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Série Pensando o Direito

Nº 20/2009 – versão integral

Reforma Política e Direito Eleitoral Convocação 01/2007

Universidade de Brasília e Associação Brasileira dos Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais

Coordenação Acadêmica

David Fleischer Márlon Jacinto Reis

Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL)

Esplanada dos Ministérios, Bloco T, Edifício Sede – 4º andar, sala 434 CEP: 70064-900 – Brasília – DF

www.mj.gov.br/sal e-mail: [email protected]

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CARTA DE APRESENTAÇÃO INSTITUCIONAL

A Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL) tem por objetivo institucional a preservação da ordem jurídica, dos direitos políticos e das garantias constitucionais. Anualmente são produzidos mais de 500 pareceres sobre os mais diversos temas jurídicos, que instruem a elaboração de novos textos normativos, a posição do governo no Congresso, bem como a sanção ou veto presidencial.

Em função da abrangência e complexidade dos temas analisados, a SAL formalizou, em maio de 2007, um acordo de colaboração técnico-internacional (BRA/07/004) com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que resultou na estruturação do Projeto Pensando o Direito.

Em princípio os objetivos do Projeto Pensando o Direito eram a qualificação técnico-jurídica do trabalho desenvolvido pela SAL na análise e elaboração de propostas legislativas e a aproximação e o fortalecimento do diálogo da Secretaria com a academia, mediante o estabelecimento de canais perenes de comunicação e colaboração mútua com inúmeras instituições de ensino públicas e privadas para a realização de pesquisas em diversas áreas temáticas.

Todavia, o que inicialmente representou um esforço institucional para qualificar o trabalho da Secretaria, acabou se tornando um instrumento de modificação da visão sobre o papel da academia no processo democrático brasileiro.

Tradicionalmente, a pesquisa jurídica no Brasil dedica-se ao estudo do direito positivo, declinando da análise do processo legislativo. Os artigos, pesquisas e livros publicados na área do direito costumam olhar para a lei como algo pronto, dado, desconsiderando o seu processo de formação. Essa cultura demonstra uma falta de reconhecimento do Parlamento como instância legítima para o debate jurídico e transfere para o momento no qual a norma é analisada pelo Judiciário todo o debate público sobre a formação legislativa.

Desse modo, além de promover a execução de pesquisas nos mais variados temas, o principal papel hoje do Projeto Pensando o Direito é incentivar a academia a olhar para o processo legislativo, considerá-lo um objeto de estudo importante, de modo a produzir conhecimento que possa ser usado para influenciar as decisões do Congresso, democratizando por conseqüência o debate feito no parlamento brasileiro.

Este caderno integra o conjunto de publicações da Série Projeto Pensando o Direito e apresenta a versão na íntegra da pesquisa denominada Reforma Política e Dirieto Eleitoral , conduzida pela Universidade de Brasília e Associação Brasileira dos Magistrados, Procuradores e Promoteres Eleitorais.

Dessa forma, a SAL cumpre seu dever de compartilhar com a sociedade brasileira os resultados das pesquisas produzidas pelas instituições parceiras do Projeto Pensando o Direito.

Pedro Vieira Abramovay Secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça

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CARTA DE APRESENTAÇÃO DA PESQUISA

O Brasil vive momentos em que o debate acerca do seu sistema eleitoral e seus

reflexos no cotidiano das instituições públicas e da comunidade atingiu o seu ponto mais elevado. A todos interessa refletir não apenas sobre o desenho formal, como também sobre os aspectos práticos que marcam o processo de composição política dos mandatos, com todas as suas conseqüências para a vida pública. Decidimos aceitar o desafio representado por esta pesquisa por considerar necessário conjugar esforços reflexivos com bases de pesquisa empírica que fortalecessem as suas conclusões. Não seria de qualquer forma possível identificar eventuais riscos e vicissitudes em nosso sistema eleitoral sem a busca informações capazes de trazer maior compreensão sobre o impacto das instituições pesquisadas sobre o cenário social. À experiência da Associação Brasileira dos Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais – Abramppe, somou-se o prestígio e o indiscutível experitise acadêmico das Universidades de Brasília e Zaragoza, além do apoio indispensável da Fundación Manuel Giménez Abad. Foram momentos de viva reflexão e de descobertas às vezes desconcertantes, como é o caso da relação entre períodos eleitorais e aumento do volume de recursos roubados dos bancos no Estado do Maranhão. A cada entrevista realizada, a cada novo número levantado, cresciam as nossas expectativas de robustecer nossa capacidade reflexiva com dados muitas vezes inéditos, tais como os relativos ao Índice de Variação do Comparecimento Eleitoral, desenvolvido sob os cuidados da estatística Vanessa Nespoli de Oliveira, do INEP. Ao final dos trabalhos tínhamos todos a convicção de que havíamos devotado ao trabalho o melhor das nossas energias, mas que isso não havia sido suficiente. Uma pesquisa adequadamente realizada nunca termina. Diversamente, produz os germes de outras e outras pesquisas a realizar. Exemplo disso foi a monografia desenvolvida pela jovem pesquisadora Luana Chystina Carneiro Borges, que recebeu avaliação máxima na conclusão do curso de Direito na Universidade de Brasília, toda fundamentada em dados obtidos ao longo deste trabalho. Entre todos nós se aprofundou ainda mais o respeito pelo trabalho desenvolvido pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, cujo projeto Pensando o Direito revelou-se um novo e republicano modo de interação entre a Universidade e o Estado, propiciando a geração de recursos intelectuais de interesse tanto para a academia quanto para o Poder Público. Fica agora a expectativa de que a publicação dessa versão resumida do nosso relatório possa colaborar para a disseminação das nossas conclusões e das nossas ansiedades. Brasília, novembro de 2009. Márlon Jacinto Reis Coordenador Acadêmico

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PROJETO PENSANDO O DIREITO

Universidade de Brasília e Associação dos Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais

Reforma política, instituições eleitorais e capital social

David Fleischer, Magda de Lima Lúcio

Márlon Jacinto Reis

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Equipe de pesquisadores:

David Fleischer (coordenador)

Márlon Jacinto Reis (coordenador adjunto)

Manuel Calvo García (Jurista)

Manuel Contreras Casado (Jurista)

José Tudela Aranda (Jurista e Cientista Político)

Magda de Lima Lúcio (Socióloga)

Bernardo Costa Ferreira (Geógrafo)

Vanessa Néspoli de Oliveira (Estatístico)

Gustavo Sallum Fortuna (Estatístico)

Colaboradoras:

Brasília: Luana Chystina Carneiro Borges, Shaira Sampaio e Maria Paz Fuenzallida.

Porto Alegre: Priscilla Mósena de Godoy e Patrícia de Jesus dos Santos

Período da pequisa:

Agosto de 2007 a março de 2008

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I. INTRODUÇÃO

O presente trabalho de pesquisa foi realizado nos marcos do projeto “Pensando o

Direito”, lançado no início de 2007 pela Secretaria de Assuntos Legislativos do

Ministério da Justiça (SAL/MJ) e pelo Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD) com a finalidade de estreitar os contatos dessas instituições

com a comunidade científica e aportar dados e reflexões a uma lista de temas

particularmente interessantes para os responsáveis pela convocatória.

No desenvolvimento deste projeto – denominado “Reforma Política, Instituições

Eleitorais e Capital Social” – logramos reunir a Universidade de Brasília, a Abramppe –

Associação Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais, o

Laboratório de Sociologia Jurídica da Universidade de Zaragoza e a Fundação Manuel

Giménez Abad, estas duas últimas instituições sediadas na Espanha.

A premissa adotada desde o início pelos responsáveis por este projeto de

pesquisa era a de que não se pode discutir adequadamente o possível impacto de

alterações normativas – não apenas no que toca a mudanças no sistema eleitoral, mas

com evidente relevo nessa matéria – sem a avaliação do cenário social e político sobre o

qual isso terá que incidir.

Daí adveio o propósito de realizar um levantamento de dados quantitativos e

qualitativos tão rigoroso quanto possível, considerados os limites de recursos e o tempo

destinado à realização da pesquisa.

Nossos objetivos no que atine à obtenção desses dados foram alcançados apenas

em parte. Não por outro motivo que não a dificuldade sentida na obtenção de dados

junto às fontes oficiais.

Diversas foram as visitas ao Tribunal Superior Eleitoral e a outros órgãos

governamentais em busca de informações preciosas para a reunião dos dados anunciada

no projeto. Grande parte deles foi assim obtida. Outra, no entanto, ficará à espera de

outros momentos de pesquisa.

De qualquer sorte, acreditamos ter propiciado, com o presente estudo, uma rica

aproximação ao tema proposto no edital. Se não apresentamos reflexões conclusivas,

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isso se deve ao modesto escopo desta iniciativa e à complexidade do tema, por natureza

aberto às mais diversas contradições e contra-argumentos.

Chegamos a essa fase final do compromisso por nós assumido ainda mais

convictos da necessidade de revisão do sistema eleitoral brasileiro, embora

reconheçamos a inexistência de fórmulas mágicas para debelar males que muitas vezes

procuramos atribuir às leis, mas que comumente são encontradas em nossa demorada

trajetória rumo a uma democracia processual e materialmente mais efetiva.

Este trabalho é constituído por quatro partes principais e um conjunto de anexos.

Na primeira parte é apresentada uma análise inicial do provável impacto causado

por possíveis mudanças no nosso sistema eleitoral, especialmente no tocante ao

financiamento público de campanhas, à composição das listas parlamentares e à

fidelidade partidária.

Em seguida são analisados dados obtidos a partir da produção de indicadores e

da geração de mapas geoestatísticos com a finalidade de apontar rumos para uma

investigação mais criteriosa do comportamento eleitoral no Brasil.

Na terceira parte, apresenta-se um bosquejo analítico sobre dados qualitativos

produzidos durante esta pesquisa, especialmente sob a forma de entrevistas semi-

estruturadas e grupos de discussão. Muito rica como fonte de informações foi a

realização do Seminário Operacional do projeto, levado a efeito entre 16 e 17 outubro

de 2007 no Salão de Retratos do Ministério da Justiça. Favoreceu muito o bom alcance

de resultados nessa parte da pesquisa a predisposição da turma de pós-graduandos em

Direito Constitucional Eleitoral da Universidade de Brasília para apoiar-nos na

formatação do instrumento de coleta de dados.

Por fim, divulgamos um estudo de caso promovido a partir de interessante fato

observado no Estado do Maranhão: o de que os períodos eleitorais se fazem

acompanhar por um aumento significativo nos montantes de valores roubados das

agências bancárias daquela unidade federativa. As observações a que ali chegamos

podem colaborar para a identificação de algumas das graves conseqüências do pouco

aprimoramento observado em nossa forma de financiamento de campanhas.

Aproveitamos esta oportunidade para render uma homenagem especial a Luana,

Shaira e Maria Paz, de Brasília, e Priscilla e Patrícia, de Porto Alegre, jovens estudantes

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que se predispuseram a auxiliar voluntariamente os trabalhos pesquisa. Seu entusiasmo

nos contagiou e continuará nos motivando.

Agradecemos em particular a Pedro Luis Martínez Pallarés, da Universidade de

Zaragoza e da Fundação Manuel Giménez Abad, que prontificou-se voluntariamente a

unir-se a nosso grupo para a realização do Seminário Operacional, trazendo-nos valiosas

informações sobre o funcionamento do paradigmático sistema eleitoral espanhol.

Foram de grande importância as contribuições apresentadas pelo Srº. Matthias

Catón, do International Institute for Democracy and Electoral Assistance (International

IDEA), por ocasião do nosso Seminário Opercacional.

Somos ademais muito gratos à SAL/MJ e ao PNUD pela oportunidade que nos

foi concedida de aprofundarmo-nos no estudo dessa temática tão instigante quanto cara

à sociedade brasileira que é a Reforma Política.

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II. DESENVOLVIMENTO

PARTE I

O debate atual sobre a Reforma Política

Ao longo dos biênios 2003/2004 e 2007/2008, as tentativas de aprovar uma

significativa reforma do sistema eleitoral vigente não obtiveram êxito. Segundo o art.

16 da Constituição Federal, qualquer alteração nas regras que informam o processo

eleitoral deve obedecer ao princípio da anterioridade, segundo o qual necessita ser

editada até um ano antes da eleição em que será aplicado. Assim, para que tenham

impacto sobre as eleições gerais de outubro de 2010, eventuais aperfeiçoamentos devem

ser publicadas até 30 de setembro de 2009. Por isso, a fim de que entre na pauta do

Congresso Nacional no início do ano legislativo de 2009, mostra-se recomendável que a

discussão e o debate sobre as reformas propostas para 2010 se iniciem ainda neste ano.

De certa maneira, algumas comissões na Câmara dos Deputados e no Senado

Federal já começaram os debates e deliberações sobre o tema no primeiro semestre de

2008, como no caso da busca de novas definições para a seleção dos suplentes dos

Senadores.

Outro debate correlato foi provocado pela edição, por parte do Tribunal Superior

Eleitoral (TSE), da Resolução 22.526, de 8 de maio de 2007, segundo a qual o mandato

do deputado eleito pelo sistema proporcional pertence ao partido que o elegeu, e não à

pessoa do deputado. Por conseguinte, o deputado que tenha trocado de partido tornou-se

passivel da perda do mandato.

No primeiro semestre de 2007, a Câmara dos Deputados começou a discutir uma

proposta de regulamentação para a questão da fidelidade partidária. Ou seja, o

Parlamento teve a oportunidade de disciplinar a matéria antes mesmo da confirmação

dessa Resolução do TSE pelo STF, o que só veio a ocorrer em outubro de 20071.

1 “O TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, no uso das atribuições que lhe confere o art. 23, XVIII, do Código Eleitoral, e na observância do que decidiu o Supremo Tribunal Federal nos Mandados de Segurança n.º 26.602, 22.603 e 26.604, resolve disciplinar o processo de perda de cargo eletivo, bem como de justificação de desfiliação partidária, nos termos que dispôs”.

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Observa-se que o Congresso Nacional, apesar do “aviso prévio” apresentado

pelo em maio pelo TSE, deixou de regulamentar a matéria, o que em parte pode ser

atribuído à crise parlamentar envolvendo Renan Calheiros (PMDB-AL), então

presidente do Senado.

Várias reformas já foram discutidas e debatidas no Congresso Nacional, na

imprensa e entre especialistas/acadêmicos desde antes da prorrogação da nova Carta

Magna 20 anos atrás (em outubro de 1988).

2. Fidelidade Partidária

A literatura especializada contém muitas análises sobre os impactos da chamada

migração partidária, isto é, a troca de legenda pelos deputados e senadores que muitas

vezes tem início antes mesmo da posse nas respectivas casas legislativas, especialmente

durante os quatro meses entre a eleição (no início de outubro) e a posse (em 1º de

fevereiro do ano seguinte).

1.1 – Entre 2002 e 2003, por exemplo, nada menos que 37 deputados federais

trocaram de partido antes da posse. Esse transfuguismo ajudou o atual governo a

fortalecer a sua base de apoio na Câmara Baixa para aprovar reformas importantes em

2003. Essa migração, todavia, não beneficiou diretamente o Partido dos Trabalhadores,

mas quase dobrou o tamanho de dois partidos da base governista: o Partido Liberal e o

Partido Trabalhista Brasileiro.

1.2 – Já no período 2006-2007, sete senadores trocaram de legenda antes da

posse. Com os resultados das eleições de primeiro de outubro de 2006, o Partido da

Frente Liberal tornou-se o maior partido no Senado, com 18 membros, enquanto o

Partido do Movimento Democrático Brasileiro encolheu de 20 para 15 senadores. Por

tradição, a maior bancada na Câmara Alta – a do até então denominado PFL – poderia

ter indicado o novo Presidente do Senado para o biênio 2007-2008.

Porém, em função da forte migração partidária observada nos quatro meses

entre a eleição e a posse, o PMDB voltou a ter 20 senadores e o PFL foi reduzido a 17.

Assim, o PMDB conseguiu reeleger o Senador Renan Calheiros presidente da Casa [e

do Congresso Nacional]. Isso se revelou essencial para que a base de apoio [coalizão]

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do Governo Lula conseguisse manter a maioria antes alcançada na Câmara dos

Deputados e no Senado Federal.

Sem embargo, essa coalizão não logrou garantir uma maioria suficientemente

“confiável” no Senado, o que foi evidenciado no episódio envolvendo a Proposta de

Emenda Constitucional relativa à manutenção Contribuição Provisória sobre a

Movimentação Financeira, rejeitada em dezembro de 2007.

O período 2003-2006

Ao longo do ano 2003, uma Comissão Especial constituída na Câmara dos

Deputados discutiu e apresentou uma interessante proposta de “Reforma Política”.

Uma das propostas aprovada no parecer do Dep. Ronaldo Caiado (PFL-GO) em

dezembro daquele ano foi considerada um ovo de Colombo que aparentemente teria

resolvido: a) a questão das coligações (no sistema proporcional); e b) o problema da

fidelidade partidária. Essa Comissão Especial propôs a transformação das coligações

em “federações” partidárias. Em cada estado (para as eleições de 2006) os partidos

comporiam diversas alianças para disputar as eleições proporcionais através das

chamadas federações.

Todavia, os partidos integrantes dessas federações teriam que permanecer

coligados por três anos. Segundo a proposta, os deputados dos partidos unidos na

federação não poderiam trocar de legenda durante o mesmo período, só podendo fazê-lo

antes da data-limite prevista na Lei Eleitoral para as eleições seguintes.

Esta Comissão Especial também sugeriu uma alteração nas normas de eleição

proporcional: a lista de candidatos seria “fechada”, ou seja, a ordem dos candidatos

seria previamente definida pelos partidos políticos. Segundo a iniciativa, os eleitores

passariam a votar em legendas (partidos ou federações de partidos) e não mais em

nomes de candidatos individuais.

A Comissão evitou outras modificações mais “drásticas” nas normas das

coligações, tais como: a) eliminar totalmente a prática de coligações, o que compeliria

cada partido a lançar isoladamente a sua lista de candidatos; ou b) estabelecer a prática

de sublegendas, onde cada partido participante de uma aliança (coligação) apresentasse

a sua própria lista de candidatos. Nos cálculos dos resultados da eleição proporcional,

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os assentos conquistados pela coligação seriam alocados entre as várias sub-listas num

segundo rateio, realizado segundo a proporção dos votos obtidos por cada partido.

Por outro lado, a Comissão deixou de apresentar proposta voltada à limitação do

número de partidos com assentos na Câmara dos Deputados – como uma cláusula de

barreira – similar à utilizada nas eleições proporcionais na Alemanha: se o partido não

alcançar 5% dos votos válidos fica sem cadeiras no Congresso. Na eleição proporcional

no Brasil em 2006, 29 partidos lançaram candidatos e 21 elegeram pelo menos um

deputado. Se a cláusula de barreira estivesse em vigor e seguisse os critérios da

legislação alemã, somente sete partidos teriam elegido deputados.

O período 2009-2010

Quanto ao tema da fidelidade partidária, seria recomendável a regulamentação

dessa matéria ainda no primeiro semestre de 2009, o que poderia ter reflexos antes do

encerramento do prazo legal para a filiação partidária dos postulantes a mandato político

nas Eleições de 2010.

Se o Congresso vier a optar por listas parlamentares fechadas para as eleições de

2010, não mais subsistiria duvida quanto à vinculação do mandato, que pertenceria ao

partido e não ao candidato eleito. Mesmo assim, seria razoável que essa

regulamentação proibisse a mudança de legenda por deputados e senadores entre a

eleição em outubro de 2010 e o prazo legal para mudança de partido antes das próximas

eleições em 2014, abrindo-se uma “janela” para tais mudanças em agosto-setembro de

2013.

Considerando, todavia, a existência de um hiato de dois anos entre as eleições

gerais e as municipais, apresentar-se-ia uma questão “complicada” para os

parlamentares eleitos em 2010 que pensassem em candidatar a prefeito nas eleições

municipais de 2012. Caso a regulamentação da fidelidade partidária venha a estabelecer

que o deputado ou senador fique no mesmo partido pelo qual ele foi eleito até agosto-

setembro de 2013, aquele parlamentar que viesse a concorrer dois anos depois ao cargo

de prefeito não poderia sair do partido pelo qual havia sido eleito em 2010.

Tradicionalmente, a cada eleição municipal, entre 140 e 150 deputados federais

se candidatam a prefeito. Destes, entre 30 e 40 se elegem. No final de março de 2008, o

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jornal O Estado de São Paulo compilou uma lista de 127 deputados federais

considerados “pré-candidatos” a prefeito2. Fenômeno similar se passa com os

deputados estaduais.

