustrial (Fundagro), e de outras organi-zações relacionadas com o mercado. O mesmo sistema im-plicaria na organização do abastecimento, tanto dos gran-des centros quanto do próprio interior, principalmente nasáreas e nas ocasiões de secas. Esse sistema determinaria aredução de custos para o produtor agrícola e mais fácil, su-primento de recursos técnicos.

c. sistema de pesquisas e assistência técnica. Não há coorde-nação entre as várias iniciativas e agências, nem mesmo con-tinuidade, salvo em casos excepcionais.154 Esta descoorde-nação tem esgotado os esforços dos poderes públicos res-pondendo por uma produtividade flagrantemente baixa.

154 Este problema continua existindo nos dias atuais.

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Não tem havido programa comum, ligado a objetivos eco-nômicos e a um conhecimento do mercado. Inexiste qual-quer serviço de economia agrícola na Secretaria da Agricul-tura e no âmbito federal. No que se refere ao sistema de ór-gãos de pesquisa e assistência técnica, os estudos, até o mo-mento, sugerem medidas como a associação numa mesmaestrutura, do Instituto Agronômico do Leste, da Escola deAgronomia e de um Serviço de Extensão; igual associação,para o Sul, do Estado, entre a Estação Experimental de Uruçu-ca, a Escola Media (ora de capatazes) e um serviço de exten-são; a unidade dos serviços de contato direto com o produ-tor, isto é, a assistência integral para fomento e defesa sani-tária animal e vegetal, através da extensão rural, evitando-se a, especialização técnica do atual sistema de alto a baixo(as casas de lavoura em São Paulo, e as experiências recen-tes da ANCAR e das Missões Rurais, constituem passos nessesentido); o estabelecimento de um serviço de economia agrí-cola; a ampliação e aparelhamento dos postos de observa-ções e informações meteorológicas.

d. ampliação, do capital direto da agricultura – resultará daelevação geral da produtividade. O Governo já vem, alémdisso, promovendo a incorporação de empresas agrícolas eencorajando a inversão de capitais na agricultura baiana.

e. ampliação da fronteira agrícola, as condições gerais cria-das, deverão levar a esse objetivo. Alem disso, porém, trêslinhas de ação são promovidas pelo Governo nesse sentido:a regularização das posses e melhor ocupação das terras doEstado; a organização para colonização; e a promoção, deempresas para plantações industriais;

f. mudança da estrutura agrária (reforma agrária) – esse obje-tivo deverá ser atacado, em todos os programas agrícolas,sem precipitações, mas sem tibiezas. Na Bahia, o processodeverá realizar-se ora combatendo o latifúndio, ora corri-gindo o minifúndio, sempre com a elevação da produtivida-de na economia agrícola. Essa diretriz deverá, sobretudo,comandar a ampliação da fronteira agrícola, especialmen-te o aproveitamento das terras do Estado, conquanto se en-corajem também fazendas de área maior, desde que justifica-das por programas agrícolas adequados. Medidas de ordemfiscal e creditícia, além da organização especial para coloni-

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zação (ampliação da fronteira agrícola) representam os pas-sos efetivos para isso;

g. organização contra as secas – a seca deve ser reputada comoum problema: essencialmente econômico e agrícola. Na li-nha dos estudos coordenados pelo CODENO com a colabo-ração de diversos órgãos federais, o Plano da Bahia prevêuma organização, permanente e outra para as emergênciasde secas;155

h. conservação dos recursos de solo, água e flora - o processode ocupação do solo tem sido predatório. Afetadas pela ero-são, esgotadas, as terras são abandonadas por outras. Já hoje,com o afastamento geográfico das áreas cultivadas e o pesoeconômico dos limites do cultivo foi-se tornando uma van-tagem e, mesmo, uma necessidade a recuperação das terrasdesgastadas mais próximas dos mercados. As florestas e aflora das caatingas têm sido destruídas numa escala alar-mante. Prosseguindo no atual ritmo esse processo, não seráde estranhar que dentro de 10 a 20 anos, não reste quasenada das florestas tropicais da Bahia (isto dito em 1959).Tal devastação geralmente pelo fogo, representa desperdí-cio total de grandes recursos florestais. Destroem-se reser-vas, de energia e matérias-primas e desnudam-se nascentese margens dos rios, levando a uma erosão incontrolável.Observadores prevêem, por exemplo, que dentro de um cur-to espaço de tempo, se destruídas as reservas florestais doalto Paraguaçu esse caudaloso rio, já tão irregular na suavazão passará a secar durante o estio. Daí o programa con-tra as secas e todo o programa agrícola deverem ser em boaparte um programa de conservação de recursos naturais ede sua melhor utilização, indicando um programa deprodução florestal, tendo em vista aproveitar melhor, osrecursos das matas, manter e criar reservas de energia ematérias-primas florestais e defender o solo e as águas;

i. reforma administrativa – O atual sistema (ou falta do siste-ma) de órgãos de pesquisa e assistência técnica carece parafuncionar, de melhorias administrativas substanciais, seja nosetor estadual, seja no federal, isoladamente. Falta ainda a

155 A propósito ver o capítulo 3.4 – O espectro da seca, onde se detalha a ação prevista noPlandeb.

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coordenação entre as duas esferas administrativas, conquan-to alguns convênios isolados já funcionem com desigual efi-ciência não por culpa do sistema, mas de condições própriasde cada convênio. Além disso, em face das razões de inefi-ciência apontadas no conjunto da agricultura e das diretri-zes de um programa agrícola acima propostas, o problemaadministrativo não é, apenas o de reforma e maior eficiênciados serviços tradicionais, da Secretaria de Agricultura e doMinistério, para pesquisas e “fomento”, mas, também, o decriar um setor capacitado para agir com maior flexibilida-de e dinamismo na redução dos custos dos fatores e doscustos de comercialização. Este novo setor é provido peloFundagro e pelo Banfeb (todos os grifos são nossos).

Essas propostas do Plandeb são atuais no tempo presente, masestavam consideravelmente distanciadas da realidade de uma so-ciedade atrasada como era a baiana dos anos 1950 e seus planejado-res tinham consciência da complexidade e do “avanço no tempo”em que implicavam suas propostas quando afirmavam que “os es-tudos para uma reforma administrativa no setor agrícola tanto noâmbito estadual, quanto no federal, não são considerados madurose dependem de fatores políticos internos e da possibilidade de umamaior coordenação entre duas esferas administrativas” (BAHIA(1960, f. 10).

Observe-se que são previstas, ou sugeridas, medidas de gran-de alcance e importância para a economia baiana como: a organiza-ção para a comercialização da produção no mercado; a capacitaçãotécnica; a coordenação das ações; o entendimento da seca como umproblema econômico; a reforma agrária; a conservação dos recur-sos do solo, água e flora numa precoce visão ambientalista quecorrespondeu a uma “crônica de uma morte anunciada”156 tendoem vista a devastação que efetivamente ocorreu e continua ocor-rendo de forma implacável.

O sistema de pesquisas e “fomento” é completado pela organi-zação do crédito e dos transportes, e pelas várias outras empresasdo sistema Fundagro, que propiciariam suprimento (Ecosama,Camab, Labasa) ou assegurariam comercialização, mas favorávelpara os produtores.

156 Expressão emprestada do título do livro de Marquez (1981).

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O Plandeb previa a criação de centros dinâmicos de desenvol-vimento agrícola no Estado, em cidades-chave que polarizariamregiões e funcionariam como centros de organização da economiaagrícola (ou de defesa do produtor) e do abastecimento. Esses cen-tros funcionariam a partir da Companhia de Armazéns Gerais eSilos da Bahia (Caseb), empresa pública que contaria com o apoiode um conjunto de outras empresas especializadas, conformandoum sistema de organização para a produção agrícola. Objetivava-se, com isto, evitar perdas da produção e criar facilidades para trans-porte, crédito e garantia de preços mínimos. Com a criação da em-presa de comercialização, ter-se-ia garantia de compras, estoquesde gêneros, estoques de sementes, estoque de forragens O núcleode mecanização agrícola da Empresa de Conservação do Solo, Águae Mecanização Agrícola (Ecosama) manteria patrulha de tratores,perfuratrizes e oficina de manutenção para os veículos e máquinasda região. A agência da Companhia de Adubos e Materiais Agríco-las da Bahia (Camab) manteria estoques de materiais agrícolas, adu-bos, inseticidas, rações especiais. A agência do Laboratórios da Bahia(Labasa) asseguraria estoques de vacinas e outros produtos bioló-gicos. Enfim, todo o aparato empresarial público, concebido paraoferecer o suporte e dinamismo ao processo de desenvolvimentoque inexistia no setor privado do Estado, seria mobilizado para gerarsimultaneamente efeitos multiplicadores, aceleradores e de polari-zação regional num círculo virtuoso de crescimento como descritona teoria. Conforme o Plano:

Unidades de armazenagem a frio assegurarão a defesa dos produ-tos perecíveis, como frutas, conservas, pescado, etc. Unidades debeneficiamento e industrialização de matérias-primas se irão suce-dendo em torno. Melhores instalações de mercados surgirão, tantopara substituir os talhos e mercados antigos para o consumidor lo-cal, como para se constituirem em centros de venda de produtospara fora (o armazém geral e o frigorifico, garantido) . Êsse conjun-to de empresas significará um vultoso capital em benefício da agri-cultura e das populações urbanas consumidoras. Estas empresaspermitirão ou facilitarão o desenvolvimento das atividades banca-rias e das oficiais de pesquisas, extensão e educação e do comércioem geral, cujos serviços, tendem a se localizar nessas cidades. Logofacilidades hoteleiras e outras se vão tornando necessárias. Assim,se a cidade tem condições de energia, água, terrenos apropriados,meios de comunicação, se tornará um centro industrial irradiadorde progresso econômico para toda à região: uma capital adminis-trativa, e econômica se cria. A selecão adequada e a instalação detais centros através de esfôrço coordenado, tem sido considerada,tanto por economistas agricolas quanto pelos demais, indispensá-

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vel para o desenvolvimento agrícola, se partirmos do principio deque o progresso se faz por um processo de irradiação a partir doscentros dinâmicos começando estes pelo maior centro industrial,essas cidades chave do interior são indispensáveis como centros deserviços e como bases de apoio para os núcleos urbanos menores epara a agricultura na sua área de irradiação. Funcionam comosubestações que recebem com maior sensibilidade e capacidade decondensação os estímulos ou impulsos vindos dos centros dinâmi-cos, para retransmiti-los com maior vigor a periferia rural (BAHIA(1960, cap. 3, f. 11).

Do ponto de vista teórico o Plandeb é um bom trabalho. Sóque, na prática, esqueceu-se do fator humano. Este foi o seu errocapital e a razão do seu insucesso.

A consciência da absoluta incapacidade de surgir, no Estado, apartir notadamente da iniciativa privada, os mecanismos essenciaisà decolagem do seu processo de desenvolvimento econômico, le-vou o Plandeb à concepção de um conjunto de empresas com oobjetivo de “organizar a infraestrutura da economia agrícola e doabastecimento urbano”. Esse conjunto de 19 empresas seriam lide-radas pelo Fundagro, que exerceria, como de fato exerceu, o papelde “holding” do Estado, contando com a participação de outrosorganismos federais entre os quais a Sudene, BNDE e BNB. Os ob-jetivos dominantes destas empresas podem ser agrupados da se-guinte forma:

a) comercialização (mercado atacadista) e industrialização;b) supridoras de fatores da produção;c) mercado a varejo (abastecimento direto).As empresas projetadas são discriminadas a seguir. Muitas

foram efetivamente instaladas e outras não chegaram a sair do pa-pel dada a “solução de continuidade” clássica das administraçõespúblicas brasileiras. As que funcionaram foram posteriormenteprivatizadas e ou extintas ao longo do tempo.

Na área de comercialização e industrialização, foram pro-jetadas:

1. Companhia de Armazéns Gerais e Silos da Bahia – Casebdestinada a operar a rede de armazéns e silos do Estado. OPlano programava para o período de 1960/1963 o seu funcio-namento com 21 armazéns no interior, com capacidade totalde 37.000 t , e um em Salvador com capacidade total de 3.000 t.5 silos no interior com capacidade total de 3.300 t. e um na ca-pital com a capacidade total de 3.300 t. Os armazéns seriamdotados de câmaras de expurgo e em condições de emitirwarrants e conhecimentos de depósito que poderiam ser des-

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contados pelos agricultores nos bancos. O investimento no siste-ma foi orçado em CR$220 milhões cabendo ao Fundagro umaparticipação de aproximadamente 10% e o restante a institui-ções federais como o BNDE, CVSF, DNOCS etc.

2. Companhia de Alimentação e Sementes da Bahia – Casembadestinada a promover a melhoria do rendimento agrícola dosprodutores agrícolas e defender os consumidores da excessivaespeculação. Funcionaria como uma auxiliar da Caseb. Deman-dou investimentos da ordem de CR$ 150 milhões dos quais30% do Fundagro e o restante da Sudene.

3. Matadouros e Frigoríficos da Bahia – Mafrisa destinados aoperar dois matadouros, um em Feira de Santana e outro emIlhéus e destinado a abastecer Salvador e o mercado nordesti-no. Compreendendo um investimento de Cr$ 187 milhões comuma participação do Fundagro da ordem de 22% e financia-mento do BNDE de 66% tinha a participação de capitais priva-dos na ordem 22%. A Mafrisa foi programada para abater 27mil bois em Feira de Santana e 50 mil em Ilhéus, além de suí-nos e caprinos.

4. Pesca da Bahia Comércio e Indústria – Pescaba projeto para arealização da pesca com barcos próprios e comprar a produçãodos pescadores existentes no litoral baiano aos quais supririade gelo e orientação técnica. Investimento de Cr$ 170milhõescom participação do Fundagro de 25%, financiamento do BNBde 30% e participação de particulares, inclusive estrangeiros,de 45%.

5. Frigorífico da Bahia S/A – Friba operadora de frigorífico emSalvador, capacidade de 1.200 toneladas. Investimento de Cr$120 milhões com participação do Fundagro em 8% e do BNDEem 50% , cabendo a particulares 48%.

6. Armazéns Gerais da Bahia S/A entrosado ao sistema Fundagrocom capacidade para armazenar 300 000 sacos de cacau e fri-gorífico com capacidade para 1.000 toneladas. Localizado noporto do Malhado em Ilhéus. Além disso, mais 4 armazéns comcapacidade de 30 mil sacas de cacau cada um espalhados aolongo da antiga BR-5. Investimento programado de Cr$ 150milhões sendo 20% do Fundagro e 60% da Ceplac e cabendo orestante à iniciativa privada.

7. Produtos Alimentares da Bahia S/A destinada a produção edistribuição de leite beneficiado, pasteurizado, em Salvador.Investimento de Cr$ 70 milhões dos quais 14% do Fundagro e36% do Banco do Nordeste. A iniciativa privada participavado restante sendo 21% de capital externo. Esta empresa consti-tui atualmente a ALIMBA.

8. Sacos de Sisal da Bahia S/A – SASIBASA empresa comple-mentar ao plano de aproveitamento do sisal e do programa deindústrias de embalagens. Compreendia um investimento deCr$ 93 milhões com uma participação do Fundagro de 5% e doBNB 30% (sendo 5% de subscrição). Sócios italianos participa-vam com 43% e particulares brasileiros com 22%.

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9. Máquinas Agrícolas S/A empresa para fabricação de desfibra-deiras automáticas itinerantes para sisal. A empresa pretendia ain-da fabricar outros implementos agrícolas simples inclusive equi-pamento têxtil. Representava um investimento de Cr$ 130 milhõescom participação do Fundagro (11%) e BNB (4%) além de financia-mento do BNB de 39%. Sócios italianos participariam com 23%.

10. Indústria de Cacau S/A industrialização de produtos esubprodutos de cacau para o mercado interno e externo. In-vestimento de Cr$ 70 milhões sendo 14% do Fundagro e 43%respectivamente do BNDE e de particulares.

11. Torrefação de Cacau S/A projeto de grande empresa com capi-tais nacionais e estrangeiros destinada em grande escala à pro-dução de pó de cacau para o mercado americano. Orçado emCR$ 100 milhões receberia do Fundagro 20% de recursos e 20%de sócios nacionais. O capital estrangeiro participaria com 60%.

Na área de suprimento de fatores:

12. Companhia de Adubos e Materiais Agrícolas da Bahia – Camabproduzindo adubos e inseticidas para diversas culturas baianas,tinha o Fundagro como seu principal acionista . Esta empresafoi extinta em 1983 sendo suas atribuições assumidas pelos ór-gãos da estrutura da então Secretaria da Agricultura.

13. Empresa de Conservação do Solo, Água e Mecanização Agrí-cola - Ecosama , também do sistema Fundagro foi criada parada suporte de engenharia agronômica aos pequenos e médiosprodutores baiano , construção de poços e açudes etc. Funcio-na até hoje com nova nomenclatura sob comando do governoEstadual. Representou um investimento de Cr$ 459 milhõescabendo ao Fundagro uma participação da ordem de 35% e27% à Sudene. Esta empresa foi extinta em 1971 sendo suasatribuições assumidas pelos órgãos da estrutura da então Se-cretaria do Saneamento e Recursos Hídricos.

14. Laboratórios da Bahia S/A – Labasa destinado à produção devacinas. Inseticidas e fungicidas. Investimento de Cr$45 mi-lhões com participação do Fundagro da ordem de 44%.

15. Companhia Bahiana de Colonização – CBC supridora de ter-ras e de capital suas funções estavam voltadas para a expansãoda fronteira agrícola do Estado e a mudança da estrutura agrá-ria. Previam-se inversões de Cr$ 800 milhões sendo o aportedo Fundagro da ordem de 13% e de outros organismos fede-rais (Sudene, Banco do Brasil e INIC) 68%.

16. Companhia de Eletricidade da Bahia – Coelba. O Fundagrorepresentava o Estado na composição do capital da empresabaiana de eletricidade.

As demais partes do capítulo dedicado à agricultura no Plandebtratam da organização dos serviços técnicos e de pesquisa comosuporte fundamental para o desenvolvimento do setor, da realiza-

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ção de programas específicos para 13 culturas importantes do Esta-do, a começar pela do cacau, da ampliação da fronteira agrícola epropondo, mesmo que timidamente, a realização de uma reformaagrária. Conclui-se o documento com propostas relacionadas como combate à seca, já discutidas neste livro.

O plano previu a realização de investimentos da ordem deCr$ 9.484 milhões (a preços de 1959). Deste montante, a participa-ção dos recursos estaduais correspondia a 26%.

3.12.4 A estratégia industrial do Plandeb

Carro-chefe do planejamento, a estratégia industrial apresenta,em seus principais aspectos, o seguinte escopo:

1. POLÍTICACriação de Condições e Facilidades para a IndustrializaçãoAção Promocional do Estado - PrioridadesEmpreendimentos e Serviços de Interesse Prioritário

2. METASNovos Empregos IndustriaisRenda Adicional

3. PROJETOS ESPECÍFICOS EM ELABORAÇÃO OU EXECUÇÃONovas IndustriasReequipamento e Ampliação de Indústrias.ExistentesRecuperação da Indústria FumageiraRecuperação da Indústria TêxtilFUNDAGROArtesanato

4. PROGRAMA DE IMPLANTAÇÃO DE INDÚSTRIASNovos Empregos e Aumento de RendaOportunidades Industriais

Indústrias QuímicasAproveitamento de Recursos MineraisManufaturas de Aço .Manufaturas de Metais não FerrososIndustrias Baseadas na AgriculturaIndustrias Promotoras de Industrialização

INDÚSTRIA PETROQUÍMICAEsquema para Implantação da Patroquimica

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SIDERURGIAMercado. Capacidade, Produtos, Processos e Equipamentosda UsinaLocalizaçãoAnte-Projeto Técnico

ANEXO: PLANO GERAL DE INDUSTRIALIZAÇÃO

Conforme registra o Plandeb, em 1957, era extrema a deficiên-cia do parque industrial baiano. Sua produção participava com13,3% da renda global do Estado e, em relação ao setor industrialbrasileiro, com apenas 2,5%. Em sua composição, preponderavamos setores alimentar e têxtil, registrando-se a ausência de indústriasde base (exceção feita às de extração do petróleo, de cimento e dechumbo) e, em escala adequada, as de embalagem, materiais deconstrução, montagens e construção de máquinas, gráfica, etc.

No Plandeb, o denominado Programa geral de industrialização(PGI) desejava alterar a estrutura básica da economia estadual atra-vés de uma industrialização intensiva. Esperava-se, com a criaçãode um parque industrial na Bahia, contribuir para reduzir o de-semprego, absorvendo considerável parcela de mão-de-obra, au-mentar o consumo de matérias-primas e de víveres, produzir mo-dificação na estrutura do comércio, através da substituição parcialda importação de artigos de consumo pela produção local, e criarcondições para a exportação de bens de produção e artigos de con-sumo mais elaborados.

Para os que criticam o Plandeb, sem conhecê-lo, é importanteque se destaque sua estratégia, que não era modesta. Para promo-ver o desenvolvimento da Bahia, pretendia articular um processode industrialização, a partir da formação de um polo de cresci-mento constituído de indústrias interdependentes, segundo omodelo clássico de um complexo de siderurgia, metalurgia eindústrias elétricas, complementado por uma indústria de mine-ração e de petróleo e uma infraestrutura especializada; pelaformação de um setor agroindustrial moderno, mediante a elabo-ração de projetos técnica e economicamente viáveis e a promoçãodo desenvolvimento do interior sustentado na modernização daagricultura e da pecuária; pelo apoio às empresas existentes,mediante a modernização e a capitalização daquelas quepossuíssem capacidade de competir no mercado nacional e a for-mação de quadros especializados para os segmentos modernizan-tes da economia regional.

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A realização dessas metas seria reforçada com um programade estímulo à constituição de uma classe empresarial moderna157,junto com a elaboração de estudos macro – e microeconômicos sufi-cientes para sustentar a materialização de novos empreendimentos.

Segundo o Plandeb, para a fixação das metas de inversões, fo-ram considerados apenas os investimentos em projetos tipicamen-te industriais, ficando excluídos, portanto, aqueles relacionados maisdiretamente com setores outros, ainda que vinculados ao desen-volvimento industrial.

Excluíram-se também da estimativa das metas do PGI aquelesempreendimentos surgidos independentemente de uma açãopromocional sistemática do Estado (os chamados Projetos de surgi-mento espontâneo). O Plandeb agrupou os investimentos previstosno quatriênio (1959-1963) em três categorias indicadas a seguir:

GRUPO IPrograma de implantação de indústrias – baseado na açãopromocional do governo.

GRUPO IIIndústria petroquímica - investimentos da Petrobras (os inves-timentos particulares na in-dústria petroquímica estão englo-bados nas cifras do GRUPO I).

GRUPO IIIProjeto de siderurgia – destacado do grupo anterior pela suamagnitude e significação para a economia do Estado.

As metas foram fixadas em termos globais, para o PGI, desta-cando-se apenas as inversões em petroquímica pela Petrobras, e:em Siderurgia. As previsões quanto ao resultado do Programa deimplantação de indústrias (GRUPO I) foram estabelecidas medianteum confronto das taxas de investimento (elencando-se seis efeitosdesejados sobre a renda e o emprego) com as disponibilidades fi-nanceiras que poderiam ser mobilizadas através da ação promoto-ra organizada do Estado.

Com relação aos efeitos que os planejadores pretendiam al-cançar (definidos como metas, vez que representavam um objetivo

157 Um sonho nunca concretizado.

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a atingir com o programa) foi utilizada uma metodologia compará-vel às aplicadas em estudos anteriores sobre a economia nordesti-na por Paul Singer e Stefan Robbock, isto é, estabeleceu-se um con-fronto entre as inversões e a renda adicional gerada por essas in-versões, admitindo a relação produto/capital (1/2,4) aplicada porSinger. Para determinar o número de empregos criados como re-sultado do PGI, fixaram-se coeficientes médios aplicáveis aos di-versos grupos de indústrias contempladas no programa.

A fundamentação teórica deste modelo de desenvolvimento éeminentemente keynesiana, estando baseada nas concepções deHirschman, Rosenstein-Rodan, Harrod e, na constituição de polosde crescimento, no sentido original dado por François Perroux aeste termo, como um conjunto de indústrias interdependentes, emque a concentração dos efeitos dinâmicos dos investimentos seri-am maiores que a soma dos benefícios líquidos de cada empreendi-mento.

O Plandeb orçava em Cr$ 13,850 bilhões (valores de 1959) osinvestimentos que seriam efetuados no Plano geral de industrializa-ção (Grupos I, II e III) ao longo do período compreendido entre 1960-1963. Se a este valor fossem adicionados Cr$ 3,4 bilhões estimadospara as indústrias de “surgimento espontâneo” segundo “projeçãoda tendência histórica de inversões no setor industrial” atingir-se-ia a delirante cifra de Cr$ 17,250 bilhões no quadriênio.

No que tange ao financiamento do Plano geral de industrializa-ção (PGI), programava-se o esquema de fontes indicado na Tabela31 seguinte:

Tabela 31 - Esquema de financiamento do PGI

Fonte: BAHIA (1960).

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Entre os agentes financiadores e participantes das inversões, opapel de liderança caberia ao BNDE (Cr$ 4,09 bilhões) seguido pelaPetrobras (2,1 bilhões) e o Banco do Nordeste (Cr$ 1,6 bilhões). Ali-mentava-se também a expectativa de captação de capitais privadosno montante de Cr$ 3,48 bilhões dos quais 26% externos.

Conforme o Plandeb:As magnitudes de investimentos fixados para o PGI embora pare-çam elevadas em comparação com o ritmo anterior de Inversões naBahia, são perfeitamente viáveis desde que se tenha em mente queo Programa de Implantação de Indústrias pretende solicitar novasfontes de iniciativa e de capital, no Estado e fora dele. Tais recursosserão somados aos das fontes tradicionais de investimento, respon-sáveis pêlos empreendimentos definidos aqui como de surgimentoespontâneo É, preciso notar que o PGI representa, virtualmente,um “crescimento do nada”, pois a atividade industrial é notoria-mente incipiente na Bahia (grifo nosso). Os índices históricos deinvestimentos são extremamente baixos; daí a necessidade do quese tem denominado o big push158, do impulso representado por umavigorosa política de investimentos.

Para Boaventura e Barbosa Filho (1964, p.11) foi o Plandeb con-siderado por muitos como um documento de caráter idealista, utó-pico, inviável, com seu orçamento de investimentos exagerado, mes-mo considerando-se apenas a previsão dos recursos estaduais, alémdo sentido excessivamente hipotético dos investimentos federais.Considerando-se, ainda, que à época já houvesse sido criada aSudene para cuidar do planejamento do Nordeste159.

O idealismo do plano poderia ser ilustrado, por exemplo, pelaprevisão de que, em decorrência das inversões programadas, seri-am criados no Estado 17 mil empregos diretos e 25.500 indiretos,assumindo-se um multiplicador de empregos da ordem de 1,5.

Pelo que se lê a seguir, verifica-se o inegável otimismo do Plandeb:Alem de promover investimentos industriais durante o quatriênioaos níveis já indicados, o Plano de Desenvolvimento da Bahia cria-rá facilidades e atrativos cujo efeito continuará a ser sentido depoisde 1963. Espera-se, que o esforço emprëendido permita manter-se,a partir de 1963, uma taxa média de incremento de 10% para osinvestimentos no Setor Industrial (incluem-se aqui, também, as in-versões em empreendimentos de “surgimento espontâneo”). Na

158 Influência no plano da teoria do desenvolvimento de Rosestein-Rodan.159 Comenta-se que, intelectualmente, Rômulo Almeida (pai do Plandeb) e Celso Furtado

(pai da Sudene) eram rivais. O fato é que o Plandeb não foi absorvido no planejamentoelaborado pela Sudene que, inclusive, imaginava a Bahia, no Sul, e o Maranhão no Nor-te, como fronteiras agrícolas de um Nordeste industrializado em sua região semiárida.

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fixação das metas procurou-se um equilíbrio entre as inversões eseus efeitos, dentro de critérios realísticos. Pelas aplicações de ca-pital previstas no PGI será possível a criação de cerca de 17 milnovos empregos, como resultado direto das inversões compreen-didas no PGI, variando este numero, evidentemente, em função daprodutividade da mão-de-obra e da tecnologia das indústrias quevenham a ser instaladas o número de empregos criados será consi-deravelmente maior, se for considerada a ação multiplicadora eaceleradora desses investimentos; estima-se que cada empregoindustrial gera aproximadamente 1,5 empregos em serviços diver-sos. Espera-se que atinja Cr$5,77 bilhões em 1965 a renda adicionalgerada pelas inversões previstas para o quatriênio, no ProgramaGeral de Industrialização. Para essa previsão, admitiu-se a relaçãoproduto/capital de 1/2,4 taxa que Singer adotou para o Nordeste;estipulou-se, também, um período médio de dois anos, paramaturação dos investimentos Desde que os investimentos globaisno setor industrial aumentem, a partir de 1963, à taxa anual de 10%e se considerar, como mera hipótese de trabalho, que a renda atri-buível a outros setores da economia continue a crescer a taxade1,09% (taxa média geométrica do Produto Real Per Capita na Bahiano período de 1950 a 1957), é possível admitir um aumento anualmédio de 3,5% na Renda Real Per Capita do Estado, a partir de1963 como resultado apenas das inversões do Programa Geral deIndustrialização.

Os efeitos do PGI sobre o padrão de vida serão também subs-tanciais, ainda que primariamente concentrados numa porção rela-tivamente pequena da população.

A longo prazo, imaginava o Plandeb que:Se os investimentos globais no setor industrial atingirem $17.250milhões no quatriênio e aumentarem a partir de 1963 à taxa médiaanual de 10%, a economia baiana poderá atingir os seguintes ní-veis, em moeda de 1959 : em 1979, uma renda real per capita igualà media do Brasil em 1957 ou seja, o dobro da renda real per capitada Bahia em 1957; em 1991, “uma renda real per capita igual doEstado de São Paulo em 1957 isto é, 3,6 vezes maior do que a rendareal per capita da Bahia em 1957. Os efeitos que se espera obteratravés do PGI devem ser apreciados em face das condições atuaisda economia baiana, dos níveis de renda per capita extremamentebaixos.

Os aumentos percentuais terão de ser de grande magnitude, ousua significação em termos absolutos será desprezível. Por outrolado, é preciso notar que os investimentos previstos em diversosoutros programas setoriais, representando obras de infraestrutura,traduzir-se-ão em economias externas para a indústria e contribui-rão para a maior rentabilidade das inversões industriais.

O Programa geral de industrialização do Plandeb contemplavavárias situações, iniciando por um conjunto modesto de projetos

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que se encontravam à época em fase de estudos ou de realização.Este era o caso dos seguintes:

a) Estaleiros de Aratu S.A. – Salvador – indústria de construçãonaval; projeto aprovado pelo GEICON, com capacidade anualpara 2.000 tdw, representando inversões da ordem de Cr$ 180milhões;

b) Industrialização de Frutas – Salvador – fábrica de sucos e com-potas de abacaxi, de doces e massas em geral, investimento pre-visto de Cr$ 11,5 milhões.

c) Indústrias Reunidas Santa Maria – Juazeiro – indústria de óleosvegetais (sementes de algodão e mamona), investimento previs-to da ordem de Cr$33,8 milhões.

d) Óleos Vegetais da Bahia Ltda. – Salvador – indústria de óleosvegetais (sementes de dendê, de palmiste e ouricuri), investi-mento de Cr$ 32,4 milhões.

e) Terminal Oceânico Ipiranga de Ilhéus S.A. – fábrica de latas, in-vestimento estimado em cerca de Cr$6 milhões.

f) Indústria de Dendê – Taperoá – importação de equipamento jálicenciada, investimento total de Cr$80 milhões.

Listavam-se ainda outro conjunto de projetos em revisão eem elaboração, além de dois programas de recuperação da indús-tria fumageira e da indústria têxtil, já a época a caminho da suaextinção.

Tratando-se de um megaplano, é de ressaltar a importânciaconferida pelo Plandeb ao artesanato. Já na década de 1950, ensina-va-se que:

Para atingir o objetivo de criação do maior numero possível de no-vos empregos, o Estado deve ter especial interesse em promoverindústrias que apresentem um alto índice de absorção de mão-de-obra como as pequenas indústrias e o artesanato A importân-cia desses gêneros de atividade industrial, particularmente do ar-tesanato fino, é também relevante no fomento do turismo e nodesenvolvimento cultural (grifo nosso). O programa do artesana-to deve não apenas criar oportunidades de emprego, enquanto nãohá indústria, e para conter as crises, estacionais e cíclicas (secas) daagricultura regional, mas também ajustar-se para a absorção de de-semprego das indústrias em declínio, ou crise declarada (de em-prego, como a fumageira e a têxtil (sobretudo mulheres).

Em seu capítulo relativo a oportunidades industriais, o planoapresentava um portfólio de projetos que poderiam ser desenvol-vidos no Estado, elencando atividades nas áreas da indústria quí-mica, do aproveitamento de recursos minerais, manufatura do açoe dos metais não ferrosos, além daquelas baseadas em matérias-primas da agricultura.

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Porém o carro-chefe do PGI era puxado pela petroquímica epela siderurgia, consideradas como “indústrias-chave” para a pro-moção do processo de industrialização baiana.

No que se refere à petroquímica é impressionante como osplanejadores baianos assumem um papel que era de competênciada Petrobras. Definem o modelo a ser adotado (Figura 15) e as fasesde implantação. Trata-se de um modelo simples em que, a partir dautilização de gás de síntese (C0+H2) e de nitrogênio e oxigênio(N2+02), se alimentariam duas plantas de metanol e amônia. O mo-delo finalmente adotado pela Petrobras no final da década de 1960é extremamente mais complexo (ver Figura 17).

Para a primeira fase, os técnicos baianos propõem um esque-ma de indústrias distinguindo os investimentos a serem realizadospela Petrobras dos que ficariam a cargo do empreendedor privado.Esta primeira fase corresponderia, aproximadamente, ao quatriêniode 1960-1963. Dentro do esquema delineado, caberia à Petrobrasrealizar os investimentos na Usina Geradora de Gás de Síntese, naUnidade de Fracionamento de Ar e nas Unidades de Dioxido deCarbono e de Amônia, para as quais foi estimado um custo total decerca de 15 milhões de dólares (Cr$2,1 bilhões a preços de 1959). Oproposto – de forma imperativa – era que, instaladas essas unida-des, a Petrobras entregaria ao industrial ou ao consumidor priva-do, uma série de produtos semielaborados, indicados no quadroesquemático da Figura 15 seguinte. O plano define que a Unidadede Metanol, de iniciativa privada, forneceria matéria-prima ao pro-dutor de formaldeído, a partir do qual seriam produzidas diversasresinas para a indústria de plásticos, e outros produtos. O planoprevia também que, do metanol, poder-se-iam obter, ainda, numafase posterior, outras famílias químicas, como as de ácido acético,metacrilato de metila e cloreto de metila e, destes, novas séries dederivados. Decide-se que a amônia produzida pela Petrobras seria,em parte (cerca de 100 t/dia), entregue às industrias locais, fabri-cantes de urea, ácido nítrico, fertilizantes, sais de amônia, etc. (taiscomo a Nitrogénio S/A); outro tanto seria distribuído pela Petrobrasem outros mercados do país. O hidrogênio poderia ser aproveitadonuma unidade de produção de ferro-esponja: esta era uma das hi-póteses de redução de minério de ferro que estavam sendo estuda-das pelo Grupo de Siderurgia Sudene-CPE.

Os planejadores destacam que, segundo o escopo apresentadoum só conjunto industrial construído pela Petrobras forneceria maté-

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ria-prima para uma serie apreciável de indústrias, evitando uma mul-tiplicação antieconômica de investimentos pelo empreendedor priva-do. O empreendimento visado pela Nitrogênio S/A, por exemplo,poderia encontrar condições muito atraentes para sua concretização,no que diz respeito aos produtos finais, sem necessitar a integraçãovertical que Ihe seria imposta se fosse obrigada a produzir sua própriaamônia; este produto lhe seria entregue pela Petrobras a um custo maisbaixo, resultante de um mais alto volume de produção.

No plano se esclarece que a iniciativa privada já vinha desen-volvendo esforços intensos para a insta-lação de uma fábrica inte-grada de fertilizantes nitrogenados, ressaltando que ao Estado daBahia interessava, fundamentalmente, a concretização dos planosde instalação da petroquímica, fosse com participação da Petrobras,fosse pela iniciativa exclusiva de particulares, e sinalizava que, nofuturo imediato, procurar-se-ia definir o interesse da Petrobras edos grupos privados para que se concretizasse, de uma ou de outraforma, o estabelecimento das unidades projetadas.

Figura 15 - Fac-símile do esquema simplificado da petroquímicasegundo o Plandeb.Fonte: BAHIA (1960).

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Vale aqui observar que, na época em que foi elaborado o Plandeb,vivia o país na plenitude do regime democrático, quando a autonomiadas unidades da federação era relativamente alta. A Petrobras, àquelaépoca, ainda estava longe de vir a ser um estado dentro do Estadobrasileiro, o que viria a ocorrrer a partir da segunda metade da décadade 1960 sob o regime da ditadura militar. Ainda não havia se desen-volvido e consolidado no poder a tecnocracia que viria a ditar os ru-mos desta grande estatal. Ademais, Rômulo Almeida escrevia com aautoridade e o enfoque de quem havia sido chefe da Assessoria Eco-nômica da Presidência da República e exercia um papel desupersecretário do governo Antonio Balbino.

Quanto às segunda e terceira fases, esclarecem os planejadoresque a matéria-prima para toda essa indústria constituir-se-ia de trêselementos básicos, a saber: energia elétrica, ar atmosférico e gásnatural. Imaginava-se que, na fase inicial da operação do geradorde gás de síntese se tivesse que utilizar o fuel oil. Numa segundafase, e uma vez disponível o gás natural (o que se tornaria inevitá-vel com a evolução dos trabalhos na Região de Produção da Bahia)passariam as unidades de gás de síntese a consumir o gás natural,liberando a parcela de fuel oil para processamento em uma unidadede coqueamento, daí resultando o coque para pasta de eletrodos egases a serem recuperados na terceira fase.

Nessa última fase, far-se-ia o aproveitamento de gasolina na-tural, com produção de acetileno e, numa unidade de recuperação,utilizando-se os gases de coqueamento e também gases de refina-ria, produzir-se-iam novas séries de gases industrializáveis.

No plano, informava-se que, independentemente do escopoapresentado, outras indústrias derivadas da exploração do petró-leo estavam sendo estudadas. Este era o caso da produção de negrode fumo, de parafinas e asfalto.

Assegurava-se que o fundamento econômico de todo esse com-plexo de indústrias era encontrado nas condições do mercado regi-onal e na-cional. Todos os produtos previstos no esquema indicadopoderiam ser colocados competitivamente nesses mercados.

O Plandeb estimava que os investimentos, na primeira fase,corresponderiam à cifra de Cr$ 4.200 milhões, a preços de 1959,recursos que seriam compartidos meio a meio pela Petrobras e pelainiciativa privada.

Enquanto a petroquímica constituiu uma bandeira de luta atra-vés da qual a Bahia acabou conseguindo implantar um projeto de

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dimensões bem maiores que o dimensionado no Plandeb, com asiderurgia ocorreu o oposto.

Para o Plandeb, o estabelecimento de um parque siderúrgicona Bahia, dentro do programa geral de desenvolvimento eindustriailização do Estado e do Nordeste, teria significação excep-cional em dois sentidos: de um lado, liberaria tanto o Estado quan-to a região do pesado ônus decorrente da aquisição desses produ-tos básicos, cujo suprimento ocorria em condições deficientes e de-ficitárias em relação à demanda real e a preços proibitivos; por ou-tro lado, impulsionaria, pelo seu alto poder dinamizante, a ativida-de econô-mica em geral e, particularmente, o desenvolvimento daindústria de transformação.

A usina siderúrgica planejada para a Bahia integrar-se-ia efici-entemente no parque siderúrgico regional existente e em forma-ção. Deveria produzir chapas, folhas de aço e perfilados médios,complementando outras linhas de produtos (vergalhões, perfis le-ves e arames) já fabricadas ou programadas para produção em fu-turo imediato, em outras usinas nordestinas.

A siderurgia projetada teria uma capacidade de produção de125.000 toneladas anuais de lingotes, correspondentes a 100.000 t/ano de laminados, dos quais 80.000, seriam produtos planos e osrestantes perfis médios (até 50 kg/m linear). A produção de planosseria principalmente em chapas finas a quente e a frio, pretas e gal-vanizadas.

O Plandeb orçava, à época, as inversões na siderurgia em Cr$3,75 bilhões. Deste montante, 23% caberiam ao setor público, 13%,ao setor privado e o restante seriam de financiamentos e aval doBNDE/BNB.

Planejada para entrar em produção em 1963, somente umadécada depois (1973) foi inaugurada a Usina Siderúrgica da Bahia(Usiba), assim mesmo com o seu projeto severamente mutilado ecom escala insuficiente para oferecer aqueles efeitos indiretos pre-vistos. Ademais, tornara-se uma proposta tecnologicamente defa-sada em relação à composição do parque de bens de capital na es-cala nacional e à composição dos bens constitutivos do consumoregionalmente organizado. A empresa, no final da década de 1980,foi privatizada, passando para o controle do grupo Gerdau.

Não constituíram os megaprojetos – como os da petroquímicae siderurgia – preocupação exclusiva do Plandeb. Registra-se umaênfase muito especial conferida aos pequenos e médios negócios e

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particularmente ao artesanato que são apresentados como potenci-ais geradores de empregos inclusive para a população feminina.

3.12.4.1 Urbanismo e localização industrial no Plandeb

O objetivo do Plandeb era estabelecer a colaboração da Uniãoe do Estado com as prefeituras e as comunidades locais, dentro doprincípio de “ajudar a quem se ajuda”, no setor de urbanismo eadministração municipal.

Face ao crescimento contínuo das populações urbanas na Bahia(aumento de 46% entre 1940 e 1950) e diante das novas exigênciasresultantes do processo de industrialização, a melhoria das cria-ções de funcionamento das cidades adquiria particular importância.

O esforço estadual seria concentrado nas áreas com maiorespossibilidades industriais, pois que isso, indiretamente, beneficia-ria a todo o Estado.

Para realizar este programa, visando a criar facilidades de lo-calização industrial e auxiliar na solução dos problemas de urbani-zação e habitação popular, projetou-se a formação de uma empresaimobiliária (Companhia Imobiliária de Habitação e Urbanismo),com estilo privado de operação, mas sem objetivo de especulaçãoimobiliária.

Pela sua atualidade e procedência crítica, transcreve-se a se-guir alguns trechos mais importantes do texto introdutório destecapítulo:

Os investimentos municipais são de particular importância no de-senvolvimento de uma área como a Bahia. Apesar das receitasmunicipais constituírem uma percentagem pequena das receitaspúblicas totais representam, de qualquer sorte, uma parcelaponderável na pobreza dos recursos para investir. Além disso, osinvestimentos municipais são, sobretudo nas zonas onde mais seexperimenta a pressão do crescimento demográfico e as possibili-dades de desenvolvimento industrial, decisivas para o processo deexpansão econômica. [...] Uma outra razão, ainda de ordem geral,faz com que não se possa esquecer a demanda de investimentosurbanos numa população em crescimento como a nossa e com umataxa ainda muito reduzida da urbanização e, ainda, com possibili-dades não muito amplas (comparando com o crescimento da po-pulação) de em-pregos agrícolas atraentes, a tendência inevitável éa do grande crescimento das cidades. Entre 1940 e 1950, a populaçãourbana na Bahia cresceu de 46%. Por mais que um programa agrí-cola e o desenvolvimento do interior promovam barreiras ao êxodorural, tudo que se pode conseguir é que a taxa de crescimento das

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cidades não se eleve muito mais. Em consequência, é indispensá-vel criar empregos nas cidades, pela industrialização e criar condi-ções nas mesmas para, por um lado, fomentar a indústria e, poroutro, suportar o impacto do desenvolvimento fabril. A crise urba-na é um dos problemas maiores a enfrentar no futuro imediato,não só na Bahia, mas em todo o Brasil. [...] o planejamento regio-nal [...], deve se traduzir na melhor utilização do espaço [...] e as-sim na orientação de todo o povoamento em torno de cidades,[...]A técnica da vida social, refletida nas instituições jurídicas e políti-cas que condicionam o uso da terra e a expansão (caótica e às vezesmonstruosa) das nossas cidades, esta muito atrasada em relaçãoaos modernos recursos tecnológicos e econômicos. As cidades re-fletem particularmente essa crise. Não utilizam a tecnologiamoderna, são antes esmagadas por ela: o tráfego perigoso as fuma-ças e poeiras venenosas, os ruídos que afetam a audição e a mente,a construção em altura, que congestiona e desumaniza a cidade,quando não utilizada na sua função libertadora de espaço, mas naespeculativa e opressora. Assim, espoliam a natureza, o patrimôniocultural e a vida humana.Há uma ruinosa aceitação de que isso é oprogresso, com suas fatais consequências.[...] Como poderão nos-sas cidades suportar o tráfego resultante da promoção de vendasde veículos individuais ou de família, em face de falta de trans-porte coletivo, resultante, sobretu-do, da inexistência de condiçõesurbanas? Temos cidades asiáticas na sua estreiteza e densidade comos pruridos de mecanização e o movimento de cidades ocidentais.As municipalidades têm recursos reduzidos e esses são absorvi-dos pelo empreguismo. Incapazes de estender os serviços básicosde utilidade pública favorecem uma estúpida valorização dos ter-renos, em benefício do enriquecimento aleatório e ilegítimo demeia dúzia. O valor dos terrenos obriga a uma densidade de ocu-pação que agrava os problemas físicos e humanos da cidade. Asinstituições jurídicas garantem um abuso do direito de proprie-dade da terra contra a coletividade e o futuro. [...] Na Bahia, deve-mos distinguir a capital das cidades do interior. A Cidade do Sal-vador apresenta desde logo dois problemas: — o de criar condi-ções (transporte, água, esgotos, força, habitação operária, localiza-ção saudável das fábricas ) para o desenvolvimento industrial e ode defender-se dos seus possíveis efeitos malignos Salvador temvocação para ser uma das mais humanas e belas cidades de todo omundo, defendido o seu patrimônio cultural e histórico, que é omais alto de todo o pais, e preservada e cultivada a sua naturezasuave e variada de praias, montanhas e cores, para nela se plantara vida de uma cidade nova ao lado da velha e monumental primei-ra capital do Brasil. Ocorre entretanto, que já está sendo destruídae deformada no património, irreprodutível da velha urbis eagredida e roubada na sua paisagem. Prejudicada a expansão ur-bana por “direitos” e interesses particulares contra o bem comum eas gerações futuras, e esterilizada a municipalidade pela herançade despesas de “custeio” ou simples clientelismo, apesar de ter atin-gido a mais elevada taxação do imposto de indústrias e profissões,

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o “plano de urbanismo” foi arquivado e esquecido, embora se exi-gisse um pequeno esforço inicial para se realizar plenamente comouma brilhante operação imobiliária auto-suficiente.

Assim, Salvador se enche de desempregados e de “invasões”(mocambos) e sua Prefeitura é incapaz de criar condições para odesenvolvimento de indústrias e das oportunidades de emprego,incluindo o turismo. As cidades do interior, pobres nas suas recei-tas, são também em regra subtraídas das menores possibilidadesde meIhorar suas próprias condições, pela mesma estrutura políti-ca, que vive de favores pessoais às custas do: erário, sendo o volu-me de emprego dos mais altos numa área de desemprego. Os auxí-lios das esferas superiores, sobretudo a união pela pobreza do Es-tado, hoje numerosos, embora inefetivos por fragmentários,descontínuos e carentes de estudos e projetos prévios (sobretudopara água), padecem ainda de um grave defeito: nem premiam oesforço local nem se orientam para atender às maiores necessida-des, objetivamente consideradas, ou às prioridades para o desen-volvimento geral da região. Dirigem-se para onde há interessespolíticos eventualmente influentes e frequentemente esquecem oscentros onde ajudariam a criar atividades e empregos, para tentarinutilmente subvencionar e consolidar; por vezes, a decadência ir-remediável. [...]A alteração na estrutura de recursos da economiaregional, com os novos transportes, as descobertas na natureza e atecnologia nova importam num processo dinâmico de recomposi-ção das localizações urbanas que, num plano regional, deve ser es-tudado, previsto e orientado, para evitar desperdícios e entravesao desenvolvimento [...] uma diretriz de localização industrial, nestePlano, é a de descentralização, salvo quando a centralização é umimperativo (frifos nossos).

Os principais pontos do programa urbanístico do Plandeb eramos seguintes:

a) estabelecimento de planos diretores e assistência na implan-tação de melhores métodos administrativos e financeiros;

b) projetamento dos serviços de suprimento de água, incluin-do seu financiamento e manutenção;

c) instalação dos serviços de água;d) projetamento das redes de distribuição de energia e de or-

ganização administrativa, técnica, e financeira para esse fim,comportando a colaboração local, com o sistema Coelba;

e) projetamento de esgotos industriais e de outras obras desaneamento, sobretudo os convenientes à obtenção de áreaspara localização industrial e habitação operária saudável;

f) realização das obras do sistema viário, tanto regionais comourbanas, relacionadas com o transporte de material e depessoas;

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g) projetamento e promoção de facilidades especiais para loca-lização industrial (loteamento-urbanização);

h)projetamento das condições urbanísticas (centros de abaste-cimento, mercados, etc.) necessários a atender aos objetivostraçados no programa de organização da economia agrícolae do abastecimento;

i) projetamento de outras facilidades de natureza educati-va,sanitária, cultural e social, como sejam: escolas, biblioteca,serviços de saúde, parques, hotel, etc. ;

j) promoção especial de atividades comunitárias que permi-tam congregar os esforços locais para realização de projetosde interêsse local isoladamente ou em colaboração com po-deres públicos e empresários de fora, constituindo-se as co-operativas (em cujo desenvolvimento o papel principal ca-beria ao BNB e ao Baneb) um dos instrumentos dessa açãoda comunidade, permitindo, sobretudo, desenvolver o cré-dito à lavoura e pequenas indústrias.

No que se refere à localização industrial, previa-se a concen-tração de investimentos de capital social (energia, transportes, abas-tecimento, água industrial, etc.) em locais mais propícios à implan-tação de indústrias e seria elaborado um projeto específico referen-te a uma área a ser selecionada pelo Estado.

O processo de desenvolvimento econômico traz, em seu bojo,o problema da velocidade da urbanização, fenômeno que se reves-te de transcendental importância pelos seus aspectos econômicos,sociais e políticos. Na Bahia, podiam-se observar os grandes deslo-camentos populacionais e as mudanças da paisagem urbana, como adensamento desordenado em áreas de maior progresso. Por isso,tornava-se necessário, segundo o Plandeb, coordenar a ação entreos poderes públicos e entre estes e o setor privado, estudando-se acriação de uma entidade autônoma, financeira e administrativamen-te, cuja função seria a de preparar, através de uma seleção racional,as áreas no Estado para a localização de indústrias e para a instala-ção dos serviços públicos e facilidades comunais, indispensáveisàquela atividade econômica.

Inicialmente, considerou-se como área mais propícia para lo-calização industrial a compreendida no polígono capital-Recôncavoaté Alagoinhas e Feira-Jequié-Itabuna-Ilhéus-litoral. Nessas areasse adensariam os investimentos básicos e a colaboração da União edo Estado com o esforço local. Outros pontos isolados foram tam-

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bém considerados, tendo em vista fatores especiais de localização euma política de razoável descentralização.

Os pontos considerados de maior interesse imediato para lo-calização industrial foram:

a) Nas proximidades da capital,– no município de Salvador (de Plataforma a Água Com-

prida, especialmente nos terrenos da baía de Aratu) porreunir boas condições para certos tipos de indústrias, coma presença de vias de comunicação para os mercados, ener-gia elétrica, água e outras facilidades, tudo isso sugerindoprojeto específico de “cidade industrial”,nos municípios de Camaçari e no distrito de Dias D´Ávila;

b) Na orla do Recôncavo,– em S. Francisco do Conde, Santo Amaro, Cachoeira, São

Felix, Muritiba, Maragogipe, São Roque do Paraguaçu,Nazaré;

c) em outros centros de possibilidades gerais,– em Feira de Santana, Alagoinhas, Jequié e Jaguaquara.

Itabuna e Ilhéus;d) fora da área, em centros isolados,

em Vitória da Conquista, Itaberaba, Juazeiro, Paulo Afonso,Lapa, Correntina (numa etapa ulterior, dependendo de trans-portes, energia, outras cidades).

Constata-se, posteriormente, que as indicações do Plandeb aca-baram sendo seguidas com a construção do Centro Industrial deAratu (CIA), na localização indicada (a baía de Aratu) e do Com-plexo Petroquímico de Camaçari no município do mesmo nome.As cidades de Feira de Santana, Jequié, Ilhéus, Jequié e Vitória daConquista abrigaram os primeiros distritos industriais do interior.

3.12.5 O turismo

O plano também contempla o turismo como um setor estratégicopara o desenvolvimento da Bahia, tendo em vista a riqueza da suapaisagem natural e urbanística e as peculiaridades dos aspectosetnográficos e folclóricos. Observa também, àquela época, seu poten-cial no que se refere ao turismo de negócio. Desta maneira, prevê anecessidade de investimentos na área de “educação para o turismo”,

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de infraestrutura de hotéis e restaurantes, inclusive a construção dehotéis no interior, de preservação do patrimônio histórico e de defesado artesanato. No caso da construção de hotéis, considera comoprioritários os municípios de Cachoeira, Feira de Santana, Alagoinhas,Jequié, Itabuna, Dias D’Ávila, São Francisco do Conde e Santo Amaro.

Para a execução do programa no quadriênio 1960-1963 prevê arealização de investimentos da ordem de Cr$ 1.710 milhões, a pre-ços de 1959.

3.12.6 Outros programas importantes do Plandeb

O Plandeb apresenta ainda uma extensa programação para asáreas de educação e cultura, saúde e assistência, serviço público,pesquisa e documentação e finanças.

No que se refere à educação, o plano assinala a diferença exis-tente entre um plano de educação que colime como objetivo o de-senvolvimento socioeconômico da comunidade e um mero planoeducacional limitado à finalidade exclusiva de educar, sem preten-der utilizar a educação como um fermento de transformação estru-tural da economia e da sociedade.

Assim, afirma o Plandeb que as diretrizes básicas por eleestabelecidas objetivam conduzir o esforço planejador da educaçãobaiana a uma decisiva engrenagem com o propósito deliberado detransformação estrutural que o desenvolvimento requer. Tendo emvista esse objetivo principal, define as seguintes medidas táticaspara a utilização dos recursos destinados a investimentos educaci-onais, tendo em vista a sua maior rentabilidade:

a. Ensino Primário – Verificada a impossibilidade prática deaproveitamento de toda a população em idade escolar, urgeuma política inteligente de rigoroso atendimento das zonasde prioridade, isto é, aquelas que apresentem maiores pos-sibilidades de rendimento, em tudo quanto diga respeito ainvestimentos em instalação de novas salas de aula. Nessecaso está, evidentemente o município da Capital para o qualse prevê o atendimento de toda população escolarizável, eem zonas urbanas dos municípios interioranos , para as quaisse prevê idêntica política.

b. Ensino Médio – Conhecida a procura do ensino secundáriopelas classes sociais em melhor situação econômica,

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tendência comprovada pela superioridade quantitativa deestabelecimentos particulares nesse setor do ensino, compe-te ao poder público a derivação de seu maior interesse, emmatéria de ensino médio para o incremento do ensino técni-co-profissional; utilizando, mesmo, a grande solicitação paraa criação de ginásios no Interior num sentido favorável acriação de escolas técnicas de grau médio, especializadas,na formação dos profissionais que mais se enquadrem naprocura atual e potencial de cada zona ou município, de-vendo mesmo levar esse empenho à manutenção de cursosad hoc de preparação de mão-de-obra especializada.

c. Ensino Superior – Em tal setor, pode-se dizer que a orienta-ção até aqui seguida pelo Governo Estadual tem sido a me-lhor, investindo apenas naqueles ramos do ensino superiorque, por seu caráter técnico, tem imediata e fecunda utiliza-ção social e econômica. A coordenação das autoridades es-taduais com a Universidade da Bahia160 poderá, entretanto,contribuir para que o Estado logre obter as melhores vanta-gens da grande massa de investimentos educacionais deproveniência federal que a Universidade representa. E, nes-sa coordenação, os órgãos técnicos do Governo Estadual e aC.P.E., especialmente através do seu Programa de Educa-ção, Pesquisa e Cultura podem ter um papel destacado natarefa de vincular mais estreitamente a Universidade à vidaeconômica de nossa comunidade, especialmente contribu-indo, a emprestar à pesquisa científica-universitária um ca-ráter instrumental.

d. Adaptação e aperfeiçoamento do professorado - A tarefa deeducar para o desenvolvimento não pode sequer ser pensadasem a adesão espiritual e a mais viva participação do profes-sor. E essa utilização do professor como elemento de mudançados padrões sociais não pode ser objetivada sem o seu compro-metimento com a tarefa que se lhe requer. Tal comprometi-mento somente se poderá conseguir através do convenienteesclarecimento ideológico que lhe dê a plena consciência domister a que é convocado como agente de educação numa soci-edade em mudança. A Secretaria de Educação, poderia, emcolaboração com o Programa de Educação, Pesquisa e Cultura

160 Universidade Federal da Bahia – UFBa.

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da C.P.E. utilizar o Centro de Estudos Educacionais e Aperfei-çoamento do Professor (CEEAP), bem como o Centroaudiovisual recentemente criado, para essa urgente tarefa deaperfeiçoamento do professorado, que é o proporcionar ao pro-fessor, mediante campanhas de esclarecimento e cursos espe-cíficos, a plena consciência da missão que lhe compete priori-tariamente no momento.

e. Educação extra-escolar – Também com as massas populares jáapartadas da vida escolar é necessário contar para o pleno êxi-to de um plano de educação para o desenvolvimento. Se o ob-jetivo que se colima com o desenvolvimento é uia objetivo aalcançar a curto prazo, não é possível limitar esse plano educa-cional ao simples cuidado da infância e juventude. Urge com-prometer também com a empresa coletiva do desenvolvimen-to o grande beneficiário do processo que é o povo-massa. E issonão se consegue senão mediante uma espécie de educação deadultos que se poderia denominar de integração cívica e eco-nômica. O desenvolvimento, como alteração radical daestruturação sócio-econômica de um grupo humano, envolvea transformação de padrões, valores e estereótipos. E se a deci-são desenvolvimentista não quer contar com a inércia do cole-tivo como um freio ao processo que intenta, desencadear oudirigir, não tem outra alternativa senão educar as massas parao desenvolvimento. Essa tarefa ideológica imprescindível podeser desenpenhada pela C.P.E através do Programa de Educa-ção, en colaboração com o Centro de Estudos Educacionais eAperfeiçoamento do Professor (CEEAP), órgão da Secretariade Educação e o Centro Audiovisual.

