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R E L A T R I O O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (Presidente): Trata-se de agravo regimental interposto pela

Unio (fls. 193-229) contra a deciso da Presidncia do STF (fls. 169-184), na qual indeferi o pedido de suspenso de tutela antecipada n. 175, formulado pela Unio, (que

contm apensa a Suspenso de Tutela Antecipada n. 178, de idntico contedo, formulada pelo Municpio de Fortaleza), contra acrdo proferido pela 1 Turma do Tribunal Regional Federal da 5 Regio, nos autos da Apelao Cvel no

408729/CE (2006.81.00.003148-1). A deciso agravada indeferiu o pedido de

suspenso de tutela antecipada, em consonncia com prvio parecer da Procuradoria-Geral da Repblica (fls. 135-149 e 162-163) por no se constatar, no caso, grave leso

ordem, economia e sade pblicas, ressaltando-se os seguintes fundamentos, no que aqui interessa: [...] No caso dos autos, ressalto os seguintes dados fticos como imprescindveis para a anlise do pleito:

a) a interessada, jovem de 21 anos de idade, portadora da patologia denominada NIEMANN-PICK TIPO C, doena neurodegenerativa rara, comprovada clinicamente e por exame laboratorial, que causa uma srie de distrbios neuropsiquitricos, tais como, movimentos involuntrios, ataxia da marcha e dos membros, disartria e limitaes de progresso escolar e paralisias progressivas (fl. 29); b) os sintomas da doena teriam se manifestado quando a paciente contava com cinco anos de idade, sob a forma de dificuldades com a marcha, movimentos anormais dos membros, mudanas na fala e ocasional disfagia (fl. 29); c) os relatrios mdicos emitidos pela Rede Sarah de Hospitais de Reabilitao relatam que o uso do ZAVESCA (miglustat) poderia possibilitar um aumento de sobrevida e a melhora da qualidade de vida dos portadores de Niemann-Pick Tipo C (fl. 30);

d) a famlia da paciente declarou no possuir condies financeiras para custear o tratamento da doena, orada em R$ 52.000,00 por ms; e e) segundo o acrdo impugnado, h prova prconstituda de que o medicamento buscado considerado pela clnica mdica como nico capaz de deter o avano da doena ou de, pelo menos, aumentar as chances de vida da paciente com uma certa qualidade (fl. 108). A deciso impugnada, ao deferir a antecipao de tutela postulada, aponta a existncia de provas quanto ao estado de sade da paciente e a necessidade do medicamento indicado, nos seguintes termos:(...) No caso concreto, a verossimilhana da alegao demonstrada pelos documentos mdicos que restaram coligidos aos autos. No de fl. 24, consta que o miglustato (Zavesca) o nico medicamento capaz de deter a progresso da Doena de Niemann-Pick Tipo C, aliviando, assim, os sintomas e sofrimentos neuropsiquitricos da paciente. A afirmao seguida de indicao das bases nas quais se assentou a concluso: estudos que remontam ao ano 2000. Alm dele, convm apontar para o parecer exarado pela Rede Sarah de Hospitais de Reabilitao Associao das Pioneiras Sociais, sendo essa instituio de referncia nacional. Nessa manifestao (fl. 28) consta: Atualmente o tratamento , preponderantemente, de suporte, mas j h trabalhos relatando o uso do Zavesca (miglustat), anteriormente usado para outras doenas de depsito, com o objetivo de diminuir a taxa de biossntese de glicolipdios e, portanto, a diminuio do acmulo lisossomol destes glicolpidios que esto em quantidades aumentadas pelo defeito do transporte de lipdios dentro das clulas; o que poderia possibilitar um aumento de sobrevida e/ou melhora da qualidade de vida dos pacientes acometidos pela patologia citada. Acrescente-se que o medicamento pretendido tem sido ministrado em casos idnticos. (...) Esse quadro mostra que h prova prconstituda de que a jovem CLARICE portadora da doena Niemann-Pick Tipo C; de que a medicao buscada (miglustat) considerada pela clnica mdica como nico capaz de deter o avano da doena ou de, ao menos, aumentar as chances de vida do paciente com uma certa qualidade; de que tem sido ministrado em outros pacientes, tambm em decorrncia de decises judiciais. (fls. 107-108)

O argumento central apontado pela Unio reside na falta de registro do medicamento Zavesca (miglustat) na Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria e, consequentemente, na proibio de sua comercializao no Brasil. No caso, poca da interposio da ao pelo Ministrio Pblico Federal, o medicamento ZAVESCA ainda no se encontrava registrado na ANVISA (fl. 31).

No entanto, em consulta ao stio da ANVISA na internet, verifiquei que o medicamento ZAVESCA (princpio ativo miglustate), produzido pela empresa ACTELION, possui registro (n. 155380002) vlido at 01/2012. O medicamento Zavesca, ademais, no consta dos Protocolos e Diretrizes Teraputicas do SUS, sendo medicamento de alto custo no contemplado pela Poltica Farmacutica da rede pblica. Apesar de a Unio e de o Municpio de Fortaleza alegarem a ineficcia do uso de Zavesca para o tratamento da doena de Niemann-Pick Tipo C, no comprovaram a impropriedade do frmaco, limitando-se a inferir a inexistncia de Protocolo Clnico do SUS. Por outro lado, os documentos juntados pelo Ministrio Pblico Federal atestam que o medicamento foi prescrito por mdico habilitado, sendo recomendado pela Agncia Europia de Medicamentos (fl. 166). Ressalte-se, ainda, que o alto custo do medicamento no , por si s, motivo para o seu no fornecimento, visto que a Poltica de Dispensao de Medicamentos excepcionais visa a contemplar justamente o acesso da populao acometida por enfermidades raras aos tratamentos disponveis. A anlise da ilegitimidade ativa do Ministrio Pblico Federal e da ilegitimidade passiva da Unio e do Municpio refoge ao alcance da suspenso de tutela antecipada, matria a ser debatida no exame do recurso cabvel contra o provimento jurisdicional que ensejou a presente medida. [...] (fls. 180-183)

