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COMO A MENTE FUNCIONA STEVEN PINKER

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  • 1. COMOSTEVENA MENTEPINKERFUNCIONA

2. Como as crianas aprendem sobre o mundo que as rodeia?Como tomamos decises ou enfrentamos riscos? O que diferenciaos gnios do comum dos mortais? Amor, confiana, sensibilidade,decepo, criatividade quais os mecanismos por trs de todosesses, e outros, processos que tomam conta de nossas mentes dia-riamente?Neste livro extraordinrio, Pinker conduz o leitor com maestriapor duas grandes teorias: o evolucionismo de Darwin e a modernacincia cognitiva. Tudo para mostrar como podemos estar bem pr-ximosde uma das ltimas fronteiras do conhecimento a mentehumana."Uma obra que altera completamente nosso modo de pensaro pensamento."Christopher Lehmann-Haupt, The New York TimesI 3. Como funciona a mente humana?Utilizando conceitos como a teoria com-putacionalda mente e a teoria da evo-luo,o psiclogo e cientista cogniti-voSteven Pinker convida o leitor a umpasseio por diversas reas do conhe-cimentohumano, sem nunca perder devista seu objetivo principal: sugerir epor vezes at explicar nossa capaci-dadede amar, manter ou no relaes sociais, criar, julgar ou mes-mover figuras em 3D, assistir televisoe se emocionar com msica."A psicologia ser baseada em no-vosfundamentos", previu Charles Dar-winao final de A origem das espcies.Em Como a mente funciona, Pinker dmais um passo nesse sentido semmedo de causar polmica. A partir deelementos da cincia cognitiva, o au-torformula um modelo matemtico sufi-cientepara explicar o funcionamentoda mente humana. Feito isso, envere-dapela teoria evolucionista para tornarplausvel esse modelo, agora em ter-mosbiolgicos: seria a mente humanaum sistema de rgos computacionaisdesenhados pela seleo natural a fimde solucionar os problemas enfrenta-dospor nossos antepassados em tem-posremotos?0 projeto no poderia ser mais am-bicioso,alm de lucidamente argumen-tado,em estilo cativante e acessvel.Pinker se arma no apenas de mode-losexperimentais e tericos, mas aindade exemplos do cotidiano para forne-ceruma viso atual e revolucionriado funcionamento da mente humana.Comparvel, sem exagero, a StephenJay Gould, Oliver Sacks e Richard Daw-kins,Pinker merece lugar entre os prin-cipaisautores de divulgao cientficade nossa poca.Reconhecido como um dos maio-rescientistas cognitivos do mundo, Ste-venPinker professor de psicologia ediretor do Centro de Neurocincia Cog-nitivado MIT. Depois de lecionar emHarvard e Stanford, conquistou reno-mecom o best-seller O instinto dalinguagem (1994). Atualmente reside emCambridge, Massachusetts. 4. COMO A MENTE FUNCIONA 5. STEVEN PINKERCOMO A MENTE FUNCIONATraduo:LAURA TEIXEIRA MOTTA2- edio1 ~ reimpresso 6. Copyright 1997 by Steven PinkerTtulo original:How the mind worksCapa:Marcelo SerpaReviso tcnica:lvaro AntunesMestre em Cincias da Computao(Inteligncia Artificial) pela UFRGSndice remissivo:MarthaM. B. BorthowskiPreparao:urea KanashiroReviso:Ana Maria AlvaresAna Maria BarbosaBeatriz de Freitas MoreiraAna Paula CastellaniDados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)Pinker, Steven, 1954-Como a mente funciona / Steven Pinker ; traduo LauraTeixeira Motta. So Paulo : Companhia das Letras, 1998.Ttulo original: How the mind works.Bibliografia.ISBN 85-7164-846-81. Evoluo humana 2. Neurocincia cognitiva 3. Neuro-psicologia4. Psicologia 5. Seleo natural 1. Ttulo.98-5410ndices para catlogo sistemtico:1. Mente : Processos intelectuais conscientes :Psicologia 1532. Processos intelectuais conscientes : Mente :Psicologia 1532001Todos os direitos desta edio reservados EDITORA SCHWARCZ LTDA.Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 3204532-002 So Paulo SPTelefone: (11) 3846-0801Fax: (11) 3846-0814www.companhiadasletras.com.brCDD-153 7. Para Ilavenil 8. SUMRIOPrefcio 91. Equipamento padro 132. Mquinas pensantes 703. A vingana dos nerds 1624. O olho da mente 2275. Boas idias 3186. Desvairados 3837. Valores familiares 4478 . 0 sentido da vida 546Notas 593Referncias bibliogrficas 613Crditos 643ndice remissivo 645 9. PREFCIOQualquer livro intitulado Como a mente funciona deveria comear comuma nota de humildade; comearei com duas.Primeiro, no entendemos como a mente funciona nem de longeto bem quanto compreendemos como funciona o corpo, e certamente noo suficiente para projetar utopias ou curar a infelicidade. Ento, por que essettulo audacioso? O lingista Noam Chomsky declarou certa vez que nossaignorncia pode ser dividida em problemas e mistrios. Quando estamos dian-tede um problema, podemos no saber a soluo, mas temos insights, acu-mulamosum conhecimento crescente sobre ele e temos uma vaga idia doque buscamos. Porm, quando defrontamos um mistrio, ficamos entremaravilhados e perplexos, sem ao menos uma idia de como seria a explica-o.Escrevi este livro porque dezenas de mistrios da mente, das imagensmentais ao amor romntico, foram recentemente promovidos a problemas(embora ainda haja tambm alguns mistrios!). Cada idia deste livro poderevelar-se errnea, mas isso seria um progresso, pois nossas velhas idiaseram muito sem graa para estar erradas.Em segundo lugar, eu no descobri o que de fato sabemos sobre o fun-cionamentoda mente. Poucas das idias apresentadas nas pginas seguintesso minhas. Selecionei, de muitas disciplinas, teorias que me parecem ofe-recerum insight especial a respeito dos nossos pensamentos e sentimentos,que se ajustam aos fatos, predizem fatos novos e so coerentes em seu con-tedoe estilo explicativo. Meu objetivo foi tecer essas idias em um quadro9 10. coeso, usando duas idias ainda maiores que no so minhas: a teoria com-putacionalda mente e a teoria da seleo natural dos replicadores.O captulo inicial expe o quadro geral: a mente um sistema de rgosde computao que a seleo natural projetou para resolver os problemasenfrentados por nossos ancestrais evolutivos em sua vida de coletores de ali-mentos.Cada uma das duas grandes idias computao e evoluo ocupa a seguir um captulo. Analiso as principais faculdades da mente emcaptulos sobre percepo, raciocnio, emoo e relaes sociais (parentes,parceiros romnticos, rivais, amigos, conhecidos, aliados, inimigos). O lti-mocaptulo discute nossas vocaes superiores: arte, msica, literatura,humor, religio e filosofia. No h captulo sobre a linguagem; meu livroanterior, O instinto da linguagem, abrange esse tema de um modo comple-mentar.Este livro destina-se a qualquer pessoa que tenha curiosidade de sabercomo a mente funciona. No o escrevi apenas para professores e estudantes,e nem somente com a inteno de "popularizar a cincia". Espero que tantoos estudiosos como o pblico leitor possam se beneficiar de uma viso geralsobre a mente e o modo como ela atua nas atividades humanas. Nesse altonvel de generalizao, pouca a diferena entre um especialista e um leigoreflexivo, pois se hoje em dia ns, especialistas, no podemos ser mais do queleigos na maioria das npssas prprias disciplinas, que dizer das disciplinasafins! No forneci exames abrangentes da literatura pertinente nem umaexposio de todos os lados de cada debate, pois isso tornaria o livro impos-svelde ler de fato, impossvel at de ser erguido. Minhas concluses pro-vmde avaliaes da convergncia das evidncias de diferentes campos emtodos; forneci citaes pormenorizadas para que os leitores possam acom-panh-las.Tenho dvidas intelectuais com numerosos professores, alunos e cole-gas,mas principalmente com John Tooby e Leda Cosmides. Eles forjaram asntese entre evoluo e psicologia que possibilitou este livro e conceberammuitas das teorias que apresento (e muitas das melhores piadas). Ao meconvidarem para passar um ano como membro do Centro de PsicologiaEvolucionista da Universidade da Califrnia, em Santa Brbara, eles me pro-porcionaramo ambiente ideal para pensar e escrever, alm de amizade e con-selhosinestimveis.Sou imensamente grato a Michael Gazzaniga, Marc Hauser, DavidKemmerer, Gary Marcus, John Tooby e Margo Wilson pela leitura de todoo original e pelas valiosas crticas e incentivos. Outros colegas generosa-mentecomentaram captulos em suas reas de especializao: Edward Adel-son,Barton Anderson, Simon Baron-Cohen, Ned Block, Paul Bloom,10 11. David Brainard, David Buss, John Constable, Leda Cosmides, HelenaCronin, Dan Dennett, David Epstein, Alan Fridlund, Gerd Gigerenzer,Judith Harris, Richard Held, Ray Jackendoff, Alex Kacelnik, Stephen Koss-lyn,Jack Loomis, Charles Oman, Bernard