Estimou-se, no Plandeb, a dotação de recursos para investi-mento em educação no montante de Cr$ 5.087,8 milhões, noquadriênio 1960-1963, dos quais foram destinados ao ensino pri-mário 28%, ao Supletivo, 4%, ao ensino médio, 32%, ao ensino uni-versitário 33% e às atividades complementares, 3%.

É de se registrar que não apresentou o plano qualquer propos-ta para a ampliação do número de universidades federais na Bahia,mantendo-se a exclusividade da UFBa.

No que se refere à saúde pública, ressaltam-se no plano doisaspectos sempre presentes quando se trata desse setor: a escassezde recursos e de informações. Mesmo assim, faz-se um retrato me-lancólico da situação sanitária da Bahia no final da década de 1950.

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Conforme se informa no Plandeb o aparelhamento assistencialdo interior constituia-se de três tipos de órgãos – o posto , compre-endendo à lotação de um médico em locais onde não houvesseprofis-sionais estabelecidos; o posto de higiene, que além do tra-balho assistencial exercia atividades de fiscalização no campo sani-tário e no contrôle das doenças transmissíveis; e o Distrito Sanitá-rio, cujas funções equivaliam às dos centros de saúde. Constatava-se que no orçamento de1959, o Serviço de Saúde do Interior dispu-nha de dotações no total de Cr$ 108.510 mil , sendo que as verbasde custeio absorviam 95% (Cr$ 102.890 mil), sobrando uma insigni-ficante parcela para investimentos.

A rede de unidades incumbidas de atividades médico-sanitá-rias disseminada pelo interior compreendia em 1958, 32 postosconstruídos pelo Estado, 4 construídos pelos municípios, 2 em cons-trução a cargo do Estado, 2 funcionando em hospitais, 17 a cargodo Serviço Especial de Saúde Pública – SESP (federal) e 127 instala-dos em casas alugadas ao Estado. O programa da Secretaria de Saú-de para o quatriênio (1960/1963) contemplava a construção de 80postos de higiene no interior.

De referência aos hospitais verificava-se que dos 45 estabeleci-mentos existentes no interior, 11 funcionavam precariamente ( sendo2 mantidos pelo Estado e 9 em convênio com outras entidades) estan-do 29 outros fechados e 5 ainda por serem concluídos. Dos planos daDivisão de Assistência da Secretaria de Saúde constava, para o exercí-cio de1959, a assinatura de convênios com instituições locais para aber-tura de 7 dos hospitais fechados, e reforço dos recursos para melhoriada assistência prestada por 5 outros estabelecimentos , figurando noorçamento as verbas destinadas a este fim. Permaneceriam fechados,todavia, 22 hospitais, localizadas alguns deles em áreas cuja densida-de demográfica e potencial de recursos tornavam de duvidosa utilida-de qualquer esforço para fazê-los funcionar tendo em vista sobretudoa escassez de meios orçamentarios e as prioridades que devem serconcedida ao atendimento no campo da saúde pública.

No que se refere ao saneamento básico em 1957, dentre os 169municípios pesquisados, apenas 29% (49) possuíam serviços deabastecimento de água, com 69 mananciais captados, 187.546 m delinhas adutoras, 30 estações elevatórias e 8 reservatórios.

Relativamente aos esgotos sanitários, nos municipios pesquisadosapenas 27% (46) possuíam rede de esgotos com uma extensão total de120.704 m, sendo que o emissário media 10.306 m; os locais servidos

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perfaziam o total de 913 quanto aos esgotos de despejo e 2. 351 deesgotos de águas superficiais, sendo o numero de prédios esgotadospor fossas igual a 2.732 e o daqueles esgotados, pela rede 21.304. Da-dos de 1959 sobre o município da Capital mostravam que somente6.500 prédios estavam ligados a rede de esgotos com um déficit aproxi-mado de 80 mil residências servidas por fossas. Quanto ao suprimentode água, Salvador, com 90 mil prédios, tinha apenas 36 mil penas deáguas que correspondiam a 45 mil locações ligadas à rede, numa ex-tensão de 370 quilômetros, dispondo dê 69 mil metros cúbicos de águaquando seriam necessários um mínimo de 100 mil para atender:a 70por cento da população da capital.

O Plandeb estimava a realização de investimentos no programade assistência e saúde no quatrienio (1960-1963) na ordem de Cr$ 2,017milhões que corresponderiam aos recursos monetários destina-dos aconstruções, instalações e equipamentos das obras projetadas pela Se-cretaria de Saúde Pública e Assistência Social, Serviço AssistencialPrioritário e Fundação Hospitalar Octávio Mangabeira.

No que tange às atividades do serviço público e da pesquisa edocumentação, o Plandeb fazia uma análise dos problemas do se-tor público estadual, o que veio a fundamentar a criação do Institu-to do Serviço Público e, posteriormente, a reforma da administra-ção estadual (1966), um marco nas políticas públicas voltadas parao desenvolvimento da Bahia. O Plandeb fazia um diagnóstico daadministração pública que vale a pena reproduzir, tendo em vistaa sua atualidade (ampliada), transcorridos 50 anos da sua realiza-ção. Nesta análise, são apresentados os principais obstáculos à efi-cácia do serviço público em diversos níveis de atuação. Assim, noque se refere à estrutura federativa é criticada a forma como sepratica o federalismo no Brasil. Diz o Plandeb que a tripartiçao deesferas de poder União, estados e municípios, estabelecida na Cons-tituição federal, se, por um lado, é peça importante do regime de-mocrático, pois permite a participação política das comunidadeslocais na vida nacional, e evita os desmandos de um poder políticoúnico, todo-poderoso, traz, por outro sérios inconvenientes:

a) inexistência de uma visão global dos problemas brasileiros,pois os representantes do povo, eleitos pelos estados e mu-nicípios, preocupam-se, quase exclusivamente, com os inte-resses das comunidades que os escolheram, tornando-semeros advogados de ambições locais em detrimento dos in-teresses nacionais;

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b) separatismo, como consequência da quebra da consciênciada nacionalidade, uma vez que estados e municípios de de-terminadas regiões unem-se em grupos para se opor a unida-des federativas de outras zonas, o que não existiria se a açãofederal unificadora se fizesse sentir nas ocasiões devidas.

No plano da estrutura administrativa destaca, em primeiro lu-gar, a máquina burocrátíca do Estado. Apesar de ser a burocracia es-sencial ao Estado moderno – a sua maior expressão mesmo - pois sóela torna possíveis os vitais serviços de defesa de garantia de assistên-cia, etc., traz, no entanto, uma série de vícios já por demais conhecidos,de modo que cumpre, apenas, enumerar os seguintes pontos:

a) falta de interesse pessoal dos órgãos burocráticos pelos ser-viços que executam, o que se reflete, na :maioria dos casosna rotina, lentidão, e má qualidade dos serviços públicos;

b) desprezo absoluto pelo tempo do público a que atende;c) imoralidade e desonestidade dos setores de burocracia que

estão em contacto direto com o público, pois seus membrosexigem propinas ou outras vantagens para executar aquiloque têm o dever funcional de fazer;

d)injusta seleção das pessoas em relação com os postos queocupam, visto que, normalmente, a seleção é feita por crité-rios de afilhadismo político e não pelo do valor pessoal;

e) consciência de infalibilidade, o que acarreta imensas diflcul-dades para revogar-se ou modificar-se um ato praticado porórgão seu, mesmo que manifestamente imperfeito;

f) excesso de formalismo para a solução dos mais simples ca-sos que se lhes apresentam;

g) estabilidade funcional, pois, apesar das vantagens que estagarantia traz ao servidor público, incontestáveis sem dúvi-da, acarreta, porém, um sério inconveniente: fá-lo trabalhareficientemente apenas o tempo necessário para alcançar aestabilidade, sem procurar aperfeiçoar-se daí por diante,fossilizando-se mesmo;

h)falta de preparo para o exercício das tarefas que lhe compe-tem, pois são raros, entre nós, os concursos para provimen-to de cargos públicos e não funcionam, eficientemente, oscritérios de promoção por merecimento: em grande númerode casos, os funcionários não estarão aptos para os serviçosque lhes são confiados.

Além desses problemas, que continuam presentes em nossoserviço público, com relativa melhoria em alguns casos, falava o

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Plandeb à época, da deficiente organização dos setores de ativida-de dos Ministérios, Secretarias de Estado, completamente desatuali-zados face às exigências atuais. Assim, considerava indispensáveluma reestruturação da máquina estatal criando novos órgãos e su-primindo os inoperantes.

O Plandeb listava também o que considerava obstáculos aoprocesso de desenvolvimento decorrentes da estrutura social:

a) supremacia do prestígio pessoal sobre o funcional,161

característica de comunidades provincianas,e a sua existên-cia, na Bahia e no Brasil, demonstram inequivocamente, oprimitivismo em que nos encontramos: as relações entre oshomens públicos são de caráter simpatético e não categóri-co. de maneira que é o prestígio pessoal que permite a libe-ração de verbas (instituição desconhecida em países civili-zados, onde a simples consignação no orçamento é uma ga-rantia de que a verba será aplicada naquele setor específi-co), ou acordos e convênios com entidades financiadoras deinvestimentos, de modo que muito depende do seu círculode relações sociais a eficiência dos homens públicos;

b) clientismo nas relações entre os representantes do povo eseu eleitorado, uma vez que àqueles não compete, apenas,defender os interesses públicos das comunidades que os ele-geram, mas, além disso, fazer favores pessoais que, em vés-peras de eleições, trazem rendosos resultados.

O Plandeb conclui sua abordagem da problemática do serviçopúblico, ponderando que os entraves apontados são, muitas vezes,simples efeitos de causas econômicas mais profundas, não sendo pos-sível deixar de assinalar o papel que exercem, de obstáculo ao nossodesenvolvimento. Não se deve crer que uma simples reforma das nos-sas instituições políticas e administrativas seja capaz, por si só, de tor-nar o Estado apto para exercer as funções a ele confiadas pela coletivi-dade. No entanto, também não serão viáveis reformas ponderáveis dainfraestrutura econômica sem uma concomitante alteração do apare-lhamento político jurídico e administrativo.

Assim, recomenda a revogação dos diplomas legais anacrônicosem relação à circunstância histórica vivenciada à época, aconselha amoralização do acesso aos cargos públicos através de concursos obri-gatórios e do sistema de promoções, tendo em vista a real capacidade

161 A propósito ver Da Matta (1990, p.151 - 196).

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e eficiência dos funcionários. E, para um reaparelhamento da máqui-na burocrática, sugere a criação de um Instituto de AdministraçãoPública, encarregado de estudar o funcionamento das repartições pú-blicas e seus problemas administrativos. Tal órgão se encarregaria tam-bém de estudar a conexão entre os vários órgãos de cada secretaria deEstado, e entre as secretarias entre si, e promoveria cursos regularespara o aperfeiçoamento do pessoal do serviço publico. Recomenda aampliação do âmbito de ação do Departamento do Serviço Público e acriação, sob dependência da Universidade Federal da Bahia, de umaEscola de Administração Pública.

No capítulo que trata da pesquisa e documentação, trabalhan-do com base em Myrdal (1960) e Nukse (1957), afirma o Plandebque uma das únicas compensações que as nações e, dentro destas,as regiões subdesenvolvidas encontram para os fatores que tendemcumulativamente a torná-las cada vez mais subdesenvolvidas emrelação às vanguardistas do progresso técnico e econômico, é a exis-tência nestas de um acervo científico e tecnológico que aquelas po-dem aproveitar. Assim, um dos caminhos principais para um pro-grama de desenvolvimento é a apropriação, a incorporação dessepatrimônio, pela sua adaptação às condições das áreas e povos sub-desenvolvidos (os exemplos históricos do Infante D. Henrique, deD. Pedro, o Grande, da Rússia e o do Japão, são famosos). Por outrolado, nos países que ainda se favorecem de recursos naturais insu-ficientemente apropriados, há uma apreciável margem de produti-vidade a explorar, pela melhor utilização desses recursos, atravésde conhecimento adequado deles.

Essas são as duas razões da alta produtividade, numa regiãosubdesenvolvida, de um programa de pesquisas, desde que orien-tado para objetivos econômicos determinados e a curto prazo, ouseja, relacionando os seus custos (sempre altos para um povo po-bre) com os benefícios imediatos, que nos deve proporcionar. Umprograma de pesquisas, pela procura do conhecimento ou do sa-ber, simplesmente, ou pelo desejo de apresentar sábios ao mundo,conquanto possa tocar o orgulho nacional de povos pobres, seriacompletamente inadequado e poderia ser um dos fatores de retar-damento, seria um desperdício. Não é disso que cogitou o governoda Bahia ao aplicar o dispositivo constitucional sobre o adicionalde 0,5% (ad valorem ) para pesquisas.

Com esses pressupostos, justifica o Plano uma inversão em pes-quisas pelo Estado, avultada em relação aos seus recursos, desde que,

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porém, o esforço estadual não seja motivo para omissões da União,mas, pelo contrário, imponha a esta a atitude adequada: investir naBahia na razão das necessidades de pesquisas (consideradas no planonacional de desenvolvimento) e do esforço local, premiando-o.

Segundo o Plandeb, a elaboração de um programa de pesqui-sas necessitava preliminarmente de uma pesquisa sobre o que de-veria ser pesquisado prioritariamente, levando em conta objetivoseconômicos e sociais definidos e os recursos financeiros e técnicos(habilitações pessoais e equipamentos disponíveis). O ponto inicialnessa pesquisa seria um balanço dos recursos para pesquisa e doque se tem feito, a fim de programar-se a melhor utilização. Nalimitação dos recursos, o programa de pesquisas, se desenvolveriaatendendo aos seguintes objetivos:

a) reconhecimento dos recursos naturais, informações respei-to de tecnologia e da sua utilização;

b) condições da nossa sociedade e dos esforços (programasdiversos) no sentido de melhorar as condições econômicas esociais, inclusive, naturalmente, as vitais;

c) apropriação e adaptação de processos e métodos desenvol-vidos pela ciência e pela tecnologia para a solução dos pro-blemas relacionados com a) e b);

d)elaboração de programas e projetos para a solução dos pro-blemas da comunidade, levando à fase de aplicação as pes-quisas das alíneas a), b) e c);

e) preparação de pessoal, não só para pesquisas mais evoluí-das, mas para ensino e iniciativas diversas (em complemen-to da universidade);

f) produção pioneira de bens e serviços que criem facilidadespara o desenvolvimento, como é o caso de vacinas, medica-mentos básicos, certas matérias-primas, máquinas especiais,serviços de laboratórios eficientes a serviço do público.

Observava-se, no plano que a situação da pesquisa no Estadomostrava, à primeira vista, a existência de uma duplicidade de ori-entação, idêntica à de outras comunidades: a pesquisa geral, parainvestigação e conhecimento de problemas de interesse da huma-nidade; e a pesquisa específica, visando a um levantamen-to dosrecursos comunitários e dos processos científicos e tecnológicos parasua melhor utilização. Ponderavam os planejadores de então quese, sob o aspecto teórico, era impossível valorar positivamente umadessas orientações em detrimento da outra, considerando nossa si-

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tuação de grupo subdesenvolvido, carente de recursos para aten-der as exigências mais prementes, vitais mesmo ao meio em quevivemos, tornava-se válida a afirmação de que a pesquisa da nossarealidade natural e humana, destina-da a incorporar e adaptar asconquistas da ciência, e a da tecnologia, para resolver nossos pro-blemas de produção e de vida, deveriam ter prioridade em relaçãoa investigações sobre temas gerais, que não teriam um reflexo ime-diato para melhorar as condições comunitárias.

Aí acrescentavam criticamente: qualquer que seja o ânguloda pesquisa científica que se encare, o quadro se nos apresentadesolador. Instituições sem disponibilidade financeira para funcio-nar eficientemente, subsistindo, apenas, pelo idealismo e espíritode sacrifício de alguns abnegados. Pesquisadores isolados, princi-palmente ocupantes de funções magisteriais em escolas superiores,a trabalhar, com alunos, sem “pessoal habilitado nem material quetornem o seu esforço sequer promissor”. Falta de coordenação en-tre os diversos investigadores e estudiosos – atitude típica de pro-víncia, onde cada um visa, apenas, a um destaque pessoal – o quegera a duplicação de esforços, o desperdício de energia e a pulveri-zação dos minguados recursos disponíveis. Inexistência de meiospara divulgação dos resultados obtidos, dificultando o conhecimen-to das realizações de cada setor.

Concluía o Plandeb que, por tudo isso, a Bahia se apresentavacomo um ambiente quase virgem de contactos de pesquisadores,um campo aberto à curiosidade de sábios internacionais, mas quesó agora passa a ser examinado, com certo rigor científico, pelosestudiosos autóctones.

No plano, dividiam-se as instituições de pesquisa em quatroblocos. O primeiro, da saúde pública, relacionava o Instituto Brasi-leiro para Investigação da Tuberculose (Ibit) e a Fundação GonçaloMoniz; o segundo abrangia a área de recursos naturais, bastantedestacada no planejamento, compreendendo: o Instituto Agronô-mico do Leste, o Instituto Biológico da Bahia, o Instituto de Pesqui-sas Zootécnicas, o Instituto Regional de Pesquisas Minerais, o La-boratório de Geomorfologia e Estudos Regionais da UFBa., o Labo-ratório de Fotografias Aéreas e o Instituto de Oceanografia (a criar).O terceiro grupo era composto pela área de pequisa histórica, sociale econômica e compreendia a Comissão de Planejamento Econô-mico da Bahia (CPE), o Instituto de Economia e Finanças da Bahia(IEFB), o Centro Regional de Pesquisas Educacionais, o Centro de

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Estudos Educacionais e Aperfeiçoamento do Professor, o Departa-mento de Pesquisas Sociais do IEFB e o Instituto Geográfico e His-tórico da Bahia. O quarto e último grupo, com a denominação ge-nérica de “outros” reunia a Fundação para o Desenvolvimento daCiência na Bahia, o Laboratório de Fonética da Universidade daBahia, o Instituto de Patologia da Bahia, o Instituto Biológico daBahia,o Instituto de Tecnologia da Bahia, e o Laboratório de Gené-tica (a ser criado). Ressaltava-se, no Plandeb, que essas intituiçõesvinham colaborando eficientemente, na medida de suas parcas dis-ponibilidades, quer pela participação direta nos trabalhos de pes-quisa, quer por uma ação promocional e financiadora de entidadesou pesquisadores individuais (como era o caso, por exemplo, da Fun-dação para o Desenvolvimento da Ciência), para o incremento e adivulgação de estudos científicos. Considerava-se, porém, necessá-rio, integrar algumas dessas instituições na idéia de que podriamatuar eficientemente no nosso desenvolvimento, investigando, demodo prioritário, aspectos da realidade baiana, em vez de se deixa-rem levar pela sedução de pesquisas talvez mais atraentes, mas, semdúvida., menos úteis de modo imediato - sobre temas gerais.

No Plandeb, são destinados recursos para investimentos emequipamentos, reaparelhamento, obras civis, etc., em todos os ór-gãos aqui relacionados. Contudo muito pouco foi realizado, comose pode observar nos dias atuais, quando a precariedade da área depesquisas no Estado é simplesmente clamorosa.

3.12.7 Mecanismos de fomento

As atividades de fomento econômico, mediante a utilização debancos estatais, sempre estiveram presentes na administraçãobaiana ao longo do século XX.

A primeira delas surgiu em 5 de setembro de 1902 atraves daLei n° 474, com a criação do Banco de Crédito da Lavoura da Bahiano governo de Severino Vieira. O Banco da Lavoura, como era co-nhecido, segundo Tosta Filho (1948, p. A-4), constituiu a primeiratentativa de organização do crédito agrícola no Estado, operandodentro dos moldes clássicos dos institutos de crédito mediante hi-potecas a longo prazo, com a emissão de letras hipotecárias e pe-nhores adequados às necessidades de cada lavoura. Este banco foisubstituído pelo Banco Hipotecario e Agrícola da Bahia em 21 de

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outubro de 1912 no governo de J.J. Seabra. Este último, segundo aspalavras do governador, “creado para o fim de substituir, servindomelhor os interesses da nossa agricultura e commercio”. O BancoHipotecario não teve sucesso dada a conjuntura de crise internaci-onal (1ª. Guerra Mundial) que sustou os financiamentos para elecontratados no exterior e os conflitos políticos que marcaram o se-gundo governo de Seabra. O Banco foi liquidado no governo GóisCalmon que além de adversário de Seabra também era banqueiroprivado (Banco Econômico da Bahia) e concorrente.

Em 1931 surgiu o Instituto de Cacau da Bahia, com as suascarteiras hipotecária e agrícola, visando a regularização do créditona lavoura cacaueira que, à época, já era a maior do Estado em va-lor da produção.

Como visto anteriormente, em 1937 surge o Instituto Centralde Fomento Econômico da Bahia (ICFEB) um projeto de IgnácioTosta Filho, dado à luz no governo de Juracy Magalhães.

Conforme Tosta Filho (1948, p. A-5) o ICFEB foi organizadocomo uma autarquia administrativa, apresentando característicasoriginais no Brasil, relativamente à sua estruturação jurídica e ad-ministrativa. Dele participavam o Governo do Estado, represen-tando os interesses gerais da coletividade e os institutos do Cacau,Fumo e Pecuária, representando as classes produtoras.

Ainda segundo Tosta Filho (1948, p.A-9) o ICFEB teve umaatuação limitada “cingindo-se à de uma entidade especializada decrédito pròpriamente rural, conduzindo os seus negócios tendo emmira, sobretudo a segurança das operações”. Partindo de um capi-tal inicial de Cr$ 10 milhões em 1937 dos quais 50% derivados dostrês institutos associados, teve o ICFEB criada a seu favor uma taxaespecífica de financiamento, denominada de “taxa de fomento eco-nômico” correspondente a 20% sobre o imposto de vendas e con-signações, taxa esta substituída posteriormente por uma subven-ção fixa de Cr$ 3 milhões anuais, consignadas no orçamento doEstado (Dec.Lei 279, de 7 de agosto de 1944).

De acordo com Lima (2004, p.25) se “fossem mantidas essasfontes de recursos, teria o ICFEB chegado a 1959 [quando se trans-formou em Banco de Fomento do Estado da Bahia (Banfeb)] comouma das maiores instituições financeiras do país, detentora de umcapital inferior apenas ao do Banco do Brasil e ao do BNDE”.

Ainda Lima (2004, p. 25) transcrevendo o Relatório de Ativi-dades do Banfeb – 1960

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Atentando-se [...] para o fato de haver a arrecadação do imposto devendas e consignações ultrapassado, de 1937 a 1959, o montante dedez bilhões de cruzeiros, verifica-se que teria sido recolhida ao IFEB,na forma da lei, a magnífica soma de Cr$ 2.000.000.000,00 (dois bi-lhões de cruzeiros) que, acrescida de lucros operacionais, haveriapermitido que fosse propiciada, à economia baiana, uma assistên-cia ampla, capaz de modificar, seguramente, os seus aspectos es-truturais, contribuindo, decisivamente, para o seu fortalecimento.Mas, em conseqüência de uma acanhada visão dos fenômenos eco-nômicos e da extraordinária repercussão que o engrandecimentoda entidade oficial de crédito do Estado poderia trazer às condi-ções de vida do nosso povo, eliminou se aquela possibilidade, [...] eo Instituto de Fomento Econômico da Bahia permaneceu funcio-nando, durante 22 anos, com o seu capital inicial inalterado, ape-nas acrescido, é claro, pelas reservas que se foram acumulando, asquais, em 1959, atingiam a Cr$ 88.000.000,00. Com aqueles reduzi-dos recursos, portanto, não seria possível ao IFEB cumprir, eficaz-mente, a elevada missão que lhe estava reservada, de amparar efomentar a economia do Estado, nos altos níveis de suas necessida-des, embora não se tenha descurado de contribuir para o desenvol-vimento da produção, financiando, nos estreitos limites de suaspossibilidades, a agricultura.

O ICFEB possuía em 1939, Cr$ 14,2 milhões em recursos pró-prios (capital + reservas) e Cr$ 3,3 milhões em depósitos. Em 1946,esses valores se elevam para Cr$ 33,03 milhões em termos de recur-sos próprios e Cr$ 25,4 milhões em depósitos (TOSTA FILHO, Qua-dro A-I). Os depósitos que, em 1939, representavam 19% do mon-tante de recursos disponíveis elevaram a sua participação, em 1946,para 43,4%. Isto, segundo o autor citado, devido às conseqüênciasda inflação, da maior publicidade do Instituto e sobretudo à garan-tia dada pelo Estado pelo Decreto-Lei 513, de 21 de junho de 1945.

Em 1939, o ICFEB aplicou 94% das suas disponibilidades(Cr$17,5 milhões) na carteira hipotecária (17%), na carteira agrícola(73%) e na carteira de fomento a colonização (10%). Em 1946 asaplicações assumem as seguintes características: carteira hipotecá-ria (40%), carteira agrícola (50%) e na carteira de fomento a coloni-zação (10%), de acordo com Tosta Filho (Quadro A-II).

O ICFEB aplicou a maior parte dos seus recursos (cerca de 90%)em cinco atividades vinculadas à agricultura, a saber: cacau, canade açúcar, fumo, pecuária e mandioca. Entre as atividades indus-triais registra-se um pequeno apoio a metalurgia que, entre 1941 e1947 recebeu financiamentos no total de Cr$ 2,4 milhões.

No período analisado por Tosta Filho (1939 – 1946) o Institutorecebeu 3 362 propostas de empréstimos totalizando Cr$ 352,7 mi-

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lhões porém só atendeu a 1 875 propostas (56%) desembolsandoCr$ 156,9 milhões (45%).

Tosta Filho critica o conservadorismo e a falta de agressividade dasdireções do ICFEB que, a seu ver, pelas oportunidades de alavancagemdos recursos disponíveis à época poderiam ter triplicado o volume derecursos aplicados na economia estadual. Também critica a destinaçãodo crédito que privilegiava o grande produtor em detrimento dos pe-quenos agricultores que não tinham acesso aos financiamentos.

No Plano de Ação Econômica para o Estado da Bahia propõe a cri-ação do Banco da Produção do Estado da Bahia apresentando comoSeparata da secção A do Volume II do referido plano um estudo com-pleto para a constituição deste novo organismo de crédito, inclusi-ve a minuta do projeto de lei. Trata-se de um banco para a agricul-tura, como deixa entender ele no seu projeto:

No presente estudo sobre a organização do Banco da Produção doEstado da Bahia encaramos sobretudo a distribuição do créditodestinado às atividades rurais, uma vez que a lei da criação doConselho Estadual de Fomento Industrial já prevê, pelo menos deum modo geral, que o financiamento de indústrias fabris e minei-ras seja feito por intermédio do referido Conselho, quando não porele diretamente.

Porém não exclui a possibilidade de financiar as indústrias,dando ao seu projeto uma característica mais ampla e abrangente:

Por outro lado, propomos para o Banco em apreço a denominaçãode Banco da Produção, e não Banco Rural e Hipotecário, porquan-to as suas finalidades são amplas demais para esta última deno-minação mais restritiva, inclusive no que tange a possibilidadede financiar indústrias em geral, quando assim acordado com aCEFI, e ainda atividades comerciais através da sua Carteira de Des-contos. (TOSTA FILHO, 1948, p. A-19).

O projeto do Banco da Produção foi lançado antes da aprovaçãoda legislação bancária que se encontrava em discussão no CongressoNacional (legislação esta que somente saiu em 1964).

Entre 1956 e 1959 o governo da Bahia adotou um conjunto deprovidências para dar sustentação crediticia e financeira ao seu siste-ma de planejamento. Assim em 1956, criou o Fundo de Desenvolvi-mento Agroindustrial da Bahia (Fundagro) e em 1959 transformou oICFE no Banco de Fomento Econômico do Estado da Bahia (Banfeb),provavelmente aproveitando o trabalho detalhado de Ignácio TostaFilho com vista ao Banco da Produção. É de se destacar que em toda asua trajetória futura o Banfeb trabalharia prioritariamente com o cré-dito agrícola.

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O Fundagro teve por objetivos:a) expandir investimentos dentro de um programa de desen-

volvimento e organização da economia agrícola e de equilí-brio e suficiência de abastecimento;

b) colaborar supletivamente com a iniciativa privada em as-suntos de fundamental interesse para a economia agrícola,o abastecimento e a própria industrialização.

Surgiu como uma holding que abrangeria uma série de empre-sas destinadas a aumentar o nível de produtividade e racionalidadedo setor agropecuário, assim como garantir a estabilização do for-necimento no mercado de gêneros e matérias-primas.

Como estava previsto no Plandeb e foi anteriormente descrito,com a participação do Fundagro, foram criadas inúmeras empre-sas, voltadas, em sua maioria, para o fortalecimento das atividadestradicionais. Eram, principalmente, empresas que deveriam darorigem a setores de apoio a essas atividades, ou tentativas de mo-dernização, ou, ainda, agroindústrias de linha complementar às ci-tadas atividades. Segundo pretendia-se no planejamento, o setorpúblico deveria desenvolver o esforço inicial para cobrir espaçosnão ocupados pelo setor privado. Assim, defendia-se a idéia de cri-ação das empresas, também para caracterizar como um “negócio”do qual se esperava extrair lucros. Não deveriam ser serviços pú-blicos, mas empresas das quais o setor público era acionista, paradelas se retirar quando estivessem amadurecidas e com situaçãofinanceira consolidada.

A equipe do Plandeb sabia perfeitamente do grave problemada falta de empresários e de capacidade empresarial na Bahia. Aintervenção do Estado na economia foi a fórmula encontrada parasuprir esta grave lacuna. Vale destacar que a idéia de uma holdingcom esta finalidade foi posteriormente copiada pelo BNDE para aviabilização do projeto petroquímico de Camaçari, quando os em-presários brasileiros, no caso, eram também muito poucos.

Dentro dessa linha, foram criadas várias empresas relaciona-das nesta seção, nos tópicos relativos aos programas agrícola e in-dustrial (seções 3.12.3 e 3.12.4). Dentre aquelas mencionadas, tive-ram efetivamente destaque as seguintes: Companhia de ArmazénsGerais e Silos do Estado da Bahia (Caseb), Companhia de Alimen-tação e Sementes da Bahia (Casemba), Matadouros Frigoríficos S.A.(Mafrisa), Empresa de Conservação do Solo e Mecanização Agríco-la (Ecosama), Companhia de Adubos e Materiais Agrícolas da Bahia

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(Camab), Produtos Alimentares da Bahia (Alimba) e CompanhiaIndustrial Metalúrgica da Bahia (Cimba).

Todas estas empresas foram posteriormente privatizados oufecharam. De acordo com o depoimento de Rômulo Almeida:

O Fundagro era uma holding, e como tal não administrava direta-mente nada. Apenas formulava os projetos, constituía as empre-sas, dava o apoio técnico, fazia as auditagens e exercia o controlede gestão. Era uma organização para crescer e consolidar-se. Po-rém, como essas empresas filiadas começavam a crescer e a ficarimportantes, as lideranças políticas começaram a botar olho nelas eacabaram por controlá-Ias, dividiram-na em verdadeiros “feudos”,e aí o sistema sofreu muito depois que eu saí. Aliás, antes disso tivealguns incidentes políticos. Lembro que coloquei na direção daEcosama um professor de engenharia, que era um homem de es-querda, sujeito muito sério, o Walmor Barreto; e trouxe dois técni-cos da FAO, um holandês e um dinamarquês, que tinham traba-lhado na África e na índia. Conheciam condições de vida tropical eeram especialistas em engenharia rural. Orientaram uma organi-zação primorosa, na época, para os recursos do Estado. Temposdepois, o pessoal do governo começou a assediar esse executivo e aatraí-lo com uma candidatura a deputado. Enquanto eu estava lá, opessoal se mantinha no espírito da organização; depois a coisa ficourealmente enfeudada politicamente. Cada empresa tinha um donopolítico, e aí, foi um desastre: o Fundagro, como holding, deixou deexistir; não tinha mais força. Cada sujeito que dominava uma em-presa fazia seu jogo conforme os próprios interesses. Esse processode degeneração, segundo Rômulo, começou ainda no governo Juracye depois se agravou. Por exemplo, a Casemba, no governo deLomanto, “foi transformada num instrumento de demagogia: elecomprou uma série de Kombis para vender na feira; então, num anoteve um prejuízo colossal”. (SOUZA; ASSIS, 2006 p.244).

O sistema pretendido com o Fundagro desarticulou-se comple-tamente a partir da Reforma Administrativa do Estado realizada em1966. O seu patrimônio foi transferido para o Banco de Desenvolvi-mento do Estado da Bahia (Desenbanco), criado naquele ano, queassumiu as funções de banco de fomento, operando exclusivamenteno mercado de capitais. Pouco antes, em outubro de 1965, o Banfebfoi transformado em Banco do Estado da Bahia S.A. (Baneb) quecontinuou operando com o crédito agrícola, ao qual, por dispositivoestatutário, destinava 70% dos seus recursos próprios. O Baneb,contudo operava em todos os mercados que compunham o mercadofinanceiro à época constituindo o que atualmente se denomina debanco múltiplo. Assim, trabalhando nos mercados monetário e decrédito, através das carteiras de crédito geral, industrial e de câmbio,prestou relevantes serviços a economia baiana por combinar o crédito

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de curto prazo – com as operações de longo prazo (num modelo se-melhante ao adotado pelo Banco do Nordeste do Brasil). Chegou apossuir seis subsidiárias que operavam nos mercados de câmbio, deseguros e de capitais. Em 1992, próximo da sua absorção peloBradesco, possuía 154 agências no interior do Estado, 14 em Salva-dor e 4 em outros estados. O Baneb foi vendido ao Bradesco em 1999.A despeito da malversação das suas finalidades pelo uso político deque foi vítima, fez muita falta à economia baiana.

Falando de mecanismos de fomento à economia baiana seriainjusto se não fosse feita menção a duas instituições privadas queparticiparam da vida econômica estadual desde o século XIX. Tra-ta-se do Banco da Bahia S/A e do Banco Econômico da Bahia S/A,criados em 1857 e 1893 respectivamente.

Esses dois estabelecimentos de crédito, na primeira metade doséculo XX, foram os principais agentes de captação de recursos parao governo estadual e instrumentos ativos de financiamento da pro-dução, notadamente a agrícola. Dos seus quadros funcionais saí-ram muitos técnicos que contribuíram para aumentar a eficiênciade diversas administrações estaduais, sendo seus expoentes Cle-mente Mariani Bittencourt , pelo Banco da Bahia; Francisco Mar-ques de Góis Calmon e Miguel Calmon du Pin e Almeida Sobrinhopelo Banco Econômico, personalidades que se destacaram sobretu-do pela defesa dos interesses nacionais, neles contidos com priori-dade os da Bahia.

Esses dois bancos desapareceram no final do século XX. O Ban-co da Bahia foi vendido ao Bradesco em 1973 e o Banco Econômicofaliu em 1995, na onda de uma crise bancária sem precedentes queatingiu o país.

Com o golpe militar de 1964, acabou-se, a experiência de planeja-mento na Bahia. E é de se acreditar que também no Brasil, a partir de1990, com a onda neoliberal que dominou o mundo. O máximo que asadministrações estaduais passaram a apresentar foram programas degoverno – declarações de intenções nem sempre cumpridas – e proje-tos, muitas vezes de inspiração federal, tendo em vista a concentraçãodos recursos para investimento pela União.162

162 Ver ainda, no Título IV o Capitulo 4.2 que trata dos incentivos fiscais concedidos peloestado da Bahia.

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TÍTULO IVPOLÍTICA GOVERNAMENTAL NA

INDÚSTRIA, NO COMÉRCIO E NO TURISMO

Os puristas da chamada escola liberal dirão que as inexoráveis leiseconômicas regularão o mercado, com o correr do tempo, elimi-nando, pela falência e abandono das fazendas o excesso de produ-ção... É a lei da sobrevivência dos mais capazes. Mas a história eco-nômica mostra, incessantemente, que no atual estado de civiliza-ção não se pode e não se deve deixar os povos à mercê dos iníquosresultados de uma tal lei.(SIMONSEN, 1937, p.75)

4.1 PROGRAMAS E PROJETOS PÓS-1964

O golpe militar de março de 1964 implantou no Brasil um regi-me ditatorial que dominou o país durante 22 anos. Os estados per-deram completamente a autonomia. As eleições diretas para go-vernadores e prefeitos municipais foram suspensas, o CongressoNacional perdeu a função legislativa, concentrando-se todo o po-der decisório em mãos do estamento militar.

Durante a ditadura, a Bahia foi dirigida por um governador,eleito em 1963 e mantido no cargo, e quatro governadores nomea-dos, nos períodos seguintes:

a) 1963/1967 Antonio Lomanto Juniorb) 1967/1971 Luís Viana Filhoc) 1971/1975 Antônio Carlos Magalhãesd) 1975/1979 Roberto Santose) 1979/1983 Antônio Carlos MagalhãesO planejamento industrial da Bahia pós-1964 também execu-

tou programas e projetos segundo diversas diretrizes emanadas doPlandeb, notadamente quando estas coincidiam com o planejamentodo governo federal à época. Os programas de maior destaque fo-ram os seguintes:

a) fomento à industrialização do interior;b) implantação dos complexos produtores de intermediários

na metalurgia, petroquímica e minerais não-ferrosos.Como instrumentos principais desses programas, desenvolveram-

se as políticas de incentivos fiscais e de construção dos distritos indus-triais. A racionalidade da política dos distritos estava na constituição

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de “polos de crescimento”, no sentido original dado por FrançoisPerroux a este termo, como conjuntos industriais interdependentes emque a concentração dos efeitos dinâmicos dos investimentos seriammaiores que a soma dos benefícios líquidos de cada empreendimento.

Essas políticas estiveram associadas à percepção dos planejado-res baianos quanto a três aspectos:

a) a reduzida vocação industrial dos empresários locais, já dis-cutida à exaustão neste livro, preferencialmente dedicadosao comércio, à agricultura e, posteriormente, aos serviços eà intermediação financeira;

b) a ausência de inovadores, decorrente do baixo nível de de-senvolvimento educacional e tecnológico local;

c) a escassez de poupança interna que formasse, pelo menos, acontrapartida de recursos para o financiamento de inversõesindustriais como já foi anteriormente mencionado.

Para enfrentar estas limitações, a solução lógica seria a da atra-ção de capitais externos, fossem nacionais ou internacionais. Daí amontagem da estratégia de construção de externalidades físicas efinanceiras (distritos + incentivos fiscais) como fatores de atração.

O quadro tornou-se tão dramático que, em 1975, quando ogoverno federal procurava sócios para a montagem do modelotripartite de composição acionária de petroquímica que aqui im-plantava, só conseguiu reunir três grupos empresariais baianos (to-dos sem tradição industrial), sendo dois banqueiros (um dos quaisfaliu) e um vinculado à construção civil. Assim mesmo, teve quesubsidiá-los com recursos do BNDES.163

No plano tecnológico, a despeito do considerável número deinstituições teoricamente envolvidas com a política e com os pro-gramas de fomento à pesquisa e ao desenvolvimento no Estado,constituídos ao longo dos últimos vintes anos, existe, na prática,um grande distanciamento entre a produção científica e tecnológicalocal e as demandas do setor produtivo, o que tem inibido, por umlado, a função social da pesquisa e, por outro, a geração de inova-ções tecnológicas para as empresas. A inexistência de políticas per-manentes e concatenadas para a ciência e a tecnologia (C&T), commetas dimensionadas para todos os setores, a ausência de articula-ção e de utilização de pesquisa cooperativa entre centros de pes-

163 Que acabou se transformando, no final do século, no maior grupo petroquímico privadodo Brasil.

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quisa, universidades e empresas, além do reduzido volume de in-vestimentos em C&T, tanto da área pública, como da privada, ex-plicam a ineficácia do sistema estadual de inovação.

Em termos ainda mais específicos, o predomínio do capitalmercantil no Estado gerou uma cultura voltada para a aquisição detecnologia pronta (pacotes fechados).

A indústria petroquímica, a mais importante da economia es-tadual, revelou-se incapaz de gerar um núcleo de desenvolvimen-to de tecnologia endógeno, vez que suas empresas não possuem oporte adequado para efetuar os investimentos necessários em pes-quisa e desenvolvimento (P&D) que lhes assegure os níveis inter-nacionais de competitividade requeridos.

No plano das universidades, merece registro o gradativodistanciamento que se processou, a partir de 1964, entre o governodo Estado e a Universidade Federal da Bahia, o que se agudizou apartir de 1969. Isto porque o movimento militar expulsou os princi-pais técnicos e pensadores baianos, que foram obrigados a deixar opaís ou o Estado. O conflito ideológico entre a universidade e ogoverno só fez crescer ao longo dos 22 anos da ditadura militar eprolongou-se até a época atual, posto que, mesmo após o final dociclo castrense, continuou o Estado sob o domínio cada vez maisabsoluto de uma facção política de extrema-direita que não era sen-sível a investimentos de médio e de longo prazos em P&D.

Nesta circunstância, sem apoio político estadual e enfrentan-do a política privatizante do governo federal, a universidade so-freu um processo de esvaziamento, o que cortou uma importantevertente de produção e renovação tecnológica.

Como governador da Bahia no período de 1963 a 1967, LomantoJúnior enfrentou um período extremamente difícil, tanto no planopolítico quanto no econômico. A sua gestão foi atropelada pelo golpemilitar de 1964 que quase cassa o seu mandato o qual exerceu sobreuma velada tutela militar. No seu governo, foi realizada a reformaadministrativa da estrutura executiva do governo estadual, umaimportante medida de política pública no sentido da moderniza-ção da máquina administrativa. Uma característica marcante dessareforma, que foi estrutural, foi o fato de ter sido inspirada e promo-vida de acordo com as diretrizes do Plandeb, visando a dotar oEstado das condições indispensáveis para a condução do processode crescimento econômico da Bahia. A partir desse momento, in-troduziu-se no Estado a técnica de orçamento-programa com a

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vinculação dos recursos às atividades governamentais programa-das. Nenhuma outra reforma com esta amplitude ocorreu posteri-ormente. Surgiram apenas emendas casuísticas, promovidas pelosgovernantes posteriores, objetivando especificamente o atendimentode projetos políticos dos grupos no poder.

Assim foi concebida e promulgada, em 11 de abril de 1966, a Leida Reforma Administrativa do Estado da Bahia164, no bojo da qual nas-ceram a Secretaria da Indústria e Comércio (SIC), o Banco de Desen-volvimento do Estado da Bahia (BNDE) e o Centro Industrial de Aratu(CIA) entre outros órgãos importantes, e foram criadas as regiões ad-ministrativas do Estado, como parte de uma proposta de descentraliza-ção da administração – que nunca foi posta em prática –, entre outrasmedidas que mudariam a feição da administração.

A reforma, realizada com base nos estudos do Instituto de Servi-ço Público da Universidade Federal da Bahia (ISP), seguia também aorientação federal com a reforma administrativa na União.

Em termos de política industrial, a SIC absorvia atribuições queantes eram exercidas pela Secretaria da Agricultura, Indústria eComércio, pela Secretaria Extraordinária para o DesenvolvimentoEconômico e pelo Fundo de Desenvolvimento Agroindustrial(Fundagro). Os seus objetivos, definidos em lei, eram:

a) orientar e estimular as atividades industriais e comerciais;b) estudar os problemas econômicos e técnicos da indústria e

do comércio, tendo em vista os interesses do desenvolvimen-to do Estado.

A despeito de ter sido criada em 1966, a SIC começou a funci-onar efetivamente em 1967, quando teve as suas atividades regula-mentadas pelo decreto n. 20.138 de 30 de janeiro de 1967, publicadono Diário Oficial do Estado do dia 14 de fevereiro do mesmo ano.

A SIC, assim como o Banco de Desenvolvimento e o CIA, foiconcebida na Secretaria Extraordinária para o Desenvolvimento Eco-nômico, dirigida à época pelo economista Victor Gradin, como par-te integrante do mecanismo institucional que objetivava instrumen-tar o governo estadual para uma ação mais eficaz no fomento àindustrialização da Bahia, no bojo de um processo que se intensifi-cava em todo o Nordeste brasileiro como decorrência, entre outrosfatores, da ação do governo federal por intermédio de organismoscomo a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste(Sudene) e do Banco do Nordeste do Brasil (BNB).

164 Lei 2 321 de 11 abr.1966.

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Juntas, essas três instituições formaram um sistema em quecabia à secretaria tratar da formulação política do processo de de-senvolvimento industrial, ao CIA, a oferta e a administração de áreasdotadas de infraestrutura, com a geração das externalidades essen-ciais à atração de novos investimentos e ao Banco de Desenvolvi-mento, a concessão de financiamento de longo prazo com recursospróprios ou mediante operações de repasse.

A SIC absorveu na sua estrutura organizacional parte das em-presas do extinto Fundo de Desenvolvimento Agroindustrial daBahia (Fundagro),165 comportando também uma figura organizacio-nal criada pela Lei da Reforma Administrativa a qual se denomina-va de Centros Executivos Regionais. Esses centros objetivavam adescentralização das atividades e dos serviços das secretarias deEstado, operando como unidades administrativas polivalentes166, loca-lizadas nas cidades-sede das regiões administrativas do Estado. Naprática, esse órgão nunca funcionou.

A secretaria nasceu desvinculada da atividade turística. O en-tão Departamento de Turismo, pela Lei da Reforma Administrati-va, era subordinado à Secretaria de Assuntos Municipais e Desen-volvimento Urbano.

Dadas as circunstâncias em que se processou a sua criação, oCentro Industrial de Aratu, em seus primeiros momentos, surgiupoliticamente mais forte do que a secretaria. Foi organizado pelodecreto n. 20.126 de 12 janeiro de 1967, como autarquia, sem maiorvinculação à SIC.

É também de 1966 a aprovação do regulamento dos incentivosfiscais a cargo do governo Estadual e do Conselho de Desenvolvi-mento Industrial (CDI).167

O CIA constituiu uma iniciativa pioneira de concepção, pla-nejamento e implantação de áreas específicas para a atividade fabrilem todo o Nordeste brasileiro. A decisão de implantar um distritomanufatureiro não especializado na Região Metropolitana de Salva-dor remonta ao final da década de 1950, quando da elaboração doPlandeb e da criação da CPE. A instalação da “cidade industrial” emAratu foi recomendada em 1958 pela Sub-Comissão de Desenvolvi-mento e Localização Industrial da CPE, que concluía pela escolha da

165 Outra parte foi absorvida pelo Banco de Desenvolvimento do Estado da Bahia.166 Art. 10 do Cap. II, Título I da lei 2 321 de 11/04/1966.167 Decreto n. 20.045 de 11/11/1966.

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região de Aratu como a mais adequada para a implantação dasexternalidades essenciais à atração e fixação de indústrias na RMS.

[...] considerando que, após exame de todos os aspectos do com-plexo problema de localização para as indústrias que se terão defixar, em breve prazo, no Estado da Bahia, chegou a Sub-Comissãode Localização e Desenvolvimento Industrial da Comissão de Pla-nejamento Econômico à conclusão de que se faz mister, em caráterde prioridade, delimitar uma “cidade” nas circunvizinhanças daCapital que atenda a todos os requisitos imprescindíveis, de ener-gia fácil, de água em abundância, de mão-de-obra disponível, demercado consumidor próximo, de diversificação de vias de comu-nicação; considerando que dentre as áreas lembradas para a cria-ção de uma cidade industrial merece destaque a que rodeia a Baíade Aratu, de topografia favorável, de acessibilidade por mar, porferrovia e pelas rodovias em processo de pavimentação, com ener-gia elétrica e gás natural, com água dos rios Pojuca, Jacuípe e Joanesde captação prevista; área já escolhida pela Base Naval, pela Ci-mento Aratu, pela Nitrogênio e percorrida pela PETROBRÁS; é deparecer a Sub-Comissão de Localização e Desenvolvimento Indus-trial que, sem prejuízo de uma consideração futura das áreas quese estendem ao longo da rodagem Bahia-Feira, de Valéria até ÁguaComprida [...], a Comissão de Planejamento Econômico indique aogoverno do Estado os terrenos que circundam a Baía de Aratu paradesapropriação, visando à implantação da Cidade Industrial nº 1do Estado da Bahia.(SPINOLA, 2003, p.165)

Diversos estudiosos do assunto também ofereceram contribui-ções: o geógrafo Mílton Santos (Localização industrial em Salvador, IEFB,1957), indicando algumas áreas para estudos, inclusive Aratu; o eco-nomista Deraldo Jacobina Britto (O problema da localização industrial naBahia,1958, IEFB), recomendando preferencialmente Aratu. Outrassugestões apareceram em vários trabalhos de natureza econômica, entreos quais os do economista John Friedmann, durante sua assistência aoInstituto de Economia e Finanças da Bahia, em 1956-1957.

A partir de 1959, o assunto passou a ser examinado tambémpela Sudene, interessada na implantação do projeto siderúrgico deque resultou a Usiba, e pela Petrobras, por intermédio da Assesso-ria da Indústria Petroquímica (Aipet), encarregada de planejar acriação do Conjunto Petroquímico da Bahia (Copeb). Criou-se umgrupo misto informal, constituído de representantes da Sudene,Aipet e CPE, para a troca de informações. Segundo Spinola (2003,p.166) os resultados desses estudos foram apresentados em trêsdocumentos, em 1960:

a) relatório do economista Francisco Oliveira, à época Supe-rintendente-Adjunto da Sudene e participante das reuniões

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finais do grupo informal, Sudene-Petrobras-CPE, sobre a im-plantação do projeto siderúrgico, concluindo pelo eixo Sal-vador-Pojuca para a localização da usina e do complexo in-dustrial que se desenvolveria em suas proximidades;

b) relatório da Servix-Brastec, elaborado sob contrato da Aipet,que comparava diversas alternativas em toda área do Recôn-cavo e recomendava a localização do Conjunto Petroquímicoem Camaçari;

c) relatório do grupo de siderurgia da Sudene e da CPE, queanalisava três alternativas de localização e indicava prefe-rência para a região da foz do rio Paraguaçu, a oeste da baíade Todos os Santos, como solução mais econômica a longoprazo, desde que os órgãos governamentais se dispusessema inversões imediatas de grande vulto; considerava mais fa-vorável, a médio prazo, a região de Aratu e contraindicava aterceira alternativa considerada – a região de Camaçari –,principalmente pelos custos inerentes ao transbordo de mer-cadorias em qualquer localização não portuária.

Em 1963, a Usina Siderúrgica da Bahia S. A. (Usiba) decidiu-sepela localização de sua usina siderúrgica em Aratu168, recomendan-do ao governo do Estado a implantação da Cidade Industrial na re-gião da baía de Aratu, anexando mapa com proposição de limites edivisão da área em uma zona de indústrias leves, ocupando os ter-renos elevados a sudeste, e uma zona de indústrias pesadas, nosterrenos de cotas mais baixas, nos litorais norte, leste e sul da baía.

Em 1964, o decreto n. 19.332, definia a posição do governo es-tadual favorável à localização em Aratu e fixava os limites da área

168 Quando já estavam definidas as linhas gerais do Plano diretor, em 1967, a Usina Siderúr-gica da Bahia (Usiba) localizou-se em uma área de 310 ha., aproximadamente, no centroda ZILM, correspondendo aos distritos 5 e 6. Isso não apenas subverteu o zoneamentoestabelecido, pela inserção de uma unidade de indústria pesada, de grande porte, numaárea destinada a indústrias menores como, também, bloqueou o prolongamento sul davia das Torres, principal eixo viário previsto no Plano diretor, impedindo o acesso, pelointerior da Zona Industrial, à área de Valéria. Ressalte-se que a Usiba, desde 1963, já sehavia decidido pela localização escolhida e, inclusive comunicado a decisão ao governodo Estado. Esta contradição se explica pela precariedade da base topográfica utilizadano Plano diretor de 1967, pela desarticulação entre as equipes estaduais (PD-CIA) e fe-derais (Usiba) e pela postura autoritária dominante entre os tecnocratas da época. Ade-mais, a preocupação dos planejadores físicos do CIA, liderados por um arquiteto derenome, mas sem experiência neste ramo, era mais filosófico-conceitual do que objetivae pragmática. Tal fato provocou graves distorções: os distritos 7, 8 e 9 resultaramdesvinculados dos demais e, marginalizados do CIA, passaram a sofrer a ação do desen-volvimento urbano inercial da cidade de Salvador, com a proliferação de invasões semqualquer controle da autarquia. (SPINOLA, 2003, p.169).

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para a sua implantação. A execução das providências determina-das pelo decreto foi confiada ao Fundo de Desenvolvimento Agroin-dustrial (Fundagro).

Em janeiro de 1965, o Fundagro iniciou entendimentos objetivandoa elaboração de um Plano diretor para o Centro Industrial de Aratu169.Nessa oportunidade, foi constatada a inexequibilidade imediata de umprojeto executivo para o CIA, em face da vasta extensão da área, aliadaà inexistência de dados precisos e suficientemente completos170 e à ca-rência de prazo e de recursos. Fixou-se, então, a conveniência de ela-borar-se um Plano diretor que determinaria a orientação e as normaspara o desenvolvimento da área do centro, descendo a nível de ante-projeto para as obras consideradas de necessidade imediata à implan-tação de um primeiro núcleo para indústrias leves e dando indicaçõespara prosseguimento dos trabalhos.

Na inexistência de condições de obtenção de financiamentopara a elaboração do Plano diretor, o governo do Estado optou porfinanciar a sua execução com recursos próprios, fato que ocorreuem fevereiro de 1965, quando, através do decreto n. 19.432, ficaramassegurados ao CIA os recursos indispensáveis a sua implantação,constituídos de 25% das indenizações (royalties) pagas pela Petrobrasao Estado sobre a produção local de petróleo e de gás natural.

Em consonância com o momento político-institucional da época,e refletindo-o, o Plano diretor do CIA foi concebido e elaborado semdiálogo com as instâncias municipais, as associações de classe, a co-munidade, por suas diversas organizações e lideranças as quais nãoforam consultadas nem participaram de qualquer etapa do processo.

A elaboração do Plano diretor foi confiada à empresa baianaEmpreendimentos da Bahia S/A (vinculada ao grupo do BancoEconômico da Bahia) em novembro de 1965. O contrato conferiuamplos poderes à Empreendimentos que assumiu uma responsa-bilidade tríplice. Primeiramente, a conceituação básica do Plano e adefinição dos seus objetivos essenciais e da política a ser cumprida. Emsegundo lugar, a execução técnica direta de determinadas tarefas,nos setores de pesquisas, estudos de natureza tecnológica, econômica,financeira, jurídico-administrativa, legislativa e de orientação para pro-

169 O Plano Diretor foi concluído em 1966 e editado em 1967.170 Um dos mais sérios problemas com que se defrontavam os planejadores à época era a

falta de base cartográfica com suficiente nível de detalhe para a execução do planeja-mento físico.

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moção. Finalmente, a responsabilidade pela conceituação, orientação,coordenação e administração de todos os trabalhos técnicos que seriamcontratados com escritórios, entidades e pessoas especializadas parao estudo das condições de implantação e do planejamento físico eportuário, culminando num longo trabalho de seleção prévia.