Manteve-se, tutela recursal

por

conseguinte, pelo TRF da

a

antecipao 5 Regio

de

deferida

para

determinar Unio, ao Estado do Cear e ao Municpio de Fortaleza o fornecimento do medicamento denominado Zavesca (Miglustat), em favor de CLARICE ABREU DE CASTRO NEVES. O agravante requer a reforma da deciso (fls. 193-229), renovando os argumentos antes apresentados para buscar demonstrar a ocorrncia de grave leso ordem, economia e sade pblicas (fls. 193-229). Alega que a deciso objeto do pedido de suspenso viola o princpio da separao de poderes e as normas e regulamentos do SUS, bem como desconsidera a funo

exclusiva da Administrao em definir polticas pblicas, caracterizando-se, nestes casos, indevida interferncia do Poder Judicirio nas (fls. 199- 204). Sustenta tanto a ilegitimidade passiva da Unio e ofensa ao sistema de repartio de competncias (fls. 204205), como a inexistncia de responsabilidade solidria diretrizes de polticas pblicas

entre os integrantes do SUS, ante a ausncia de previso normativa (fls. 205-218). Por fim, argumenta que s deve figurar no plo passivo da ao do principal o ente e responsvel que causa pela grave

dispensao

medicamento

pleiteado

leso s finanas e sade pblicas a determinao de desembolso de considervel quantia para a aquisio do

medicamento de alto custo pela Unio, pois isto implicar: deslocamento descontinuidade restante da de da esforos prestao e e dos recursos servios de de estatais, sade ao

populao

possibilidade

efeito

multiplicador (fls. 223-229). o relatrio.

V O T O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (Presidente): Trata-se de agravo regimental contra deciso da Presidncia do STF (fls. 169-184) por meio da qual indeferi o pedido de Suspenso de Tutela Antecipada n. 175, formulado pela Unio (que contm apensa a Suspenso de Tutela Antecipada n. 178, de idntico contedo, formulada pelo Municpio de Fortaleza), contra acrdo proferido pela 1 Turma do Tribunal Regional Federal da 5 Regio, nos autos da Apelao Cvel no 408729/CE (2006.81.00.003148-1). O

O

presente

recurso

tempestivo,

conforme

se

depreende das fls. 189-193. A deciso agravada indeferiu o pedido de

suspenso de tutela antecipada, por no haver constatado grave leso ordem, economia e sade pblicas. Assim, suspenso, normativos saliento que, ao os analisar o pedido fticos ordem, de e

entendi que

inexistirem

elementos leso

comprovassem

grave

economia, sade e segurana pblicas. Na ocasio, destaquei que, segundo consta dos

autos, a deciso que a Unio buscava suspender determinoulhe fornecer o medicamento ZAVESCA (princpio ativo

miglustate) paciente portadora da patologia denominada NIEMANN-PICK TIPO C, doena neurodegenerativa rara,

comprovada clinicamente e por exame laboratorial, que causa uma srie de distrbios neuropsiquitricos, tais como:

movimentos involuntrios, ataxia da marcha e dos membros, disartria e limitaes de progresso escolar e paralisias progressivas. Consignei, ainda, que havia informao da

existncia de prova pr-constituda, consistente em: laudo mdico do Hospital Sarah certificando a essencialidade do medicamento para o aumento de sobrevida e de qualidade de vida da paciente, na impossibilidade de a paciente custear o tratamento e na existncia de registro do referido

frmaco na ANVISA. Por fim, constatei que existem casos na

jurisprudncia desta Corte que afirmam a responsabilidade solidria dos entes federados em matria de sade e de que no cabe discutir, no mbito do pedido de suspenso,

questes relacionadas ao mrito da demanda.

Irresignada, a Unio agravou da referida deciso, reforando os argumentos antes apresentados no pedido de suspenso. Diante da relevncia da concretizao do direito sade e da complexidade que envolve a discusso de

fornecimento de tratamentos e medicamentos por parte do Poder Pblico, inclusive por determinao judicial, entendo necessrio, inicialmente, retomar o tema sob uma

perspectiva mais ampla, o que fao a partir de um juzo mnimo de delibao na ao a respeito das questes tem se jurdicas a os

presentes

principal, Corte, SS-AgR no

conforme da qual 846/DF,

entendido destacam

jurisprudncia seguintes

desta

julgados:

Rel.

Seplveda

Pertence, DJ 8.11.1996 e SS-AgR no 1.272/RJ, Rel. Carlos Velloso, DJ 18.5.2001. Passo relacionadas ento a analisar do as questes complexas

concretizao

direito

fundamental

sade, levando em conta, para tanto, as experincias e os dados colhidos na Audincia Pblica Sade, realizada

neste Tribunal nos dias 27, 28 e 29 de abril e 4, 6 e 7 de maio de 2009. A doutrina constitucional brasileira h muito se dedica interpretao do artigo 196 da Constituio.

Teses, muitas vezes antagnicas, proliferaram-se em todas as instncias do Poder Judicirio e na seara acadmica. Tais teses buscam definir se, como e em que medida o

direito constitucional sade se traduz em um direito subjetivo pblico a prestaes positivas do Estado,

passvel de garantia pela via judicial. As divergncias doutrinrias quanto ao efetivo mbito de proteo da norma constitucional do direito sade decorrem, especialmente, da natureza prestacional

desse direito e da necessidade de compatibilizao do que se convencionou denominar mnimo existencial e reserva do possvel (Vorbehalt des Mglichen). Como tenho analisado em estudos doutrinrios, os direitos fundamentais no contm apenas uma proibio de interveno (Eingriffsverbote), expressando tambm um

postulado de proteo (Schutzgebote). Haveria, assim, para utilizar uma expresso de Canaris, no apenas uma proibio de excesso (bermassverbot), mas tambm uma proibio de proteo Canaris, insuficiente (Untermassverbot) (Claus-Wilhelm um

Grundrechtswirkungen

Verhltnismssigkeitsprinzip in der richterlichen Anwendung und Fortbildung des Privatsrechts, JuS, 1989, p. 161.). Nessa dimenso objetiva, tambm assume relevo a perspectiva dos direitos organizao e ao procedimento (Recht auf Organization und auf Verfahren), que so aqueles direitos fundamentais que dependem, na sua realizao, de providncias estatais com vistas criao e conformao de rgos e procedimentos indispensveis sua efetivao. Ressalto, nessa perspectiva, as contribuies de Stephen Holmes e Cass Sunstein para o reconhecimento de que todas as dimenses dos direitos fundamentais tm custos pblicos, dando significativo relevo ao tema da reserva do possvel, recursos alocativas, especialmente e a ao evidenciar de partir se da a escassez dos

necessidade a

fazerem

escolhas das

concluindo,

perspectiva

finanas pblicas, que levar a srio os direitos significa levar a srio a escassez (HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass. The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes. W. W. Norton & Company: Nova Iorque, 1999). Embora direitos e os direitos sociais, assim como os