Sherman, Paul Smolensky, Eli-zabethSpelke, Frank Sulloway, Donald Symons e Michael Tarr. Muitosoutros esclareceram dvidas e deram sugestes proveitosas, entre elesRobert Boyd, Donald Brown, Napoleon Chagnon, Martin Daly, RichardDawkins, Robert Hadley, James Hillenbrand, Don Hoffman, Kelly OlguinJaakola, Timothy Ketelaar, Robert Kurzban, Dan Montello, Alex Pentland,Roslyn Pinker, Robert Provine, Whitman Richards, Daniel Schacter,Devendra Singh, Pawan Sinha, Christopher Tyler, Jeremy Wolfe e RobertWright.Este livro produto dos ambientes estimulantes de duas instituies: oInstituto de Tecnologia de Massachusetts e a Universidade da Califrnia,em Santa Brbara. Meus agradecimentos especiais a Emilio Bizzi, do Depar-tamentode Cincias Cognitivas e do Crebro do MIT, por conceder-me umalicena sabtica, e a Loy Lytle e Aaron Ettenberg, do Departamento de Psi-cologia,bem como a Patricia Clancy e a Marianne Mithun, do Departa-mentode Lingstica da UCSB, por me convidarem para ser pesquisadorvisitante em seus departamentos.Patricia Claffey, da Biblioteca Teuber do MIT, conhece tudo, ou pelomenos sabe onde encontrar, o que d na mesma. Sou grato por seus incans-veisesforos para descobrir o material mais desconhecido com rapidez e bomhumor. Minha secretria, muito a propsito chamada Eleanor Bonsaint,concedeu-me sua ajuda profissional e animadora em inmeros assuntos.Meus agradecimentos tambm a Marianne Teuber e a Sabrina Detmar e Jen-niferRiddell, do Centro List de Artes Visuais do MIT, pela sugesto para aarte da capa.*Meus editores, Drake McFeely (Norton), Howard Boyer (atualmentena University of Califrnia Press), Stefan McGrath (Penguin) e Ravi Mir-chandani(atualmente na Orion), concederam-me sua ateno e excelen-tessugestes durante todo o processo. Tambm sou grato a meus agentes,John Brockman e Katinka Matson, por seus esforos em meu benefcio e suadedicao literatura cientfica. Agradecimentos especiais a Katya Rice,que ao longo de catorze anos trabalhou comigo em quatro livros. Seu sensoanaltico e toque magistral melhoraram as obras e me ensinaram muito sobreclareza e estilo.(*) O autor se refere capa americana original. (N. T.)11 12. Imensa minha gratido para com minha famlia, pelo apoio e suges-tesque me deram: Harry, Roslyn, Robert e Susan Pinker, Martin, Eva, Carle Eric Boodman, Saroja Subbiah e Stan Adams. Meus agradecimentos tam-bma Windsor, Wilfred e Fiona.O maior agradecimento para minha esposa, Ilavenil Subbiah, quedesenhou as figuras, fez comentrios inestimveis sobre o originai, conce-deu-me constante apoio, sugestes e carinho e compartilhou a aventura.Este livro dedicado a ela, com amor e gratido.Minhas pesquisas sobre mente e linguagem foram subvencionadaspelo National Institutes of Health (subveno HD 18381), pela NationalScience Foundation (subveno 82-09540, 85-18774 e 91-09766) e peloMcDonnell-Pew Center for Cognitive Neuroscience, do MIT.12 13. 1EQUIPAMENTO PADROPor que h tantos robs na fico mas nenhum na vida real? Eu pagariamuito por um rob que pudesse tirar a mesa depois do jantar ou fazer umascomprinhas na mercearia da esquina. Mas essa oportunidade eu no tereineste sculo e provavelmente nem no prximo. Existem, evidentemente,robs que soldam ou pintam em linhas de montagem e que andam pelos cor-redoresde laboratrios; minha pergunta sobre as mquinas que andam,falam, vem e pensam, muitas vezes melhor do que seus patres humanos.Desde 1920, quando Karel Capek cunhou o termo rob emsuapeaR.l/.R.,os dramaturgos evocam-no livremente: Speedy, Cutie e Dave de Eu, rob,de Isaac Asimov, Robbie de O planeta proibido, a lata de sardinha de braossacolejantes de Perdidos no espao, os daleks de Dr. Who, Rosie, a empregadados Jetsons, Nomad, de Jornada nas estrelas, Hymie, do Agente 86, os mordo-mosdesocupados e os lojistas briguentos de Dorminhoco, R2D2 e C3PO deGuerra nas estrelas, o Exterminador, de O exterminador do futuro, Tenente-comandanteData, de Jornada nas estrelas A nova gerao, e os crticos decinema piadistas de Mystery Science Theater 3000.Este livro no sobre robs; sobre a mente humana. Procurarei expli-caro que a mente, de onde ela veio e como nos permite ver, pensar, sentir,interagir e nos dedicar a vocaes superiores, como a arte, a religio e a filo-sofia.Ao longo do caminho, tentarei lanar uma luz sobre peculiaridadesdistintamente humanas. Por que as lembranas desaparecem gradualmen-te?Como a maquiagem muda a aparncia de um rosto? De onde vm os este-13 14. retipos tnicos e quando eles so irracionais? Por que as pessoas perdem acalma? O que torna as crianas malcriadas? Por que os tolos se apaixonam?O que nos faz rir? E por que as pessoas acreditam em fantasmas e espritos?Mas o abismo entre os robs da imaginao e os da realidade meu pon-tode partida, pois mostra o primeiro passo que devemos dar para conhecer ans mesmos: avaliar o design fantasticamente complexo por trs das proezasda vida mental s quais no damos o devido valor. A razo de no haver robssemelhantes a seres humanos no surge da idia de uma mente mecnicaestar errada. E que os problemas de engenharia que ns, humanos, resolve-mosquando enxergamos, andamos, planejamos e tratamos dos afazeresdirios so muito mais desafiadores do que chegar Lua ou descobrir a se-qnciado genoma humano. A natureza, mais uma vez, encontrou soluesengenhosas que os engenheiros humanos ainda no conseguem reproduzir.Quando Hamlet diz: "Que obra de arte um homem! Que nobreza de racio-cnio!Que faculdades infinitas! Na forma e no movimento, que preciso eadmirvel!", nossa admirao deve se dirigir no a Shakespeare, Mozart,Einstein ou Kareem Abdul-Jabbar, mas para uma criana de quatro anosatendendo a um pedido de guardar um brinquedo na prateleira.Em um sistema bem projetado, os componentes so caixas-pretas quedesempenham suas funes como por mgica. Ocorre exatamente assimcom a mente. A faculdade com que ponderamos o mundo no tem a capaci-dadede perscrutar seu prprio interior ou nossas outras faculdades para vero que as faz funcionar. Isso nos torna vtimas de uma iluso: a de que nossapsicologia provm de alguma fora divina, essncia misteriosa ou princpiotodo-poderoso. Na lenda judaica do Golem, uma figura de barro foi anima-daquando a equiparam com a inscrio do nome de Deus. Esse arqutipo reproduzido em muitas histrias de robs. A esttua de Galatia ganhou vidacom a resposta de Vnus s preces de Pigmalio; Pinquio foi vivificado pelaFada Azul. Verses modernas do arqutipo do Golem aparecem em algumasdas menos fantasiosas histrias da cincia. Afirma-se que toda a psicologiahumana explica-se por uma causa nica, onipotente: um crebro grande,cultura, linguagem, socializao, aprendizado, complexidade, auto-organi-zao,dinmica de redes neurais.Pretendo convencer voc de que nossa mente no animada por algu-maemanao divina ou princpio maravilhoso nico. A mente, como aespaonave Apoo, projetada para resolver muitos problemas de engenha-ria,sendo, portanto, equipada com sistemas de alta tecnologia, cada qualarquitetado para superar seus respectivos obstculos. Inicio com a exposiodesses problemas, que constituem tanto as especificaes para o design deum rob como o tema da psicologia. Pois acredito que a descoberta, pela14 15. cincia cognitiva e inteligncia artificial, dos desafios tecnolgicos venci-dospor nossa atividade mental rotineira uma das grandes revelaes dacincia, um despertar da imaginao comparvel descoberta de que o uni-versocompe-se de bilhes de galxias ou de que numa gota de uma poad'gua existe abundante vida microscpica.O DESAFIO DO ROBO que necessrio para construir um rob? Deixemos de lado habilida-dessobre-humanas como calcular rbitas planetrias e comecemos com ashabilidades humanas simples: enxergar, andar, segurar um objeto, pensar arespeito de objetos e pessoas e planejar como agir.Nos filmes freqentemente nos mostram uma cena da perspectiva doolhar de um rob, com a ajuda de convenes artsticas como a distoro daslentes olho-de-peixe ou a retcula de fios cruzados. Isso d certo para ns, osespectadores, que j possumos olhos e crebro funcionando. Mas de nadavale para as entranhas de um rob. Ele no abriga um pblico espectador dehomnculos para fitar a imagem e dizer ao rob o que esto vendo. Se vocpudesse enxergar o mundo atravs dos olhos de um rob, no veria nadaparecido com uma imagem de filme decorada com retculas, mas algumacoisa assim:2 2 5 2 2 1 2 1 6 2 1 9 2 1 9 2 1 4 2 0 7 2 1 8 2 1 9 2 2 0 2 0 7 1 5 5 1 3 6 1 3 52 1 3 2 0 6 2 1 3 2 2 3 2 0 8 2 1 7 2 2 3 2 2 1 2 2 3 2 1 6 1 9 5 1 5 6 1 