Como pressuposto básico, o Plano diretor de 1966 admitia que:[...] a retomada da curva ascendente de desenvolvimento da econo-mia baiana e as condições criadas pelas inversões da SUDENE, pelosestímulos fiscais federais e estaduais, pelo incremento das operaçõesde financiamento industrial do Banco do Nordeste do Brasil e pelosnovos esquemas de financiamento dos bancos da União e do Estado,faziam crer num crescimento intenso das inversões industriais e numamultiplicação de projetos fabris e agrícolas no período imediato. Esseimpulso, se não fosse detido por fatores negativos, como a dificuldadede terrenos equipados e bem situados, seria de molde a deflagrar umprocesso de crescimento contínuo. (BAHIA, SIC 1967, p. 2).

O clima de confiança na expansão da economia de base industriale o otimismo da época quanto à estabilidade da política nacional emrelação ao Nordeste, além do “caráter nitidamente promocional” quefoi necessário conferir ao Plano diretor, explicam a inexistência de umaestratégia industrial seletiva para o CIA e a ênfase que foi dada aampla oferta de áreas dotadas de infraestrutura como objetivo princi-pal do planejamento, permitindo compreender o gigantismo assumi-do pelas proposições físicas mais abrangentes.

O objetivo fundamental do Centro Industrial de Aratu, con-forme o texto do Plano diretor de 1966, era

[...]assegurar uma oferta estável e elástica de terrenos industriais,em área excepcionalmente bem situada, racionalmente zoneada ebem equipada, assegurando às indústrias excelentes condições decompetitividade, pelas vantagens iniciais de implantação e baixocusto de operação,[...]

que se desdobrava na intenção de “assegurar, no longo prazo, facilida-des para mais ampla expansão industrial que seja previsível”. A esseobjetivo principal, o documento associava três outros “objetivoscorrelatos”, aos quais declarava atribuir particular importância, mes-mo porque transcendiam ao plano industrial propriamente dito:

a) a criação de um “porto regional”;

b) a execução de um “programa habitacional”;

c) a “integração futura” da área industrial e dos núcleoshabitacionais na “Área Metropolitana da Grande Salvador”.

No estabelecimento dos objetivos centrais do planejamento doCIA e nos aspectos então enfatizados, delineavam-se os pressupos-

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tos gerais em que se fundamentaria o Plano físico e que iriam deter-minar algumas de suas principais características, revelando, ao exa-me crítico de hoje, seus critérios, seus acertos e suas inadequações,identificados pelos resultados e consequências observados nos anosque já decorreram, desde as primeiras intervenções na área.

Para Sampaio (1999), as características básicas da proposta doplano do CIA de 1966 eram:

1º) plano urbano-industrial de visão e escala regional, baseado numdesenvolvimento tipo cidade-industrial-linear no entorno da Bahiade Todos os Santos, tendo Salvador como cabeça do sistema;

2º) Salvador-Metrópole concebida numa nova versão rádio-concên-trica, em que o centro tradicional assumiria a função turística e des-locam-se para um novo-centro as funções de governo estadual emunicipal, localizado nas imediações do Cabula (antecipava-se pois,ao CAB);171

3º) a base econômica regional centrada na indústria moderna, e, aocontrário da visão do GTDN-SUDENE (voltada para a pequena emédia empresa e mercado local), defendia a CPE a instalação degrandes empresas voltadas para os mercados do Centro-Sul;

4º) a estratégia era uma espécie de desconcentração concentrada,tendo como especificidade uma infra-estruturação fora do espaçourbano de Salvador, criando um complexo de facilidades industri-ais de modo a atrair capitais e investidores de fora da região, aotempo em que se remodelaria a metrópole readequando-a ao novodesenho;

5º) o modelo espacial do CIA contemplaria novas cidades industri-ais satélites à grande-Salvador, ficando a metrópole como área depreservação do patrimônio histórico, paisagístico e cultural, comênfase para o turismo e terciário moderno como funções básicas dacidade;

6º) o complexo viário resultante englobaria os vários sistemas hidro,ferro, rodo e aeroviário, numa malha de característica predominantelinear, destacando-se um grande anel no entorno da Baía de Todosos Santos, passando por Itaparica e alcançando Salvador (ponta daPenha), daí prosseguindo até a Baía de Aratu (novo porto)rearticulando todos os sistemas, terminais e zonas de produção in-dustrial, habitações e turismo/lazer. Uma ponte ligando Itaparicaa Salvador é sugerida nos desenhos, sendo, na prática, substituídapelo “ferry-boat” nos anos 70.

O modelo espacial proposto referendava um desenho, cuja forma-urbana obedecia a um esquema geral já sintetizado por LECORBUSIER (1964), tanto no âmbito da distribuição macro-espacial,

171 Centro Administrativo da Bahia – CAB, para onde foram deslocados todos os órgãosprincipais do governo do Estado a partir de 1971, dando início ao processo de esvazia-mento do Centro Histórico de Salvador.

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como em termos de configuração do sistema viário geral,estruturante da circulação entre as áreas urbanas, industriais e ru-rais. Curiosamente, as cidades existentes, fora do universo de Sal-vador, não foram realidades contempladas e novas assentamentosforam propostos, numa espécie de redesenho do território urbano-regional.

[...]

Assim, Salvador sofreria o impacto desta industrialização fora doseu território político-administrativo, pois organicamente éimbricada com o novo locus da produção moderna. As novas viasarteriais e regional levariam a cidade-real a se expandir, não exata-mente como a cidade-ideal desenhada por Sergio Bernardes, masnuma configuração outra – descentralizada em que o sprawl dametropolização é a tônica da forma-urbana polinuclear.

É onde o capital imobiliário encontrará o campo fértil necessárioaos seus negócios: a malha expandida, com extensas áreas de ter-ras vazias próximas às vias e a legislação urbanística flexibilizadano sentido horizontal e vertical, implodindo a velha forma-urbanade característica mononuclear herdada do século XIX. (SAMPAIO,1999. p. 228-236).

A intenção fundamental de maximizar a oferta de áreas paraas futuras indústrias conduziu a um exagero na delimitação do es-paço a planejar, que compreendia 8 800ha somente nas zonas in-dustriais e portuárias, totalizando 43 600ha, se incluídas as zonasdestinadas a “habitação e comércio”, as zonas de “transição” e aque-las de “espaços verdes comuns”. Esse gigantismo, sem paralelo entreos distritos industriais brasileiros planejados, antes ou depois doCIA, resultou, inicialmente, na impossibilidade de se integrar a áreadestinada às indústrias, mesmo com desapropriações a preçosbaixos e, em seguida, gerou diversos outros problemas e dificulda-des, que passaram a constituir reais obstáculos à eficiência do CIA.

Em primeiro lugar, ao estender-se pelo território de quatromunicípios, o Centro Industrial de Aratu enfrentou situações dedelicado relacionamento com as respectivas prefeituras, quanto àcompatibilização política entre os diversos interesses, controle efi-caz dos usos do solo (atribuição constitucional dos municípios) e areaplicação adequada da receita tributária gerada pelas indústrias,em infraestrutura e serviços que beneficiassem de modo efetivo aspopulações vinculadas, direta ou indiretamente, ao centro industrial.

Além disso, a extensão territorial do CIA, associada à concep-ção ambientalista de Sérgio Bernardes, relativa às “indústrias ver-des” que se instalariam no distrito, parecem ter influído na políticade venda de áreas para as empresas, com a alienação de glebas bem

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maiores do que as reais necessidades de muitas indústrias, criandouma situação de baixíssima densidade de ocupação. A taxa médiade ocupação dos lotes era, na época, inferior a 7,0%, o que caracte-rizava uma subutilização de toda a infraestrutura viária e em rede,onerava consideravelmente sua manutenção e a prestação de al-guns serviços, prejudicando a eficiência geral do sistema.

As grandes dimensões do CIA tornaram necessário um pesa-do investimento inicial na infraestrutura viária, que absorveu amaior parte dos recursos destinados a sua implantação, prejudi-cando o objetivo básico estabelecido pelo Plano diretor, de assegu-rar uma ampla disponibilidade de áreas para novas indústrias, umavez que, no período entre 1967 e 1980 (julho), apenas 5,6% do in-vestimento total foram destinados à aquisição de terras e edificações.Uma séria consequência dessa distorção ocorreu à medida que in-versões maciças foram realizadas em rodovias e outros equipamen-tos de infraestrutura, acentuando a valorização dos terrenos e difi-cultando, dessa forma, a aquisição de novas áreas. Ademais, o regi-me fundiário vigente àquela época e até os tempos atuais, favoreciae agravava o fenômeno da especulação imobiliária que se desenca-deou na área.

A construção de um grande porto na área de Aratu, que os estu-dos anteriores recomendavam e o Plano diretor reconhecia como neces-sário, “mesmo sem referência à instalação adjacente de uma áreaindustrial”, resultou numa das proposições mais corretas daquele pla-no e num dos investimentos de maior alcance a longo prazo, realiza-dos na Região Metropolitana de Salvador, constituindo-se, hoje,equipamento fundamental para o Polo Petroquímico de Camaçari etodas as demais indústrias da área. Foi, também, de acordo com indi-cação do plano, que previa instalações portuárias privadas no interiorda baía de Aratu, que a Dow Química construiu e está operando umterminal próprio na margem norte do canal de Cotegipe.

O Plano diretor, elaborado em 1965/1966 pela Empreendimen-tos da Bahia, vigorou até o ano de 1980, quando foi reformuladopela Secretaria da Indústria e Comércio, utilizando uma equipeconstituída por técnicos integrantes do seu próprio quadro, quebuscou ajustar o uso e a ocupação do solo à realidade da época ecorrigir os excessos de concepção do documento original.

O Centro Industrial de Aratu é, hoje, uma sombra do grandeempreendimento sonhado na década de 1960 e que, segundo osseus idealizadores, iria transformar a face da Bahia, projetando-a

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como um Estado moderno, industrializado e, consequentemente,desenvolvido.172

A sistemática de atração empresarial inaugurada em 1967, ba-seou-se na concessão de terrenos dotados de infraestrutura e bene-fícios fiscais e financeiros generosos. Como já foi salientado, inexistia(e ainda inexiste) vocação empresarial-industrial na Bahia; por isso,a solução encontrada foi a de “atração de empresários” do Sul eSudeste do país.173 O processo, realizado entre 1967 e 1980, não eraseletivo: teoricamente, baseava-se na filosofia de desenvolvimentoconcebida pelo Plandeb, mas, na prática, como foi demonstradoantes, o CIA-67 não era um distrito especializado. Logo, qualquerindústria que estivesse disposta a ali se localizar era recebida entu-siasticamente pelas autoridades baianas que, nessa época, realiza-vam freqüentes viagens de divulgação e promoção do centro, alémde promoverem generosas recepções aos empresários convidadosa conhecer a região.

Disso tudo, resultou a implantação inicial de um considerávelnúmero de empresas, sucursais de fábricas do Sul/Sudeste que parao CIA se deslocaram, a maioria objetivando explorar as vantagensoferecidas, a ingenuidade técnica e a boa-fé dos técnicos e autori-dades baianas. Fundou-se aí uma cultura baseada na importânciaquantitativa das empresas atraídas para o centro. O importante eraa quantidade e o número de empregos que seriam gerados.

Não havia preocupação com a qualidade, faltou follow-up, o quegerou inúmeros problemas vivenciados posteriormente. Uma em-presa que se implantasse no CIA, àquela época, era “considerada derelevante interesse para o desenvolvimento do Nordeste” pela Sudenee, com isto, ficava isenta do pagamento do imposto de renda, peloprazo de 10 anos, e de todos os impostos federais e estaduais inci-dentes sobre máquinas e equipamentos importados (com dispensado exame de similaridade no país) ou adquiridos no mercado local.

Comentava-se, em 1980, que algumas empresas utilizaram oartifício de adquirir equipamentos novos para as suas matrizes,

172 Este é um componente importante da “política de desenvolvimento regional brasileira”.Neste cenário, não há planejamento que funcione. Em um país de estrutura socialpatrimonialista, a predominância de um eleitorado pobre e ignorante facilita e atécondiciona este estado de coisas.

173 Na prática, através da concessão de incentivos, o governo estava “comprando” a gera-ção de empregos na Bahia, o que, entretanto, não ocorreu na proporção e no quantitativoesperados.

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mandando para as suas “fábricas” no CIA os equipamentos velhos,muitas vezes tecnologicamente obsoletos.

Além das isenções federais, as empresas gozavam da reduçãodo ICM (imposto estadual) em até 60% do valor devido, para finsde “reaplicação em ampliações e benfeitorias no próprio empreen-dimento”.174

Por fim, as empresas matrizes no Sul/Sudeste poderiam apli-car até 50% do seu imposto de renda no investimento em suas fili-ais aqui instaladas ou captar esses recursos junto a outras empre-sas ou a pessoas físicas, para reaplicação no Nordeste.

Tudo isto gerou uma “indústria dos incentivos”, movida poruma multidão de escritórios técnicos especializados na elaboraçãode projetos e captação de recursos localizados principalmente emRecife e em São Paulo.

Com os benefícios obtidos à custa de renúncia fiscal, muitasempresas se mostraram rentáveis, duplicando o valor da taxa in-terna de retorno dos seus empreendimentos (SPINOLA, 1997).

Em 1969, uma alteração na legislação da Sudene (decreto64.214/69, art. 33) dá a partida ao que viria a ser o processo de“esvaziamento” do CIA, isto porque os projetos aprovados paralocalização naquele centro só poderiam gozar de financiamento comos recursos dos incentivos federais até o limite de 60% do investi-mento total projetado. Esta decisão implicava em reduzir o financi-amento com recursos do sistema 34/18 num montante equivalentea 20% (antes, os financiamentos eram de 75%). Muitos projetos, àépoca, transferiram-se para localizar-se no Centro Industrial deSubaé, na cidade de Feira de Santana, a 108 km de Salvador, ondepoderiam gozar do financiamento máximo de 75%.

Assim, reduzidos ou cessados os benefícios fiscais e, também,posteriormente atingidas pela crise econômica dos anos 1980, mui-tas empresas desativaram as suas fábricas no CIA. É de se observarque, nas origens desta desmobilização estava não somente a faltade competitividade decorrente da perda do subsídio fiscal, mas,também, um forte componente de incompetência gerencial, a falta

174 Este benefício durou até 1982, quando foi extinto pelo Confaz, um organismo que reúnetodos os secretários de finanças estaduais. Até 1980, este “incentivo” correspondeu auma renúncia fiscal pelo governo da Bahia, da ordem de US$ 122,7 milhões. O governoda Bahia, no período de 1980-1983, exerceu uma severa fiscalização sobre a aplicaçãodesses recursos a “fundo perdido” pelas empresas beneficiárias. Mesmo assim, não con-seguiu que se produzisse o efeito multiplicador desejável, mediante reinvestimentos efe-tivamente produtivos, que implicassem na ampliação e/ou instalação de novas plantas.

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de complementaridade e a má-fé de muitos empresários que ape-nas instalaram aqui linhas de montagens dos componentes fabrica-dos pelas suas matrizes.

A criação do Complexo Petroquímico de Camaçari (Copec),como um distrito industrial específico, espacial e institucionalmenteseparado do CIA, também constituiu um importante fator para adesarticulação deste centro industrial. O Copec, como se verá adi-ante neste livro, foi uma opção de planejamento espacial equivoca-da, constituindo-se na melhor oportunidade perdida pelo governoda Bahia para dar um sentido lógico ao Centro Industrial de Aratu.

A existência do CIA tem sido marcada por um ir e vir de em-presas e por um esforço constante de todas as administrações nosentido de recuperar fábricas que se vão fechando, substituindo-aspor novos empreendimentos. Em 1979, o centro possuía 90 empre-sas em operação e 17 paralisadas. Com o plano diretor de 1980, quepropunha a sua especialização no segmento da metal-mecânica e,aproveitando indiretamente os efeitos da atração produzida peloComplexo Petroquímico de Camaçari, promoveu-se uma breverecuperação do CIA, que encerrava o exercício de 1982 com 146empresas.

Nessa época, o parque metal-mecânico implantado na área,que gravitava em torno das encomendas da Petrobras para as suaatividades no off-shore e na recuperação secundária de poços depetróleo da bacia do Recôncavo, segundo o Sindicato dos Metalúr-gicos da Bahia, chegou a atingir 40 unidades industriais, númeroeste que se reduziu a cinco quando a estatal desativou parte subs-tancial das suas atividades na Bahia. Empresas que chegaram a tra-balhar com 3 mil empregados (Equipetrol) foram desativadas, dei-xando um grande passivo trabalhista. O mesmo destino teve umDistrito Calçadista, criado sem qualquer fundamento lógico pelogoverno do Estado em 1985. As suas 14 empresas foram abandona-das no CIA-Sul, algumas restando com os equipamentos apodre-cendo no meio do mato.

Os dados da população empresarial do CIA175, para o final doséculo XX, fornecidos pela Sudic, indicavam a existência de 166

175 Os dados oficiais, infelizmente, não são plenamente confiáveis. É possível que exista umcontingente razoável de empresas paralisadas, número este que não é divulgado pelaSudic. Os números relativos aos empregos são originários dos projetos e declarados pe-los empresários. Os órgãos governamentais não realizam auditorias para comprovar areal existência desses números.

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empresas no CIA-Sul e 34 no CIA-Norte, totalizando 200 empresas.Excluindo-se as atividades comerciais e de serviços, esse númeroreduzia-se para 179 indústrias com o predomínio dos segmentosquímico (27%), metalúrgico (13%), de produtos alimentares (9%),de minerais não metálicos (8%) e de matérias plásticas (7%). Esteconjunto respondia, na época, por 16 335 empregos diretos.

Dotado de uma topografia imprópria para a implantação deum grande número de indústrias, o CIA pagou o preço de um pla-no diretor elaborado a partir de uma base topográfica precária. So-mente em 1983, o governo do Estado forneceu uma cartografia bá-sica da área, nas escalas de 1:2.000 e 1:5.000, capaz de melhor ins-truir os projetos executivos. Atualmente, o CIA não possui maisárea disponível a baixo custo de preparação, para abrigar indústriase, segundo se informa, uma parte do seu território encontra-se in-vadida. Também, à época da elaboração deste estudo, comentavamos funcionários que a Sudic não possuía, de há muito, o conheci-mento real da situação fundiária do CIA.

Objeto de uma ampla reportagem do jornal A Tarde (de 21 jun.1998) que estampava a manchete O CIA caminha para a extinção, e quenão foi contestada pelo próprio governo, o centro industrial continuasobrevivendo, podendo-se contudo afirmar que a sua contribuição parao desenvolvimento industrial do Estado não correspondeu à expecta-tiva dos planejadores e que a política de localização industrial por eleencarnada não produziu os efeitos desejados. O CIA contribuiu para aconcentração industrial na RMS muito mais pelo efeito de atração demicro – e pequenas empresas que se expandiram no seu entorno (naregião de Valéria, por exemplo) do que propriamente pelas empresasque abrigou em seu perímetro.

Porém, não se pode negar a contribuição do projeto do CIA,notadamente no plano da infraestrutura física, para a moderniza-ção da periferia de Salvador. As ligações viárias com a Base Navalde Aratu e o Aeroporto de Salvador (CIA/Aeroporto), entre outrasobras físicas, contribuíram para a expansão da cidade do Salvadore para a modernização de muitos serviços urbanos.

O planejamento do CIA também contribuiu para o desenvol-vimento do planejamento urbano em Salvador e, sobretudo, para acriação de uma visão metropolitana, pela qual se buscou a integraçãodos municípios polarizados diretamente pela Capital e a constru-ção de uma infraestrutura que tem buscado otimizar e racionalizarações desenvolvidas por dez municípios, que totalizavam uma po-pulação de 2 759 392 em 1998.

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No plano habitacional, não se realizou o que foi idealizado em1966, mas contribuiu o CIA para o adensamento da área do “mio-lo” de Salvador (espaço vazio compreendido entre os vetores daavenida Luís Viana Filho (Paralela) e a BR-324 – Salvador-Feira),com a construção de inúmeros conjuntos habitacionais.

Como foi visto neste capítulo, alguns urbanistas não compar-tilham desta visão. É o caso de Sampaio (1999), que considera oCIA uma expressão do “rodoviarismo” que dominou o planejamen-to urbano de Salvador, deslocando o centro da cidade e abrindocaminho para uma brutal especulação imobiliária.

De fato, constata-se que foram criados novos umbrais para acidade, com o deslocamento da população pobre para a periferia,quebrando-se todo um equilíbrio espacial (trabalho, circulação,habitação) construído na “cidade real”, ao longo do período colonial.

A ruptura desse equilíbrio elevou substancialmente o custo dainfraestrutura da cidade, estabeleceu uma crise crônica no sistemade transportes (até hoje não resolvida), pontilhou o tecido urbanoexpandido com assentamentos subnormais (invasões de pobres) edecretou a deterioração do centro histórico e de outras áreas tradi-cionais do comércio de Salvador.

No seu fluxo/refluxo de empresas, o CIA gerou emprego edesemprego. Muita mão-de-obra ali foi treinada e depois dispensa-da, como foi o caso do segmento metal-mecânico. Então, às aves-sas, o centro forneceu contingentes de microempresários, biscateiros,prestadores de serviços que alimentam o setor de serviços em Sal-vador e também do interior, para onde devem ter migrado, e refor-çou o mercado informal em todo o Estado.

O Centro Industrial de Aratu, portanto, não pode ser julgado econdenado sem considerar-se toda a complexidade das funções queexerceu e vem exercendo. Contudo, para os fins a que se propõeeste livro, comprova-se que não exerceu um papel decisivo no pro-cesso de industrialização da Bahia.

Outro trabalho importante do período foi, também, uma he-rança das iniciativas da Secretaria Extraordinária de Desenvolvi-mento Econômico. Tratava-se do Programa de Fomento à Industria-lização do Interior, uma iniciativa pioneira que lançou as bases dosfuturos programas de assistência a pequenas e médias empresasno Estado.

A rigor, ocorreram, ao longo dos anos 1960, várias experiênci-as de fomento à industrialização do Estado. Entre elas, merecem

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destaque as iniciativas do Fundagro, as caravanas de industrializa-ção do interior, promovidas pela Federação das Indústrias do Esta-do da Bahia (Fieb), com a participação de várias entidades interes-sadas e que resultaram na criação de diversos comitês de fomento àindústria em cidades do interior da Bahia, e as empresas desenvol-vidas pelo Programa de Desenvolvimento Industrial (PDI) da Uni-versidade Federal da Bahia em colaboração com a UniversidadeEstadual do Colorado (USA), no vale do Paraguaçu.

Todas essas tentativas, contudo, não prosperaram, dada ainexistência de um sistema articulado que possibilitasse a realiza-ção das diversas etapas do processo de fomento, tais como a identi-ficação das oportunidades, os estudos de viabilidade, a seleção, oapoio e a assistência técnica aos empresários, os projetos técnicos eeconômico-financeiros e o financiamento. Esse mecanismo foi apli-cado pela primeira vez no Programa de Fomento à Industrializa-ção do Interior, que reuniu a Secretaria de Desenvolvimento Eco-nômico e, depois, a SIC, o Banco de Fomento do Estado da Bahia176

e o Fundagro, sucedidos pelo Banco de Desenvolvimento do Esta-do da Bahia (Desenbanco), com repasses de recursos do Banco Na-cional do Desenvolvimento Econômico (BNDE) na linha de Finan-ciamento à Pequena e Média Empresa (Fipeme).

Esse trabalho deixou como saldo, além do embrião dos futu-ros programas de fomento às pequenas e médias empresas, um re-latório de pesquisa intitulado Bahia – industrialização do interior(BAHIA, 1966), , no qual se estudam as perspectivas de desenvolvi-mento das cidades de Jequié, Vitória da Conquista, Itapetinga,Ilhéus, Itabuna e Feira de Santana e um total de quarenta e cincoprojetos industriais de pequenas empresas dos ramos de cerâmica,madeira, móveis, alimentos, mecânica, têxtil e óleos vegetais. Essesprojetos foram aprovados e financiados pelo Banco de Desenvolvi-mento do Estado da Bahia. Em sua apresentação, destacava na épo-ca o secretário Victor Gradim:

O processo de desenvolvimento econômico envolve um mecanis-mo complexo e dinâmico de transformação nos comportamentossociais. Atividades aparentemente simples, como o fomento à in-dustrialização, encontram interessantes pontos de estrangulamen-to e focos de expansão autônoma inesperados. A experiência baianatem revelado que os estímulos financeiros e fiscais, de relativa

176 O Baneb perdeu a condição de banco de fomento a partir da Lei da Reforma Administra-tiva de 1966.

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eficácia nas grandes metrópoles, não apresentam resultados efeti-vos no Interior, a despeito da existência de fatores básicos de recur-sos naturais, mão-de-obra, poupanças, mercado e empresários in-teligentes e agressivos.Eis por que o governo do Estado tem consi-derado programas amoldáveis para o fomento à industrializaçãoem Salvador e nas regiões do Interior. Para a área de Salvador eRecôncavo, está sendo elaborado um trabalho de levantamento deoportunidades industriais com vistas a interessar investidores doSul, depositários de recursos no Banco do Nordeste, destacando-sea fronteira econômica que se abre na petroquímica com o aprovei-tamento do gás natural e derivados do petróleo do Recôncavo, quan-do o governo da União programa a instalação da indústria químicasubstitutiva de importações.Os investimentos dos projetos atual-mente em instalação na área de Salvador já ultrapassam US$ 100milhões. A fim de facilitar a localização industrial nessa região, estásendo elaborado o Plano diretor do Centro Industrial de Aratu, comvistas a oferecer as melhores vantagens de infraestrutura e demaiseconomias externas em apoio às novas indústrias. Para o Interior,porém, foi necessário um programa especial de pesquisa, levanta-mentos e análises das realidades empresariais em núcleos selecio-nados. Os resultados desses trabalhos foram submetidos a umaanálise comparativa, em conjunto com: 1 – as conclusões doSimpósio de Política Governamental de Industrialização, realizadode 26 a 28 de abril de 1965, sob os auspícios do Instituto de ServiçoPúblico; 2 – as pesquisas da Sudene no pólo regional de Juazeiro/Petrolina; 3 – o Projeto Colorado, a cargo da Universidade Federalda Bahia, no Vale do Paraguaçu; com vistas à reformulação da ati-vidade governamental de fomento à industrialização, no contextoda Reforma Administrativa do Estado. De tal análise decorre o des-dobramento da Secretaria de Agricultura, Indústria e Comércio emduas: Secretaria de Agricultura e a Secretaria de Indústria e Co-mércio. A estrutura administrativa do Estado passou a contar comuma Coordenação de Fomento à Indústria e uma Coordenação deGerência de Empresas. O Fundo de Desenvolvimento Agroindus-trial (FUNDAGRO), autarquia estadual, evolui, por sua vez, paratransformar-se no Banco de Desenvolvimento do Estado da BahiaS.A. com funções de banco de investimentos, absorvendo algumasdas atuais atribuições do Banco do Estado da Bahia S.A. Ainda comoresultado dessa análise, foi revista e considerada a Emenda Consti-tucional nº 18 à Constituição Federal, resultando nas alteraçõesintroduzidas pela Lei Estadual nº 2318, de 28 de março de 1966.Essetrabalho de fomento à indústria no Interior, realizado sob o patro-cínio do FUNDAGRO, relata a pesquisa empreendida em seis dosmais dinâmicos centros econômicos da Bahia, sob a orientação daequipe de SPL – Serviços de Planejamento Ltda. – Engenheiros eEconomistas Associados. Merece especial relevo a dedicação e oempenho dos técnicos Zacarias de Sá Carvalho, Luís Carlos Leme eAntônio Ferreira Paim, não só na pesquisa e na teorização dos fatosempíricos, como no treinamento de um grupo de jovens economis-tas para capacitá-los a prosseguir nesse programa.As observações

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aqui contidas não são necessariamente válidas para Salvador, nempara outras áreas do Estado de menor concentração demográfica,mas representam um enfoque sério para análise das tensões do de-senvolvimento, cuja fenomenologia pode ser encontrada em outrosnúcleos do Nordeste do Brasil.Sua publicação visa a oferecer umaoportunidade para o debate e para a sua comparação com as experi-ências em outras regiões do País. Salvador, julho de 1966.

No governo de Luiz Viana Filho, os esforços na área da indús-tria e do comércio concentraram-se principalmente na consolida-ção dos projetos iniciados na gestão anterior e na elaboração de umconjunto de estudos básicos para o desenvolvimento industrial daBahia nos períodos seguintes, dando continuidade a diversas pro-postas do Plandeb. Muitos desses estudos fundamentaram gestõesestratégicas iniciadas nesse período, objetivando a implantação e odesenvolvimento da indústria petroquímica no Estado. Entre osestudos e projetos elaborados relacionam-se os seguintes:

a) Desenvolvimento integrado do Recôncavo baiano: estratégia e ter-mos de referência.

b) Desenvolvimento da indústria petroquímica no Estado da Bahia,projeto que foi decisivo nos esforços mobilizados para a im-plantação do Complexo Petroquímico de Camaçari;

c) Desenvolvimento integrado da área metropolitana de Salvador;d)Plano integral de educação e cultura;e) Anteprojeto do Centro de Informática da Bahia;f) Projeto de Centro de Processamento de Frutos Tropicais;g) Projeto do Centro de Pesquisas em Engenharia Sanitária do Nor-

deste;h)Projeto de financiamento do porto de Aratu;i) Projeto de incremento da produção de alimentos;j) Projeto da Central de Abastecimento de Salvador;k) Plano diretor;l) Planejamento geral do sistema de esgotos sanitários da Cidade do

Salvador;m)Projeto de erradicação da febre aftosa;n)Programa de Desenvolvimento integrado do Nordeste baiano

(Prodinor)o) Programa de industrialização do interior que culminou com a

criação do distritos industriais do interior, em 1974, nas ci-dades de Jequié, Ilhéus, Juazeiro e Vitória da Conquista.

Em 8 de julho de 1970, através do decreto n. 21.913, o governoLuís Viana criou o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (Ceped),

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como fundação de direito público vinculada à Secretaria de Ciên-cia e Tecnologia, a qual foi posteriormente denominada de Secreta-ria de Planejamento, Ciência e Tecnologia (Seplantec).

Essa vinculação, dissociada da SIC, constituiu um entraveburocrático-institucional para o desenvolvimento de ações volta-das para a tecnologia industrial e abriu um flanco para o posteriorenfraquecimento do órgão.

A decisão de criar um centro de pesquisa veio da constataçãoda necessidade de oferecer às empresas e à comunidade o suportetecnológico indispensável a um desenvolvimento contínuo eautossustentado. Com essa iniciativa, buscou o poder público su-perar as dificuldades e, em muitos casos, mesmo a virtual impossi-bilidade de as empresas, no Estado e na região, manterem, em ca-ráter permanente, pessoal e equipamentos especializados voltadospara a solução de problemas tecnológicos.

O Ceped foi criado para atuar dentro de um contexto especifi-camente regional, em face de uma realidade socioeconômica doEstado da Bahia e, por extensão, do Nordeste brasileiro. Tendo emvista as características e peculiaridades dessa realidade, foram-lheatribuídos os seguintes objetivos:

a) atuar como instrumento eficaz para a ação do Estado da Bahiana área de pesquisa tecnológica;

b) constituir-se em elemento básico de complementação dasfunções da universidade na comunidade socioeconômica, demodo a possibilitar a ampliação da capacidade criadora dasuniversidades e um aproveitamento de seu trabalho;

c) reduzir a um denominador comum as necessidades tecnológ-cas das empresas privadas;

d)integrar o fluxo de informações entre as empresas, as uni-versidades e o governo, constituindo-se, desse modo, no pivotde um sistema informativo científico-tecnológico;

e) atuar como elemento catalisador de iniciativas social e eco-nomicamente rentáveis.

O Ceped iniciou suas atividades com importantes contribuiçõespara o desenvolvimento tecnológico baiano, destacando-se seu papelno desenvolvimento de tecnologia que contribuiu para a implantaçãoda metalurgia do cobre na Região Metropolitana de Salvador (RMS).

Porém não contou com a simpatia e o apoio político do carlismoe acabou entrando gradativamente em decadência. Também con-tribuiu para o esvaziamento do Ceped a impossibilidade de

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articular-se eficientemente com a Universidade Federal da Bahia(as demais universidades do Estado concentravam-se na área dehumanidades), dados os conflitos que se estabeleceram entre esta eo governo estadual, pela ausência de cooperação do empresariadodo Polo Petroquímico de Camaçari, pela dificuldade de integraçãocom o Centro de Pesquisa (Cenpes) da Petrobras e pela ausência deuma política nacional de fomento ao desenvolvimento da pesquisae da tecnologia.

Também na administração de Luiz Viana, foram criados e im-plantados o Instituto de Pesos e Medidas da Bahia (Ipemba.) e oNúcleo de Promoção de Exportações da Bahia (Promoexport/Bahia),tendo sido também reestruturada a Junta Comercial do Estado daBahia (Juceb) e extinta a Bolsa de Mercadorias da Bahia.

O Ipemba foi criado pela lei n. 2.547, de 7 de junho de 1968,com a finalidade de executar, nos termos da delegação do InstitutoNacional de Pesos e Medidas (INPM) do Ministério da Indústria eComércio, os serviços técnicos de metrologia no Estado da Bahia,sendo um órgão vinculado à SIC.

A Junta Comercial foi transformada em autarquia e vinculadaà Secretaria da Indústria e Comércio pela lei delegada n.1, de 16 deoutubro de 1968. Em 23 de janeiro de 1969, pelo decreto n. 21.114, aJuceb obteve aprovação de seu regimento interno e o conjunto denormas relativas a sua modernização.

A criação do Promoexport/Bahia resultou de uma pesquisaque foi realizada à época na área de Salvador, com a finalidade deverificar a situação das indústrias, no que se referia aos problemasde mercado, mão-de-obra e outros. A seleção da amostra dessa pes-quisa baseou-se na escolha de empresas com potencialidade para aexportação de produtos manufaturados e semimanufaturados.

Através dessa pesquisa, comprovou-se que mais de 66,7% dasempresas inquiridas trabalhavam com menos de 60% da capacida-de instalada, alegando falta de mercado, carência de mão-de-obraespecializada, falta de capital de giro e outros problemas.

Constatou-se, ainda, que 66,7% das empresas tiveram contato como mercado externo, a fim de que este mercado absorvesse os exceden-tes que poderiam ser produzidos decorrentes da utilização plena demaquinaria. Desta percentagem, somente 43,8% conseguiram expor-tar, mas se depararam com uma série de problemas, tais como:

a) excessiva burocracia na elaboração dos trâmites para expor-tação;

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b) má interpretação dos incentivos fiscais;c) elevadas tarifas de transportes.As demais empresas que não tiveram contatos com o exterior

(33,3%) apresentaram como motivos a falta de contatos e a carênciade um organismo que pudesse orientá-los nesse particular.

Dos problemas manifestados pela pesquisa, um de grande fre-qüência era o de que as empresas inquiridas indicavam não existir,na Bahia, um organismo capaz de promover e dinamizar as expor-tações e de que era oportuno que o governo, juntamente com asempresas, se encarregasse desse trabalho. O mesmo estudo mos-trou que as empresas que constituíram a amostra empregavam 2520 operários ligados diretamente ao processo produtivo, mas, nocaso de ser utilizada a maquinaria existente a 100% da sua capaci-dade, isso implicaria na criação de 4 018 novos empregos.

Na Bahia, a experiência, em matéria de comercialização exter-na, limitava-se à exportação de produtos primários, que requeriamuma promoção relativamente simples. A situação era diferente nospaíses desenvolvidos, nos quais tinha-se acumulado uma grandeexperiência em matéria de comercialização de produtos manufatu-rados. Como forma de remediar a falta de experiência e os limita-dos recursos financeiros dos produtores isolados, o governo fede-ral, o governo estadual e as entidades de classe uniram-se e cria-ram o Promoexport/Bahia, com a finalidade de orientar as empre-sas baianas, especialmente as indústrias, para que pudessemcomercializar seus produtos no mercado externo. A lei n. 2.863, de18.12.70, autorizou o Poder Executivo estadual a participar doPromoexport/Bahia, considerando extinta, ao mesmo tempo, aBolsa de Mercadorias da Bahia e transferindo para o Promoexporto seu acervo.

Ainda no que se refere à área do comércio, em 1973, foi criadaa Fundação Centro de Desenvolvimento Comercial (Cedec), umaorganização similar ao Cedin, com o objetivo de atuar na promo-ção do desenvolvimento comercial do Estado.

Pode-se afirmar que, nesse período de governo, a atividadeturística passou a constituir-se, na prática, em uma das prioridadesdo governo estadual, sendo dotada de uma estrutura institucionalmais ágil e vinculada ao sistema SIC.

Spinola (1997, p.190) observa que a primeira iniciativa relativaao turismo, na Bahia, data da década de 1930, com a criação doDepartamento Municipal de Turismo, em Salvador. Diversas outras

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medidas foram adotadas, sempre pelo município, destacando-se alei n. 242, que instituiu a taxa de turismo no município de Salvador,a lei n. 410 de 10/09/1953, que criou o Conselho de Turismo daCidade de Salvador, a Diretoria Municipal de Turismo e o Zonea-mento Turístico do Município de Salvador.

Em 1954, na administração de Osvaldo Gordilho, foi elabora-do, pela Prefeitura, o I Plano diretor de turismo (o primeiro do país) erealizado, em Salvador, o III Congresso Nacional de Turismo. Oingresso do governo do Estado no setor ocorreu em 1958, quando aComissão de Planejamento Econômico (CPE) incluiu o turismo en-tre os setores integrantes do Programa de Recuperação Econômicada Bahia, igualmente contemplando-o, em 1959, no Plano de desen-volvimento da Bahia (Plandeb).

Em 1966, pela Lei da Reforma Administrativa, foi criado oDepartamento de Turismo, subordinado à Secretaria dos AssuntosMunicipais e Serviços Urbanos (posteriormente extinta).

Posteriormente, por autorização da lei n. 2 563, de 28.08.1968,criou o governo do Estado uma sociedade por ações, com a deno-minação Hotéis de Turismo do Estado da Bahia S.A. (Bahiatursa),para a exploração de indústria e comércio hoteleiro de interesse efomento ao turismo.

Observe-se que as primeiras medidas institucionais, no Esta-do, foram adotadas a partir do estabelecimento, ao nível nacional,dos parâmetros para a atual política de Turismo:

a) criação, através do decreto-lei n. 55, de 18.11.1966, do Con-selho Nacional de Turismo (CNTUR) e da Empresa Brasilei-ra de Turismo (Embratur);

b) estabelecimento do sistema de incentivos fiscais e financei-ros, através da dedução do imposto de renda a pagar, paraaplicação em construção, ampliação e/ou modernização dehotéis, também através do decreto-lei n. 55.

Inicialmente, eram bastante limitadas as atribuições daBahiatursa: ter sob subordinação direta ou indireta os hotéis de pro-priedade do Estado e construir e/ou estimular a construção de ho-téis e similares. Só em 1971 – e a partir da missão organizada peloBanco Interamericano de Desenvolvimento (BID), integrada portécnicos do Instituto Latinoamericano y del Caribe de PlanificaciónEconômica y Social (Ilpes), da Sudene e do BNB que, ao lado desugerir a criação do Conselho de Desenvolvimento do Recôncavo(Conder), incluiu o turismo entre as atividades consideradas básicas

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para a região, pelo que deveria ser realizado um estudo e elabora-do um plano, que foi concluído em 1971: o Plano de turismo doRecôncavo, documento básico para a ação do governo estadual, atéos dias presentes – é que se estabelece uma estruturação sistemáticapara implementar uma política de turismo. A lei n. 2.930, de11.05.1971, criou o Conselho Estadual de Turismo (Cetur) e aCoordenação de Fomento ao Turismo (CFT), vinculando-os aosistema SIC.

Considerando a necessidade de integrar a Hotéis e Turismodo Estado da Bahia S/A (Bahiatursa) ao Sistema Estadual de Turis-mo, como órgão executor de sua política no âmbito de todo o Esta-do, e de oferecer-lhe estrutura compatível para melhor desempe-nho de suas atividades, foi reestruturada a empresa a partir do de-creto n. 22.371, de 23.02.1973, modificando-se a sua denominaçãopara Empresa de Turismo da Bahia S/A (Bahiatursa). A empresapassou a ter como finalidades:

a) promover o aumento do fluxo turístico para o Estado;b) divulgar a Bahia, nacional e internacionalmente, através da

realização de eventos e edição de materiais promocionais;c) desenvolver programas de conscientização turística;d)melhorar a qualidade dos serviços turísticos;e) promover a valorização do patrimônio natural e cultural.No período de janeiro de 1971 a março de 1975, o parque hote-

leiro baiano apresentou um crescimento explosivo, registrando umaexpansão de 3.380 novos leitos, enquanto passaram por reformamais 1.714 leitos. Mais importante que esse aumento quantitativoforam as mudanças ocorridas na estrutura qualitativa dessa oferta.Até antes de 1971, o parque hoteleiro não possuía nenhum estabe-lecimento de categoria internacional e mais de 80% dos leitos esta-vam enquadrados na classificação de duas estrelas. Entretanto,durante os últimos quatro anos, com o surgimento de cerca de milleitos, na faixa de hotéis de cinco estrelas, essa estrutura sofreumodificações radicais, elevando de 20% para 35% a oferta de leitosde hotéis de categoria superior a três estrelas.

O incremento verificado no parque hoteleiro proporcionou acriação de 4 mil empregos diretos e mais 16 mil novas oportunida-des indiretas de trabalho. Os 28 empreendimentos implantados atémarço de 1975, somados aos projetos em implantação e em estudono período, representaram investimentos globais na ordem de 800milhões de cruzeiros.

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Como respaldo técnico dirigido a esse crescimento, ao lado deoutros elementos dinâmicos de sua estratégia, a Bahiatursa desen-volveu intenso programa de assistência gerencial.

Esse programa foi significativamente ampliado através do con-vênio assinado com o Centro Brasileiro de Assistência Gerencial àPequena e Média Empresa (Cebrae) – organismo vinculado à Se-cretaria de Planejamento da Presidência da República. A partir desseconvênio, a Bahiatursa passou a figurar entre os coordenadores doprograma de assistência técnica gerencial administrado pelo Cebraeem todo o Brasil. Vale salientar que essa foi a primeira iniciativa deâmbito federal e estadual de assistência técnica dirigida ao setor deturismo.

Luiz Viana dedicou especial atenção à consolidação do CentroIndustrial de Aratu, ao fomento à industrialização do interior e agestões visando ao reinício das obras do Conjunto Petroquímico daBahia (Copeb) e à implantação efetiva da Usina Siderúrgica da Bahia(Usiba). Essa administração concluiu o projeto da primeira etapado porto de Aratu, com capacidade dimensionada para movimen-tar 1 milhão de toneladas/ano. No planejamento do CIA, foi, tam-bém, pioneiro na preocupação com o meio ambiente. Assim é quefoi implantado o Serviço de Controle de Poluição Atmosférica(SCPA).

O governo institucionalizou, em 1967, o Programa de Indus-trialização do Interior (Prointer), iniciado em 1965/1966, na admi-nistração de Lomanto Júnior. Ao completar o programa um ano deatuação, considerou-se a necessidade de uma reformulação do seusistema de trabalho, baseada na experiência acumulada, sendocriado um Centro de Assistência a Pequenas e Médias Indústriasem Feira de Santana (que viria a ser o Cedin), com orientação técni-ca da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento In-dustrial (Unido). Ao longo dos seus 36 meses de atuação, o Prointeratingiu 77 municípios baianos, mantendo contato com 510 empre-sas, do que resultou a elaboração de 138 projetos e financiamentos,no montante de CR$ 14 milhões.

O planejamento dos distritos industriais (DI) do interior ocor-reu em sequência ao planejamento da industrialização de base eintermediária, concentrada na Região Metropolitana de Salvador.Após a criação do CIA, o governo buscou estabelecer as condiçõespara descentralizar o crescimento da indústria no contexto da eco-nomia do Estado, visando a interiorizar as atividades industriais e

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a orientar o ordenamento do espaço urbano de municípios que,segundo seu entendimento,apresentavam potencial para a indústria.

As cidades-polo selecionadas para a implantação dos DI doInterior foram Ilhéus, Vitória da Conquista, Juazeiro e Jequié. Osseus planos diretores, concluídos em 1974, completavam o conjun-to de áreas de potencial industrial na Bahia, iniciado com os plane-jamentos para as áreas especializadas instaladas na Região Metro-politana de Salvador (RMS), cuja concepção e detalhamento remon-tam os anos 1950/1960, com a antiga Comissão de PlanejamentoEconômico (CPE).

A opção de localização foi balizada por critérios definidoresde polarização regional pelas cidades que, à época, já desempenha-vam um papel central na hierarquia funcional urbana do Estado,como decorrência do seu peso demográfico, da localização estraté-gica no sistema viário, da existência de infraestrutura básica e dopotencial aglutinador das atividades econômicas regionais, entreoutros critérios.

A primeira tentativa, no Estado da Bahia, de identificar essescentros e hierarquizá-los em função de sua importância regional,foi feita em 1958, pelo professor Milton Santos em seu estudo Zonasde influência comercial do Estado da Bahia, quando ainda era reduzidaa atividade industrial, consistindo o comércio com a capital do Es-tado no principal indicador de influência urbana. Destacaram-se,por este critério, os núcleos de Ilhéus/Itabuna, Feira de Santana,Jequié, Juazeiro, Vitória da Conquista, Alagoinhas, Senhor doBonfim e Jacobina.

Um segundo estudo, da Sudene, denominado Espaços geográfi-cos e política espacial, com base em informação do IBGE para 1967 e1968, tomou por princípio o conceito de centros dinamizadores, sen-do como tais considerados os núcleos urbanos que já desempenha-vam funções estratégicas em suas respectivas áreas de influência,as quais poderiam ser ampliadas através da dinamização do setorindustrial. Neste trabalho, foram apontados como centros de se-gundo grau de importância no Estado da Bahia, abaixo de Salva-dor, as sedes de Feira de Santana, Ilhéus/Itabuna, Vitória da Con-quista e Juazeiro e, como centros importantes, mas com equipa-mento irregular, as cidades de Jequié, Alagoinhas, Jacobina e Se-nhor do Bonfim.

À época, também foi realizado pelo IBGE o estudo Divisão do Bra-sil em regiões funcionais urbanas”, em cujo contexto efetuou-se a

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hierarquização dos centros urbanos do Estado da Bahia, classificadosem quatro níveis: centro metropolitano, centros regionais, sub-regio-nais e locais. Esta hierarquização fundamentou-se nos vínculos entreos centros urbanos a partir dos critérios de fluxos agrícolas, distribui-ção de bens e serviços e população, despontando Salvador como cen-tro metropolitano e Feira de Santana, Ilhéus/Itabuna, Vitória da Con-quista, Jequié e Juazeiro como centros regionais.

O Programa de Implantação de Distritos Industriais no Interiordo Estado praticamente confirma e repete os resultados desse últimoestudo do IBGE, sendo selecionados inicialmente centros urbanos comum contingente populacional mínimo de 40 mil habitantes, em umtotal de 25 municípios, por sua vez classificados de acordo com umasérie de fatores, com pontuação de 1 a 5, hierarquizados em primeiracategoria (mais de 30 pontos), segunda categoria (25 a 30 pontos), eterceira categoria (20 a 25), conforme os parâmetros de avaliação esta-belecidos (SPINOLA, 2003 p. 204). Ressalta-se que, dentre os municí-pios melhor situados, apenas Feira de Santana não foi incluído, à épo-ca, no Programa de DI do Interior da Bahia, em razão de disputas po-líticas que inviabilizaram a transferência do DI do Subaé, em Feira deSantana (criado em 1970), da prefeitura para o governo do Estado, oque ocorreu posteriormente.

Quando se olha criticamente esse processo, verifica-se que, nagênese do Programa dos Distritos Industriais do Interior da Bahiaexistia apenas uma “vontade política”, não uma realidade econô-mica consubstanciada por vantagens vinculadas à localização a se-rem adequadamente promovidas e utilizadas, respaldadas em umarcabouço teórico consistente e em uma mobilização de recursosconsentânea com a necessidade de superar as deficiências econô-micas e sociais existentes no âmbito regional.

A vontade política se sobrepôs ao fato econômico e, assim, “emtempo recorde”, o incipiente sistema de planejamento estadual, que ha-via sido desarticulado após 1964, estruturou um programa industrial deenfoque precocemente desconcentrador, que promoveria, se pudessevingar concretamente, a dispersão da indústria incentivada com isen-ções fiscais em muitos pontos isolados da Bahia, desde a área do entor-no da capital até novas regiões interioranas, com repercussões sobre acapacidade da RMS de construir em torno do parque produtor de inter-mediários, um conjunto de externalidades positivas, econômicas, deaglomeração e de escala a serem aproveitadas por novas empresas con-formando um setor industrial de peso no contexto nacional.

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Não houve de fato planejamento. Os planos diretores limita-ram-se a utilizar roteiros analíticos e zoneamentos de distritos eáreas industriais já implantados na Bahia (caso do CIA), no Nor-deste e em outros países, sendo a escolha das cidades feita “a priori”,por decisão política, a ser confirmada por um único critério real edemográfico. Isto porque, como visto, a hierarquização dos núcle-os urbanos da Bahia adotou critérios estreitamente vinculados àdimensão populacional – consumo de energia elétrica, estabeleci-mentos comerciais e bancários, depósitos e empréstimos, receitasmunicipais e arrecadação do tributo ICM, bem como outros querespaldavam a importância demográfica das cidades eleitas comopolos – localização no sistema viário, infraestrutura existente e áreade influência das atividades produtivas, mas não configuravamuma base realista para a localização industrial planejada. Estaassertiva decorre da conjugação de vários fatores como:

a) a desarticulação das regiões baianas entre si e com outrasáreas do país; a distância em relação aos grandes centros deconsumo, por rodovias mal conservadas;

b) o pequeno tamanho da força de trabalho e do mercado con-sumidor local; a pouca expressão da produção primária lo-cal, incapaz de abastecer simultaneamente os compradorestradicionais e gerar excedentes para a transformação indus-trial preconizada;

c) a precariedade das base de informações e indicadores soci-ais, em especial os vinculados à educação, saúde e sanea-mento, emprego, renda , e habitação;

d)o baixo padrão tecnológico das atividades produtivas, sejano setor primário, seja na micro, pequena e média indústriaque caracterizava o perfil do secundário baiano;

e) a forte pressão sobre os serviços públicos, com oferta redu-zida, demanda crescente e colapsos no suprimento de águae energia elétrica.

Os planos diretores deram vida, desta forma, a uma ficção eco-nômica – os Distritos Industriais do Interior (DI) – conferindo umrespaldo aparente de planejamento estratégico a uma proposição/decisão de natureza política e eleitoral, em um momento em que asveleidades desenvolvimentistas regionais autossustentadas, na li-nha Cepal e da Sudene, eram erradicadas pelo planejamento deâmbito nacional, os recursos destinados à indústria incentivada doNordeste pulverizavam-se em favor de outras fontes, e o BNDE

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assumia o papel de financiador dos projetos estratégicos da Uniãonos Estados, como o recém-nascido Complexo Petroquímico deCamaçari (Copec).

Com a visão histórica dessa experiência de planejamento, se-gundo a realidade vivenciada na década de 1970, conclui-se, aposteriori, que o Programa do Distritos Industriais do Interior resul-tou em um fracasso completo. Esta assertiva tão radical justifica-sepelos argumentos que são colocados a seguir.

Teoricamente, no plano da política de interiorização do desen-volvimento, o distrito industrial assumiria as características de umparcelamento do solo devidamente dotado de infraestrutura ade-quada, de cuja criação se valeria o poder público como instrumen-to adicional para atrair indústrias, dentro de uma estratégia dedesconcentração industrial. Cumulativamente, desempenharia afunção de ordenador da localização de indústrias nas suas respec-tivas cidades-sede, no que, pelo menos em tese, contribuiria para amelhoria da qualidade da estrutura urbana nas cidades de médioporte do interior da Bahia. Em ambas as situações, intentava-se ofomento à industrialização.

Embora se constituisse no instrumento de maior autonomiacom que o Estado participava da política de industrialização, o DInão se caracterizava como instrumento fundamental desta política,mas principalmente como mecanismo de apoio, que buscavaminimizar o impacto urbano da implantação de indústrias em lar-ga escala e tentava induzir a localização de novas indústrias, de-vendo fazê-lo conforme diretrizes de desenvolvimento espacial.

Tratava-se, basicamente, de equipamento que facilitava, masnão tinha força suficiente para determinar a localização de indús-trias, nem gerar novos projetos, às vezes sequer intraurbanos. As-sim, tornava-se evidente que, se, por um lado, a disponibilidade deinfraestrutura era variável condicionante da atração de investimen-tos industriais tinha, por outro, um papel bastante limitado pelainterferência de outros mecanismos mais fundamentais.

Isto posto, torna-se necessário examinar que fatores exógenos,relativos ao sistema econômico como um todo, são mais influentese condicionantes na localização e geração de novos projetos indus-triais. A esse respeito, duas características do sistema econômiconacional, já na década de 1970, devem ser salientadas: primeiro, omodelo econômico, que se caracteriza por uma distribuição de ren-da muito desigual, determina um sistema produtivo em que as

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empresas industriais apresentam um alto coeficiente de localiza-ção, ou seja, uma tendência a concentração espacial; segundo, sen-do o parque industrial voltado, preponderantemente, para a pro-dução de bens intermediários, é exigente em termos de escala, deaglomeração e de apoio de serviços, exceção feita apenas às unida-des agroindustriais e de processamento de minérios, que necessi-tam ser localizadas junto às matérias-primas.

Convém salientar que mesmo as indústrias comuns de consu-mo estão sofrendo um processo de dependência crescente de aglo-meração e de escala.

As repercussões espaciais de um modelo desta natureza semanifestam pela concentração da produção em uns poucos pontosdo território – as metrópoles –, fazendo com que as antigas “capi-tais regionais” percam o monopólio sobre suas respectivas áreas deinfluência e, sobretudo em decorrência de modificações nos siste-mas de transportes, vejam-se transformadas em simples cidadesintermediárias, uma vez que, espontaneamente, as funções de dis-tribuição passam a ter aí importância maior que as de produção.

Essas características do modelo econômico conflitam, origina-riamente, com uma política de desconcentração industrial como ados DI do interior, embora esta se justifique pela necessidade deatenuar os desequilíbrios regionais. A apreensão desta realidadefoi, aliás, o que tornou possível a criação de mecanismos de corre-ção dessas desigualdades, de que os da Sudene constituem umexemplo bastante ilustrativo.

Neste contexto, uma política que objetivasse, explicitamente,a criação de polos secundários de crescimento, complementares earticulados com os principais polos regionais – no caso os DI me-tropolitanos de Aratu e Camaçari – ou se baseava em possibilida-des reais de investimentos ou requereria uma mudança profundana política de industrialização, algo muito além de um simples ajus-te, como a criação de DI.

Há que considerar, adicionalmente, os reflexos econômicos domomento de implantação dos DI do interior, quando já as estraté-gias de crescimento econômico começavam a dar mostras de perdade dinamismo, fazendo com que a própria força dos incentivos fis-cais se revelasse insuficiente para a geração e para a atratividadede novos projetos.

Por outro lado, salvo a existência do incentivo fiscal específicoe a assistência técnica, nem sempre prontamente disponível, foi

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precária a articulação entre os diversos instrumentos da política deindustrialização posta em prática.

Assim, em relação aos DI do interior, o objetivo estadual maiscompatível seria o de vincular o parque industrial aos recursos na-turais, a concretizar-se mediante a transformação dos produtosagropecuários e exploração de recursos minerais, os quais, no en-tanto, tinham fatores microlocacionais bem específicos, nem sem-pre possibilitando uma opção locacional pelas cidades de médioporte, onde foram instalados os DI.

Ademais, como inexistia, e até hoje inexiste, uma estratégia dedesenvolvimento urbano, não ocorria a integração das açõesintersetoriais, nem se apoia nem beneficiava a política de DI de es-cala de prioridades espaciais.

Nas cidades onde se implantaram os principais DI adminis-trados pelo Estado, (Ilhéus, Jequié, Juazeiro e Vitória da Conquis-ta) era, à época, bastante precária a infraestrutura física e urbano-social, sendo de assinalar-se que, mesmo os programas habitacionaisnão tinham presença destacada nesses assentamentos urbanos.

A estes fatores se agregava, de referência a política urbana, adispersão das responsabilidades executivas pela implantação dainfraestrutura econômica e social nas cidades, com consequentedesarticulação e perda de eficiência dos investimentos realizados.

É natural, assim, que os DI fossem limitados pela falta de su-porte, tanto setorial quanto espacial, tanto mais que foram estabe-lecidos em condições e quantidade provavelmente maior do queseria desejável.

Do ponto de vista espacial, constatou-se que a definiçãomacrolocacional dos DI baseou-se muito mais na análise da hierar-quia urbana do que na ocorrência de efetivas possibilidades econô-micas e de industrialização. Como a rede urbana da Bahia é, ainda,marcada pela macrocefalia da RMS, o volume demográfico, o equi-pamento urbano e o nível de renda predominante nas chamadas“cidades médias” do interior não se revelam capazes de viabilizardistritos industriais, fazendo-se necessário não apenas rigoroso cri-tério de prioridades, mas também um esforço concentrado do go-verno, como ocorreu, por exemplo, para a implantação do Comple-xo Petroquímico, na RMS. Este esforço, de igual modo, deveria in-cluir não apenas a implantação de infraestruturas, mas também apromoção, agenciamento e participação nos empreendimentos nu-cleares, destinados a possibilitar a viabilização dos DI.