liberdades

individuais,

impliquem

tanto

direitos

a

prestaes

em

sentido

estrito

(positivos),

quanto direitos de defesa (negativos), e ambas as dimenses demandem o emprego de recursos pblicos para a sua

garantia, a dimenso prestacional (positiva) dos direitos sociais o principal argumento contrrio sua

judicializao. A dependncia de recursos econmicos para a

efetivao dos direitos de carter social leva parte da doutrina direitos a defender a que as normas de que consagram tais

assumem

feio

normas

programticas,

dependentes, portanto, da formulao de polticas pblicas para se tornarem que a exigveis. do Nesse Poder sentido, tambm ante se a

defende omisso

interveno quanto

Judicirio, satisfatria

estatal

construo

dessas

polticas, violaria o princpio da separao dos Poderes e o princpio da reserva do financeiramente possvel. Em relao aos direitos sociais, preciso levar em considerao que a prestao devida pelo Estado varia de acordo com a necessidade especfica de cada cidado. Assim, enquanto o Estado tem que dispor de um determinado valor para arcar com o aparato capaz de garantir a liberdade dos cidados universalmente, no caso de um direito social como a sade, por outro lado, deve dispor de valores variveis em funo das necessidades individuais de cada cidado. Gastar mais recursos com uns do que com outros envolve, portanto, a adoo de critrios distributivos para esses recursos. Dessa forma, em razo da inexistncia de suportes financeiros necessidades suficientes sociais, para a satisfao que a de todas as das

enfatiza-se

formulao

polticas sociais e econmicas voltadas implementao dos direitos sociais implicaria, invariavelmente, escolhas

alocativas. Essas escolhas seguiriam critrios de justia distributiva (o quanto disponibilizar e a quem atender), configurando-se como tpicas opes polticas, as quais

pressupem escolhas trgicas pautadas por critrios de macrojustia. dizer, a escolha da destinao de recursos para uma poltica e no para outra leva em considerao fatores como o nmero de cidados atingidos pela poltica eleita, a efetividade e a eficcia do servio a ser

prestado, a maximizao dos resultados etc. Nessa linha de anlise, argumenta-se que o Poder Judicirio, o qual estaria vocacionado a concretizar a

justia do caso concreto (microjustia), muitas vezes no teria condies de, ao examinar determinada pretenso prestao de um direito social, analisar as consequncias globais da destinao de recursos pblicos em benefcio da parte, Gustavo. com invarivel prejuzo e para o todo (AMARAL, Rio de

Direito,

Escassez

Escolha.

Renovar:

Janeiro, 2001). Por outro lado, defensores da atuao do Poder Judicirio na concretizao dos direitos sociais, em

especial do direito sade, argumentam que tais direitos so indispensveis para a realizao da dignidade da pessoa humana. Assim, ao menos o mnimo existencial de cada um dos direitos exigncia lgica do princpio da dignidade da pessoa humana no poderia deixar de ser objeto de apreciao judicial. O fato do que direito o denominado sade problema da

judicializao

ganhou

tamanha

importncia terica e prtica, que envolve no apenas os operadores do direito, mas tambm os gestores pblicos, os profissionais da rea de sade e a sociedade civil como um todo. Se, por um lado, a atuao do Poder Judicirio

fundamental

para

o

exerccio

efetivo

da

cidadania,

por

outro, as decises judiciais tm significado um forte ponto de tenso entre os elaboradores que se veem e os executores a das

polticas

pblicas,

compelidos

garantir

prestaes de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes com a poltica estabelecida pelos

governos para a rea de sade e alm das possibilidades oramentrias. Lembro, neste ponto, a sagaz assertiva do

professor Canotilho segundo a qual paira sobre a dogmtica e teoria jurdica dos direitos econmicos, sociais e

culturais a carga metodolgica da vaguidez, indeterminao e impressionismo que a teoria da cincia vem apelidando, em termos caricaturais, fuzzy. sob a designao toda a de fuzzismo radicalidade ou

metodologia

Em

sua

enfatiza Canotilho a censura de fuzzysmo lanada aos juristas significa basicamente que eles no sabem do que esto a falar quando abordam os complexos problemas dos direitos econmicos, sociais e culturais (CANOTILHO, J. J. Gomes. Metodologia actual In: fuzzy dos e camalees normativos sociais na e

problemtica culturais.

direitos sobre

econmicos, direitos

Estudos

fundamentais.

Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 100.). Nesse aspecto, no surpreende o fato de que a problemtica dos direitos sociais tenha sido deslocada, em grande parte, para as teorias da justia, as teorias da argumentao e as teorias econmicas do direito (CANOTILHO, op. cit., p. 98). Enfim, como enfatiza Canotilho, havemos de

convir que a problemtica jurdica dos direitos sociais se encontra hoje numa posio desconfortvel (CANOTILHO, op. cit., p. 99).

De toda forma, parece sensato concluir que, ao fim e ao cabo, problemas concretos devero ser resolvidos levando-se em considerao todas as perspectivas que a

questo dos direitos sociais envolve. Juzos de ponderao so inevitveis nesse contexto prenhe de complexas relaes conflituosas entre princpios e diretrizes polticas ou, em outros termos, entre direitos individuais e bens coletivos. Alexy segue linha semelhante de concluso, ao

constatar a necessidade de um modelo que leve em conta todos os argumentos favorveis e contrrios aos direitos sociais, da seguinte forma:Considerando os argumentos contrrios e favorveis aos direitos fundamentais sociais, fica claro que ambos os lados dispem de argumentos de peso. A soluo consiste em um modelo que leve em considerao tanto os argumentos a favor quantos os argumentos contrrios. Esse modelo a expresso da idia-guia formal apresentada anteriormente, segundo a qual os direitos fundamentais da Constituio alem so posies que, do ponto de vista do direito constitucional, so to importantes que a deciso sobre garanti-las ou no garanti-las no pode ser simplesmente deixada para a maioria parlamentar. (...) De acordo com essa frmula, a questo acerca de quais direitos fundamentais sociais o indivduo definitivamente tem uma questo de sopesamento entre princpios. De um lado est, sobretudo, o princpio da liberdade ftica. Do outro lado esto os princpios formais da competncia decisria do legislador democraticamente legitimado e o princpio da separao de poderes, alm de princpios materiais, que dizem respeito sobretudo liberdade jurdica de terceiros, mas tambm a outros direitos fundamentais sociais e a interesses coletivos. (ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Traduo Virglio Afonso da Silva. So Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 511-512)