4 1 1302 0 6 2 1 7 2 1 0 2 1 6 2 2 4 2 2 3 2 2 8 2 3 0 2 3 4 2 1 6 2 0 7 157 136 1322 1 1 2 1 3 2 2 1 2 2 3 2 2 0 2 2 2 2 3 7 2 1 6 2 1 9 2 2 0 1 7 6 1 4 9 137 1322 2 1 2 2 9 2 1 8 2 3 0 2 2 8 2 1 4 2 1 3 2 0 9 1 9 8 2 2 4 1 6 1 1 4 0 133 1272 2 0 2 1 9 2 2 4 2 2 0 2 1 9 2 1 5 2 1 5 2 0 6 2 0 6 2 2 1 1 5 9 143 133 1 3 12 2 1 2 1 5 2 1 1 2 1 4 2 2 0 2 1 8 2 2 1 2 1 2 2 1 8 2 0 4 1 4 8 1 4 1 1 3 1 1 3 02 1 4 2 1 1 2 1 1 2 1 8 2 1 4 2 2 0 2 2 6 2 1 6 2 2 3 2 0 9 143 1 4 1 1 4 1 1242 1 1 2 0 8 2 2 3 2 1 3 2 1 6 2 2 6 2 3 1 2 3 0 2 4 1 1 9 9 153 1 4 1 1 3 6 1 2 52 0 0 2 2 4 2 1 9 2 1 5 2 1 7 2 2 4 2 3 2 2 4 1 2 4 0 2 1 1 1 5 0 139 1 2 8 1 3 22 0 4 2 0 6 2 0 8 2 0 5 2 3 3 2 4 1 2 4 1 2 5 2 2 4 2 1 9 2 1 5 1 1 4 1 133 1 3 02 0 0 2 0 5 2 0 1 2 1 6 2 3 2 2 4 8 2 5 5 2 4 6 2 3 1 2 1 0 149 1 4 1 1 3 2 1 2 61 9 1 1 9 4 2 0 9 2 3 8 2 4 5 2 5 5 2 4 9 2 3 5 2 3 8 197 1 4 6 1 3 9 1 3 0 1 3 21 8 9 1 9 9 2 0 0 2 2 7 2 3 9 2 3 7 2 3 5 2 3 6 2 4 7 1 9 2 1 4 5 142 1 2 4 1 3 31 9 8 1 9 6 2 0 9 2 1 1 2 1 0 2 1 5 2 3 6 2 4 0 2 3 2 177 1 4 2 137 1 3 5 1 2 41 9 8 2 0 3 2 0 5 2 0 8 2 1 1 2 2 4 2 2 6 2 4 0 2 1 0 1 6 0 1 3 9 1 3 2 1 2 9 1 3 02 1 6 2 0 9 2 1 4 2 2 0 2 1 0 2 3 1 2 4 5 2 1 9 1 6 9 143 1 4 8 1 2 9 1 2 8 1 3 62 1 1 2 1 0 2 1 7 2 1 8 2 1 4 2 2 7 2 4 4 2 2 1 1 6 2 1 4 0 1 3 9 1 2 9 1 3 3 1 3 12 1 5 2 1 0 2 1 6 2 1 6 2 0 9 2 2 0 2 4 8 2 0 0 1 5 6 1 3 9 1 3 1 1 2 9 1 3 9 1 2 82 1 9 2 2 0 2 1 1 2 0 8 2 0 5 2 0 9 2 4 0 2 1 7 154 1 4 1 127 1 3 0 1 2 4 1 4 22 2 9 2 2 4 2 1 2 2 1 4 2 2 0 2 2 9 2 3 4 2 0 8 1 5 1 1 4 5 1 2 8 1 2 8 1 4 2 1 2 215 16. 2 5 2 2 2 4 2 2 2 2 2 4 2 3 3 2 4 4 2 2 8 2 1 3 1 4 3 1 4 1 1 3 5 1 2 8 1 3 1 1 2 92 5 5 2 3 5 2 3 0 2 4 9 2 5 3 2 4 0 2 2 8 1 9 3 1 4 7 1 3 9 1 3 2 1 2 8 1 3 6 1 2 52 5 0 2 4 5 2 3 8 2 4 5 2 4 6 2 3 5 2 3 5 1 9 0 1 3 9 1 3 6 1 3 4 1 3 5 1 2 6 1 3 02 4 0 2 3 8 2 3 3 2 3 2 2 3 5 2 5 5 2 4 6 1 6 8 1 5 6 1 4 4 1 2 9 127 1 3 6 1 3 4Cada nmero representa o brilho de um dentre os milhes de minscu-losretalhos [patches] que compem o campo visual. Os nmeros menoresprovm de retalhos mais escuros; os maiores, de retalhos mais brilhantes. Osnmeros mostrados no quadro so os verdadeiros sinais provenientes de umacmera eletrnica manejada pela mo de uma pessoa, embora pudessemigualmente ser as taxas de disparo de algumas das fibras nervosas que vo doolho ao crebro quando uma pessoa olha para uma mo. Para reconhecerobjetos e no trombar com eles, o crebro de um rob ou um crebrohumano precisa processar laboriosamente esses nmeros e adivinhar quetipos de objetos existentes no mundo refletem a luz que os fez aparecer. Oproblema humilhantemente difcil.Primeiro, um sistema visual precisa localizar onde termina um objeto ecomea o fundo da cena. Mas o mundo no um livro de colorir, com con-tornospretos ao redor de regies slidas. O mundo que se projeta em nossosolhos um mosaico de minsculos retalhos sombreados. Talvez, poderamossupor, o crebro visual procure regies onde uma colcha de retalhos denmeros grandes (uma regio mais brilhante) seja limtrofe de uma colchade retalhos de nmeros pequenos (uma regio mais escura). Voc pode dis-tinguiruma fronteira desse tipo no quadrado de nmeros; ela segue na dia-gonal,da parte superior direita para o centro da parte inferior. Na maioriadas vezes, infelizmente, voc no teria encontrado a borda de um objeto,onde ele d lugar ao espao vazio. A justaposio de nmeros grandes epequenos poderia ter provindo de muitos arranjos distintos de matria. Odesenho da pgina seguinte esquerda, concebido pelos psiclogos PawanSinha e Edward Adelson, parece mostrar um circuito de ladrilhos cinza-cla-rose cinza-escuros.Na verdade, ele um recorte retangular em uma cobertura preta atra-vsda qual voc est vendo uma parte da cena. No desenho direita, acobertura foi removida e voc pode ver que cada par de quadrados cinza,quadrados que esto lado a lado, provm de um arranjo diferente de objetos.Nmeros grandes ao lado de nmeros pequenos podem provir de umobjeto que est frente de outro objeto, de papel escuro colocado sobre papelclaro, de uma superfcie pintada com dois tons de cinza, de dois objetos tocan-do-se lado a lado, de celofane cinza sobre uma pgina branca, de um cantointerior ou exterior onde duas paredes se encontram ou de uma sombra. Dealguma forma o crebro precisa resolver esse problema de "quem nasceu pri-16 17. meiro: o ovo ou a galinha?" tem de identificar objetos tridimensionais apartir dos retalhos na retina e determinar o que cada retalho (sombra ou pin-tura,dobra ou revestimento, claro ou opaco) a partir do conhecimento doobjeto do qual o retalho faz parte.As dificuldades apenas comearam. Depois de termos esculpido omundo visual em objetos, precisamos saber do que eles so feitos, digamos,distinguir neve de carvo. A primeira vista, o problema parece simples. Seos nmeros grandes provm de regies brilhantes e os pequenos, de regiesescuras, ento nmero grande eqivale a branco, que eqivale a neve, enmero pequeno eqivale a preto, que eqivale a carvo, certo? Errado. Aquantidade de luz que atinge um local da retina depende no s do quantoum objeto claro ou escuro, mas tambm do quanto brilhante ou opaca aluz que ilumina o objeto. O medidor de luz de um fotgrafo mostraria a vocque mais luz ricocheteia de um pedao de carvo que est ao ar livre do quede uma bola de neve dentro de casa. Por isso que tantas pessoas muitas vezesse decepcionam com seus instantneos e a fotografia um ofcio to compli-cado.A cmera no mente; se deixada a seus prprios recursos, ela mostracenas ao ar livre como leite e cenas de interior como lama. Os fotgrafos, es vezes microchips existentes na cmera, com jeitinho persuadem o filme afornecer uma imagem realista, servindo-se de truques como regulagem dotempo do obturador, aberturas das lentes, velocidades de filme, flashes emanipulaes na cmara escura.17 18. Nosso sistema visual faz muito melhor. De algum modo, ele permiteque vejamos o brilhante carvo ao ar livre como um objeto preto e a escurabola de neve dentro de casa como algo branco. Esse um resultado adequa-do,pois nossa sensao consciente de cor e luminosidade condiz com o mun-docomo ele em vez de com o mundo como ele se apresenta aos olhos. A bolade neve macia, molhada e tende a derreter esteja dentro ou fora de casa, ens a vemos branca esteja ela dentro ou fora. O carvo sempre preto, sujo etende a queimar, e sempre o vemos preto. A harmonia entre como o mundoparece ser e como ele tem de ser uma realizao de nossa magia neural, poispreto e branco no se anunciam simplesmente na retina. Caso voc aindaesteja ctico, eis uma demonstrao corriqueira. Quando um televisor desligado, a tela de uma cor cinza-esverdeada clara. Quando o aparelhoest ligado, alguns dos pontos fosforescentes emitem luz, pintando as reasbrilhantes da imagem. Mas os outros pontos no sugam luz e pintam as reasescuras; eles simplesmente se mantm cinzentos. As reas que voc enxergacomo pretas so, na verdade, apenas a sombra plida do tubo de imagem quevemos quando o aparelho est desligado. O negrume no real, um produ-todos circuitos cerebrais que normalmente permitem que voc veja o car-vocomo carvo. Os engenheiros da televiso exploraram esses circuitosquando projetaram a tela.O problema seguinte ver em profundidade. Nossos olhos esmagam omundo tridimensional transformando-o num par de imagens retinianas bidi-mensionais,e a terceira dimenso precisa ser reconstituda no crebro. Masno h sinais reveladores nos retalhos projetados na retina que indiquem oquanto uma superfcie se encontra distante. Um selo na palma de sua mopode projetar sobre sua retina o mesmo quadrado que uma cadeira do outrolado da sala ou um prdio a quilmetros de distncia (pgina seguinte, figura1). Uma tbua de cortar vista de frente pode projetar o mesmo trapezide quevrios fragmentos irregulares dispostos em posies inclinadas (figura 2).Voc pode perceber a intensidade deste fato da geometria, e do me-canismoneural que lida com ele, fitando uma lmpada durante algunssegundos ou olhando para uma cmera quando o flash dispara, o que tempo-rariamenteproduz um retalho branco em sua retina. Se em seguida vocolhar a pgina sua frente, a ps-imagem adere a ela e parece ter uma ou duaspolegadas de um lado a outro. Se olhar para a parede, a ps-imagem pareceter pouco mais de um metro de comprimento. Se olhar para o cu, ela dotamanho de uma nuvem.18 19. Finalmente, como um mdulo de viso poderia reconhecer os objetosque esto l fora, no mundo, de modo que o rob possa nome-los ou lem-braro que eles fazem? A