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Como observava Haddad (1992), uma das condições essenciaispara que uma atividade econômica que se localize numa regiãopossa promover o desenvolvimento sustentável desta região e nãoestimule apenas um ciclo de crescimento instável e pouco dura-douro, é que haja uma difusão do dinamismo da expansão da novaatividade econômica para outros setores da economia regional. Valedizer, que esta atividade se articule de maneira adequada com osistema produtivo regional.

Ainda, conforme Haddad (1992):A pior situação para o processo de desenvolvimento de uma re-gião, sob o aspecto analisado, poderá ocorrer quando houver a con-vergência dos seguintes fatores relacionados com a implantação deuma nova atividade econômica:

– se a região estiver exportando produtos de grande peso, geradospela nova atividade, o transporte de retorno tende a ocorrer comcapacidade ociosa, reduzindo-se o frete de retorno; diante de fretesde retorno mais baixos, eleva-se a capacidade competitiva para asimportações, inibindo-se possíveis atividades locais substitutivas deimportações voltadas para a demanda regional (impacto reduzidopara os efeitos de encadeamento e para os efeitos induzidos);

– se o perfil de distribuição de riqueza e de renda pessoal da novaatividade não for suficiente para provocar a desconcentração da

Figura 16 – Mecanismo de difusão do dinamismo da nova ativi-dade econômica sobre a economia de uma região.Fonte: Haddad,(1992).

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distribuição prevalecente (ou que, até mesmo, atue na direção dereforçar o padrão concentrador), serão menores os efeitos indu-zidos para promover a expansão do mercado interior regional;

– se o capitais investidos na nova atividade forem originários de ou-tras regiões, não se conseguirá internalizar os excedentes financei-ros gerados no novo ciclo produtivo, os quais “vazam” para regiõesdesenvolvidas (reduzida capacidade de autofinanciamento para sepromover a diversificação da estrutura produtiva regional);

– se a legislação fiscal específica demonstra inequívoco interesseem subtributar (ou se isentar completamente) as novas ativida-des no comércio internacional ou para contribuir com políticasanti-inflacionárias, haverá efeitos fiscais insignificantes em be-nefício da região;

– se a nova atividade tiver a característica tecnológica de utilizarpoucos insumos produzidos no processo produtivo (baixo índi-ce de dispersão ou de encadeamento para trás) e que, por razõeslocacionais, somente possam ocorrer, na região, investimentospara o primeiro processamento daquelas atividades, a fim demelhorar a relação valor-peso no uso da infra-estrutura de trans-portes, será também reduzido o índice de dispersão ou de enca-deamento para frente.

Nesta situação hipotética, caracterizamos um cenário pessimistapara o desenvolvimento de uma região que poderia se denominarde “enclave econômico regional. (HADDAD, 1992, p. 10 – 11) (gri-fo nosso).

Por fim, a implantação física dos DI do interior não contoucom os recursos e facilidades administrativas necessárias ao êxitodo programa, prevalecendo uma ênfase acentuada na implantaçãodo sistema viário e instalação das sedes administrativas, sem su-porte efetivo para a atração e implantação de indústrias, salvo oamplo subsídio atribuído ao valor do terreno que, de resto, não seconstitui em fator crítico em cidades do interior do Estado da Bahia,situadas, predominantemente, na faixa de 50 a 100 mil habitantes.

Mas, no plano industrial, o fato mais importante do governoLuiz Viana Filho foi a gestação do Polo Petroquímico de Camaçari.Pode-se dizer que a existência desse grande complexo empresarialna Bahia deve-se basicamente a cinco decisões do poder públicoque são apresentadas a seguir, em ordem cronológica.

A primeira delas foi a contratação, pelo governo da Bahia, do es-tudo Desenvolvimento da indústria petroquímica na Bahia, com participa-ção da Petroquisa, concluído em 1969. Foi este o primeiro estudo setorialmais profundo elaborado no país sobre petroquímica. Sem dúvida,pelo número de informações inéditas que trazia, conseguiu ordenar oproblema da instalação dessa indústria no Brasil, particularmente na

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Bahia, e contribuir para a formulação das novas decisões sobre o setor.A segunda decisão foi a deliberação da Petrobras e do Grupo

Executivo da Indústria Química (Geiquim) de promover a utiliza-ção do propeno produzido na Refinaria Landulpho Alves – Mataripe(RLAM). Essa decisão viabilizou a existência de quatro projetosconsumidores dessa matéria-prima, cujo consumo total veio, no fi-nal, a exigir uma ampliação da unidade produtora da RLAM.

A terceira decisão foi tomada pelo Conselho de Administra-ção da Petrobras, na sua 397ª reunião, em 14de janeiro de 1970, arespeito de três pontos principais:

a) a Petrobras apoiaria o desenvolvimento, na Bahia, da indús-tria petroquímica de base, fundada em matérias-primas lo-cais, no setor de olefinas, aromáticos e gás de síntese e seusderivados;

b) o apoio da Petrobras visava a assegurar, dentro de suas pos-sibilidades, o fornecimento de gás natural, nafta, propilenoe amônia para os projetos aprovados para o Nordeste peloGeiquim e pelo CNP, envidando esforços para ampliar adisponibilidade de matérias-primas na região;

c) a Petroquisa assumiria uma posição ativa na promoção dodesenvolvimento petroquímico da região, liderando ou par-ticipando das iniciativas essenciais ao crescimento e àintegração do parque petroquímico, desde que elas não pre-judicassem os empreendimentos de que a própria Petrobrase a Petroquisa participavam.

No entanto as duas decisões que vieram a dar existência legalao Polo Petroquímico e, por isso, institucionalmente, as mais im-portantes foram a quarta e a quinta.

A quarta decisão concretizou-se através da resolução do Con-selho de Desenvolvimento Industrial n. 2/70, de 21 de julho de 1970,assinada pelos ministros da Indústria e Comércio, do Planejamen-to, da Fazenda, do Interior e das Minas e Energia, pelo ministrochefe do Emfa, pelos presidentes do Banco Central, do Banco doBrasil e do BNDE e pelos presidentes das Confederações da Indús-tria e do Comércio. Pela qualidade dos assinantes, pode-se verifi-car a importância da decisão. Essa resolução, nos seus pontos prin-cipais, recomendava: à Petrobras que exercesse a liderança do com-plexo, através da Petroquisa; à Sudene, que concedesse faixa “A”(75% de incentivos fiscais) aos projetos do complexo aprovados peloCDI para a Bahia. Determinava, ainda, a criação de um grupo de

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trabalho, constituído por representantes dos cinco ministros queassinaram a resolução, para definir as medidas indispensáveis àimplantação do pólo, incluindo a definição das escalas de produ-ção, da política de preços e das estruturas tecnológicas, financeira eempresarial das unidades básicas do Complexo.

A quinta decisão foi a da aprovação presidencial à exposiçãode motivos em 16 de setembro de 1971, encaminhada pelo ministroda Indústria e Comércio e assinada pelos outros ministros referi-dos no parágrafo anterior, que garantia a instalação de uma Cen-tral Petroquímica na Bahia, peça fundamental de todo o complexo.Ainda, esse documento expressava as seguintes deliberações:

a) a criação de uma empresa-piloto, pela Petroquisa, que de-talharia os trabalhos técnicos e econômicos necessários à im-plantação do polo do Nordeste;

b) a instalação no Nordeste, até 1975, de unidades consumido-ras de aromáticos e, a partir desse ano, as unidades consu-midoras de olefinas;

c) a consolidação de unidades em implantação na Bahia (octanole acrilonitrila) durante a fase de expansão e maturação domercado;

d) a localização, na Bahia, dos projetos para a produção docaprolactama, TDI e DMT, ampliação da unidade de negrode fumo e a instalação futura da unidade de polietileno AD.

O Desenvolvimento da indústria petroquímica no Estado da Bahia,anteriormente citado, foi o trabalho básico para o início do proces-so reinvindicatório da Bahia, tendo sido elaborado pela Clan S.A –Consultoria e Planejamento, para o Conselho de Desenvolvimentodo Recôncavo (Conder), com financiamento da Financiadora deEstudos e Projetos (Finep) e a colaboração financeira da Petroquisa/Petrobras.

Na apresentação do estudo, diz o economista Rômulo Almeida,seu coordenador geral:

Este trabalho tem duas origens: o interesse manifestado pelo Go-vernador Luiz Vianna Filho, desde o começo de sua administração,por definir as possibilidades baianas na petroquímica e a indicaçãoda Missão organizada pelo BID para o exame dos problemas daÁrea Metropolitana e do Recôncavo, no sentido da identificaçãodas indústrias que possam ser “motrizes” para o desenvolvimentoda região. O relatório dessa Missão sugeriu um estudo específicosobre petroquímica. Lateralmente, técnicos da SUDENE já se havi-am preocupado com os possíveis complexos básicos no Nordeste,

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entre esses destacando o petroquímico na Bahia. O conceito depetroquímica, neste trabalho, é econômico, não tecnológico. Emrealidade, compreende não só a indústria química que se deriva dogás natural e do petróleo, mas a associação de indústrias que nor-malmente integram um complexo baseado na petroquímica (grifonosso). Os efeitos possíveis da petroquímica no Recôncavo – sobreoutras atividades e em termos regionais – apenas são apontados,mas não quantificados – o que só seria possível com estudos muitomais amplos de relações inter-industriais e inter-regionais. Apetroquímica é particularmente focalizada, nas suas possibilida-des, por ser o núcleo dinâmico ou motriz, em torno do qual se podeaglutinar ou aglomerar um sistema industrial de crescente com-plexidade (grifo nosso). O trabalho visa a: 1. orientar a atividadepromocional do Estado que, neste particular, é uma seqüência ló-gica da decisão de instalar o Centro Industrial de Aratu; 2. fornecerà PETROQUISA elementos informativos e de juízo para a formula-ção de suas decisões, no que toca ao Nordeste; 3. dar uma contri-buição ao excelente trabalho do IPEA (Ministério do Planejamen-to), no referente ao planejamento industrial e ao planejamento regio-nal; 4. sugerir oportunidades de investimento, dimensões ecronogramas à iniciativa particular, bem como idéias sobre ativi-dades supridoras de insumos materiais e serviços. Tais indicaçõesconstituem sabidamente o papel mais importante do planejamen-to, no que toca ao setor privado, numa economia de mercado.

Foram intensas as articulações promovidas pelo governo daBahia no período, tendo a frente o governador Luiz Viana Filho.

Em 21 de agosto de 1969, o governador encaminhou ao presi-dente da Petrobras, marechal Waldemar Levy Cardoso, a corres-pondência a seguir transcrita, que bem retrata o andamento da lutaem prol do parque petroquímico baiano:

Senhor Presidente. Desejo, com o presente, ratificar a exposiçãoverbal feita a V.Exa. quando da entrega da minuta do Estudo “De-senvolvimento da Indústria Petroquímica no Estado da Bahia”, quefoi possível realizar graças à colaboração da PETROBRÁS-PETROQUISA e ao financiamento do FINEP. Estou persuadido deque é esse um valioso subsídio ao planejamento do setorpetroquímico do país.O objetivo do Estado pode ser assim sinteti-zado: – identificar e dimensionar as possibilidades da indústria naBahia, de maneira a orientar sua realização com a otimização darelação custos-benefícios, tanto direta na indústria quanto na infra-estrutura; – conjugá-las com outras indústrias ou possibilidades noNordeste; – harmonizá-las com os programas e projetos para o Suldo país; – apontar as medidas necessárias ou convenientes para tor-nar efetivas tais possibilidades com maior eficiência para a econo-mia nacional. O complexo petroquímico previsto na Bahia está base-ado em matérias-primas de origem efetivamente nacional, salvo aeventual utilização de pequena cota complementar de importações.Os custos efetivos dessas matérias-primas serão necessariamente

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os mais baixos no Brasil, enquanto não for descoberta outra área deóleo e/ou gás natural com localização adequada. Convém ressaltara condição atual do Recôncavo: o único sítio continental em que sedispõe de petróleo e gás no Brasil. Assim, além das razões econô-micas, parece adequado observar que objetivos de segurança in-dustrial e militar tornam essa localização necessária para um com-plexo petroquímico.Uma vez desfechado o processo de desenvol-vimento industrial no Nordeste, através da implantação do siste-ma de incentivos fiscais da SUDENE, a Bahia, devido às suas con-dições especiais de localização geográfica e ao esforço desenvolvi-do pelo Governo em infra-estrutura básica, assumiu a liderança dosinvestimentos industriais na área. Dentre as indústrias que opta-ram por localizar-se na Bahia, destacaram-se aquelas vinculadasao setor petroquímico. São cerca de duas dezenas de unidades in-dustriais que se encontram em diversas fases de concretização, cominvestimentos estimados em torno de 240 milhões de dólares, cujarelação é apresentada em anexo. A colaboração da PETROBRÁS,diretamente e através de sua subsidiária, a PETROQUISA, é indis-pensável, obviamente, para o pleno êxito de um programapetroquímico regional. É conhecida a boa-vontade da PETROBRÁSem atender às solicitações específicas que lhe têm sido dirigidas,mas agora se trata de assumir uma ativa posição promocional, paraassegurar uma otimização de resultados em termos regionais e na-cionais. Essa colaboração garantirá a consecução dos seguintes ob-jetivos: a) cumprir a PETROBRÁS plenamente o papel que dela éesperado no processo do desenvolvimento econômico do Nordestee, através deste meio, contribuir decisivamente para o sucesso dapolítica federativa nacional que combate os extremos desequilíbriosregionais, bem como para dar uma nova dimensão ao mercado in-terno brasileiro, através da integração do Nordeste com o Centro-Sul; b) assumir papel arbitral no conjunto da indústria química naci-onal, pela posição dominante que lhe será possível assumir na in-dústria química do Nordeste; c) ajudar o desenvolvimento de umaclasse empresarial brasileira, que tem, no momento, mais oportuni-dade de progredir, na indústria básica, na área dos estímulos fiscaise com apoio de organismos oficiais do que no Sul.

SUPRIMENTO DE MATÉRIAS-PRIMAS

Os novos projetos vêm provocando o surgimento de crescentes pres-sões sobre a PETROBRÁS no sentido de garantir o suprimento dematérias-primas. É indispensável para o êxito do programapetroquímico conjunto no Recôncavo um plano sistemático de maté-rias-primas que a PETROBRÁS torne viável e que tenha a aprovaçãodo CNP. Realmente, até o momento não foi formulada uma políticadefinida em relação ao aproveitamento do gás natural, nem são co-nhecidas suas reservas e disponibilidades para a indústria. Tal estudodeveria estender-se à própria política de produção do petróleo na Bahia,tendo em vista a perspectiva de seu melhor aproveitamento comomatéria-prima petroquímica.A propósito, alguns projetos atuais temencontrado dificuldades no suprimento de matérias-primas. Assim, o

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da POLIAR, depois de aprovado pelo GEIQUIM, irá transferir-se parao Sul. A razão apontada foi a falta de garantias no fornecimento depropeno pela PETROBRÁS. A conclusão da unidade de propeno, ini-cialmente prevista para 1972, já foi adiada para 1973, sendo sua capa-cidade de 58.000 toneladas, quando a demanda atingirá 75.000. Alémde propiciar as matérias-primas que possibilitem as indústrias deriva-das dos hidrocarbonatos, parece de fundamental importância que aPETROBRÁS (e PETROQUISA) tome, ao lado do Estado, um interes-se direto e imediato na pesquisa do salgema no Recôncavo, pois que,confirmada a existência do sal, verificar-se-á a possibilidade, única nopaís, de combinar o cloro com petroquímicos básicos produzidos nomesmo local, para oferecer produtos variados, a custos internacionais,já se podendo contar com mercado de exportação, principalmente paradicloroetano. No caso de resultar negativa uma pesquisa dirigida porum genuíno interesse de desenvolvimento nacional, seria então preci-so articular ainda mais o programa petroquímico da Bahia com o pro-jeto Salgema de Alagoas e/ou com as novas possibilidades verificadasem Sergipe. Há, portanto, evidente conveniência nacional de uma pron-ta definição das possibilidades de salgema do Recôncavo.

PREÇOS DE MATÉRIAS-PRIMAS

O Estado oferece sugestões para uma política de preços de matérias-primas que seja justa e estimulante para o desenvolvimento do con-junto programado. Deve-se partir do fato de que uma das vantagensnaturais da indústrias na Bahia é a disponibilidade de matérias-pri-mas a custos mais baixos, pela sua origem local. Na fase inicial daindústria, outros custos serão necessariamente maiores e o grossodo mercado é no Sul, o que implica maiores gastos de transportepara os produtos. Em conseqüência, as matérias-primas devem terpreços fixados segundo dois critérios: competição internacional noque respeita às matérias-primas de origem direta ou indireta estran-geira, não beneficiadas por frete menor. A combinação do primeirocritério – competição internacional – com a unidade de preço no Bra-sil poderia resultar num absurdo: o subsídio à indústria do Sul nopreço da matéria-prima e um “imposto” sobre a indústria do Nor-deste, no que respeita à diferença entre o custo de produção noRecôncavo (inclusive lucro razoável) e o preço fixado no Sul. A con-seqüência de tal política seria distorcer a localização da petroquímica,a pretexto da proximidade de mercado, com ineficiência patente parao sistema econômico nacional. Se consagrada uma política de maté-rias-primas com subsídio no Sul, acumular-se-iam vantagens com-parativas ao nível das empresas, as quais não correspondem aos cus-tos para a economia nacional. Estabelecidas essas premissas para apolítica de preços de matérias-primas, seria plenamente justificávela seleção dos empreendimentos para uso destas e, eventualmente,preços diferenciais, conforme a categoria do usuário, de acordo coma capacidade deste de suportar os preços de matérias-primas.

AÇÃO EMPRESARIAL

Considera-se fundamental, pelos motivos já expostos, uma açãoempresarial direta do sistema PETROBRÁS-PETROQUISA, não

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apenas em empreendimentos isolados, mas no conjunto petroquími-co da Bahia. Isso não significa que, necessariamente, deva aPETROQUISA participar acionariamente de todas as empresas, massim que deve participar efetivamente das unidades principais e sen-tir-se empenhada na realização do programa conjunto. Além dasrazões de ordem nacional e regional apontadas, cabe observar que,do ponto-de-vista empresarial, não se justifica que a PETROQUISAdeixe de favorecer-se do regime dos estímulos fiscais.O Estado daBahia dispõe-se a dar colaboração à PETROQUISA, inclusive atra-vés de contribuição razoável de capital acionário nos empreendi-mentos em vista. Portanto, com base nas conclusões do Estudo,venho sugerir que a PETROBRÁS, através da PETROQUISA, estu-de a possibilidade de assumir uma posição efetiva de liderança noprocesso ora em curso no setor petroquímico da Bahia.

RESUMO DAS SUGESTÕES E SOLICITAÇÕES À “PETROBRÁS”

Concretamente, solicito dessa empresa as seguintes decisões: 1 –acelerar a implantação da unidade de propeno, assegurando seufuncionamento em 1972, conforme era previsto pela própriaPETROBRÁS, obtendo o máximo de capacidade; 2 – dedicar umaatenção maior ao gás natural e definir, no mais curto prazo, as pos-sibilidades dos campos conhecidos e dos em exploração, de modoa fornecer aos interessados na indústria petroquímica as reais dis-ponibilidades de gás em nosso Estado; 3 – elaborar um programaglobal de disponibilidade de matérias-primas para a petroquímicana Bahia, considerando, além do gás e dos efluentes da RLAM e daPGN, o próprio óleo cru; 4 – promover ativamente ou ajudar osesforços de grupos privados e do Governo do Estado no sentido deesclarecer rapidamente as dúvidas quanto à existência de salgemano Recôncavo, em condições industriais; 5 – rever a fixação de pre-ços do gás no sentido de adotar, para certas indústrias, bases seme-lhantes às verificadas na costa americana do Golfo do México e noCaribe para indústrias químicas, considerando os baixos custosmarginais da produção do gás; 6 – fixar os preços ou custos contábeisdo óleo CIF RLAM para origem do cálculo de custos de produtosbásicos, na base dos custos efetivos mais lucro empresarial justo; 7– considerar imediatamente um engajamento da PETROQUISA noprograma petroquímico do Recôncavo, nas linhas empresariaissugeridas, liderando um grupo nacional, de que o Estado se dispõea participar sem excluir a participação externa que seja convenien-te por motivos tecnológicos ou de mercado.

A QUE SE DISPÕE O ESTADO DA BAHIA

O Estado da Bahia não deseja apenas pedir, mas oferece àPETROBRÁS – PETROQUISA sua colaboração, naturalmente limi-tada à modéstia de seus recursos. O Estado se dispõe a: 1. apoiar aPETROQUISA na sua atividade empresarial, com vistas àconcretização do grande complexo petroquímico na Bahia, comparticipação financeira efetiva; 2. destinar, da forma mais indicada,o produto ou o equivalente (“royalties” a que tem direito sobre asmatérias-primas destinadas à petroquímica na Bahia para a

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concretização desta); 3. participar de um programa de pesquisascomplementares referente ao salgema no Recôncavo;4. examinarimediatamente, em conjunto com a SUDENE, a constituição de umagrande empresa regional de mistura e distribuição de fertilizantes,em alta escala, associada a um programa agrícola regional de gran-de envergadura, tendo como um dos objetivos oferecer apoio aoCOPEB e a outras fontes de fertilizantes do Nordeste.

Trata-se de um documento técnico preparado pela Clan, noqual o governo da Bahia assume formalmente o compromisso departicipar financeiramente do projeto petroquímico; propõe ummecanismo de subsídio aos preços das matérias-primas básicas(nafta/gasóleo) e conclama a Petrobras/Petroquisa a assumir a li-derança do processo num discurso bem ao gosto da corrente mili-tar nacionalista, liderada pelo general Ernesto Geisel, que subira aopoder com o governo do marechal Castelo Branco e que atuavaintensamente na área do petróleo. Luís Viana Filho havia sido ochefe da Casa Civil do governo Castelo Branco e colega de ministé-rio, do à época, general. Ernesto Geisel que ocupava a Chefia doGabinete Militar. O general Geisel assumiu posteriormente a Presi-dência da Petrobras e, em seguida, a Presidência da República, ten-do liderado a tecnoburocracia da Petrobras, mesmo fora do poder,até a sua morte em 1998.

Para obter, também, o apoio institucional da Sudene, em 26 deagosto de 1969, encaminhou o governador do Estado correspon-dência ao general Tácito Theóphilo de Oliveira, superintendentedaquela autarquia de desenvolvimento regional, solicitando a ado-ção de um conjunto de medidas no plano dos incentivos fiscais asquais não somente agilizariam a tramitação de projetos industriaisque fossem submetidos a apreciação daquele organismo federalcomo também ampliariam as suas condições de financiamento.

Senhor Superintendente. O Governo do Estado da Bahia tem a honrade passar às mãos de V.Exa o estudo “Desenvolvimento da Indús-tria Petroquímica do Estado da Bahia”, valioso subsídio ao plane-jamento do setor petroquímico no país e, particularmente, em nos-so Estado e no Nordeste. Realmente a implantação da petroquímicadeverá representar consolidação do nosso mercado interno e a ga-rantia de um economia auto-sustentada. Também em anexo ao pre-sente, V.Exa encontrará cópia do ofício que o Governo do Estadodirigiu à PETROBRÁS, solicitando àquela empresa – que tem, atra-vés da PETROQUISA, a responsabilidade de coordenar a implan-tação da petroquímica básica em nosso país – medidas que visam atornar realidade, no prazo mais curto possível, o complexopetroquímico da Bahia, baseado nos recursos do nosso subsolo

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explorados pela PETROBRÁS. Ainda no mencionado ofício, V.Exapoderá verificar a disposição do Estado em participar efetivamentedo esforço para implantação do parque petroquímico. Seria desne-cessário, talvez, dizer da impossibilidade da implantação de umparque petroquímico na Bahia sem o apoio e a colaboração daSUDENE. Sabemos que, sem a existência dos incentivos fiscais, tãobem administrados por essa Superintendência, a disponibilidadedas matérias-primas em nosso Estado não se constituiria em razãosuficiente para que o empresário, em lugar de instalar-se no Cen-tro-Sul, para aqui se dirigisse. Até o momento, não tem a SUDENEfaltado com seu apoio aos projetos petroquímicos já implantadosou em implantação em nosso Estado, dentre os quais podemos ci-tar a CIQUINE (anidrido ftálico), a PASKIN (metacrilato de metila)e a FISIBA (acrilonitrila). Além destes, encontram-se em análisenesse órgão os projetos da AGROBRASIL (polipropileno), daCIQUINE (ocianol), da POLIAR (polipropileno glicol) e daBTX.Ocorre, contudo, Senhor Superintendente, que a petroquímicado Nordeste e da Bahia encontra-se num ponto crítico, pois os pro-jetos petroquímicos da “Petroquímica União” e da “Union Carbi-de” já demarcaram, e começam a pensar, antes mesmo de sua con-clusão, em ampliações que, se efetivadas, afastarão o sonho dapetroquímica do Nordeste por algumas décadas. No Estudo queencaminhamos a V.Exa., está comprovado que, nas dimensões ain-da hoje previstas para aqueles conjuntos petroquímicos, não há qual-quer incompatibilidade com a implantação do conjunto petroquí-mico da Bahia, que não só consolidaria os projetos e iniciativas jáexistentes, se não permitiria ao Nordeste contar com uma indústriade base altamente germinativa, a partir de matérias-primas locais,e que seria, sem dúvida alguma, um dos esteios para obtenção deuma economia auto-sustentada para todo o Nordeste, fato esse deextraordinária importância para a segurança nacional, que teriadiversificados os pólos de indústrias petroquímicas ao mesmo tem-po em que o consumo de matérias-primas nacionais favorecerianossas reservas de divisas. É, portanto, chegada a hora de somar-mos esforços para evitar a perda da petroquímica para o Nordeste.Da parte da SUDENE, espera o Governo do Estado da Bahia con-tar, além do apoio junto às autoridades federais – particularmenteos Ministérios da Indústria e Comércio e das Minas e Energia,GEIQUIM, PETROBRÁS e CNP –, com o seguinte: a) que a análisedos projetos petroquímicos apresentados a essa Superintendênciaseja procedida no prazo máximo previsto no Art. 25 do Decreto n.º64.214, de 18/03/69; b)que sejam os projetos petroquímicos e quí-micos objeto de convocação pelo GEIQUIM enquadrados no Art.39 do mesmo Decreto.A justificativa para o item “b” da nossa solici-tação é que cabe ao GEIQUIM, considerando a alta prioridade para odesenvolvimento nacional, convocar os projetos petroquímicos e quí-micos. Ora, parece-nos que se aqueles projetos são de alta prioridadeem termos nacionais, com muito maior razão o serão em termosregionais.Desta forma, poderia a Secretaria Executiva – aceita quefosse nossa sugestão – propor ao Conselho Deliberativo da SUDENE,

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quando achasse por bem, independente dos arts. 31,32,33 e 38 do jámencionado Decreto, a concessão de incentivos que permitissem aimplantação dos projetos químicos e petroquímicos em condiçõesde competir em termos nacionais e internacionais.Desejamos escla-recer que não pretendemos aqui que sistemática ou automaticamen-te possa um projeto aprovado em concorrência pelo GEIQUIM ga-nhar o máximo de incentivos da SUDENE; caberá à Secretaria Exe-cutiva propor ao Conselho o quanto de incentivos a ser concedido.O que desejamos apenas é dar àqueles projetos a possibilidade devirem a ser enquadrados inclusive na faixa “A”.Como argumentoadicional que justifica nossa pretensão, desejamos lembrar que osprojetos petroquímicos e químicos que se implantam hoje no Cen-tro-Sul vêm contando com condições de financiamento que normal-mente superam as condições estabelecidas pelos incentivos e finan-ciamentos concedidos no Nordeste.

A grande preocupação do governo da Bahia, então, consistiano fato de a Sudene ter retirado da faixa “A” de prioridade (75% definanciamento com a utilização dos recursos dos incentivos fiscais)os projetos destinados às áreas metropolitanas de Salvador e deRecife. Com o apoio do lobby petroquímico, o governo baiano con-seguiu assegurar a reversão desta medida em favor das empresasdo Complexo Petroquímico de Camaçari (Copec). Mas o volumedos investimentos era tão elevado que a Sudene, mesmo exaurindoos seus recursos derivados dos incentivos fiscais em detrimentodos demais projetos de interesse regional, só conseguiu financiar20% das inversões totais das empresas no Copec.

Como a petroquímica era um projeto de absoluta prioridade paraa Bahia, tinha-se de operar politicamente dentro de um quadro com-posto por diferentes e poderosos atores num contexto em que qual-quer procedimento equivocado poderia resultar em graves prejuízospara o Estado. Assim, o governo da Bahia trabalhava, de um lado, coma cúpula do governo federal, num período de extremo autoritarismo ecentralização das decisões e, do outro, com a Petrobras e suatecnoestrutura, também no auge da sua autossuficiência e prepotênciano que se referisse à política nacional de petróleo e seus derivados, aíincluída a indústria química/petroquímica.

Adicionalmente, como já foi visto, enfrentava a competição comoutros estados (notadamente São Paulo), que não desejavam a cons-trução do segundo complexo petroquímico na Bahia, e tinha queconquistar o apoio de uma classe empresarial ainda tímida e relu-tante em participar de um projeto de tal porte.

Note-se que, à época, os grandes grupos brasileiros dapetroquímica dos dias atuais não possuíam qualquer tradição ou

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experiência no setor, como, de resto, a maior parcela do empresaria-do nacional. Faltavam capital, tecnologia e experiência, o que foiduramente conquistado pela aliança construída entre os governosfederal e estadual e a Petrobras, aplicando-se o modelo tripartiteem que se reuniam na empreitada empresarial o setor público, aPetroquisa, a iniciativa privada nacional (financiada pelo BNDE) eo empresariado internacional177.

A Bahia acabou conseguindo atingir os seus objetivos porqueestabeleceu uma sólida aliança com o grupo militar nacionalista e atecnocracia da Petrobras que via com simpatia a instalação de umcomplexo petroquímico no Nordeste, segundo uma estratégia re-comendada à época pela doutrina de segurança nacional concebi-da pela Escola Superior de Guerra e o Estado Maior das Forças Ar-madas, que consideravam o desequilíbrio do desenvolvimento re-gional uma ameaça à estabilidade política do país.

O primeiro governo de Antônio Carlos Magalhães, no quadriê-nio de 1971-1975, caracterizou-se por uma agressiva ação executi-va, objetivando concretizar muitos planos e projetos herdados dasgestões anteriores.

Fato de maior significação foi que não se registrou solução decontinuidade na administração estadual, o que permitiu a continuida-de de importantes projetos para a Bahia e a consolidação da formaçãode quadros técnicos habilitados para a execução desses projetos.

A condução da política industrial foi dividida entre a Secreta-ria da Indústria e Comércio e a Secretaria das Minas e Energia (SME).Enquanto a SIC foi incumbida das atividades relativas aos segmen-tos industriais tradicionais, ao fomento das pequenas e médiasempresas e à gestão dos distritos industriais do interior e do CIA, aSME recebeu a tarefa de conduzir, como um projeto em regime deprogramação especial, as atividades de competência do Estado paraa implantação e o desenvolvimento da petroquímica na Bahia, semdúvida o maior projeto do governo do Estado nesse período.

177 O modelo tripartite constitui um esquema de composição acionária montado paraviabilizar os projetos do segundo complexo petroquímico nacional. Segundo este mode-lo, a Petroquisa (leia-se o governo federal) participava com 1/3 do capital votante, o sócioprivado estrangeiro (dono da tecnologia) com outro um terço e o sócio privado nacional(financiado a juros subsidiados pelo BNDE) com outro 1/3. Assim, assegurava-se umaaparência de iniciativa privada dominante. Mas havia, em todos os empreendimentosbásicos, um acordo de acionistas que era realmente quem ditava as regras do jogo entreos controladores. Por exemplo, a Petroquisa designava os Superintendentes (executivosprincipais) de todas as empresas.

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A razão dessa divisão de atribuições se explica pelo estilo ad-ministrativo personalista de Antônio Carlos Magalhães, bastantecentrado na administração por objetivos, com destaque para a rela-ção dos executivos com os projetos, independentemente das amar-ras formais dos organogramas178.

No caso, a condução do projeto da petroquímica foi confiadaao eng. José de Freitas Mascarenhas (titular da SME), porque estetécnico, na qualidade de diretor da Consultoria e Planejamento ClanS/A, já vinha participando ativamente dos estudos e das gestõestécnico-políticas para a implantação de um polo petroquímico naBahia iniciadas no governo anterior.179

A bem da verdade, a SME não se constituiu exclusivamentenuma Secretaria da Petroquímica. Pelo contrário, foram significati-vas as realizações promovidas na área mineral do Estado por inter-médio da Coordenação da Produção Mineral, um órgão da estrutu-ra centralizada da SME, e da Companhia Baiana de Pesquisas Mi-nerais (CBPM), da estrutura descentralizada, criada em 1973 exata-mente para atuar executivamente no setor em parceria com a inici-ativa privada. Por outro lado, na área de energia, destacaram-se ostrabalhos desenvolvidos pela Coordenação de Energia, pela Com-panhia de Energia Elétrica da Bahia (Coelba) e pela CompanhiaBaiana de Eletrificação Rural (Cober).

178 Definindo ACM Dantas Neto dizia em 2007: [...] Creio que ele pode ser qualificado comomodernizador, do ponto de vista econômico, um político conectado ao capital, no senti-do amplo, não determinista, da conexão, isto é, a ação que concilia seus interesses políti-cos com os de setores hegemônicos do capitalismo brasileiro, a cada época. Assim,contracenou com a construção civil nos anos 60/70, depois com o capital petroquímico,com a indústria das telecomunicações e, mais recentemente, com o mundo da cultura,em sua intersecção com a “indústria” do entretenimento. Não se tem notícia deenvolvimento importante seu com interesses passadistas, do ponto de vistaeconômico.Mas politicamente era, claro, um autocrata, um conservador com concepçãovertical da política e foi, muitas vezes, truculento. O traço despótico da personalidadeera, no caso, funcional ao exercício da concepção vertical, pela qual processos decisóriossão atribuições exclusivas da elite dirigente, cujo protagonismo, fundado em atitudespragmáticas, é condição suficiente para o êxito das estratégias modernizantes. Tal atitu-de política pode, tal como a trajetória de ACM demonstra, adaptar-se tanto a contextosinstitucionais autocráticos quanto de competição democrática. Neste último caso, o povo(os cidadãos) teria, no máximo, o papel que lhe é reservado por certa versão do elitismocompetitivo, ou seja, escolher e depois aclamar a elite governante. Ao se definir nestestermos a atitude de ACM, conclui-se que não seriam tantos os políticos e partidos brasi-leiros que lhe poderiam atirar a primeira pedra.

179 Lamentavelmente, na gestão de ACM, por incompatibilidades políticas e pessoais com ogovernador, foi afastado do processo o economista Rômulo Almeida, que vinha pres-tando notáveis serviços à Bahia, notadamente na área da petroquímica.

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Evidentemente, a petroquímica era o projeto prioritário doEstado, que tinha de operar politicamente dentro de um quadrocomposto por diferentes e poderosos atores, num contexto em quequalquer procedimento equivocado poderia resultar em gravesprejuízos para o Estado.

Assim foi criado, no organograma da SME, uma estrutura es-pecial denominada Coordenação da Obras do Complexo Petroquí-mico de Camaçari (Comcop) para geri-lo, de sorte a contornar osentraves burocráticos que este sofreria se dependesse da decisãodos diversos órgãos da administração pública estadual. A Comcopcongregava todos os organismos estaduais envolvidos com o pro-blema, tinha a finalidade de acompanhar a implantação do Com-plexo Básico e coordenar as medidas de planejamento e execuçãonecessárias para assegurar a oferta da infraestrutura industrialrequerida180.

O governo baiano teve de enfrentar forte resistência para con-seguir concretizar o projeto petroquímico, visto que a decisão emfavor da Bahia, reafirmada posteriormente através de pronuncia-mentos oficiais e de medidas concretas, encontrou durante algumtempo a reação de outros estados que se candidataram a acolher osegundo complexo petroquímico nacional: o Rio de Janeiro, combase na existência das refinarias de Manguinhos e Duque de Caxias,na produção da Fabor, no seu mercado e no interesse de investido-res privados em instalar plantas em seu território; Sergipe, por dis-por de petróleo e jazidas de evaporitos; o Rio Grande do Sul, emvirtude da capacidade de refino instalada no Estado e ao fato de oSul do país representar 20% da demanda total desses produtos.

A reação mais forte, como se poderia esperar, veio de São Pau-lo. Empresários, associações de classe, governo estadual e impren-sa utilizaram formidável capacidade de pressão, persuasão e influ-ência para ressaltar as vantagens da ampliação da PetroquímicaUnião (PQU).

180 Na prática, a Comcop era apenas um organismo convalidador institucional de decisõesjá adotadas pela coordenação estadual do projeto, de que estava incumbida a Secretariade Minas e Energia, por determinação do governo do Estado. A utilidade da Comcopresidiu no fato de transformar o projeto do complexo petroquímico em algo tão prioritárioque sobrepunha à competência setorial dos diversos organismos estaduais. Em outraspalavras, a Comcop validava as ações do Coordenador do Projeto Petroquímico queautoritariamente se sobrepunham às competências dos demais órgãos estaduais. Estasituação foi ligeiramente revertida no governo Roberto Santos (1975-1979).

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Por fim, a aprovação, pelo presidente Médici, em 15 de setem-bro de 1971, da exposição de motivos n. 213 marcou o início dapetroquímica na Bahia, definindo as regras da implantação dessaindústria no Nordeste. Assinada pelos ministros da Indústria eComércio, Fazenda, Planejamento, das Minas e Energia e do Interior,a EM possui o seguinte teor:

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,Temos a honra desubmeter a Vossa Excelência as diretrizes fundamentais queobjetivam implementar a decisão do Governo Federal no sentidode implantar um novo pólo petroquímico181 no Nordeste e consoli-dar o do Centro-Sul, cuja central já se encontra em fase de instala-ção. 1 – Em face das características peculiares do setor petroquímico,que envolve, além da grande interdependência dos projetos, a ne-cessidade de vultuosos recursos, financeiros e tecnológicos, queassegurem as economias de escala condizentes com o seudimensionamento a níveis internacionais, bem como o longo perí-odo requerido para a implantação da unidade central, torna-se ne-cessário definir a estratégia que orientará esse processo. 2 – Essaprovidência, tomada com a necessária antecipação, permitirá a to-mada de decisões empresariais, indispensável para a consecuçãodos objetivos acima enunciados. 3 – A característica essencial e ex-clusiva da petroquímica, de seguir rotas tecnológicas alternativasque permitem obter o mesmo produto, final ou intermediário, apartir de diversos produtos básicos, ao mesmo tempo em que oproduto pode combinar duas ou mais matérias-primas, aconselhaque os projetos não sejam analisados isoladamente, mas em gru-pos correlacionados. 4 – A recuperação do atraso na implantaçãoda petroquímica básica brasileira, cuja concretização dar-se-á como início da operação da central de Capuava, (leia-se PQU) aliadaaos elevados níveis de crescimento da economia, permite anteverum acelerado crescimento desse setor na década de 70, possibili-tando a instalação de unidades com escala internacional. 5 – Essasduas características não só reforçam a decisão de consolidar o pólopetroquímico do Centro-Sul e de instalar o pólo petroquímico doNordeste, aliando as vantagens locacionais a interesse de ordemsocial e econômica, como facilitam a racional compatibilização en-tre essas duas implantações. 6 – Efetivamente, enquanto a decisãode instalar o pólo petroquímico do Centro-Sul em escala interna-cional justifica-se plenamente por encontrar-se ali a maioria dasunidades de quarta geração e dos consumidores finais, a decisãode incentivar e garantir o segundo pólo no Nordeste encontra suajustificativa no melhor aproveitamento dos recursos naturais bra-sileiros, no progressivo nivelamento das disparidades regionaise em razões de segurança nacional, fatores que, em conjunto, trans-cendem uma análise em nível microeconômico (grifo nosso). 7 –Para que essa decisão seja implementada, eficaz e eficientemente,

181 Note-se que a palavra “polo” é utilizada repetidas vezes pelo ministros na exposição demotivos.

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cumpre não apenas uma correta consideração e ponderação doselementos que constituem um projeto – grupo empresarial, com-posição acionária, escala, tecnologia, esquema financeiro, localiza-ção e cronograma – , como um exame adequado das relações queintegrarão esses projetos entre si e com o meio geo-econômico emque se situarão. 8 – Em face do exposto e tendo em vista que: a) amaior colocação possível dos produtos olefínicos da central do Cen-tro-Sul é fundamental para a sua viabilidade econômico-financeirae que esses produtos são de difícil transporte econômico; b) o nor-deste conta com matérias-primas e produtos básicos (gás natural,correntes ricas em etano, amônia e salgema para a produção decloro) de inconveniente transporte, que torna vantajosa sua utiliza-ção local, notadamente para a produção de derivados dearomáticos;são as seguintes as diretrizes recomendadas:I – Serãolocalizadas em São Paulo, em uma primeira fase (71/75), compor-tando exceções justificadas, as unidades consumidoras de olefinase no Nordeste, as unidades consumidoras de aromáticos, inverten-do-se na fase subseqüente (1975/80) essa localização;II – assegu-rar-se-á a consolidação de unidades em implantação na Bahia(octanol e acrilonitrila) durante a fase de expansão e maturação domercado; III – Será exercida rígida fiscalização sobre a execução deprojetos aos quais foram concedidos incentivos, de forma a evitaratrasos que comprometam a execução do programa.Essas suges-tões significam, concretamente, as seguintes definições:I – na Bahia,a localização dos projetos consumidores de aromáticos decaprolactama, TDI e DMT, ampliação da capacidade da unidadeexistente de Negro de Fumo e a instalação futura de unidade depolietileno HD, cuja demanda está adequadamente suprida em SãoPaulo. II – em São Paulo, a localização do projeto de polipropileno,de V.A.M, expansão da capacidade de produção de Negro de Fumo,instalação da unidade de T.P.A. (ácido tereftálico) e aceleração daimplantação da unidade de óxido de propeno. 9 – O esquema delocalização acima definido permitirá o consumo de fraçãoponderável na produção de eteno e propeno da central petroquímicade São Paulo e, desde que os projetos sejam realizados de acordocom os seus programas, representará a consolidação daquela cen-tral, ao mesmo tempo em que facilitará a implantação da centralpetroquímica do Nordeste, através da garantia progressiva da de-manda regional de produtos petroquímicos básicos. 10 – A fim deassegurar a implantação da nova central, incumbir-se-á aPETROQUISA, sob a orientação do Conselho de DesenvolvimentoIndustrial, de promover a formação de uma empresa-piloto, querealizará o detalhamento dos trabalhos técnicos e econômicos cor-respondentes, inclusive para as indústrias de segunda geração queconsumirão os produtos básicos produzidos pela Central. 11 – Naconfiguração dos projetos correspondentes será levada em consi-deração, como diretriz, a participação majoritária do capital priva-do, bem como a presença das empresas consumidoras, no capitalda central. 12 – Esse conjunto de providências, Senhor Presidente,constituirá o necessário balizamento para que o setor petroquímicobrasileiro tenha acelerada a sua implantação, através das defini-

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ções fundamentais para orientar as decisões do setor privado, a cujocargo se encontra, em cooperação com a PETROQUISA, a respon-sabilidade pela execução desse programa.

Observa-se, no item 6 da exposição de motivos, que os ministrosdeixam entender que a decisão por Camaçari foi uma imposição, quan-do dizem: “enquanto a decisão de instalar o pólo petroquímico do cen-tro-sul justifica-se plenamente [...] a decisão no Nordeste encontra suajustificativa [...] em razões de segurança nacional que [...] transcendemuma análise em nível microeconômico”.

Ou seja, a Bahia ganhou o segundo complexo petroquímicoporque soube conquistar o apoio militar, notadamente do generalErnesto Geisel que nesta época era o presidente da Petrobras.182 Nãofoi, portanto, uma “expansão do capitalismo brasileiro”, no senti-do que alguns analistas costumam atribuir. Se dependesse dosempresários nacionais e internacionais, jamais teria o complexose instalado na Bahia.

Em 12 de janeiro de 1972, foi constituída a Companhia Petroquí-mica do Nordeste (Copene), que recebeu da Petroquisa, em maio, atarefa de iniciar imediatamente a implantação do Complexo Bási-co, mediante a instalação do primeiro estágio da Central de Utili-dades. A Copene reuniu em sua empresa, a Central de Matérias-Primas (Cemap) e a Central de Utilidades (Util) que se constituíamno coração do complexo petroquímico.

O ano de 1972 foi de vital importância para o complexopetroquímico que se instalava na Bahia, porque adotaram-se duasmedidas que significaram um passo adiante na institucionalizaçãodo programa: em 22 de julho, pelo decreto-lei n. 1.225, a área deCamaçari era considerada de interesse da segurança nacional; em 7de agosto, pelo decreto n. 23.014, o governo do Estado criava a Co-missão Coordenadora do Polo Petroquímico (Comcop).

A expectativa do governo do Estado era a de que, com a cria-ção do Complexo Básico e a sua instalação em Camaçari, criar-se-iam as condições de desenvolvimento de uma atividade motriz degrande dinamismo e, por conseguinte, de um crescimento indus-trial autossustentado que deveria superar as limitações setoriais parase inserir, de modo pleno, na economia nacional.

O governo do Estado, relegando ao segundo plano o CentroIndustrial de Aratu, resolveu criar, em Camaçari, um parque in-

182 É atribuída ao general Geisel uma frase emblemática: “A Petrobras não se interessarámais em fazer estradas para o governo da Bahia. A Petrobras se interessa em fazer apetroquímica na Bahia”.

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dustrial especializado, acoplado ao Complexo Básico, compondo-se, assim, o Complexo Petroquímico de Camaçari (Copec). Emconsequência, o governo do Estado, por iniciativa própria e a seucusto, decidiu executar um Plano diretor para a área, dotando-a deinfraestrutura e de serviços necessários para o estabelecimento deindústrias de transformação, químicas e outras, diretamente relacio-nadas com a petroquímica.

O grandes parceiros na construção de Camaçari foram o go-verno do Estado da Bahia e a Petrobras, representada por suas sub-sidiárias a Petroquisa e a Petroquímica do Nordeste S.A (Copene).Coadjuvantes no processo, o governo federal, através do Ministé-rio da Indústria e Comércio (CDI), o BNDE, o BNH e a Sudene.

A participação da classe empresarial, depois de ter sido vencidaa oposição da PQU, foi insignificante. A classe política, a comuni-dade local e regional e os organismos de classe foram, quando muito,simples espectadores.

A Petrobras, pelo menos até a segunda metade dos anos 1990,sempre se constituiu em verdadeiro Estado dentro do Estado brasi-leiro. Durante a era Geisel (1969 a 1990), o poder desta estatal eraincontestável. Sua tecnoburocracia não prestava contas dos seusatos à sociedade ou ao governo central. Evidentemente, as aparên-cias eram sempre cuidadosamente preservadas.

A associação com o governo da Bahia interessava à Petrobrasporque o domínio da indústria petroquímica nacional frente à“ameaça” do capital estrangeiro183 constituía um objetivo estratégi-co do grupo militar nacionalista que dominava a Escola Superiorde Guerra e formulava os princípios da doutrina de segurança na-cional e tinha no general Ernesto Geisel o seu maior expoente naárea do petróleo.

Os baianos, liderados por Antonio Carlos Magalhães, bemmuniciados por uma assessoria técnica competente e com grandetrânsito nos mais altos escalões do poder, constituíam os aliadosideais para os propósitos da Petrobras. Além do mais, a defesa dabandeira da desconcentração industrial e da correção dos desequilí-brios regionais, constituía, à época, um dos mais poderosos argu-mentos disponíveis no arsenal do marketing político nacional. Esta

183 Na Bahia, representado pela Dow Química, apadrinhada em Brasília pelo general Golberydo Couto e Silva, um dos militares de maior poder no país durante os governos Medici eGeisel.

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associação, porém, tinha os seus limites ditados pelos interessesespecíficos e o autoritarismo de cada um dos parceiros (e a Petrobras,naquela época, era mais forte que o governo do Estado).

Assim, à estatal interessava desenvolver na Bahia um comple-xo petroquímico (que denominava de Complexo Básico) limitado aum conjunto de empresas, enquadradas na sua estratégia de açãono mercado nacional. A Petrobras não admitia submeter seu proje-to à ingerência do governo baiano, daí porque decidiu autonoma-mente localizar-se em Camaçari, numa opção criticada pelos japo-neses (sócios estrangeiros nas indústrias) e por muitos técnicosbaianos (sem expressão política e convenientemente calados pormedo das autoridades locais). A opção ideal para os japoneses se-ria próximo ao mar e o Centro Industrial de Aratu oferecia estascondições no CIA-Norte. Também o Bureau d´Etudes Industrielleset de Coopération de l´Institut Français du Pétrole (Beicip), orga-nismo técnico especializado, contratado pelo governo federal paraassessorá-lo no processo de definição do segundo complexopetroquímico do Brasil, manifestou a sua preferência pela localiza-ção do complexo na área do CIA-Norte. Ademais, localizando-senaquela área, promover-se-ia a redução substancial do custo dainfraestrutura que teria de ser construída a um preço elevado paraum estado pobre, viabilizaria o CIA, um distrito carente de indús-trias e de sentidos, como já foi visto, e evitaria a produção de gra-ves danos ambientais, pois ocomplexo foi localizado em cima daformação de São Sebastião, um importante aquífero subterrâneocapaz de, isoladamente, abastecer toda a RMS com água de eleva-da potabilidade184 por um longo período de tempo.

Conforme Martins e Thèry (1981, p. 51):A escolha de Camaçari como sítio para a localização do complexobásico já havia sido feita, a partir de estudos realizados pelaCOPENE, subsidiária da PETROQUISA, desde 1972, ou seja: doisanos antes da formulação do Plano Diretor. Oficialmente, o critériobásico que levou a essa escolha foi o da disponibilidade de água naregião, aliado a uma análise dos custos comparativos de investi-mento e de funcionamento proporcionados por Camaçari em rela-ção a quatro outras possíveis localizações (todas elas situadas noMunicípio vizinho de Candeias). Estimou-se então que em termosde custos de funcionamento (ligados à maior distância de Salvador

184 Informações recentes, de organizações ambientalistas dão conta de que este aquíferoestá sendo contaminado gradualmente.

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e do Porto de Aratu e ao transporte de matérias primas) as vanta-gens oferecidas por Camaçari teriam uma vigência de pelo menosdezoito anos, se comparadas com as vantagens oferecidas porAratu.Essa afirmação é feita no Plano Diretor, embora nenhumareferência precisa seja dada sobre a maneira como foram realiza-dos tais cálculos – que seriam, aliás, tornados pelo menos em parteobsoletos pelo (à época imprevisível) aumento do preço do petró-leo. Se essa é a versão oficial, existem indicações, de que a verda-deira motivação da subsidiária da PETROBRÁS para a não-loca-lização do complexo petroquímico em Aratu deveu-se muito maisao desejo da empresa estatal de “ver-se livre” das eventuais limi-tações à ação que pretendia desenvolver decorrente da existênciajá em Aratu de uma administração dependente da Secretaria deIndústria do Governo da Bahia. Como quer que seja, o importanteé que a decisão de localizar o complexo em Camaçari já estavatomada antes que se fizesse qualquer estudo de planejamentoregional.

O governo da Bahia aceitou passivamente todas as imposiçõesda Petrobras (Petroquisa/Copene), inclusive incorporando-as aoseu planejamento. Estima-se que esta atitude não passou de umaestratégia, pois o raciocínio dos técnicos estaduais era de que o be-nefício a ser gerado pelo empreendimento compensaria todos oscustos. Ao governo do Estado caberia ampliar os efeitos da iniciati-va, transformando o complexo em um polo de desenvolvimento.

Desta forma, o planejamento em Camaçari foi realizado pelaCopene no que se referiu à localização, ao zoneamento do Comple-xo Básico (cuja área foi desapropriada pelo governo federal/Petrobras), ao modelo industrial e ao esquema acionário (triparti-te)185. Em junho de 1973, praticamente um ano antes do lançamentodo Plano diretor do Copec, a Petroquímica do Nordeste (Copene)editou um documento em que dizia:

Dentro da orientação traçada pelo Ministério da Indústria e Co-mércio, a COPENE vem desenvolvendo os trabalhos iniciais deimplantação do Pólo Petroquímico do Nordeste (grifo do autor).Com a apresentação deste trabalho pretende a COPENE unificar eresumir as principais informações e definir as posições mais rele-vantes até agora assumidas no planejamento técnico-econômicodaquele Complexo Industrial (COPENE, 1973. f. 3). (Grifo do autor).

185 Como foi visto anteriormente o modelo tripartite foi a forma encontrada pela Petrobras/Petroquisa para solucionar diversos problemas financeiros e técnicos do empreendimentovisto que a estatal à época estava comprometida com outros grandes projetos, como o daPQU em São Paulo. Por este modelo o sócio estrangeiro entrava no negócio com o aporteda tecnologia que dominava. Isto levou o complexo a adquirir “pacotes fechados detecnologia” (denominados pelos técnicos nacionais de “caixas pretas”) o que certamentecomprometeu severamente a possibilidade do desenvolvimento tecnológico futuro docomplexo e da Bahia como um todo.

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É a própria Copene quem utiliza o conceito de polo, só que deforma mais ampla estendendo-o ao Nordeste.

O Pólo Petroquímico do Nordeste é a primeira tentativa feita noBrasil de auferir, através do planejamento centralizado de um Com-plexo Petroquímico, todas as vantagens proporcionadas pela eco-nomia de escala, aplicada esta aos produtos básicos, utilidades,manutenção, serviços gerais e infra-estrutura. (COPENE, 1973. f.16)

O estudo da Copene apresenta o seu Plano diretor com ozoneamento da área do Complexo Básico, com a definição do siste-ma viário interno, de energia elétrica e de tubovias, de drenagem elocalização das centrais (de matérias-primas, de utilidades, de ma-nutenção de serviços) e de mais nove empresas, da quais cinco jáexistentes no local antes da implantação.

Assim, o Plano diretor do Copec incorpora e amplia este Planodiretor da Copene sem influenciar, contudo, nas diretrizes jáestabelecidas.

O governo da Bahia, através da Comcop e da Secretaria dasMinas e Energia, elaborou o Plano diretor global da área, incorpo-rando o Complexo Básico como uma zona industrial do ComplexoPetroquímico de Camaçari, elaborou o Plano de DesenvolvimentoSocial de Camaçari (que, sendo transformado em área de seguran-ça nacional, perdeu a autonomia política e passou a ser administra-do por um funcionário do Estado nomeado pelo governador) e exe-cutou a custosa infraestrutura física e urbano-social da área, comfinanciamento do BNDE/BNH. Situação singular viveu o “prefei-to” de Camaçari no período compreendido entre 1972 e 1988. No-meado pelo governador, não gozava de qualquer autonomia. Rece-bia ordens do Secretario das Minas e Energia, do Coordenador doComplexo Petroquímico (Copec) e do Superintendente da Copene(que eram os “donos” da área). A Câmara de Vereadores era ape-nas um órgão homologador das decisões adotadas.

Em síntese, a experiência de Camaçari parece aproximar-semuito mais da noção de complexo industrial do que da de polo186.

186 A expressão “polo” foi utilizada pela primeira vez pelo governo federal na exposição demotivos ministerial n. 213 de 15de setembro de 1971, firmada pelos ministros da Indús-tria e Comércio, Fazenda e Planejamento e encaminhada ao presidente Medici, versandosobre o problema da petroquímica, como foi transcrito anteriormente, neste livro, e, pos-teriormente, pela Copene, em 1973. O plano diretor do Complexo Petroquímico deCamaçari (Copec) incorporou a expressão, referindo-se ao Polo Petroquímico do Nor-deste, com o “mérito” de ter largamente teorizado sobre a questão, o que não foi realiza-do no documento anterior da Copene.

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Há um aspecto relevante a registrar. As conexões interindustriaisconstituem um fator necessário para caracterizar um polo, mas nãoé o fator suficiente. Se este último advém da capacidade de inova-ção da indústria-motriz, adquire importância não apenas o tipo deindústria e a função que ela está tecnicamente apta a exercer, mastambém (e evidentemente) a forma jurídico-administrativa como éconstituída a empresa da qual se espera a ação motriz-inovadora.

Nesse plano, o controle acionário da empresa que constitui aindústria-motriz (se estatal, privado ou multinacional) tende a ad-quirir significação para o que se discute. Essa variável é raramenteconsiderada na teoria dos polos, embora seja evidente sua impor-tância. A introdução de contínuas inovações depende de decisõesempresariais que não se relacionam apenas com a capacidade degerar tecnologia e “novas combinações”, mas também com a von-tade de fazê-lo. Quer dizer: do interesse de seus controladores emfazerem uso de tal capacidade187.