Por outro lado, esta regulamentação poderia impor a fidelidade partidária aos

vitoriosos nas eleições municipais. Neste caso, os prefeitos e vereadores eleitos em

2008 teriam que permanecer nos seus respectivos partidos (pelos quais foram eleitos)

por três anos – ou seja, até a abertura de uma “janela” para troca de legenda em agosto-

setembro 2011 – para se candidatar de novo em 2012. Isto quer dizer que, caso os

prefeitos e vereadores eleitos em 2008 decidam candidatar-se a deputados estaduais ou

federais em 2010, terão que fazê-lo pelo mesmo partido que os elegeu em 2008.

3. Composição das listas parlamentares

Embora a Câmara dos Deputados tenha derrotado a tentativa de adotar o sistema

de listas fechadas para as eleições proporcionais em 2010, não está fora de cogitação

que se tente modificar a legislação eleitoral em 2009 para implantar essa reforma.

Porém, se for negociada esta modificação, é provável que seja aplicada primeiro nas

eleições municipais de 2012 e depois nas eleições gerais em 2014, já que seria

improvável definir que essa modificação incidisse já sobre a reeleição dos próprios

deputados e senadores que discutiram a matéria, um ano depois.

No primeiro semestre de 2004, a Câmara dos Deputados rejeitou o Projeto de

Lei 2679/03, que havia sido aprovado pela Comissão Especial em dezembro de 2003.

Isso virtude da ação de dois partidos da coalizão governista que corriam o risco de

serem prejudicados pelas normas da lista fechada em 2006 – Partido Liberal e Partido

Trabalhista Brasileiro – justamente os dois partidos mais beneficiados pela migração

partidária em 2002 e 2003.

Em 2004, estas duas legendas detinham perto de 75 deputados e ameaçavam

obstruir as votações do governo caso a reforma do sistema eleitoral seguisse tramitando.

As duas legendas discordavam das regras previstas no PL 2679/03 para ordenar a lista

dos candidatos para 2006, que se baseava na votação recebida em 2002 por cada

partido. Como cerca de 50% dos deputados do PL e PTB haviam migrado a partir de 2 Eugênia Lopes, “Disputa por prefeituras atrai 127 deputados e é prévia para 2010,” O Estado de São Paulo, 24 de março de 2008, p. A-4.

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outras legendas, faltavam “critérios” para adequá-los à ordem das listas fechadas de

cada partido na eleição seguinte – uma “lacuna” no PL 2679/03.

Assim, em 2009, tentou-se novamente aprovar a lista fechada.

A proposta deveria deixar cada partido escolher o método mais adequado para

compor esta lista preordenada – ou via uma prévia com todos os filiados ao partido, ou

por uma votação na convenção estadual do partido, ou pela votação anteriormente

obtida, com previsão de mecanismos para a inclusão de novos candidatos etc. Não fosse

assim, o partido teria dificuldades para atrair novos adeptos para a sua lista de

candidatos às eleições proporcionais.

Por outra parte, o partido que adotasse uma prévia para a composição e

ordenação da sua lista levaria vantagem na eleição final. Seria como que um “ensaio

eleitoral”, mostrando quem possui maior influência eleitoral pelo menos dentre os

filiados do partido.

Esta experiência ajudou o Partido Democrático Social a ganhar a primeira

eleição popular para governador do Rio Grande do Sul em 20 anos. Em 1982, o PDS

(partido ligado ao governo militar) realizou uma prévia com sete pré-candidatos. A

iniciativa serviu como uma mobilização eleitoral que ajudou o PDS a alcançar a vitória

em novembro daquele ano. Vitorioso na prévia, Jair Soares (PDS) derrotou Pedro

Simon (PMDB) e Alceu Colares (PDT) por maioria simples (41%) num turno único.3

Com a adoção da lista fechada nas eleições proporcionais, o Brasil poderia

implantar um mecanismo de “cotas” para incrementar a eleição de mais mulheres à

Câmara dos Deputados, às Assembléias Legislativas e às Câmaras Municipais –

semelhante à Ley de Cupos usada na Argentina desde o início dos anos 1990. Esta

norma argentina obriga os partidos políticos a disporem candidatas pelo menos na 3ª, 5ª,

e 7ª posição nas suas respectivas listas fechadas e preordenadas. Na primeira eleição

legislativa usando a Ley de Cupos, a proporção de deputadas na Câmara dos Deputados

3 David Fleischer. “Manipulações casuísticas do sistema eleitoral durante o período militar, ou como usualmente o feitiço se voltava contra o feiticeiro,” Em: Gláucio SOARES e Maria Celina D’ÁRAUJO (orgs.). 21 Anos de Regime Militar: Balanços e perspectivas. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1994, pp. 187-188.

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saltou de cerca de 7% para 21%. Hoje tem mais de 30% de representação parlamentar

na Argentina.4

4. Financiamento de Campanhas

O PL 2679/03 previa o financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais

e proibia qualquer contribuição de pessoa física ou pessoa jurídica.

A definição dos valores a serem conferidos a cada agremiação dar-se-ia de

acordo com o número de deputados eleitos por cada partido na eleição anterior; não

mais com base no tamanho da bancada um ano antes da eleição (que já incluiria a

migração partidária).

Depois da adoção do mecanismo das listas fechadas, a segunda grande mudança

no sistema eleitoral seria alterar as regras para o financiamento dos partidos e as suas

campanhas eleitorais em 2006.

Atualmente reconhecido como um grande entrave na democracia representativa

no Brasil, o atual modelo privado de financiamento parece levar a que, quanto mais

dinheiro o candidato tiver disponível para a sua campanha, mais votos receberá e

maiores chances terá de ser eleito.5

Estima-se que a contabilidade do dinheiro gasto em campanha e efetivamente

declarado à Justiça Eleitoral não chegue a um décimo do total realmente gasto. A

Justiça Eleitoral, por sua vez, não dispõe de mecanismos adequados de controle6.

Grande parte das verbas de campanha circula no denominado “caixa dois”, onde

atuam empresas e outras organizações interessadas na conquista de parlamentares e

4 Mark P. Jones. “Increasing Women’s Representation via Gender Quotas: The Argentine Ley de Cupos,” Women & Politics, 16(4):75-98, 1996. 5 David Fleischer. “Reforma Política e Financiamento de Campanhas Eleitorais,” Em: Wilhelm HOFMEISTER (org.). Os Custos da Corrupção. São Paulo: Ed. Loyola, 2000, pp. 79-104; David Samuels. “Financiamento de campanha e eleições no Brasil: o que podemos apreender com a “caixa um’ e propostas de reforma,” Em: Maria Victória BENEVIDES et al. (orgs.). Reforma Política e Cidadania. São Paulo: Inst. Perseu Abramo, 2003, pp. 364-391; e Alfredo Sirkis. “Campanhas sujas e partidos fracos,” O Globo, 18 de março de 2004, p. 7. 6 David Fleischer e Francisco Whitaker. “A fiscalização das eleições,” Em: Bruno SPECK (org.). Caminhos da Transparência: Análise dos componentes de um sistema nacional de integridade. Campinas: Editora da Unicamp, 2002, pp. 334-354.

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outros mandatários dispostos a defender seus interesses. Cândido Mendes estimou que

foram gastos algo em torno de R$ 10 bilhões nas campanhas de 2002.7

O PL 2679/03 previa financiamento exclusivamente público das eleições,

através de dotação orçamentária à base de R$ 7,00 multiplicados pelo número de

eleitores cadastrados no ano anterior à eleição. Além disso, proibia totalmente as

contribuições de pessoas físicas e jurídicas às campanhas eleitorais.

No entanto, não seriam vedadas estas contribuições para o Fundo Partidário.

Este continuaria constituído por dotações orçamentárias anuais no valor de R$ 0,35 por

eleitor cadastrado no ano anterior às eleições – mas, somente nos anos impares (quando

não há eleições). O então Presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 2002,

Ministro Nelson Jobim, lembrou que naquela eleição, de acordo com as contas

apresentadas pelos partidos, 63% dos gastos foram com a contratação de serviços e 47%

com a produção de programas para a mídia – “Os parlamentares viram que, nesses

padrões atuais, as eleições de 2006 serão economicamente inviáveis”8.

No caso do montante de recursos públicos para financiar as eleições, para 2006,

estimou-se que o total disponível poderia chegar a R$ 966 milhões (138.000.000

eleitores x R$ 7,00 cada). De acordo com os cálculos do então Ministro-Chefe da Casa

Civil, José Dirceu, este gasto seria “modesto” sendo apenas “10% do que o País acaba

gastando com o sistema atual”9. Se aprovado o projeto, esse montante teria sido

distribuído entre os partidos da seguinte forma:

I - 1% igualitariamente entre todos os partidos registrados no TSE;

� 1% de R$ 966 milhões = R$ 9,66 milhões

II - 14% igualitariamente entre os partidos com representação na

Câmara; e

� 14% de R$ 966 milhões = R$ 135,24 milhões

7 Cândido Mendes. “Uma perversa reforma eleitoral,” Jornal do Brasil, 8 de março de 2004, p. A-10. 8 Carlos Brandão. “Lista ‘fechada’ para definir os eleitos,” Gazeta Mercantil, 2 de junho de 2003, p.A-8. 9 Citado em O Estado de São Paulo, 31 de maio de 2003, p. A-5.

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III - 85% proporcionalmente às bancadas de deputados federais de cada

partido eleitas no pleito anterior [outubro de 2002].

� 85% de R$ 966 milhões = R$ 821,1 milhões

Este mecanismo penalizaria os pequenos partidos, mas incidiria negativamente

em especial sobre os “médios”, tais como o PTB e o PL, que quase dobraram as suas

bancadas com “migrações” após o pleito outubro de 2002.

Como exemplo desta distribuição em 2006, apresentamos os cálculos para um

“grande” partido [91 deputados] e um “micro-partido” [quatro deputados] – assim, os

recursos disponíveis para o “grande” seriam dez vezes maiores que os disponíveis para

o “micro”:

PSD (elegeu quatro deputados federais em 2002)

a) 1/30 de R$ 9,66 milhões = R$ 322.000,00

b) 1/15 de R$ 135,24 milhões = R$ 9.016.000,00

c) 4/513 de R$ 821,10 milhões = R$ 6.402.000,00

TOTAL = R$ 15.740.000,00

PT (elegeu 91 deputados em 2002)

a) 1/30 de R$ 9,66 milhões = R$ 322.000,00

b) 1/15 de R$ 135,24 milhões = R$ 9.016.000,00

c) 91/513 de R$ 821,10 milhões = R$ 145.653.000,00

TOTAL = R$ 154.911.000,00

Para o partido que em 2002 não elegeu nenhum deputado federal e não tem

representação na Câmara, o total de financiamento público seria de apenas de R$

322.000,00.

Num ano de eleições federais (como em 2006), a divisão destes recursos

alocados para cada partido teria ficado assim:

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•••• 30% para a administração nacional do partido, quando o

partido/coligação tiver candidato à Presidência;

•••• 20% para a administração nacional do partido, quando o

partido/coligação não tiver candidato à Presidência;

•••• do restante (70% ou 80%) para as administrações estaduais do partido,

sendo que 50% proporcionalmente ao número de eleitores e 50%

proporcionalmente às bancadas estaduais de cada partido na Câmara.

Dessa maneira, 70 ou 80% destes recursos serviriam para custear as 27

campanhas estaduais (governador, senador e deputados federais e estaduais) de cada

partido em 2006, conforme as dimensões do respectivo partido em cada estado.

Aparentemente, não houve previsão para as eleições com duas vagas para senador,

como em 2010, por exemplo. Nos casos de coligações (presidente, governador e

senador) e de federações (deputado federal e estadual), os partidos participantes teriam

que acertar a distribuição da soma dos seus recursos.

É importante lembrar que os quatro elementos desta proposta (PL 2679/03)

estavam interligados: a) federação de partidos; b) fidelidade partidária; c) lista fechada e

d) financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais. Adotados separadamente,

seriam de difícil implementação.

Finalmente, estão em discussão várias propostas para modificar a sistemática de

constituir suplentes para o Senado Federal. A partir de 2007 surgiram várias críticas

sobre as características dos suplentes que haviam sido escolhidos pelos titulares para

compor a “chapa” (em 2002 ou 2006). Nesse período, o Senado chegou a empossar 15

suplentes, ou seja, quase 20% do total da Casa. Alguns eram parentes do titular, outros

eram financiadores de campanha e outros eram de outros partidos participantes da

coligação.

Presentemente, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado está discutindo

várias propostas e um substitutivo do Relator, senador Demóstenes Torres (DEM-TO).

As propostas são as seguintes:

•••• Eleição por sub-legenda: cada partido participante da legenda (coligação)

apresenta um candidato para ser votado. A legenda que recebesse o maior

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número de votos ficaria com a vaga de Senador, e o mais votado dento dessa

legenda seria eleito; o segundo mais votado seria o primeiro suplente e o

terceiro mais votado, o segundo. Este sistema já chegou a ser adotado

durante o regime militar;

•••• Inexistência de suplentes: ocorrendo uma vaga, o segundo mais votado

assumiria a vaga, o que inviabilizaria eventuais pedidos de licença por parte

dos titulares;

•••• Inexistência de suplentes (segunda opção): na vacância (permanente ou

temporária) de posto no Senado, o deputado federal mais votado do

respectivo estado assumiria a vaga;

•••• Ocorrendo uma vaga permanente, a substituição do Senador seria feita

via uma nova eleição convocada pelo respectivo Tribunal Regional Eleitoral.

Foi o que ocorreu, em 1961, quando uma vaga de senador por Goiás ficou

sem suplentes. Na oportunidade, Tribunal Regional Eleitoral de Goiás

convocou uma eleição especial em junho daquele ano e o ex-presidente

Juscelino Kubitschek foi eleito para preencher esta vaga até janeiro de 1967.

Apesar de ter sido adotado durante o Governo Militar, o mecanismo da

sublegenda parece melhor para consolidar a coligação entre os partidos participantes,

estimulando-os a lançar candidatos com certo prestigio eleitoral. Este sistema

solucionaria as substituições temporárias e permanentes do Senador titular.

Ao mesmo tempo, há uma proposta que visa proibir a indicação de parentes para

serem suplentes de senadores.

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PARTE II

Comportamento eleitoral e capital social

No desenvolvimento das atividades de pesquisa relacionadas à verificação de

possíveis riscos presentes no sistema eleitoral atualmente adotado no Brasil, verificamos

a necessidade de indagar sobre aspectos do comportamento eleitoral passíveis de

observação pela via do manejo de dados quantitativos.

Num primeiro momento, tencionou-se analisar a abstenção eleitoral como fonte

de informações sobre tendências de comportamento passíveis de interpretação sob

múltiplos enfoques.

O comparecimento eleitoral diz muito sobre a mobilização do eleitorado.

Desvios nos graus de comparecimento/abstenção em eleições de níveis (eleições locais,

regionais ou nacionais) ou de conteúdo (seleção de mandatários, plebiscitos ou

referendos) diversos podem conceder valiosas fontes de dados sobre o capital social

presente no universo estudado.

Taxas muito altas de abstenção em referendos e plebiscitos acompanhadas de

índices menores de abstenção em eleições gerais e ainda menos significativos em

eleições locais autorizam a formulação de hipóteses sobre a presença de fatores externos

de mobilização.

Por fatores internos de mobilização para o exercício do voto consideramos

aqueles encontrados na livre formação da vontade do eleitor. Denotam particularmente a

presença de iniciativa para participar do processo eleitoral sem apenas a partir da

atuação da própria esfera volitiva do votante.

Fatores externos são aqueles que substituem a iniciativa pessoal do autor por

estímulos baseados em atos de aliciamento, estímulos personalísticos (vantagens

materiais ou imateriais potenciais ou efetivas), coação econômica ou social, ameaças e

até violência.

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James Scott, citado por Bruno Wilhelm Speck10, apresenta uma escala do

comportamento eleitoral baseado no grau de liberdade do voto. Nela o voto é

considerado desde as seguintes perspectivas: a) voto imposto – observado nas relações

políticas de dependência extrema, em que o eleitor não dispõe da faculdade de decidir

em quem votar, podendo mesmo ser vítima de ameaças ou violência material ou pessoal

em caso de dissentimento com o patrono; b) voto negociado – em que o eleitor, mesmo

não submetido a relações de dominação direta, utiliza seu voto como instrumento para a

obtenção de vantagens pessoais, materiais ou não, imediatas; c) voto como expressão de

confiança ou reprovação – em que a opção eleitoral deriva de avaliações baseadas na

aceitação ou rejeição voluntária de candidatos ou proposições em disputa.

Se consideramos o “ir à urna” como um das opções à disposição do eleitor, deve

interessar-nos indagar sobre os fatores internos e externos que podem influir sobre a

manifestação desse comportamento.

Essa observação ganha particular interesse quando se considera a existência, no

Brasil, do voto obrigatório (arts. 6º a 8º do Código Eleitoral)11. A obrigatoriedade do

10 SPECK, Bruno W. A compra de votos – uma aproximação empírica. Opinião Pública, Campinas, Vol.IX, Nº 1, 154-156, 2003. 11 Art. 6º O alistamento e o voto são obrigatórios para os brasileiros de um e utro sexo, salvo: I - quanto ao alistamento: a) os inválidos; b) os maiores de setenta anos; c) os que se encontrem fora do país. II - quanto ao voto: a) os enfermos; b) os que se encontrem fora do seu domicílio; c) os funcionários civis e os militares, em serviço que os impossibilite de votar. Art. 7º O eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até 30 (trinta) dias após a realização da eleição, incorrerá na multa de 3 (três) a 10 (dez) por cento sobre o salário-mínimo da região, imposta pelo juiz eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367. § 1º Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor: I - inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles; II - receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou para estatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição; III - participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das respectivas autarquias; IV - obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos; V - obter passaporte ou carteira de identidade; VI - renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo; VII - praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda. § 2º Os brasileiros natos ou naturalizados, maiores de 18 anos, salvo os excetuados nos arts. 5º e 6º, nº 1, sem prova de estarem alistados não poderão praticar os atos relacionados no parágrafo anterior. § 3º Realizado o alistamento eleitoral pelo processo eletrônico de dados, será cancelada a inscrição do eleitor que não votar em 3 (três) eleições consecutivas, não pagar a multa ou não se justificar no prazo de 6 (seis) meses, a contar da data da última eleição a que deveria ter comparecido. Art. 8º O brasileiro nato que não se alistar até os 19 anos ou o naturalizado que não se alistar até um ano depois de adquirida a nacionalidade brasileira, incorrerá na multa de 3 (três) a 10 (dez) por cento sobre o

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Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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voto poderia implicar num comparecimento eleitoral relativamente similar em todo o

território nacional, por apresentar-se igualmente aplicável a todos os eleitores.

Entretanto, os dados obtidos nesta pesquisa desmentem essa possibilidade, fazendo ver

que a previsão de sanções para a abstenção não logram impedir fortes discrepâncias nos

indicadores de mobilização para a outorga do voto.

Neste trabalho, foram coligidos dados que nos permitiram elaborar gráficos,

tabelas e mapas comparativos sobre o comparecimento eleitoral que alcançam todos os

municípios brasileiros.

Foram obtidos dados nacionais relativos a todas as eleições ocorridas entre 1996

e 2006, num total de 7 processos eleitorais, sendo três de caráter geral (1998, 2002 e

2006) e dois de âmbito municipal (1996, 2000 e 2004), além de um referendum

realizado em 2005.

No mencionado referendo discutia-se a extensão das permissões legais para

aquisição de armas de fogo. Foi desconsiderado o resultado da votação, sendo a

pesquisa centrada apenas nos dados existentes sobre comparecimento/abstenção

eleitoral.

A particularidade de tratar-se de uma “eleição anômala”, em que não se

apresentam ao crivo popular candidatos, senão idéias, favoreceu a utilização desse

recorte do comportamento eleitoral em particular como elemento especial de análise.

Os dados que nos oferece o Referendo de 2005 podem ser considerados para o

“controle” analítico das demais votações pesquisadas. Se consideramos que um

referendo não apresenta fatores de mobilização baseados em interesses particularísticos

de maneira tão intensa como nas eleições locais, por exemplo, devemos reputar como

relevantes eventuais variações na intensidade da discrepância no comparecimento dos

votantes nas eleições de níveis e conteúdos diversos.

Essa consideração preliminar nos levou às observações que seguem.

valor do salário mínimo da região, imposta pelo juiz e cobrada no ato da inscrição eleitoral através de selo federal inutilizado no próprio requerimento. Parágrafo único. Não se aplicará a pena ao não alistado que requerer sua inscrição eleitoral até o centésimo primeiro dia anterior à eleição subseqüente à data em que completar dezenove anos.

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Analisando em separado os estados da Região Norte, encontramos o maior entre

todos os níveis de discrepância entre os comparecimentos máximos – todos observados

em eleições locais – e mínimo – verificado no Referendo de 2005.