soluo bvia construir um gabarito ou molde paracada objeto, duplicando sua forma. Quando um objeto aparece, sua proje-ona retina se ajustaria a seu prprio gabarito, como um pino redondo emum buraco redondo. O gabarito seria rotulado com o nome da formanestecaso, "a letra P" , e, sempre que uma forma coincidisse com ele, o gabari-toanunciaria o nome.Infelizmente, esse dispositivo simples funciona mal de ambos os modospossveis. Ele v letras P que no esto ali; por exemplo, d um alarme falsopara o R mostrado no primeiro retngulo abaixo. E deixa de ver letras P queesto l; por exemplo, no a v quando ela est fora de lugar, inclinada, obl-qua,longe demais, perto demais ou enfeitada demais:19 20. E esses problemas surgem com uma letra do alfabeto precisa e bem defi-nida.Imagine ento tentar criar um "reconhecedor" para uma camisa ou umrosto! Sem dvida, aps quatro dcadas de pesquisas em inteligncia artifi-cial,a tecnologia do reconhecimento de formas melhorou. Voc talvezpossua software para escanear uma pgina, reconhecer a impresso e conver-t-la com razovel preciso em um arquivo de bytes. Mas os reconhecedoresde forma artificiais ainda no so preo para o que temos em nossa cabea.Os artificiais so projetados para mundos puros, fceis de reconhecer e nopara o entrelaado, misturado mundo real. Os numerozinhos engraados naparte inferior dos cheques foram cuidadosamente desenhados, de modo quesuas formas no se sobreponham, e impressos com um equipamento especialque os posiciona com exatido para que possam ser reconhecidos por gaba-ritos.Quando os primeiros reconhecedores de rosto forem instalados emprdios para substituir os porteiros, nem tentaro interpretar o claro-escurode seu rosto; escanearo os contornos bem delineados, rgidos de sua ris oude seus vasos sangneos retinianos. Nosso crebro, em contraste, mantmum registro da forma de cada rosto que conhecemos (e de cada letra, animal,instrumento etc.), e o registro de algum modo ajusta-se a uma imagem reti-nianamesmo quando ela distorcida de todas as maneiras que menciona-mos.No captulo 4 examinaremos o modo como o crebro realiza essa proezamagnfica.Vejamos mais um milagre cotidiano: transportar um corpo de um lugarpara outro. Quando desejamos que uma mquina se mova, ns a colocamossobre rodas. A inveno da roda freqentemente apregoada como a maislouvvel realizao da civilizao. Muitos livros didticos ressaltam quenenhum animal desenvolveu rodas ao longo de sua evoluo, citando essefato como um exemplo de que a evoluo muitas vezes incapaz de encon-trara soluo tima para um problema de engenharia. Mas esse no , abso-lutamente,um bom exemplo. Mesmo que a natureza pudesse fazer um alceevoluir at lhe aparecerem rodas, ela decerto optaria por no faz-lo. Rodasso teis somente num mundo com estradas e trilhos. Atolam em qualquerterreno mole, escorregadio, ngreme ou irregular. As pernas so melhores.20 21. As rodas precisam rolar sobre uma superfcie contnua de apoio, mas as per-naspodem ser colocadas em uma srie de bases de apoio diferentes, sendo aescada um exemplo extremo. As pernas tambm podem ser posicionadas demodo a minimizar cambaleios e a passar por cima de obstculos. Mesmo hojeem dia, quando o mundo parece ter se transformado em um estacionamen-to,apenas cerca da metade do solo do planeta acessvel a veculos comrodas ou trilhos, mas a maior parte dos terrenos do planeta acessvel a ve-culoscom ps ou patas: animais, os veculos projetados pela seleo natural.Mas as pernas tm um preo alto: o software para control-las. Umaroda, simplesmente girando, muda gradualmente seu ponto de apoio e podesuportar peso o tempo todo. Uma perna precisa mudar seu ponto de apoio deuma vez s, e o peso tem de ser descarregado para que ela possa faz-lo. Osmotores que controlam a perna tm de alternar entre manter o p no choenquanto ele sustenta e impele a carga e descarregar o peso para deixar a per-nalivre para mover-se. Durante todo esse tempo, preciso manter o centrode gravidade do corpo dentro do polgono definido pelos ps, de modo queo corpo no tombe. Os controladores tambm devem minimizar o desperdi-adormovimento de sobe-desce que o tormento dos que cavalgam. Nosbrinquedos de corda que andam, esses problemas so toscamente resolvidospor um encadeamento mecnico que converte um eixo giratrio em movi-mentode passos. Mas os brinquedos no podem ajustar-se ao terreno encon-trandoo melhor apoio para os ps.Mesmo se resolvssemos esses problemas, teramos descoberto apenascomo controlar um inseto ambulante. Com seis pernas, um inseto sempre capaz de manter um trip no cho enquanto ergue o outro trip. Em todosos instantes ele se mantm estvel. Mesmo os animais quadrpedes, quan-dono se movem rpido demais, conseguem manter um trip no cho otempo todo. Mas, como comentou um engenheiro, "a prpria locomooereta sobre dois ps do ser humano parece quase uma receita para o desas-tre,sendo necessrio um notvel controle para torn-la praticvel". Quan-doandamos, repetidamente nos desequilibramos e interrompemos a quedano momento preciso. Quando corremos, decolamos em arrancadas de vo.Essas acrobacias areas nos permitem fixar os ps em apoios muito separa-dos,ou separados de um modo errtico, que no nos apoiariam se estivsse-mosparados, e permitem tambm nos espremermos em caminhos estreitose saltar obstculos. Mas ningum at agora descobriu como fazemos isso.Controlar um brao representa um novo desafio. Segure uma lumin-riade arquiteto e movimente-a diagonalmente em uma reta que parte deperto de voc, abaixa-se esquerda, afasta-se e sobe direita. Observe ashastes e articulaes enquanto a luminria se move. Embora a luminria21 22. siga uma linha reta, cada haste volteia em um arco complexo, ora precipi-tando-se com rapidez, ora permanecendo quase parada, s vezes passandode uma curva para um movimento reto. Agora, imagine ter de fazer tudo aocontrrio: sem olhar para a luminria, voc tem de coreografar a seqnciados volteios ao redor de cada junta que iro mover a luminria ao longo datrajetria reta. A trigonometria pavorosamente complicada. Mas seubrao uma luminria de arquiteto, e seu crebro, sem esforo, resolve asequaes toda vez que voc aponta para alguma coisa. E, se voc alguma vezj segurou uma luminria de arquiteto pela braadeira que a prende, perce-berque o problema ainda mais difcil do que descrevi. A lmpada balan-asob seu peso, como se tivesse vontade prpria; o mesmo faria seu braocaso seu crebro no compensasse o peso, resolvendo um problema de fsi-caquase intratvel.Uma faanha ainda mais admirvel controlar a mo. Quase 2 milanos atrs, o mdico grego Galeno salientou a primorosa engenharia natu-ralexistente na mo humana. Ela um nico instrumento que manipulaobjetos de uma espantosa variedade de tamanhos, formas e pesos, de umtronco de rvore a uma semente de paino. "O homem manuseia todos elesto bem quanto se suas mos houvessem sido feitas visando exclusivamentea cada um", observou Galeno. A mo pode ser configurada como um gancho(para levantar um balde), uma tesoura (para segurar um cigarro), um man-drilde cinco mordentes (para erguer um porta-copos), um mandril de trsmordentes (para segurar um lpis), um mandril de dois mordentes comalmofadas opostas (para costurar com agulha), um mandril de dois morden-tescom uma almofada encostada em um lado (para girar uma chave), emposio de apertar (para segurar um martelo), como um disco que prende egira (para abrir um vidro) e numa posio esfrica (para pegar uma bola).Cada posio de segurar requer uma combinao precisa de tenses muscu-laresque moldam a mo na forma apropriada e a mantm assim, enquanto acarga tenta faz-la reassumir a forma inicial. Pense em erguer um pacote deleite longa vida. Se no apertar o suficiente, voc o deixar cair; se apertardemais, o esmagar; e balanando de leve voc pode at mesmo usar osmovimentos sob as pontas dos dedos como um medidor de nvel para saberquanto leite h dentro! E nem comearei a falar sobre a lngua, um balo degua sem ossos controlado apenas por apertos, capaz de tirar comida de umdente posterior ou de executar o bal que articula palavras como trincheirase sextos.22 23. "Um homem comum maravilha-se com coisas incomuns; um sbiomaravilha-se com o corriqueiro." Conservando na mente a mxima de Con-fcio,continuemos o exame de atos humanos corriqueiros com os olhospeculiares de um projetista de rob que procura duplicar esses atos. Finjaque, de algum modo, construmos um rob capaz de enxergar e mover-se. Oque ele far com o que vir? De que maneira decidir como agir?Um