Uma empresa multinacional, por exemplo, pode não ter inte-resse em introduzir, num dado mercado, dentre os múltiplos emque atua, as inovações para as quais está tecnicamente capacitada.Isto ocorrerá se tais inovações vierem a gerar, por exemplo, umaexpansão da estrutura produtiva desse mercado particular que sejasuperior àquela que tal empresa considera compatível com sua es-tratégia global e com o jogo oligopólico do qual, em geral, dependesua expansão continuada. Da mesma forma, embora por outras ra-zões, também os empresários locais podem não reunir as condi-ções necessárias (por falta de recursos ou de capacidade empresa-rial) para preencherem, substitutivamente, a função inovadora.

Portanto a opção pela criação de polos de desenvolvimento,associada à construção dos distritos industriais na Região Metro-politana do Salvador e nas principais cidades do interior da Bahia,constituiu uma política ineficaz frente ao modelo de industrializa-ção adotado, como exemplifica o insucesso da concepção do Com-plexo Petroquímico de Camaçari como um polo e, consequente-mente, um instrumento de desenvolvimento regional.

Isto porque, na prática, não funcionou a concepção baseada noraciocínio de que, se os polos constituíam a “chave” do crescimen-to capitalista e se era possível determinar a dinâmica do seu

187 Observe-se por exemplo que os mais significativos investimentos da Braskem (empresamotriz do complexo de Camaçari na atualidade) são realizados no Rio Grande do Sul.

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funcionamento, uma das formas de promoção do desenvolvimen-to regional se constituiria mediante a criação das condições neces-sárias para a reprodução dessa dinâmica.

A solução dos problemas de desenvolvimento regional nasdécadas de 1960 e 1970, mediante a aplicação da teoria dos polos,foi bastante reforçada pela concepção estratégica militar que domi-nava o país, pois, nesse momento, começam a se tornar evidentesos impasses do “desenvolvimento” e, em função deles, a crise doprojeto nacional de construção de um país mais próspero e justoque tantas esperanças havia despertado no Brasil.

Começava a ficar bastante claro que, apesar de todos os êxitosestatísticos resultantes do esforço de desenvolvimento econômicoaté então realizado, a evolução social, em um país de capitalismotardio e dependente, ocorria em bases diferentes daquelas que mar-caram a expansão capitalista no primeiro mundo. Comprovava essefato a tendência à forte concentração, tanto social quanto espacial,da renda. Ou seja, constatava-se que a remoção dos “obstáculos aodesenvolvimento”, não conduzia a uma expansão do processo deacumulação capitalista de forma equilibrada no âmbito do espaçonacional. Ao contrário, o que se observava era justamente o reforçodos mecanismos que acentuavam em novos e até mais perversostermos, as tendências estruturais às desigualdades sociais. As frus-trações e tensões sociais que emergiram dessa constatação e dessesresultados, ameaçando a própria legitimidade da idéia de desen-volvimento, constituem páginas recentes da nossa história moderna.

Como resposta à crise, a idéia da implantação de polos começa adespertar interesse e é, logo em seguida, incorporada ao arsenal dosinstrumentos de intervenção na economia à disposição do Estado, damesma forma que passa também a reanimar a expectativa da genera-lização do processo de desenvolvimento no âmbito da nação. O recur-so à idéia de polo, como instrumento de desenvolvimento regional,parece relacionar-se diretamente à expectativa das elites brasileiras deque, através da implantação de polos, seria possível corrigir as“distorções” existentes no processo, sem que, para tanto, se tornassenecessário reformular o padrão básico de desenvolvimento.

Em torno da noção de polo (ou através da manipulação propa-gandística dela) foram criadas rapidamente altas expectativas, nota-damente no que se refere aos efeitos sociais no âmbito do desenvol-vimento regional. Assim, a política de implantação de polos surgeindependentemente, ou na ignorância, dos impasses que evidenciam,

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nesse mesmo momento, a “teoria dos polos”, da qual tais políticassupunham constituírem uma aplicação.

A despeito das contribuições da chamada escola “espacial”,desenvolvendo e ampliando as formulações iniciais de Perroux,assim como da tentativa de incorporação do conceito de polo à “te-oria da localização” formulada anteriormente pela escola alemã(Christaller, Losch), continuava sem solução a maioria dos proble-mas suscitados pela questão maior de como compatibilizar a geo-grafia dos polos com a economia dos polos, de modo a reter noâmbito da primeira os resultados obtidos através da segunda.

Para Martins e Thèry (1981), é em função dessa dificuldade quevai surgir a crítica talvez mais radical à própria possibilidade de con-versão da noção de polo em instrumento de promoção de desenvolvi-mento regional. O argumento central dessa crítica é o de que tal con-versão incorre num erro de lógica, na medida em que toma como sen-do certo aquilo que é dado apenas como possível. Esse erro decorreriado fato, como argumenta Lansuén (1976), de se desconhecer que a te-oria dos polos é uma “teoria de crescimento condicional”: ela constataa ocorrência de um fenômeno, que designa “dos polos”, e explica asrazões da dinâmica de seu funcionamento, mas não explica a dinâmi-ca e as condições necessárias à existência deles. Em outros termos: ateoria dos polos descreve a dinâmica do funcionamento de um fenô-meno econômico cuja existência é simplesmente constatada, mas nãoexplica quais são as condições prévias necessárias para o surgimentodeste fenômeno, cujo funcionamento ela descreve.

A distinção entre funcionamento e existência do fenômeno dapolarização é importante para o entendimento da genealogia daaplicação do conceito, pois, de fato, a implantação de um polo nãopode limitar-se a criar as condições necessárias para que ele possafuncionar (que são as que a teoria dá), mas supõe a criação préviade condições para que ele exista como polo (que são as que a teorianão descreve). Essa crítica é mencionada apenas para mostrar comoexistiam impasses, em termos da teoria, pois parece evidente queos processos de natureza social e econômica raramente são redutí-veis às regras da lógica formal (MARTINS; THÈRY, 1981).

Na verdade, o que se observou, na prática, foram as dificulda-des da aplicação dos princípios da polarização à promoção do de-senvolvimento regional, visto que a “teoria da localização” e a “teo-ria dos polos” fornecem explicações que não se vinculam entre si esão de harmonização complicada. E, nessa parte, a crítica é pertinente,pois o que fazem os teóricos da polarização (Perroux, Paelinck e

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outros) é, numa análise mais acurada, superpor estruturas econômi-cas setoriais a espaços geográficos, na suposição de que este implan-te “pegue”, graças à dinâmica econômica atribuída aos primeiros.

Feitas estas considerações teóricas, constata-se que, 35 anosdepois de planejado e implantado, o Complexo Petroquímico deCamaçari (Copec) não conseguiu transformar-se em um polo decrescimento econômico e muito menos de desenvolvimento, atra-vessando uma crise de graves proporções.

Por tudo isto, a opção pela localização de indústrias em Camaçarinão produziu os resultados esperados. Não ocorreu a implantação deum parque de transformação a jusante das empresas matrizes do com-plexo-básico, que não se constituíram em indústrias-motrizes. Ade-mais, a localização do complexo em Camaçari respondeu por um gran-de e irreparável dano ao meio ambiente, por destruir uma estânciahidromineral importante e contaminar um aquífero subterrâneo compotencial para abastecer a RMS por um longo período de tempo, alémde ter contribuído para inviabilizar o Centro Industrial de Aratu, emcujo espaço deveria ter sido instalado.

Figura 17 – Fluxograma simplificado da produção do PóloPetroquímico de Camaçari.Fonte – Spinola (2003, p.284).

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De volta à história, chega-se em 1975, ao governo de RobertoSantos que, ao seu estilo, bastante diferente do seu antecessor, tam-bém acelerou os projetos iniciados nas administrações anteriores,evitando as soluções de continuidade tão nocivas à administraçãopública brasileira.

A petroquímica, na área industrial, permaneceu como priori-dade governamental, tendo sido mantida sem alterações a equipeestadual que estava à frente do projeto.

No período, foram realizadas as principais obras de infraestru-tura física do Copec, compreendendo o sistema viário, o sistema deproteção ambiental e a Cetrel, o terminal de granéis líquidos do por-to de Aratu e a infraestrutura urbano-social de Camaçari. Segundodados da SIC, entre 1972 e 1978, considerando-se os valores dos pre-ços médios de 1979, foram investidos no Complexo Petroquímico deCamaçari (Copec) CR$ 3,79 bilhões, dos quais 87% no período de1975-1978 (BAHIA, 1980, p. 25). Dos recursos aplicados pelo gover-no Roberto Santos, 43% foram destinados ao sistema viário e 35% aocontrole ambiental (inclusive à Cetrel). Tais investimentos foram fi-nanciados em 76% com recursos oriundos do BNDE e da Seplan-PR.

Ao final desse governo, estavam concluídos os Programas I eII de Inversões na infraestrutura física do Copec.

A Cetrel, a despeito de haver sido concebida e criada na adminis-tração anterior, através da lei n. 3.369, só foi constituída em outubro de1977. Deveria começar a funcionar em março de 1978. Um erro de pro-jeto, entretanto, atrasou a sua operação para fevereiro de 1979.

Tabela 32 – Complexo Petroquímico de Camaçari: inversões naestrutura física(1) (1972-1978)

Fonte: Spinola (2003, Tabela 56, p. 298).(1) Valores em Cr$ mil, a preços médios de 1979. Valores da tabela original em US$ milconvertidos para Cr$ .utilizando-se a taxa de câmbio do dólar oficial de 1979 (média anual) (2) Inclusive Cetrel

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O maior evento industrial desse período foi, sem dúvida, ainauguração, em 29 de junho de 1978, da Central de Matérias-Pri-mas da Companhia Petroquímica do Nordeste (Copene), dandopartida à operação do II Polo Petroquímico Nacional188.

Tanto o governo de Antônio Carlos Magalhães quanto o deRoberto Santos preocuparam-se com a infraestrutura urbana e so-cial de Camaçari.

Aquele município abrigava, na época, a Estância Hidromineralde Dias d’Ávila e, segundo a legislação da época, era consideradoárea de segurança nacional, sendo os seus prefeitos nomeados pelogovernador do Estado.

No espaço municipal estava instalado o Complexo Petroquímicode Camaçari (Copec), compreendendo toda a área desapropriada parao distrito industrial com a sua infraestrutura, destacando-se, dentrodele, o Complexo Básico da Copene, o Ceped e a Cetrel.

O Complexo Básico, em que ficava o núcleo da indústriapetroquímica (as centrais de Matérias-Primas, Utilidades e Manu-tenção e as indústrias de segunda geração por estas insumidas),constituía uma ilha dentro do Copec e era dirigido pela Copene.Dessa forma, acabava o município administrado por um quartetocomposto pelo secretário das Minas e Energia, o prefeito munici-pal, o coordenador do Copec e o superintendente da Copene. ACâmara de Vereadores existia como órgão de chancelaria das deci-sões do Executivo, o que não era inédito à época.

Entre 1974 e 1978, foram investidos na infraestrutura urbanade Camaçari recursos da ordem de CR$ 969 milhões, a preços mé-dios de 1979. Esse investimento foi financiado pelo BNB/BNH/Seplan-PR e pelo EBTU em 79,5%, cabendo à prefeitura participarcom 15,4% e ao governo do Estado, com 5,1%. Os recursos foramaplicados substancialmente no sistema viário (51,8%), em equipa-mentos urbanos (12,8%), em habitação (10%) e em saúde (8,6%).

Os projetos habitacionais e de fixação dos trabalhadores doCopec na área não foram bem sucedidos. Desencontros com os or-ganismos responsáveis pelo Sistema Financeiro de Habitação, au-sência de apoio das empresas durante o período de construção emontagem, conflitos de planejamento e dificuldades burocrático-institucionais relativas à estrutura fundiária foram responsáveis pelofracasso do projeto habitacional.

188 Como foi denominado pelo marketing governamental.

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A exemplo do CIA, não se pode ignorar o peso da atraçãoexercida por Salvador, que acabou assumindo o papel de cidade-dormitório dos complexos industriais construídos em sua perife-ria. Ademais, diretrizes do planejamento estadual que inibiram aabertura de ligações de bom nível com a orla litorânea (estrada doCoco) também contribuíram para dificultar a criação de núcleoshabitacionais alternativos naquela região.

Além da petroquímica, cuidou a SME de dois outros projetosindustriais importantes no governo Roberto Santos: a metalurgiado cobre e o canteiro para plataformas de exploração de petróleono off-shore em São Roque do Paraguaçu.

Figura 18 – Planejamento espacial da Região Metropolitana deSalvador, 2000.Fonte: Spinola (2003).

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A identificação de reservas de cobre no vale do Curaçá data de1874, quando o engenheiro A.M. de Oliveira Bulhões, responsávelna época pelos estudos de prolongamento da Estrada de Ferro doSão Francisco, dava as primeiras notícias da ocorrência desse mi-neral na região de Caraíba.

A partir de então, essa ocorrência foi sucessivamente estuda-da, sendo contraditórias as opiniões emitidas sobre a potencialidadedos depósitos cupríferos.

Em 1934, os depósitos de Caraíba foram registrados no DNPMem nome da Mineração Northfield Ltda., firma originária do Cana-dá, que, a partir de 1940, passou o controle do empreendimento àCaraíba Mineração e Metalurgia S.A., organizada pelo engenheiroJosé Lacerda e, posteriormente, foi absorvida pelo Grupo Pignatari.

No limiar da década de 1960, o governo federal, através doDNPM, colaborando com o Grupo Industrial Pignatari – concessio-nário de jazidas na área –, realizou sondagens exploratórias, visan-do ao dimensionamento do potencial mineral existente. Com basenos dados fornecidos por essa campanha, complementados peloselementos disponíveis, foram medidas, até a profundidade de 50metros, 16 milhões de toneladas de minério com teor médio de 1,2%de cobre metálico.

Esse programa de sondagem evidenciou ainda a persistênciada mineralização cuprífera até a profundidade de 100 metros. Comodecorrência, o grupo concessionário, com a colaboração da Mitsubi-shi Metal Mining Co., elaborou um novo plano de sondagem, exe-cutado posteriormente no período de 1965-1967, visando a delimi-tar e a quantificar, com maior precisão, a jazida de Caraíba, bemcomo orientar as operações de lavra, já em programação naquelaépoca.

Face à escassez do minério de cobre no Brasil e à crescentedemanda do metal, o DNPM decidiu promover trabalhos prospecti-vos de âmbito regional, com vistas a uma avaliação global daspotencialidades cupríferas do vale do rio Curaçá.

Assim, no período de 1963-1964, sob o patrocínio do DNPM,geólogos da Prospec e da Sudene realizaram um levantamento geo-lógico regional básico em ampla área do Nordeste brasileiro, inclu-indo parte dos estados da Bahia, Pernambuco, Paraíba e Ceará. Essetrabalho, realizado sob um ponto de vista essencialmente geoeconô-mico, visava, principalmente, à descoberta de novas ocorrênciaspromissoras de cobre.

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Ainda no mesmo período, o DNPM e a Universidade Federalda Bahia encetaram conjuntamente uma ampla prospecção geoquí-mica com etapas de caráter regional, de semidetalhe e detalhe, naregião do vale do Curaçá e vizinhanças, abrangendo uma área de8.000 km2. Os dois últimos trabalhos tiveram importância funda-mental na história da pesquisa do vale do Curaçá, tendo inclusivefornecido as justificativas técnicas para a criação, em 1965, do Proje-to cobre do vale do Curaçá.

No início de 1967, a Caraíba Metais S.A. iniciou, em suas con-cessões situadas na região de Poço de Fora-Pinhões, prospecçãogeoquímica e geofísica, tendo localizado, com base nos resultadosalcançados, furos de sondagem em Bela Vista do Buião e emSurubim. Sondagens posteriores realizadas pelo DNPM confirma-ram a descoberta de um novo depósito cuprífero em Surubim, novale do Curaçá.

De 1968 a 1970, os trabalhos do Projeto cobre passaram a serexecutados sob a responsabilidade direta do DNPM, através de seupróprio pessoal técnico.

Com base nas indicações favoráveis oriundas das pesquisasrealizadas, foi encaminhado, pela Caraíba Metais S.A. Indústria eComércio, à Sudene, em 1969, o primeiro projeto que objetivava aviabilização do empreendimento.

A partir de junho de 1970 até setembro de 1973, época em queforam paralisados os trabalhos de campo, o programa de prospecçãodo Projeto cobre, que não abrangia as áreas concedidas ao GrupoPignatari, foi executado sob a responsabilidade da Companhia dePesquisa de Recursos Minerais (CPRM).

Ainda em 1973, iniciaram-se as negociações entre o GrupoPignatari e o governo. Com a criação da Financiamento de InsumosBásicos (Fibase), em maio de 1974, como subsidiária do BNDE, pas-sou esta empresa a representar o governo nas negociações, culmi-nando com a aquisição do controle acionário da Caraíba Metais e deoutras empresas do Grupo Pignatari, em 18 de novembro de 1974.

Em novembro de 1975, após ter realizado minucioso estudode viabilidade, manteve a Fibase a recomendação de localização doComplexo Minero-Metalúrgico na Bahia, considerando que esteEstado reunia as melhores condições técnico-econômicas para o seudesenvolvimento.

Quando da sua visita a Salvador, em maio de 1976, comunicouo presidente da República, general Ernesto Geisel, haver decidido

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aprovar essa recomendação e determinar a localização, no Estadoda Bahia, das unidades de concentração e metalurgia do cobre.

Finalmente, em 28 de julho de 1976, o Consider, organismo doMinistério da Indústria e Comércio, que passou a traçar a políticade não ferrosos do país, aprovou formalmente o projeto da CaraíbaMetais, através da resolução n. 42/76.

O Complexo Minero-Metalúrgico do Cobre projetado seriaconstituído por duas unidades básicas, que seriam fisicamente iso-ladas, porém integrando-se e complementando-se, no plano opera-cional. Tratava-se da Mineração-Concentração, localizada emCaraíba, município de Jaguarari, a uma distância de aproximada-mente 500 km de Salvador, e da Metalurgia, que se situaria no Copec,município de Camaçari.

Estimava-se, na época, que o Complexo Minero-Metalúrgicodo Cobre demandaria, para a sua concretização, a realização de in-vestimentos totais da ordem de US$ 540 milhões, sendo responsá-vel pela criação de 2.453 empregos diretos.

Coube à Secretaria das Minas e Energia a elaboração do Planodiretor para a implantação da metalurgia na área industrial oestedo Copec.

Em 1978, teve início o processo de implantação da Metalurgia,com uma capacidade de produção projetada para 150.000 t/a decobre primário.

A metalurgia do cobre, explorada por uma empresa estatal,denominada Caraíba Metais, constituiu outro problema na políticade localização industrial da Bahia, patrocinada pelo governo fede-ral com a participação do governo baiano.

Localizando-a no Copec, imaginava-se promover no seu en-torno um polo de fertilizantes a partir da utilização do ácido sulfú-rico derivado da sua corrente de produção, que geraria uma unida-de de ácido fosfórico que, por seu turno, combinaria com osnitrogenados já produzidos pelo “polo”, formando os produtos NPKbásicos para a agricultura. Teoricamente correto, o projeto não fun-cionou na prática, como também não se transferiram para Bahia asunidades industriais que utilizavam o cobre metálico como sua prin-cipal matéria-prima. Além disso, as reservas do minério de cobreestimadas na mina de Jaguarari, cerca de 600 km de Salvador, fo-ram superdimensionadas. O minério de cobre acabou muito tempoantes do previsto, perdendo-se um considerável investimento eminfraestrutura física e urbano-social, realizado no interior da Bahia,

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ficando a unidade metalúrgica implantada em Camaçari na singu-lar situação de estar distante da fonte da matéria-prima (que pas-sou a ser importada do Chile) e do mercado consumidor, concen-trado na região Sudeste.

Graças à expansão das atividades de prospecção e exploraçãodo petróleo na plataforma continental, respondia a Petrobras, noperíodo, pela colocação de substanciais encomendas de peças e com-ponentes junto às empresas do segmento metal-mecânico, que pros-perava no Centro Industrial de Aratu.

Em 1977, sabendo da decisão da Petrobras, de construir umcanteiro industrial para a exploração do petróleo em águas profun-das, apressou-se o governo do Estado em atrair desse empreendi-mento para a Bahia por considerá-lo estratégico para o subsequentedesenvolvimento da indústria naval e de todo o parque metal-me-cânico estadual.

Assim sendo, foram criadas as condições objetivas para a cons-trução do canteiro industrial em São Roque do Paraguaçu (no inte-rior da baía de Todos os Santos).

Coube à SME a elaboração do Plano diretor da área e o planeja-mento de sua infraestrutura.

O canteiro foi explorado pelo consórcio formado entre as em-presas Montreal e Micopere (italiana), tendo sido construída ape-nas uma grande plataforma para operação na bacia de Campos.

Flutuações nos preços internacionais de equipamentos petro-líferos, que declinaram substancialmente como decorrência da re-dução de atividades da prospecção na Europa (no mar do Norte),tornaram mais vantajosa a locação desses equipamentos. Por isso,a produção do canteiro foi paralisada, frustrando todas as expecta-tivas do governo estadual e dos empresários da indústria metal-mecânica estadual que acabou desaparecendo do Estado.

De importância para o desenvolvimento industrial do Estado,registra-se, ainda no governo Roberto Santos, a criação da Promo-ção e Participações da Bahia S.A. (Propar), uma empresa que pas-saria a reproduzir, no Estado, operando com o Banco de Desenvol-vimento do Estado da Bahia, o modelo nacional do BNDE/Fibase/BNDEPAR. Assim, a Propar começou a operar subscrevendo açõesde empresas que se implantassem na Bahia, com cláusula derecompra posterior pelos acionistas controladores, logo que a em-presa assumisse as condições adequadas de capitalização. A Propartrabalhou com sucesso enquanto foi significativo o volume de

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recursos depositados no Banco de Desenvolvimento do Estado daBahia, por conta dos incentivos fiscais estaduais.

Ao encerrar-se a sistemática da redução do ICMS em 1983/1984, o volume dos depósitos no Desenbanco começou a declinar,levando à redução da capacidade de atuação do banco, que passoua depender dos recursos do Tesouro Estadual e do spread das suasoperações como agente do BNDE e de outros bancos federais defomento (BNH/BNB, etc.).

A Propar, após lenta agonia, acabou entrando em processo deextinção entre 1995 e 1997.

Na área do turismo, destaca-se a criação da EmpreendimentosTurísticos da Bahia S/A – Emtur (20 de outubro de 1976) como sub-sidiária da Bahiatursa e da Empresa Bahia Convenções S.A.(Conbahia), através da lei n. 3.575/1977: a primeira, com a funçãode promoção da indústria hoteleira, mediante construção, amplia-ção, reforma, reconversão de equipamentos turísticos de hospeda-gem, recepção, lazer e de serviços em geral etc.; a segunda, com oobjetivo da promoção de feiras, mostras, seminários, congressos etc.,operando o moderno edifício construído para tal fim.

4.2 INCENTIVOS FISCAIS DO ESTADO

A concessão de isenções fiscais foi uma prática utilizada pelosdiversos governos baianos na Primeira República, porém de formaassistemática e pontual. Destacam-se, nesses casos os governos deGóis Calmon e Juracy Magalhães. Porém, somente em agosto de1953, pela lei n. 571, o governo do Estado da Bahia, em decorrênciados efeitos do funcionamento das primeiras unidades da Petrobrasno Recôncavo, institucionaliza a concessão de incentivos do tipofiscal às indústrias novas aqui instaladas. À época, o principal inte-resse era o de induzir as empresas a aumentarem a produção, aolongo dos seis anos em que o benefício da isenção de todos os im-postos estaduais vigorava, cabendo a prorrogação por mais quatroanos, quando os resultados do período anterior fossem positivosnaquele sentido.

Ao ser criado, em 1961, o Conselho de Desenvolvimento In-dustrial incorporou aos incentivos então concedidos o pressupostodo planejamento governamental como fator de seletividade dasempresas a serem beneficiadas nas suas decisões, atuando em

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vinculação direta com o Fundo de Desenvolvimento Agroindustrial(Fundagro).

No CDI, um colegiado de seis membros, tinham assento – comorepresentantes do setor público – a Comissão de Planejamento Eco-nômico (CPE), o Banco de Fomento do Estado da Bahia e as secreta-rias da Fazenda e da Agricultura, Indústria e Comércio e – comorepresentantes da iniciativa privada – as federações das Associa-ções Rurais e das Indústrias.

A partir da reforma administrativa do Estado, em 1966, o conse-lho passou a ser um colegiado vinculado à Secretaria da Indústria eComércio e o número de seus membros elevou-se para 11, reunindo,em seu plenário, representantes de seis secretarias, do Banco de De-senvolvimento do Estado da Bahia S.A. e de quatro entidades de classe.Em 1975, seu plenário, com a inclusão de mais um representante daclasse empresarial, ficou composto pelos seguintes membros: secretá-rio da Indústria e Comércio – – seu presidente, secretários da Fazen-da, do Planejamento, Ciência e Tecnologia, das Minas e Energia, daAgricultura e do Trabalho e Bem-Estar Social; os presidentes do Bancode Desenvolvimento do Estado da Bahia S.A. (Desenbanco), da Asso-ciação Comercial da Bahia e das federações das Indústrias, dos Traba-lhadores nas Indústrias, da Agricultura e do Comércio.

4.2.1 Sistemática de incentivos

A isenção de impostos, instrumento primariamente utilizadoem qualquer política de desenvolvimento econômico, é, em geral,substituída por outras formas de incentivos ou tem a sua abrangên-cia limitada à medida que cresce o número de empresas beneficia-das e, em consequência, reduz-se de modo significativo o aporte denovos recursos para os cofres do Tesouro. (SPINOLA, 1997, p.202)

A consciência de que o incentivo fiscal é a contrapartida deuma menor capacidade de gastos por parte do governo tem levadoa soluções de compromisso entre o lado fiscalista e o lado desenvol-vimentista da ação pública, adotando-se comumente a redução doimposto a pagar e a reaplicação dos recursos assim obtidos pelasempresas em novos planos de investimento, orientados pelo Esta-do em maior ou menor grau.

Esse é o fundamento das mudanças ocorridas na legislação queregeu a atuação do CDI ao longo do tempo, mormente em termosdos incentivos que concedia.

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Até 1967, a isenção era o instrumento básico, no campo fiscal,de promoção do desenvolvimento industrial da Bahia.

Com a reformulação do Código Tributário Nacional, no bojo doqual o Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC) foi substituídopelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM), os incentivosestaduais passaram a ser concedidos uniformemente em toda a re-gião Nordeste, mediante convênios firmados entre os secretários daFazenda nas cidades de Salvador (1966) e Fortaleza (1967). Por essesconvênios, regulamentados na Bahia pelo decreto n. 20.192/67, aisenção foi extinta e, em seu lugar, implantou-se uma sistemáticade redução de até 60% do ICM a recolher por parte das empresasnovas (produtoras de bens sem similares) em território do Estado,com prazo de vigência de até cinco anos e obrigatoriedade do de-pósito dos valores da redução no Banco de Desenvolvimento doEstado da Bahia S.A. (Desenbanco), só resgatáveis após 12 meses, ecom a apresentação, ao CDI, de projeto de investimento na própriaempresa ou em empreendimentos de terceiros.

Embora já possibilitasse um maior controle do CDI sobre os re-cursos incentivados, uma vez que também a redução necessitava desua aprovação para ser concedida, a sistemática foi alterada pela lein. 2.990/71 e por sua regulamentação (decreto n. 22.756/72), garan-tindo também o benefício, numa proporção de até 30% do ICM apagar e pelo mesmo prazo referido, a qualquer empresa que se loca-lizasse nos distritos industriais do interior ou que, quando fora des-tes, fosse considerada merecedora do estímulo fiscal pelo CDI.

Casos especiais, como o da indústria que produz bem similarao de uma empresa já beneficiada como nova, ou da planta instala-da em município limítrofe que sofra a concorrência de unidade deoutro Estado, foram também contemplados naqueles textos legislati-vos: na primeira situação, o incentivo foi dado pelo prazo que res-tar à empresa nova; na segunda, a indústria passou a gozar de to-dos os benefícios concedidos à sua concorrente, em termos de pra-zos e de percentual de redução do imposto.

Com base na lei n. 2.990/71, novos diplomas legais foram pro-mulgados, ora prorrogando a vigência da sistemática (que vigorouaté 31.12.1982), ora introduzindo modificações que aperfeiçoaramos aspectos relativos à aplicação dos recursos depositados no Desen-banco à conta das empresas, tanto para fins de investimento emcapital fixo quanto para utilização como capital de giro, sob a for-ma de empréstimos em condições altamente privilegiadas. Importa

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notar que as alterações promovidas na legislação orientaram-se to-das no sentido de uma melhor normatização dos aspectos terminaisda sistemática, isto é, buscaram garantir a efetiva utilização dosincentivos em projetos de ampliação ou de implantação de novasunidades, em moldes tais que coubesse ao Estado orientar as apli-cações e fiscalizar o cumprimento de todos os compromissos fir-mados pelas empresas, ao tempo em que possibilitava a estas umaampla margem de ação decisória quanto ao uso dos recursos incen-tivados, inclusive abrindo-lhes opções alternativas de reinvestimen-to em áreas outras que não as diretamente vinculadas à produçãode bens manufaturados, como o controle da poluição, o treinamen-to de mão-de-obra, a implantação de infraestrutura econômica ouurbano-social e a pesquisa tecnológica.

Em 1979, 128 empresas depositaram no Desenbanco Cr$ 1,3bilhão em recursos de redução do ICM, triplicando esse valor em1980, quando 130 empresas geraram mais Cr$ 4,1 bilhões dentro dasistemática. Isso significa que cerca de 83% do volume de incenti-vos efetivamente depositados desde 1968 foram gerados nos doisúltimos anos, período em que o número de empresas beneficiáriaspraticamente se manteve constante.

Essa situação peculiar é, conforme já foi enfatizado, o resulta-do inicial do efeito Polo, já que as grandes unidades do parquepetroquímico instalado em Camaçari passaram a faturar, de modoefetivo, somente em 1979, alcançando no ano seguinte um melhordesempenho produtivo e de vendas, o que se esperava incrementa-do ainda mais em toda a década de 1980.

No que se refere a ramos industriais, a afirmação anterior secomprova: das 128 empresas depositárias, em 1979, 30 pertenciamao ramo químico e sua contribuição foi da ordem de Cr$ 1 bilhão,representando esses números 23,4% e 76,6% dos correspondentestotais no ano. Em 1980, 33 empresas do segmento químico transfe-riram para suas contas, no Desenbanco, valores de redução tributá-ria equivalentes a Cr$ 3,4 bilhões, o que representa uma participa-ção relativa de 25,4% e de 84,1%, respectivamente, nos resultadosdo conjunto de projetos em gozo de incentivos do ICM.

Em situação percentualmente modesta, mas indicadora daposição dos ramos que hoje definem a nova dinâmica da industria-lização baiana (além do químico), encontram-se os segmentosmetalúrgico, mecânico, de borracha, de minerais não metálicos ede produtos alimentares que, em conjunto, responderam, em 1979,

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por 47,7% do número de empresas e por 21,6% do valor dos depó-sitos, passando, em 1980, a representar 43,8% em termos numéri-cos e 16,7% em termos de valor dos depósitos, ocorrendo essas que-das de participação fundamentalmente devido aos incrementosregistrados na indústria química, como já foi observado.

É interessante notar que, dada a tendência à especializaçãoapresentada pelos diferentes distritos industriais do Estado, a dis-tribuição espacial dos ramos citados, entre as empresas incentiva-das pelo CDI, pode ser, grosso modo, indicada apenas com o auxíliodos quadros anteriores: o ramo químico corresponde, em sua mai-oria, às unidades do Copec, com alguma participação eventual deempresas do CIA; os ramos de minerais não metálicos, metalúrgicoe mecânico estão concentrados efetivamente em Aratu, e os demaisramos têm uma distribuição mais dispersa.

No tocante a empréstimos para capital de giro, os recursos dosincentivos depositados no Desenbanco possibilitaram às empresasbeneficiárias um montante de Cr$ 2,9 bilhões para reforço das suasdisponibilidades de caixa apenas no período 1979-1980, significando

Tabela 33 – Evolução dos depósitos de incentivos fiscais (1968-1980)

Fonte: Spinola (1997, Tabela 26, p. 206).Nota:Valores em Cr$ mil, a preços médios de 1980. Valores da tabela original em US$ milconvertidos para Cr$ .utilizando-se a taxa de câmbio do dólar oficial de 1980 (média anual).

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isto que, nos dois últimos anos, foram celebrados 83,4% de todos oscontratos com esta finalidade, numa evidente demonstração da cres-cente importância da sistemática como fornecedora de recursos decurto prazo para apoio à produção industrial no Estado.

No período correspondente a 1970/1980, foram liberados re-cursos no valor de Cr$ 1,19 bilhão para as indústrias beneficiadaspelos incentivos fiscais. Mais da metade desses recursos foram li-berados entre 1979/1980.

Os depósitos de incentivos que, na etapa final da sistemática,convertem-se em novos recursos incentivados sob a forma de capi-tal fixo de custo zero, vêm acompanhando, como não poderia dei-xar de ser, a tendência do desenvolvimento industrial da Bahia,equivalendo isso a dizer que os ramos dinâmicos têm ampliado asua participação em matéria de redução tributária em ritmo seme-lhante ao dos seus incrementos no conjunto da indústria baiana.

De uma participação de 83,4% dos depósitos do ICM noDesenbanco em 1977, os gêneros dinâmicos passaram a gerar 85,9%em 1978, 95%, em 1979 e 97,0%, em 1980, em parte porque as gran-des empresas do setor vinham incrementando, a cada ano, o valordas suas reduções, e eram todas elas do grupo dinâmico, em parteporque era desse grupo a maioria das empresas beneficiárias dosfavores do CDI nos últimos anos.

Comparativamente a 1977, 82% de todos os depósitos foramgerados em 1980 pelas empresas do ramo químico, com o metalúr-gico tendo contribuição também digna de nota, da ordem de 11,1%.Foram igualmente esses dois ramos os que tiveram maiores incre-mentos no período, em torno de 4.400% e de 1.073%, respectiva-mente, para a química e para a metalurgia.

Além desses, tiveram incrementos nominais relativamente ele-vados no período os depósitos efetuados pelos ramos de mecânica(303,3%), papel e papelão (786%) e borracha (265,2%), no segmentodinâmico, bem como os de têxtil (852%), produtos alimentares(442,4%) e mobiliário (479,9%), no segmento tradicional. Nãoobstante, todos esses gêneros considerados não têm maior relevân-cia na estrutura setorial dos depósitos, dominada amplamente pe-los dois núcleos de expansão fabril citados no parágrafo anterior.

No cômputo geral, o conjunto das empresas proporcionou umcrescimento de 1.856% no valor dos depósitos entre 1977 e 1980,cabendo ao grupo dinâmico uma expansão de 2.176%.

Quando se considera o investimento adicional realizado pelasempresas incentivadas no período 1979/1980, da ordem de Cr$ 17,4

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Tabela 35 – Liberações de recursos autorizados pela SecretariaExecutiva do CDI (1970-1980)

Fonte: Spinola (1997, Tabela 29, p. 209).Nota:Valores em Cr$ mil, a preços médios de 1980. Valores da tabela original em US$ milconvertidos para Cr$ utilizando-se a taxa de câmbio do dólar oficial de 1980 (média anual).

Tabela 34 – Depósito de incentivos fiscais segundo os ramos in-dustriais (jan. – dez. 1979/1980)

Fonte: Spinola (1997, Tabela 27, p. 207).Nota:Valores em Cr$ mil, a preços médios de 1980. Valores da tabela original em US$ milconvertidos para Cr$ .utilizando-se a taxa de câmbio do dólar oficial de 1980 (média anual)

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bilhões, um dos aspectos mais interessantes a observar é a forte parti-cipação da redução do ICM no total aplicado por boa parte dos gêne-ros industriais, seja do ponto de vista dos recursos próprios das em-presas, seja em uma apreciação isolada do seu valor relativo.

A combinação recursos próprios + redução tributária só não é majo-ritária em comparação com o peso relativo das outras fontes de finan-ciamento, nos ramos de mecânica (68,9% de recursos extraempresariaise extraincentivos estaduais) e química (65,5%), devendo-se conside-rar, no entanto, que entre as fontes externas desses dois gêneros figu-ram seguramente agentes do setor público, por exemplo a Sudene e oBNDE, o que implica em considerar-se realista a constatação da pou-ca importância global da poupança privada extraempresa na promo-ção do desenvolvimento industrial baiano, certamente em mais de50% financiado com recursos oficiais e próprios.

Em alguns ramos, como os de madeira e de produtos farma-cêuticos e veterinários, os valores aprovados pelo CDI e derivadosda redução do ICM constituem, inclusive, a maioria no investimen-to empresarial, assumindo uma participação acima de ¼ do totalem nove dos 19 gêneros que compõem a estrutura industrial doEstado, numa indicação clara do papel que desempenharam os re-cursos oriundos dos incentivos fiscais no financiamento da expan-são fabril da Bahia.

A despeito desse fato, que denotava uma perspectiva segurade radical transformação do esquema de financiamento à indústriaem vigor no período considerado, o impacto dos incentivos fiscaisna estrutura dos investimentos do setor secundário pode sermensurado pelos seus efeitos imediatos, em termos de participa-ção relativa das novas inversões no total de cada ramo, de acrésci-mo do faturamento e do número de empregos.

Comparativamente aos dados relativos à situação anterior, oinvestimento adicional representava mais da metade das inversõestotais em 13 dos 19 ramos industriais que possuíam empresas in-centivadas pelo CDI, destacando-se, no particular, os casos de pro-dutos farmacêuticos e veterinários (355,1%), material de transporte(178,8%), mobiliário (148,6%), vestuário, calçados e artefatos de te-cidos (131,2%) e editorial e gráfica (102,3%).

Em termos do faturamento adicional, apenas os ramos editoriale de gráfica, de material elétrico, de comunicações, de bebidas etêxtil tiveram índices menores que 100%, com a média das empre-sas chegando a quase 200% no período.

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Nesse campo, os maiores incrementos foram alcançados por trêsramos considerados tradicionais, em geral formados por unidades depequeno e médio portes: mobiliário (385,3%), perfumaria, sabão e ve-las (322,5%) e produtos farmacêuticos e veterinários (301,2%). Entre osdinâmicos, os maiores valores incrementais ficaram com material detransporte (299,5%), borracha (233,8%) e química (230,8%).

Os acréscimos de mão-de-obra foram modestos, atestando atendência à maior intensidade no uso do capital que caracteriza-va a nova indústria baiana (inclusive por contar com recursos sub-sidiados ou mesmo de custo zero). Ainda assim, a média era de25% de expansão no emprego entre 1970 e 1980 no grupo das em-presas incentivadas pelo CDI, com sete entre os 19 gêneros benefi-ciados acima desse índice.

Destaque-se, mais uma vez, a performance de produtos farmacêu-ticos e veterinários, que incrementou a sua força de trabalho em 225%,sendo, portanto, o segmento industrial que melhor aproveitou os re-cursos de incentivos, mais que triplicando o investimento e ofaturamento e mais que duplicando a demanda por mão-de-obra.

Atingindo a posição de terceiro banco de desenvolvimento dopaís em volume de aplicações e o primeiro em rentabilidade nosanos de 1979 e 1980, o Desenbanco se caracterizava por ser tambémum dos principais captadores de recursos de repasse do SistemaBNDE e de outras agências de financiamento, o que, em grandeproporção, era decorrência do seu posicionamento como bancodepositário dos incentivos fiscais do Estado.

Encerrado o mecanismo de concessão dos incentivos fiscais pelasistemática da redução de impostos, outras modalidades foramintroduzidas pelo governo do Estado, a exemplo do Programa depromoção do desenvolvimento da Bahia (Probahia), criado em 1991, queobjetivava atrair novos investimentos no setor produtivo, estimu-lar a transformação dos recursos naturais no próprio Estado, pro-mover a diversificação da matriz industrial e também interiorizar oprocesso de industrialização.

Conforme a Secretaria Executiva do Probahia (BAHIA,1997,p.125)189, no período de 1992 a 1997, foram beneficiados por esteprograma 172 unidades empresariais, nas modalidades de

189 Os números apresentados pelo governo devem ser vistos com bastante reservas, poisvia de regra estão contaminados por um viés ufanista e propagandístico que geralmentetende ao exagero.

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Tabela 36 – Participação e evolução anual dos depósitos de incentivos fiscais por segmento industrial (1977 –1980)

Fonte: Spinola (1997, Tabela 30, p. 214).Nota: (1) Valores em Cr$ 1.000,00 a preços médios de 1980. Valores da tabela original em US$ mil convertidos para Cr$ .utilizando-se a taxa de câmbiodo dólar oficial de 1980 (média anual).

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implantação (92), ampliação (76) e reativação (4), o que respondeupela criação de 15.799 empregos diretos. Neste caso, o setor maisbeneficiado foi o de produtos alimentícios, com 59 projetos atendi-dos, um investimento de US$ 596,5 milhões, a geração de US$ 717,7milhões em ICMS (no período de seis anos) e um financiamento deUS$ 315,4 milhões, correspondentes a 46,3% do total financiado noperíodo. Em segundo lugar, vinha o setor de bebidas com um fi-nanciamento de US$ 154,2 milhões, equivalentes a 22,6% dos finan-ciamentos. Isto significa que, os setores do chamado segmento tra-dicional da indústria baiana absorveram 69% dos financiamentodo programa, entre 1992 e 1997. É de salientar que a indústria quí-mica (petroquímica), sozinha, absorveu US$ 51,3 milhões de finan-ciamentos no período, o que correspondeu a 7,5 dos financiamen-tos. Outro aspecto destacado pela fonte citada foi que 54% dos pro-jetos contemplados estavam localizados no interior do Estado, umfato auspicioso, ao considerar-se a tradicional concentração empre-sarial na RMS.

Dados posteriores, apresentados por Pessoti & Pessoti (2008,p.35) informam que, em 2001, o programa havia atingido 273 em-presas, respondendo por 42.477 empregos diretos, um investimen-to adicional no período (1992-2001) de US$ 3.309.496 mil, uma ge-ração de ICMS da ordem de US$ 3.462.380 mil e financiamentos nomontante de US$ 1.478.167 mil.

Ainda segundo Pessoti e Pessoti (2008, p.41) foi criado em 1992 oFundo de desenvolvimento social e econômico (Fundese) com o objetivo de

[...] financiar entre outras atividades aquelas identificadas no pla-no plurianual de investimentos do governo como capazes de au-mentar o dinamismo e a complexidade das relações econômicas daBahia. Entre os investimentos considerados “prioritários” peloFUNDESE estavam os de estímulo ao surgimento e crescimento deum setor automotivo no estado, desenvolvimento de projetos deincubadoras de empresas, além de qualificação de mão-de-obra in-dustrial e promoção das micro e pequenas empresas, identificadascom a geração de emprego na indústria. Desse modo foi regula-mentado um fundo próprio para a realização de incentivos fiscais efinanceiros condizente com uma estratégia induzida de alocaçãode investimentos industriais como instrumento da política voltadapara este setor no estado da Bahia. A partir de 1994 foi criado umprograma de incentivos que utilizava todos os instrumentais já dis-cutidos com maior ou menor intensidade, para cada ação específi-ca de tentativa de desenvolvimento industrial. Normalmente tra-balhava-se mesclando o crédito presumido às operações dediferimento e redução da base de cálculo com as doações de obrase serviços de infra-estrutura em geral e ainda com o financiamento

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do capital de giro com as taxas de juros mais baixas do mercadofinanceiro. Neste programa de incentivos foram priorizados, con-forme já mencionados, os setores automotivo, eletro-eletrônico, alémdos ramos de informática, fabricantes de plásticos complementa-res à cadeia petroquímica (a chamada terceira geração dapetroquímica), fabricantes de calçados e artigos esportivos, fabri-cantes de borracha (com destaque para os pneumáticos) e os seto-res de base como de geração de transmissão de energia e de meta-lurgia (transformação do cobre). E ainda a agroindústria, com des-taque para o segmento de papel e celulose e atividades de reflores-tamento.

Como decorrência do Fundese surgiu um conjunto de progra-mas como o Programa de incentivo para a indústria de informática eeletroeletrônicos, criado em 1995, para atender a mais uma ilusãogovernamental com o pretenso “polo” de informática de Ilhéus que,na realidade, jamais teve algo a ver com esta denominação. Outroprograma, voltado para o comércio exterior, foi lançado em 1997:tratava-se do Programa de incentivo ao comércio exterior (Procomex),objetivando fomentar as atividade exportadoras do Estado. O so-nho da indústria de transformação, a jusante do cambaleante “polo”petroquímico, foi o motor da criação do Bahiaplast, criado em 1998,com o objetivo de fomentar a instalação de novos empreendimen-tos industriais no segmento de transformação petroquímica e plás-tica, promover medidas visando à instituição de instrumentos fis-cais e financeiros para o fortalecimento de indústrias de transfor-mação de produtos de base petroquímica, a diversificação indus-trial no Estado e interagir com organismos dedicados a estudos naárea de desenvolvimento industrial e tecnológico, com vistas à ins-talação, expansão e consolidação de empresas do setor petroquímicoe plástico. Para Pessoti e Pessoti (2008, p.43), o Bahiaplast, entre-tanto, não foi bem sucedido,

[...] atraindo apenas 31 empresas que somadas apresentaram umfaturamento acumulado de R$ 15 bilhões. A geração de postos detrabalho foi igualmente pouco expressiva, contando apenas com 4mil empregos diretos durante o período compreendido entre 1999e 2005 (BAHIA, 2006). Apesar de utilizar o benefício de diferimento,ao longo desse mesmo período a atividade gerou como efeitomultiplicador uma arrecadação total de R$ 325 milhões aos cofrespúblicos.

Em 1999, quase encerrando o século XX, o governo estaduallança o Programa de incentivo para a indústria de mineração, metalurgiae transformação do cobre (Procobre). Tratava-se de um programa de-dicado exclusivamente ao fomento da atividade mineradora do

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metal. Oferecia, além do diferimento e do crédito presumido, todaa infraestrutura de apoio para as indústrias que fossem atraídaspara a Bahia. Para Pessoti e Pessoti (2008), esse programa só conse-guiu implantar uma empresa com uma subsidiária.

E assim findam-se, no século XX, as iniciativas estatais com osincentivos que continuarão no século seguinte, quando parece que,gradativamente, os governos começam a aperceber-se da inutilida-de desse instrumento para a promoção do crescimento econômicoregional.

A concessão de incentivos fiscais como um elemento de atraçãode investimentos numa política de desenvolvimento regional consti-tui uma ilusão. O Estado enxerga esta política com uma visãomacroeconômica, a longo prazo, uma vez que sua expectativa é a dageração de emprego e renda e do crescimento da economia. Isto se-ria verdadeiro se a economia não fosse dinâmica, sujeita aos cicloseconômicos e às flutuações dos mercados. Já os empresários enxer-gam o problema sob o enfoque microeconômico, a curto prazo. Asua expectativa, quando é honesta190, é a de adquirir vantagens com-petitivas e lucratividade. Quando isto, por alguma circunstância,deixa de existir ou não é mais vantajoso, eles desativam suas plantasa despeito dos ganhos obtidos com os incentivos e outras vantagensque não revertem para o Estado a quem cabe ficar no prejuízo.

Isto constitui um fato corriqueiro, frequentemente divulgado pelaimprensa. Porém os administradores públicos nunca se emendaram.191

Trabalham de um lado com um olho na mídia e o sinal de que estãotrabalhando é expresso pela quantidade de empresas que são atraídaspara o Estado. Não importa sua qualidade, pois isto nunca é verifica-do: o que é divulgado são os dados de “cartas de intenção” ou de pro-jetos que, na maioria das vezes, divulgam números de investimento ede empregos que não se concretizam. E os que são criados absorvem amão-de-obra qualificada de outras regiões (que não aquelas da ori-gem do empreendimento), restando para os nativos as funções maishumildes e de remuneração mais baixa.

Não existe uma auditoria de resultados, um acompanhamen-to dos projetos, uma cobrança do governo. Tudo funciona movido

190 No caso do CIA, por exemplo, muitos empresários agiram de má fé e utilizaram o meca-nismo dos incentivos para tirar vantagens para as suas matrizes.

191 No final da sua segunda administração, aparentemente desiludido com esta política,admitia o governador Paulo Souto que os incentivos constituíam uma moeda para com-prar os empregos que faltavam na Bahia.

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por lobbies que ganham muito dinheiro nas tratativas de atração,que exploram a grande necessidade de mostrar serviço por partedo governo de plantão e inclusive protegem seus clientes contraeventuais técnicos indiscretos que se atrevam a formular questiona-mentos.

E assim constroi-se um quadro sem consistência e sem durabi-lidade, que se enraíze no território e gere novos empreendimentosque assegurem um mínimo de sustentabilidade.

4.2.2 A década perdida

A década de 1980 não repete a fase de expansão da economiabrasileira que marcou os anos 1970. A crise internacional do petróleo ea alta dos juros internacionais levaram à falência do governo que cul-minou com a moratória da dívida externa em 1987 na administraçãode José Sarney. Os governos baianos que se sucedem nessa década ena seguinte, a de 1990, administraram com maior ou menor compe-tência um período turbulento marcado pela redução dos investimen-tos públicos, hiperinflação e agitação política. Findara-se a época dosgrandes projetos. Daqui para frente, firmar-se-iam no patamar da famaaqueles governadores que possuíssem maior capacidade de comuni-cação com a mídia e as massas, notadamente na construção de factóides,o que constituiu uma das armas políticas mais eficazes do carlismo. Adespeito da crise nacional, provocada pela insolvência da dívida ex-terna do país, a Bahia ainda se beneficiava do impulso produzido emsua economia pela indústria petroquímica. Segundo a SEI, o seu PIBapresentou um crescimento de 10%, puxado pela indústria de trans-formação que cresceu 26,6%.

Na sua segunda administração, Antônio Carlos Magalhães,com sua inegável sensibilidade, competência administrativa e polí-tica, governou o Estado, tornando-se gradativamente o mestre dacriação de factóides no estilo de “a Bahia vai bem” montando umapoderosa maquina de marketing que o acompanhou até o final dasua carreira. Entretanto ACM foi, entre todos os governadores daBahia no século XX, aquele que demonstrou maior sensibilidadepara com a pobreza e a população carente. Em seus três governosdesenvolveu diversos programas voltados para este extrato popula-cional entre os quais se destaca pelo seu pioneirismo a “Cesta do

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Povo” que objetivava quebrar a exploração praticada pelos oligopó-lios da área dos supermercados.192

Numa análise do carlismo, Dantas Neto (2003) apresenta asseguintes considerações:

Operando sempre nas fronteiras da política com a economia e acultura, no limiar dos anos 90 o carlismo reciclou discurso e práti-ca, outrora referenciados no regime autoritário, tornando-os maisconsistentes e pertinentes a um contexto liberal-democrático [...] asupremacia carlista nos anos 90 montou-se, em sua dimensão dire-tamente política, sobre um tripé, cujos elementos foram, em ordemcrescente: prestígio eleitoral, manejo de recursos extra-eleitorais depoder e uma aura de infalibilidade e onipotência que transmitiasensação de poder ainda maior que o exercido O primeiro elemen-to, como mostrou Joviniano Neto, confere ao carlismo, em eleiçõespara Governador, um patamar sempre em torno de 30% dos votosdo eleitorado baiano, marca que não lhe bastaria para ostentar tãoincontrastável supremacia. O segundo elemento exemplifica-se namobilização da máquina do Poder Executivo para exercer pressãocontínua sobre empresariado, mídia, poderes municipais, movimen-tos sociais e no controle sistólico do Legislativo, Judiciário e Tribu-nal de Contas. Mas também no comando privado direto de umarede de comunicação detentora de influência decisiva sobre a opi-nião pública e de uma estrutura empresarial conexa, atuante noramo da grande construção civil e no da produção e animação domercado cultural baiano. Além de tudo isso, influência sobre áreasda administração pública federal. O terceiro elemento derivou dainteração dos dois anteriores com um conjunto de outros aspectos,dentre os quais destaco: cultura política local fautora dopersonalismo e avessa ao pluralismo político; práticas de cooptaçãopotencializadas, em tempos tucanos, por acordo político que, alémde imobilizar forças oposicionistas então em virtual ascensão noEstado, ampliou a projeção nacional de ACM e Luís Eduardo; e adesenvoltura com que se articulavam, de um lado, antigos meca-nismos de pressão e sujeição, manejados pelo primeiro para garan-tir a coesão operacional do grupo e, de outro, recursos e argumen-tos mais modernos de persuasão, mobilizados pelo segundo parapromover sua ampliação (DANTAS NETO, 2003).

Ao assumir, o governo ACM apresentou um documentointitulado Diretrizes e metas em que estabelecia como suas priorida-des consolidar o núcleo industrial dinâmico da RMS e interiorizaro desenvolvimento estadual. Como não havia grandes obras, reali-zaram-se projetos. A Bahia se destacou nacionalmente no programa

192 Pelo seu contacto direto com a população, cuja alma e sentimentos conhecia com maestria,disso colhendo evidentes dividendos políticos, ACM foi caracterizado como “populista”pelos seus adversários.

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de energias renováveis, sendo as suas ações exercidas, em parte,através do Grupo Executivo de Agroindústria, criado ao final de1981. Deste grupo, surgiu a Bahia-Álcool – Empreendimentos Ener-géticos e Agroindustriais, empresa criada pela lei delegada n. 20/81, visando a fomentar e dinamizar a implantação de empreendi-mentos energéticos e agroindustriais considerados prioritários parao Estado, preferencialmente aqueles voltados para a produção deálcool e energia a partir da biomassa. Em março de 1982, foi apre-sentado o Plano diretor do Distrito Industrial Urbano de Salvador(Dinurb). Nesse plano, propõe-se o ordenamento e a maximizaçãoda utilização do solo numa área próxima à BR-324, no corredor dasaída da cidade, em espaço próximo a Valéria, procurando possibi-litar a expansão e a ocupação ordenadas da área, não somente pe-las indústrias, mas também pelas atividades de serviço que natu-ralmente estão sendo atraídas para a região.O Plano diretor do Dis-trito Industrial Urbano de Salvador era original, porque traduzia oconceito de um distrito industrial descontínuo, do ponto de vistaespacial, não obstante ser homogêneo do ponto de vista institucio-nal, administrativo e conceitual. Procurava estabelecer uma rela-ção harmônica entre emprego e habitação, considerando-se a cons-trução de diversos conjuntos habitacionais naquela área. Por de-pender da ação conjunta do governo do Estado com a PrefeituraMunicipal do Salvador, na prática, esse plano nunca foi executado.

O Programa de fomento à indústria da química fina na Bahia, cria-do pelo decreto n. 27.606, de 10 de outubro de 1980, teve como ob-jetivo fundamental implantar, na Região Metropolitana de Salva-dor, um parque especializado em produtos químicos de elevadoteor unitário, alta complexidade molecular e ampla utilização navida cotidiana. Abrangia os produtos orgânicos e inorgânicos,polímeros, corantes e pigmentos. Foi elaborado, pela Secretaria daIndústria, Comércio e Turismo, o estudo de 57 produtos e produzi-dos 21 perfis de novas oportunidades de investimento, o que tor-nou o Programa de fomento à indústria da química fina uma alternativade porte nacional, pelos seus requisitos de maior economicidade,comparativamente aos concorrentes do exterior e de outras áreasopcionais no Brasil. A partir da elaboração dos estudos técnicos dabase, a exemplo do documento Alternativas de desenvolvimento daquímica fina, o Departamento de Indústria e Comércio da SIC esta-beleceu um programa de ação que envolveu a elaboração de perfis

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e de estudos técnicos complementares. Teve como objetivo, alémda implantação de árvores genealógicas completas e de alguns pro-jetos isolados de maior significação no conjunto dessa indústria,promover a divulgação dos trabalhos já empreendidos e manter osindispensáveis contatos com os empresários, quanto às consultaspara tomada de decisões. Não obstante, o programa acabou fracas-sando, pois a Bahia não possuía a “massa crítica” tecnológica indis-pensável para o desenvolvimento de indústrias altamente sofisti-cadas como as desse segmento.

No plano industrial, o programa petroquímico teve concluí-das as obras de sua infraestrutura com a realização, no período 1979-1982, de inversões da ordem de Cr$ 3,10 bilhões, dos quais Cr$ 108,4milhões foram aplicados na conclusão do Programa I, Cr$ 2,47 bi-lhões, no Programa II, igualmente concluído no período, e Cr$ 521,6milhões, no Programa Especial. Esses dispêndios foram realizadosnas obras do Sistema de Controle Ambiental (67%) e no SistemaViário (12%) principalmente. O Estado da Bahia arcou com a maiorparcela desses recursos (45%), tendo recebido financiamento doBNDES (38%) e da Seplan-PR (17%) (BAHIA, 1983). Em todo o perío-do de implantação da infraestrutura do complexo petroquímico(1972-1982), foram investidos, em Camaçari, Cr$ 6,8 bilhões. A Cetrelentrou em operação no primeiro trimestre de 1979, com o Sistemade Tratamento dos Resíduos Orgânicos. O Sistema de Inorgânicoscomeçou a operar em dezembro de 1980. Os investimentos gover-namentais nesse empreendimento totalizaram CR$ 5,1 bilhões.