Ressalte-se,

no

obstante,

que

a

questo

dos

direitos fundamentais sociais enfrenta desafios no direito comparado que no se apresentam em nossa realidade. Isso porque a prpria existncia de direitos fundamentais

sociais questionada em pases cujas Constituies no os preveem de maneira expressa ou no lhes atribuem eficcia

plena. o caso da Alemanha, por exemplo, cuja Constituio Federal praticamente no contm direitos fundamentais de maneira expressa (ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos

Fundamentais. Traduo Virglio Afonso da Silva. So Paulo: Malheiros Editores, o e 2008, p. 500), e de Portugal, dos que

diferenciou liberdades direitos

regime garantias

constitucional do regime Jos

direitos, dos Os

constitucional Vieira de.

sociais

(ANDRADE,

Carlos

Direitos Fundamentais na Constituio Portuguesa de 1976. 3 Edio. Coimbra: Almedina, 2004, p. 385). Ainda entrever os que essas questes ao tormentosas Poder permitam e

desafios

impostos

Pblico

sociedade na concretizao do direito sade, preciso destacar de que forma a nossa Constituio estabelece os limites e as possibilidades de implementao deste direito. O direito sade estabelecido pelo artigo 196 da Constituio Federal como (1) direito de todos e (2) dever do Estado, (3) garantido mediante polticas

sociais e econmicas (4) que visem reduo do risco de doenas e de outros agravos, (5) regido pelo princpio do acesso universal e igualitrio (6) s aes e servios para a sua promoo, proteo e recuperao. Examinemos cada um desses elementos. (1) direito de todos: possvel identificar, na redao do referido artigo constitucional, tanto um direito individual quanto um direito coletivo sade. Dizer que a norma do artigo 196, por tratar de um direito social, consubstancia-se to somente em norma programtica, incapaz de produzir efeitos, apenas indicando diretrizes a serem observadas pelo poder

pblico,

significaria

negar

a

fora

normativa

da

Constituio. A dimenso individual do direito sade foi

destacada pelo Ministro Celso de Mello, relator do AgR-RE n. 271.286-8/RS, ao reconhecer o direito sade como um direito pblico subjetivo assegurado generalidade das

pessoas, que conduz o indivduo e o Estado a uma relao jurdica obrigacional. Ressaltou o Ministro que a

interpretao da norma programtica no pode transform-la em promessa constitucional inconseqente, impondo aos

entes federados um dever de prestao positiva. Concluiu que a essencialidade do direito sade fez com que o legislador constituinte qualificasse como prestaes de

relevncia pblica as aes e servios de sade (CF, art. 197), legitimando em que a a atuao do Poder Judicirio descumpra nas o

hipteses

Administrao

Pblica

mandamento constitucional em apreo. (AgR-RE N. 271.2868/RS, Rel. Celso de Mello, DJ 12.09.2000). No obstante, esse direito subjetivo pblico assegurado seja, no mediante h um polticas direito sociais a e econmicas, e ou

absoluto a

todo

qualquer e

procedimento

necessrio

para

proteo,

promoo

recuperao da sade, independentemente da existncia de uma poltica pblica a que o concretize. pblicas H que um direito

pblico

subjetivo

polticas

promovam,

protejam e recuperem a sade. Em deciso proferida na ADPF n. 45/DF, o Min. Celso de Mello consignou o seguinte:Desnecessrio acentuar-se, considerando o encargo governamental de tornar efetiva a aplicao dos direitos econmicos, sociais e culturais, que os elementos componentes do mencionado binmio (razoabilidade da pretenso + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se de modo afirmativo e em situao de cumulativa ocorrncia,

pois, ausentes qualquer desses elementos, descaracterizar-se- a possibilidade estatal de realizao prtica de tais direitos.(ADPF-MC N. 45, Rel. Celso de Mello, DJ 4.5.2004).

Assim,

a

garantia

judicial

da

prestao

individual de sade, prima facie, estaria condicionada ao no comprometimento do funcionamento do Sistema nico de Sade (SUS), o que, por certo, deve ser sempre demonstrado e fundamentado de forma clara e concreta, caso a caso. (2) dever do Estado: O para alm dispositivo do de direito constitucional fundamental de sade deixa sade, claro h o que, dever Estado

fundamental

prestao

por

parte

do

(Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios). O dever de desenvolver polticas pblicas que

visem reduo de doenas, promoo, proteo e recuperao da sade est expresso no artigo 196. A competncia comum dos entes da Federao para cuidar da sade consta do art. 23, II, da Constituio. Unio, Estados, Distrito pela e, Federal sade, e Municpios do so

responsveis quanto da

solidrios

tanto

indivduo

coletividade

dessa

forma,

so

legitimados

passivos nas demandas cuja causa de pedir a negativa, pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestaes na rea de sade. O fato os de o Sistema e nico de Sade os o ter

descentralizado financeiros dos

servios da

conjugado com

recursos de

entes

Federao,

objetivo

aumentar a qualidade e o acesso aos servios de sade, apenas refora a obrigao solidria e subsidiria entre eles.

As aes e os servios de sade so de relevncia pblica, integrantes segundo de o uma critrio rede da regionalizada subsidiariedade, e e

hierarquizada,

constituem um sistema nico. Foram estabelecidas quatro diretrizes bsicas

para as aes de sade: direo administrativa nica em cada nvel de governo; descentralizao poltico-

administrativa; atendimento integral, com preferncia para as atividades preventivas; e participao da comunidade. O Sistema nico de Sade est baseado no

financiamento pblico e na cobertura universal das aes de sade. Dessa forma, para que o Estado possa garantir a manuteno do sistema, necessrio que se atente para a estabilidade dos gastos com a sade e, consequentemente, para a captao de recursos. O financiamento do Sistema nico de Sade, nos termos do art. 195, opera-se com recursos do oramento da seguridade social, da Unio, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municpios, alm de outras fontes. A Emenda Constitucional estabilidade n. 29/2000, os recursos com de vistas sade, a dar maior um

para

consolidou

mecanismo de cofinanciamento das polticas de sade pelos entes da Federao. A Emenda acrescentou dois novos pargrafos ao

artigo 198 da Constituio, assegurando percentuais mnimos a serem destinados pela Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios para a sade, visando a um aumento e a uma maior estabilidade dos recursos. No entanto, o 3 do art. 198 dispe que caber Lei Complementar estabelecer: os