ser inteligente no pode tratar cada objeto que v como uma enti-dadenica, diferente de tudo o mais no universo. Precisa situar os objetosem categorias, para poder aplicar ao objeto que tiver diante de si o conheci-mentoque adquiriu arduamente a respeito de objetos semelhantes, encon-tradosno passado.Mas, sempre que algum tenta programar um conjunto de critrios paraabranger os membros de uma categoria, a categoria desintegra-se. Deixandode lado conceitos ardilosos como "beleza" ou "materialismo dialtico", veja-mosum exemplo didtico de um conceito bem definido: "solteiro". Um sol-teiro,est claro, simplesmente um homem adulto que nunca se casou.Agora imagine que uma amiga pediu-lhe para convidar alguns solteiros paraa festa que ela vai dar. O que aconteceria se voc usasse essa definio paradecidir qual das pessoas a seguir ir convidar?Arthur vive feliz com Alice h cinco anos. Eles tm uma filha de dois anos enunca se casaram oficialmente.Bruce estava prestes a ser convocado pelo Exrcito, por isso casou com suaamiga Barbara para conseguir a dispensa. Os dois nunca viveram juntos. Ele jteve vrias namoradas e tenciona obter a anulao do casamento assim queencontrar algum com quem deseje casar.Charlie tem dezessete anos. Mora na casa dos pais e est no curso secundrio.David tem dezessete anos. Saiu de casa aos treze, comeou um pequeno neg-cioe hoje em dia um bem-sucedido jovem empresrio que leva uma vida deplayboy em seu apartamento de cobertura.Eli e Edgar formam um casal homossexual e vivem juntos h vrios anos.Faisal est autorizado pela lei de sua terra natal, Abu Dhabi, a ter trs esposas.Atualmente tem duas e est interessado em conhecer outra noiva em potencial.Padre Gregory bispo da catedral catlica em Groton upon Thames.23 24. Essa lista, fornecida pelo cientista da computao Terry Winograd,mostra que a definio direta de "solteiro" no captura nossas intuiesquanto a quem se enquadra na categoria.Saber quem solteiro apenas uma questo de bom senso, mas no hnada de banal no bom senso. De algum modo, ele tem de encontrar seu cami-nhoem um crebro de ser humano ou de rob. E o bom senso no simples-menteum almanaque sobre a vida que pode ser ditado por um professor outransferido como um enorme banco de dados. Nenhum banco de dadospoderia arrolar todos os fatos que conhecemos tacitamente, e ningumjamais nos ensinou esses fatos. Voc sabe que, quando Irving pe o cachor-rono carro, o animal no est mais no quintal. Quando Edna vai igreja, suacabea vai junto. Se Doug est dentro da casa, deve ter entrado por algumapassagem, a menos que tenha nascido ali e dali nunca tivesse sado. Se Sheilaest viva s nove da manh e est viva s cinco da tarde, tambm estava vivaao meio-dia. As zebras na selva nunca usam pijama. Abrir um vidro de umanova marca de manteiga de amendoim no encher a casa de vapor. As pes-soasnunca enfiam termmetros para alimentos na orelha. Um esquilo menor que o monte Kilimanjaro.Portanto, um sistema inteligente no pode ser entupido com trilhesde fatos. Tem de ser equipado com uma lista menor de verdades essenciaise um conjunto de regras para deduzir suas implicaes. Mas as regras dobom senso, assim como as categorias do bom senso, so frustrantementedifceis de estabelecer. Mesmo as mais diretas no conseguem capturarnosso raciocnio cotidiano. Mavis mora em Chicago e tem um filho cha-madoFred, e Millie mora em Chicago e tem um filho chamado Fred.Porm, embora a Chicago onde Mavis mora seja a mesma Chicago ondeMillie mora, o Fred que filho de Mavis no o mesmo Fred que filho deMillie. Se h uma sacola em seu carro e um litro de leite na sacola, entoh um litro de leite em seu carro. Mas, se h uma pessoa em seu carro e umlitro de sangue em uma pessoa, seria estranho concluir que h um litro desangue em seu carro.Ainda que voc conseguisse elaborar um conjunto de regras que origi-nassemapenas concluses sensatas, no nada fcil usar todas elas paraguiar inteligentemente o comportamento. Evidentemente, quem pensa nopode aplicar apenas uma regra por vez. Um fsforo emite luz; um serrote cor-tamadeira; uma fechadura de porta aberta com uma chave. Mas rimos dealgum que acende um fsforo para espiar o que h num tanque de combus-tvel,que serra a perna sobre a qual se apoia ou que tranca o carro com achave em seu interior e passa a hora seguinte tentando descobrir como tirar24 25. a famlia l de dentro. Quem pensa precisa computar no apenas os efeitosdiretos de uma ao, mas os efeitos colaterais tambm.No entanto quem pensa no pode ficar fabricando previses sobre todosos efeitos colaterais. O filsofo Daniel Dennett pede-nos que imaginemosum rob projetado para buscar uma bateria de reserva em uma sala que tam-bmcontm uma bomba-relgio. A Verso 1 viu que a bateria estava em umcarrinho e que, se puxasse o carrinho, a bateria viria junto. Infelizmente, abomba tambm estava no carrinho, e o rob no deduziu que pux-lo trariajunto a bomba. A Verso 2 foi programada para levar em conta todos os efei-toscolaterais de suas aes. Acabara de computar que puxar o carrinho nomudaria a cor das paredes da sala e estava provando que as rodas fariam maisgiros do que o nmero de rodas existentes no carrinho quando a bombaexplodiu. A Verso 3 estava programada para distinguir entre implicaesrelevantes e irrelevantes. Ficou ali parada, deduzindo milhes de implica-ese colocando todas as relevantes em uma lista de fatos a considerar etodas as irrelevantes em uma lista de fatos a desconsiderar, enquanto a bom-ba-relgio tiquetaqueava.Um ser inteligente precisa deduzir as implicaes do que ele sabe,mas apenas as implicaes relevantes. Dennett ressalta que esse requisitorepresenta um problema imenso no s para se projetar um rob mas tam-bmpara a epistemologia, a anlise do como sabemos. Esse problemaescapou observao de geraes de filsofos, tornados complacentespela ilusria falta de esforo de seu prprio bom senso. S quando os pes-quisadoresda inteligncia artificial tentaram duplicar o bom senso emcomputadores, a suprema tbula rasa, o enigma, atualmente denominado"problema do modelo" [frame problem], veio luz. Entretanto, de algumiTiodo, todos ns resolvemos o problema do modelo quando usamos nos-sobom senso.Imagine que de alguma forma superamos esses desafios e temos umamquina com viso, coordenao motora e bom senso. Agora precisamosdescobrir como o rob os usar. Temos de dar a ele motivos.O que um rob deveria desejar ? A resposta clssica est nas Regras Fun-damentaisda Robtica, de Isaac Asimov, "as trs regras que esto embutidasmais profundamente no crebro positrnico de um rob":1. Um rob no pode ferir um ser humano ou, por inao, permitir queum ser humano sofra qualquer mal.25 26. 2. Um rob tem de obedecer s ordens que os seres humanos lhe derem,exceto quando essas ordens entrem em conflito com a Primeira Lei.3. Um rob tem de proteger sua prpria existncia, desde que essa pro-teono entre em conflito com a Primeira ou a Segunda Lei.Asimov, com perspiccia, notou que a autopreservao, esse imperati-vobiolgico universal, no emerge automaticamente em um sistema com-plexo.Ela tem de ser programada (neste caso, como a Terceira Lei). Afinal, to fcil construir um rob que permita a sua prpria runa ou elimine umdefeito cometendo suicdio quanto construir um rob que sempre cuide doPatro. Talvez seja at mais fcil; os fabricantes de robs s vezes assistemhorrorizados s suas criaes alegremente cortando fora um membro ou sedespedaando contra a parede, e uma proporo significativa das mquinasmais inteligentes do mundo so os msseis de cruzeiro e as bombas guiadas"inteligentes".Mas a necessidade das duas outras leis est longe de ser bvia. Por quedar a um rob uma ordem para que ele obedea s ordens as ordens ori-ginaisno bastam? Por que comandar um rob para que ele no faa mal no seria mais fcil nunca mandar que ele fizesse mal? Ser que o uni-versocontm uma fora misteriosa que impele as entidades para a malda-de,de modo que um crebro positrnico precisa ser programado pararesistir a ela? Nos seres inteligentes inevitavelmente se desenvolve umproblema de atitude?Neste caso, Asimov, assim como geraes de pensadores, como todosns, foi incapaz de se desvencilhar de seus prprios processos de pensamentoe de v-los como um produto do modo como nossa mente foi formada, emvez de v-los como leis inescapveis do universo. A capacidade do homempara o'mal nunca se afasta de nossa mente, e fcil julgar que o mal simples-mentevem junto com a inteligncia, como parte de sua prpria essncia. Esse um tema recorrente em nossa