Ao concluir-se essa administração, em 1983, o balanço dos in-vestimentos privados no polo petroquímico baiano totalizava US$3,9 bilhões num conjunto de 46 unidades empresariais em opera-ção ou em implantação e 17 em fase de projeto aprovado, gerando23 mil empregos diretos. No que se refere ao Centro Industrial deAratu, registrava-se, em 1979, um quadro de decadência com 11unidades industriais paralisadas e seis outras com obras de implan-tação suspensas. Objetivando recuperar o distrito, entre outras for-mas, mediante a regularização dessas empresas em dificuldades, aSecretaria da Indústria e Comércio promoveu gestões que culmi-naram com a reativação das plantas empresariais mediante fusõese incorporações. Foram propiciadas condições operacionais no dis-trito para que 12 empresas tivessem as suas instalações ampliadas:Alcan I e II, Lubrotécnica, Metalquímica, Uni-Stein, Biscoitos Tupy,Brastech, Stella Azzura, Plásticos Norbi, Inesa e Bahiana de Lajes.

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O período 1979-1982 registrou um pequeno crescimento do setorindustrial no CIA, que passou de 134 para 146 empresas. Ao finalde 1982, as empresas de Aratu haviam elevado para 12,8% a suaparticipação relativa nas vendas externas e para 12,5% a sua contri-buição no total do ICM.

Em 2 de setembro de 1981, o Centro Industrial de Aratu pas-sou a contar com um novo Plano diretor, mais ajustado aos fatoresque, à época, concorriam, em âmbito metropolitano, para a defini-ção das diretrizes básicas da política industrial do Estado. Em suaestratégia de desenvolvimento urbano-social, o novo Plano diretorbuscou a valorização das cidades-sede dos municípios de SimõesFilho e de Candeias, de modo que o binômio habitação/empregofosse equacionado com a minimização da dependência do sistemade transporte e com a capitalização das economias externas pro-porcionadas pelos demais núcleos urbanos da RMS. Dessa forma,deslocou-se o enfoque, até então adotado em relação ao problemahabitacional do CIA, para uma política de desenvolvimento urba-no em que o problema da habitação seria apenas uma das variáveisem questão.

Outro programa importante desenvolvido nesse período go-vernamental foi o Programa de Agroindústria (Proai) que desen-volveu, entre outros, o Programa do Álcool (Proálcool) na Bahia,sendo responsável pela criação da Bahiálcool.

No plano turístico, a ação da Bahiatursa orientou-se no senti-do de consolidar a atividade turística na Bahia mediante a sua ex-pansão para o interior e a promoção de grandes eventos na Capital,atuando com o apoio da Emtur e da Conbahia. Nesse período, aEmtur já administrava uma rede de oito hotéis e pousadas.

O governo João Durval Carneiro (1983/1987) não apresentougrandes obras. A conjuntura econômica adversa não o permitiu.Segundo a SEI (BAHIA, 2006) a economia nacional mergulhava emprofunda recessão nesse ano, com a queda de 2,3% no PIB.

Este governo marcou sua presença na história administrativado Estado da Bahia pela prioridade concedida em suas ações aodesenvolvimento municipal e, consequentemente, à execução deobras no interior193.

193 Típico sertanejo João Durval foi um governador íntegro. Em seu governo registrou-se apresença marcante da sua esposa a Profa. Yêda Barradas Carneiro, mulher de personali-dade muito forte, que desenvolveu bons programas voltados para a população carente.João Durval dedicou especial atenção ao funcionalismo público do Estado.

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Cumprido um longo período de articulações nacionais paraimplantar e consolidar a indústria petroquímica no Estado, umaetapa do processo de industrialização baseado nos grandes empre-endimentos estava esgotada. A Bahia voltava-se agora para si mes-ma numa época de crise na economia nacional que dava início àdenominada década perdida. No plano industrial, merecem desta-que a revisão e a atualização do Plano diretor do Copec (1983), acontinuidade do Programa de fomento à indústria de química fina, aampliação da Central de Tratamento de Efluentes Líquidos (Cetrel),a criação do Distrito Industrial de Calçados e Artefatos (Dica), noCentro Industrial de Aratu, formando um polo calçadista integra-do por dezoito empresas e o fomento ao Parque de Confecções daBahia.194 A Bahiálcool transformou-se em Empreendimentos Agroin-dústriais da Bahia S/A (Agrobahia). Em termos de turismo, desta-ca-se a execução, pela Secretaria da Indústria e Comércio, do Proje-to da orla marítima, orçado em US$ 30 milhões e destinado a aumen-tar o potencial turístico da Cidade do Salvador. Nesse projeto, aSIC, desviando-se de suas funções naturais, ocupou um espaçoadministrativo da Prefeitura Municipal do Salvador, numa épocaem que o prefeito da capital era nomeado pelo governador do Esta-do. Merecem registro especial os esforços desenvolvidos pelo go-verno na construção de equipamentos turísticos, objetivando, so-bretudo, a interiorização dessa atividade no Estado.

O período governamental transcorrido entre 1987 e 1991 foitambém fortemente influenciado pela crise econômica que domi-nava o país, caracterizando-se por uma elevada taxa de inflação, ofracasso do programa de estabilização (Cruzado) e os conflitos po-líticos decorrentes da morte de Tancredo Neves e do processo deredemocratização. Por outro lado, como visto, se encerrara na Bahiao fluxo dos grandes investimentos industriais que marcaram épocanas administrações anteriores.

Pressionado pelos partidos políticos que o apoiaram, ogovernador Waldir Pires195 dispensou inúmeros quadros da máquinaadministrativa governamental que, sob o comando de administradores

194 Dois tremendos fracassos da política governamental de fomento.195 O governo Waldir Pires constituiu-se na maior frustração da esquerda baiana no século

XX. Eleito por uma maioria consagradora sob a bandeira da mudança e da libertação daBahia do carlismo, Waldir, como governador, foi um desastre completo. Com isto, aca-bou se constituindo, ironicamente, no maior cabo eleitoral da volta triunfante de Anto-nio Carlos Magalhães em 1991.

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Tabela 37 – Equipamentos turísticos inaugurados entre 1983 e 1987

Fonte: Spinola, 1997. Tabela 36, p.243.Nota: Valores em Cz$ a preços médios de 1987. Valores da tabela original em US$ conver-tidos para Cz$ utilizando-se a taxa de câmbio do dólar oficial de 1987 (média anual).

Tabela 38 – Hotéis inaugurados (1983 a 1987)

Fonte: Spinola, 1997, p.246.Nota: Valores em Cz$ a preços médios de 1987. Valores da tabela original em US$ conver-tidos para Cz$ utilizando-se a taxa de câmbio do dólar oficial de 1987 (média anual).

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recém-chegados, perdeu consideravelmente o nível de entrosa-mento e da eficiência anterior. Por fim, deixou o governo, quandose encontrava no segundo ano de seu mandato, para candidatar-seà Vice-Presidência da República, na chapa do deputado UlyssesGuimarães. Deste modo, foi o sr. Waldir Pires substituído pelo sr.Nilo Augusto Moraes Coelho, vice-governador da chapa eleita.

O governo do Sr. Nilo Coelho não registrou fatos de grandedestaque na área econômica do Estado.

O terceiro governo Antônio Carlos Magalhães (1991-1994) tevecomo tarefa inicial promover a reativação da máquina administra-tiva do Estado, que se encontrava desarticulada.

Apesar da conjuntura econômica recessiva nacional, na Bahia,foram concluídos alguns projetos industriais no triênio 1991-1993que contribuíram para o desenvolvimento do setor industrial.196 En-tre os projetos concluídos, merece destaque a ampliação da Copene,com investimento total de US$ 1,2 bilhão, incluindo a construçãode etenoduto de 500 km que permitiu o fornecimento de 200.000 t/ade eteno ao Polo Cloroquímico de Alagoas. Destaca-se também aentrada em operação, em 1992, da Bahia Sul Celulose, com investi-mento de US$ 1,4 bilhão, localizada em Mucuri, no Extremo Sul daBahia, com um programa de produção de 500.000 toneladas anuaisde celulose branqueada de fibra curta e 250.000 toneladas anuaisde papel de imprimir e escrever.

Nesse período governamental, registra-se ainda o reinício doprocesso de ampliação da Refinaria Landulpho Alves – Mataripe.

Foram também lançados programas como o de Qualidade Bahia,o Programa de oleaginosas e oleoquímicas do Estado da Bahia e o de Pro-grama de desenvolvimento municipal (Prodem).

As micro e pequenas empresas tiveram atendimento privilegia-do mediante a adoção de um conjunto de medidas simplificadorasda burocracia governamental, destacando-se, entre elas, a criaçãodo Núcleo de Atendimento às Micro – e às Pequenas Empresas(NAI), o Disque Bahia Tecnologia e o Programa de crédito especial àmicroempresa (Procem) (lei n. 6.351, de 17/12/1991, e decreto n. 1.121,de 14/4/1992).

No plano turístico, destacam-se, nesse período, a construçãoda Linha Verde (BA-099), com 142 km de extensão, interligando

196 Segundo a SEI (BAHIA, 2006) o PIB baiano começa a apresentar recuperação após trêsanos recessivos.

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todo o litoral norte da Bahia até a divisa com o Estado de Sergipe, arecuperação do Centro Histórico de Salvador, com a restauraçãodo conjunto arquitetônico do Pelourinho, a ampliação do Aeropor-to de Porto Seguro, a reforma do Centro de Convenções, a recupe-ração do teatro Castro Alves, a reconstrução da avenida SoaresLopes, em Ilhéus, e a concepção do Programa de desenvolvimento doturismo no Estado da Bahia (Prodetur), objetivando a obtenção deapoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para ofinanciamento de investimento na área turística do Estado.

A área de mineração mereceu atenção especial, tendo sido ob-jeto de inúmeros programas, de estudos e de projetos, dentre osquais se destacaram os programas de desenvolvimento mineral ede infraestrutura em área de mineração e os estudos geológicos,com a atualização do mapa geológico do Estado da Bahia, que da-tava de 1978, e a confecção do mapa dos complexos máficos eultramáficos, do mapa das rochas graníticas e alcalinas, etc. Diver-sos projetos de pesquisa e prospecção mineral foram concluídosem várias regiões do Estado e foram promovidas oportunidades deinvestimentos por intermédio de ação agressiva da CBPM.

Nesse governo, tiveram início as gestões políticas e adminis-trativas, objetivando a implantação de um parque automotivo naBahia e, assim, o início de um novo estágio no processo de cresci-mento econômico do Estado.

O governo Paulo Souto (1995-1997) deu continuidade aos es-forços despendidos pelo anterior, no saneamento das finanças e damáquina administrativa estadual, buscando criar as condições parao ingresso do Estado em uma nova era de estabilização econômica,para a abertura da economia brasileira ao mercado internacional epara uma intensa competitividade.197

A exemplo do que ocorreu na administração anterior, nestegoverno, o papel do Estado passou a ser redefinido, assumindo-seum modelo político-econômico nitidamente liberal, com ênfase paraa atuação dos setores privados da economia, cabendo ao governoatuar muito mais como agente promotor do que executor dos gran-des projetos estaduais, agora confiados à classe empresarial.

Ainda segundo a SEI (BAHIA,2006), a economia estadual, noperíodo, apresentou taxas de crescimento modestas, exceção feita

197 Paulo Souto, radialista, geólogo e professor universitário, foi, provavelmente, o gover-nador de melhor nível técnico entre todos os que governaram a Bahia no século XX.

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ao ano de 1997, com 6,6% de crescimento, puxado pelo desempe-nho da agropecuária, que cresceu 12,3%. Em 1995, o PIB apresen-tou uma taxa de crescimento de 1,0%, dada a política de estabiliza-ção praticada pelo governo e ao baixo desempenho da agropecuária.Em 1996, a taxa situou-se em 2,7%, melhora produzida pelo bomdesempenho do comércio e da indústria, contrabalançado pelo maudesempenho da agropecuária.

Uma das maiores preocupações do governo na área industriale comercial, consistia na instalação de um parque industrialautomotivo no Estado.

A primeira tentativa ocorreu com a Ásia Motors, anunciadabem ao estilo carlista, com pompa e circunstância, em 23 de dezem-bro de 1996, no palácio do Planalto.

Esperavam-se, equivocadamente, os mesmos efeitos da déca-da de 1950, quando da instalação do parque automobilístico emSão Paulo. Ou seja: profundas repercussões econômicas para aBahia. Isto explica as grandes pressões que foram exercidas sobre ogoverno federal para a obtenção dos incentivos fiscais diferencia-dos, objetivando compensar as vantagens vinculadas à localizaçãode que o Sudeste dispunha até então.

A partir dessa vitória política, a Bahia poderia disputar, emmelhores condições, outros investimentos do complexo automotivo,ainda que por tempo limitado a 31 de março de 1997, paramontadoras, e 31 de março de 1998, para indústrias de autopeças.

A exemplo do que ocorreu na década de 1970, a esperança erade que a presença de uma montadora de veículos no Estado trariaefeitos benéficos tanto para a própria indústria – desde a transfor-mação petroquímica, passando pela de borracha, metalúrgica, me-cânica e mesmo pela própria petroquímica, que teria uma deman-da adicional não planejada, podendo chegar até à indústria side-rúrgica – quanto para o comércio e serviços, gerando mais empre-gos e renda para os baianos.198

Os investimentos inicialmente previstos pela Ásia Motorstotalizavam US$ 500 milhões, estando prevista a fabricação de 60mil veículos anualmente a partir de 1999. Mas a crise asiática seincumbiu de jogar por terra o sonho baiano. A fábrica não veio,

198 Pobre Bahia: olhando-a com uma perspectiva histórica, as esperanças dos seus governose planejadores se parece com a fábula do menino que ganhou uma garrafa de leite ecomeça a sonhar. Quando em seu devaneio já estava construindo um grande laticínio,tropeça, cai e quebra o seu capital inicial...

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dando um “calote” no governo de quem já havia recebido substan-ciais incentivos fiscais o que representou o maior vexame para aadministração em exercício.

Na opinião de Miranda (2009):O Correio da Bahia deu uma bela manchete de primeira páginanesta quarta-feira (07/01/09): “Ásia Motors: Bahia quer R$ 36 mi-lhões de volta”. E explica na frase de apoio: “Montadora desistiude fábrica em Camaçari após receber incentivos e governo do Esta-do cobra dívida na Justiça”. Faltou ao Correio da Bahia dizer quemera o governador “no final da década de 90” quando ocorreu o gol-pe. Era Paulo Souto (DEM) que recebeu o presidente FernandoHenrique Cardoso (PSDB) no “lançamento” da pedra fundamentalda fábrica. Também falta apurar quanto a Propeg gastou de dinheiropúblico naquela tempestade de publicidade. É. Não se pode querertudo. A matéria do jornalista Pedro Carvalho é muito boa. O go-verno baiano cobra uma dívida de mais de R$ 36 milhões (valorsem correção) da Ásia Motors. A empresa coreana havia se com-prometido, no final da década de 90, a construir uma montadoraem Camaçari. Com esta promessa conseguiu abatimento de impos-tos de importação de veículos, na época, e crédito da Agência deFomento do Estado, informa o jornal. A Ásia Motors entretantodesistiu do projeto, após ser incorporada à também coreana KiaMotors, que foi adquirida pela Hyundai em 1998. Desde então nin-guém quer assumir as dívidas. E quem era o governador da Bahiaresponsável por este rombo? Era Paulo Souto (que governou a Bahiano primeiro mandado de 1º de janeiro de 1995 a 1º de janeiro de1999. O governador que veio a seguir, César Borges (1999 a 2002)também explorou bastante a “chegada” da Ásia Motors à Bahia. Ehaja dinheiro para a Propeg fazer propaganda em cima do factóide.O empréstimo da Desenbahia, informa o Correio da Bahia, foi deexatos R$ 34.034.598 e vem sendo cobrada desde 2004. O dinheirosaiu do Fundo de Desenvolvimento Social e Econômico (FUNDE-SE) administrado pela Agência de Fomento. O processo de execu-ção corre na 7ª Vara da Fazenda Pública. Outros R$ 2 milhões sãocobrados pela Secretaria Estadual da Fazenda.

Conforme o Relatório do Governo da Bahia (A Bahia no cami-nho certo para o futuro) para o período 1995 – 1997, encaminhado aAssembléia Legislativa do Estado da Bahia em 16 de fevereiro de1998, ocorreram compensações em outras áreas do setor industrial,podendo a Bahia contabilizar investimentos de porte, destacando-se, pela sua posição estratégica, os da Petrobras, com um total deUS$ 2,1 bilhões – conclusão da ampliação da Refinaria LandulphoAlves, com US$ 420 milhões, e implantação de uma nova unidadede craqueamento catalítico, com mais US$ 364 milhões, possibili-tando o pleno abastecimento de derivados de petróleo na Bahia e75% de todo o Nordeste, a partir de 1998, além de outras inversões

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em refino, meio ambiente, construção de polidutos, exploração depetróleo e ampliação da unidade de fertilizantes.

Outros projetos industriais para a Bahia foram anunciados outiveram sua implantação anunciada em 1996. No gênero químico,merecem destaque os seguintes projetos: o Propet (união dos gru-pos Mariani e Odebrecht), para implantação de uma fábrica de DMTe PET – resinas para fabricação de poliéster e embalagens plásticas,com investimentos previstos, originalmente, em US$ 250 milhões,posteriormente ampliados para US$ 300 milhões; novos sistemastecnológicos e expansão da capacidade de produção da Dow Quí-mica, com anúncio de investimentos da ordem de US$ 120 milhões,considerando que, no ano de 1996, expandiu sua capacidade de 180para 230 mil toneladas/ano de óxido de propeno. Ainda na áreaquímica, a Air Products anunciou inversões de US$ 88 milhões paraa produção de gases industriais.

Nos chamados bens de consumo final, destacam-se mais dois gru-pos de indústrias, que anunciaram investimentos no Estado. Na pro-dução de calçados, a Azaléia decidiu investir US$ 70 milhões para pro-dução de 50 mil pares/dia de sapatos esportivos no município deItapetinga.199 Na área de bebidas e associados, destacam-se os investi-mentos anunciados pela Schincariol, com US$ 115 milhões, para a pro-dução de cerveja e refrigerantes em Alagoinhas, pelo grupo francêsMaison Bernard, com mais US$ 25 milhões, para a produção de aguar-dente de uva, além do projeto da Latapack-Ball, que produzirá tampaspara latas de cervejas e refrigerantes inicialmente e, posteriormente,latas para bebidas, num investimento de US$ 130 milhões.

Na região cacaueira, ocorreram investimentos no complexoeletroeletrônico em Ilhéus. No distrito industrial desse município,foram instalados, entre 1995 e 1996, quatro projetos (Bahiatech,Login, World Express e Preview), com investimentos de US$ 20milhões e criação de 280 empregos diretos, além de três novos pro-jetos (Graffite, Savatech e Unicoba), com mais US$ 6,1 milhões deinvestimentos e 240 empregos novos.

Entre os programas e projetos, destacam-se o de apoio ao desen-volvimento da indústria metal-mecânica, concluído em 1996, com oapoio da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento

199 O governo do estado indicou para a Azaléia a localização em Itapetinga em detrimentode Vitória da Conquista que fica às margens da BR–116 (Rio–Bahia) e é servida por umdistrito industrial do próprio governo estadual (Imborés). Sugere-se que isto decorreude motivos políticos, pois aquela cidade era administrada pelo PT.

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Industrial (Unido), o Projeto Autobahia, cujo coroamento se deu coma assinatura da medida provisória 1.532, de 23/12/1996, que criouum sistema automotriz para o Norte, Nordeste e Centro-Oeste doBrasil, o Projeto Ásia, o Programa baiano de design, etc.

Os investimentos na agroindústria baiana também foram rele-vantes. A Avipal200 anunciou investimentos de US$ 145 milhões paraimplantação de duas unidades na Bahia, uma em Feira de Santana,incluindo frigorífico, abatedouro, fabricação de rações, incubatóriose criatório de aves, e outra unidade em Barreiras, com uma centralde processamento de grãos, a ser suprida pela produção regionalde milho e soja. A Ceval anunciou investimento de US$ 110 mi-lhões, num complexo agroindustrial integrado (avicultura, suinocul-tura e aproveitamento dos derivados de soja) e mais US$ 11 mi-lhões para a ampliação da sua unidade de refino de óleo.

A agricultura, como se pode ver na tabela seguinte, teve um com-portamento oscilante no período com quedas significativas na produ-ção de alguns gêneros importantes (algodão, cacau, café, coco, mandiocae soja) em 1995/1996 e suas recuperações no período seguinte.

No plano da agropecuária, registram-se diversos programasdesenvolvidos pelo governo estadual. Na verdade, com uma su-perfície de 56 milhões de hectares, dos quais 32 milhões (57%)agricultáveis a Bahia é, predominantemente, um estado agropecuá-rio. No espaço agricultável, a pecuária ocupava, em 1997, 15 mi-lhões de hectares (47%) e a agricultura 4 milhões de hectares (13%).

Afirma-se que a Bahia é um estado agropecuário porque os da-dos do PIB baiano aparecem, desde 1975, com uma distorção numéri-ca provocada pela contribuição de um conjunto reduzido de indústri-as (a Refinaria Landulpho Alves, a Copene e mais algumas empresasdo ramo petroquímico e de celulose, que totalizam nada mais que umadezena e que, segundo estimativas nossas, devem responder por maisde 50% do PIB industrial). Isto faz parecer o Estado como industriali-zado e diminui proporcionalmente a participação da agricultura quejunto com a pecuária e a pesca participavam, em 1997, com 7,8% doPIB baiano, contra 14,6% da indústria de transformação.

Na área comercial, registram-se os esforços desenvolvidos pelogoverno nas ações de fomento ao comércio exterior e na descentralização

200 Este projeto constituiu uma grande conquista do governo estadual, pois reduziu subs-tancialmente a dependência baiana da avicultura do Sudeste a qual se prolongava semsolução desde os tempos da construção da Rio-Bahia e da BR-324.

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e na modernização dos serviços de registro do comércio com novareorganização da Junta Comercial do Estado da Bahia (lei n. 6.962,de 15/7/1996).

A corrente de comércio exterior baiana cresceu 2% em 1996,atingindo US$ 3,2 bilhões. As importações foram responsáveis poresse desempenho, ao atingir US$ 1,3 bilhão. Trata-se de recordehistórico no setor, visto que superaram em 11,2% o volume de 1995.

O crescimento das importações, por mais de um ano, foi resul-tado da abertura da política de abertura comercial e de reduçãotarifária associada à sobrevalorização cambial e à retomada do cres-cimento econômico. Ressalte-se o crescimento na categoria bens decapital (+ 74,7%), que obteve o maior incremento entre as categori-as de uso das importações. Isso decorreu da importação desses benspara o parque industrial.

As exportações, por sua vez, registraram uma queda de 3,8%, al-cançando US$ 1,85 bilhão, redução causada, basicamente, peloreaquecimento da demanda doméstica, sobretudo nos dois últimostrimestres, pela queda, em média, de 50% nos preços externos da celu-lose (principal produto de exportação do Estado), e pela pouca renta-bilidade das operações externas em 1996, ocasionada pela redução doincentivo financeiro implícito nas operações de adiantamento de con-trato de câmbio (ACC), ditadas pela diminuição das taxas de juros.

Em 1996, as exportações baianas participaram com 3,9% dototal brasileiro e 48% do Nordeste, enquanto o saldo comercial doEstado chegou a US$ 503 milhões, o mais baixo dos últimos catorzeanos. Entretanto, apresentava-se superavitário, ao contrário do es-perado à época para a balança comercial brasileira.

Tabela 39 – Produção agrícola 1995-1997

Fonte: Seagri – Relatório do governo Paulo Souto 1995 – 1997.

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As micro – e as pequenas empresas continuaram merecendoapoio prioritário do Estado, destacando-se o Programa de incentivo àcriação de núcleos comunitários de produção industrial, e o Programa dedesenvolvimento municipal (Prodem) que, reeditando o Programa defomento industrial, iniciado em 1966, dedicou-se às MPE do interiordo Estado, mediante a realização de diagnósticos socioeconômicosde 86 municípios baianos e o desenvolvimento de programas vol-tados para a geração de emprego e renda.

O último governador baiano do século XX foi César Borgesque administrou o Estado entre 1998 e 2002. Em 1998, o PIB estadu-al volta a crescer a uma menor taxa (1,7%), dado o esgotamento dosefeitos produzidos pelo Plano Real e a instabilidade do cenário in-ternacional. Segundo a SEI (BAHIA, 2006), foi responsável por estecrescimento modesto a agropecuária, que decresceu 5,3%, refletin-do a queda da agricultura (–10,2) em função das adversidades cli-máticas. No ano 2000, último considerado por este livro, o PIB baianocresceu 3,9%, um resultado puxado pela agropecuária e pelo co-mércio, já que o setor apresentou queda de 2,6%. Ainda de acordocom a fonte aqui citada (p.126), “esse fraco desempenho da indús-tria inverteu a tendência dos últimos anos quando o seu dinamis-mo sustentou o crescimento econômico da Bahia”. Destaque-se que,neste ano, o gênero químico (na Bahia leia-se petroquímica) apre-sentou um crescimento negativo de 6,3%, inaugurando o períodode desgaste que marcará este setor na Bahia no século XXI.

Nesse governo. o fato de maior destaque veio a ser a instala-ção, na Bahia, do Complexo Automotivo Amazon, da Ford, emCamaçari, no mês de outubro de 2001.

O carlismo baiano amargava a decepção que tivera no gover-no Paulo Souto com a Ásia Motors quando surgiu, ainda no finaldo século XX, a oportunidade de trazer para o Estado uma grandefábrica da Ford que seria instalada no Rio Grande do Sul e romperacom aquele Estado porque o novo governador (Olívio Dutra), doPT, recusara-se a assumir os compromissos assumidos com amontadora pelo seu antecessor (Antonio Brito) do PFL.

Segundo Nogueira, Rodrigues e Cantanhêde (1999):Para ter a Ford na Bahia, ACM liderou no Congresso uma açãopolítica que culminou na inclusão da empresa no regime automotivoespecial para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que foifeito em 1997 justamente para favorecer negociações da Bahia comuma outra montadora, a Asia Motors, da Coréia. Com a crise daÁsia, a empresa não cumpriu seus compromissos. A Bahia foi então

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buscar outra montadora para substituí-la. O Congresso aprovouna semana passada, antes do recesso, um substitutivo da medidaprovisória do regime automotivo, com uma alteração – o prazo deadesão das montadoras foi estendido de 31 de maio de 1997 para31 de dezembro de 99. Com isso, a Ford terá acesso a um pacote debenefícios fiscais federais mais generoso que aquele previsto parasua instalação no Rio Grande do Sul e mais extenso – será válidoaté 2010. Além disso, a montadora contará com incentivos concedi-dos pelo governo da Bahia. O BNDES (Banco Nacional de Desen-volvimento Econômico e Social) ampliou em R$ 150 milhões o fi-nanciamento destinado à empresa, que alcança R$ 700 milhões parasua instalação no município de Camaçari (BA) – onde existe, obso-leta, a pedra fundamental da Asia Motors. O governo da Argentinaencaminhou anteontem ao Itamaraty nota na qual se diz preocupa-do com a instalação da montadora Ford na Bahia. O texto acrescen-ta que os benefícios fiscais e subsídios concedidos à empresa pelosgovernos federal e estadual descumprem as normas do Mercosul.Conforme a Folha apurou, os ministros Pedro Malan (Fazenda) eCelso Lafer (Desenvolvimento) eram contrários ao acordo da Bahiacom a Ford. Temiam, justamente, as reações negativas do Mercosul,especialmente da Argentina, e da OMC.

O fato é que a Ford e mais 37 sistemistas instalaram-se no Esta-do sob amplo foguetório do governo que prometia à opinião públi-ca a redenção econômica da Bahia.

É evidente que se tratou de uma conquista importante, porémsem a importância estratégica que lhe era atribuída, pois, como foidito aqui anteriormente, os tempos eram outros e outras eram asinterrelações regionais. A Ford, certamente, não iria produzir osefeitos multiplicadores sobre a economia do Estado que foram pro-duzidos na década de 1950 quando da instalação do parqueautomotivo brasileiro no governo de Juscelino Kubitschek.

Conforme diversos depoimentos na época, foi alto o preço pagopela Bahia para trazer a fábrica da Ford para o Estado. Segundo Nodari(2009), não ocorreu a interação esperada entre a fábrica e os cursostécnicos da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia,notadamente o Curso de Engenharia Mecânica, apesar dos projetos alirealizados e da procura insistente efetuada pelos professores daquelaunidade de ensino. Ocorria assim fato semelhante ao do Mestrado deQuímica da referida universidade que também foi desconhecido pelasunidades petroquímicas implantadas na década de 1970.

Informa Nodari (2009) que o complexo automotivo não absor-veu mais que 20 engenheiros formados na Bahia. Ademais, pagamsalários baixos, na faixa de R$ 1.500,00 a R$ 2.500,00 com um nívelmínimo de assistência.

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Os empregos foram criados, em grande parte, no exterior. Por exem-plo, a sistemista responsável pela pintura, uma empresa america-na, trouxe todos os funcionários de nível, do México e dos EstadosUnidos e pelo jeito que este pessoal está comprando residências, etrazendo a família, vieram para ficar, pelo menos, por algum tem-po. Para os baianos restaram as vagas de emprego primário muitomal remuneradas, média de 500,00 reais quando as mesmas fun-ções, em São Paulo, valem de 1.200,00 a 1.500,00, no pólopetroquímico a média de funções equivalentes é de 760,00 reais (esem transporte, de Salvador, ou mesmo Camaçari, até a fábrica)(NODARI, 2009).

Depois se fala em polarização. O fato é que a Fieb, através doServiço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), inaugurouem 2002 o Centro Integrado de Manufatura e Tecnologia (Cimatec),dedicado especialmente à indústria de manufatura de processosdiscretos, concentrados nas cadeias automotivas, na indústria detransformação e no setor eletroeletrônico e estava construindo oCentro Integrado de Manufatura e Tecnologia (Cimatec 2) tambémvoltado para o atendimento da área tecnológica empresarial. O cen-tro atuará na formação de recursos humanos qualificados, desdecursos básicos de aprendizagem industrial até mestrado. Assimcomo o Cetind, o Cimatec estará capacitado para prestar serviçostécnicos e tecnológicos especializados e promover pesquisa aplica-da nas suas diversas áreas de atuação no Estado. A unidade vaioferecer educação profissional – de cursos técnicos a pós-gradua-ção (lato sensu). A Fieb não acreditava na eficiência dos cursos dasuniversidades baianas, montando, assim, uma estrutura indepen-dente da UFBa.

A infraestrutura e as facilidades criadas pelo governo do Esta-do foram generosas. Afinal, a Bahia entrava, de forma agressiva,numa guerra fiscal contra o Estado do Rio Grande do Sul. No fun-do, tratava-se também de uma guerra política, pois a Bahia era go-vernada de fato por Antonio Carlos Magalhães líder nacional doPFL, vivendo o auge do seu poder no país e o Rio Grande do Sul,por Olívio Dutra, expressão do PT.201

O então governador da Bahia, César Borges, era extremamen-te vinculado a ACM, operando com limitada autonomia política ouadministrativa numa situação de dependência que repetia com

201 Uma das características marcantes da personalidade de ACM era o seu extremado amorpela Bahia. Quando os interesses do Estado estavam em jogo o velho cacique erainexcedível no empenho e dedicação à causa, quase sempre saindo vitorioso. Certamen-te fará muita falta à Bahia.

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maior intensidade o que ocorrera entre Araújo Pinho (1908/1911) eJosé Marcelino (objeto da seção 2.3.4 deste livro). Isso porque elefoi um acidente na trajetória política do carlismo, tendo sido esco-lhido por ACM para concorrer ao governo em um momento trágicodevido ao falecimento prematuro do seu filho e herdeiro político,Luís Eduardo Magalhães, que era o candidato natural. A opção maisadequada seria Paulo Souto, porém este foi vetado porque ACMtemia que ele reunisse muito poder em dois mandatos sucessivos epoderia ameaçar o seu poder hegemônico202. O governador escolhi-do seria um dócil instrumento das diretrizes do carlismo.

O teor político da questão se fazia demonstrar pelo modo comoprocederam às negociações, tanto que Vasconcelos (2001 apud SAN-TOS D. e SPINOLA 2008) dá especial destaque para a edição da MP1.916/1999 que tratava dos incentivos fiscais para o desenvolvimen-to regional depois da tentativa frustrada da bancada baiana no Con-gresso Nacional de ressuscitar o Regime Automotivo Especial cujoprazo de habilitação foi encerrado em 1999. A ampliação do prazode adesão, que chegou a ser aprovada no Congresso Nacional, nãofoi sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardosoem virtude dos compromissos internacionais assumidos na fase denegociações do Regime Automotivo no Mercosul, com outros paí-ses interessados e também por protestos de demais países junto aOMC. Mas a MP, informa Vasconcelos (2001) resolvia o problema eatendia, principalmente, aos interesses do governo baiano.

Assim, em termos de incentivos fiscais, pesquisa realizada porDenílson Lima Santos em 2007/2008, sob orientação do autor destelivro, constatou que os incentivos liberados e previstos no acordoforam definidos pela Assembléia Legislativa, através da lei n. 7.538de 28 de outubro de 1999, que criou o Programa especial de incentivoao setor automotivo da Bahia (Proauto), no qual ficavam definidos osbenefícios cujo intuito era complementar à MP 1.916 e estabelecia:

a) financiamento de capital de giro em até 12% do valor dofaturamento bruto da empresa, inclusive o importado, du-rante um período de 15 anos, com carência de 10 anos eamortizações de 12 anos;

202 A despeito da sua fidelidade a ACM, Paulo Souto, diferentemente de César Borges e deoutros carlistas, manteve uma relativa independência administrativa em seu primeirogoverno na Bahia, começando a firmar-se como uma nova liderança, o que ensejou quecomeçasse a vicejar dentro do carlismo uma corrente dissidente denominada de“soutismo”. Este fato por si só explicaria porque o velho “cacique” não permitiu suacandidatura a reeleição à época.

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b) desconto de 98% (noventa e oito por cento) sobre as primei-ras 72 parcelas do empréstimo;

c) financiamentos a investimentos fixos e despesas com im-plantação do projeto pelo prazo de 15 anos;

d) carência de cinco anos e amortizações em 10 anos;e) taxa de juros de 6% a./a., sem atualização monetária;f) capitalização dos juros no período de carência;g) isenção total de ICMS;h)financiamento de despesas com pesquisas e desenvolvimen-

to de produtos;i) substituição das mesmas condições, em caso de mudanças

decorrente de reforma do sistema tributário ou impossibili-dade jurídica de adotar o tratamento na referida lei;

j) elaboração e execução de projetos e serviços de infraestru-tura, complementares aos serviços e às obras pelas quais seresponsabilizou em razão de constituição de distritos indus-triais, mesmo após a transferência do domínio do imóvelpara a empresa beneficiada.

Por parte do município de Camaçari, isenção do Imposto Pre-dial e Territorial Urbano (IPTU) e do Imposto sobre Serviços (ISS)(NAJBERG; PUGA, 2002). A União concedeu redução de impostosde até 100% para importação de bens de capital, 90% para insumose de 50% para veículos, isenção do Imposto sobre Produtos Indus-trializados (IPI) mais renúncia de 45% de impostos sobre insumos(RIBEIRO, 1999) e isenção ao adicional do frete para renovação daMarinha Mercante (VASCONCELOS, 2001). Um ponto interessan-te que merece destaque nessa questão é observado pelo professorNilton Vasconcelos em sua tese de doutorado:

As concessões feitas pelos estados nem sempre são divulgadas aopúblico [...] A falta de publicidade dos acordos realizados, sob oargumento de preservação das estratégias de negociação, contudo,restringe o conhecimento de quanto os estados estariam investin-do nessas operações. (VASCONCELOS, 2001, p. 105-106).

O Estado da Bahia, além dos incentivos fiscais, ofereceu outrasvantagens substanciais à Ford em termos de infraestrutura física, taiscomo terreno, sistema viário, porto especial, etc. É sensível a dificulda-de de acesso às informações acerca dos empreendimentos automotivosno Brasil, principalmente, depois da entrada em vigor do RegimeAutomotivo Brasileiro. Mesmo a simples tentativa de conseguir da-dos para pesquisa é cerceada por toda espécie de subterfúgios e

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respostas evasivas, numa aparente tentativa de subtrair o que de fatohá por dentro de todo o conjunto que alicerça a guerra fiscal.

Rodrigues-Poze e Arbix (1999, apud VASCONCELOS, 2001,p. 109 ) dizem:

O problema central é que não há evidências práticas de que a parti-cipação na guerra fiscal trará os benefícios apresentados nos docu-mentos e nas justificativas dos governos estaduais envolvidos nes-se processo. Pelo contrário, há indicações nos acordos que contra-dizem as previsões sobre os efeitos multiplicadores das novas plan-tas automotivas”. [...] Os estados que disputam para atrair asmontadoras estão, de fato, financiando grande parte das instala-ções e do próprio funcionamento das novas plantas. E isso após osfabricantes terem escolhido o Brasil como local adequado para osseus investimentos. [...] A única razão efetiva para o engajamentona guerra fiscal se vincula aos dividendos a serem colhidos pelosgovernantes. A busca desses retornos políticos está ligada à visão– profundamente enraizada – de que a atração de grandes empre-sas é panacéia para o desenvolvimento econômico (grifo nosso).[...] A guerra de ofertas no setor automobilístico brasileiro é umsalto no escuro. Isto leva ao questionamento da transparência doprocesso de implantação das novas unidades e complexosautomotivos nos diversos estados da federação ao custo de umaestonteante renúncia fiscal. As transferências de recursos públicospara a iniciativa privada nestes casos são extremamente elevadascom o chamado Regime Automotivo Especial. Comin (1998 apudVASCONCELOS, 2001, p. 109) afirma que “a renúncia fiscal evo-luiu de 1% do PIB, 1993/1994 para 1,8% em 1998.

Conforme os dados extraídos de relatório do Tribunal de Con-tas do Estado, o governo comprometeu-se a financiar um montanteequivalente a 12% do faturamento bruto da empresa, oriundo dasoperações com produtos nacionais ou importados comercializadosna Bahia. Funcionários da Secretaria da Fazenda comentavam queeste pacote de incentivos veio, posteriormente, a repercutir negati-vamente nos recursos estaduais destinados aos municípios, com-prometendo programas em execução. Nodari (2009) afirma que, aoassegurar financiamento aos produtos importados comercializadosna Bahia, encheu-se “o pátio da empresa, estrategicamente escon-dido aos acessos normais da fábrica, de automóveis Ford Focus ecamionetes Ranger vindos da Argentina, antes desembarcados emSão Paulo”, o que, evidentemente, não constituía o objetivo do pro-jeto. O Estado, dentro do amplo conjunto de infraestrutura ofertadoà fábrica, conforme já foi visto, construiu um porto para o escoa-mento da produção da fábrica. Comentando o fato, no CongressoNacional, o deputado Emiliano José (2009) afirmava:

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Este enorme empreendimento foi construído pelo Estado da Bahiapara que a empresa Ford pudesse exportar os veículos produzidosna sua fábrica de Camaçari, e teve o valor de suas obras inicialmen-te estimado pelo governo em R$ 24 milhões, conforme a GazetaMercantil de vinte dois de dezembro de 2001. O grupo TPC confir-mou que a empresa TPC Operador Logístico Ltda. atua como pro-vedor logístico da Ford Motor Company Brasil Ltda. e das empre-sas integrantes do PAG – Premier Automotive Group, e movimen-ta cerca de 25 mil unidades por mês.

O governo estadual alardeava na mídia que este projeto gera-ria 10 mil empregos diretos e 50 mil indiretos. A primeira afirma-ção era verdadeira, comprovou-se anos depois, porém a segundanão passava de um delírio promocional. Estavam criando um multi-plicador de empregos igual a 5 sem qualquer base científica. O Es-tado da Bahia não possuía uma matriz de insumo-produto ou derelações interindustriais que possibilitasse a determinação domultiplicador de empregos. Tratava-se, pois, de um tremendo “chu-te”, sacado de forma inconsequente. O Plandeb, em 1958, mais mo-desto, trabalhava com um multiplicador de empregos igual a 1,5.

Na opinião de Tauille (2009) em artigo no jornal Zero Hora dePorto Alegre, (“Projeto da Ford é obscuro”, em 9/5/99) referindo-se ao caso gaúcho:

[...] pensar que o projeto de instalação de uma fábrica da Ford emGuaíba, que prevê a geração de 1500 empregos diretos possa gerar100.000 empregos indiretos, como disse na entrevista, é um delírio.Mesmo se esta estimativa fosse de 60.000 empregos ainda conside-ro um exagero. A partir daí ainda caberia perguntar – aliás o queconsidero mais importante para o RS – quantos e quais empregosna cadeia produtiva desta fábrica seriam gerados no Estado, forado Estado mas ainda no Brasil e, finalmente, fora do País. A respos-ta precisa a estas indagações só pode ser dada conhecendo-se a es-tratégia de produção da montadora. Qual será o grau desubcontratação utilizado? Utilizará ela uma estratégia de globalsourcing, trazendo componentes de qualquer parte do mundo, ondesuas condições de fabricação forem mais convenientes? Ou será queutilizará o just-in-time, que implica a necessidade de ter os fornece-dores de primeira linha instalados junto à montadora? Ou qual com-binação das duas estratégias utilizará? O estudo de Najberg e Vieira,publicado na revista PPE do IPEA de abril de 1997, utilizando amatriz insumo/produto brasileira confirmou que, em relação aoestímulo para o conjunto das indústrias, o setor automóveis/cami-nhões/ônibus foi classificado com alto poder de expansão da pro-dução agregada. Não obstante, em relação à geração de empregos,constatou que tal setor gera uma baixa demanda por empregos (fi-cou em 36° entre 41 setores analisados).Tentemos precisar mais concretamente esta avaliação para o casoem tela. Segundo dados da ANFAVEA e do SINDIPEÇAS ao longo

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da década de 80 a proporção entre os empregos gerados pelo con-junto de montadoras e o setor de autopeças no Brasil girava emtorno de 1:3. Na década de 90 esta proporção caiu bastante chegan-do, em fins de 1998, a 1:1,7. Para fins de nosso cálculo utilizare-mos, com folga, 1:2. Digamos que para cada emprego gerado nosetor de autopeças ainda fossem gerados outros três na produçãode insumos (o que certamente é um exagero, além de ser um efeitomuito diluído pois a respectiva produção – como de aço, por exem-plo – não seria destinada exclusivamente para aquela fábrica e nemmesmo para a indústria automobilística) e mais três empregos forada cadeia produtiva (vale a observação anterior porém com efeitosainda mais diluídos). Isto nos daria um total de 14 empregos indi-retos para cada emprego gerado diretamente pela montadora. Ouseja, estaríamos bastante “generosamente” falando, no caso daFord/Guaíba, de um número total (dentro e fora do Estado) entre21.000 e 25.200 empregos gerados indiretamente (é claro que nãose deve considerar certos encadeamentos “para frente”, tais comode revendedoras e oficinas, pois estes existiriam mesmo que a fa-brica não fosse no RS). Para concluir, note-se que neste caso estamos,em princípio, estritamente de atividades de uma unidade produti-va. Porém uma avaliação qualitativa deve também incluir as ativi-dades de projeto, pesquisa e desenvolvimento, que são as mais va-lorizadas na estrutura do emprego. Qualquer que seja a estratégiade produção adotada, custo a crer que estas atividades de projeto(e demais correlatas) estejam previstas para se concentrar no interi-or da (ou no entorno à) fábrica de Guaíba, quiçá mesmo no Brasil.

Ao século XXI caberá assistir ao desfecho do projeto Ford e deoutros projetos atraídos para a Bahia na segunda metade do séculoXX. Se eles já permitem desenhar-se em partes da cidade do Salva-dor, vitrine do Estado, uma paisagem moderna de riqueza urbana,não apagam, desta mesma paisagem, imensas manchas de misériae pobreza incrustadas em seu território.

4.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A POPULAÇÃO E A POBREZANA BAHIA

De acordo com a SEI no ano 2000 contava a Bahia com umapopulação de 13.070.250 habitantes representando 7,7% da popu-lação do País. Deste total 8.772 348 correspondia à população urba-na e 4.297.902 à rural. Apresentava também neste ano uma taxa deurbanização de 67,12%.

O Estado começa a apresentar uma tendência para o envelheci-mento da sua população. Isto porque a taxa de fecundidade que era de7,2 filhos/mulher em 1970, caiu para 3,3 filhos/mulher em 1991,

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chegando a 2,3 filhos/mulher em 2000. Por outro lado a expectativa devida ao nascer que era de 59,7 anos em 1980, passou para 65,3 anos em1991 e 70 anos em 2000. A taxa de mortalidade infantil que era de 83,1(em mil) declinou para 41,3 (em mil) no ano 2000.

No final do século XX o Estado volta a expulsar população emum volume considerável motivado pelas mesmas causas históricas.

Figura 19 – Pirâmide etária da população da Bahia 2000.Fonte: IBGE. Censo Demografico de 1980.

Figura 20 – Alagados (Salvador – Bahia).Fonte: Kalila Pinto (2009).

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Inclemência climática, colapso de culturas tradicionais como a docacau e a falta de expectativa de emprego no mercado de trabalho.Nas décadas de 1990 e 2000 a Bahia apresentou os maiores saldosmigratórios negativos do Brasil totalizando, respectivamente, – 282477 e – 267 465 habitantes (IBGE, 1991 e 2000). Em 2000, segundo oAtlas de Desenvolvimento Humano no Brasil, a proporção de po-bres203 na população estadual era de 55,3% e a desigualdade mante-ve-se elevada com o Indice Gini igual a 0,67. Quanto à porcenta-gem da renda apropriada pelos extratos da população, os 20% maispobres ficavam apenas com 1,2% da renda gerada no Estado, en-quanto os 20% mais ricos detinham 70,2%. Também neste ano oIndice de Desenvolvimento Humano Municipal da Bahia era de0,688. Em relação aos demais estados da federação o Estado encon-trava-se classificado na 22ª. posição.

Além das circunstâncias sociopolíticas e infraestruturais já referi-das, a forma como se processou a organização administrativa do terri-tório constituiu também um elemento agravante da pobreza na Bahia.

Segundo a SEI (BAHIA, 2001, p.23) em 1889, ano em que foiproclamada a república e publicada a primeira lei orgânica dos mu-nicípios, contava a Bahia com 98 municípios, número este que seelevou para 150 em 1940, até atingir 415 em 1999. O isolamentogeográfico e a rarefação espacial, caracterizada por grandes vaziosno território, configuraram um dos elementos determinantes do nos-so atraso. O processo de ocupação foi marcado por uma acentuadadispersão dos núcleos urbanos, em parte considerável das regiões,o que provocou um baixo grau de integração entre as cidades queexercem efeitos polarizadores sobre as demais.

Vale ressaltar que as cidades baianas que possuem influênciaurbana são de pequena expressão demográfica. No ano 2000, se-gundo dados do IBGE, apenas uma cidade no Estado possuía maisde 500 mil habitantes (Salvador com 2.439.823, ou seja, 29,9% dapopulação estadual). A partir deste número encontravam-se duascidades com faixa populacional entre 200 e 500 mil habitantes res-pondendo por 7,8% da população do estado. Outras sete situavam-se na faixa de 100 a 200 mil, com 11,4% da população estadual. Oque chama a atenção é que 40% das cidades (166) possuíam menosde 5 mil habitantes (6,1% do estado) e outras 125 (30,1% do total

203 Medida pela proporção de pessoas com renda domiciliar per capita inferior à metade dosalário mínimo vigente.

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das cidades) menos que 10 mil habitantes. Entre 1991 e 1996, 101dos 415 municípios baianos perderam população. Isto se deveu aoêxodo de camponeses expulsos do campo pelas secas do período; àtransformação da base agrícola do Estado, com a adoção de proces-sos de mecanização e, no que não deixa de ser uma boa notícia, àredução da taxa de fecundidade aqui já referida.

Comentou-se anteriormente sobre o domínio exercido pelocoronelismo no interior do Estado, fato este que contribuiu parainibir a ação governamental em amplos espaços do território baianoe condenar à miséria uma grande parte da população estadual. Aeste respeito falou com grande propriedade o governador OctávioMangabeira (capítulo 2.5 deste livro).

A despeito da maioria dos governantes relatarem a realizaçãode obras rodoviárias nas suas administrações, Pierre Verger (apudHEROLD, 2004, p.2) informava que, “em 1946, todo transporte eraainda feito por mar, porque praticamente não havia estradas vin-do ou indo ao interior do país. A rodovia Feira de Santana/Salva-dor, não era nada mais do que uma trilha de terra batida usadapelo gado em sua última viagem, para o matadouro municipal doRetiro (construído em 1912) nos arredores da capital”.

Assim, até a década de 1960, as comunicações com a popula-ção interiorana eram bastante precárias. As notícias chegavam atra-vés do rádio que era uma preciosidade possuída por poucos, ope-rando com válvulas e alimentado por baterias de automóvel, poisna maioria das cidades não existia energia elétrica regular, sendoas maiores servidas por motores diesel que funcionavam a partirdo entardecer até as 22:00 horas, quando um toque de recolher com-pulsório colocava todos de volta aos candeeiros “placa”, aos“aladins” ou aos “fifós” e velas, pois o gás butano também aindanão havia chegado. As geladeiras, quando haviam, eram movidasa querosene. E o velho “cine poeira” de um só projetor, só funcio-nava nos finais de semana e nas matinês de domingo à tarde, numaconcessão especial da prefeitura – proprietária do velho motor quesó vivia quebrando. Havia vantagens na escuridão, muitas vanta-gens românticas num tempo sisudo e conservador, e até científicas,pois sem luz o céu ficava mais claro iluminado pelas estrelas e ser-vindo de mapa para as professoras de geografia ensinarem noçõesde astronomia à meninada. E de vez em quando, já naquela época,se via passar lá em cima a luzinha de um satélite que povos maisavançados colocaram para girar.

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Também quem trazia as notícias eram os caixeiros viajantes,os turcos – como eram chamados os mercadores sírio-libaneses sa-ídos das suas terras com passaportes da Turquia; ou os estudantesque tinham o privilégio de cursar os colégios da capital e chega-vam de férias cheios de novidades, lançando as novas modas paraa juventude local.

No final da década de 1960 a energia regular da Chesf distri-buída pela Coelba começa a chegar ao interior e a partir da décadaseguinte a televisão, o rádio de pilha (revolucionária inovação) ecom eles muda radicalmente o quadro bucólico aqui descrito. Che-ga a informação, mesmo aos pequenos municípios, e também oshábitos e costumes das cidades grandes, entre os quais a violênciatrazida muitas vezes por alguns emigrantes retornados frustradosdo Sudeste maravilha onde o que conseguiram obter foi umareciclagem na criminalidade.

Algo entorno de vinte cidades interioranas progrediram bas-tante a partir da década de 1970, sediando importantes equipamen-tos urbanos e polarizando municípios menores. A agropecuária e amineração propiciaram surtos de progresso, como a soja, o algodãoe o café no Oeste; a pecuária e a mineração no Sudoeste; a fruticulturano Nordeste; o petróleo no Recôncavo e de posterior decadênciacom o esgotamento dos poços da Petrobrás e a crise da economiacacaueira em todo o litoral Sul, responsável por cidades importan-tes como Ilhéus e Itabuna. O turismo, novo veio de riquezas proje-tou diversas regiões e municípios baianos desde a capital à ChapadaDiamantina, o vale do São Francisco e todo o litoral Norte e Sul.

Mas como a mão que abençoa é a mesma que castiga, o cresci-mento econômico destas cidades foi regido pelo modo de produ-ção capitalista, voltado para exportações e concentrador de rique-zas. Os velhos coronéis cederam lugar às grandes empresas, mui-tas com sedes em outras regiões, e o imperativo da obtenção deeconomias de escala, indispensável para a competitividademercadológica, levou a automação e ao consequente desemprego edeslocamento espacial de massas de camponeses desalojadas dosistema tradicional, que emigraram ou se aglomeraram formandocinturões de miséria no entorno das cidades prósperas.

Acresce a esta situação o fato de que, segundo a Eletrobrás, oíndice de eletrificação rural na Bahia era de 28% no final do séculoXX. A Coelba energizou, em 23 anos, de 1977 a 2000, pouco mais de70 mil consumidores rurais havendo um passivo de 600 mil

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domicílios sem energia elétrica. E os bancos que fizeram muita gentetirar o dinheiro de dentro do colchão, nas décadas de 1950/1960,segundo dados do Banco Central, voltaram a fugir do interior, deum total de 330 em 1992 passaram a 285 no ano 2000.

Por tudo isto, os efeitos de polarização, quando ocorrem, estãoconcentrados na prestação de serviços pela cidade-sede, não sendosignificativo o intercâmbio econômico. É importante destacar que,segundo a SEI, em 1997, a população de 100 dos 415 municípiosbaianos se encontrava na faixa da indigência. Isto representa umasobrecarga social para as cidades-pólo que vêem inchar suas peri-ferias e entrar em colapso os seus serviços básicos. Por outro ângu-lo, estas cidades pólo não conseguem desenvolver fluxos significa-tivos de comércio inter-regional, por estarem separadas por distân-cias consideráveis que podem, em determinados casos, superar abarreira dos mil quilômetros, além de serem penalizadas por umapéssima infra-estrutura de transporte.

A Bahia é até hoje caracterizada como região de emigração.Dados do IBGE demonstram que, a despeito dos investimentos naeconomia regional, as taxas de emigração do Estado foram crescen-tes ao longo das últimas três décadas, passando de 7,59% no perío-do de 1970/1980, para 8,26% em 1981/1991, chegando a 11,17% em1991/1996. Estas taxas são as maiores do país, sendo superadasapenas pelo estado de São Paulo, em todo o período, e por MinasGerais e Paraná nas décadas de 1970/1980 e 1981/1991.

Vendo a questão pelo ângulo financeiro, o fato de todos osmunicípios baianos (como de resto os brasileiros) dependerem doapoio federal e estadual para sobreviver, pois a participação dosrecursos próprios no orçamento municipal não supera 5% do mon-tante da receita arrecadada, na maioria dos casos, inviabiliza qual-quer projeto de desenvolvimento, pois esta dependência torna pas-siva a sociedade local que não adquire as condições mínimas paraorganizar-se e para gerir o seu destino.

Historicamente, fundou-se na organização político-administra-tiva do Brasil uma relação de subordinação dos municípios ao go-verno central, o que acaba por determinar as condições e a intensi-dade em que se desenvolverá uma cidade e o seu território. En-quanto não houver uma reforma tributária e uma descentralizaçãode recursos que revertam este quadro de dependência, as cidadesviverão à mercê da capacidade de lobby das suas lideranças políti-cas e dos desígnios da tecnocracia federal e estadual.

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Por tudo isso, os sistemas locais simplesmente não se formame as cidades ficam sujeitas a decisões políticas sobre as quais muitasvezes não possuem controle ou condições de influenciar. O maispernicioso deste sistema de dependência financeira é que as autori-dades municipais, em parceria com suas respectivas comunidades,perdem as condições objetivas de operação e da condução efetivade programas e projetos de interesse genuinamente local, frustran-do-se o surgimento de autênticas lideranças comunitárias que pos-sam habilitar-se para atuar como elementos catalisadores de umprocesso de desenvolvimento endógeno. Além disso, há que desta-car ainda que, por esta razão, este sistema sociopolítico induz àprática da corrupção e ao aparecimento de “lideranças” oportunis-tas, pouco comprometidas com o destino da cidade e do município.

Tem-se identificado em recentes pesquisas de campo(SPINOLA, 2000) um outro fenômeno que certamente contribuirápara a limitação das expectativas de formação em médio prazo dasalmejadas “capitais do interior”, com dinamismo suficiente quepossibilite a redução da pressão demográfica sobre Salvador. Tra-ta-se da perda de capital humano qualificado, capaz de liderar pro-cessos de transformação social em seus núcleos urbanos.

Em muitas cidades, notadamente as de pequeno porte (quesão a maioria no Estado) as “elites” locais (fazendeiros, comerciantes,etc.), completado um determinado estágio de acumulação de capi-tal, migram para Salvador, para outras cidades maiores ou capitais,deixando em seu lugar os seus agregados que, além de não possu-írem renda para investir, também não possuem iniciativa, poucocontribuindo para o processo de desenvolvimento local. Em outroscasos, talvez mais frequentes, migram os jovens que vão “estudarna capital” e não retornam, visto que suas cidades de origem nãolhes oferecem o padrão de conforto urbano a que se acostumaramem centros maiores, para não falar em renda, ocupação e status.Nessas condições, os espaços urbanos são ocupados pela populaçãoque se transfere da área rural, com uma capacidade socioeconô-mica reduzida, dado o padrão de educação e de renda limitado.Em um balanço de transações de valores culturais, as cidadesexportam capital humano qualificado e importam capital humanode baixa qualificação, o qual funciona como uma pesada sobrecargaem relação à infra-estrutura urbana e social existente e não encontraas condições necessárias para a promoção do seu desenvolvimentohumano. A cidade perde assim a capacidade de modernizar-se, de

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inovar e de empreender novas atividades que ampliem e dinami-zem o seu sistema local produtivo.

Estas circunstâncias tornam muito difícil a solução do proble-ma da pobreza e cada vez mais transformam em utopia o projetode desenvolvimento regional.