percentuais mnimos de que trata o 2 do referido artigo; os critrios de rateio entre os entes; as normas de

fiscalizao, avaliao e controle das despesas com sade;

as normas de clculo do montante a ser aplicado pela Unio; alm, claro, de especificar as aes e os servios

pblicos de sade. O art. 200 da Constituio, que estabeleceu as competncias do Sistema nico de Sade (SUS),

regulamentado pelas Leis Federais 8.080/90 e 8.142/90. O SUS consiste no conjunto de aes e servios de sade, prestados por rgos e instituies pblicas

federais, estaduais e municipais, da Administrao direta e indireta e das fundaes mantidas pelo Poder Pblico,

includas as instituies pblicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produo de insumos e medicamentos, inclusive de sangue e

hemoderivados, e de equipamentos para sade. (3) econmicas: A econmicas garantia ressalva, mediante polticas a sociais e de garantido mediante polticas sociais e

justamente,

necessidade

formulao de polticas pblicas que concretizem o direito sade por meio de escolhas alocativas. incontestvel que, alm da necessidade de se distriburem recursos

naturalmente escassos por meio de critrios distributivos, a prpria evoluo da medicina impe um vis programtico ao direito sade, pois sempre haver uma nova descoberta, um novo exame, uma um nova novo doena prognstico ou a volta ou de procedimento uma doena

cirrgico,

supostamente erradicada. (4) polticas que visem reduo do risco de doena e de outros agravos: Tais polticas visam reduo do risco de doena e outros agravos, de forma a evidenciar sua dimenso

preventiva. As aes preventivas na rea da sade foram, inclusive, indicadas como prioritrias pelo artigo 198,

inciso II, da Constituio. (5) polticas que visem ao acesso universal e igualitrio: O constituinte estabeleceu, ainda, um sistema

universal de acesso aos servios pblicos de sade. Nesse sentido, a Ministra Ellen Gracie, na STA 91, ressaltou que, no seu em entendimento, princpio, o art. 196 da de

Constituio

refere-se,

efetivao

polticas pblicas que alcancem a populao como um todo (STA 91-1/AL, Ministra Ellen Gracie, DJ 26.02.2007). O refora a princpio do acesso igualitrio dos e universal entes da da

responsabilidade garantindo,

solidria a

Federao,

inclusive,

igualdade

assistncia sade, sem preconceitos ou privilgios de qualquer espcie (art. 7, IV, da Lei 8.080/90). (6) aes e servios para promoo, proteo e recuperao da sade: O estudo do direito sade no Brasil leva a concluir que os problemas de eficcia social desse direito fundamental implementao devem-se e muito mais das a questes ligadas pblicas de

manuteno

polticas

sade j existentes - o que implica tambm a composio dos oramentos dos entes da Federao - do que falta de legislao especfica. Em outros termos, o problema no de inexistncia, mas de execuo (administrativa) das

polticas pblicas pelos entes federados. A Constituio brasileira no s prev

expressamente a existncia de direitos fundamentais sociais

(artigo

6),

especificando

seu

contedo

e

forma

de

prestao (artigos 196, 201, 203, 205, 215, 217, entre outros), como no faz distino entre os direitos e deveres individuais e coletivos (captulo I do Ttulo II) e os direitos sociais (captulo II do Ttulo II), ao estabelecer que os direitos e garantias fundamentais tm aplicao

imediata (artigo 5, 1, CF/88). V-se, pois, que os direitos fundamentais Federal de sociais 1988 foram como acolhidos pela

Constituio

autnticos

direitos

fundamentais. No h dvida deixe-se claro de que as demandas que buscam a efetivao de prestaes de sade devem ser resolvidas a partir da anlise de nosso contexto constitucional e de suas peculiaridades. Mesmo diante do que dispem a Constituio e as leis relacionadas questo, o que se tem constatado, de fato, a crescente controvrsia jurdica sobre a

possibilidade de decises judiciais determinarem ao Poder Pblico decises o fornecimento estas nas de medicamentos se discute, e tratamentos, os

quais

inclusive,

critrios considerados para tanto. No recorrente decises Tribunal a mbito do Supremo do Poder sentido. pedidos Tribunal Pblico Na de Federal, de

tentativa

suspender do de

judiciais existem

nesse diversos

Presidncia suspenso

segurana, de suspenso de tutela antecipada e de suspenso de liminar, com vistas a suspender a execuo de medidas cautelares que condenam a Fazenda Pblica ao fornecimento das mais variadas prestaes de sade (fornecimento de

medicamentos, suplementos alimentares, rteses e prteses; criao de vagas de UTIs e leitos hospitalares; contratao de servidores de sade; realizao de cirurgias e exames; custeio de tratamento fora do domiclio, inclusive no

exterior, entre outros).

Assim, levando em conta a grande quantidade de processos e a complexidade das questes neles envolvidas, convoquei Audincia Pblica para ouvir os especialistas em matria pblicos, Pblico, de os da Sade Pblica, da especialmente magistratura, da do os gestores Ministrio da Unio,

membros Defensoria

Pblica,

Advocacia

Estados e Municpios, alm de acadmicos e de entidades e organismos da sociedade civil. Aps representantes ouvir dos os depoimentos setores prestados envolvidos, pelos ficou

diversos

constatada a necessidade de se redimensionar a questo da judicializao do direito sade no Brasil. Isso porque, na maioria dos casos, a interveno judicial no ocorre em razo de uma omisso absoluta em matria de polticas

pblicas voltadas proteo do direito sade, mas tendo em vista uma necessria determinao judicial para o

cumprimento de polticas j estabelecidas. Portanto, no se cogita do problema da interferncia judicial em mbitos de livre apreciao ou de ampla discricionariedade de outros Poderes quanto formulao de polticas pblicas. Esse sobressaiu Sade: no nos foi um dos primeiros na entendimentos Audincia no que

debates o

ocorridos problema

Pblicaseja de

Brasil,

talvez

judicializao ou, em termos mais simples, de interferncia do Poder Judicirio na criao e implementao de polticas pblicas em matria de sade, pois o que ocorre, na quase totalidade dos casos, apenas a determinao judicial do efetivo cumprimento de polticas pblicas j existentes. Esse dado pode ser importante para a construo de um critrio ou parmetro para a deciso em casos como este, no qual se discute, primordialmente, o problema da

interferncia Poderes.