tradio cultural: Ado e Eva comendo o fru-toda rvore do conhecimento, o fogo de Prometeu e a caixa de Pandora, oviolento Golem, o pacto de Fausto, o Aprendiz de Feiticeiro, as aventuras dePinquio, o monstro de Frankenstein, os macacos assassinos e o amotinadoHAL de 2001: Uma odissia no espao. Da dcada de 50 at o fim dos anos 80,inmeros filmes no gnero computador desvairado refletiram o temor popu-larde que os exticos mainframes da poca viessem a ficar mais espertos emais poderosos e, algum dia, se voltassem contra ns.Agora que os computadores realmente ficaram mais espertos e maispoderosos, a ansiedade esvaeceu. Os ubquos computadores em rede da atua-lidadetm uma capacidade sem precedentes para fazer o mal se algum dia se26 27. tornarem perversos. Mas as nicas aes danosas provm do caos imprevis-velou da maldade humana em forma de vrus. J no nos preocupamos comserial killers eletrnicos ou subversivas conspiraes de silcio, porque esta-moscomeando a perceber que a maldade assim como a viso, a coorde-naomotora e o bom senso no aparece livremente com a computao,ela tem de ser programada. O computador que roda o WordPerfect em suamesa continuar a encher pargrafos enquanto for capaz de alguma coisa.Seu software no sofrer uma mutao insidiosa para a depravao como oretrato de Dorian Gray.Mesmo que isso fosse possvel, por que ele o desejaria? Para conseguir...o qu? Mais discos flexveis? O controle do sistema ferrovirio do pas?Satisfao de um desejo de cometer violncia gratuita contra os tcnicos demanuteno da impressora a laser? E ele no teria de se preocupar com arepreslia dos tcnicos, que, com uma volta de parafuso, poderiam deix-lopateticamente cantando o "Parabns a voc"? Uma rede de computadorestalvez pudesse descobrir a segurana de agir em um grupo numeroso e tramaruma tomada organizada do poder mas o que levaria um computador a seoferecer como voluntrio para disparar o pacote de dados ouvidos no mun-dointeiro e arriscar-se a ser o primeiro mrtir? E o que impediria que a coa-lizofosse solapada por desertores de silcio e opositores conscientes? Aagresso, como todas as demais partes do comportamento humano que supo-mosnaturais e espontneas, um dificlimo problema de engenharia!Mas, por outro lado, os motivos mais benvolos, mais brandos, tam-bmso. Como voc projetaria um rob para obedecer ordem de Asimovde jamais permitir que um ser humano sofresse algum mal devido inao?O romance The tin meu, de Michael Frayn, publicado em 1965, tem comocenrio um laboratrio de robtica; os engenheiros da Ala tica, Macin-tosh,Goldwasser e Sinson, esto testando o altrusmo de seus robs.Levaram demasiadamente ao p da letra o hipottico dilema mencionadoem todos os livros didticos de filosofia moral no qual duas pessoas seencontram em um barco salva-vidas construdo para apenas uma, e ambasmorrero se uma delas no se lanar ao mar. Assim, os cientistas colocamcada rob numa balsa com outro ocupante, depositam a balsa em um tan-quee observam o que acontece.[Na] primeira tentativa, Samaritano I se jogara na gua com grande entusias-mo,mas se jogara na gua para salvar qualquer coisa que por acaso estivesse aseu lado na balsa, de sete caroos de lima a doze sementes molhadas de algamarinha. Aps muitas semanas de discusso obstinada, Macintosh admitiraque a falta de discriminao era insatisfatria, abandonando Samaritano I e27 28. construindo Samaritano II, o qual se sacrificaria apenas por um organismo pelomenos to complicado quanto ele prprio.A balsa parou, girando lentamente, a alguns centmetros da superfcie dagua. "Deixe cair", gritou Macintosh.A balsa atingiu a gua com estrondo. Sinson e Samaritano sentaram-semuito quietos. Gradualmente, a balsa foi parando, at que uma tnue cama-dade gua comeou a penetrar nela. Imediatamente, Samaritano inclinou-se frente e agarrou a cabea de Sinson. Com quatro movimentos precisos,mediu o tamanho de seu crnio e depois parou* computando. Ento, com umclique resoluto, rolou para o lado at cair da balsa e afundou sem hesitao notanque.Mas, medida que os robs Samaritano II passavam a comportar-secomo os agentes virtuosos dos livros de filosofia, ficava cada vez menos clarose havia neles realmente alguma virtude. Macintosh explicou por que sim-plesmenteno atava uma corda no abnegado rob para facilitar recuper-lo:"No quero que ele saiba que ser salvo. Isso invalidaria sua deciso de sacri-ficar-se [...] Por isso, de vez em quando, deixo um deles l dentro, em vez depesc-lo. Para mostrar aos outros que no estou brincando. Dei baixa emdois esta semana". Tentar saber o que preciso para programar a bondade emum rob mostra no s quanto mecanismo preciso para ser bom mas, antesde mais nada, o quanto ardiloso o conceito de bondade.E quanto ao mais afetuoso de todos os motivos? Os vacilantes compu-tadoresda cultura pop dos anos 60 no eram tentados s pelo egosmo e opoder, como vemos na cano do comediante Allan Sherman, "Automa-tion",cantada no mesmo tom de "Fascinao":11 was automation, I know.That was what was making the factory go.It was IBM, it was Univac.It was ali those gears going clickety clack, dear.I thought automation was keenTill you were replaced by a ten-ton machine.It was a computer that tore us apart, dear,Automation broke my heart [...]It was automation, Vm told,That's why I gotfired and Fm out in the cold.How could I have known, when the 503Started in to blink, it was winking at me, dear?I thought it was just some mishapWhen it sidled over and sat on my lap.28 29. But when it said "I love you" and gave me a hug, dear,That's when Ipulledout... its... plug.*Mas, apesar de toda a doidice que o caracteriza, o amor no falha mec-nica,pane ou defeito de funcionamento. A mente nunca est to maravilho-samenteconcentrada como quando se volta para o amor, e deve haverclculos intricados que pem em prtica a singular lgica da atrao, fascina-o,corte, recato, entregaf compromisso, insatisfao, escapada, cime,abandono e desolao. E no fim, como dizia minha av, cada panela encon-trasua tampa; a maioria das pessoas incluindo, significativamente, todosos nossos ancestrais d um jeito de viver com um parceiro tempo suficien-tepara produzir filhos viveis. Imagine quantas linhas de programa seria pre-cisopara duplicar isso!Projetar um rob uma espcie de tomada de conscincia. Tendemosa ter uma atitude blas com respeito nossa vida mental. Abrimos os olhos,e artigos familiares aparecem; desejamos que nossos membros se movam, eobjetos e corpos flutuam at o lugar desejado; acordamos depois de um so-nhoe voltamos para um mundo tranqilizadoramente previsvel; Cupidoretesa o arco e dispara a flecha. Mas pense no que seria necessrio para umpedao de matria obter todos esses resultados improvveis e voc comea-ra enxergar atravs da iluso. Viso, ao, bom senso, violncia, moralida-dee amor no so acidentes, no so ingredientes inextricveis de umaessncia inteligente, nem inevitabilidade de um processamento de informa-es.Cada uma dessas coisas um tour de force, elaborado por um alto nvelde design deliberado. Oculto por trs dos painis da conscincia, deve exis-tirum mecanismo fantasticamente complexo analisadores pticos, siste-masde orientao de movimento, simulaes do mundo, bancos de dadossobre pessoas e coisas, programadores de objetivos, solucionadores de con-flitose muitos outros. Qualquer explicao sobre como a mente funcionaque faa uma aluso esperanosa a alguma fora mestra nica ou a um elixirprodutor de mente como "cultura", "aprendizado" ou "auto-organizao"(*) "Era a automao, eu sei./ Era o que estava fazendo a fbrica funcionar./ Era IBM, era Univac./Eram todas aquelas engrenagens fazendo clqueti-clqueti, querida./ Eu achava a automao uma bele-za/At que substituram voc por uma mquina de dez toneladas./ Foi um computador que nos separou,querida,/ A automao partiu meu corao [...]// Foi a automao, me disseram,/ Por causa dela fui des-pedidoe no tenho onde cair morto./ Como que eu podia saber, quando a 503/ Comeou a lampejar,que ela estava piscando para mim, querida?