Como visto, a luta pela superação da pobreza e pela constru-ção de um estado do bem-estar social esteve presente no discursooficial dos sucessivos governos que administraram o país,notadamente a Bahia, ao longo do século XX. Esta luta se materiali-zou, durante muito tempo, através de ações filantrópicas eassistenciais, que se concentravam mais em trabalhar os efeitos doque atingir as causas da miséria. Com este método, conseguiu-seapenas construir, em sólidas bases, uma cultura de assistencialismoe de clientelismo que sustentou parcela considerável da elite políti-ca regional, abastecida de votos nos “currais eleitorais”, alimenta-dos pelos “favores” prestados nas áreas da saúde, educação e em-prego principalmente, quando não em periódicos apoios materiaise pecuniários que fomentaram um próspero comércio deintermediação, compra e venda de votos. Neste período, floresceuno semi-árido brasileiro a “indústria da seca”, com as famosas fren-tes de trabalho (quase sempre abrindo estradas toscas que ligavamalgum lugar a nenhum lugar), a distribuição de água em “cami-nhões-pipa” (aos correligionários, no estilo: “quem não vota emmim, não bebe água...”), as construções de açudes (que sesalinizavam posteriormente) e, por fim, a distribuição de “cestasbásicas” às hordas famintas que ameaçavam saquear as cidades.

Em verdade, não houve vontade política de resolver o proble-ma sazonal da seca, a despeito de bem conhecido e de haver pro-postas de soluções técnicas exeqüíveis e em abundância. Uma solu-ção definitiva do problema nunca passou pela cabeça de uma par-cela significativa da classe política baiana e nordestina com baseseleitorais na zona rural, pois isto seria como matar a “galinha dosovos de ouro”. Muitas oligarquias, imensas fortunas que se forma-ram na gatunagem das verbas federais para o combate à seca, seri-am extintas caso houvesse uma mudança da metodologiaassistencialista.

Por fim, sobre a pobreza na Bahia, vale transcrever o que afir-mam Osório & Medeiros (2003, p.249), em estudo para a SEI:

Em termos de pobreza e concentração de renda, portanto, a socie-dade baiana não tem razões para se orgulhar das duas últimas

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décadas do século XX.Uma análise integrada dos indicadores apre-sentados permite concluir que, em 1981, apenas um estado nordes-tino (Pernambuco) possuía uma situação comparativamente melhorque a da Bahia Porém, ao longo do período, outros estados tiverammaior sucesso no combate à pobreza, ainda que acompanhado poruma intensificação da concentração de renda. Essa diferença de de-sempenho fez com que a Bahia terminasse a década de1990 comoum dos estados mais pobres do país. A isto soma-se o agravante deque enquanto os outros estados, com situação ainda pior que abaiana, têm apresentado franca evolução de seus indicadores (excetoo Gini), na Bahia a situação parece estática. Mantendo-se tal ten-dência, a Bahia pode-se transformar, a médio prazo, no estado maispobre do Brasil. Embora a renda per capita tenha aumentado ligei-ramente, a piora na distribuição de renda fez com que o nível depobreza permanecesse estável. O crescimento da renda, acompa-nhado do aumento da desigualdade, observado na Bahia, faz partede uma tendência nacional. Porém, na maior parte dos estados doNordeste o crescimento com aumento da desigualdade,se deu detal modo que, mesmo assim, foi benéfico para as pessoas mais po-bres. Ao longo das duas décadas analisadas, tanto a proporção depobres quanto a intensidade da pobreza se reduziram na maior partedos estados do Nordeste. A Bahia, no entanto, foge do padrão nor-destino à medida que mantém, no final da década de 1990, a mes-ma proporção de pobres de 20 anos antes, porém apresentando umapobreza mais intensa. No período analisado a Bahia apresentou umdesempenho inferior ao dos demais estados nordestinos. O cresci-mento de sua renda per capita foi um dos menores observados,razão pela qual a Bahia, que possuía a segunda maior renda percapita do Nordeste, a nona pior do Brasil, caiu para a colocação dequinta pior renda per capita do país. Exceto por um crescimentosignificativo à época do Plano Cruzado, o nível de renda da Bahiapermaneceu praticamente estável entre 1981 e 1999. Vale notar queo pequeno crescimento observado no estado beneficiou apenas osmais ricos. A renda média dos mais pobres caiu ao longo dos anos.(Grifos nossos).

Ao longo dessas páginas, relataram-se as atividades, progra-mas e projetos desenvolvidos pelos diversos governos da Bahia osquais, de modo geral, tendo em vista o quadro aqui relatado, nãoconseguiram promover o desenvolvimento econômico do Estado.

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TÍTULO VA ECONOMIA BAIANA NO FINAL DO SÉCULOXX: CONSIDERAÇÕES MACROECONÔMICAS204

Os dois principais defeitos do mundo econômico em que vivemossão a sua incapacidade para garantir o pleno-emprego e a sua arbi-trária e desigual distribuição da riqueza e dos rendimentos.(KEYNES, 1964, p.351)

5.1 PANORAMA GERAL DA ECONOMIA

A compreensão do processo de crescimento econômico daBahia, na segunda metade do século XX, requer algumas referênciasao cenário nacional. Tomando-se como ponto de partida os anos1970205, serão examinadas as três décadas finais do século, marcadaspor profundas transformações na economia brasileira cujo padrãode desempenho modificou, de modo sensível, as perspectivas deexpansão da economia baiana, abortando os efeitos decorrentes dosganhos obtidos no decênio anterior.

Enquanto, na década de 1970, o PIB cresceu a uma taxa médiade 8,53% a./a., atingindo um pico de 14% em 1973, nos decênios de1980 e 1990, este crescimento situou-se na média de 2,9% e 1,7% a./a., respectivamente, registrando-se uma estagnação do PIB per capitaentre 1980 e 1993. Os vinte anos que se sucederam, a partir de 1980,foram perdidos pela economia brasileira.206

Em 1980, a inflação, pela primeira vez, rompe a casa dos trêsdígitos, chegando a 110,2%, índice este que atinge seu ponto máxi-mo em 1993 com 2.708,6%.207 Nas décadas de 1980 e 1990, a inflaçãoanual situou-se na média aritmética de 428 e 695% a./a. respectiva-

204 Algumas análises desse título constituem uma atualização e complementação do traba-lho elaborado pelo autor, em 1983, em parceria com Fernando Cardoso Pedrão e JoséRaimundo de Abreu Zacarias, intitulado A indústria no Estado da Bahia: uma propostade política industrial, editado pela Secretaria da Indústria e Comércio do Estado da Bahia.

205 Considerado como o período do “milagre econômico” pelas elevadas taxas de cresci-mento do PIB, o que vem a ser abortado posteriormente, gerando duas décadas perdidas(1980/1990) a partir da primeira crise do petróleo.

206 Ver Tabela 22 no Título III.207 Ver Tabela 23 no Título III.

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mente208. A indústria, carro-chefe da economia desde o tempo deJuscelino Kubitschek viu a sua participação no PIB decrescer, em1980, de 33,7% para 29,1% em 1993 (GIAMBIAGI, 1999). A partir de1980, o país experimentou fortes efeitos restritivos, decorrentes doprocesso hiperinflacionário, dos sucessivos congelamentos de pre-ços, do fechamento da economia e da moratória da dívida exter-na209, o que o provocou sérias restrições do mercado financeiro in-ternacional até a segunda metade dos anos 1990.

A situação política do país, após a nova “redemocratização”iniciada em 1985 e concluída em 1988 com a promulgação da proli-xa “Constituição cidadã”, foi simplesmente caótica. A morte docandidato eleito, Tancredo Neves, e a posse do seu vice-presidente,José Sarney, nunca foram assimiladas pelo Movimento DemocráticoBrasileiro (MDB), partido que liderara a campanha pelas eleiçõesdiretas em 1984 e a cujos quadros pertencia de fato e de direito opresidente falecido.210 Neste período, de crise econômica, comhiperinflação, adoção de políticas heterodoxas de congelamento depreços, moratória da dívida externa e a realização da AssembléiaNacional Constituinte, só se fez política no país. O mérito de JoséSarney constituiu-se na estóica paciência com que suportou todasas pressões, administrando, sem maiores traumas, uma transiçãoturbulenta, provocada pelos ciúmes e interferências do MDB e peloaflorar de imensas expectativas represadas durante 21 anos de di-tadura militar e que, em grande parte, foram canalizadas para ostextos da nova Constituição. Sarney transmitiu mansa e pacifica-mente o cargo ao seu sucessor Fernando Collor de Mello um perso-nagem alucinado que protagonizou a maior crise política do país,sendo alvo de um impeachment em 1992.

Apenas em 1993, com o governo de Itamar Franco, responsá-vel pelo Plano real de estabilização econômica, que efetivamentedebelou o processo inflacionário, ingressou o país numa nova con-juntura propícia à retomada do processo de crescimento econômi-co, se bem que em taxas moderadas.

A década de 1990 também assistiu ao fim do processo nacio-nal-desenvolvimentista, que vigorava desde o governo Vargas, eao predomínio do ideário neoliberal balizado pelas diretrizes do

208 Idem.209 Lei n. 5.771 de 20 de janeiro de 1987.210 José Sarney era da ARENA e no final do movimento militar migrou para o MDB.

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Banco Mundial a partir do chamado Consenso de Washington. Istoimplicou na redução do tamanho do Estado, na abertura da econo-mia e numa série de reformas estruturais e privatizações de empre-sas públicas, algumas delas estratégicas, lucrativas e essenciais parao país como a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD).

O aumento de complexidade das relações interindustriais daeconomia nacional acentuou-se na década de 1970, a partir de quan-do se registrou a reversão de posições relativas entre as indústriastradicionais e as dinâmicas211. Naquele momento, ao comparar-se os

211 Repetindo o que se disse na seção 2.6.4 trabalha-se com a classificação das empresas emgêneros “dinâmicos e tradicionais”. Como se sabe, estes conceitos têm a ver com o graude modernidade tecnológica da indústria e, inclusive, com a sua capacidade de reprodu-zir e disseminar novas formas de tecnologia que racionalizem processos, aumentem a

Tabela 40 - Brasil: indicadores macroeconômicos 1990-1998

Fonte: IBGE, Banco Central e Ipea (apud GIAMBIAGI, 1999, p.39).Notas: (1) A preços de 1980.(2) A preços correntes.(3) Base: 1990=100.(4) Equivale a superávit.(5) Taxa real Selic bruta de janeiro a dezembro (deflator: IGP-DI centrado)(6) Estoque em dezembro.

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anos de 1959 e 1970 assiste-se pela primeira vez na história econô-mica do país ao segmento industrial dinâmico da economia, res-pondendo por 54% do valor bruto da produção, e superando o seg-mento da indústria tradicional que declinou para uma participaçãode 45%. (Ver Tabelas 50 a 54).

produtividade e inovem. Este seria o caso do gênero dinâmico, em contraposição às in-dústrias tradicionais, estagnadas frente ao aporte de tecnologia e, até mesmo, refratáriasà modernização.Esta classificação é criticada por diversos autores, pelo menos quanto àsua abrangência, tendo em vista a revolução tecnológica mundial que vem sendo incor-porada praticamente por todos os segmentos da indústria, notadamente a partir dosanos 90. Entretanto, conforme se demonstrou no correr do texto, observa-se que a classi-ficação é pertinente para a indústria baiana examinada no período de 1950 a 2000.

Figura 21 – Gráfico das taxas de investimento (% do PIB a preçosde 1980) – 1980/1994Fonte: Ipea

Estes movimentos sugerem modificações no perfil das relaçõesda economia brasileira com o exterior, com um coeficiente de im-portações mais elevado e menos flexível, portanto com um aumen-to significativo na sensibilidade da economia nacional a movimen-tos cíclicos de escala internacional.

Tais modificações se refletiram na organização interna da econo-mia brasileira, com inegável relevância para a economia baiana, entãoem rápida transformação e aumento de complexidade. Igualmente, asdiferenças no ritmo dos investimentos nos setores da economia indi-cariam correspondentes diferenças intersetoriais de velocidade de cir-culação do dinheiro, com seu correspondente no plano regional.

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E de se destacar que, a partir da década de 1980, a taxa deinvestimentos passa a cair. Naquele ano, a preços constantes212, erade 23,6% do PIB, chegando a 14,0% em 1992 (Tabela 40 e Figura 21).Para Pinheiro, Giambiagi e Gostkorzewicz (1990), essa queda refle-tiu tanto a menor poupança agregada, particularmente as poupan-ças pública e externa, como também o preço relativo dos bens deinvestimento, resultantes da instabilidade econômica e do fracassodas políticas públicas adotadas para combatê-la. Registra-se assima estagnação no crescimento da indústria e, pior que isto, o seuatraso tecnológico em termos de comparação internacional.

No plano exterior, o funcionamento da economia nacional estevecondicionado pela pressão combinada da elevação da taxa de juros edos preços dos combustíveis. O segundo destes fatores é atribuível aum esforço dos países produtores de petróleo e o primeiro, à atividadedos países industrializados para desenvolver as aludidas diferençasde preços, canalizando recursos para investimentos convergentes parao crescimento de suas próprias economias.

Esta conjunção de pressões externas teve o duplo efeito de en-carecer o financiamento internacional para países semi-industriali-zados e importadores de petróleo, como o Brasil, tornando-se maispesado o custo social dos investimentos a longo prazo e mais difícilo reajuste da capacidade de produção a variações a curto prazo nomercado financeiro. A desvalorização cambial decorrente teve im-pacto negativo no perfil intersetorial do crescimento da economia,pela elevação do custo das divisas necessárias para atender à contade importações, dado o aumento dos dispêndios com a conta depetróleo, além dos custos sociais crescentes do esforço para aumen-tar a produção de energia.

Nessa circunstância, a busca de vantagens industriais imedia-tas identificava-se mais com a procura de aumentos de eficiêncianas plantas industriais existentes que com modificações na compo-sição e na localização dessas plantas.

Simultaneamente, e em decorrência do esforço realizado paraconstruir um modelo de crescimento apoiado nas exportações, aeconomia brasileira passou a apresentar um coeficiente de impor-tações mais rígido e elevado. Evidentemente tratava-se de uma ri-gidez concentrada nos setores dinâmicos, de renovação técnica maisrápida, justamente os principais responsáveis pela demanda

212 Preços constantes de 1980.

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interindustrial e, portanto, pelos efeitos de aceleração da economia.Ao mesmo tempo, a expansão territorial da agricultura, combina-da com a elevação do grau de mecanização desse setor, resultouem maior pressão pela importação de combustível, contribuindopara agravar o quadro geral de pressão sobre a balança de comércio.

A rigidez das importações aumentou a prioridade das expor-tações pela necessidade de ampliação dos superávits na balançacomercial. Tal prioridade constituiu uma forma indireta de apoiaros níveis de ocupação nos subsetores de instalação mais recente naeconomia, como as indústrias de ponta – por exemplo, a química epetroquímica –, e as diversas modalidades da moderna agricultu-ra. Tudo isto levaria a complexas pressões para um reordenamentoda estrutura da economia, que lhe permitisse conviver com as trans-formações da economia mundial, significativamente representadaspela elevação dos preços dos combustíveis.

Era de se esperar que os custos sociais desse reajuste se distri-buíssem por um prazo mais prolongado, o que não aconteceu por-que afetava drasticamente o curto prazo, quando ocorriam as esco-lhas de máquinas, equipamentos e instalações, destinação de terraspara cultivo, etc. Assim sendo, o desempenho da economia brasi-leira entre 1970 e 1980 e a elevação da taxa de crescimento do pro-duto nesse período correspondem a determinados perfis de com-portamento dos diferentes setores da atividade econômica.

A década de 1970 pode ser dividida em dois períodos que sepa-ram os quatro primeiros anos dos seis seguintes: o primeiro, com umcrescimento anual médio do produto de 11,5% a./a., e o segundo, comuma média de apenas 6,5% a./a. Nestes dois períodos, segundo osdados do IBGE disponíveis para a época, também se registram com-portamentos diferenciados naqueles indicadores de compras de bensde uso durável atraídos pelo consumo, como os veículos automotorese no consumo de certos tipos de serviços pouco sujeitos às reduções,como as compras de material de construção e de energia elétrica.

No grupo dos elementos que sublinham os aspectos negativosdas variações da taxa de crescimento, encontra-se o efeito depressivoda inflação sobre os programas plurianuais de investimento que, amédio prazo, se traduz numa deformação da formação de capital,com prejuízo da expansão da capacidade de produção e da própriataxa de crescimento. As dificuldades de financiamento externo fi-cariam, finalmente, representadas no aumento do endividamentoe da sensibilidade da economia aos produtos importados.

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Tabela 41 - Brasil: participação relativa das classes e gêneros da indús-tria de transformação no Valor Bruto da Produção (1959/1995) (em %)

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa industrial anual.

Tabela 42 - Brasil: participação relativa das classes e gêneros da indús-tria de transformação no Valor Bruto da Produção (1996-1999) (1) (em %)

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa industrial anual – em-presa: 1996-1999Nota: (1) A partir de 1996, o IBGE alterou a nomenclatura. Esta tabela continua as informa-ções da anterior.

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Mesmo assim, cabe observar que estes movimentos do produ-to bruto real sugerem mais uma mudança no modelo de crescimentoda economia que uma circunstância eventual, produto de uma con-tração cíclica a curto prazo. De fato, esta persistência das taxas quecaracterizam os sete anos de 1974 a 1980 abrange um período sufi-cientemente longo para incorporar a retroalimentação dos efeitosdas modificações na pauta dos investimentos, provocados pelaspróprias modificações do quadro internacional. Equivale a dizerque a continuidade dos novos patamares de taxas de crescimentoanual é coincidente com o deslocamento dos componentes que de-ram lugar à taxa de crescimento, ou ainda, a taxa de crescimentoresultou de novos integrantes da demanda interna. Este fenômenoé concomitante com uma modificação nas relações com o exterior,

Tabela 43 - Brasil: Valor da Transformação Industrial (1959-2000)(em %)

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censos industriais de 1960, 1970,1975, 1980. Pesquisa industrial 1992, 1994, 1996, 1998, 2000.

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em que aumenta a importância da composição do produto impor-tado, em forma paralela a sua maior rigidez. Noutras palavras, ain-da, ao amadurecer o processo de industrialização no Brasil e aoaumentar a produção de bens de alta tecnologia no conjunto im-portado, o estímulo ao crescimento tem que captar, de modo maissistemático, as possibilidades oferecidas pela demanda de bens detecnologia mais simples.

Isto posto, vale reexaminar as relações intersetoriais da indús-tria de transformação, registrando a função que desempenham aindústria da construção civil e o governo, pela capacidade de cadaum destes setores, de alimentar a demanda interna. Justamente, aTabela 44 registra um crescimento dos transportes superior ao daindústria e a Tabela 45 registra um aumento da participação da cons-trução civil no setor industrial na década de 1970.

Sinteticamente, reúnem-se aqui alguns elementos de juízo quepermitem julgar a consistência da expansão industrial com os mo-vimentos globais da economia nacional desse período

As taxas de incremento anual do produto industrial bruto fo-ram superiores às do produto bruto da agricultura e, como se ob-serva na Tabela 44, o crescimento do produto industrial ocupouuma posição-chave na determinação da taxa de crescimento do pro-duto interno bruto. Certamente, são números que encobrem fortesvariações no componente de consumo intermediário nesses doissetores, que limitam as possibilidades do seu uso, dada a presençade margens variáveis de capacidade ociosa na indústria, que com-prometem a produtividade média desse setor e que, portanto, re-duzem a significação das diferenças de crescimento do produto in-dustrial sobre o agrícola.

As informações disponíveis indicam que, no decênio de 1970 a1980, uma grande parte da capacidade de investir do governo foicanalizada para o capital social básico, atraída pelos objetivos glo-bais dos setores de infraestrutura (transportes e energia), entrela-çados com os de reordenamento da economia rural. Este últimocomponente compreende uma notável expansão da fronteira agrí-cola e não menos importantes substituições nos usos de terras jáabertas ao cultivo.

Assim, mesmo considerando que uma parte importante dessaexpansão da economia rural se direciona para produtos de ciclo cur-to, é inevitável considerar que se trata de um movimento cujos efeitosfinais somente poderão ser apreciados em lapsos não inferiores a

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Tabela 44 - Brasil: índices do produto real (1970-2000)

Fonte: Ipea/Data - IBGE.

Tabela 45 - Brasil: composição da renda interna da indústria porclasses - 1970/1980 (em %)

Fonte: FGV. Conjuntura econômica – Ipea/Data - IBGE.

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cinco anos – e possivelmente a dez anos –, quando já sejam zonasde cultivo mais ou menos estabilizado.

A mais curto prazo, o impacto dos gastos públicos se exercepor compras de materiais e pagamentos de salários que são, inevi-tavelmente, concentrados em relação com os principais programasde obras públicas. Aí, tem um peso especial a reformulação da po-lítica energética nacional, com uma nova prioridade atribuída a umacombinação de produção e substituição de usos, afetando simulta-neamente a produção de combustíveis de origem vegetal, com suasimplicações para o planejamento agrícola e os sistemas de usos decombustíveis na produção e nos transportes. Estes elementos têmrepercussão fortemente diferenciada nos diversos setores da eco-nomia e, logicamente, têm efeitos também diferentes entre os vári-os gêneros industriais.

Assim, são movimentos de grande impacto nas transforma-ções do perfil da distribuição territorial da industrialização, em ter-mos de escala de regiões ou de centros industriais. Mudam as con-dições em que a expansão industrial é absorvida – como no caso daprodução de álcool, em que há uma inevitável dispersão territorial– e, em outros casos, como no da indústria pesada, da aeronáutica eda automotriz, em que se reforçam os traços de uma crescente con-centração.

No que corresponde especificamente ao setor industrial, hámovimentos que podem ser mais bem interpretados, quando sãoapreciados numa perspectiva de maior prazo, inclusive para pode-rem registrar as mudanças de estrutura que afetam a dinâmica dosetor. Neste caso estão, precisamente, as participações relativas daindústria química, metalúrgica, de material elétrico e de materialde transporte entre os gêneros industriais que acusam um cresci-mento sustentado, e as participações relativas da produção de ali-mentos e da indústria têxtil, entre os gêneros industriais com movi-mentos descendentes persistentes (ver Tabela 46).

No período de 1959 a 1980, estas observações se aplicam compropriedade a dois grupos de indústrias: o das químicas,metalúrgicas, de material elétrico e de transporte e o da produçãode alimentos e têxtil. As componentes do primeiro grupo passa-ram, respectivamente, de 9,0% a 19,1%, de 10,5% a 13,8%, de 4,0% a5,3% e de 6,8% a 7,7%, em termos de valor bruto de produção. Nes-se mesmo período, a produção de alimentos baixou de 24,1 % a13,8% e a indústria têxtil passou de 12,5% a 6,9%.

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A comparação com as cifras do valor da transformação indus-trial (VTI) permite captar alguns aspectos fundamentais da evolu-ção do setor nesse período de 1959 a 1980, com movimentos muitomenos dramáticos dos gêneros mais dinâmicos e com diferençasmuito menores entre os gêneros tradicionais e os dinâmicos. Nestenovo bloco de informações, por definição sensível aos movimentosdos custos dos insumos, a participação dos diferentes gêneros in-dustriais reflete os diferenciais de produtividade entre eles, ou pelomenos diferenciais de custos sociais da produção. Como se inferedas cifras da Tabela 47, a participação da indústria química elevou-se num percentual de 69%, comparado com os 197% da indústriamecânica, observando-se, portanto, que o peso relativo do consu-mo intermediário – refletindo o maior custo social do coeficienteimportado – foi muito maior no caso da indústria química que noda mecânica. Do lado dos movimentos negativos, também se

Tabela 46 – Brasil: participação relativa dos gêneros de indústriasno VBP da indústria de transformação 1959/1980 (em %)

Fonte: IBGE. Censos industriais de 1960, 1970, 1975 e Sinopse preliminar do censo industrial de1980.

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observa que a diminuição da participação das indústrias de alimen-tos e têxtil no valor adicionado foi menos que proporcional à dimi-nuição registrada ao nível do valor bruto da produção.

Os dados indicam diferenças de comportamento entre gêne-ros de indústria que descrevem diferenciais de produtividade comas indústrias de outros países mais desenvolvidos e que, em últimaanálise, regulam as possibilidades de participação da indústria bra-sileira no mercado internacional. Observa-se que justamente os gê-neros industriais que mostraram maior vantagem na comparaçãoentre os movimentos do produto bruto e do valor da transforma-ção industrial são os mesmos gêneros que também tiveram maiorparticipação nas vendas ao exterior. Entretanto, talvez mesmo portrabalhar com uma demanda interna mais rígida e com uma expan-são de mercado mais confiável, a indústria química mostra resulta-dos mais estáveis em 1980, em comparação com os anos anteriores,

Tabela 47 – Brasil: participação relativa dos gêneros de indústriasno VTI da indústria de transformação 1959/1980 (em %)

Fonte: IBGE. Censos industriais de 1960, 1970, 1975 e Sinopse preliminar do censo industrial de1980.

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sugerindo, assim, a presença de programas de investimentos quese mantêm quando se contraem os demais setores.

Em seu conjunto, esses movimentos sugerem uma queda domultiplicador de emprego dos investimentos industriais, paralela-mente à mencionada transferência da dinâmica do setor, dasindústrias tradicionais, de tecnologia completamente incorporada,a indústrias cujo crescimento interdepende de um movimento con-tínuo de absorção de técnica. Exceto por um movimento de inérciado crescimento da produção bruta, estas transformações apontamuma diminuição relativa do efeito emprego direto da indústria, quesomente poderia ser compensado com modificações do perfil regio-nal do crescimento do setor industrial em seu conjunto, à medidaque este perfil regional possa representar mudanças significativasnas relações entre o dinamismo da indústria e o dos setores deinfraestrutura.

Como foi salientado, o desempenho da economia brasileira nasdécadas de 1980 e 1990, medido pelas taxas de crescimento do PIB213

foi pequeno. Tais resultados, ainda, são notavelmente modestos,considerando que houve um período de crescimento mais signifi-cativo até 1974, seguido de uma recuperação do crescimento entre1984 e 1986. Como, nesses vinte anos, houve uma sensível diminui-ção no crescimento demográfico, os resultados do produto social,no conjunto, refletem uma importante concentração social da ren-da. No período, em seu conjunto, a diferença entre o produto brutoe o per capita manteve-se com poucas variações, indicando, ainda,que se trata de um traço essencial do estilo de crescimento registra-do no Brasil.

Ao olhar os resultados da produção no país, nesse período, nocontexto em que ela foi realizada, destacam-se duas vertentes deexplicação, que não podem ser ignoradas, pois convergem para umacompreensão do problema: a situação do desempenho da econo-mia nacional no contexto internacional e seus fundamentos no com-portamento dos agentes econômicos no próprio país.

Nesse sentido, a primeira observação a fazer refere-se às trans-formações da economia mundial no período em causa. Os movi-mentos da economia brasileira, desde o início da década de 1980,estiveram regulados pela concentração mundial do capital finan-ceiro, com seus reflexos locais, e pela aceleração de seus movimentos

213 Ver Tabela 22 no Título III.

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subsequentes às crises energéticas, que coincidiram com a informati-zação do mercado financeiro. O aumento do poder financeiro etecnológico das megaempresas transnacionais coincidiu com umnotável aumento da mobilidade do mercado de títulos, resultandoem aumento sem precedente da participação de investidores extra-empresas. Aumentou a presença dos investidores individuais e,mais que tudo, de investidores institucionais. No Brasil, particular-mente, a principal novidade do mercado financeiro é a participa-ção de fundações, fundos de pensão e institutos de previdência ede seguros, que se tornaram controladores de grande parte do ca-pital acionário de empresas. Nos últimos anos, com as privatizações,as fundações tomaram-se as principais sucessoras do anterior con-trole estatal centralizado.

Daí, naturalmente, surge novas colocações, sobre o significa-do social das privatizações, comparando-se a composição anteriordo capital e as novas composições, em que ganham espaço os inte-resses de aplicadores a longo e médio prazo, como tendem a ser,tipicamente, as fundações e os fundos de pensão. A diversificaçãode aplicações desses fundos, que os leva a apoiar projetos de turis-mo do mesmo modo como apoiam projetos industriais, injeta no-vos critérios de comparabilidade entre investimentos, o que modi-fica o panorama de financiamento das indústrias.

Tais movimentos refletiram-se nos fluxos internacionais decapitais e em reorganização do mercado dos países mais ricos, re-forçando seu atrativo de capitais, inclusive dos capitais formadosnos países subindustrializados e nos mais pobres. A globalizaçãofinanceira leva às migrações de capital na direção das economiasmais ricas, onde se encontram mais opções de valorização de capi-tal imobiliário, tanto como opções de aplicação no comércio. De-senvolveram-se novas relações de dependência com o exterior, ondese destacam as posições de centros como Miami e Los Angeles, comoatrativos do componente de capital mercantil e especulativo urba-no brasileiro.

Os movimentos que culminaram com a reintegração da Euro-pa enfatizaram uma progressiva concentração de vantagens introje-tadas no mercado europeu, se comparamos com aplicações em ou-tros continentes, inclusive com aquelas da América Latina.

Essa tendência ficou clara nos diversos segmentos da indús-tria e da agricultura e até no turismo, que se expandiu mais entrepaíses europeus que para fora da Europa. Mais que tudo, o

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progresso europeu sustentou-se em ganhos estratégicos no modoenergético da produção e do consumo, vendo-se que, ao cabo des-ses dois decênios os países europeus apresentaram balançosenergéticos progressivamente menos dependentes de petróleo ealcançaram os melhores resultados mundiais em termos de redu-ção do conteúdo energéticos da produção. Tais resultados, além derepresentarem melhores condições de proteção do ambiente, signi-ficam redução da dependência de combustíveis fósseis, que foi ob-tida em conjunto com um crescimento fundamental da biotecno-logia.

Indiretamente, essa tendência significou que as transformaçõesda economia brasileira transcorreram num mercado internacionalem que a predominância norte-americana foi menos compensada,tendendo a aumentar a interdependência entre as transformaçõesda agricultura e da indústria brasileiras e seus ajustes com as pers-pectivas dos interesses norte-americanos. Significativamente, ainternacionalização da economia brasileira que ocorreu desde iní-cios da década de 1980, faz-se com um estreitamento dos laços comos Estados Unidos, tanto nas relações de comércio como no fluxode capitais. As tendências de integração macrorregionais de mer-cado realçam essa nova polarização, em que o Brasil caminhou paraa constituição de uma área de defesa econômica, sinalizada peloMercosul.

Nesse contexto, o aumento do peso das grandes corporações,com seus interesses diversificados, tornou necessário substituir atradicional análise econômica setorizada por outro estilo de expli-cação, voltado para estratégias de formação de capital ligadas acontrole de tecnologia e de financiamento. Nesse ambiente de mer-cado, somente um pequeno número de grandes grupos tem sufici-ente controle sobre sua captação de recursos que lhe permita man-ter sua concentração setorial de investimentos. Outros, mesmo cons-tituídos de empresas de grande porte, procuram compensar suafalta de controle tecnológico mediante movimentos de diversifica-ção que, de fato, são estratégias para aproveitar vantagens locaisde controle de mercado.

No entanto, esses movimentos de expansão em mercados lo-cais são externamente regulados pela expansão especializada dosmaiores grupos, que se torna localmente estratégica. Nesse senti-do, destacam-se certas multinacionais, umas, no campo da agroquí-mica, outras, na tecnologia de exploração de petróleo, outras ainda,

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na indústria química. Essas multinacionais realizam a maior parteda pesquisa especializada nesses campos, controlando a renovaçãotecnológica naquele dado campo de investimento, controlando asfaixas de mercado em que podem operar empresas de porte médio.

Isso aconteceu primeiro com a metal-mecânica, petroquímicae oleoquímica e estendeu-se a campos mais complexos, como oaeroespacial e o da informática. A massa de capital concentrado demodo especializado pelos maiores grupos tornou-se uma barreiraà entrada nos mercados locais, levando a uma segmentação de fatodo mercado industrial. Nela, primeiro está a faixa das megaempresasde escala mundial, que combinam grandes vantagens oligopólicascom grande autonomia de financiamento, que praticamente nãodependem da localização de seus estabelecimentos. Num segundonível estão grandes empresas de base nacional e regional, que semantêm próximas da renovação de tecnologia e dependem de gan-hos oligopólicos e de sustentação política e institucional, tal comoacontece com a produção de cimento e a metalurgia de grande por-te. Finalmente, estão empresas que operam com tecnologia domi-nada e com financiamento de mercado aberto, sobrevivendo emespaços limitados de mercado.

Isso significa que os diferentes grupos de empresas concorremde variados modos, de acordo com a mobilidade necessária paramover-se entre esses ambientes de mercado. Objetivamente, signi-fica que as tendências de transformação do sistema produtivo, tan-to na gestão da capacidade disponível como no direcionamento dasaplicações de capital, estão atreladas a condições de mobilidade fi-nanceira, que pré-condiciona o desempenho tecnológico.

Nessas condições, a estratégia de gestão capital das grandes em-presas ficou condicionada pela expansão de setores que tiveram a maisrápida renovação tecnológica da história, como os da informática eaeroespacial, cujos efeitos, entretanto, estenderam-se aos demais seto-res, deslocando os centros internacionais de acumulação de capital paranovos campos em que, também, há novas especialidades. Há, portan-to, um novo tipo de especialização, que é o dado pelo controle dessescampos dinâmicos de expansão do capital.

No conjunto, entrementes, esses crescimentos são inseparáveisdo condicionamento energético, que aparece, simultaneamente, pelolado do controle da oferta e pelo da pressão da demanda. O au-mento do consumo mundial de energia traduz-se na diferenciaçãoentre os países que têm os recursos e a capacidade para usá-los, os

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que têm o capital e a tecnologia para aproveitá-los e os que têmcapitais e tecnologia, mas não são ou se tornam energeticamentedeficitários. As opções de investimento não escapam desse condi-cionamento energético, cujo significado foi corrigido pela conside-ração dos custos ambientais. O argumento ambiental passou a serconsiderado desde a década de 1970, mas, a partir do decênio se-guinte, foi efetivamente incorporado, na medida em que se tornoua base de nova abordagem da restrição energética, representando arelação entre os interesses públicos e os privados.

Os argumentos energético e tecnológico tornaram-se divisoresde águas entre a expansão autônoma e a expansão induzida de ca-pital. Distinguem-se movimentos autônomos e induzidos das di-versas empresas, distribuídos desigualmente entre empresas dediversos tamanhos, mas com indiscutível concentração dos movi-mentos autônomos por parte das megaempresas. Ao mesmo tem-po, verifica-se que algumas delas têm a capacidade de atuar de modoautônomo por contarem com vantagens anômalas. Por exemplo,uma empresa de médio porte que possui uma jazida de mármorede alta qualidade, ou uma empresa que controla um recurso escas-so, portanto, que obtém ganhos monopólicos superiores aos quetecnicamente poderia obter em condições de equivalência em par-ticipação no mercado.

Objetivamente, no mercado mundial, no período que se seguea 1980, houve profundas mudanças de política econômica entre ospaíses mais ricos, que resultaram em maior exposição por partedos europeus frente à proteção praticada pelos Estados Unidos eJapão, levando adiante ao fortalecimento das vantagens regionaiseuropéias, que contrastaram com a ascensão da participação dosasiáticos. Nesse ambiente, a retomada dos esforços integracionistaslatino-americanos, agora dirigidos ao formato do Mercosul, surgiucomo estratégia defensiva, desenvolvendo-se nas margens dadaspelo tecido de relações de cada país com os países mais ricos.

5.2 O PERFIL REGIONAL DA INDÚSTRIA BRASILEIRA

No desempenho da economia nacional, nas últimas décadas doséculo XX, identificam-se mudanças na forma das inter-relações en-tre o perfil do crescimento do produto, o funcionamento do sistemafinanceiro e as relações com o exterior, em que o aperfeiçoamento

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Figura 22 – Participação relativa das regiões no valor da transfor-mação industrial 1959/2000Fonte: IBGE.

do sistema financeiro constitui o eixo de um novo direcionamentodos investimentos, oferecendo novas opções para a colocação daspoupanças privadas.

Este mecanismo revela-se fundamental na determinação dos cus-tos da industrialização para as empresas, obrigando as aplicações in-dustriais a concorrerem no mercado financeiro sobre a base de previ-sões de desempenho global de empresa – econômico e financeiro – emlugar dos tradicionais dados utilizados para obter vantagens de prote-ção. Identificam-se, assim, elementos de decisão de investimentos, que

Tabela 48 – Brasil: participação relativa das regiões no valor datransformação industrial

Fonte: IBGE – Censo Industrial.

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se sobrepõem aos bem conhecidos elementos de custos de transpor-tes, talvez explicando, inclusive, por que a notável elevação dos custossociais dos transportes (frotas de caminhões subutilizadas, viagensdesnecessárias entre centros distantes, etc.) não tenha sido suficientepara modificar a localização de indústrias de bens de consumo de bai-xo valor por unidade de peso.

Esses mecanismos também regulam a organização inter-regi-onal da economia, superando os já bem conhecidos diferenciais decustos de transportes (consequentes aos custos sociais dos bens deuso generalizado e dos bens estratégicos e aos custos diretos emprodutividade dos transbordos e demoras dos transbordos e daarmazenagem) e ao encarecimento dos insumos importados. Naprática, estes últimos itens são transferidos pelas empresas direta-mente aos consumidores ou indiretamente, via empresas decomercialização. Identificam-se, portanto, diferentes mecanismosque realizam a conversão dos efeitos setoriais em efeitos regionais,distinguindo-se ainda, aqueles que, por serem absorvidos pelasestruturas de custos das empresas, são finalmente anulados nosmovimentos globais do setor. É necessário, portanto, distinguir entreos resultados regionais do crescimento industrial conseqüências daindustrialização – e os mecanismos de decisão dos investimentosque dão lugar aos aludidos resultados. Nesta parte deste documento,apresentam-se alguns desses resultados regionais da industrializa-ção, deixando-se de confrontá-los com os movimentos de fecha-mento de empresas, da relocalização, etc., que permitiram penetrarnos mecanismos intra-regionais de localização de indústrias.

Do exame da Tabela 49 observa-se que o Sul foi a única regiãodo Brasil que teve um aumento consistente de sua participação no va-lor da transformação industrial no período de 1970 a 2000. Esta partici-pação elevou-se de 11,9 a 18,3% no final do século. Essas cifras geraisrefletem movimentos positivos dos três estados do Sul, observando-seque o peso relativo do Rio Grande do Sul, que em 1970 correspondia a52% do VTI regional, cai para 45% no ano 2000. O Paraná, no período,passa de uma participação de 25 para 31% enquanto Santa Catarinamantém-se relativamente estagnada, saindo de 23% para 24%. Note-se que a participação do Rio Grande do Sul em 2000 (8,3%) é pratica-mente igual à de todo o Nordeste (8,9%) no mesmo ano.

Esta comparação é igualmente impressionante quando é feita comMinas Gerais, cuja participação no valor da transformação industrialelevou-se de 7% a 9,5% no período examinado. Num desempenho

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bastante superior ao do Rio Grande do Sul, a indústria de Minas Ge-rais superou a de todo o Nordeste, dando mostras de maior articula-ção interna entre os gêneros industriais do que aquela apresentadapela indústria dos oito estados do Nordeste em seu conjunto. Ade-mais, Minas, a partir de 1996, assume o papel de segundo Estado maisindustrializado do Sudeste e do país, desbancando o Rio de Janeiro,

Fonte: IBGE. Censos industriais de 1960, 1970,1975 e Sinopse preliminar do censo industrial de1980.

Tabela 49 – Brasil: participação relativa das regiões e respectivasunidades da federação no valor da transformação industrial 1970/2000 (em %)

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único Estado que mostrou movimentos de igual constância em suaposição industrial, e com sinal negativo, passando dos 19% do VTIregional em 1970 a 14% em 2000, numa regressão que não pode serdissociada de sua perda de status de capital federal. Também São Pau-lo apresenta um quadro de perda de participação, caindo de 56,6% em1970 para 45,3% em 2000.214 Após um século de concentração industri-al, esse Estado inicia um movimento de reversão da polarização e dedesconcentração industrial para várias regiões do país.

São, além disso, movimentos que não podem ser circunscritosà execução de quaisquer projetos em especial, senão que aspectosmais amplos da política industrial, entre outras razões, porcorresponderem à totalidade dos trinta anos em que amadurece aindustrialização do país em seu conjunto.

Outro caso digno de nota, Goiás permanece completamenteinexpressivo, sem mostrar qualquer vantagem da consolidação deBrasília e da demanda industrial que esta nova concentração urba-na possa representar. Indiretamente, todas as indicações são de queo reajuste de localização industrial causado pela transferência dacapital federal tenha favorecido precisamente a Minas Gerais e àque-les estados do Sul antes mencionados.

Nesse período, a posição do Nordeste mostra um relativo cresci-mento entre 1970 e 1992 com participações no VTI de 5,7% e 8,1% res-pectivamente. Mas a baixa de quase 20%, entre 1992 e 1994, expressamovimentos negativos significativos na década de 1990, sentidos portodos os estados nordestinos, notadamente Pernambuco e Bahia. Ade-mais é importante mencionar que a participação da Bahia no valorbruto da produção e no valor da transformação industrial apenas mos-tra algum indício de melhora entre 1970 e 1980: em 1970, a Bahia parti-cipava com 1,5% do valor da transformação e em 1980 com 3,0%. Estaparticipação declina e permanece estagnada em toda a década de 1990somente apresentando recuperação no ano 2000 quando atinge 3,9%.

5.3 A PARTICIPAÇÃO DA BAHIA NA INDUSTRIALIZAÇÃONACIONAL E REGIONAL, PERÍODO DE 1959 A 2000.

Uma crítica que se faz ao processo de análise da participaçãoda Bahia no processo de industrialização brasileiro consiste no fato

214 Ver Tabela 49.

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de que se toma usualmente como referência a sua participação nes-te setor em termos nacionais, considerando os números globais deprodução e pelo registro dos principais fatos que caracterizam asmudanças da indústria localizada no Estado. Este critério pareceser insuficiente pelas limitações dos dados disponíveis sobre a pro-dução industrial baiana e suas inter-relações215 e por ignorar os prin-cipais fatos que ocorrem com a indústria nacional. Ademais, não selevam em consideração os reflexos condicionantes das modifica-ções do sistema financeiro do país e os problemas resultantes doimpacto produzido pela dinâmica da indústria nacional sobre aeconomia baiana.216

Ao isolarem-se importantes fatores decorrentes da reestrutura-ção financeira da economia industrial, esta análise macroeconômicarevela-se insuficiente para identificar os principais problemas daindústria. Estas limitações têm contribuído para distorcer a análiseindustrial ao concentrarem-se apenas nos valores globais da pro-dução dos estabelecimentos industriais – sem considerar as trans-formações ocorridas no âmbito das empresas e, portanto, da com-posição da produção por empresas. Até por falta de informaçõesou de pesquisas direcionadas para este fim, têm sido excluídos daanálise aspectos importantes relacionados ao tamanho e à forma deorganização das empresas, aos problemas de financiamento da pro-dução e da comercialização da produção industrial e de mercado eaos problemas de eficiência de cada fábrica ou unidade de produ-ção equivalente. A ênfase em avaliações que se limitam aos aumen-tos do volume da produção, sem considerar em que medidacorrespondem estes a modificações na pauta da produção industri-al ou simplesmente representam ganhos no número de unidadesproduzidas das mesmas mercadorias, impede que se avaliem osimpactos resultantes na estrutura do emprego, em ampliações dacapacidade instalada e na formação de capital.

Numa conjuntura permeada por variações cíclicas é, pois, ina-ceitável restringir a interpretação dos problemas industriais a fenô-menos de produção. A questão industrial deve ser tomada em

215 Ao contrário de Minas Gerais, por exemplo, a Bahia nunca conseguiu montar uma ma-triz de inter-relação industrial (insumo-produto). As tentativas efetuadas fracassarampela combinação da oposição das indústrias e a falta de apoio político governamental.

216 Apesar da ampla adoção deste método neste livro, por ser o único com dados disponí-veis, busca-se neste capítulo fazer também uma análise seriada deste processo de indus-trialização.

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relação aos diversos indicadores que explicam a trajetória da in-dústria regional no contexto da nacional e permitem fazer previ-sões sobre a capacidade do setor para reagir às ameaças a médio e alongo prazo, tais como aquelas geradas pelas mudanças tecnológi-cas, pelas modificações da estrutura do mercado e transformaçõesdos mecanismos de financiamento, entre outros.

Sabe-se que o progresso industrial é uma função da evoluçãotecnológica, pelo simples fato de que a diversificação da produção,a produtividade e consequentemente a sustentação da capacidadede competição e sobrevivência em um mercado cada vez maisglobalizado dependem da atualização das técnicas utilizadas.

Quando o crescimento industrial ocorre a partir de uma inten-sa renovação do setor, os problemas tecnológicos tornam-se vitais,visto que os aumentos de capacidade e de produção dependem dosinvestimentos em tecnologia. Os aumentos de produção, obtidospela transferência, entre regiões, de fábricas com técnicas ultrapas-sadas, como sói acontecer na Bahia, são vantagens efêmeras, quedesaparecem frente a maiores diferenciais inter-regionais de pro-dutividade. Assim, é fundamental considerar quais tenham sido osprogressos alcançados pela Bahia, no aprofundamento tecnológicode sua expansão industrial.

As questões vinculadas à estrutura operacional das empresase ao financiamento da atividade industrial são igualmente impor-tantes. Nas atuais circunstâncias, torna-se indispensável uma efi-caz integração entre o sistema financeiro e o industrial, que se ex-pande e envolve, aperfeiçoando seus mecanismos de geração e ad-ministração dos recursos. A permanente busca de produtividadeque assegure padrões seguros de competitividade torna tambémestratégica a transformação na estrutura do sistema industrial, coma busca de economia de escopo nas fábricas e a substituição deempresas monoprodutoras por empresas flexíveis que operam con-juntos de diferentes fábricas e linhas de produção.Finalmente, umanotável modificação nos modos de operação das empresas indus-triais, com a integração de suas cadeias de produção, fortalecendoa sua logística operacional mediante efeitos linkage, tanto no setorprimário quanto no terciário, com a proliferação de subsidiárias esucursais distribuídas no território nacional, desenvolvendo áreasde especialização e utilizando-as para captar, com mais eficiência,as diversas possibilidades oferecidas pelo mercado interno e deaproveitamento de recursos naturais para exportar.

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A diversificação das linhas de atividades das empresas – in-dústrias que passam à produção agropecuária, empresas agropecuá-rias que passam à indústria, indústrias que passam à mineração,grupos financeiros que promovem indústrias, a formação de clusters,etc. – passou a ser um novo paradigma do processo de expansão daeconomia brasileira a partir da década de 1970, mediante um notó-rio ponto de inflexão na organização do mercado financeiro. Essesarranjos produtivos constituem um aspecto básico da industriali-zação que não pode ser estudado isoladamente como a transforma-ção apenas de um setor, devendo ser examinado em um contextomais amplo que leve em conta um movimento de transformação daeconomia como um todo. A nova dinâmica do mercado financeirocom a emergência de inúmeras alternativas nos diversos mercadosque o compõem, oferecendo opções diferenciadas de rentabilidadeàs aplicações de capital passa a condicionar a disponibilidade derecursos para investimentos industriais. Assim, a rentabilidade decada indústria ou gênero industrial passa a ser confrontada com arentabilidade das diferentes possibilidades de aplicação de capitaloferecidas pelo mercado financeiro. Neste caso, segundo uma pe-culiaridade do capitalismo financeiro, as aplicações a curto e mé-dio prazo, com retorno mais rápido e rentabilidade maior, passama constituir um elemento contraposto à realização de investimen-tos em implantação de indústrias.

A partir da década de 1970, são essas transformações internasda economia nacional que lhe permitem realizar uma rápida e pro-funda modernização da sua estrutura de produção e comercializaçãoe, por conseguinte, lhe permitem iniciar um movimento de partici-pação significativa no mercado internacional, não só em produtosdemandados no mercado tradicionalmente aberto no Brasil, masinclusive realizando um esforço de ampliação de mercados.

A expansão das relações com o exterior, principalmente a par-tir de 1970, surge como uma resposta da própria necessidade deelevar a taxa de crescimento do produto interno bruto e se concre-tiza numa série de demandas aos diversos setores da produção. Éum esforço de aumento de exportações que continua, em sua maiorparte, como um peso atribuído ao setor primário. Há uma sensívelampliação das exportações industriais que, entretanto, não chegama compensar o aumento da carga em divisas conseqüente ao au-mento do coeficiente de importações, gerado pelas necessidadesdas próprias indústrias.

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Esta maior presença do setor externo na economia traduz-senuma preferência por investimentos e perfis de produção altamen-te competitivos, que permitam concorrer no mercado daqueles pa-íses mais atrativos no esquema geral de financiamento da econo-mia nacional. É uma preferência que opera em detrimento daque-les outros investimentos que somente realizam as operações cabí-veis no mercado nacional e, portanto, é uma preferência que afetaas comparações entre a rentabilidade dos investimentos, reduzin-do o interesse por aplicações a médio prazo – implantação de fábri-cas novas –, para operar com técnicas de produção já estabelecidas,sem ganhos derivados de inovações em máquinas e em desenhosde produtos.

Estes fatos constituem um quadro de referências que passa acondicionar a análise de comportamento e o planejamento de cres-cimento de indústrias em regiões como na Bahia, mostrando emque extensão e de que forma interdependências entre fábricascondicionam as transformações do setor. Se bem que, está claro,em boa parte, que a política industrial do Nordeste em geral e daBahia em particular formulou-se em esquemas de aproveitamentode oportunidades observadas no próprio processo de industriali-zação nacional, com uma percepção orientada a buscar grandes im-pulsos de industrialização (grandes fábricas, complexos industriais,etc.) como também parece não haver dúvida de que agora é neces-sária outra percepção da inserção da Bahia na industrializaçãonacional. Assim, se por um lado faz-se evidente a necessidade deeliminar os aspectos provincianos da análise e do planejamento in-dustrial, também é inegável a necessidade de situar a industrializa-ção da Bahia como uma combinação de elementos de propagaçãoda industrialização das regiões mais industrializadas e de algumasformas de transformação da própria economia regional. Está claroque a industrialização da Bahia não pode ser confundida com seucrescimento econômico e social, mas é um componente necessá-rio e fundamental das transformações da economia que podemlevar a esse desejado crescimento.

Frente a esses elementos de transformação da estrutura das em-presas e de seu perfil de financiamento, cabe registrar que o cresci-mento da indústria brasileira ocorrido, aproximadamente, no períodoa partir de 1946 (uma data assumida como de início do processo decrescimento atribuído à substituição de importações) até o presente,mostra forte tendência a um fenômeno de concentração, com diversas

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características que compreendem a concentração de elevadas propor-ções da produção em pequeno número de grandes empresas, a con-centração do valor da produção e dos investimentos em poucos gêne-ros industriais e a concentração de localizações das fábricas em peque-no número de localidades, quase todas na região Sudeste.

Notadamente, na Bahia, o processo de concentração não foicompensado pela proliferação de indústrias de pequeno e médioporte, orientadas para operar em segmentos do mercado nacionaltornados acessíveis pelo protecionismo associado com a substi-tuição de importações. Pelo contrário, a concentração da indús-tria no Estado apresenta-se como uma consequência previsível daintegração dos processos de produção, comercialização e financi-amento dos grandes complexos industriais – como o automobilís-tico, o mecânico e o químico –, que projetou o crescimento dessessegmentos industriais à frente dos demais, estabelecendo umadiferença sensível entre os subsetores industriais cuja capacida-de de produção cresceu com mais rapidez e aqueles outros cujaprodução cresceu em alguns anos, esporadicamente, ou cuja ex-pansão esteve restringida por flutuações abruptas de mercado.Assim, é necessário diferenciar os aspectos formais da expansãoindustrial dos processos de fortalecimento de alguns subsetores daindústria, atingidos por essa substituição de importações, mesmoque ela tivesse sido feita sem um critério declarado de prioridades.

Neste sentido, as pesquisas sobre os mecanismos de formaçãode capital e redistribuição da renda entre diferentes ramos da in-dústria, assim como as informações macroeconômicas disponíveissimplesmente não permitem entender:

a) como tenha mudado a posição relativa da combinação deindústrias situadas na Bahia, frente à combinação de indús-trias do país em seu conjunto;

b) como a nova combinação de indústrias predominante naeconomia brasileira em seu conjunto se manifesta na escalada economia baiana.

Verifica-se que há uma questão essencial de situar os proble-mas industriais da Bahia como próprios de um processo de ampli-ação e diversificação que opera na composição do setor e ao interi-or de cada grupo de gêneros industriais, em consonância com mo-vimentos de gêneros e grupos de gêneros da indústria nacional, demaneira que não permitem continuar tratando a indústria baianacomo um subconjunto fechado no conjunto nacional.

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O essencial, então, é observar como esses grupos mais dinâmi-cos de gêneros de indústrias se deslocam no contexto nacional,acompanhando os movimentos financeiros da economia.

Neste quadro, aprecia-se a significação econômica e social dastransformações da indústria localizada na Bahia, como a implanta-ção da petroquímica e mais recentemente da automobilística quesão parte destes subsetores fortalecidos pelos movimentos globaisde crescimento da indústria nacional e aqueles outros que repre-sentam uma concentração aleatória de indústrias médias e peque-nas no território estadual.

Com este critério, observa-se, nas tabelas 50 a 54, que os princi-pais movimentos da indústria baiana entre 1959 e 2000 estão concen-trados em gêneros industriais que não poderiam desenvolver-se semo concurso de uma política deliberada de escopo nacional, acompa-nhando indicadores subsetoriais do país em seu conjunto e não porvantagens da aglomeração regional. Esses gêneros, notadamente oquímico, por não encontrarem tais vantagens, gradativamente perde-ram o dinamismo, revertendo, no final do século XX, as expectativasgeradas na década de 1970 (ver Tabela 55). Ainda no ano 2000, nasindústrias do segmento tradicional ressaltam-se as posições relativasda indústria de vestuário, calçados e artigos de tecidos217 e da fabrica-ção de bebidas e produtos alimentares. Esses gêneros industriais detecnologia menos cara no contexto da indústria nacional, podem de-monstrar melhores possibilidades para as regiões menos desenvolvi-das. É uma suposição consistente, a de que esses gêneros tradicionais,na Bahia, respondem por maior geração de renda interna, mostrandomaior eficiência social – ou menores custos sociais – que nos gênerosditos dinâmicos. Outro aspecto deste mesmo fenômeno observa-se noefeito do emprego gerado pela industrialização, em que a sua susten-tação nos gêneros tradicionais diminui em proporção muito menorque a diminuição da sua participação no valor bruto da produção e novalor da transformação industrial.218 Em 2000, último ano da série apre-sentada (Tabela 54), a classe das indústrias tradicionais responde por56,6% do total dos empregos criados. Isto é verdade, particularmente,

217 Objeto de intenso programa de atração e fomento mobilizado pelo governo estadual nofinal do século XX. (O denominado “pólo” calçadista).

218 O constante avanço das tecnologias de automação e de informação associadas ao proces-so de privatização na década de 1990, reduziram, na Bahia, substancialmente, os empre-gos gerados pelas indústrias do segmento dinâmico.

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no caso da indústria de bebidas e produtos alimentares, cujo impactoem emprego e em remunerações pagas é superior ao dos gêneros emascensão no grupo das indústrias dinâmicas. Observe-se que o fato deque as remunerações médias, no grupo da química e da metalurgia,superem as do grupo de alimentos e têxtil não contradiz a observaçãode que estas últimas tenham efeitos mais homogêneos na estruturaçãodo mercado regional.

A implantação do Complexo Petroquímico de Camaçari, daMetalurgia do Cobre e posteriormente do Complexo Automotivoda Ford, parecia oferecer, pela primeira vez, a possibilidade de quena região se introduzissem tanto a montante como a jusante dessescomplexos, novas unidades industriais atraídas por vantagens dedemanda derivada, capazes de germinar novas linhas de ativida-des (principalmente a partir da metal-mecânica, da petroquímica ede outras indústrias de bens de uso intermediário). Esses comple-xos induziriam a fixação de algumas linhas de crescimento de quea economia regional iria beneficiar-se. Contudo, em decorrência decircunstâncias estruturais da própria economia brasileira nas déca-das de 1980 e 1990, ligadas a questões tecnológicas e mercadológicas,este movimento, que também levaria à introdução de novas moda-lidades de articulação, no que se refere a subsetores, entre a econo-mia baiana e as de outras regiões, modificando seu comportamen-to frente às variações cíclicas, não ocorreu.

Nas últimas décadas do século XX, destacou-se um aspectofundamental no comportamento da economia baiana, que consistena sua vulnerabilidade à propagação de movimentos cíclicos daeconomia nacional. Este fenômeno procede de um conjunto de con-dições que vão desde os efeitos genéricos do aumento de participa-ção do setor industrial na formação do produto, até os fatos de que:

a) o crescimento dos setores industriais de ponta não foi acom-panhado pelo correspondente crescimento da transforma-ção de matérias-primas locais;

b) o crescimento das indústrias vinculadas ao circuitohabitacional não acompanhou o crescimento deste segmen-to industrial, de resto bastante superior à média nacional;

c) o grau de concentração da renda pessoal disponível e as con-seqüentes limitações do mercado regional acentuou-se.