O gráfico abaixo demonstra a intensidade dessa discrepância:

A região Norte foi aquela em que mais se percebeu oscilações no

comparecimento entre os diversos processos eleitorais observados no período sobre o

qual incidiu esta pesquisa.

O fator demográfico merece especial consideração nessa região. Sendo a região

de maior extensão territorial no Brasil e a que ostenta menor população, devem-se

considerar as longas distâncias e a carência de vias de deslocamento adequadas como

fatores de desestímulo para o comparecimento do eleitorado.

Esse raciocínio deveria explicar, no entanto, índices sempre elevados de

abstenção. Se comparada com as demais regiões do País (vide gráficos abaixo), a

Região Norte apresenta de fato níveis médios de abstenção mais significativos.

Entretanto, quando considerada a discrepância nas taxas de comparecimento ao

longo dos distintos pleitos dentro da região sob análise, nota-se uma intensa divergência

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

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1996 1998 2000 2002 2004 2005 2006

%

Norte RO AC AM RR PA AP TO

Gráfico 1. Média de Abstenções da Região Norte, seg undo o Ano da Eleição

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Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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entre os níveis médios de exercício do voto, os quais atingem índices significativamente

maiores quando se trata de eleições municipais.

O fator demográfico, assim, não se mostra tão relevante quando se trata de

eleições municipais, fazendo surgir indagações quanto às causas dessa variação.

Enquanto nas Eleições Municipais de 2000 e 2004 as taxas mínimas de

abstenção estiveram pouco acima dos dez por cento, no Referendo de 2005 a taxa

mínima observada na região quase chegou a 30 por cento. No mesmo período, as taxas

de abstenção chegaram a um máximo de 23 por cento, enquanto a maior taxa observada

no referendo beirou os 40 pontos percentuais.

A Região Nordeste segue apresentando uma evidente oscilação para menos nas

abstenções verificadas nas eleições locais. Se bem que no todo a abstenção foi menor

que a verificada no Norte, ainda aqui se deu um menor comparecimento nas eleições

gerais e, ainda menos intenso, no referendo.

O gráfico abaixo ilustra essa assertiva:

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

40,0

45,0

1996 1998 2000 2002 2004 2005 2006

%

Nordeste MA PI CE RN PB PE AL SE BA

Gráfico 1. Média de Abstenções da Região Nordeste, segundo o Ano da Eleição

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A tendência de maior comparecimento nas eleições de nível local voltou a ser

observada. Um significativo aumento da abstenção no referendo também pôde ser

notado. Se de um lado as médias das abstenções verificadas nos anos de 1998 (eleição

geral) e 2005 (referendo) foram praticamente as mesmas (como se observa pelo

indicador mediano de cor negra), em 2002 as Eleições Gerais mobilizaram o eleitorado

de forma mais relevante que em 2005, fazendo dessa forma notar, ainda que de maneira

não tão evidente, a manutenção das mesmas tendências comportamentais observadas na

Região Norte.

As três outras regiões do País apresentam, como se pode ver nos gráficos abaixo,

um aumento médio nos indicadores de participação eleitoral sem revelar, todavia, uma

mudança no padrão antes observado segundo o qual o comparecimento é maior no nível

local, decresce nas eleições gerais e sofre diminuição ainda mais significativa quando se

trata do referendo.

O gráfico abaixo se refere à região Sudeste:

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

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35,0

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45,0

1996 1998 2000 2002 2004 2005 2006

%

Sudeste MG ES RJ SP

Gráfico 1. Média de Abstenções da Região Sudeste, s egundo o Ano da Eleição

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Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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Nessa região as abstenções oscilam dentro de patamares mais estreitos que os

observados no Norte e no Nordeste. A média varia de um mínimo pouco superior aos 10

por cento nas eleições de 2004 (municipais) a um máximo pouco maior que 20 por

cento no referendo. Considerando-se, como se propôs a princípio, que o referendo

constitui uma fonte de dados de controle a partir dos quais se pode valorar as

discrepâncias comportamentais observadas nas eleições em que se apresentam

candidaturas, tem-se como provável uma menor incidência de fatores externos de

mobilização eleitoral que nas duas outras regiões há pouco citadas.

Na Região Centro-Oeste se passa algo similar:

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

40,0

45,0

1996 1998 2000 2002 2004 2005 2006

%

Centro-Oeste MS MT GO

Gráfico 1. Média de Abstenções da Região Centro-Oes te, segundo o Ano da Eleição

Os estados de Goiás e Mato Grosso do Sul ostentam médias de abstenção

similares aos da Região Sudeste. São níveis elevados de comparecimento se

comparados aos que foram verificados no Norte e no Nordeste. E também se afiguram

expressivamente superiores aos verificados no outro estado da mesma região: o Mato

Grosso12.

12 Por não passar por eleições municipais, o que impede uma verificação da oscilação nas votações de todos os níveis, o Distrito Federal foi propositalmente excluído desse levantamento.

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Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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No último estado mencionado, a mediana das abstenções apresenta-se descolada,

para maior, das verificadas nos demais entes federativos do mesmo porte dentro do

Centro-Oeste. Os indicadores máximos e mínimos de abstenção apresentam-se sempre

em patamares superiores, chamando a atenção o fato de que nas Eleições de 1998 a

diferença entres os indicadores de não comparecimento foram superiores a dez pontos

percentuais em relação a Goiás e Mato Grosso do Sul.

Isso chama a atenção para o fato de a circunstância de certos estados integrarem

uma mesma região política não ser determinante no que toca à composição dos

indicadores de comparecimento eleitoral. Ou seja, estados geograficamente próximos

podem revelar-se bastante distintos no item mobilização espontânea do eleitorado.

A última região analisada sob essa primeira perspectiva foi a Sul, que revelou os

seguintes resultados:

Essa região foi a que ostentou maiores taxas de comparecimento às urnas. A

menor abstenção média verificada se deu no ano de 2004 (eleição em nível local) e a

maior abstenção (ocorrida no referendo) situou-se em torno de 17,5 por cento.

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

40,0

45,0

1996 1998 2000 2002 2004 2005 2006

%

Sul PR SC RS

Gráfico 1. Média de Abstenções da Região Sul, segun do o Ano da Eleição

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Essa média foi, registre-se, majorada pelo estado do Paraná, que se revelou

menos mobilizado eleitoralmente que Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Chama a atenção o fato de que no Estado do Paraná a eleição menos

mobilizadora foi a de 1998 (geral), enquanto que para os outros dois estados o menor

comparecimento se deu no referendo.

Pelo que se pôde observar, em todo o território nacional – se bem que em

patamares cuja diferença exige reflexões mais pormenorizadas – prevalece a tendência

geral a um maior comparecimento do eleitorado nas eleições municipais.

Dentre os fatores internos capazes de explicar esse maior comparecimento às

eleições locais em detrimento das gerais e do referendo, podem ser estar avaliações

subjetivas de que os governos locais são mais determinantes que os governos estaduais

e os federais para a definição das questões políticas mais relevantes.

Outros fatores que podem ajudar a definir um menor abstencionismo, lembrados

por Dieter Nohlen13, são o “mayor grado de identificación de los electores con los

partidos o candidatos postulantes” e uma “más estrecha competencia entre los

postulantes”. Sem dúvida, a simples proximidade maior com os candidatos, o “conhecer

pessoalmente” os envolvidos na disputa, são circunstâncias que podem estimular o

comparecimento eleitoral.

O nível local tende a ser o palco para disputas mais acirradas, além de envolver

candidaturas de pessoas mais próximas dos círculos sociais dos eleitores. Esses

elementos ajudam a explicar o maior comparecimento em eleições dessa natureza,

embora pareçam não ser exclusivos na definição das taxas de comparecimento.

Os dados revelam, por outro lado, a inexistência de um “civismo republicano”

capaz garantir um comparecimento eleitoral alto e transversalmente homogêneo.

Tampouco a obrigatoriedade legal do voto cumpre esse papel.

Já foi afirmado que o referendo ocorrido em 2005 merece consideração

particular por ser a única votação do período não caracterizada pela existência de

candidatos em disputa. A ausência do fator humano direto, ou seja, de postulantes a

13 NOHLEN, Dieter. La participación electoral como objeto de estudio. Elecciones. 3, 137, 2004.

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mandato político, favorece uma observação baseada em fatores de mobilização não

baseados na identificação com candidatos ou na acirrada competição entre os mesmos.

Também exclui a proximidade pessoal com os candidatos como fator especial de

mobilização.

Verificada essa votação em particular, observou-se, como visto, uma abstenção

particularmente elevada.

Merece registro o fato de que, também no referendo, observou-se a regra da

obrigatoriedade do voto.

O mapa abaixo dá as dimensões do modo desigual com que se deu o

comparecimento para o voto naquela oportunidade.

Mais uma vez, o levantamento de dados empíricos demonstra a existência de

uma distribuição desigual das taxas de comparecimento eleitoral. Particularmente em

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relação ao referendo, verifica-se a presença de amplas zonas de baixa participação

eleitoral, bem como a presença de áreas pontuais de pouco comparecimento dentro de

um entorno com participação significativa.

A região Norte se revelou a menos participativa.

Na região Nordeste observa-se um comparecimento eleitoral menos

representativo nos estados do Maranhão e da Bahia, sendo que em Pernambuco a

participação diminui na medida em que o campo de observação se afasta do litoral.

A Região Centro-Oeste apresenta o estado do Mato Grosso como o de mais

acentuada abstenção, confirmando a tendência geral já anteriormente observada.

O Sudeste perde em participação nos vales do Jequitinhonha (Minas Gerais) e

Ribeira (São Paulo), bem como no norte do Espírito Santo.

Na Região Sul, apenas algumas áreas isoladas na parte setentrional do Paraná

excepcionam a maior participação eleitoral do País naquele referendo.

Um fator se mostra diretamente relacionado à intensa diversidade observada na

pesquisa dessa variável: o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

A tabela abaixo correlaciona o comparecimento eleitoral no Referendo das

Armas e o IDH:

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Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

30

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

M A N A R I C A L D E IR A O G R A N D E

D O P IA U I

N A Z A R E Z IN H O C A M P O A L E G R E JO A O A L F R E D O R IB A M A R F IQ U E N E A R A C O IA B A G R O A IR A S S A O JO S E D O JA C U R I T U N A S D O P A R A N A R O N C A D O R A L T A F L O R E S T A

D 'O E S T E

IU N A F R A N C IS C O M O R A T O P R IM E IR O D E M A IO C O IM B R A A R E A L M O N T E IR O L O B A T O G L O R IN H A C A M P O S N O V O S V IS T A A L E G R E D O

P R A T A

C H A P A D A O D O S U L

% d

e Abs

tenç

ão

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

IDH

%Abs2005 IDH

Percentual de Abstenção no Referendo das Armas 2005 e IDH 2000 por Município

Maraã (AM)

Melgaço (PA)

Campos de Júlio (MT)

Chuvisca (RS) (PA)

Alto Feliz (RS)

A figura demonstra a existência de relação significativa entre o indicador social

mencionado e as taxas de não comparecimento na seguinte proporção: os níveis de

abstenção aumentam à medida que o IDH vai diminuindo. Curioso notar que na análise

estatística dos demais processos eleitorais pesquisados, nos quais havia candidatos, essa

correlação não foi estatisticamente relevante.

A prefalada correlação estatística demonstra a presença de fatores sociais

condicionando a mobilização política, o que guarda relação com as observações

inicialmente feitas em que se apontavam níveis de desmobilização eleitoral mais

presentes nas Regiões Norte e Nordeste que em outros pontos do País nos quais o

indicador social utilizado se mostra mais satisfatório.

Por outro lado, os dados da pesquisa realizada pelo IBOPE Opinião nos meses

de maio de 1997, 1999 e 2005 – cobrindo, portanto, quase que inteiramente o período

das eleições considerado nesta pesquisa – revela dados desfavoráveis à crença de que o

envolvimento com as disputas políticas por fatores internos parece ser pouco relevante

para o estabelecimento dos níveis de abstenção eleitoral.

Nas três oportunidades, o percentual geral de resposta negativa a questão em que

se indagava sobre a confiança nos políticos variou de iniciais 83 para 86, chegando

finalmente a 87 por cento.

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Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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Segundo a mesma pesquisa, em maio de 2005 apenas 8 por cento dos

entrevistados responderam confiar nos políticos, quando os respondentes tiveram que

decidir entre diversas instituições diferentes.

Todas essas considerações parecem contribuir para uma possível preponderância

de fatores externos como responsáveis pela mobilização eleitoral no Brasil. E de que a

importância residual desses mesmos fatores é tanto menor quando maior o

desenvolvimento social da população estudada.

Para testar de forma mais apropriada essa hipótese, a equipe de pesquisa

desenvolveu o Índice de Variabilidade do Comparecimento Eleitoral (IVCE). O IVCE

classifica os municípios de acordo com sua participação nas eleições. O maior valor (1)

indica uma baixa abstenção no último ano do período considerado aliada a uma

evolução positiva do coeficiente de variação, o que foi valorado favoravelmente. O

menor valor (0) indica uma alta taxa de abstenção no último ano do período investigado

em conjunto com o coeficiente de abstenção que decaiu ao longo desse interregno, o

que implicou em avaliação desfavorável.

A tabela abaixo serve de mostra do conjunto de valores encontrado,

apresentando como unidade cada município brasileiro, o que permite uma avaliação

nacional do problema proposto:

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Reforma polReforma pol íítica, instituitica, institui çções eleitorais e capital socialões eleitorais e capital social

0,6150,654CACAULANDIARO1100601110200300601

0,5860,525ALTO PARAISORO1100403110200300403

0,7900,304RIO CRESPORO1100262110200300262

0,2910,242MACHADINHO D'OESTERO1100130110200300130

0,4900,464ARIQUEMESRO1100023110200300023

0,2920,288SAO FRANCISCO DO GUAPORERO1101492110100201492

0,4640,412GUAJARA-MIRIMRO1100106110100200106

0,5400,439COSTA MARQUESRO1100080110100200080

0,7560,650ITAPUA DO OESTERO1101104110100101104

0,3280,333CUJUBIMRO1100940110100100940

0,7180,624CANDEIAS DO JAMARIRO1100809110100100809

0,2360,259CAMPO NOVO DE RONDONIARO1100700110100100700

0,3640,383BURITISRO1100452110100100452

0,3220,521NOVA MAMORERO1100338110100100338

0,6420,490PORTO VELHORO1100205110100100205

ÍNDICE GERAIS

ÍNDICEMUNIC

NOME DO MUNICÍPIOSIGLA DA UF

CÓDIGO IBGE

CÓDIGO DO MUNICÍPIO

Por meio do tratamento geoestatístico dos dados construiu-se a figura que segue:

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O mapa acima apresenta interessantes dados sobre as zonas em que o nível de

abstenção medido nas últimas eleições gerais foi reduzido, e que ao mesmo tempo vêm

melhorando suas taxas de comparecimento às urnas.

Verifica-se que as características regionais não são decisivas para a definição do

IVCE, já que são muitas as exceções territoriais para mais ou para menos. Os vales do

Jequitinhonha e do Ribeira continuam mostrando indicadores desfavoráveis de

mobilização eleitoral, enquanto no Nordeste o Piauí aparece ostentando as maiores

zonas em que comparecimento eleitoral foi mais relevante naquela região.

Outro aspecto que reclama particular atenção é a inconsistência aparente entre os

níveis de comparecimento/abstenção observados no Referendo de 2005 e o IVCE.

Não há uma coincidência entre os índices favoráveis de comparecimento

observados no referendo e o indicadores representados pelo IVCE.

Na Região Sul, por exemplo, em que foi relativamente pequena a abstenção no

referendo, as áreas de alto IVCE dividem espaço com outras pior avaliadas segundo

esse indicador. A região segue sendo, sem dúvida, a que ostenta melhores atribuições de

IVCE, mas revela incongruências comportamentais relevantes a ponto de merecer

outras análises de dimensão mais profunda.

Pelo que se pôde observar até agora, a pesquisa de indicadores relativos à

mobilização para o exercício do voto demonstra ser útil para a descoberta e o estudo de

variações comportamentais de natureza política.

A confrontação dessas descobertas com outras fontes de informação podem

favorecer a análise do impacto exercido pelo sistema eleitoral vigente sobre essas

variações comportamentais.

Uma primeira análise, sob esse enfoque, pode se dar em relação ao peso do atual

modelo de financiamento de campanhas sobre a livre tomada de decisões por parte dos

eleitores.

Aqui nos importam não os marcos legais em que é definido o modelo vigente,

mas a dificuldade de fiscalização aos mesmos inerente.

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O Brasil adota um modelo baseado fundamentalmente no financiamento privado

de campanha, não havendo até o momento estabelecimento de limites para os gastos

eleitorais.

De outra parte, a Justiça Eleitoral não possui mecanismos de fiscalização aptos a

propiciar a apuração de meios não declarados de arrecadação e de realização de

despesas eleitorais.

Isso pode favorecer o uso de recursos materiais públicos ou privados como

fatores externos de mobilização política.

Dispunha-se no Brasil, até recentemente, de poucos dados sobre a presença de

práticas de negociação do voto. Pouca pesquisa acadêmica foi realizada a respeito em

nosso País.

A coleta de dados empíricos acerca do tema foi muitas vezes buscada por meio

de pesquisas mediante questionários (surveys), em que se indagavam os respondentes

diretamente acerca de práticas sabidamente tratadas pela lei como condutas criminosas,

o que reduz a fiabilidade desse tipo de investigação.

De outra parte, a busca de informações sobre o tema diretamente nos juízos e

tribunais eleitorais se mostrava pouco satisfatória, pois até há poucos anos a legislação

inviabilizava na prática a imposição de sanções aos mandatários acusados de corrupção

nas eleições. Isso desestimulava o ajuizamento de ações e, por conseguinte, tornava

insatisfatório o volume de dados disponíveis no âmbito da Justiça Eleitoral.

Essa realidade foi substancialmente alterada pelo advento da Lei n. 9.840, de

1999.

Trata-se da única lei eleitoral brasileira proveniente de projeto de iniciativa

popular.

Entre 1998 e 1999, cerca de 90 organizações e movimentos da sociedade civil,

sob a liderança da Igreja Católica, reuniram as 1.139.175 assinaturas que tornaram

possível a apresentação do projeto que afinal foi convertido em lei pelo Parlamento e

sancionado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.

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A lei assim aprovada introduziu no ordenamento jurídico poderes

administrativos para que a Justiça Eleitoral afastasse das disputas eleitorais, mediante a

cassação do registro ou do diploma, e impusesse multas aos candidatos descobertos na

prática da compra de votos (ou captação ilícita de sufrágio) e do uso eleitoral da

máquina administrativa.

Surgiram assim mecanismos legais mais aptos à imposição de sanções eficazes

e, com isso, apareceram grande número de demandas em que se alegava o cometimento

de infrações eleitorais por parte de candidatos e apoiadores.

Os números revelados após os primeiros sete anos de aplicação da Lei n. 9.840

são bastante significativos.

Até o final de setembro de 2007, 623 políticos já haviam perdido ou estavam em

vias de perder seus mandatos em virtude da aplicação da referida lei.

Os números das cassações segundo o cargo dos atingidos podem ser verificados

no quadro abaixo:

Esses números se referem, como dito, a casos em que os recursos materiais e

humanos das administrações públicas ou vantagens materiais ou imateriais de origem

privada tiveram sua prática reconhecida por diferentes instâncias da Justiça Eleitoral.

Servem, portanto, não apenas para “localizar” a existência de denúncias relativas

à prática desses ilícitos como também para excluir acusações completamente destituídas

de qualquer fundamento.

CARGO ATINGIDOS

Governador e vice 4

Senador e suplentes 6

Deputado Federal 8

Deputado Estadual/Distrital 13

Prefeitos e vices 508

Vereadores 84

Total 623

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O crivo realizado pela Justiça Eleitoral deve ser levado em consideração para

emprestar-se aos dados obtidos dessa maneira um grau maior de confiabilidade.

Analisada espacialmente a distribuição dos julgados em que se reconheceu a

prática dos mencionados ilícitos eleitorais, temos o seguinte mapa:

Como se vê, há uma grande distribuição de casos em que as instâncias da Justiça

Eleitoral reconheceram a presença de atos de mobilização do eleitorado através de

mecanismos ilícitos.

Por outra parte, apenas em relação às Eleições 2006 subsistem em tramitação na

Justiça Eleitoral 1.100 processos pendentes de julgamento, segundo dados

disponibilizados pela Corregedoria Geral Eleitoral (TSE).

Esses números demonstram a presença de fatores de negociação do voto em

níveis elevados em todo o território nacional.

É certo que os dados não permitem valorar os graus de intensidade com que esse

fenômeno se faz presente nas diversas regiões do País. A descrença na eficiência do

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aparato repressivo, o temor de represálias e a dificuldade na obtenção de provas estão

entre os fatores que podem inibir o oferecimento de denúncias ou dificultar a aplicação

das medidas.