/ Pensei que fosse um mero acidente/ Quando ela veio che-gandode lado e sentou no meu colo./ Mas quando ela disse 'eu te amo' e me abraou, querida,/ Foi quan-doeu puxei... seu... plugue."29 30. comea a parecer vazia, absolutamente incapaz de satisfazer as exigncias doimpiedoso universo com o qual lidamos to bem.O desafio do rob permite entrever uma mente munida de equipamen-tooriginal, mas ainda pode parecer a voc um argumento meramente teri-co.Ser que de fato encontramos sinais dessa complexidade quandoexaminamos diretamente o mecanismo da mente e os projetos para mont-lo?Acredito que sim, e o que vemos nos amplia os horizontes tanto quantoo prprio desafio do rob.Quando as reas visuais do crebro sofrem dano, por exemplo, o mun-dovisual no fica simplesmente embaado ou crivado de buracos. Determi-nadosaspectos da experincia visual so eliminados enquanto outros ficamintactos. Alguns pacientes vem um mundo completo mas s prestam aten-oa metade dele. Comem a comida que est do lado direito do prato, fazema barba s na face direita e desenham um relgio com doze nmeros espre-midosna metade direita do mostrador. Outros pacientes perdem a sensaode cor, mas no vem o mundo como um filme de arte em preto-e-branco.As superfcies lhes parecem encardidas e pardacentas, acabando com seuapetite e libido. H tambm quem pode ver os objetos mudarem de posiomas no consegue v-los em movimento uma sndrome que um filsofocerta vez tentou convencer-me de que era logicamente impossvel! O vaporde uma chaleira no flui, parece um pingente de gelo; a xcara no se enchegradualmente com ch; est vazia e de repente fica cheia.Outros pacientes no so capazes de reconhecer os objetos que vem:seu mundo como uma caligrafia que no conseguem decifrar. Eles copiamfielmente um pssaro mas o identificam como um toco de rvore. Um isquei-ro um mistrio at ser aceso. Quando tentam tirar as ervas daninhas do jar-dim,eles arrancam as rosas. Alguns pacientes conseguem reconhecerobjetos inanimados, mas no rostos. O paciente deduz que a face no espelhodeve ser a sua prpria, mas no se reconhece naturalmente. Identifica JohnF. Kennedy como Martin Luther King e pede esposa para usar uma fitadurante uma festa para poder encontr-la na hora de ir embora. Mais estra-nhoainda o paciente que reconhece o rosto mas no a pessoa: v sua espo-sacomo uma impostora espantosamente convincente.Essas sndromes so causadas por um dano, geralmente um derrame, emuma ou mais das trinta reas cerebrais que compem o sistema visual dos pri-matas.Algumas reas so especializadas para a cor e a forma, outras para olocal do objeto, ou para o que o objeto, e outras ainda para o modo como oobjeto se move. Um rob que v no pode ser construdo apenas com o visorolho-de-peixe dos filmes de cinema, e no surpreende descobrir que oshumanos tambm no so feitos dessa maneira. Quando contemplamos o30 31. mundo, no discernimos as muitas camadas de mecanismos que fundamen-tamnossa experincia visual unificada at que uma doena neurolgica asdisseque para ns.Outro alargamento de horizonte proporcionado pelas espantosassemelhanas entre gmeos idnticos, que compartilham as receitas genti-casconstrutoras da mente. Suas mentes so assombrosamente semelhantes,e no s em medidas grosseiras como o QI e em traos de personalidade comoneuroticismo e introverso. Eles so semelhantes em talentos como soletra-oe matemtica, nas opinies sobre questes como apartheid, pena demorte e mes que trabalham fora, na escolha da carreira, nos hobbies, vcios,devoes religiosas e gosto para namoradas. Os gmeos idnticos so muitomais parecidos do que os gmeos fraternos, que compartilham apenas meta-dedas receitas genticas e, o que mais surpreendente, os que so criadosseparadamente so quase to parecidos quanto os que so criados juntos.Gmeos idnticos separados ao nascer tm em comum caractersticas comoentrar na gua de costas e s at os joelhos, abster-se de votar nas eleies porsentirem-se insuficientemente informados, contar obsessivamente tudo oque est vista, tornar-se capito da brigada voluntria de incndio e deixarpela casa bilhetinhos carinhosos para a esposa.As pessoas acham essas descobertas impressionantes, at mesmo ina-creditveis.Descobertas assim lanam dvidas sobre o "eu" autnomo quetodos ns sentimos pairar sobre nosso corpo, fazendo escolhas enquantoseguimos pela vida e afetado exclusivamente pelos nossos ambientes do pas-sadoe do presente. Decerto a mente no vem equipada com tantas partesminsculas para poder nos predestinar a dar a descarga antes e depois de usaro vaso sanitrio ou a espirrar por brincadeira em elevadores apinhados,citando aqui duas outras caractersticas compartilhadas por gmeos idnti-coscriados separadamente. Mas, ao que parece, isso ocorre. Os efeitosabrangentes dos genes foram documentados em numerosos estudos e se evi-denciamindependentemente do modo como so testados: comparandogmeos criados separadamente e criados juntos, comparando gmeos idn-ticose fraternos, comparando filhos adotivos e biolgicos. E, apesar do queos crticos s vezes alegam, os efeitos no so explicados por coincidncia,fraude ou semelhanas sutis nos ambientes familiares (como agncias deadoo empenhadas em colocar gmeos idnticos em lares que incentivementrar de costas no mar). As descobertas, naturalmente, podem ser malinterpretadas de vrias maneiras, como por exemplo imaginando um genepara deixar bilhetinhos carinhosos pela casa ou concluindo que as pessoasno so afetadas por suas experincias. E uma vez que esses estudos podemmedir apenas os modos como as pessoas diferem, eles pouco informam sobre31 32. o padro da mente que todas as pessoas normais tm em comum. Mas, mos-trandode quantos modos a mente pode variar em sua estrutura inata, as des-cobertasabrem nossos olhos para quanta estrutura a mente deve possuir.ENGENHARIA REVERSA DA PSIQUEA complexa estrutura da mente o tema deste livro. Sua idia funda-mentalpode ser expressa em uma sentena: a mente um sistema de rgosde computao, projetados pela seleo natural para resolver os tipos de pro-blemasque nossos ancestrais enfrentavam em sua vida de coletores de ali-mentos,em especial entender e superar em estratgia os objetos, animais,plantas e outras pessoas. Essa sntese pode ser desdobrada em vrias afirma-es.A mente o que o crebro faz; especificamente, o crebro processainformaes, e pensar um tipo de computao. A mente organizada emmdulos ou rgos mentais, cada qual com um design especializado que fazdesse mdulo um perito em uma rea de interao com o mundo. A lgicabsica dos mdulos especificada por nosso programa gentico. O funcio-namentodos mdulos foi moldado pela seleo natural para resolver os pro-blemasda vida de caa e extrativismo vivida por nossos ancestrais durantea maior parte de nossa histria evolutiva. Os vrios problemas para nossosancestrais eram subtarefas de um grande problema para seus genes: maximi-zaro nmero de cpias que chegariam com xito gerao seguinte.Dessa perspectiva, a psicologia uma engenharia "para trs". Na enge-nharia"para a frente", projeta-se uma mquina para fazer alguma coisa; naengenharia reversa, descobre-se para que finalidade uma mquina foi proje-tada.Engenharia reversa o que os peritos da Sony fazem quando um novoproduto anunciado pela Panasonic, ou vice-versa. Eles compram umexemplar, levam para o laboratrio, aplicam-lhe a chave de fenda e tentamdescobrir para que servem todas as partes e como elas se combinam para fazero dispositivo funcionar. Todos ns fazemos engenharia reversa quando esta-mosdiante de um novo aparelho interessante. Remexendo numa loja deantigidades, podemos encontrar alguma geringona que inescrutvel atdescobrirmos o que ela foi projetada para fazer. Quando percebemos que setrata de um descaroador de azeitona, entendemos subitamente que o anelde metal destina-se a segurar a azeitona e que a alavanca abaixa uma lminaem X que passa por uma ponta e empurra o caroo para fora pelo lado opos-to.As formas e disposies das molas, dobradias, lminas, alavancas e anisso todas compreendidas em uma satisfatria onda de discernimento.32 33. Entendemos at mesmo por que as azeitonas enlatadas tm uma inciso emforma de X num dos extremos.No sculo XVII, William Harvey descobriu que as veias tinham vlvu-lase deduziu que as vlvulas deviam estar ali para fazer o sangue circular.Desde ento, vemos o corpo como uma mquina maravilhosamente com-plexa,um conjunto de tirantes, juntas, molas, polias, alavancas, encaixes,dobradias, mancais, tanques, tubulaes, vlvulas, bainhas, bombas, per-mutadorese filtros. Mesmo hoje podemos nos fascinar ao saber para que ser-vemdeterminadas partes misteriosas. Por que temos orelhas com pregas eassimtricas? Porque elas filtram as ondas sonoras provenientes de vriasdirees de modos diferentes. As nuances da sombra do som dizem ao cre-brose a origem dele est acima ou abaixo, diante ou atrs de ns. A estrat-giade fazer a engenharia reversa do corpo tem prosseguido na segundametade deste sculo, em nossos estudos sobre a nanotecnologia da clula