Estes desníveis intersetoriais coincidiram, regionalmente, como fato de que, por sua própria especialização, as indústrias detecnologia mais avançada dependem mais do mercado externo para

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sustentar seu nível de operações. Assim, acentuaram-se deficiênci-as dos grupos de indústrias tradicionais que inibiram o aproveita-mento a montante e a jusante dos efeitos da expansão industrial.

Nestas condições, as mudanças de características da estruturaindustrial não necessariamente foram compensadas pelos efeitospositivos das economias de aglomeração das concentrações indus-triais polarizadas. Em Salvador, na Bahia, no Nordeste, como espa-ços econômicos perrouxianos não se perceberam os efeitos de pola-rização descritos por Paelinck, ou seja: a polarização técnica com ageração de crescimentos das indústrias de gêneros afins, ou seja osbackward e forward linkages, a polarização pela renda, mediante apromoção da prosperidade regional e a polarização geográficamediante a formação de um parque de indústrias de transforma-ção. Houve apenas uma polarização psicológica, logo frustrada pelanão ocorrência das anteriores.

Assim, na Bahia, a formação de concentrações territoriais deindústrias – como o Centro Industrial de Aratu e demais distritosindustriais – e a construção de complexos industriais, como o deCamaçari, foram inócuas em termos de promoção do crescimentoregional. Corresponderam a uma lógica equivocada, que consistiano máximo aproveitamento das vantagens de aglomeração parasustentar o crescimento do setor e buscar, na produção de bens in-termediários, integrar-se complementarmente à indústria nacional,visando a aproveitar vantagens econômicas em grau de empresa einclusive em categoria de fábrica, que dificilmente se confirmavamem termos de classe ou de gênero industrial.

Desta forma, definiu-se um quadro de comportamento do se-tor industrial na Bahia, em que as modificações da estrutura indus-trial não podem ser claramente classificadas como pertencentes, ounão, ao processo de substituição de importações ou à dinâmica deexpansão das exportações.

5.4 O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO DA BAHIA NASEGUNDA METADE DO SÉCULO XX

Uma revisão da participação da industrialização da Bahia noquadro nacional assume um caráter mais amplo que busca atenderà crítica formulada início do capítulo anterior. Nela, as diversasetapas se interpenetram no tempo, não constituindo uma sequênciaem que cada etapa supõe a conclusão da anterior.

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Assim sendo, neste capítulo, complementa-se a análise do pro-cesso de industrialização da Bahia na segunda metade do século XX,demonstrando-se o seu caráter cíclico e dependente das condições emque operaram no período, as economias nacional e internacional e osseus efeitos sobre o nível da renda regional.

Ao longo do tempo, um padrão de industrialização da Bahia,cuja origem remonta à segunda metade do século XIX,218 quando sedestacava a indústria têxtil, encerrou-se no final da década de 1960 apartir de quando começam a surtir efeito as medidas de política eco-nômica adotadas após o movimento militar de 1964.

Foi bastante limitada a participação da Bahia no tipo de industri-alização que é geralmente identificado no Brasil como a substituiçãode importações. Uma análise retrospectiva permite observar que, noperíodo marcado pela predominância desse mecanismo de políticaeconômica, que funcionou como elemento motor da industrializaçãobrasileira basicamente de 1946 a 1960, a expansão da indústria na Bahiaem seu conjunto foi um movimento tímido, constituído por algunsprojetos industriais de pequenos e médios portes, com tecnologia equi-valente ou inferior à média da produção nacional em cada caso.

Esta ausência da substituição de importações teria tido efeitosnegativos a médio prazo – portanto, sobre a situação atual –, que me-recem ser examinados.

Conforme já foi destacado, o crescimento industrial da Bahia, atéo final da década de 1960, foi uma simples ampliação da capacidadede produção, baseada na renovação da capacidade instalada de fábri-cas já existentes e na implantação de processos industriais de transfor-mação complementares e empreendimentos agropecuários. É um fe-nômeno que se infere, entre outros elementos, da participação da in-dústria de produtos alimentares no valor bruto da produção do Esta-do que, no período citado, passou de 24,5% em 1959 a 28,4% em 1970(ver tabelas 50 e 51) fazendo com que, em 1959, a classe das indústriastradicionais respondesse por 57,1% do VBP, indicando indiretamentea ausência de outros gêneros de maior dinamismo na composição daprodução do setor. Concretamente, no período em que se moderniza-va o parque industrial do Sudeste / Sul, a expansão industrial na Bahiacontinuou carente de um impulso predominante que permitisse iden-tificar uma ruptura com o esquema de economia regional estagnada,característico da primeira metade do século XX.

218 Ver Título I deste livro.

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Tabela 50 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros daindústria referente ao valor bruto da produção, da transformaçãoindustrial, pessoal ocupado e salários em 1959 (em %)

Fonte: Spinola (2003).Nota: (1) Efeito da Refinaria Landulpho Alves de Almeida (RLAM)

Tabela 51 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros daindústria referente ao valor bruto da produção, da transformaçãoindustrial, pessoal ocupado e salários em 1970 (em %)

Fonte: Spinola (2003).

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A pequena ampliação do parque industrial que ocorre a partirde 1950, não foi suficiente para sustentar a decolagem de um apro-veitamento significativo das matérias-primas regionalmente dispo-níveis e não seria senão com a intensificação do planejamento esta-dual, a partir de 1956, que começariam a aparecer algumas respos-tas significativas no plano dos projetos industriais que captassemrecursos das instituições de fomento já em operação na época. Aprópria timidez do crescimento industrial torna praticamente su-pérfluas as colocações acerca de alternativas industriais ou de prio-ridades, definindo-se o problema industrial regional, principalmenteem termos de incorporação das principais margens de transforma-ção, em linhas de produção agropecuária.

Fonte: Spinola (2003).

Tabela 52 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros daindústria referente ao valor bruto da produção, da transformaçãoindustrial, pessoal ocupado e salários em 1980 (em %)

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Esta marginalização da Bahia no processo de substituição deimportações pode ser atribuída a diversos fatores, próprios das di-ferenças de maturidade da economia agromercantil do Sudeste/Sul, comparada com a do Nordeste, a fatores próprios das desvan-tagens em que se encontrava a economia baiana, para promoveruma expansão de seu próprio mercado regional que fosse suficien-te para absorver os custos dos novos investimentos e, sobretudo, àincompetência das oligarquias baianas (empresarial e política) que,ao longo do século, como foi demonstrado em títulos anterioresdeste livro, somente contribuíram para manter o atraso do Estadoem benefício de seus interesses comerciais de curto prazo.

Não participando desse processo, a Bahia atrasou-se, em rela-ção ao Sudeste / Sul, na formação de uma estrutura industrial ca-

Tabela 53 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros daindústria referente ao valor bruto da produção, da transformaçãoindustrial, pessoal ocupado e salários em 1992 (em %)

Fonte: Spinola (2003).

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paz de absorver as novas exigências que surgiram durante a déca-da, a partir de 1970, em conjunção com o acirramento da concor-rência, induzido pela pressão do balanço de pagamentos.

A partir de então, ampliam-se as já consideráveis diferençasinter-regionais de crescimento. E esse processo geral de substitui-ção de importações caracteriza-se, cada vez mais, como um proces-so regionalmente localizado no Sudeste / Sul. Aumentam as difi-culdades para que apareça um impulso industrial significativo naBahia e, a partir de meados da década de 1950, a economia baianapassa a arcar com os custos da proteção outorgada aos produtoresindustriais nacionais, com o consequente agravamento dos vaza-mentos de sua formação de capital, como o testemunham os docu-mentos oficiais da época mostrados neste livro.

Fonte: IBGE. Pesquisa industrial anual (2000).

Tabela 54 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros daindústria referente ao valor bruto da produção, da transformaçãoindustrial, pessoal ocupado e salários em 2000

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O atraso da Bahia no processo de substituição de importaçõesmanifestar-se-ia na pouca diversificação de seu parque industriale, mais tarde, explicaria as razões da elevada concentração dos pro-gramas industriais. Observa-se, por exemplo, que a participaçãodo setor industrial no produto bruto do Estado passou de 10,5%em 1939, sucessivamente, a 6,8% em 1947, a 13% em 1957, voltandoa 7,6% em 1967, justamente quando se supõe que a substituição deimportações no Brasil já estava em declínio219. Além das razões an-teriormente apresentadas, acredita-se que também contribuírampara esta pouca participação na substituição de importações as con-dições de crescimento do sistema financeiro na região e o processode modernização que se exigia na estrutura das empresas, o quedemorou de ocorrer na Bahia conservadora, presa a práticas mercan-tilistas do século XIX.

O processo de modernização induziu ao aumento de tamanhodos estabelecimentos industriais (modelo fordista de produção) e àintegração do sistema bancário. Assim, seriam aquelas indústriasque tiveram a vantagem da precedência e da participação no finan-ciamento via substituição de importações que poderiam satisfazeros requisitos de crescimento requeridos durante o decênio de 1960e, portanto, que chegariam em melhores condições para ocupar aexpansão do mercado interno nacional. Em contraposição, as in-dústrias das regiões menos desenvolvidas teriam maiores dificul-dades para mover-se com a necessária agressividade e aceder àtecnologia que se absorveu junto com a substituição de importa-ções. Os bem conhecidos exemplos da regressão da indústria têxtilno Maranhão, bem como da estagnação e da regressão da indústriatêxtil baiana de começos de século, seriam convergentes com estasobservações: acrescentam argumentos a favor daquelas análises queinter-relacionam os sucessos no crescimento da indústria com oamadurecimento do sistema financeiro e com a modernização daestrutura da empresa.220

219 Fonte: Estimativas do IBGE e do Departamento de Estatística do Estado da Bahia. Obser-va-se que os dados da Contabilidade Social baiana elaborados pela SEI só existem apartir de 1975. Assim esses números devem ser tomados com reserva, pois não se conhe-ce a metodologia adotada para o seu cálculo.

220 A indústria têxtil baiana (assim como a nordestina) não participou do processo de moderni-zação do setor ocorrido na década de 1950 sob patrocínio do governo federal. Este processofoi determinante na elevação da produtividade e competitividade da indústria têxtil paulistaque passou a colocar seus produtos no Nordeste com preço de venda inferior ao custo dosprodutos aqui produzidos, para não mencionar a qualidade superior destes.

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Figura 23 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros da in-dústria referente ao valor da transformação industrial, pessoal ocu-pado e salários em segmentos selecionados, entre 1970 e 2000 (em %)Fonte: IBGE. Pesquisa industrial anual. Elaborado pelo autor.

Tabela 55 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros daindústria referente ao valor da transformação industrial (VTI),pessoal ocupado (PO) e salários (SAL), em segmentos seleciona-dos, entre 1970 e 2000

Fonte:IBGE. Pesquisa industrial anual. Elaborado pelo autor.

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Figura 24 – Bahia: pessoal ocupado entre 1970 e 2000Fonte: IBGE. Pesquisa industrial anual. Elaborado pelo autor.

A despeito das perdas de oportunidade no processo de substi-tuição de importações, a partir da década de 1940, contribuírampara o crescimento industrial do Estado alguns investimentos sig-nificativos, como a construção da Usina Hidroelétrica de PauloAfonso e da Refinaria Landulpho Alves – Mataripe (RLAM), a cri-ação do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e da Sudene. No terre-no das ideias, é de se registrar a efervescência intelectual da época(já comentada neste livro) que culminou com a edição do Plandeb,a criação da CPE, etc.

De acordo com Pedrão (1996, p. 77):É fundamental observar que o modelo de industrialização da déca-da de 1950 constitui, essencialmente, na captação do possível mer-cado interno para a transformação de matérias-primas locais abun-dantes e baratas, ignorando as possibilidades industriais de vanta-gens de localização, ou da criação de mercado, como passaria a sera norma nos decênios seguintes.

De acordo com dados da SEI (ver tabelas 56 a 58), entre 1976 e1980, o Estado experimentou um notável ritmo de crescimento econô-mico com as taxas anuais do PIB na média aritmética de 8,9% atingin-do 11,9% em 1978, e 9,4% em 1980. A atividade industrial que em 1976correspondia a 17,4% do PIB sofre um acréscimo de 49% no períodorespondendo em 1980 por 26% do produto. A partir de 1981 as contasestaduais registram os efeitos da crise internacional sobre a economia

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brasileira e o impacto dos problemas gerados pela moratória da dívi-da externa. Nesses 20 anos transcorridos até o final do século a econo-mia baiana cresceu em termos médios 2,5% ressaltando no períodocinco anos com taxas negativas entre os quais se destaca o ano de 1987com uma taxa de – 4,6 % devido a seca que se abateu sobre 78% doterritório do Estado e 57% dos seus municípios, provocando uma que-da de 22,4% no produto agropecuário. (BAHIA, 2006 p. 65).

Entre 1981 e 2000 a participação da indústria no PIB estadualsituou-se em torno da média de 27% atingindo em 1983 (um ano decrise com crescimento de – 0,2 do PIB) a participação de 33% graçasao desempenho da indústria de transformação que obteve um cres-cimento de suas vendas externas em 18% o que respondeu pelocrescimento dos ramos químico (8,9%); metalúrgico (11,4%) e pro-dutos alimentares (5,6%) sendo este último o único com vendas parao mercado interno (BAHIA, 2006 p. 90).

Tabela 56 “ Bahia: produto interno bruto e per capita, índices etaxas de crescimento entre 1975 e 2000.

Fonte: BAHIA (2006, p.159)19 A preços correntes.2 A preços correntes.

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A agropecuária, a despeito de aparentemente ter declinado asua participação no PIB estadual de 30,7% em 1975 para 10,7% em2000, apresentou uma participação média entre 1975 e 2000 de 17%do produto estadual.

O setor de serviços, como é freqüente, tem participação majoritá-ria no PIB sendo a sua participação média no período de 1975/2000equivalente a 58% chegando a 68,4% em 1998. Contudo, pelo menosno século XX, na Bahia, este setor não compreendia as atividades mo-dernas e intensivas de tecnologia. O governo (Administração Pública)respondia em média por 11% do PIB estadual seguido pelo comércio(9,7%) e a construção civil (8,5%). Setores mais avançados como o decomunicações só começam a despontar a partir da década de 1990 as-sim mesmo atingindo apenas 3,3% do PIB em 1999.

Tabela 57 – Bahia: estrutura do produto interno bruto (1975-2004

Fonte dos dados originais: BAHIA (2006, p.170). Elaboração do autor.

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Tabela 58 – Bahia: participação percentual dos segmentos do se-tor serviços no produto interno bruto (1975-2000)

Figura 25 – Pólo Petroquímico de Camaçari.Fonte: Carlos Casaes/Agência A TARDE.

(Continua) ⇒⇒⇒⇒⇒

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Voltando ao processo de industrialização do Estado conside-ra-se que este tomou impulso na segunda metade da década de1960 como decorrência dos esforços governamentais tanto do Esta-do quanto da União no período pós-64. Neste período quatro fato-res influenciaram o crescimento industrial. A saber:

a) o impacto inicial de uma política de industrialização funda-mentada na construção dos distritos industriais do interior,do CIA e do Copec na RMS, combinada com a atração deinvestimentos mediante a oferta de externalidades nessesdistritos industriais;

b) o ingresso de substanciais transferências de recursos fede-rais, através do BNDE, da Secretaria de Planejamento da Pre-sidência da República (a fundo perdido) e do Sistema Fi-nanceiro de Habitação, o que ativou o mercado regionalbaiano, dada a realização de um impressionante conjuntode obras de infraestrutura física e urbano-social, de conjun-

Fonte dos dados originais: BAHIA (2006, p.170). Elaboração do autor.

Tabela 58 – Bahia: participação percentual dos segmentos do se-tor serviços no produto interno bruto (1975-2000)

(Continuação)

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tos habitacionais e da montagem industrial, notadamenteno CIA/Copec, que expandiram consideravelmente a cria-ção de empregos;

c) a disponibilização de financiamento público preferencial,através o sistema de incentivos fiscais federal e estadual, quepromoveu uma transferência considerável de empresas, daregião Sudeste para a Bahia, mesmo que revertida quandodo esgotamento do prazo do benefício concedido;

d)a integração dos projetos baianos com os do governo fede-ral, notadamente no que se refere à petroquímica.

Nesse período, consolidou-se o plano rodoviário federal para oNordeste, com a pavimentação da BR – 116 (Rio – Bahia) e BR – 101(Litorânea). Estas rodovias viabilizaram o modelo econômico regionalem construção assegurando as condições para o escoamento dos inter-mediários fabricados na Bahia e no Nordeste em direção ao Sudeste, eo abastecimento, por este, do Nordeste e da Bahia, com os produtos deconsumo final oriundos do seu moderno parque de indústrias. Nessecontexto, a construção do complexo rodoviário estadual, que possibi-litaria a articulação das diversas regiões baianas, produzindo um im-pacto positivo na integração e expansão do mercado regional, apesarde planejada em 1950, não foi executada.

A opção rodoviária executada coincidiu com o desmonte dosistema ferroviário estadual. A desativação da Estrada de Ferro deNazaré e do Porto de São Roque do Paraguaçu, na baía de Todos osSantos, implicou na desarticulação do sistema de transportes quesustentara a produção têxtil e fumageira. Com isso, ficaram isola-das as bacias do Jaguaribe e do Jiquiriçá, indiretamente desestimu-lando o crescimento da região Sudoeste do Estado, cortando-se arelação interna entre a indústria têxtil e sua região supridora dematérias-primas.221 Contudo, este período ainda foi o mais impor-tante da história econômica recente da Bahia e o seu movimento deindustrialização, segundo a estratégia concebida no Plandeb, foiconduzido pela implantação das principais indústrias dinâmicasdo Estado, como as da petroquímica (Copec/CIA), as metalúrgicasUsiba, Sibra e Alcan (no CIA), entre outras, produtoras de bensintermediários.

221 Posteriormente em 1996, a Rede Ferroviária Federal – Leste Brasileiro, 7º Região, queatendia ao Estado da Bahia, Sergipe e Minas Gerais, com 1.905 km de linhas foi privatizada.Atualmente o sistema está inoperante e completamente sucateado.

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À exceção da indústria química-petroquímica que gradativa-mente dominou a economia industrial do Estado, destacavam-seneste período, como segmentos altamente promissores, o siderúr-gico e, sobretudo, os da metal-mecânica e elétrica.

Entretanto, na década de 1990, o setor siderúrgico acabou nãoprosperando pela prioridade conferida pelo governo federal aos pro-jetos deste setor implantados na região Sudeste. O mesmo ocorreu coma metal-mecânica, cuja limitação na Bahia não foi apenas de volumeda demanda, mas de sua capacidade de estimular sua renovação eampliação. Na ausência de uma indústria de bens de capital, como as

Figura 26 – Mapa rodoviário da BahiaFonte: Spinola (2003).

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de veículos ou a naval, ficou a metal-mecânica em completa depen-dência da indústria do petróleo. Só podia renovar seu capital eaprofundar sua especialização, na medida em que a Petrobras susten-tasse suas compras, o que acabou não ocorrendo. Ao mesmo tempo,nesse período, definiu-se com total clareza o outro elemento funda-mental da industrialização na Bahia: seu componente energético. Aprodução de energia na Bahia desenvolveu-se como um produto dopotencial do rio São Francisco, de modo extremamente concentrado,restrito a um pequeno trecho do rio: 100 km dos 2.100 km de seu curso.Iniciou-se um programa de construção de usinas hidrelétricas que pros-seguiria até hoje, estabelecendo uma estrutura de oferta e um sistemade preços subsidiados que regularam os custos da produção industrial.

Figura 27 – Sistema ferroviário da Bahia (desativado)Fonte: Spinola (2003).

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A política energética adotada condicionou o modelo industri-al baiano porque o núcleo de indústrias de melhor nível tecnológicoformou-se em torno da disponibilidade de gás e de nafta, portantoligado à escala e ao perfil produtivo do setor petroleiro. A coinci-dência com o aumento da produção de energia hidrelétrica benefi-ciou a concentração industrial na RMS em detrimento de umainteriorização significativa do processo de industrialização. Esse fatoveio a comprometer os distritos industriais do interior, que foramconcebidos com um custo fixo de energia, ou sem explorar possí-veis alternativas de combinação energética.

Vem em seguida o fato de que a extensão do sistema hidrelé-trico favoreceu os grandes compradores concentrados na área doCIA/Copec/RMS, mas seus efeitos não foram realimentados naagricultura nem na interiorização da indústria. Essa deficiência pôdeser compensada mediante promoção de projetos, mas foi pratica-mente abandonada, uma vez criado o complexo petroquímico.

Por fim, a Bahia ficou praticamente excluída do modelo brasi-leiro de produção de álcool, operando com um elevado e crescentecomponente de importação de outras regiões. As restrições àsminiusinas de álcool, incorporadas na política do Pro-Álcool, tive-ram um efeito negativo profundo para a implantação de indústriasde pequeno e médio porte nas maiores cidades do interior.

Esse modelo caracterizou-se, além disso, como o de um siste-ma em expansão, geograficamente concentrado, cujos efeitos se am-pliaram à medida que se construíram as usinas do rio São Francis-co. A localização desse sistema, com seu significado em termo decustos de distribuição de energia para as indústrias, tornou-se umtraço distintivo da situação operacional das indústrias na Bahia, talcomo se evidenciou nos decênios seguintes. Essa circunstância tra-duziu-se em alguns efeitos duradouros na industrialização baiana,que devem ser examinados, para uma melhor compreensão do pro-cesso de crescimento desse setor. O primeiro deles decorre de queas vantagens energéticas do núcleo central da indústria ficaramdelimitadas pela própria composição tecnológica das fábricas, quesó poderiam ser modernizadas ou alteradas se esse conjunto fosseampliado e incorporasse outros componentes de tecnologia, commaiores efeitos locais indiretos. Houve pouca criatividade e poucainiciativa de renovação nas indústrias tradicionais, tais como emoleaginosas e em fibras, assim como quase não houve aproveita-mento significativo dos subprodutos das agroindústrias e dos

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produtos de exportação. Casos como os do cacau, do sisal, do dendê,da mandioca, do coco são reveladores dessa carência de renovaçãotecnológica e de ampliação do mercado.

O segundo efeito foi determinado pelo fato de a concentraçãoterritorial da produção de energia ter coincidido com a falta de di-retrizes de política agrícola, conseqüência da virtual interrupçãodas políticas regionais e estaduais. Prevaleceram diretrizes de polí-tica que contemplavam projeto por projeto, orientadas pelo gover-no federal, que não corresponderam às características da produçãopor tamanho de propriedade e tipo de produto.

Em terceiro lugar situa-se o fato de que o encaminhamento dapolítica nacional de produção de álcool foi altamente prejudicial àindustrialização na Bahia, concentrando seus benefícios em SãoPaulo, a par de ajudar as antigas zonas produtoras do Nordeste. Afalta de uma política territorialmente distribuída de oferta de álco-ol contribuiu, ainda, para acentuar o atraso daquelas regiões tradi-cionais produtoras de cana-de-açúcar, como o Recôncavo, que nes-se período passou por uma degradação e fechamento de suas usinas.

Isto posto, o sistema industrial na Bahia estruturou-se com baseno conjunto das vantagens embutidas na oferta de insumos deriva-dos do petróleo e de uma oferta crescente de energia hidrelétricaque sustentou a articulação operacional do complexo petroquímico.

Figura 28 – Sistema elétrico da Bahia – 2000Fonte: Coelba – SME.

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O uso maciço de energia a preços administrados representou umsubsídio significativo que operou a favor das empresas petroquími-cas, usuárias desses energéticos, comparando-se com a estruturade custos das demais empresas222

As décadas de 1980 e 1990 refletiram o que tem sido denomi-nado “décadas perdidas” para o crescimento econômico da quasetotalidade da América Latina. Na década de 1980, a economia bra-sileira ficou na dependência dos reajustes impostos pelas duascrises mundiais do petróleo, que funcionaram como indutoras deum reordenamento muito mais amplo dos controles internacio-nais de mercado, a partir de grandes políticas de gestão energéticanos países mais ricos, do controle do consumo de energia e docrescimento da informática. Com a introdução dos controles digi-tais e investimentos maciços em técnicas de conservação de ener-gia e de energéticos, os países mais industrializados deslocaramas condições internacionais de concorrência, abriram novas opor-tunidades de investimento em renovação tecnológica e, especifi-camente, nas tecnologias guiadas pela proteção do meio ambien-te. Atualizar-se tecnologicamente tornou-se mais caro, para paí-ses e empresas, levando os mais ricos a estratégias que evoluíramao longo desse período, desdobrando-se de diversos modos nosistema de produção, estabelecendo, consequentemente, conside-ráveis vantagens competitivas vis-à-vis os países em processo decrescimento.

Esses fatores obrigaram as empresas a uma reorganização pro-dutiva muito maior que a indicada por suas necessidades de reposi-ção de capital. Por sua vez, isso determinou um atraso no atendimentode necessidades sociais, acumulando uma dívida pública, externa einterna, que, com os custos sociais da própria política de estabilização,tomou a forma de uma dívida social que se projetou sobre os anosseguintes até a atualidade. Para os países subindustrializados como oBrasil, essa pressão adicional traduziu-se numa ampliação de seu atra-so relativo em investimentos em infraestrutura, limitando sua capaci-dade de competir em mercados internacionais.

A despeito da crise econômica das décadas de 1980 e de 1990,manteve-se a predominância do conjunto químico e petroquímico na

222 Dados do balanço energético estadual para 1993 indicavam que os grandes comprado-res de energia pagavam em preços que equivalia a um terço dos custos de produçãodesse insumo.

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economia estadual. Este conjunto industrial condicionou inclusive aspequenas empresas dos ramos de serviços e ganhou dimensões quelhe permitiram substituir a produção cacaueira como líder da econo-mia estadual. No ano 2000 (ver Tabela 54), respondia por 51,9% doVBP do gênero das indústrias dinâmicas, sendo acompanhado pelorefino de petróleo com 22,1 % e, a distância, pela metalurgia básica(8,8%) e a produção de celulose (5,9%). Observe-se que este conjunto,que deve englobar um número reduzido de indústrias vis-à-vis o res-tante do parque industrial baiano, respondia, no final do século XX,por 89% do valor bruto da produção do segmento dinâmico da econo-mia industrial do Estado e 53,2% do valor bruto da produção industri-al baiana. Nestes termos, respondeu consideravelmente pelo PIB daindústria que em 2000 correspondia a 27% do PIB estadual.223 Porém,como indústrias intensivas de capital não contribuem significativamen-te na geração de empregos, a petroquímica, que chegara a responderpor algo em torno de 26 mil empregos em 1982, caiu para cerca de 11mil no final do século.224

Desde seu início, imaginava-se que o complexo petroquímicopoderia funcionar a partir de relações interindustriais em que asexternalidades do conjunto produziriam a inclusão de indústrias deterceira. e quarta gerações a jusante, responsáveis por projetos que se-riam desdobramentos da árvore genealógica de cada produto e seri-am responsáveis pela incorporação de substancial valor adicionado.

O aproveitamento pleno dos produtos e subprodutos deriva-dos de cada árvore seria um elemento essencial a viabilidade eco-nômica do conjunto. Assim, a criação de projetos novos, a jusantedos existentes, seria mais importante para a viabilidade do com-plexo que o aumento da produção em qualquer dos seus compo-nentes. Contudo, a falência desse modelo direcionou as estratégiasempresariais para o aumento de produção no mesmo perfil tecnoló-gico, alterando a proposta inicial no conceito de complexo, o que

223 O peso do parque industrial baiano na composição do PIB estadual é função de um conjuntobastante reduzido de empresas do COPEC e do CIA (algo em torno de dez) e da RefinariaLandulfo Alves – Mataripe que isoladamente respondia, em 2000, por 17,7 do Valor Bruto daProdução Estadual e 31,4% do Valor da Transformação Industrial do Estado (Tabela 54).Caso, em um exercício, se abatesse do produto industrial a participação desse conjunto re-duzido de fábricas que na prática constituem um enclave industrial no Estado, a participa-ção do setor seria reduzida à metade do valor atualmente registrado.

224 Segundo o sindicato da área.

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demonstra a necessidade de uma revisão do processo de planeja-mento do sistema regional em seu conjunto.225

A partir da oferta de gás natural e nafta, o complexo petroquí-mico compreende uma etapa de produtos básicos, outra de produ-tos intermediários, em que predominam produtos que não são con-siderados como mercadorias, e outra ainda, de produtos interme-diários “finais”, os das fábricas locais, que simplesmente encon-tram preços para mercado aberto. A diminuição de vantagens paravenda no mercado interno, na década de 1990, tornou-se determi-nante dos rumos seguidos pelas empresas do complexo petroquími-co. A contração da economia brasileira, junto com o desapareci-mento de compensações através de financiamento público, subsí-dios e reserva de mercados, levou a mudanças decisivas no desem-penho dessas indústrias no mercado. Desde o início desta década,as indústrias do complexo petroquímico foram levadas a um pro-fundo reajuste, que pode receber diversas explicações, mas que, noessencial, significou redução de custos e busca de alternativas co-merciais, principalmente mediante exportações.

As imposições do mercado coincidiram com ajustes na com-posição do capital e com compras de participação em empreendi-mentos – que aqui aparecem como empresas –, determinando umretraimento das empresas para novos investimentos que não esti-vessem justificados por suas atuais linhas de produção. A reorien-tação das empresas para ampliar sua presença no mercado decorrede um realinhamento que revelou depender principalmente de seudesempenho comercial.

A privatização desse setor tem marcado uma intensa ativida-de dos grupos empresariais na busca de composições acionariasque lhes assegurem a sobrevivência neste estratégico setor, o quenão significa, necessariamente, perspectivas de crescimento nospróximos anos.

225 Teoricamente, a questão levantada pelo Complexo Petroquímico de Camaçari envolveum tipo de desdobramento da polarização de investimentos que foi antevista na teoriados polos de crescimento (Hermansen, 1970), entretanto não explorada, relativa à neces-sidade de que o progresso tecnológico seja compatível com a evolução do mercado eavance ao mesmo ritmo que as transformações do mercado. Noutras palavras, para sus-tentar o sucesso do complexo petroquímico seria indispensável avançar na direção daindústria de transformação final e da química fina, independentemente da eficiênciaeconômica dos empreendimentos hoje operacionais, fato que não ocorreu a despeito dosesforços despendidos pelo Governo do Estado.

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Comparativamente, no espaço regional, e especificamente nocontexto do Nordeste, esse perfil da indústria baiana contrasta for-temente com o dos demais estados, especialmente com o do Ceará,onde a expansão industrial fez-se a partir da proliferação de fábri-cas de pequeno e médio porte, quase todas de bens de consumoduráveis. A inclusão de indústrias intermediárias fez-se a partirdessa base de pequenas e médias indústrias, com um perfiltecnológico e de emprego mais disperso que o da Bahia, com umabase regional e de infraestrutura mais frágil, mas acumulando van-tagens de localização e de comercialização em torno das empresasde médio e pequeno porte. Persiste, em todo caso, o problema cen-tral de reanimação do segmento de indústrias intermediárias, emcondições de robustecer os efeitos de multiplicador na economiada região.

Outro aspecto a observar é que, com o desdobramento de mo-vimentos iniciados na década de 1970, a industrialização na Bahiaseguiu padrões mais fortemente determinados pelo reordenamentode posições de empresas, cada vez mais dependentes de demandade capital, forçada pelas empresas líderes mundiais. No plano in-ternacional da globalização do mercado de capitais, um aprofunda-mento do controle da produção e difusão de tecnologia modificouas perspectivas da indústria brasileira em seu conjunto, especifica-mente da indústria na Bahia.

Nesse sentido, é fundamental observar que a tentativa de in-dustrialização polarizada na Bahia, de fato realizada na década de1970, surgiu justamente quando se acelerava esse reordenamentomundial da produção industrial, ficando, portanto, previamentecondenada a um envelhecimento tecnológico precoce, que foi re-forçado pela estrutura organizada a partir do sistema tripartite deconstituição do capital das empresas e sustentado pelo oligopóliodo sistema Petroquisa, que garantiu preços subsidiados de maté-ria-prima (nafta). O peso relativo do valor da matéria-prima na com-posição dos custos dessas empresas será um fator preocupante,quando essas forem exigidas a participar com mais agilidade nomercado do capital globalizado.25

Por outro lado, a elevada mortalidade de empresas, registradanos distritos industriais da Bahia, notadamente no Centro Industrial

226 A isto já se referia a exposição de motivos ministerial n. 213 de 15.09.1971, fundamenta-da em livros de consultorias técnicas internacionais realizadas em 1969.

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de Aratu (CIA), ao longo desse período, não se deveu somente aoencerramento de uma fase de aproveitamento especulativo dossubsídios e dos incentivos fiscais, mas, também, a autênticos pro-blemas de administração de empresas, que vão desde a gestãoinsatisfatória dos negócios e da inadequação tecnológica dos pro-cessos e equipamentos às dificuldades de financiamento. Os pro-blemas hoje enfrentados na promoção de novas empresas, sob di-versas formas, encaram, precisamente, essas questões que ligam aeficácia gerencial ao quadro de financiamento e os usos adequadosde tecnologia.

Mas o endurecimento do ambiente competitivo internacional,paralelo à perda de capacidade de financiamento do Estado, pôs anu as dificuldades internas, tanto as do próprio setor petroleiro epetroquímico, para subsidiar a indústria polarizada, como proble-mas de gestão das empresas, decorrentes do desenho institucionale das bases culturais das empresas envolvidas nesse processo. Ve-rificaram-se perdas substanciais de diversas empresas e várias fa-lências no trajeto que levou ao reordenamento da capitalização eda operacionalidade do setor.

Entre 1980 e 2000, a indústria baiana sobreviveu num ambientede mudança de mercado em que passou de uns 80% de vendas a ummercado interno oligopolizado, a ter que vender proporção equiva-lente concorrendo no ambiente internacional controlado por produto-res de maior porte. As questões relativas à eficiência vinculam-se àsempresas em seu conjunto e não somente a suas operações fabris.

Isso significa que, nesse período, a industrialização na Bahiapassou, novamente, a depender diretamente de ajustes na econo-mia nacional em um dos seus setores mais sensíveis, em que orealinhamento do capital se fez mediante investimentos de altadensidade de capital e alta tecnologia. Por extensão, isto significa,ainda, que o perfil da indústria implantada no complexo deCamaçari rapidamente tornou-se parte dos movimentos mais ace-lerados de concentração de capital no país.

O movimento de concentração de capital ocorreu no setor quí-mico e na formação da rentabilidade do setor petroleiro, em que foiatingido por dois acontecimentos fundamentais, que foram o cres-cimento da produção de petróleo e gás na bacia de Campos e aprivatização do setor petroquímico. A exploração da bacia de Cam-pos praticamente reduziu a vantagem inicial do ComplexoPetroquímico de Camaçari à de sua escala original de produção,

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que não correspondia às escalas de mercado de duas décadas de-pois. Desde então, o quadro de vantagens de localização, de indús-tria polarizada, passou a depender das políticas de investimentoda Petrobras na Bahia, que logicamente são parte de decisõesinseridas num referencial externo ao Estado.

A privatização significou que a Petrobras deixou de poder com-pensar subsídios de preço de gás natural, portanto, reduzindo o graude competitividade do segmento que dependia de seus insumos.

No conjunto, e em termos do valor bruto da produção, a indús-tria química-petroquímica na Bahia passou de uma participação 34,6%em 1970 para 59,5 em 1980, declinando para 41,5% em 2000. Esses re-sultados refletem duas situações completamente diferentes, que sãoas do período áureo de funcionamento da indústria petroquímica (be-neficiada pelo mecanismo de incentivos e subsídios obtido no perío-do) e, posteriormente, o reflexo da crise econômica das décadas de1980 e 1990 e os reajustamentos que o setor foi obrigado a promover,como foi assinalado nos parágrafos anteriores.

Um aspecto crítico da industrialização na Bahia é que as in-dústrias metal-mecânicas, elétricas e outras do gênero dinâmico nãogeraram produtos finais próprios, nem alcançaram capacidade pró-pria de exportar. Isso significou que os efeitos de multiplicador dosinvestimentos no Estado foram interrompidos, resultando emdesindustrialização nesses setores.

Por seu turno, o conjunto das indústrias de celulose, papel epapelão, que vem gradativamente ganhando espaço na pauta deexportações do Estado, constituem-se na prática num outro enclavecom pouca ou nenhuma contribuição para o desenvolvimento re-gional. Essas indústrias têm produzido efeitos colaterais bastantediscutíveis em termos ambientais no extremo sul do Estado, ondese concentraram. Ao induzirem atividades na agricultura, na qualse registram numerosos projetos de reflorestamento voltados espe-cificamente para abastecê-las, desestabilizam a agropecuária aopromover uma drástica redução de terras antes agricultáveis, ge-rando desemprego e agravamento da pobreza rural na área.

Os dados disponíveis mostram também um crescimento doramo de vestuários, calçados e artefatos de couro, que é realizadoquase exclusivamente por pequenas empresas, do gênero footlose.No conjunto, é uma atividade responsável por emprego e por ocu-pação informal de grande porte no contexto da região. Estas indús-trias, atraídas pelas políticas de incentivos fiscais, não asseguram

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maiores desdobramentos a médio prazo (do gênero formação declusters) pela sua dispersão no território do Estado, provocada emdecorrência de critérios políticos.

A agroindústria é um componente fundamental em qualquercomposição da industrialização na Bahia, desde sua forma tradici-onal a suas modalidades mais dinâmicas. Contudo a avaliação des-se campo é extremamente imprecisa a partir de dados agregados,que não revelam nem a problemática da formação de um complexoagroindustrial, nem a do encadeamento tecnológico entre os diver-sos níveis de operacionalidade, entre os segmentos agrícola e in-dustrial e entre grandes e pequenas empresas. No período de 1980a 2000, a agroindústria na Bahia passou por grandes transforma-ções, compreendendo movimentos ascendentes e declinantes deseus diversos componentes.

Observam-se claras diferenças entre as agroindústrias tradici-onais, que de fato consistem na transformação de produtos tradici-onais de exportação, as agroindústrias que, no essencial, consistemna transformação de produtos para mercado interno, geralmentecomo parte de estratégias de empresas, para incorporar valor agre-gado a bens de consumo e, finalmente, as agroindústrias que sãoparte de cadeias industriais de produção mais amplas, que se inte-gram na produção de bens de capital, ou para sustentar indireta-mente formas mais complexas de consumo.

No primeiro grupo, estão as indústrias ligadas ao aproveita-mento de cacau, cana de açúcar, mamona, laranja e outros. No se-gundo grupo, estão as indústrias de laticínios, ou derivados de fru-tas, etc. No terceiro, colocam-se a agroquímica de oleaginosas e asindústrias de fibras. Na Bahia, entre 1980 e 2000, estes três grupostiveram desempenhos que foram afetados por mudanças acelera-das nas tecnologias dominantes em cada uma dessas linhas de pro-dução e por problemas localizados no segmento agrícola do con-junto agroindustrial. Estes fatos sugerem que o setor enfrenta pro-blemas na verticalização da sua produção industrial e na defasa-gem tecnológica da agricultura.

No caso dos óleos vegetais, por exemplo, registram-se dificul-dades consideráveis a curto prazo, relacionadas com os baixos ren-dimentos e com a falta de controle de qualidade na agricultura, querestringem em muito as margens de produtos aproveitáveis pelaindústria. O setor continua na dependência de um mercado inter-nacionalmente controlado na fixação dos preços dos produtos

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semielaborados, que regule a economicidade do aproveitamentodas diversas matérias-primas. O dendê é outro exemplo nesse par-ticular. No período considerado, a industrialização do dendê pas-sou de um ambiente de mercado altamente favorável a outro des-favorável, por movimentos de preços desse tipo, que pouco tive-ram a ver com a eficiência fabril dessa atividade. A predominânciado extrativismo contribui em muito para isso, determinando umaoferta irregular de matérias-primas.

A importância dos diversos gêneros industriais para a econo-mia do Estado pode ser aferida de diversos modos, dentre eles, porseus efeitos na geração de renda e tributos, por seu impactotecnológico e por seu efeito emprego, o que deve criar condiçõespara um novo estágio de crescimento. Na perspectiva da regiãoimportam os efeitos indiretos das indústrias em seu conjunto como multiplicador de suas despesas totais, bem como seus efeitos in-diretos para o funcionamento e a implantação de outras indústrias.

Nesse sentido, é preciso levar em conta o efeito da intensifica-ção das relações entre indústrias, que se obtém da difusão da de-manda oriunda das indústrias de bens intermediários. Na industri-alização na Bahia, distinguem-se dois momentos de modificaçãomais profunda dessa internalização do efeito multiplicador. No

Figura 29 – Mapa agrícola da Bahia (2000)Fonte: Seagri-BA.

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período de 1970/1980, caracterizado pela criação do CIA/Copec,em que a coesão entre indústrias foi dada apenas pela demandalocal da Petrobras, houve uma elevada dispersão dos efeitos dasdiversas indústrias, sendo que a maioria delas foi atraída por van-tagens fiscais e pelas externalidades oferecidas.

Um segundo momento, a partir de 1981, foi caracterizado pelapredominância do setor petroquímico, que se organizou com a pers-pectiva de aprofundamento tecnológico em indústrias de terceira equarta geração, nesse mesmo gênero de produção, notadamente ade produção de bens finais, mais intensiva em mão-de-obra, o quenão ocorreu. Mas, com a conclusão do ciclo de expansão desse con-junto, que passou a enfrentar custos crescentes no mercado inter-no, surge a necessidade de um novo momento, em que a regiãodisponha de outro referencial para internalizar os efeitos indiretosde investimentos, de forma mais resistente às flutuações cíclicasque marcaram os diferentes estágios do seu crescimento industrialnesta segunda metade do século XX.

Esta necessidade coincide com algumas mudanças fundamen-tais no quadro da infraestrutura que respalda a indústria. Na Bahia,a indústria expandiu-se num ambiente marcado por uma produ-ção crescente de energia elétrica, que foi ofertada a preços especiaispara os grandes consumidores, com a conclusão das grandes usi-nas do rio São Francisco e com a privatização do setor elétrico. Noentanto padece de estrangulamentos sérios no seu sistemarodoferroviário e portuário que estrangulam o giro de insumos ede produtos e lhes retiram competitividade, fazendo com que mui-tos empreendimentos direcionados para o Nordeste prefiram loca-lizar-se em outros estados, como Pernambuco. As perspectivas daindústria estarão pois ligadas à superação desses entraves.

É importante lembrar ainda que, para alcançar um patamarautossustentável de internalização do efeito multiplicador na re-gião, é preciso obter resultados significativos no plano da matriztecnológica do Estado, com a elevação de padrões tecnológicos nabase do sistema produtivo e a ampliação do leque de tecnologiasutilizadas. Tal resultado, contudo, é de obtenção bastante difícil amédio prazo, tendo em vista a fragilidade estadual nas áreas depesquisa e crescimento de tecnologia.

Para concluir, não custa repetir que a planejada indústria po-larizada em distritos industriais, notadamente o CIA e o Copec,transformou-se num enclave que pouco tem a ver com a grande

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parcela da população que gravita entre o desemprego e a informali-dade, sobrecarregando extraordinariamente a infraestrutura urba-no-social que não teve tempo nem recursos para acompanhar o seucrescimento e suportar as suas demandas.

Nesse contexto, a questão do tipo de industrialização tornou-se fundamental na Bahia, na medida em que se tornaram evidentesestes resultados dos componentes do sistema de produção, que seacumularam ao longo do tempo, desde remanescentes do primeiromovimento da indústria têxtil, aos atuais, que correspondem aosdesdobramentos locais de estratégias de localização de fábricasespecíficas, decididas internacionalmente segundo as conveniên-cias do capitalismo mundial.

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CONCLUSÃO

Não sou eu quem descrevo. Eu sou a telaE oculta mão colora algo em mim.Pus a alma no nexo de perdê-laE o meu princípio floresceu em Fim.

(Fernando Pessoa, 1981, p.127)

Pela metodologia adotada, este livro vem sendo concluídodesde o primeiro título. Isto porque poderiam ser cinco livros emlugar de um, tão vasto o período que se propôs a explorar, todoseles confirmando uma tendência para a pobreza que começa a pros-perar no território baiano desde 1763, quando decidiram daqui ti-rar a capital do país, transferindo-a para o Rio de Janeiro, e de 1808,também quando para lá fugiu a corte portuguesa, com D. João VI àfrente, tangidos da Europa por Napoleão Bonaparte.227

No primeiro título, traçou-se um quadro do turbulento séculoXIX que daria a marca da personalidade de nossa sociedade, parti-cularmente da elite governante, irreverente e profeticamente trata-da por Gregório de Matos, desde o século XVII, quando dizia:

A cada canto um grande conselheiro.que nos quer governar cabana, e vinha,não sabem governar sua cozinha,e podem governar o mundo inteiro.Em cada porta um freqüentado olheiro,que a vida do vizinho, e da vizinhapesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,para a levar à Praça, e ao Terreiro.Muitos mulatos desavergonhados,trazidos pelos pés os homens nobres,posta nas palmas toda a picardia.Estupendas usuras nos mercados,todos, os que não furtam, muito pobres,e eis aqui a cidade da Bahia. (Apud BOSI, 2006, p. 37)

Mas cabe responder às questões que foram formuladas na In-trodução.

Por que a Bahia não se desenvolveu como era desejado pelosseus planejadores e governantes, apresentando, na atualidade, umquadro dramático de desigualdade social e de concentração da ren-

227 Ver capítulo 1.1.

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da? Até onde foram as classes empresariais e as administrações es-taduais responsáveis pelo quadro socioeconômico atual da Bahia?Poderiam realmente ter determinado rumos diferentes para o Esta-do? Será que o famoso enigma baiano, sobre o qual se debruçaramimportantes pesquisadores da economia estadual em busca dascausas para a sua decadência e estagnação, na primeira metade doséculo XX, foi efetivamente superado com o novo surto de progres-so dos anos 1970? Ou apenas foi substituído por novos e intrincadosdesafios não superados pela iniciativa privada e o planejamentoestatal?

Uma resposta singela a todo este questionamento é sim, a Bahiapoderia viver uma realidade diferente da atual, ou seja muito me-lhor do que a existente, se todo o conjunto de hipóteses explicativasda sua problemática não fossem confirmadas pela história.

Conforme ficou demonstrado no Título II, o badalado enigmabaiano não passou de uma frase de efeito, das muitas que celebriza-ram o então governador Octávio Mangabeira (1947-1950). As ra-zões da perda de dinamismo da nossa economia e da preservaçãosecular da pobreza de parcela majoritária da nossa população es-tão ali alinhadas.

Não se tratou de uma causa isolada, mas de uma conjunção decausas que interagiram e se fortaleceram ao longo do tempo.

Os efeitos perversos do colonialismo português e do imperia-lismo britânico, a escravidão e a formação das nossas elites, alicerça-das pelo capitalismo mercantil, já seriam motivos suficientes paracarimbar o nosso destino de periferia subdesenvolvida.

A transição de um modelo agroexportador, esgotado pelas li-mitações das vantagens comparativas e pela dependência dos pro-dutores de açúcar, algodão, fumo, café, sisal e cacau aos preços ex-ternos, para um novo processo de integração extrarregional, nosmoldes do que se estabeleceu na Bahia a partir dos anos 1950/1960,não propiciou alternativas de desenvolvimento econômico ao Es-tado. Era tarde demais. Perdemos o “bonde da história” (ou o timingcomo pretendem os mais sofisticados). O máximo que consegui-mos foi a promoção de um crescimento econômico como metástaseda expansão capitalista da região Sudeste, que se caracterizou em2000, segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil, poruma brutal concentração da renda onde os 20% mais ricos se apo-deravam de 70,2% das riquezas produzidas no Estado (Indice deGini igual a 0,67) e a proporção de pobres2 na população estadual

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atingia a marca de 55,3%. Nesse final do século XX, ainda segundoa mesma fonte aqui citada, o Indice de Desenvolvimento HumanoMunicipal da Bahia era de 0,688. Ou seja, “a Bahia vai bem” decélebre jingle político da década de 1980, ocupava a 22ª. posição norank dos 27 estados brasileiros.

Os movimentos do capitalismo internacional e as circunstânciasdecorrentes processo de desenvolvimento estadual ao longo do perío-do examinado, também condicionaram e limitaram a eficácia das polí-ticas e do planejamento econômico estadual, que objetivavam a pro-moção do desenvolvimento da Bahia, contribuindo significativamen-te para o desequilíbrio inter-regional de emprego e renda.

Em verdade, salvo honrosa exceção no governo de Góis Calmon(1924-1928) até a Revolução de 1930, não tivemos políticas governa-mentais que objetivassem a promoção do desenvolvimento da Bahia.O planejamento econômico, como foi visto, só se implantou no Estadoa partir do governo de Antonio Balbino (1954-1958). O que predomi-nou durante a Primeira República foram disputas pelo poder, que setravaram entre “gonçalvistas”, “vianistas”; “severinistas”, “marcelinis-tas”, “seabristas” e “ruisistas”, as quais revelaram-se um autêntico jogode soma zero, no qual, na prática, ninguém ganhou e a Bahia perdeumuito no cenário nacional, segundo Octávio Mangabeira, em sua pri-meira mensagem de 1947 à Assembléia Legislativa da Bahia. Por issomesmo, Getúlio Vargas, incorporando o espírito modernizador daRevolução de 1930, acabou preterindo a todos os oligarcas baianos,afastando-os do poder durante o seu longo período ditatorial. Mas,nem por isto, conseguiu modernizar a Bahia.

Foi realmente impressionante a intensidade do conflito que en-volveu as lideranças baianas até os anos 1930. Toda uma considerávelenergia e capacidade política que poderia convergir para beneficiar oEstado, mediante projetos que promovessem seu desenvolvimento,foi desperdiçada em disputas movidas por interesses pessoais, ciúmes,vinganças políticas, intrigas, conspirações e outras atitudes negativasque, vistas de hoje, desmerecem vultos históricos como Ruy Barbosa,Luis Viana, Severino Vieira, José Marcelino, Araújo Pinho, J. J. Seabra,Antonio Moniz de Aragão e, mais recentemente, Juracy Magalhães eAntonio Carlos Magalhães.

Em 1958, já no final do governo Antonio Balbino, quando aCPE de Rômulo Almeida elabora o Plandeb, não havia mais como

228 Medida pela proporção de pessoas com renda domiciliar per capita inferior à metade dosalário mínimo vigente.

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recuperar o tempo perdido pela Bahia no processo de crescimentoda economia brasileira. Ademais, as ações desenvolvidas na segun-da metade do século XX, na formulação das políticas públicas e noplanejamento econômico estadual, não obtiveram o sucesso alme-jado ao conferir prioridade ao princípio da geração de externalidadese de concessão de subsídios através de incentivos fiscais, tratando-os como elementos suficientes para a implantação e o desenvolvi-mento de parques industriais e elegendo a grande indústria produ-tora de bens intermediários, como o “motor” do desenvolvimentoregional. Esta política, como se verifica no Título V, resultou nageração de uma base monoindustrial no Estado, fundada no seg-mento químico/petroquímico que assumiu a forma de um enclave.

Quanto ao papel da política macroeconômica do governo federal,discriminatória, ao longo do século XX, para com a Bahia, outra hipó-tese assumida neste livro, observe-se, em primeiro lugar, que, no pas-sado, este frequentemente se envolvia nas querelas provinciais, res-pondendo por uma parcela de responsabilidade nos descaminhos po-líticos baianos, como ocorreu, por exemplo, nas administrações dospresidentes Hermes da Fonseca (1910-1914) que mandou bombardearSalvador e Epitácio Pessoa (1919-1922), com o acordo irresponsávelcom os “coronéis jagunços” do sertão baiano em 1920, by-passando ra-dicalmente o governo estadual, o que veio contribuir sensivelmentepara a concentração das atividades dos governos no que viria ser aRegião Metropolitana de Salvador, abandonando-se o interior a suaprópria sorte e, por fim, Arthur Bernardes (1922-1926), com a interven-ção federal na Bahia, movido pela sua inimizade com J. J. Seabra. Emsegundo lugar, isto se confirma a partir da política cambial posta emprática depois de 1930, a qual constituiu um verdadeiro sangramentodas finanças estaduais em benefício do governo federal, que, dessemodo, obteve as divisas baratas, para atender a suas necessidades ad-ministrativas, ou mesmo a sua política econômica, geralmente traçadacom absoluta insensibilidade para com o interesse do estado e da suapopulação229. Ademais, a Bahia não participou do processo de substi-tuição de importações nem foi contemplada pelo Plano de metas de Jus-celino Kubitschek230, justamente quando ocorria o take off da economiabrasileira.

229 Ver Clemente Mariani, no título II , capítulo 2.2.230 A construção da BR-116 , Rio-Bahia , inserida no programa rodoviário de JK foi um aten-

dimento ás demandas do parque industrial paulista ansioso para atingir os mercadosnordestinos com os produtos de suas fábricas, muitas com capacidade ociosa.

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E assim, em termos concretos, a Bahia está muito longe de atin-gir o estágio de desenvolvimento social almejado,reunindo, de umlado, um conjunto poderoso, mas reduzido de fábricas produtorasde bens intermediários, que respondem majoritariamente pelo va-lor bruto da produção e da transformação industrial e, do outro,uma miríade de micro– e pequenas empresas sem expressão eco-nômica. Segundo Almeida (1977, p. 43), a participação da Bahia nototal da produção da indústria nacional, apurada no Censo de 1920,era de 2,8 %, caiu, no Censo de 1940, para 1.3 % e, segundo o IBGE,em 1985, correspondia a 3,8%. Em 1990, quando o Polo Petroquímicode Camaçari já operava a plena carga, esta participação situava-seem 4% declinando no ano 2000 para 3,75%. Esta é uma tendênciahistórica que todos os esforços desenvolvimentistas dos últimos cemanos da história baiana não conseguiram reverter.

Em termos culturais, ficou claro que o problema também fincasuas raízes na escravidão, uma herança maldita do processo coloniza-dor, que resultou na cristalização da secular pobreza local na forma-ção de uma estrutura política cujo estamento social dominante, repre-sentado por uma elite agrocomercial e financeira conservadora, inibiua formação de um capital humano qualificado; a mobilidade social departe considerável da população, transformada em um “exercito in-dustrial de reserva” disponível para funções subalternas; a formaçãode uma classe média local e o surgimento de um mercado interno sig-nificativo, o que, em última instância, impediu as condições de ocor-rência de um processo de desenvolvimento endógeno.

Finalizando, observa-se que o contexto marcado por todas aslimitações aqui descritas explica a ausência de capital, de poupan-ça e de recursos para investimentos. Explica também a formação,cada vez mais intensa, de uma economia informal, que se ampliacomo submersa (em sua vertente criminosa), na medida em que otráfico de drogas já consolida um estado dentro do Estado, em cum-plicidade com as “bandas podres” cada vez mais significativas daPolícia e da máquina estatal.

Na capital, e não há porque ser diferente nas grande cidadesdo Estado que reproduzem o modelo, assiste-se, exemplarmente, àdivisão do espaço urbano (SANTOS, M. 1979), convivendo em duascidades distintas.

Uma, no “circuito superior”, criada pelo capitalismo monopo-lista e voltada para relações externas à cidade e mesmo à região,tendo por cenário o país e o exterior; e outra, num “circuito inferior”,

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formada pelos excluídos e dominada por atividades de pequenaexpressão que mobilizam a população pobre da cidade e se enraízana região. Isto resulta na inexistência de um mercado interno queofereça escala e sustentabilidade a um parque industrial produtorde bens finais.

Espera-se de quem se der ao trabalho de ler este livro a per-cepção da grave responsabilidade da sociedade baiana, notadamen-te da sua elite econômica e política para com o futuro da Bahia, quecontinua sendo um Estado periférico, subdesenvolvido e tãodessemelhante quanto o retratado por Gregório de Matos no sécu-lo XVII e cantado por Caetano Veloso no século XX.

Permanecendo nos primórdios do século XXI a incompetênciae indiferença coletiva que foram a marca registrada do século pas-sado e que, com todas as causas aqui alinhadas, fizeram a Bahiaperder a trilha do seu desenvolvimento, o prognóstico é de um fu-turo sombrio. A manutenção de um status quo de pobreza e de mi-séria cobrará um preço cada vez mais alto à segurança e qualidadede vida dos cidadãos, na medida em que o crime organizado flo-rescer, adubado pela falta de perspectivas e o desencanto de mui-tos e assumir, sorrateiramente, o comando efetivo do Estado.

Porém, para não encerrar sem uma palavra de esperança, afi-nal ela é a última que morre, vale tomar emprestado do empresárioNorberto Odebrecht (2005, p. 17) a citação do poema de D. HelderCâmara que, segundo ele, “Barachisio Lisboa costumava citar quan-do nos deparávamos – na Empreendimentos da Bahia – com obstá-culos que pareciam intransponíveis”:

Até o fimNão, não pares.É graça divinacomeçar bem.Graça maiorpersistir na caminhada certa.

Mas a graça das graçasÉ não desistir.Podendo ou não podendo,caindo, embora aos pedaços,chegar até o fim.

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