do

Poder

Judicirio

na

esfera

dos

outros

Assim, tambm com base no que ficou esclarecido na Audincia Pblica, o primeiro dado a ser considerado a existncia, ou no, de poltica estatal que abranja a

prestao de sade pleiteada pela parte. Ao deferir uma prestao de sade includa entre as polticas sociais e econmicas formuladas pelo Sistema nico de Sade (SUS), o Judicirio no est criando poltica pblica, mas apenas determinando o seu cumprimento. Nesses casos, a existncia de um direito subjetivo pblico a determinada poltica

pblica de sade parece ser evidente. Se a prestao de sade pleiteada no estiver entre as polticas do SUS, imprescindvel distinguir se a no prestao decorre de (1) uma omisso legislativa ou administrativa, (2) de uma deciso administrativa de no fornec-la ou (3) de uma vedao legal a sua dispensao. No raro, busca-se, no Poder Judicirio, a

condenao do Estado ao fornecimento de prestao de sade no registrada na Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (ANVISA). Como Audincia ficou claro nos depoimentos prestados na

Pblica,

vedado

Administrao

Pblica

fornecer frmaco que no possua registro na ANVISA. A Lei Federal n. 6.360/76, ao dispor sobre a vigilncia sanitria a que ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacuticos e correlatos,

determina, em seu artigo 12, que nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poder ser industrializado, exposto venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministrio da Sade. O artigo 16 da

referida Lei estabelece os requisitos para a obteno do registro, entre eles o de que o produto seja reconhecido como seguro e eficaz para o uso a que se prope. O Art. 18 ainda determina que, em se tratando de medicamento de

procedncia estrangeira, dever ser comprovada a existncia de registro vlido no pas de origem. O registro de medicamento, como ressaltado pelo Procurador-Geral da Repblica na Audincia Pblica, uma garantia sade pblica. E, como ressaltou o DiretorPresidente da ANVISA na mesma ocasio, a Agncia, por fora da lei de sua criao, tambm realiza a regulao econmica dos frmacos. Aps verificar a eficcia, a segurana e a qualidade do produto e conceder-lhe o registro, a ANVISA passa a analisar a fixao do preo definido, levando em considerao o benefcio clnico e o custo do tratamento. Havendo produto assemelhado, se o novo medicamento no

trouxer benefcio adicional, no poder custar mais caro do que o medicamento j existente com a mesma indicao. Por tudo isso, o registro na ANVISA configura-se como condio necessria para atestar a segurana e o

benefcio do produto, sendo o primeiro requisito para que o Sistema nico de Sade possa considerar sua incorporao. Claro que essa no uma regra absoluta. Em casos excepcionais, a importao de medicamento no registrado poder ser autorizada pela ANVISA. A Lei n. 9.782/99, que

criou a Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (ANVISA), permite que ela dispense de de registro organismos medicamentos multilaterais

adquiridos

por

intermdio

internacionais, para uso de programas em sade pblica pelo Ministrio da Sade. O segundo dado a ser considerado a existncia de motivao para o no fornecimento de determinada ao de

sade pelo SUS. H casos em que se ajuza ao com o objetivo de garantir prestao de sade que o SUS decidiu no custear por entender que inexistem evidncias

cientficas suficientes para autorizar sua incluso. Nessa hiptese, podem ocorrer, ainda, duas

situaes: 1) o SUS fornece tratamento alternativo, mas no adequado a determinado paciente; 2) o SUS no tem nenhum tratamento especfico para determinada patologia. A princpio, pode-se inferir que a obrigao do Estado, luz do disposto no artigo 196 da Constituio, restringe-se ao fornecimento das polticas sociais e econmicas por ele formuladas para a promoo, proteo e recuperao da sade. Isso porque o Sistema nico de Sade filiou-se corrente da Medicina com base em evidncias. Com isso, adotaram-se os Protocolos Clnicos e Diretrizes Teraputicas, que consistem num conjunto de critrios que permitem determinar o diagnstico de doenas e o tratamento correspondente com os medicamentos disponveis e as respectivas doses. Assim, um medicamento ou tratamento em desconformidade com o Protocolo deve ser visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso cientfico vigente. Ademais, no se pode esquecer de que a gesto do Sistema nico de Sade, obrigado a observar o princpio constitucional do acesso universal e igualitrio s aes e prestaes de sade, s torna-se vivel mediante a elaborao de polticas pblicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possvel. Obrigar a rede pblica a financiar toda e qualquer ao e prestao de sade existente geraria grave leso ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo a prejudicar ainda mais o atendimento mdico da parcela da populao mais necessitada. Dessa forma, podemos concluir que, em geral, dever ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opo diversa escolhida

pelo paciente, sempre que no for comprovada a ineficcia ou a impropriedade da poltica de sade existente. Essa concluso no afasta, contudo, a possibilidade de o Poder Judicirio, ou de a prpria Administrao, decidir que medida diferente da custeada pelo SUS deve ser fornecida a determinada pessoa que, por razes especficas do seu organismo, comprove que o tratamento fornecido no eficaz no seu caso. Inclusive, como ressaltado pelo prprio Ministro da Sade na Audincia Pblica, h necessidade de reviso peridica dos protocolos existentes e de elaborao de novos protocolos. Assim, no se pode afirmar que os Protocolos Clnicos e Diretrizes Teraputicas do SUS so inquestionveis, o que permite sua contestao judicial. Situao diferente a que envolve a inexistncia de tratamento na rede pblica. Nesses casos, preciso diferenciar os tratamentos puramente experimentais dos novos tratamentos ainda no testados pelo Sistema de Sade brasileiro. Os tratamentos experimentais (sem comprovao cientfica de sua eficcia) so realizados por laboratrios ou centros mdicos de ponta, consubstanciando-se em pesquisas clnicas. A participao nesses tratamentos regese pelas normas que regulam a pesquisa mdica e, portanto, o Estado no pode ser condenado a fornec-los. Como esclarecido, na Audincia Pblica da Sade, pelo Mdico Paulo Hoff, Diretor Clnico do Instituto do Cncer do Estado de So Paulo, essas drogas no podem ser compradas em nenhum pas, porque nunca foram aprovadas ou avaliadas, e o acesso a elas deve ser disponibilizado apenas no mbito de estudos clnicos ou programas de acesso expandido, no sendo possvel obrigar o SUS a custe-las. No entanto, preciso que o laboratrio que realiza a pesquisa continue a fornecer o tratamento aos pacientes que participaram do estudo clnico, mesmo aps seu trmino.