Servem, entretanto, para demonstrar a presença nacional do problema, bem

como para apontar ainda que de modo superficial a intensidade com que o mesmo ainda

se repete no cenário político.

Isso demonstra a necessidade de pesquisas mais profundas que correlacionem

indicadores diversos e dados referentes à presença de mecanismos ilícitos de

deformação da vontade do eleitor.

Mas também suscita a necessidade de uma revisão sobre o modelo de

financiamento de campanhas adotado atualmente no Brasil.

De outra parte, a gravidade dos dados revelados nesta pesquisa aconselha um

reexame do sistema eleitoral no tocante à forma de composição das listas eleitorais.

Modelos baseados na competição entre membros de um mesmo partido podem

contribuir para uma “personalização” das campanhas, tendendo a reforçar a reprodução

de vínculos clientelistas ou baseados em outras formas de dependência.

A moderna Teoria Social vem reconhecendo a importância de fatores tais como

a confiança nos demais membros da comunidade, o estabelecimento de normas de

reciprocidade e a formação de redes sociais de interação como circunstâncias de que

depende o desenvolvimento de formas mais complexas de comportamento político.

Essa vertente teórica parte do pressuposto de que a cooperação social realizada

em bases de confiança recíproca é capaz de criar e reforçar o comportamento cívico.

Cidadania e civismo, aqui considerados em acepções correlatas, parecem mesmo derivar

da existência de meios sociais propícios para o seu exercício.

O pertencimento a organizações sociais tais como associações, igrejas, clubes,

sindicatos, partidos políticos e outras organizações sociais propiciam o meio adequado

para o desenvolvimento de posturas políticas e para o fortalecimento de vínculos de

corte horizontal, desfavorecendo o clientelismo e outras formas de dominação política.

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A participação em processos eleitorais aporta valiosos dados para o estudo do

comportamento eleitoral, mas também de suas condicionantes.

O escopo deste trabalho – e principalmente seu limite temporal – não nos

permite imergir nessa necessária abordagem, mas se presta a reafirmar a importância

dessa leitura a partir do cruzamento dos dados já obtidos com outros ainda pendentes de

coleta, à luz de uma teoria capaz de dar uma concreção à reflexões daí emanadas.

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PARTE III

Análise dos dados qualitativos

O restabelecimento da democracia no Brasil reacendeu vários desafios para a

Nação brasileira. No que se refere ao processo de redemocratização poderíamos citar o

enfrentamento da desigualdade, a promoção de políticas igualitárias e o fomento à

participação popular.

Compreender e analisar o sistema eleitoral vigente, suas potencialidades e

obstáculos para a consolidação da democracia no Brasil é o fundamento central dessa

pesquisa. Para traçar um percurso empírico da aplicação prática do atual sistema

eleitoral foram utilizadas técnicas distintas de pesquisa, dentre elas entrevistas semi-

estruturadas, questionários, grupos focais e observação participante. A coleta dos dados

ocorreu de maio a dezembro de 2007.

Esses instrumentos compuseram a estrutura metodológica da construção dos

dados e objetivaram construir diversos níveis de compreensão, a partir do entendimento

de que o lugar de fala de cada sujeito social entrevistado remeteu diretamente ao mundo

social por ele vivido. Como exemplo, aqueles que experimentaram ou experimentam a

participação têm a oportunidade de elaborar percepções sobre o sistema eleitoral

diferenciada daqueles que atuam diretamente na estrutura governamental ou ainda,

daqueles que não trazem consigo as marcas da participação. A análise qualitativa dos

dados nos permitiu enxergar estruturas, em nível não consciente, dos sujeitos

entrevistados bem como, compreender os efeitos dessas sobre a formulação do mundo

real vivido.

Os resultados compuseram um quadro de referência, isto é, um quadro das

representações sociais que os entrevistados possuem do atual sistema eleitoral e as

possibilidades de reforma desse sistema. A análise está estruturada sobre as seguintes

categorias – seguidas por seus indicadores –, conforme podemos observar no

organograma a seguir:

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Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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1. Sistema Eleitoral Vigente – Análise das representações sociais de segmentos

sociais estratégicos na implementação de mudanças

1.1. Confiança no sistema eleitoral e nos políticos

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Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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O sistema eleitoral vigente está erigido sobre uma base histórica que remonta à

tradição política nacional, bem como aos sucessivos períodos de ausência da

democracia no Brasil durante o século passado. Segundo Barreto & Fleischer14 mesmo

com a convocação da Assembléia Nacional Constituinte em 1988 seus membros não

apresentaram propostas que representassem grandes avanços no que se refere ao sistema

eleitoral. Ainda em 1985, portanto, antes da convocação da Assembléia Constituinte,

foram adotadas modificações nas normas políticas, tais como a criação de novos

partidos políticos, a legalização de partidos comunistas, novas revisões nos registros

eleitorais, dentre outras15. Durante o Governo Sarney, em 1995, a questão da fidelidade

partidária, do financiamento de campanhas eleitorais e das coalizões partidárias chegou

a ser discutida no Senado Federal, não chegando, todavia, sequer a ser submetida a

debate na Câmara dos Deputados16.

A incapacidade de se constituir caminhos plausíveis em que esse conteúdo fosse

efetivamente debatido é perceptível quando se observa o cotidiano da política nacional,

largamente difundido nos meios de comunicação de massa, em que a ação política se

encontra reduzida a acordos em que somente aqueles que participam se beneficiam. A

preponderância dessa percepção foi evidenciada durante o trabalho de campo e a

constatação de vários entrevistados nos chamou a atenção. Para eles a inserção das

urnas eletrônicas no processo eleitoral o tornou confiável. A alta confiabilidade nas

urnas se transformou em tecnologia nacional para exportação, mas só foi possível se

tornar confiável porque não existe, segundo os entrevistados, “manipulação humana

durante o processo17”. As urnas são vistoriadas e lacradas e a partir daí, tudo é

eletrônico, segundo um entrevistado.

Depreende-se dessa concepção uma supremacia da técnica sobre as relações

sociais, ou seja, a solução das questões políticas estaria circunscrita a uma ação de

gestão. Interessante observar que os entrevistados crêem que não poderia dar errado, já

que tudo é eletrônico e não há interferência humana. Esse procedimento sugere que os

problemas teriam sua origem na ação das pessoas que atuam diretamente na política,

com ênfase para aqueles que disputam cargos eletivos e não no modelo de organização

14 BARRETO, Leonardo & FLEISCHER, David. Reformas políticas y democracia en Brasil. 2008 15 FLEISCHER, David. Reforma política em Brasil: uma história sem fim. In, America Latina Hoy. Revista de Ciências Sociais. Ediciones Universidad de Salamanca, Vol. 37, p. 81-89, agosto/2004. 16 Idem, ibidem. 17 Todas as frases em itálico no texto são transcrições das falas dos sujeitos entrevistados.

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do processo ou em suas raízes históricas e sociais. No limite, a tecnologia é concebida

como algo distinto das pessoas, um poder imanente que paira sobre o ar, uma vez que

não foi construído por ninguém.

Talvez por esse motivo as eleições não sejam consideradas justas por alguns

entrevistados, pois está construída por atos humanos. Para eles, os resultados eleitorais

estão vinculados internamente a procedimentos e estratégias de campanha que não

podem ser considerados benéficos à constituição de um cenário democrático.

Interessante observar que os entrevistados distinguem o resultado do processo. Para LR,

funcionária pública, ocupante de cargo comissionado no Governo do Distrito Federal,

as pessoas são descrentes dos políticos, mas não do processo eleitoral. Pode-se inferir

que uma reforma eleitoral poderia resolver os problemas da política nacional, pois teria

o poder de “controlar” os políticos e com isso, consolidar positivamente o processo

eleitoral. LR não compreende a participação popular ou a reforma política

fundamentada na participação como meio de se restaurar a confiança nos políticos.

Curioso observar que ao mudar o público entrevistado obtemos diferentes

nuances sobre o mesmo ponto. O grupo que atua em Santa Maria/DF no Movimento de

Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) tem visão distinta sobre a introdução da urna

eletrônica. Para esse grupo a informatização da coleta dos votos não seria suficiente

para se considerar uma eleição confiável, porque mesmo com a introdução da urna a

compra de votos, a boca de urna e a pressão sobre o eleitorado persistem. Ou seja, para

eles os políticos são indissociáveis dos processos eleitorais. A indissociabilidade

existente entre políticos e processos eleitorais só é percebida por aqueles que são

ativistas sociais.

Segundo um Promotor da Justiça Eleitoral, doravante denominado PJE,

entrevistado por nossa equipe, as regras eleitorais favorecem aqueles que possuem

recursos financeiros, pois esses usufruem mais poder no interior dos partidos políticos.

Essas pessoas ao ingressarem em partidos políticos e apresentarem suas candidaturas se

transformam em porta-vozes de corporações. Para PJE, o Parlamento brasileiro está

repleto de políticos que se elegem para fazer lobbie para determinadas corporações,

geralmente aquelas que financiaram as respectivas campanhas. Essa seria uma

injustiça fundante do sistema eleitoral vigente. JL, funcionário público, nos informa que

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a disponibilidade financeira de alguns candidatos vai “arrebatar de certa forma uma

classe menos favorecida” por intermédio de falsas promessas.

Muitas vezes os eleitores não se detêm na escolha de seu candidato por não

acreditarem que hajam políticos honestos, políticos que cumprem a sua

responsabilidade social. Essa afirmativa, proferida por um líder religioso católico que

atua diretamente com os movimentos sociais, apresenta o espaço da política como um

lugar em que a racionalidade instrumental, ou seja, a ação com relação a fins,se tornou a

única motivação plausível para a ação das pessoas. É claro, que não existe somente essa

motivação, mas segundo o depoimento, essa seria preponderante sobre as demais. Essa

constatação nos abre caminho para a compreensão mais detalhada acerca do

comportamento político da população em geral. Quando se pressupõe que as pessoas só

podem agir se algo lhes for ofertado em troca cria-se um ambiente em que a liberdade

não é valor constituinte, por isso todos passam a olhar para a política com grande

desconfiança não só nos políticos, mas para todo o sistema em geral. Retomando o

depoimento,

Normalmente as pessoas não discutem muito o mérito se, por exemplo, as urnas eletrônicas têm fraude, se não têm, se foram corretas ou não; elas não entram nesse mérito, elas simplesmente se sentem obrigadas a votar. Vão no dia, reclamam da fila, e pronto, cumprem o seu papel, a sua responsabilidade de cidadão, muitas vezes sem ter a consciência do que aquilo vem a significar. Ao mesmo tempo eu vejo que aos poucos a gente tem tido um amadurecimento político também, que os meios de comunicação já não tem tanta força de manipulação como tinham no passado. Aos poucos a gente tem avançado nessa conscientização. Mas ainda é muito pouco o que avançamos.

A fala acima reforça o comportamento eleitoral no que se refere à coleta dos

votos, atribui-se às urnas eletrônicas o poder de controlar a transparência de toda a

coleta. A obrigatoriedade do voto é considerada nesse contexto como problemática, pois

ao ser obrigado a votar o eleitor se despe da ação cidadã que envolve o processo de

participação política e procede de maneira aleatória, escolhendo sem critério seus

candidatos. O promotor de justiça entrevistado alerta para o fato,

o voto tem que ser facultativo, o voto facultativo criaria um maior compromisso do eleitor com o processo eleitoral, porque hoje em dia, como é obrigatório, a pessoa comparece ao pleito eleitoral para não ter nenhuma sanção, que a lei prevê, sanção administrativa, ou uma sanção pecuniária, mas ela não tem compromisso com aquele voto. Por isso fica muito fácil para candidatos inescrupulosos, manipularem os eleitores, enquanto o voto for obrigatório, (...) eu diria que as eleições são injustas, porque elas não refletem a vontade

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realmente do povo, a influência que o poder político tem sobre as eleições.

A possibilidade de se trocar o voto por algo concreto quando se está em situação

de extrema vulnerabilidade, desemprego, fome ou doença, transforma o eleitorado de

estratos sociais menos abastados em alvo privilegiado de promessas, como exemplo o

caso de um candidato em Brasília que ofertava batatas como meio de angariar votos.

Esse modelo de atuação de alguns políticos, segundo um ex-candidato a deputado

distrital e militante do MCCE, têm seu poder e prestígio aumentado quando aparecem

em noticiários, ocupantes ou não de cargos públicos. Ao se tornar uma pessoa visível

publicamente ele consegue aumentar o número de “cabos eleitorais” em sua campanha.

Segundo o entrevistado (ex-candidato),

a falta de informação, a falta de educação, tudo isso é o causador de tudo isso que ta acontecendo na nossa cidade. Eu tô falando da nossa cidade porque nós convivemos aqui e nós temos que falar sobre a realidade. Hoje alguém fala de político corrupto só que somos nós que transformamos esse político. Nenhum ser humano eleitor já é corrupto, porque a gente quando vai atrás de um candidato ele já ta pensando em quê? Em se dar bem. [Quando o eleitor pede] um emprego, pede uma bolsa né, como nós somos carente de tudo essa realidade chega a nossa família, chega a todos os locais de trabalho, da escola, da igreja, eu falo isso porque eu sofri na pele há cinco anos atrás eu tentei fiz opção de sair candidato entendeu? Saí candidato e eu cheguei a ponto de ir numa casa e uma pessoa falar assim: “você não tem pinta de candidato”, eu disse “sou alfabetizado, sou filiado a um partido, moro em Brasília não sei quantos anos, como que eu não posso ser?” “não você não parece candidato”, aí eu cheguei pra ele e voltei então “já entendi porque, eu não to de terno, não to de carrão, eu não to te oferecendo e nem tenho como te oferecer nada em troca então eu não pareço um candidato” O candidato é aquele que você vê na mídia acompanhado de vários cabos eleitorais pra te manipular, e isso acontece na nossa comunidade, mesmo como você falou, falando daquelas pessoas da batatinha e outras, eu participei agora de uma reunião na sede, daquele prefeito que distribui batatinha e foi apresentado “isso que é um prefeito” entendeu? E isso não traz nada pra comunidade, não traz nada pra comunidade, então essa pessoa ele é reconhecido, ele é recebido em qualquer lugar, agora a questão que eu sempre prego, o bem pra comunidade, um lazer, correr atrás de alguma coisa essas pessoa não é reconhecida, porque eu não tenho o que oferecer, (...) com certeza, eu não vou ter nada a oferecer...

No segundo grupo focal realizado com lideranças sociais de uma cidade da

periferia de Brasília, doravante chamada SM, colhemos os seguintes depoimentos:

P1 - o eleitor vota pelo próprio político, mas não sabe qual é o partido, qual é qual é o significado, qual a sua proposta. P3 - às vezes não conhece nem o político....

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P4 - ele não conhece nem o político, só por televisão, não sabe qual o trabalho dele, não sabe como trabalha, o que ele já fez, o que ele vai fazer. Prometeu na televisão e aí a pessoa vai lá e vota nele. P1 - A eleição do Collor foi um exemplo disso né, a mulher votou nele porque ele era bonito.

Ao votar no indivíduo e não em um partido político, portador de uma história, de

uma tradição social o eleitor também tende a pretender algo individualmente. Trata-se

da transposição de uma tênue linha. A transposição dessa linha pode gerar uma

dificuldade de responsabilização dos sujeitos envolvidos no processo eleitoral. A

responsabilização de instituições sociais e indivíduos é a base de governos

representativos. A ausência desse procedimento pode levar a longo prazo à instabilidade

política, social e econômica.

1.2. Sistema eleitoral e mudanças individuais e coletivas

A concepção de um sistema eleitoral justo e confiável passa pela compreensão

da cultura política da população no seu conjunto. Para empreender uma efetiva análise

desse ponto foi indagado aos entrevistados o que eles aguardavam como resultado dos

pleitos eleitorais – melhoria individual ou melhoria para a sociedade como um todo.

Esses pontos nos remeteram a outro nível analítico, buscou-se compreender como as

pessoas articulam discursivamente a transposição da linha que separa o indivíduo do

coletivo, o partido do candidato. Ao ser analisado esse ponto é possível observar

inflexões sobre o comportamento dos políticos em relação à fidelidade partidária.

Interessante observar a conceituação de política suscitada por um dos entrevistados:

Eu vejo que as pessoas têm a visão da política como restrita apenas ao fator eleitoral. Elas pensam que participar da política é o momento que vc vota na urna, urna eletrônica. Mas elas têm na verdade, vêem a política como um meio em que as elites podem ganhar muito. E às vezes procuram os políticos porque imaginam assim: bem, se eles estão ganhando tanto, quem sabe eles não podem me ajudar no pouco que eu preciso. Então aí começa uma relação às vezes da política como troca de favores, como troca de favorecimento, e isso favorece muito o ambiente da corrupção eleitoral.

Outro depoimento vale ser citado, pois também intenta estabelecer critérios para

se definir o que é política:

P9: Pegando um pouco o gancho aí né, é interessante a citação de Platão, porque ele mesmo fala que somos animais políticos, e eu creio que a política é isso daqui, é o convívio, essa nossa relação, essa troca recíproca que temos. A política eu vejo assim, ela é isso, é você ir ali discutir, sentar, se organizar, e esse viés de construção de

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modelo representativo ele acabou vindo pra representar uma base, economicamente dominadora né, coercitiva, a burguesia e tal. Ela vem com esse principio, ela se construiu através desses patamares sociais, porque o modelo representativo seria pra representar aquela elite em si né, que até pelo voto em si, ela vem com essa perspectiva de interesse particular né, em detrimento do interesse coletivo, a partir do momento que você vai ali votar você está votando a partir de determinados interesses individuais, embora tido como interesse coletivo, ele fica à margem, ele acaba não sendo contemplado nesse voto. Nas andanças, assim, que nós temos nós percebemos que, realmente, a população, ela discute, em pontos de no ônibus... teve um dia desses que até eu me deparei com uma senhora, que tinha dois filhos e tal, ela tava discutindo, dizendo “Poxa, eu tenho aqui dois filhos, queria que eles fizessem uma natação no colégio ali, mas acabei não tendo condições, e o Estado não promove essa condição, ele acaba que fica o final de semana na frente da televisão, assistindo o Faustão ou o Gugu” né, é essa coisa, a política é isso, nós temos assim no imaginário, aquela coisa, “O que é o Estado?”. Essa força imaginaria que tá ai, que constituiu. Isso é só um modelo, temos esse modelo de representação, ele tá ai e acreditamos ele como o justo e o único, né, o absoluto, que acabou tendo uma predominância, e aceitamos como se fosse aquele, né. Sim, podemos reformá-lo, o que o pessoal fala, podemos reformá-lo, vai lá pegando ali e tal, e ele vai indo, vai indo, a situação vai se protelando, e a situação vai indo, vai indo, e ele tá ai e fica no imaginário, eu fico imaginando, como assim?

Segundo o entrevistado acima o sentido da política seria a liberdade, a criação de

espaços que pudessem contribuir para a solução de problemas coletivos, enquanto a

realidade na cidade demonstra ações que vão no sentido oposto. PJE, funcionário

público, afirma que a escolha do candidato fundamentada em uma vontade privada não

trouxe benefícios à cidade, veja abaixo:

PJE: Olha no Distrito Federal é pelas promessas feitas à pessoa, por exemplo, em Brasília já se votou muito pelo voto, pelo lote. “Eu vou ganhar um lote”. Então votava-se no Roriz e no seu grupo político, isso é fato, né. É, outra questão também são as corporações, pode ver que acaba que, votando assim, o deputado que representa os médicos, o deputado que representa os professores, o deputado que representa os comerciantes, o deputado que representa os policiais, civis, policiais militares. A quantidade de policiais que existem na Câmara Legislativa do DF é imensa, parece que são três atualmente, se não me engano, não é? E eles votaram porque essas pessoas têm grandes e relevantes interesses públicos? Não, votaram por interesses corporativos, então tem o quê, interesses corporativos. Então, são interesses pessoais diretos, “vou ganhar um lote”, ou interesses corporativos, os policiais, médicos.

De acordo com o entrevistado os votantes das cidades menos favorecidas

economicamente simplesmente seguiriam uma tendência atual, pois há uma

sobreposição do econômico sobre outras dimensões da vida humana, ou melhor, as

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necessidades econômicas da população seriam responsáveis pela escolha do candidato.