Quanto aos novos tratamentos (ainda no incorporados pelo SUS), preciso que se tenha cuidado redobrado na apreciao da matria. Como frisado pelos especialistas ouvidos na Audincia Pblica, o conhecimento mdico no estanque, sua evoluo muito rpida e dificilmente suscetvel de acompanhamento pela burocracia administrativa. Se, por um lado, a elaborao dos Protocolos Clnicos e das Diretrizes Teraputicas privilegia a melhor distribuio de recursos pblicos e a segurana dos pacientes, por outro a aprovao de novas indicaes teraputicas pode ser muito lenta e, assim, acabar por excluir o acesso de pacientes do SUS a tratamento h muito prestado pela iniciativa privada. Parece certo que a inexistncia de Protocolo

Clnico no SUS no pode significar violao ao princpio da integralidade do sistema, nem justificar a diferena entre as opes acessveis aos usurios da rede pblica e as disponveis aos usurios da rede privada. Nesses casos, a omisso administrativa no tratamento de determinada patologia poder ser objeto de impugnao judicial, tanto por aes individuais como coletivas. No entanto, imprescindvel que haja instruo processual, com ampla produo de provas, o que poder configurar-se um obstculo concesso de medida cautelar. Portanto, independentemente da hiptese levada considerao do Poder Judicirio, as premissas analisadas deixam clara a necessidade de instruo das demandas de sade para que no ocorra a produo padronizada de iniciais, contestaes e sentenas, peas processuais que, muitas vezes, no contemplam as especificidades do caso concreto examinado, impedindo que o julgador concilie a dimenso subjetiva (individual e coletiva) com a dimenso objetiva do direito sade. Esse mais um incontestvel, colhido na Audincia Pblica Sade. dado

Com fundamento nessas consideraes, que entendo essenciais para a reflexo e a discusso do presente caso pelo Plenrio desta Corte, retomo, de forma especfica, as razes apresentadas pela Unio em seu agravo regimental. Da anlise do presente recurso, concluo que a agravante no traz novos elementos aptos a determinar a reforma da deciso agravada. Em primeiro lugar, a agravante repisa a alegao genrica de violao ao princpio da separao dos Poderes, o que j havia sido afastado pela deciso impugnada, a qual assentou a possibilidade, em casos como o presente, de o Poder Judicirio vir a garantir o direito sade, por meio do fornecimento de medicamento ou de tratamento imprescindvel para o aumento de sobrevida e a melhoria da qualidade de vida da paciente. Colhe-se dos autos que a deciso impugnada quanto informa ao estado a de existncia sade da de provas e a suficientes paciente

necessidade do medicamento indicado. Quanto possibilidade de interveno do Poder Judicirio, destaco a ementa da deciso proferida na ADPFMC 45/DF, relator Celso de Mello, DJ 29.4.2004:EMENTA: ARGUIO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENO DO PODER JUDICIRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAO DE POLTICAS PBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSO POLTICA DA JURISDIO CONSTITUCIONAL ATRIBUDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBTRIO ESTATAL EFETIVAO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONMICOS E CULTURAIS. CARCTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAO DO LEGISLADOR. CONSIDERAES EM TORNO DA CLUSULA DA RESERVA DO POSSVEL. NECESSIDADE DE PRESERVAO, EM FAVOR DOS INDIVDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NCLEO CONSUBSTANCIADOR DO MNIMO EXISTENCIAL. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGIO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAO).

Nesse sentido a lio de Christian Courtis e Victor Abramovich (ABRAMOVICH, Victor; COURTS, Christian,

Los

derechos

sociales

como

derechos

exigibles,

Trotta,

2004, p. 251):Por ello, el Poder Judicial no tiene la tarea de disear polticas pblicas, sino la de confrontar el diseo de polticas asumidas con los estndares jurdicos aplicables y en caso de hallar divergencias reenviar la cuestin a los poderes pertinentes para que ellos reaccionen ajustando su actividad en consecuencia. Cuando las normas constitucionales o legales fijen pautas para el diseo de polticas pblicas y los poderes respectivos no hayan adoptado ninguna medida, corresponder al Poder Judicial reprochar esa omisin y reenviarles la cuestin para que elaboren alguna medida. Esta dimensin de la actuacin judicial puede ser conceptualizada como la participacin en un entre los distintos poderes del Estado para la concrecin del programa jurdico-poltico establecido por la constitucin o por los pactos de derechos humanos. (sem grifo no original)

Alm

disso,

a

agravante,

reiterando

os

fundamentos da inicial, aponta, de forma genrica, que a deciso objeto desta suspenso invade competncia administrativa da Unio e provoca desordem em sua esfera, ao impor-lhe deveres que so do Estado e do Municpio. Contudo, a deciso agravada deixou claro que existem casos na jurisprudncia desta Corte que afirmam a

responsabilidade solidria dos entes federados em matria de sade. Aps refletir sobre as informaes colhidas na Audincia Pblica - Sade e sobre a jurisprudncia recente deste Tribunal, possvel afirmar que, em matria de sade pblica, a responsabilidade dos entes da Federao deve ser efetivamente solidria. No Tribunal RE 195.192-3/RS, o a 2 Turma deste o Supremo qual a da

consignou

entendimento aes e

segundo de

responsabilidade

pelas

servios

sade

Unio, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municpios. Nesse sentido, o acrdo restou assim ementado:

SADE AQUISIO E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS DOENA RARA. Incumbe ao Estado (gnero) proporcionar meios visando a alcanar a sade, especialmente quando envolvida criana e adolescente. O Sistema nico de Sade torna a responsabilidade linear alcanando a Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios. (RE 195.192-3/RS, 2 Turma, Ministro Marco Aurlio, DJ 22.02.2000).