Os depoimentos demonstram uma tensão entre o benefício individual e o benefício da

coletividade, entre o alcance de uma vantagem e a vontade de mudar o espaço em que

vivem. Abaixo podemos observar alguns indícios da redução do campo da política ao

simples exercício eleitoral. Segue um excerto do depoimento de um líder religioso na

cidade SM:

E1 - Primeiro, o sentimento de individualismo ele na verdade existe hoje uma cultura, que tendência? (10’42”) a isto. Cada um procurar o seu próprio. Eu chamo isso de uma cultura neoliberal. Há uma cultura neoliberal que isso se reflete inclusive sobre a religião. As pessoas às vezes quando procuram a religião, muitas das vezes, a grande maioria, não pensam apenas na dimensão comunitária que a fé tem, mas pensam em associar as suas necessidades religiosas de forma individual, de forma muito subjetiva. Então, no geral, há uma cultura que gera individualismo, que eu chamo de uma cultura neoliberal. Isso tem suas conseqüências em todos os cantos, como eu disse, na religião mas também na política. Só que o que eu vejo, por exemplo, as opções políticas que as pessoas fazem, muitas vezes têm pessoas que tem o sentimento de que de repente, determinado candidato vá também corresponder com necessidades coletivas, da coletividade. Só que a relação dinheiro, economia e política, hoje eu vejo o fator publicidade. O candidato que consegue melhor fazer a sua propaganda, fazer a propaganda das suas propostas, que ele consegue vender melhor a sua imagem, assim como um produtos do mercado, ele consegue se tornar um produto de consumo, ele tem maiores vantagens. E por isso o poder econômico define a eleição, porque quanto mais dinheiro você tiver, mais chances você tem de ganhar a eleição, porque o fator publicidade determina o os resultados eleitorais. É o que eu observo. Quer dizer, o fator mídia, a grande mídia, como manipulava, e ainda manipula, mas ela não tem tanta força mais como o fator publicidade que os candidatos, os partidos trabalham. E eu acho que não é difícil a gente comparar – não tenho dados aqui – mas se a gente for observar os partidos que tiveram mais dinheiro pra investir em campanha, foram os partidos que tiveram os melhores resultados, incluindo o nosso ex operário Lula, e o partido dos trabalhadores, que as contas mostraram que era o partido que tinha mais recursos financeiros pra investir na campanha, do ponto de vista da esfera federal, por exemplo. Então, é assim como eu vejo, quer dizer, e isso acaba determinando um inconsciente coletivo de que aquele ali vai responder melhor as minhas necessidades individuais, que é o que eu estou buscando, mas também, de repente vá melhorar a qualidade de vida da comunidade onde eu vivo.

O depoimento acima nos chama a atenção para os vínculos estabelecidos pelo

morador e líder religioso da cidade. Para ele a busca por uma vantagem ou benefício

individual não está circunscrita somente à política, mas esse comportamento gera ações

egoístas em campos que usualmente, segundo ele, predominavam o altruísmo, como na

religião, por exemplo. Outro ponto levantado é a criação de um imaginário político

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fundamentado nas propagandas eleitorais. Ela tem se tornado um elemento chave para a

eleição dos candidatos. Em muitos casos votar em alguém traz reconhecimento e

prestígio no interior da comunidade em que se vive. Muitas vezes as pessoas se

orgulham de falar, mesmo depois do pleito eleitoral, que tal objeto foi ganho do

candidato tal.

Numa perspectiva mais abrangente não houve fortalecimento da política

enquanto uma esfera social que pode fazer emergir cidadãos, indivíduos preocupados

com o bem comum. Vale analisar, por exemplo, a motivação popular da troca do voto

por um lote. O quê significa o lote para a vida de pessoas que nunca obtiveram um

pedaço de terra, não só ele, mas seus ascendentes diretos, pai/mãe, avô/avó ou

bisavô/bisavó, nunca obtiveram um lugar seguro para morar? Alguns depoimentos

colhidos na cidade nos permitiram conhecer famílias com filhos adolescentes, que

nunca haviam experimentado morar em um lugar sem dividi-lo com outras famílias, que

haviam morado de favor na casa de um e de outro. Existem casos também em que as

famílias já haviam passado por períodos de indigência morando nas ruas ou pontos de

ônibus. Ou seja, ao se considerar essa variável observa-se em que medida os

imaginários e interesses se encontram. Existem políticos que são guiados pela razão

instrumental. Essa ação se coaduna com uma necessidade premente de um largo

contingente populacional que foi ao longo da história abandonado à sua própria sorte.

Durante o grupo focal pretendemos saber mais sobre a troca de votos por

vantagens pessoais. Obtivemos as seguintes repostas:

P6: Agora lógico que aqui dentro de SM o que ocorre é uma mercadoria, o voto é uma mercadoria de troca, na sua grande maioria, não digo que são todos não. Até porque acho que a gente tem avançado muito, a gente vê que as pessoas às vezes, meio que, estão deixando de ser tolas, né. Ao invés de trocar por um milheiro, não, eu quero um cargo publico, não um milheiro de tijolo, tá ficando mais esperto, na grande maioria.

P6 traz uma visão interessante. A política dos lotes vigorou durante os anos 1980

e princípio de 1990. Passada a euforia da distribuição dos lotes, a euforia se deslocou

para políticas de provimento de pão, leite e alimentos em geral. O participante acima

fala sobre esse momento em que a política “do pão e leite” não é mais suficiente para se

fazer a troca entre político e eleitor. Sob essa perspectiva, os eleitores estão mudando a

maneira de trocar o seu voto, pois diante do discurso acerca da corrupção dos meios de

comunicação eles percebem que podem fazer uma troca mais vantajosa, algo mais

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duradouro, no caso a ocupação temporária de um cargo público. Abaixo, observa-se que

o debate segue com concordância de outro participante;

P7: Eu agora não quero mais aquilo que é, sabe? Eu quero uma coisa mais duradoura, né, as coisas agora estão evoluindo. Não quero mais só um milheiro de tijolo não, agora eu quero que você me dê um emprego. Mas no fundo no fundo tudo é a mesma coisa, tá sendo enrolado, e ta sendo iludido. E eu fiz uma pesquisa um dia desse mesmo, foi até eu tava de férias ai, justamente querendo saber, chamando alguém pra um debate que ia ter, e simplesmente quando eu fui de casa em casa e tal, e simplesmente a pessoa falava “mas fulano de tal me prometeu um emprego”, isso eu ouvi, e eu fui em 50 casas, em 49 eu ouvi isso.

Vale a pena enfatizar que não existe somente uma orientação para a ação dos

eleitores, mas o que predomina é a tentativa de solucionar problemas cotidianos

insolúveis ao longo de vários anos e durante o período eleitoral vêem à tona. A

população diante de uma vida precária intenta se colocar no cenário político com o seu

capital simbólico, no caso de cidades pobres, o que eles possuem é a quantidade de

votos. Porque segundo alguns entrevistados os candidatos e seus assessores têm que ir

para as cidades das periferias porque é lá que existem pessoas, aqui falamos em

quantidade, para alcançar o número necessário de votos para sua vitória. Desde o início

muitos moradores já se preparam para uma relação de troca, pois quando existem

candidatos da própria cidade eles não têm como fazer frente aos “candidatos que vêem

do Plano Piloto” segundo eles.

Interessa frisar uma estratégia que se observa em Brasília e provavelmente em

outros estados. Chegar hoje em uma cidade da periferia urbana durante uma campanha

eleitoral não é mais tão fácil quanto foi outrora. O candidato precisa preparar algumas

estratégias de entrada, para tanto, ele se vincula a algumas pessoas com potencial e

capacidade de liderança e as convida a se candidatar também, de antemão sabendo que

seus votos se restringem àquela zona eleitoral. Os votos obtidos por esse candidato se

transformam em quociente eleitoral para a legenda para o candidato mais forte, no caso

o que veio de fora da cidade, e se transforma em um emprego para o candidato nanico.

Essa é a base do acordo eleitoral e essa estratégia vai se repetindo, pois o candidato da

cidade ou candidato nanico, repete o mesma estratégia. Um participante do grupo focal

tem ultimamente refletido sobre a questão e intenta analisar sua condição de morador da

periferia inserindo a periferia num quadro de desenvolvimento nacional de longa

duração, ou seja, histórico. Segundo ele,

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P6: Eu tava lendo um livro sobre o movimento sindical, aí tinha um fato de 1910, quando simplesmente a gente fala normalmente o trabalhador são colocados longe, colocado longe dos centros urbanos, colocado, no que se diz hoje, periferia. É, fica mesmo isolado e a questão de que não chega cultura, não chega lazer, é porque os empresários naquela época já pensavam naquele negócio, o trabalhador é feito pra trabalhar somente, trabalhou lá 16 horas, na época era 14 ou 16 horas de trabalho, ele ia pra casa pra dar uma cochilada e voltava ao trabalho. Lazer, essas coisas, não. Tanto é que tem um fato aí, que em 1910, um grupo de trabalhadores resolveu ir lá no jardim botânico, no Rio de Janeiro, pra ir lá, pra distrair, só passear, pra ver a luz do dia. Porque na realidade, o cara entrava numa industria, e ele não saia, ele não via a luz do dia. Então, reuniu-se esse grupo, e o fato existiu na época, esse caras estavam lá, trabalhadores, tudo molambento, porque não tinha condição de se vestir, a policia foi lá pegou todo mundo e prendeu. Porque eles estavam na rua, trabalhador é pra estar dentro de casa dormindo durante o dia, né, lá no fim de semana. Então é aquele negócio são coisas que vem acontecendo, e não é de hoje não, hoje o que que a gente faz aqui, como ela falou, cidade dormitório. Santa Maria já ta sendo, embora haja uma vontade da própria comunidade de ter seu lazer, de ter suas áreas de diversão, tanto é que todo mundo sai pra fazer suas caminhadas e tal. Tentar trazer, mas ainda, o intuito de todo e qualquer burguês, é o que, o trabalhador tem que ficar isolado, numa Santa Maria longe, e lá que eles fiquem por lá, se eles tão vindo muito pra cá, a gente dá um jeito de levar a galera pra lá. Porque já ta incomodando aqui, já estão perturbando. Então é aquele negocio, e não é em 1910 não, hoje ocorre isso daqui, é uma maneira, justamente, de manter esses trabalhadores, lá, no lugar deles, vamos dizer assim, e o restante fica ai. Agora o político vai lá, tem problema, não tem o que comer, então a gente vai lá, dá o que comer, dá mais não sei o que, e a gente consegue voto, isso é uma realidade dura, crua, mas que tem que encarar de frente. E tentar mudar.

A fala acima traz uma visão abrangente dos moradores pobres de cidades com

estrutura precária. Em Brasília, como em outros centros urbanos brasileiros, existe

várias modalidades de segregação. Aquela que se refere diretamente à ausência dos

serviços básicos e outras que são construídas cotidianamente para frear o acesso desse

contingente populacional aos benefícios existentes nos grandes centros. Por exemplo,

em Brasília, o transporte coletivo não funciona aos domingos, ou melhor, as linhas de

acesso aos pontos de lazer não são suficientes para que a população possa se deslocar da

periferia para o centro em busca de alguma alternativa de lazer ou cultura, lembrando

que na cidade em que vivem o lazer é quase que inexistente e a cultura mais rara ainda,

pois muitas cidades não contam com salas de cinema, teatro ou mesmo uma biblioteca

pública. Nas cidades em que a biblioteca existe é composta por sobras de livros, com

espaço reduzido e não funciona aos domingos. Portanto, só resta mesmo a televisão com

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seus programas de calouros em que as figuras pobres são apresentadas como pessoas de

segunda categoria que só merecem da sociedade o escárnio velado ou direto.

Outro entrevistado, PJE, traz uma visão menos otimista em relação aos motivos que

orientam a ação do eleitor no momento de escolha do candidato. Para ele as pessoas não

estariam dispostas a votar nem em pessoas, nem em partidos, mas em quem está no

Estado. Ou seja, quem naquele momento está fornecendo algo. Ou o lote, ou o benefício

cotidiano do pão e do leite. Para ele, são esses candidatos que alcançam uma votação

fenomenal.

Para LR, o cenário político já está se alterando, segundo ela, a ação de algumas

pessoas, ela se inclui, tem feito com que as pessoas se desloquem da busca de vantagem

pessoal para a busca da melhoria coletiva. Segundo ela,

LR: Nós entramos aí. Em minha opinião nós temos um grande grupo de pessoas eu acho que meio a meio, um grupo que realmente pensa na sua promessa pelo lado pessoal, em função hoje de um assistencialismo que ainda existe no nosso país né, nós te,os ainda um assistencialismo no nosso pais, então muitas, então realmente o desemprego, a fome, faz com que a promessa pessoal seja mais importante pra mim, agora eu acredito que as pessoas mais esclarecidas tão pensando no bem maior que é o da comunidade.

Para LR as pessoas acreditam no voto. Para ela, o voto traz esperança ao povo

que elege um determinado candidato. Para integrantes do MCCE a esperança é um

sentimento importante, mas que vem todos os dias sendo apagada pelo árido cotidiano

da população. Segundo eles o que falta é o acesso a uma educação de qualidade porque

o esclarecimento propiciado pela escola ajudaria as pessoas a tomarem decisões mais

refletidas, ou seja, não se submeteriam às práticas de compra ou troca de voto por nada.

1.3. Uma cidade do interior da Bahia – compreendendo o cenário eleitoral

Dois políticos de uma pequena cidade do interior da Bahia contribuíram com

nossa pesquisa trazendo o ponto de vista de uma prefeita e de um vereador sobre

processos eleitorais.

Em primeiro lugar enfatizaram que em cidades pequenas é muito comum se

vincular o voto à pessoa e não ao partido. Porque se parte de uma relação de amizade,

próxima ou não, mas todos se conhecem pelo nome, pela profissão ou pela família. Esse

procedimento, segundo eles, dificultaria um procedimento mais neutro, no caso

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partidário, para a condução do processo eleitoral. Para o vereador o conceito partidário é

raro no interior do Brasil. No sertão a pessoa é a referência. Para exemplificar é citado

o exemplo do próprio entrevistado, um médico, com trinta anos de trabalho na cidade,

que não preparou o que se pode chamar de uma campanha política convencional, não

fez santinhos (pequenos panfletos com a imagem e as principais propostas do

candidato), fez somente um carimbo. Durante sua campanha ao percorrer a cidade em

comícios e caminhadas simplesmente carimbava um papel qualquer e dizia: “meu

número é esse que está aí no papel”. Segundo a Prefeita, também participante da

mesma entrevista, essa estratégia fugiu a todos os princípios do marketing político, no

entanto, o vereador foi o mais votado da história do município.

A vinculação do nome do candidato, por oposto, à vinculação do partido ao

candidato fortalece procedimentos de compra de votos, segundo os entrevistados. Para o

vereador quando alguém entra para o “mundo da política” não entra para gastar dez e

receber um, pelo contrário, entra pra gastar um e receber cinqüenta. Esse

procedimento, segundo ele, é visível em toda a parte no Brasil, como exemplo teríamos,

obras públicas inacabadas, porque os recursos foram desviados para fechar a

contabilidade do processo eleitoral – gastar um e receber cinqüenta -. Esse

procedimento também influencia na definição do tipo de obra a ser realizada. As obras

inadequadas, não concluídas ou concluídas e sem funcionamento, segundo ele é uma

forma de saque do patrimônio público. São pontes onde não existem rios, pontes

abandonadas (...) Quando se chega em algumas cidades do interior existe o hospital

municipal, mas não existe médico para fazer os atendimentos.

Esse é um procedimento comum, segundo a prefeita e o vereador, milhões de

reais do Erário sem chance de retorno para o Estado ou para a população. A vinculação

entre campanhas políticas inspiradas em indivíduos e corrupção eleitoral constrói um

cenário propício ao fim do idealismo coletivo que predomina no espaço da ação política,

ou seja, a impressão da esperança nas campanhas eleitorais. Segundo a prefeita

Então o que eu falo é isso, enquanto o nome, não estou dizendo com isso que com partido não tenha também [a corrupção], não é esse o fato determinante da corrupção, mas acaba facilitando um pouco. Porque você deixa aquele sentimento idealista coletivo, que quando você pensa em termo de partido você tem que pensar em termo coletivo, não é só você indivíduo você vem de uma filosofia, você vem de um programa, isso cerceia um pouco essa coisa individualista. E quando é nome, como é normalmente na realidade dos interiores, tem o jogo familiar de interesses muito diretos de

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conhecimento, de amizades e inimizades que no interior é uma coisa extremamente comum, de empatias e antipatias, daquela convivência mesmo que quem está numa grande capital onde às vezes você não vê o outro nem no olho, passa e dá mal um ‘bom dia’, ‘boa tarde’, você não sabe quem é quem, você é um número a mais neste contexto. Nas cidades de interior não, você é o cumpadre ou a cumadre, é o inimigo ou o que zangou, é o que encontra ali na feira, é o que encontra no mercado. Essa proximidade afetiva eu acho que permite um pouco mais, você passa a ter uma briga quase que individual não pelo coletivo. Aí vira um jogo de interesses que é muito comum. Você vai olhar em quase todos os municípios é uma dicotomia o grupo A com o grupo B, mesmo que surja pequenas... No fim alia-se ou vende-se, aqui é muito comum. Aqui nós tivemos coisas assim de esquerdistas e que no fim tava se fomentando e comprando do mesmo jeito. Surge inclusive, que é outro grande fenômeno, tomando partidos, cria grupos, começa no processo, sou candidato, mas chegando lá não adianta negociar literalmente com aquele que está na frente. Isso é diferente daquela coisa coletiva, de sentimento partido mesmo, daquela seriedade. Eu acho que tem que cercear um pouco mais.

Quando não se constrói campanhas e posições políticas em torno de projetos e

plataformas eleitorais torna-se mais fácil a condução de acordos fundamentados em

casuísmos. A prefeita enfatiza que esse procedimento não ocorre somente com

candidatos com posições conservadoras, mas também com candidatos que se

consideram progressistas. No limite, ambos os lados, se utilizam de procedimentos

semelhantes. Não dão espaço para que a população faça uma distinção programática,

transformando assim, o programa em algo que não será cumprido ou mesmo respeitado

em caso de vitória eleitoral. Esse é um procedimento que favorece a análise superficial

de processos eleitorais. Desse procedimento vem a famosa frase no Brasil – “os

políticos são todos iguais”.

A proximidade entre eleitores e candidatos no interior favorece uma maior

proximidade, mas também favorece uma disputa mais pessoal, podendo chegar ao nível

de nomes. As famílias se agrupam na defesa de interesses distintos da cidade, muitas

vezes. Ainda é comum em comunidades pequenas a disputa familiar em cargos políticos

e públicos. Outro ponto levantado nas entrevistas é que muitas vezes o governador do

Estado não percorre todos os municípios, preferindo dar atenção àqueles administrados

por seus aliados. Não há uma condução imparcial do processo, porque o coletivo não

está acima das desavenças pessoais ou diferentes posições partidárias.

Outro ponto que merece ser ressaltado é a criação de novos modelos na

consubstanciação de redutos eleitorais. Segundo a prefeita,

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(...) você vai vendo também que hoje tem um o fenômeno que está acontecendo de votos que não são oriundos mesmo do município, que é muito comum, eu me lembro que se citava vereadores que criaram verdadeiros redutos em cidades circunvizinhas, por exemplo, duzentos votos de Itabuna, pessoas que não tem nada a ver aqui {vereador: que não são residentes daqui, que não conhecessem a nossa realidade e que conseguiu fazer duzentos títulos na cidade para trazer de fora}18 que era uma média de votos necessária para eleger o vereador. Por exemplo, dentro da contagem do coeficiente ele precisaria de uma média de duzentos votos, o que ele fez: ele chegou num bairro periférico de Itabuna, não importa a pessoa, e não era ele sozinho, a gente está citando um caso dentre tantos que a gente já viu por aqui, tem gente com reduto em Guarapari em Espírito Santo. {vereador: Pessoas que foram embora daqui e já moram lá a cinco, seis, oito, dez anos...} e conheceram outras novas e criou uma espécie de reduto eleitoral, quando é na campanha local ele aí faz um investimento da compra do voto, que se compra voto, as pessoas à vezes imaginam que a compra de voto é só aquele imediatismo: “ó, toma aqui pra você”, mas há todo um aliciamento que você vai usando desde o transporte (...)

Observa-se que o sistema eleitoral vigente propicia esse tipo de conduta, uma

vez que as listas eleitorais são abertas e o financiamento de campanha fica condicionado

à capacidade de cada um de angariar recursos para sua campanha. Cada um faz o que

está ao seu alcance, utiliza os instrumentos de que dispõe, independente da lisura do

processo. É uma corrida que importa ganhar, não importa como, ou seja, os fins estão

acima dos meios. Como o indivíduo está acima do coletivo. Como o candidato se

sobrepõe ao partido. Ou seja, são fatos isolados que se unem na construção de um

imaginário coletivo que fortalece práticas eleitoreiras, ao invés de práticas eleitorais.

2. Ações parciais de reforma no sistema eleitoral vigente

2.1. Mobilização popular e capacidade de intervenção

A Lei 9840, de 28 de setembro de 1999, é uma iniciativa de mais de sessenta

entidades da sociedade civil brasileira para a criação de um Projeto de Lei de combate à

corrupção eleitoral. Na busca de se alcançar as assinaturas necessárias para a criação de

um projeto de lei de iniciativa popular foi criado o lema “Voto não tem preço, tem

conseqüências”. Sob esse mote mais de um milhão de assinaturas foram colhidas e hoje

criados diversos comitês municipais, estaduais e nacionais. Em virtude dessa Lei, já

foram cassados mais de 623 candidatos por corrupção eleitoral e existem mais de 1.100

processos em tramitação. Esse é um exemplo de reforma parcial no atual sistema

18 Sobreposição da fala da prefeita e do vereador.

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eleitoral. Esse exemplo apresenta caminhos para reformas mais profundas no sistema,

bem como orienta ações menores enquanto não se consegue reunir condições para uma

reforma de maior escopo e abrangência. Indagamos aos nossos entrevistados sobre

procedimentos relativos à compra ou troca de votos por vantagem pecuniária ou não.

Pretendíamos descobrir se os eleitores sabiam que esse procedimento era tipificado

como crime.

Ao abordarmos esse ponto com os militantes do MCCE ficou evidente que não é

fácil para os moradores de cidades pequenas agirem contra os candidatos,

particularmente contra aqueles que possuem um poder maior, e que não

coincidentemente são aqueles que têm condições de prometer vantagens pessoais ou

mesmo ofertar diretamente o dinheiro. Eles disseram que mesmo com a urna eletrônica

os candidatos criam estratégias de confirmação do voto, como por exemplo, fazem

mapas detalhados das promessas de votos e cotejam essas promessas com o número de

votos obtidos em cada zona eleitoral. Por exemplo, uma pessoa que vota na seção

eleitoral 32 promete cinco votos nessa seção a um determinado candidato. Pelo boletim

de urna se define quantos votos aquele candidato obteve naquela seção, se for menos de

cinco a pessoa que havia anteriormente prometido, pode sofrer algum tipo de sanção,

como não receber a vantagem anteriormente prometida.

Na cidade de Santa Maria - DF o proprietário de uma empresa de transportes

coletivos se candidatou a deputado distrital e não foi eleito. Como medida punitiva ele

voltou à cidade após os resultados eleitorais e demitiu quase metade dos funcionários e

avisou que se tratava de um castigo por eles não terem sabido votar. Segundo os

entrevistados as medidas punitivas são muito comuns na cidade. O medo dos eleitores

tem fundamento em lições anteriores. Denunciar é um risco porque o denunciante pode

sofrer conseqüências pessoais ou algum membro de sua família pode se prejudicar.

Os entrevistados afirmam que a partir da Lei 9840/99 algumas denúncias já

foram feitas, mas acreditam que muito ainda deve ser feito. Segundo eles:

P1: É trouxe um pequeno benefício, de alguns que denunciam. PD ainda conseguiu denunciar um político com base nessa lei, e um dia lá em casa ligou uma pessoa muito conhecida minha dizendo que tinha sido, que o filho dela tinha recebido um par de tênis no período da eleição de determinada candidata, a EB, aí... (...) P1: Aí eu fui atrás, se ela comprovar aí vai ter o depoimento dela e tal, quando eu levei o questionamento pra ela falei “Olha, a gente tem

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como fazer uma denúncia” aí expliquei pra ela tudo direitinho, não quis mais nem saber, “não, aquele dia eu te falei porque tu me disse, mas não pensei que ia ser pra esse fim não”, “eu falei pra você porque você me falou que lá tava tendo essa doação na escola, e eu falei que era bom você saber pra ninguém manipular, a diretora não vai citar nada”, aí ela falou “não, mas é que eu não gosto de mexer com essas coisas de fazer esse tipo de questionamento”, então se você não ta atento, você mesma agir por si, se for confiar no depoimento de alguém que lhe contou sabendo que é verdade, aí vem o medo da ameaça, medo de perder coisas que não vai perder, o filho não vai ser perseguido na escola, nada disso vai acontecer, mas aí a gente é barrado, mas eu acredito que já tenha uma questãozinha que a lei valeu assim, algumas pessoas já tem um conhecimento maior, que antes nem divulgava, e com esse conhecimento as vezes alguns políticos que pensem em fazer as coisas da maneira deles já tem um certo respeito. Esses dias o candidato C ele tava dando café da manhã ou era chá da tarde, não sei onde era e eu fui numa associação, chegou uma carta lá em casa pra uma irmã minha dizendo que ela ia receber um lote, até hoje nem... (risos), foi na época do acidente, ela caiu de moto, aí eu não mostrei pra ela, fui lá no endereço, lá na 118, cheguei lá, fui despreparada, sem nenhum gravador, me deu uma encabula tão grande porque quando eu chego lá justamente era pra ser naquele dia e a presidente da associação dizendo lá “olha você tem que votar no Cristiano porque ele deu lotes”, aí tinha duas mulheres lá com a carta e o endereço, o quê que eu tinha que ter feito? Gravado, fui desprevenida porque eu só ia pra descobrir se era realmente uma questão dessa ... Cheguei lá encontrei tudo nas mãos, mas fui despreparada, então a gente sabe que existe, sabe que poderia, até um que foi ao tribunal e foi pra ser cassado que foi comprovada a compra de voto dele e a até hoje não foi cassado, porque o tribunal de Brasília foi o único que ainda não deu bom exemplo, o tribunal de Brasília, porque tem outros estados mais pobres que a gente já viu...

O relato nos faz compreender melhor a teia em que os eleitores de cidades

menos favorecidas economicamente estão enredados. Após a eleição eles continuarão a

viver lá, vão precisar dos vizinhos e dos amigos para sobreviver, as chamadas redes

sociais informais. A situação de vulnerabilidade é tamanha que é preciso ter muito

cuidado para não desmanchar relações ou criar desavenças “desnecessárias”. Num país

com tradição autoritária os representantes dos grupos mais abastados social, cultural e

economicamente se servem dessa herança para renovar suas estratégias de controle e

dominação. Muitas vezes a população simplesmente se protege. A mobilização e a

participação têm sido utilizadas como estratégias que podem construir um ambiente

favorável a esse enfrentamento. Percebe-se aqui um embate clássico. A aprovação da

Lei 9840/99 constituiu um marco histórico. A operacionalização da Lei, ou seja, a

criação de comitês tem acontecido em todo o país. Paulatinamente a população vai se

sentindo mais protegida e segura para exercer o seu direito cidadão de votar e ser votado

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em um sistema que respeite as diferenças e não sobreponha a propriedade econômica ao

direito coletivo de decidir pelos rumos do país e de sua comunidade. É um exercício

lento, mas que os números apresentados acima trazem bons presságios de que a

esperança tem sido maior que o medo e a insegurança de agir. A Lei 9840/99 tem sido

um instrumento eficaz na garantia da concretização da cidadania.

3. Reforma Eleitoral

3.1. Em busca de transparência, participação, eqüidade e confiança no sistema

eleitoral

Os caminhos seguidos para a conquista da Lei 9840/99 demonstra que as

reformas podem contribuir para a formação de espaços favoráveis à consolidação de

políticas igualitárias por meio da emersão de posições políticas não tradicionais ou

convencionais. Essa experiência favorece o fortalecimento e consolidação da

democracia a médio prazo. Indagamos aos participantes da pesquisa sobre eventuais

mudanças no sistema eleitoral vigente.

Sobre a eventual adoção da lista fechada como parte de um novo sistema

eleitoral um participante do MCCE apresenta o seguinte argumento:

P2: Eu sou contra essa reforma política que tem aí, essa reforma política que tem hoje, porque ela vai acabar com as lideranças, aquela pessoa que tem alguma, sabe por quê? Porque o voto vai pro partido, hoje nós vamos ser reféns. As pessoas vão ser reféns dos maiores cabo eleitoral, por que hoje eu posso ser a maior liderança de Santa Maria, mas eu não posso sair candidato, porque quando for a escolha, na reforma política agora, a escolha vem de cima entendeu? Eu tive 400 votos e ajudei a eleger um deputado pelo partido, e hoje ele nem me recebe.

O militante e ex-candidato apresenta a lista fechada como um limite para a

participação de candidaturas menores porque não seriam escolhidas para encabeçar a

lista do partido. Interessante observar que não ser recebido pelos candidatos eleitos, da

mesma coligação, não faz com que sua candidatura não tenha valor. Ele compreende

que mesmo que mesmo não tendo sido vitorioso sua participação foi importante para

abrir um espaço entre sua plataforma política e os habitantes da cidade durante o

processo de campanha. Para ele o processo eleitoral seria um momento privilegiado de

exercício da cidadania, pois a discussão sobre plataformas políticas abre o precedente

para a discussão sobre as questões que interessam à comunidade, no sentido mais

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restrito, mas também constroem análises sobre questões mais amplas que abrangem o

estado e o próprio país.

Para um participante do grupo focal com lideranças sociais da cidade SM a

reforma tem que se circunscrever também à mentalidade das pessoas. Segue seu

depoimento

P6: Pode reformar o processo, o código eleitoral, a constituição pode ser reformada, mas se os vícios continuarem os mesmos se a mentalidade não mudar, isso não vai adiantar de nada. Pode chegar no processo eleitoral perfeito que a gente vai continuar elegendo os mesmos políticos que elege hoje. Então é o que eu coloco, o debate tem que ser feito dentro da sociedade, esses grupos que fazem aqui esse debate tem que ser ampliado para vários outros grupos fazerem esse debate, e a gente vai ter mudanças lá na frente, não digo que venha haver ou não, mas a gente tá sendo um foco dentro de uma linha viciada que existe na sociedade. E a gente tem condição de mudar. Eu acho isso sempre.

O participante compreende que além da reforma política outras ações deveriam

ser empreendidas. Observa-se em todos os depoimentos há uma preocupação recorrente

com a formação do povo brasileiro como condição para melhoria da qualidade do voto e

aumento da participação nas eleições, no sentido de responsabilização pelo resultados e

pelo acompanhamento do desempenho dos membros eleitos. Para os participantes em

seu conjunto o aumento da escolarização proporcionaria condições para os cidadãos

acompanharem os trabalhos legislativos, com possibilidade de intervenção e garantia

eficaz da representação dos candidatos eleitos.

3.2. Seminário Operacional

3.2.1. Reforma Eleitoral em debate

O grupo de pesquisa realizou nos dias 16 e 17 de outubro de 2007 um seminário

intitulado “Seminário Operacional”, com apoio do Ministério da Justiça, realizado na

Sala dos Retratos. O objetivo central da atividade foi constituir um espaço propício ao

debate sobre os dados levantados pela pesquisa “Reforma Política, Instituições

Eleitorais e Capital Social”, consolidados e/ou em fase de consolidação, acerca do

sistema eleitoral vigente no Brasil para elaborar um quadro analítico favorável ao

entendimento e intervenção junto à proposta de reforma política em discussão no

Parlamento brasileiro. Foram convidados membros do governo brasileiro, de entidades

que apoiaram o projeto de pesquisa, representantes do Congresso Nacional e de

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instituições da sociedade civil organizada. O seminário contou ainda com a presença do

profº. Pedro Luis Martinez Pallarés, representante da Fundação Manuel Giménez Abad

e o representante do International Institute for Democracy and Electoral Assistance

(International IDEA), o Srº. Matthias Catón, ambas instituições parceiras dessa

pesquisa.

O prof º. David Fleischer, coordenador da pesquisa, iniciou os trabalhos do

seminário demonstrando a importância de se trocar informações entre órgãos nacionais

e instituições internacionais, pois existem hoje várias propostas de reforma política

sendo debatidas no Congresso Nacional. Nesse contexto, outro fato tem chamado a

atenção de estudiosos do tema, o fenômeno da judicialização da política, ou seja, o

Poder Legislativo tem se omitido no que se refere ao debate e encaminhamento de

algumas questões, nelas inclusa a reforma no sistema político nacional. Esse

procedimento controverso tem feito com que o Judiciário tome para si a iniciativa de

algumas reformas e mudanças no sistema político, que normativamente seriam da

competência do Legislativo, como exemplo pode-se citar a apreciação do TSE da

extensão da fidelidade partidária para cargos majoritários, senadores, governadores,

prefeitos e até presidente da República. Outro exemplo de judicialização da política,

citado pelo profº. ocorreu em 2002, quando o TSE impôs a chamada verticalização das

coligações, ou seja, a mesma coligação presidencial deveria ser repetida também nas

eleições estaduais.

Outro participante, magistrado, representante da Associação dos Magistrados do

Brasil, AJUFE, apresenta durante o debate a questão da judicialização da política como

um tema que vem ganhando destaque, segundo ele,

Uma preocupação quando se falou da judicialização da política, um aspecto a ser discutido, que me parece extremamente importante, é a outra ponta dele, que pode levar a essa não ocupação de espaço pelo poder legislativo levando a uma judicializaçao da política é, ao invés de se aprimorar a democracia levar a uma politização do poder judiciário.

Ao longo de todo o Seminário os participantes foram estimulados a expor análises sobre

a eventual adoção da lista fechada, de restrições à mobilidade partidária e o

financiamento público de campanha. Antes, contudo, alguns participantes falaram

livremente sobre a questão. Dentre os participantes do seminário contamos com a

presença de um juiz eleitoral, segundo seu ponto de vista, a adoção de mecanismos de

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aproximação entre Estado e população devem ser levados em consideração na adoção

de uma nova lei eleitoral, veja excertos de seu depoimento:

JE: (...) eu acho que realmente o plebiscito e o referendo são mecanismos importantes, mas, sem querer descartar [outras modalidades] eu acho que realmente tem que ser feito através disso, é realmente um instrumento pra se debater com a sociedade como um todo, mas se possível também não só isso, não é? Mas acrescentando também discutir isso com a sociedade com os organismos ditos normativos, porque ai os políticos com a sensibilidade que normalmente tem com o voto, a sociedade se mobilizando eu acho que a reforma se torna mais factível, como bem lembrou o professor David Fleischer. Fazer uma mudança via Projeto de Lei, muitas vezes, se torna muito mais dificultoso, do que possibilitar esse debate com a sociedade. Creio eu que os políticos também ficaram sensibilizados com seus eleitores, e por via de conseqüência talvez se consiga um compartilhamento mais adequados dessas situações.

Percebe-se uma preocupação com a efetivação das mudanças, talvez aqui

possamos observar a tentativa de romper com a tradição de que existem algumas leis

que “pegam” e outras não. O magistrado reafirma não somente a relevância de que a

reforma eleitoral ocorra, mas é preciso que ela seja efetivada. Para tanto o magistrado

propõe a criação de espaços em que se possa debater e discutir diretamente com a

população.

Outro ponto considerado relevante para o debate é o diferenciado

comportamento eleitoral entre eleições municipais e eleições nacionais, esse também

deve ser um ponto a ser enfrentado na reforma eleitoral. Quais seriam as motivações

que levam as pessoas a comparecerem maciçamente nas eleições municipais e se

absterem de eleições nacionais? Segundo Márlon, também coordenador da pesquisa,

poderia advir da crença do eleitor de que o âmbito municipal seria mais importante, pois ali se decidia coisas mais concretas da sua vida e que, portanto, valeria mais a pena participar das eleições nessas oportunidades. Mas foi levantada uma outra hipótese, que talvez não seja excludente, mas que também deva ser lembrada. Que é a hipótese da relação de proximidade dos políticos com os eleitores estarem nas eleições municipais, trazendo mais pessoas às urnas em virtude de vínculos de natureza clientelística.

A tentativa de coibir antigos comportamentos eleitorais deve estar no cerne de

mudanças no sistema atual vigente. Para Márlon, essa pesquisa seria um ponto inicial,

segundo ele,

A pergunta que o projeto quer lançar, na primeira etapa da pesquisa de um diagnostico do sistema eleitoral atual é porque motivo há tanta diferença no comportamento entre os diversos estados no que diz respeito ao comparecimento eleitoral.

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Outro ponto levantado durante o congresso foi a preocupação com a recente

democracia do país e a desilusão e desmotivação do povo brasileiro com a política. O

participante afirma que a democracia é o melhor caminho para a sociedade brasileira, no

entanto, as ações dos políticos não têm promovido uma gestão pública eficiente.

Segundo ele, seria importante discutir novas modalidades de participação, para

fortalecer a democracia direta e com isso, enfraquecer os comportamentos que não

estejam contribuindo para uma gestão pública à altura da necessidade do país. Outro

ponto que ele levanta é o funcionamento de parlamentos supranacionais como têm

funcionado em outros países e qual seria sua validade para o fortalecimento do exercício

da cidadania.

Outro participante do seminário demonstrou a necessidade de se fazer cumprir

os dispositivos já existentes na Constituição de 1988, segundo ele

Nós temos essa Constituição de 1988, que foi dita quando de sua promulgação como constituição cidadã, que prevê a participação direta da população, prevê a democracia participativa, e não apenas a democracia meramente representativa, como temos hoje. Ainda na questão da democracia representativa, nós temos órgãos hoje que passam ainda à margem do estado, do meu ponto de vista, por um equivoco de interpretação. A constituição de 88 ela bota os princípios da prioridade absoluta, e da proteção integral da criança e do adolescente, e aqui eu trago, também decorrência da minha atuação como promotor da infância e da juventude aqui em Brasília. Esses são princípios que parecem que ficam esquecidos pelo legislador, antes mesmo da aprovação pela Organização das Nações Unidas em 1989, da Convenção sobre os Direitos das Crianças, que adota esses princípios, essa teoria da proteção integral e da prioridade absoluta, esses princípios já estavam na nossa Constituição.

3.3 – Pontos de vista sobre a reforma eleitoral

A função da política na vida atual foi um tema suscitado durante o Seminário e

também presente em nossa entrevista com o atual Cedente da OAB, Cezar Britto.

Segundo ele, “a população brasileira não entende a política como vida, ou seja, parte

essencial da vida humana”. Nesse ponto a fala do presidente se aproxima à do

participante do grupo focal na cidade SM, segundo ele, “o homem se utiliza da política

em todos os momentos para sobreviver, utiliza de acordos e ações que visam agregar as

pessoas em torno de si”. Essa visão contrasta com aquela apresentada nos noticiários.

Para o Presidente, o sistema representativo é constituído democraticamente no país,

entretanto, os eleitos ainda se utilizam da estrutura pública para garantir interesses

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privados. Esse comportamento transmitiria à população uma sensação de ineficiência

dos políticos para a solução de questões de interesse público. Esse comportamento

redundaria em práticas ilícitas, segundo ele, essa questão está sendo enfrentada pela

população brasileira com o apoio da OAB e CNBB ao criarem comitês baseados Lei

9840/99 e propondo a cassação de políticos que não têm cumprido adequadamente suas

funções públicas.

Para Britto, para que uma reforma política seja eficaz ou que “pegue” no país,

tem que ser apresentada e votada antes do período crítico definido por ele como aquele

que antecede as eleições. Caso isso não aconteça o país corre o risco de ter uma

reforma apenas na vitrine, no papel, ou seja, no campo formal. O desejo da OAB e do

país, segundo ele, é que aconteça uma reforma concreta e eficaz.

O Presidente da OAB também propõe ações que aproximem governo e

população. Sob sua perspectiva a população deve ter a prerrogativa de convocar

plebiscitos, hoje essa prerrogativa é do Congresso Nacional. Dentre outros pontos a

instituição propõe o “recall” para governantes, que seria a confirmação dos mandatos, a

população confirmaria em determinado momento a continuação ou não do dirigente no

cargo. E também propõe a redução dos mandatos dos senadores de oito para quatro

anos. Os pontos foram colocados não só para nossa equipe de pesquisa, mas também foi

apresentado o projeto à Câmara Federal e também ao Tribunal Superior Eleitoral. A

direção da OAB pretende aquecer o debate sobre a reforma eleitoral visando instituir

debates nacionais para o esclarecimento e aprofundamento da reforma.

O Profº Konder Comparato também foi entrevistado por nossa equipe e analisa

eventuais propostas no sistema eleitoral vigente. Para ele, a adoção de listas fechadas no

Brasil poderia ocasionar a despersonalização do processo eleitoral, porque a

composição da lista ficaria a cargo da oligarquia partidária. Ele afirma que a tradição

democrática brasileira ainda é tênue e os partidos brasileiros não são conhecidos por sua

democracia, mas sim, por um comportamento oligárquico.

Sobre práticas ilícitas no processo o Profº. assinala importantes avanços no cenário

nacional, como por exemplo a Lei 9840/99, o sucesso da Lei, segundo ele, está

amparado na grande capilaridade das duas instituições sociais que assumiram a frente

do movimento – a Ordem Nacional dos Advogados e a Confederação Nacional dos

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Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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Bispos do Brasil -. São duas instituições de alcance nacional e por isso, puderam se

inserir em todos os rincões.