Em

sentido

idntico,

no

RE-AgR

255.627-1,

o

Ministro Nelson Jobim afastou a alegao do Municpio de Porto Alegre de que no seria responsvel pelos servios de sade de alto custo. O Ministro Nelson Jobim, amparado no precedente do RE 280.642, no qual a 2 Turma havia decidido questo idntica, negou provimento ao Agravo Regimental do Municpio:(...) A referncia, contida no preceito, a Estado mostra-se abrangente, a alcanar a Unio Federal, os Estados propriamente ditos, o Distrito Federal e os Municpios. Tanto assim que, relativamente ao Sistema nico de Sade, diz-se do financiamento, nos termos do artigo n. 195, com recursos do oramento, da seguridade social, da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, alm de outras fontes. J o caput do artigo informa, como diretriz, a descentralizao das aes e servios pblicos de sade que devem integrar rede regionalizada e hierarquizada, com direo nica em cada esfera de governo. No bastasse o parmetro constitucional de eficcia imediata, considerada a natureza, em si, da atividade, afigura-se como fato incontroverso, porquanto registrada, no acrdo recorrido, a existncia de lei no sentido da obrigatoriedade de fornecer-se os medicamentos excepcionais, como so os concernentes Sndrome da Imunodeficincia Adquirida (SIDA/AIDS), s pessoas carentes. O municpio de Porto Alegre surge com responsabilidade prevista em diplomas especficos, ou seja, os convnios celebrados no sentido da implantao do Sistema nico de Sade, devendo receber, para tanto, verbas do Estado. Por outro lado, como bem assinalado no acrdo, a falta de regulamentao municipal para o custeio da distribuio no impede fique assentada a responsabilidade do Municpio. (...) (RE-AgR 255.627-1/RS, 2 Turma, Ministro Nelson Jobim, DJ 21.11.2000)

A

responsabilidade

dos

entes

da

Federao

foi

muito enfatizada durante os debates na Audincia Pblica -

Sade,

oportunidade

em

que

externei

os

seguintes

entendimentos sobre o tema:O Poder Judicirio, acompanhado pela doutrina majoritria, tem entendido que a competncia comum dos entes resulta na sua responsabilidade solidria para responder pelas demandas de sade. Muitos dos pedidos de suspenso de tutela antecipada, suspenso de segurana e suspenso de liminar fundamentam a ocorrncia de leso ordem pblica na desconsiderao, pela deciso judicial, dessa diviso de responsabilidades estabelecidas pela legislao do SUS, alegando que a ao deveria ter sido proposta contra outro ente da Federao. No temos dvida de que o Estado brasileiro responsvel pela prestao dos servios de sade. Importa aqui reforar o entendimento de que cabe Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios agirem em conjunto no cumprimento do mandamento constitucional. A Constituio incorpora o princpio da lealdade Federao por parte da Unio, dos Estados e Municpios no cumprimento de suas tarefas comuns.

De

toda

forma,

parece desse

certo de

que,

quanto

ao

desenvolvimento

prtico

tipo

responsabilidade

solidria, deve ser construdo um modelo de cooperao e de coordenao federativos. Ressalto que o tema da responsabilidade solidria dos entes federativos em matria de sade tambm poder ser apreciado pelo Tribunal no RE 566.471, Rel. Min. Marco Aurlio, o qual tem repercusso geral reconhecida, nos de aes conjuntas por parte dos entes

termos da seguinte ementa:SADE ASSISTNCIA MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO FORNECIMENTO. Possui repercusso geral controvrsia sobre a obrigatoriedade de o Poder Pblico fornecer medicamento de alto custo.

Tambm tramita nesta corte a Proposta de Smula Vinculante n. 4, que prope tornar vinculante o

entendimento jurisprudencial a respeito da responsabilidade

solidria dos entes da Federao no atendimento das aes de sade. Referida PSV teve a tramitao sobrestada por deciso da Ministra Ellen Gracie, Presidente da Comisso de Jurisprudncia, e est no aguardo da apreciao do mrito do referido RE 566.471 (DJe 26.8.09). Assim, apesar da responsabilidade dos entes da Federao em matria de direito sade suscitar questes delicadas, a deciso impugnada pelo pedido de suspenso, ao determinar a responsabilidade da Unio no fornecimento do tratamento pretendido, segue as normas constitucionais que fixaram a competncia comum (art. 23, II, da CF), a Lei Federal n. 8.080/90 (art. 7, XI) e a jurisprudncia desta Corte. Entendo, pois, que a determinao para que a Unio arque com as despesas do tratamento no configura grave leso ordem pblica. A correo ou no deste posicionamento,

entretanto, no passvel de ampla cognio nos estritos limites deste juzo de contracautela, como quer fazer valer a agravante. Da mesma forma, as alegaes referentes

ilegitimidade passiva da Unio, violao do sistema de repartio de competncias, necessidade de figurar como ru na ao principal somente o ente responsvel pela

dispensao do medicamento pleiteado e desconsiderao da lei do SUS, no so passveis de ampla delibao no juzo do pedido de suspenso de segurana, pois constituem o mrito da ao, a ser debatido de forma exaustiva no exame do recurso cabvel contra o provimento jurisdicional que ensejou a tutela antecipada. Nesse sentido: SS-AgR n.

2.932/SP, Ellen Gracie, DJ 25.4.2008 e SS-AgR n. 2.964/SP, Ellen Gracie, DJ 9.11.2007, entre outros.

Ademais, pedido eventual de

diante

da

natureza

excepcional que teria a

do sua

contracautela, no

evidencia-se momento efeitos

concesso

presente com

carter

nitidamente

satisfativo,

deletrios

subsistncia e ao regular desenvolvimento da sade da paciente, inverso. Neste natureza de ponto, o o pedido que formulado o tem ntida a ensejar a ocorrncia de possvel dano

recurso,

contraria

entendimento

assente desta Corte acerca da impossibilidade do pedido de suspenso como sucedneo recursal, do qual se

destacam os seguintes julgados: SL 14/MG, rel. Maurcio Corra, DJ 03.10.2003; SL 80/SP, rel. Nelson Jobim, DJ 19.10.2005; 56-AgR/DF, rel. Ellen Gracie, DJ 23.6.2006. Melhor sorte no socorre agravante quanto aos argumentos de grave leso economia e sade pblicas, visto que a deciso agravada consignou, de forma expressa, que o alto custo de um tratamento ou de um medicamento que tem registro na ANVISA no suficiente para impedir o seu fornecimento pelo Poder Pblico. Alm disso, no procede a alegao de temor de que esta deciso sirva de precedente negativo ao Poder Pblico, com possibilidade de ensejar o denominado efeito multiplicador, pois a anlise de decises dessa natureza deve ser feita caso a e caso, considerando-se da questo todos os

elementos debatida.

normativos

fticos

jurdica

Por fim, destaco que a agravante no infirma o fundamento da deciso agravada de que, em verdade, o que se constata a ocorrncia de grave leso em sentido inverso (dano inverso), caso a deciso venha a ser suspensa (fl. 183).

Ante regimental.

o

exposto,

nego

provimento

ao

agravo

como voto.