Outro ponto levantado pelo professor é a incapacidade de a população entender,

em alguns casos, porque não pode trocar o seu voto por algo concreto, uma panela de

pressão ou um par de sapatos, já que há cinco séculos o patronato brasileiro mantém

relações desse tipo com a população. Para mudar essa questão teria que se mudar o

perfil educacional da Nação. A formação educacional remete a outro ponto levantado,

sobre a instituição de reformas de médio e longo prazo. Para Konder Comparato, seria

impossível mudar o país com reformas que estão coladas em processos eleitorais

quadrienais.

Sua proposta consiste na reformulação do papel do Estado moderno, para ele,

essa instituição deve estar atada à proposta de construção do desenvolvimento nacional

e isso não pode ser feito por projetos com quatro anos de duração. O Estado moderno,

segundo ele, se diferencia do Estado clássico, na medida em que o primeiro se

caracteriza pela ação e o segundo por ser estático. O estado moderno se fundamenta na e

pela promoção de políticas públicas, enquanto o estado clássico cumpre leis. A lei,

segundo ele, é estática.

Caberia, portanto, ao estado moderno, ampliar os mecanismos de participação e

consolidação da democracia, promover o desenvolvimento nacional e aperfeiçoar o

sistema representativo. Uma reforma eleitoral seria, então, uma ação transversal, pois

atravessaria os três pontos. Ela não seria uma estrutura em si mesma, mas seria

engrenagem fundamental de uma estrutura maior, mais ampliada e forte. A melhoria do

sistema eleitoral seria alicerce para a definição do projeto de desenvolvimento nacional.

3.4. Impressões sobre o comportamento eleitoral de Tupandi- RS

Tupandi é um pequeno município no interior do Rio Grande do Sul, colonizada

por alemães e atualmente possui 3.600 habitantes. Nesse município foram aplicados 147

questionários por duas estudantes de graduação em Direito, colaboradoras da pesquisa,

alguns pontos revelados pela pesquisa são destacados abaixo.

34,69% dos entrevistados possuem ensino médio completo e 12,93% graduação

concluída. Quase 90% dos entrevistados trabalhavam no momento da entrevista. Trata-

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se de um grupo social acima da média nacional, pois mesmo sendo um município

pequeno a escolaridade é alta e o desemprego baixo. Somente 10% dos entrevistados

estavam desempregados.

Outro ponto importante é o baixo índice de associativismo entre a população,

quase 80% dos entrevistados afirmam não participar de nenhum tipo de associação, mas

indagados se votavam porque era obrigatório 55% dos respondentes afirmam que não;

informam ainda que o voto pode mudar a vida de cada um, 63,95%. Ou seja, mesmo

vendo o voto como algo espontâneo e capaz de promover transformação, os moradores

de Tupandi não vêem motivação para se associar a algum partido político ou outros

tipos de agremiação.

Os habitantes de Tupandi confiam em sua maioria nas pessoas que conhecem e

optam na hora da escolha do candidato por aqueles que fazem promessas à cidade

(94,56%) e não a pessoas individualmente (3,4%). Mas quase 50% dos respondentes

informam que conhecem alguém que recebeu algo em troca do voto. Observa-se que

mesmo obtendo respostas aguardadas como, por exemplo, não esperar que as eleições

resolvam questões individuais, o número de pessoas que conhecem alguém que já

trocou o voto por alguma vantagem pecuniária ou não é bastante significativo, quase

metade dos entrevistados. 80% do universo analisado consideram errado o eleitor

receber alguma vantagem em troca de voto e também sabe que é crime a tentativa de

compra de votos.

Esse seria um ponto que mereceria um aprofundamento da pesquisa para se

dimensionar o quê as pessoas recebem e qual seria a motivação da barganha. Eles

também crêem que mais da metade dos candidatos não cumprem as promessas depois

de eleitos. Ou seja, mesmo confiando nas pessoas elas não crêem que os políticos

eleitos se manterão firmes na concretização de suas promessas de campanha.

Existe em Tupandi desconfiança em relação ao resultado das eleições, para 24%

o resultado não é confiável. E quase 80% acreditam que candidatos e políticos eleitos

não são punidos quando cometem atos ilícitos.

O questionário aplicado em Tupandi apresenta indícios de como a população se

comporta eleitoralmente. Constata-se que ainda é grande o número de pessoas que

buscam no voto uma vantagem pessoal e também é sinalizada certa desilusão com os

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Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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candidatos, pois não crêem que eles sejam capazes de cumprir suas promessas depois de

eleitos. Veja que a população afirma escolher aqueles que prometem melhorias para a

cidade e não para pessoas individualmente. Parece-nos que não acreditam que a cidade

pode obter alguma melhoria a partir da eleição, talvez aqui esteja um indício do motivo

para o não desejo de se associar.

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PARTE IV

ESTUDO DE CASO

Assaltos a banco e eleições no Maranhão: conexões em evidência

1. Descrição do caso

No final de 2006, o Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários

do Estado do Maranhão (SEEB-MA), divulgou seu Dossiê Assaltos a Banco (1996-

2006), fazendo menção à constância crescente de “assaltos constantes a bancos, casas

comerciais, terminais de auto-atendimento bancário (...)”19

Após a publicação do dossiê, o então diretor da Regional de Imperatriz do

referido sindicato, José Nilson Oliveira Silva, afirmou que “Não pode ser uma simples

coincidência os assaltos se intensificarem nos anos eleitorais, e principalmente nos

cinco meses imediatamente anteriores aos pleitos”20.

Decidiu-se, no contexto do presente projeto de pesquisa, por dirigir atenção a

esses sinais preliminares, como elementos para a descoberta de caminhos pelos quais se

pudesse investigar a correlação entre práticas delituosas relacionadas a desvios

patrimoniais e o financiamento privado ilícito de campanhas.

Os dados divulgados pelo SEEB-MA foram inicialmente convertido em um

gráfico que considerou os montantes roubados das agências bancárias do Estado do

Maranhão no período de 10 anos, com início em 1996 e conclusão em 2006.

O resultado assim alcançado pode ser verificado abaixo:

19 SEEB-MA, 2006, 2. 20 Jornal Pequeno, Edição 21.313, de 15 de setembro de 2006.

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0,00

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1.500.000,00

2.000.000,00

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3.000.000,00

3.500.000,00

4.000.000,00

4.500.000,00

1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008

valor roubado

Polinômio (valor roubado)

O gráfico revela uma nítida congruência com as observações iniciais do SEEB-

MA.

Nos anos eleitorais de 1996, 1998, 2000, 2002 e 2004 houve em regra um

volume maior de dinheiro roubado que nos anos anteriores e posteriores a cada um.

Exceções foram os anos de 2004, que ficou aquém do de 2005 em montante

desviado, e o de 2006, que apresentou aparente queda nos resultados dessa modalidade

de atos ilícitos.

2. Metodologia aplicada no estudo de caso

Para testar a hipótese suscitada pelo sindicato, optou-se pela produção de dados

qualitativos consistentes em entrevista semi-estruturadas com praticantes de assaltos a

banco, políticos, policiais e membros do Ministério Público.

No primeiro grupo – assaltantes de banco confessos – foram tomados os

depoimentos anônimos de 5 pessoas durante o mês de novembro de 200721.

No segundo grupo de entrevistados foram ouvidos dois ocupantes de posições

elevadas na hierarquia da Polícia Civil do Maranhão. 21 Não serão apresentadas aqui quaisquer referências que permitam a identificação, por qualquer modo, dos entrevistados, aos quais foi assegurada completa preservação da sua identidade.

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Colheu-se também o depoimento anônimo de um dos integrantes do GECOC –

Grupo Especial de Combate às Organizações Criminosas do Estado do Maranhão.

Por fim, foram entrevistadas duas lideranças políticas22, sendo um membro de

diretório partidário e outro ex-parlamentar e atual membro de direção de partido

político.

3. Análise das entrevistas

Dentre os participantes de assaltos a banco entrevistas – num total de cinco

pessoas do sexo masculino que admitiram haver realizado pelo menos um ato ilícito

dessa natureza no estado do Maranhão – dois afirmaram reconhecer a existência de

relações desse tipo de crime com a atividade política.

O primeiro entrevistado afirmou que

Já ouviu falar de alguma participação de políticos. Tem fulano que pode dar um apoio: prefeito, vereador... Soube de uma vez em que quatro ou cinco assaltantes ficaram aguardando a hora do assalto na fazenda de um político.

Outro assaltante ouvido reconheceu, como o primeiro, ter ouvido falar do apoio

de um político, de um vereador. Mesmo para esse, assim como para três outros

assaltantes entrevistados, o aumento do volume do dinheiro roubado dos bancos nos

anos eleitorais se deve à diminuição da eficiência nas atividades policiais e à majoração

da quantidade de dinheiro disponível nos bancos, em virtude das necessidades ínsitas ao

próprio processo eleitoral.

O primeiro entrevistado, por outra via, reconheceu que nem todos os

participantes do assalto têm acesso às fontes de informação e financiamento da

operação.

Isso pode justificar em parte a afirmação dos outros três praticantes desse tipo de

crime entrevistados nesta pesquisa, no sentido de desconhecer a existência de uma

conexão dessa atividade com a política.

O primeiro dirigente da Polícia Civil (PC1) reconheceu preliminarmente que as

informações relativas ao aumento do dinheiro roubado das agências bancárias nos anos

eleitorais já eram do conhecimento daquele órgão, afirmando:

A gente nota claramente que em anos de eleição o pico aumenta. A quantia aumenta. Às vezes a quantidade de roubo a banco também

22 Propositalmente não se indica de que nível (municipal ou estadual).

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aumenta. Sempre próximo à eleição toda a quantia em dinheiro roubada é maior. A única justificativa que nós encontramos para isso é que existem políticos ligados ao crime organizado que efetuam roubo a banco.

PC1 afirma que a falta de inquéritos ou ações penais em que a relação entre

integrantes da política estadual e os membros das quadrilhas se deve à dificuldade de

obtenção de depoimentos. Segundo suas palavras,

Nós não temos prova efetiva disso porque quando a gente prende a quadrilha eles simplesmente não comentam, não dizem o nome de ninguém. É um pacto que há entre eles. Agente chama “derrubar”. Ninguém entrega ninguém, ninguém derruba ninguém, ninguém diz quem foi que financiou. Ninguém diz em que fazenda eles estavam, a quem pertencia.

Ainda para PC1, sua observação indica que a conexão crime e política tem, neste

caso, nítida correlação com a necessidade de financiamento para as campanhas,

afirmando ter

... fortes suspeitas de que o aumento é devido a políticos estarem ligados a esse tipo de crime inclusive para se capitalizar para a eleição.

Apesar das dificuldades observadas nas investigações, ele afirma acreditar, sim,

na existência de “um apoio de políticos no interior do Estado com relação a esse tipo de

crime”, apesar de reconhecer a adoção de regras de conduta por parte dos envolvidos

com a finalidade de ocultar a identidade dos políticos envolvidos. Refletindo sobre isso,

ele indaga:

Quem é que a gente consegue pegar sempre? As pessoas que efetivamente assaltam o banco e aqueles que fazem o resgate. Esses a gente sempre pega. Mais cedo ou mais tarde a gente sempre pega. Quando sai dessa esfera fica complicado e é mais complicado ainda porque a polícia tem outros meios de investigar, como por exemplo [no caso d]os furtos etc. Só que esse povo não conversa de forma alguma a não ser pessoalmente e em lugares muito reservados com esse povo da esfera política. Eles não têm contato diário. E às vezes é por intermediário que é feita a conexão. Por isso é que é muito difícil. Essas considerações são apoiadas pela entrevista realizada com o segundo entrevistado membro da cúpula da Polícia Civil do Maranhão (PC2). Para ele há um pacto de silêncio entre os membros das organizações criminosas e os políticos a elas relacionados. E apresenta possíveis justificativas para a existência desse acordo de discrição: Geralmente esse pacto de silêncio se justifica na medida em que eles precisam de apoio quando eles saírem da prisão. Então aquelas pessoas que dão apoio material, são responsáveis pela logística da quadrilha, não são denunciadas pelo grupo. Porque justamente quando eles saírem, forem soltos, eles vão contar com esse mesmo

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apoio. E, além disso, há um pacto também no sentido de que essas pessoas que não são denunciadas, eles financiam também a questão dos honorários advocatícios.

PC2 afirma que em algumas ocasiões a polícia chegou a obter informações sobre o apoio prestado por políticos às práticas delituosas. Segundo o delegado,

Geralmente quando eles vão fazer, praticar um assalto, na noite anterior ou então dias antes eles ficam homiziados ou num mato, num matagal, ou numa fazenda, que seria o apoio. E geralmente esse apoio é dado por pessoas influentes de certo município e políticos. Houve um caso, ou melhor, houve vários casos, em que informalmente a gente obteve a informação de que o apoio seria dado por vereadores e até prefeitos de algumas cidades.

A visão dos dois dirigentes da Polícia Civil do Maranhão é convergente. Ambos

admitem a associação entre políticos e assaltantes de banco, reconhecem as dificuldades

presentes na investigação do liame intersubjetivo e apontam razões para a existência de

tais obstáculos.

Esse ponto-de-vista é, no geral, acorde com as observações de um dos membros

do GECOC. Também ele admite que,

Com relação a assalto a banco em período eleitoral, existe esse fenômeno, principalmente em eleições municipais. A gente identifica que existe com mais freqüência, não só de [assalto] a banco, mas a carro forte também. Então são várias as modalidades de assalto. E as organizações criminosas que estão atuando são as mais diversas e acabam se misturando.

Também para ele a explicação para essa aproximação se dá em virtude da

necessidade de obtenção de verbas de campanha. O assalto a bancos

É uma fonte de arrecadação de dinheiro fácil para campanhas. Depois há o envolvimento com muitos assassinatos, pistolagem de alguns políticos, ou por motivação política ou mesmo por questões financeiras. A gente identifica muitos agiotas também já assumindo um papel no financiamento de campanhas.

Na mesma linha de raciocínio de PC2, o Promotor de Justiça avalia que os

assaltantes são beneficiados por um esquema de proteção baseado na proximidade

mantida com detentores do poder político.

Além disso, há a concessão da infra-estrutura ou, como prefere, de uma logística

para a prática do crime. Segundo ele,

São utilizadas fazendas. Antes da realização do assalto geralmente essas quadrilhas vão para fazendas de pessoas já sabedoras da finalidade para qual está sendo utilizada a fazenda. A gente consegue identificar isso aí.

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Um dos políticos entrevistados concorda com a existência dessa conexão. Seu

depoimento, no entanto, apresenta-se um tanto incoerente, pois de início afirma serem

poucos os casos de envolvimento de políticos, para logo em seguida dizer ser grande a

proporção de prefeitos envolvidos com os assaltos a banco. Segundo ele,

Existem poucos casos de envolvimento de políticos com esses crimes. É uma coisa pesada. É uma minoria, mas que pode causar danos. Já tinha ouvido falar disso. Há muitos prefeitos envolvidos com assalto. Mas isso é minoria na Assembléia Legislativa.

Já o outro político que aceitou conceder a entrevista afirmou que os assaltos não

têm vinculação com a política. Para ele,

O problema é que no período eleitoral há um afrouxamento no serviço de segurança, porque (...) a princípio diminui o número de agentes policiais na ação direta de combate.

E segue afirmando que no interior um prefeito tem à disposição todo o efetivo

policial, pois banca desde a alimentação até ajudas de custo. Quando vai viajar o

prefeito leva o policial. Deixa de ser uma segurança pública para ser uma segurança

quase pessoal, para proteger o detentor do cargo público.

O entendimento de que no período eleitoral há um déficit na capacidade de ação

da polícia é também lembrado, embora com outros argumentos, por PC1, para quem

Os conflitos eleitorais geram problemas complicados para a polícia. Toda hora denúncia de que estão levando dinheiro daqui para lá, ilegalidades, e a polícia vai ter que ir atrás. Às vezes nós somos obrigados a deixar de fazer a nossa rotina de investigação, como nos roubos a banco para ver se não há dinheiro ilícito sendo levado de um ponto a outro aqui na capital.

Nessa passagem identifica-se outra hipótese possível, embora não excludente da

anterior, para o aumento dos assaltos a banco no estado do Maranhão no período que

antecede as eleições.

4. Considerações sobre o estudo de caso

Esta pesquisa procurou levantar apenas dados preliminares a partir da premissa

sustentada pelo Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários do Estado

do Maranhão, para o qual os períodos eleitorais vêm sendo acompanhados por um

acréscimo significativo no volume dos assaltos a banco.

De fato, a partir do dossiê divulgado pela referida entidade sindical, chegou-se

preliminarmente à elaboração de um gráfico que confirma a grave denúncia divulgada.

Entretanto, os dados quantitativos relacionados aos montantes roubados e à quantidade

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de assaltos não são conclusivos, nem exatos, já que algumas vezes os bancos se recusam

a revelar os valores levados pelas quadrilhas por razões de segurança interna.

Não há dúvida, no entanto, de que os dados publicados pelos bancos e reunidos

pelo SEEB-MA demonstram uma variação constante e relevante nos números

relacionados aos montantes roubados, demonstrando ser factível o incremento nos

delitos dessa natureza em anos eleitorais.

Essa observação é robustecida pelo conteúdo das entrevistas realizadas,

especialmente as realizadas com autoridades ligadas ao sistema de Segurança Pública

do Estado do Maranhão.

Direta e especializadamente envolvidas com a investigação de assaltos a banco,

as autoridades entrevistadas foram todas acordes com a hipótese de que há uma estreita

relação entre o aumento no volume roubado e as necessidades de obtenção de recursos

ínsitas às campanhas políticas.

Embora não sejam conclusivas, as informações prestadas pelos assaltantes e

pelos políticos contêm detalhes que apenas em parte robustecem esse entendimento.

Esta pesquisa, por sua envergadura, não logrou deixar a salvo de dúvida a

denúncia pública apresentada pelo SEEB-MA. Mas prestou-se a demonstrar a sua

plausibilidade, o que aconselha maior investigação a respeito tanto desde um viés

acadêmico, como sob a perspectiva da atuação do aparelho de segurança do Maranhão.

Também parece recomendável a realização de um estudo de abrangência

nacional a fim de que seja verificada a eventual repetição dessas tendências em outros

estados e regiões do País.

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III. CONCLUSÃO

Procurou-se dar a este documento a forma de um relatório de pesquisa que

pudesse não apenas noticiar as atividades investigativas efetuadas, como também –

ainda que numa perspectiva claramente inicial – relacionar reflexões e análises teóricas

suscitadas pelas mesmas.

Já que nosso fim era apresentar conteúdos capazes de proporcionar elementos

para o debate em torno da Reforma Política, consideramos mais útil sugerir estratégias

reflexivas que buscar a apresentação de soluções parciais.

Ademais disso, para nós sempre foi claro que, pelo escopo do projeto, nada mais

poderíamos aspirar que não favorecer o reconhecimento da importância das atividades

desenvolvidas pela comunidade científica brasileira para embasar os grandes debates

nacionais.

A pesquisa realizada propiciou uma visão geral, embora não suficientemente

profunda, do tema que constitui o cerne da convocatória apresentada pela SAL/MJ e

pelo PNUD: uma análise de impacto da possível adoção do financiamento público de

campanhas, das listas parlamentares preordenadas e da fidelidade partidária.

Na primeira parte deste trabalho pudemos analisar de forma mais específica essa

tríade, à qual acrescentamos o atual problema relacionado à forma de seleção dos

suplentes de senador. Dentre as observações a que chegamos, destacaríamos o

entendimento de que o ano de 2009 poderá propiciar um interessante palco para a

discussão e a adoção de aprimoramentos legislativos mais consistentes no que atine a

nosso sistema eleitoral.

Tivemos ainda a possibilidade de fazer uma inédita utilização de cruzamentos de

informações estatísticas criadas a partir de dados disponibilizados pelo Tribunal

Superior Eleitoral.

Pudemos verificar como o comparecimento eleitoral ao longo dos diversos

pleitos – que variam em nível (local, estadual e nacional) e em conteúdo (eleição,

plebiscito e referendo) – pode conceder informações preciosas para a análise do

comportamento do eleitorado. Mesmo abordagens mais complexas, auxiliadas pelo

entrecruzamento de informações, podem ser buscadas nessa matéria.

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Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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O ápice dessa vertente investigativa foi atingido com a criação do IVCE – Índice

de Variabilidade do Comparecimento Eleitoral, nascido estritamente no bojo das

atividades de pesquisa deste projeto.

O novo indicador pôde ser disponibilizado para cada um dos municípios

brasileiros, o que tornou realizável um mapeamento nacional de comportamentos a

partir da avaliação positiva ou negativa do desenvolvimento do hábito de “ir às urnas”

entre os anos de 1996 e 2006.

Os dados qualitativos coletados pela equipe de pesquisadores forneceram outro

viés para o estudo: a análise das representações políticas e sua importância para a

definição do comportamento eleitoral.

São aspectos complexos da atividade de pesquisa, que por isso mesmo não

puderam ser nem de longe esgotados. Serviram embora para demonstrar a validade do

manejo de estratégias investigativas que correlacionem a necessária interpretação das

normas eleitorais com o entorno sociológico sobre o qual as mesmas incidem.

Um momento muito importante dessa interação saber jurídico/saber sociológico

pode ser encontrado na Parte IV deste trabalho, em que se analisou a curiosa majoração

do montante de dinheiro roubado das agências bancárias do Maranhão, todas as vezes

que se aproximam os períodos eleitorais.

A gravidade das observações ali contidas nos faz ter presente a imperiosidade de

que pesquisas dessa natureza sejam realizadas de maneira não apenas mais profunda,

como igualmente mais extensa, a fim de abarcar todo o território nacional.

Buscamos e alcançamos interessante nível de interdisciplinaridade em nossas

iniciativas, o que nos permitiu verificar como a conjunção de esforços das diversas áreas

do conhecimento pode traduzir-se no alcance de objetivos comuns.

Mas para isso será também necessário romper a barreira da carência de dados

oficiais sobre muitos dos temas pesquisados.

Essa iniciativa da SAL/MJ e do PNUD demonstrou a correção do estímulo à

atividade investigativa da comunidade científica como meio hábil à geração de

informações preciosas para a tomada de decisões nos âmbitos legislativo e

administrativo.

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Deixamos propositalmente em aberto as conclusões com relação à adequação

das mudanças do sistema eleitoral dentro da tríade financiamento, composição das listas

e fidelidade partidária.

Esperamos que este trabalho possa lançar luzes sobre essa temática, mesmo

reconhecendo que a realização de uma Reforma Política em bases sólidas demanda não

apenas maior volume de estudos, como também concordância política sobre temas em

relação aos quais essa pacificação até hoje não foi alcançada.

Reconhecemos, todavia, que os diversos passos da realização dessa pesquisa

revelam a presença de sérios desvios no atual sistema eleitoral brasileiro.

Excessivamente personalista, o modelo demonstra muita fragilidade no tocante

aos instrumentos de fiscalização das verbas de campanha, além de demonstrar-se muito

propício a práticas de negociação do voto. Isso se revela de maneira muito clara na

grande quantidade de ações e representações judiciais eleitorais em que se pretende

atribuir a candidatos práticas como a compra de votos e o desvio do aparato

administrativo para fins eleitorais.

Por isso esperamos que o debate sobre o aperfeiçoamento do nosso sistema

eleitoral supere eventuais barreiras partidárias e se encaminhe rumo à consolidação de

mecanismos mais aptos ao fortalecimento de nossas instituições políticas.

Esperamos que o conteúdo aqui apresentado possa ser útil ao debate. E que a

Reforma Política se concretize por via da geração de mecanismos de aprofundamento da

experiência democrática brasileira.

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REFORMA POLITICA Y DERECHO ELECTORAL EN ESPAÑA Pedro Luis Martinez Pallarés Profesor de Derecho Constitucional Universidad de Zaragoza.ESPAÑA Letrado- Asesor de la Diputación Provincial de Zaragoza Miembro del Comité Ejecutivo de la Fundación GIMENEZ ABAD. ESPAÑA A.- SISTEMA ELECTORAL ESPAÑOL I. REFLEXIONES GENERALES

Si la representación es la relación que permite explicar el funcionamiento de la

democracia representativa, las elecciones son el procedimiento de articulación de esa

relación.

a.- Contenido del sistema electoral:

Para algunos autores abarca todos los elementos presentes en los procesos

electorales mientras que para otros, y con ellos la LOREG, se circunscribe a la

conversión de los votos en representación y poder, esto es el tamaño de las

circunscripciones, el número de escaños y la fórmula electoral.

A esta opción ceñiré mi intervención, si bien complementada con referencias

ineludibles a la modalidad de sufragio y la barrera electoral.

II. MARCO NORMATIVO

a.- Constitución Española de 1978:

Artículo 81: Reserva de ley orgánica para la regulación del régimen electoral

general.

Artículos 67, 68, 69 y 70, relativos a las elecciones de Diputados y Senadores.

Artículo 140: Elecciones Municipales.

Artículo 142: Elecciones Asambleas Legislativas Comunidades Autónomas.

b.- Ley Orgánica 5/1985, de 19 de Junio, de Régimen Electoral General

(LOREG).

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c.- Estatutos de Autonomía y legislación electoral de las Comunidades

Autónomas.

III. CIRCUNSCRIPCIÓN O DISTRITO ELECTORAL

a.- Concepto: Conjunto de electores con cuyos votos se hará la distribución de

escaños entre los candidatos que concurren a la elección.

b.- Determinación de las circunscripciones o distritos electorales: Distinta

circunscripción según el tipo de elección.

Elección Congreso de los Diputados: Artículo 68.2 CE: Para la elección de

diputados la circunscripción electoral es la provincia. La población de Ceuta y Melilla

estarán representadas cada una de ellas por un Diputado. Existen por lo tanto 52

circunscripciones.

Elecciones Senado: Artículo 69.2 CE: En cada provincia se elegirán cuatro

senadores. Junto a ello, en las provincias insulares cada isla , es una circunscripción. 59

circunscripciones electorales.

NO IMPOSICION CONSTITUCIONAL DE LA CIRCUNSCRIPCION PROVINCIAL

PARA LA ELECCION DE SENADORES, PERO SI POR PARTE DE LA LOREG.

Elecciones autonómicas: La provincia. En Comunidades Autónomas

uniprovinciales, circunscripciones o distritos de menor entidad territorial.

Elecciones municipales: El municipio.

c.- Reglas de determinación de número de escaños por circunscripción o distrito

electoral. Regla general distritos plurinominales.

Elecciones Senado: Artículo 69 CE: cuatro escaños por provincia con

independencia de la población. En Gran Canaria, Mallorca y Tenerife eligen 3, y las

islas menores uno, Ceuta y Melilla eligen 2 senadores cada una de ellas.

Senadores de elección directa: 208

Resto en representación de las CCAA, designados por éstas, uno por CA y otro

más cada millón de habitantes.

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Elecciones Congreso de los Diputados: Artículo 68.1 CE: El Congreso se

compone de un mínimo de 300 y un máximo de 400 diputados, elegidos por sufragio

universal, igual, libre, directo y secreto.

La LOREG fija el número de diputados en 350.

La CE no establece el número de representantes en cada circunscripción, se

limita a decir que la ley deberá establecer una distribución mínima por circunscripción y

el resto se distribuye en función de la población.

LOREG: Establece una representación mínima de 2 diputados por

circunscripción, más 1 por Ceuta y 1 por Melilla, con lo que se asignan 102 diputados.

Los 248 restantes se reparten en proporción a la población.

Decreto de convocatoria fija el numero de diputados a elegir por circunscripción.

Se obtiene una cuota de reparto resultante de dividir la población española total por 248.

A cada provincia se le asignan tantos escaños como resulten de dividir la población de

cada provincia por la cuota de reparto.

Consecuencias: Número de diputados a elegir escaso para la población española.

Provincias menos pobladas cuentan proporcionalmente con mayor representación que

las mas pobladas.

Madrid y Barcelona con poblaciones de 5 y 4,5 millones de habitantes obtienen

34 y 31 escaños y Soria y Teruel con 90.000 y 118.00 habitantes reciben 3 escaños cada

una. Las primeras un escaño por cada 132.000 o 145.000 habitantes y en las segundas

cada 30.000 o 40.000 habitantes.

PRINCIPAL CAUSA DE DESIGUALDAD DE VOTO EN ESPAÑA.

Soluciones: Aumento número de diputados a 400 y reducción de representación

mínima a un escaño por circunscripción.

Elecciones autonómicas: Según se disponga en la legislación electoral

autonómica. Reglas similares a las previstas para la determinación de escaños en el

Congreso de los Diputados.

Elecciones municipales: Establecido en la LOREG en función del número de

habitantes del municipio.

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IV. MODALIDAD DE SUFRAGIO

a.- Regla general: Sufragio plurinominal.

Congreso de los Diputados, Parlamento europeo y municipales: Listas cerradas y

bloqueadas

Senado: Listas abiertas con panachage

Elecciones autonómicas: Listas cerradas y bloqueadas

Elecciones municipales: Listas cerradas y bloqueadas. En municipios de 100 a

250 habitantes listas abiertas con panachage.

b.- Excepción: Sufragio unipersonal

Elecciones Congreso de los Diputados: Ceuta y Melilla

Elecciones Senado: Islas menores de Baleares y Canarias: Ibiza-Formentera;

Menorca; Fuerteventura; Hierro; Lanzarote y La Palma.

Elecciones Municipales: Ayuntamientos de población inferior a 100 habitantes.

V. BARRERA ELECTORAL

Elecciones Cortes Generales: Debe obtenerse el 3% de los votos válidos

emitidos en la circunscripción. ( art. 163.a,a) LOREG).Eficacia real solo en las

circunscripciones grandes con un cierto número de escaños en juego.

Elecciones autonómicas: Diversas soluciones.

Elecciones municipales: 5% de los votos válidos emitidos.

VI. FORMULA ELECTORAL.

a.- Concepto: Procedimiento mediante el que se realiza la conversión de votos en

escaños.

b.- Clases:

1.-Sistema de representación proporcional:

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Elecciones Congreso de los Diputados.( Artículo 68.3 CE). Método D´Hondt:

Todas las listas que superan la barrera electoral en la circunscripción entran en el

reparto, y se divide sucesivamente el número de votos de cada candidatura por el

número de escaños en juego en la circunscripción (1, 2, 3,...). La representación se

asigna por el orden de mayor a menor de los cocientes. En caso de empate el escaño se

asigna a quien haya obtenido el mayor número de votos en la circunscripción.

Algún sector doctrinal (MONTERO GIBERT) ha considerado que en realidad

nos encontramos ante un sistema mayoritario atenuado. Nos encontraríamos ante el

sistema proporcional más desproporcional de los existentes en Europa (MONTERO

GIBERT y RICHARD GUNTHER): Combinación de circunscripciones con escasa

población y pocos escaños, que se semeja mucho al sistema mayoritario, y sistema

D´Hondt, que favorece a los partidos más fuertes y penaliza a los pequeños, tendencia

mayoritaria que se incrementa en tiempos de fuerte distancia electoral entre los dos

grandes partidos (SANTAMARIA OSSORIO).

Elecciones autonómicas.

Elecciones municipales: Sistema D´Hondt. Excepto en municipios entre 100 y

250 habitantes y concejos abiertos (-100 habitantes).

2.- Sistema mayoritario

Elecciones Senado: sistema mayoritario. Son proclamados senadores los

candidatos que obtengan el mayor número de votos.

Elecciones municipales, municipios de 100 a 250 habitantes y – 100 habitantes.

B. LA FINANCIACION DE LOS PARTIDOS

I. FINANCIACION ORDINARIA

a.- Marco normativo

Ley Orgánica 8/2997, de 4 de julio, de financiación de los partidos políticos.

b.- Modelo

Modelo mixto, con claro predominio de la financiación pública.

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c.- Recursos

1.- Financiación pública

Subvenciones públicas gastos electorales

Subvenciones estatales anuales gastos de funcionamiento

Subvenciones anuales autonómicas para gastos de funcionamiento.

Subvenciones extraordinarias para propaganda campañas referenda.

Aportaciones de los grupos parlamentarios

2.- Financiación privada.

Cuotas de afiliados y simpatizantes

Producto actividades partido y gestión de patrimonio. No pueden desarrollar

actividades mercantiles.

Donaciones en dinero o especie

Préstamos o créditos

Herencias o legados.

d.-En especial, las subvenciones para gastos de funcionamiento

Beneficiarios: Partidos con representación parlamentaria.

Criterios distribución: Numero de escaños y de votos en las últimas elecciones al

Congreso. Tres cantidades iguales: Una en proporción al número de escaños en el

Congreso y las otras dos proporcional a los votos obtenidos en las elecciones.

e.- En especial, las donaciones

En dinero o en especie.

Procedentes de personas físicas o jurídicas. No son posibles las donaciones de

organismos, entidades o empresas públicas, ni de concesionarios ni contratistas de

Administraciones Públicas. Identificación del donante.

Límites: No son posibles las donaciones anónimas; Una misma persona física o

jurídica no puede superar los 100.000 euros anuales, salvo si se trata de inmuebles.

Justificación: Deberán abonarse en cuenta bancaria especifica.

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f.- Beneficios fiscales:

Exención en el impuesto de Sociedades: De las aportaciones de afiliados; De

las subvenciones públicas; De las donaciones privadas; De los rendimientos de

actividades propias; de los rendimientos del patrimonio del partido.

Rentas no exentas: Tributación al tipo del 25% del Impuesto de Sociedades.

Deducción de cuota hasta máximo de 600 euros anuales en el Impuesto Renta de

las Personas Físicas.

g.- Obligaciones contables:

Libros de contabilidad.

Cuentas anuales, integradas por Balance, cuenta de resultado y memoria

explicativa. Rendición de cuentas anuales si reciben subvenciones. Remisión al

Tribunal de Cuentas.

Control externo: Tribunal de Cuentas.

II. EN ESPECIAL, LA FINANCIACION DE LAS CAMPAÑAS EL ECTORALES

a.- Marco normativo y modelo: Capitulo VII del Título I de la LOREG.

Modelo de financiación esencialmente público, con fuertes limitaciones a las

aportaciones privadas.

b.- Concepto de gasto electoral: Los realizados desde el día de la convocatoria

de las elecciones hasta el de la proclamación de los electos, en los siguientes conceptos:

confección de sobres y papeletas electorales; propaganda y publicidad; alquiler de

locales ; remuneraciones y gratificaciones personal no permanente; medios de transporte

y gastos desplazamientos de candidatos y dirigentes; correspondencia; intereses de

créditos.

c.- Financiación pública a través de subvenciones: Subvención por escaño

obtenido en el Congreso y en el Senado en las elecciones, una cantidad por cada voto de

aquellas candidaturas al Congreso en las que al menos uno de sus componentes hubiera

obtenido escaño, y otra cantidad por cada voto por cada candidato que hubiera obtenido

la condición de Senador. (Congreso y Senado: Artículo 175.1 LOREG). Idéntico

sistema resto de procesos electorales.

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d.- Financiación en especie. Colocación de carteles en vías y espacios públicos,

en vallas reservadas por ayuntamientos, y uso de locales públicos para realización de

actos electorales. Utilización de los medios de titularidad pública de comunicación

social.

e.- Financiación privada: Donaciones de personas fisicas o juridicas limitadas a

6.000 euros; créditos de entidades bancarias;

f.- Límites: El resultante de multiplicar por 40 pesetas el numero de habitantes

correspondiente a la población de derecho de las circunscripciones donde presente

candidatura cada partido, en las Elecciones al Congreso y al Senado. En el resto de

procesos electorales, utilización de idéntica técnica si bien varia el importe.

g.- Obligaciones: Nombramiento de un administrador electoral, responsable de

ingresos, gastos y contabilidad de la candidatura. Nombramiento de un administrador

general para aquellos partidos que presenten candidaturas en más de 1 circunscripción.

Comunicación de las cuentas abiertas para la recaudación

h.- Control de la contabilidad electoral: En dos momentos distintos por dos

órganos distintos:

1.- Desde la fecha de la convocatoria hasta 100 días posteriores a la celebración

de las elecciones: Junta Electoral Central y Juntas Electorales Provinciales.

2.- Entre los 100 y 125 posteriores a las elecciones: Tribunal de Cuentas.

En ambos supuestos los indicios de delitos deben ser puestos en conocimiento

del Ministerio Fiscal.

C. EL PROBLEMA DEL TRANSFUGUISMO

I. CONCEPTO E IMPORTANCIA DEL FENOMENO.

Abandono de un partido, ingresando o no en otro, pero conservando el cargo

público para el que fue elegido dentro del partido abandonado. En esencia, supone una

posición contraria a la del electorado y a la del programa politico avalado por la

candidatura en la cual se obtuvo la elección. (GARCIA ROCA).

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Importancia y efectos: Falsea la representación política, debilita el sistema de

partidos, dificulta la gobernabilidad, favorece la corrupción y deteriora la cultura

política democrática. Para Blanco Valdés “es una vulneración gravisima del respeto al

resultado salido de las urnas”

II. DE QUIEN ES EL ESCAÑO?.MANDATO REPRESENTATIVO/M ANDATO

DE PARTIDO.

a.- La representación politica en la Constitucion Española. La CE. de 1978 sigue

anclada a los principios de la representación politica liberal clásica. Junto al especial

reconocimiento constitucional de los partidos en el articulo 6 CE, coexisten preceptos

como el 1.2(soberanía nacional); 66.1(representación del pueblo español en las Cortes

Generales); artículo 71 (prerrogativas parlamentarias); 79.3(indelegabilidad voto de

diputados y senadores); y ante todo el 67.2 que prohibe el mandato imperativo de

diputados y Senadores.

Contradicción realidad politica y juridica: España es un estado de partidos, con

todas sus consecuencias.

b.- Jurisprudencia del Tribunal Constitucional:STC 5/1983, 10/1983, 16/1983,

20/1983, 29/1983, 30/1983: Nitida opción por el mandato representativo frente al

mandato de partido.

En esencia se funda en tesis tales como “la presunción de que la voluntad del

representante es la voluntad de los representados, en razón de lo cual son imputados a

éstos en su conjunto y no solo a quienes votaron a su favor o formaron la mayoría de

actos de aquel. El desconocimiento de esa relación de imputación destruye la

naturaleza misma de la institución representativa, y vulnera un derecho fundamental de

todos” o “la permanencia de los representantes depende de la voluntad de los electores

que la expresan a través de elecciones periódicas, y no de la voluntad de un partido

politico” .

No obstante, existencia de discrepancias en el seno del TC mediante sendos

votos particulares.

Fuerte debate en el seno de la doctrina: CAAMAÑO, BASTIDA FREIJEDO,

JORGE DE ESTEBAN,BLANCO VALDES,CHUECA RODRIGUEZ disconformes

con la jurisprudencia del TC: Democracia europea es democracia de partidos y en los

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“sistemas fundamentados en el parlamentarismo no hay duda de que un requisito vital

son los partidos adecuados al parlamentarismo”(SARTORI).

Distinción entre Cortes Generales y resto de órganos representativos. Distinción

entre abandono voluntario y expulsión del partido.

III. RESPUESTAS DADAS AL TRANSFUGUISMO

a.- Dimensión del problema, en el ámbito local: De un total de 8111 municipios,

en la legislatura 1999-2003 se produjeron 178 mociones de censura y 59 casos de

transfuguismo y entre mayo de 2003 y diciembre de 2005, se habían producido 170

mociones de censura y 67 casos de transfuguismo, habiendo perdido en este último

periodo 13 alcaldías el PSOE y 5 el PP.

Incidencia en el ámbito autonómico: Comunidad Autónoma de Madrid, junio de

2003.

a.- Acuerdo sobre un código de conducta política en relación con el

transfuguismo en las corporaciones locales, de 7 de julio de 1998.Renovado el 26 de

septiembre de 2000 y el 23 de mayo de 2006.En esencia se comprometían a rechazar y

no admitir en su grupo politico a un concejal integrado en la candidatura de otra

formación y a impedir la utilización de tránsfugas para constituir, mantener o cambiar

las mayorías de Gobierno, a no apoyar ninguna iniciativa que provengan de ellos y a

adoptar medidas disuasorias de carácter economico, reglamentario y protocolario.

b.- Consecuencias normativas: A medio camino entre el mandato representativo

y el mandato ideológico o de partido.

En el ámbito municipal: Modificación del articulo 73.3 de la Ley de Bases de

Régimen Local, Ley 7/1985, de 2 de abril. Creación de la figura de los “no adscritos”

que serán “aquellos que no se integren en el grupo político que constituya la formación

electoral por la que fueron elegidos o que abandonaren su grupo de procedencia”. No

será de aplicación en caso de candidaturas presentadas por coaliciones de partidos. Se

limita unicamente a los que abandonan libremente el partido pero no a los expulsados.

Consecuencias: los no adscritos o podran tener derechos económicos y politicos

superiores a los que les hubiera correspondido de permanecer en el grupo de

procedencia. EL Limite de estas consecuencias se encuentra en el respeto al “ius in

officium”.

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Ampliación a las CCAA: Previsión de la figura de los “no adscritos” en algunos

Reglamentos de Asambleas Legislativas de Comunidades Autónomas. Incluyen los

supuestos de cambio de adscripción por expulsión del Partido.(Castilla-León;

Extremadura; La Rioja).

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