edas molculas da vida. A essncia da vida, acabamos descobrindo, no umgel tremulante, resplandecente e assombroso, mas uma engenhoca comminsculas guias, molas, dobradias, hastes, chapas, magnetos, zperes eescotilhas, montados por uma fita de dados cujas informaes so copiadas,transferidas e lidas.O fundamento lgico da engenharia reversa para as coisas vivas pro-vm,obviamente, de Charles Darwin. Ele mostrou que "rgos de extremaperfeio e complexidade, que justificadamente despertam nossa admira-o",no se originam da providncia de Deus, mas da evoluo de replica-doresao longo de perodos de tempo imensamente longos. A medida que osreplicadores se replicam, erros aleatrios de cpia s vezes emergem, e os quepor acaso melhoram a taxa de sobrevivncia e reproduo do replicador ten-dema acumular-se no decorrer das geraes. Plantas e animais so replica-dores,e seu mecanismo complexo, portanto, parece ter sido projetado parapermitir-lhes sobreviver e reproduzir-se.Darwin asseverou que sua teoria explicava no s a complexidade docorpo de um animal mas tambm a de sua mente. UA psicologia assentar emum novo alicerce", foi sua clebre previso no final de A origem das espcies.Mas a profecia de Darwin ainda no se cumpriu. Mais de um sculo depoisde ele ter escrito essas palavras, o estudo da mente, em sua maior parte, ain-daignora Darwin, muitas vezes desafiadoramente. A evoluo considera-dairrelevante, pecaminosa, ou boa apenas para especulaes diante de umcopo de cerveja no fim do dia. A alergia evoluo nas cincias sociais e cog-nitivastem sido, a meu ver, uma barreira para a compreenso. A mente umsistema primorosamente organizado; realiza proezas notveis que nenhumengenheiro capaz de duplicar. Como as foras que moldaram esse sistema, e33 34. os propsitos para os quais ele foi criado, podem ser irrelevantes para entend-lo?O pensamento evolucionista indispensvel, no na forma concebida pormuitos sonhando com elos perdidos ou narrando histrias sobre os estgiosdo Homem , mas na forma de meticulosa engenharia reversa. Sem ela,somos como o cantor de "The marvelous toy" [O brinquedo maravilhoso], acano de Tom Paxton que relembra um presente ganho na infncia: "Ele faziaZIP! quando se movia, e POP! quando parava, e UORRRR quando estava quieto;eu nunca soube exatamente o que ele era, e acho que nunca saberei".S em anos recentes o desafio de Darwin foi aceito por uma nova abor-dagem,batizada de "psicologia evolucionista" pelo antroplogo John Tob-bye pela psicloga Leda Cosmides. A psicologia evolucionista rene duasrevolues cientficas. Uma a revoluo cognitiva das dcadas de 1950 e1960, que explica a mecnica do pensamento e emoo em termos de infor-maoe computao. A outra a revoluo na biologia evolucionista dasdcadas de 1960 e 1970, que explica o complexo design adaptativo dos seresvivos em termos da seleo entre replicadores. As duas idias formam umacombinao poderosa. A cincia cognitiva ajuda-nos a entender como umamente possvel e que tipo de mente possumos. A biologia evolucionistaajuda-nos a entender por que possumos esse tipo de mente especfico.A psicologia evolucionista deste livro , em certo sentido, uma exten-sodireta da biologia, concentrando-se em um rgo, a mente, de uma esp-cie,Homo sapiens. Porm, em outro sentido, uma tese radical que descartao modo como as questes relativas mente tm sido formuladas por quaseum sculo. As premissas deste livro provavelmente no so as que voc ima-gina.Pensamento computao, procuro demonstrar, mas isso no signifi-caque o computador uma boa metfora para a mente. A mente umconjunto de mdulos, mas estes no so cubculos encapsulados ou fatias cir-cunscritasda superfcie do crebro. A organizao de nossos mdulos men-taisprovm de nosso programa gentico, mas isso no quer dizer que existeum gene para cada caracterstica ou que o aprendizado menos importantedo que julgvamos. A mente uma adaptao desenvolvida pela seleonatural, mas isso no significa que tudo o que pensamos, sentimos e fazemos biologicamente adaptativo. Evolumos de macacos, mas isso no quer dizerque nossa mente igual deles. E o objetivo supremo da seleo natural propagar genes, mas isso no quer dizer que o supremo objetivo das pessoas propagar genes. Permita-me explicar por qu.Este livro sobre o crebro, mas no discorrerei profusamente a respei-tode neurnios, hormnios e neurotransmissores. Isso porque a mente no34 35. o crebro, e sim o que o crebro faz, e nem mesmo tudo o que ele faz, comometabolizar gordura e emitir calor. A dcada de 1990 tem sido chamadaDcada do Crebro, mas nunca haver uma Dcada do Pncreas. O statusespecial do crebro deve-se a uma coisa especial que ele faz, a qual nos per-mitever, pensar, sentir, escolher e agir. Essa coisa especial o processamen-tode informaes, ou computao.Informao e computao residem em padres de dados e em relaesde lgica que so independentes do meio fsico que os conduz. Quando voctelefona para sua me em outra cidade, a mensagem permanece a mesmaenquanto sai de seus lbios e vai at o ouvido materno, mesmo que fisica-menteela mude de forma, passando de vibraes do ar a eletricidade em umfio, cargas no silcio, luz tremulante em um cabo de fibra ptica, ondas ele-tromagnticas,voltando ento em ordem inversa. Em um sentido seme-lhante,a mensagem permanece a mesma enquanto sua me a repete para seupai, que est na outra ponta do sof, depois de ter mudado de forma na cabe-adela, transformando-se em uma cascata de neurnios disparando e subs-tnciasqumicas difundindo-se atravs de sinapses. De modo semelhante,um dado programa pode ser executado em computadores feitos de tubos devcuo, comutadores eletromagnticos, transistores, circuitos integrados oupombos bem treinados, e realiza as mesmas coisas pelas mesmas razes.Esse insight, expresso pela primeira vez pelo matemtico Alan Turing,pelos cientistas da computao Alan Newell, Herbert Simon e MarvinMinsky e pelos filsofos Hilary Putnam e Jerry Fodor, hoje em dia denomi-nadoteoria computacional da mente. Ele uma das grandes idias da hist-riaintelectual, pois resolve um dos enigmas que compem o "problemamente-corpo": como conectar o etreo mundo do significado e da inteno,a essncia de nossa vida mental, a um pedao fsico de matria como o cre-bro.Por que Bill entrou no nibus? Porque desejava visitar sua av e sabiaque o nibus o levaria para l. Nenhuma outra resposta serviria. Se ele detes-tassea av, ou se soubesse que o itinerrio mudou, seu corpo no estarianaquele nibus. Por milnios, isso foi um paradoxo. Entidades como "que-rervisitar a av" e "saber que o nibus vai at a casa da vov" no tm cor,cheiro nem sabor. Mas ao mesmo tempo so causas de eventos fsicos, topotentes quanto uma bola de bilhar batendo em outra.A teoria computacional da mente resolve o paradoxo. Ela afirma quecrenas e desejos so informaes, encarnadas como configuraes de smbo-los.Os smbolos so os estados fsicos de bits de matria, como os chips deum computador ou os neurnios do crebro. Eles simbolizam coisas do mun-doporque so desencadeados por essas coisas via rgos dos sentidos e de-vidoao que fazem depois de ser desencadeados. Se os bits de matria que35 36. constituem um smbolo so ajustados para topar com os bits de matria queconstituem outro smbolo exatamente do jeito certo, os smbolos correspon-dentesa uma crena podem originar novos smbolos correspondentes aoutra crena relacionada logicamente com a primeira, o que pode originarsmbolos correspondentes a outras crenas e assim por diante. Por fim, os bitsde matria componentes de um smbolo topam com bits de matria conec-tadosaos msculos, e o comportamento acontece. A teoria computacionalda mente, portanto, permite-nos manter crenas e desejos em nossas expli-caesdo comportamento enquanto os situamos diretamente no universofsico. Ela permite que o significado seja causa e seja causado.A teoria computacional da mente indispensvel para lidar com asquestes que ansiamos por responder. Os neurocientistas gostam de salien-tarque todas as partes do crtex cerebral tm aparncia muito semelhante no s as diferentes partes do crebro humano, mas tambm os crebrosde animais diferentes. Algum poderia concluir que toda atividade mentalem todos os animais igual. Mas uma concluso melhor que no podemossimplesmente observar um retalho do crebro e ler a lgica do intricadopadro de conectividade que faz cada parte executar sua tarefa distinta. Damesma forma que todos os livros so, fisicamente, apenas combinaes dife-rentesdos mesmos setenta e tantos caracteres e todos os filmes so, fisica-mente,apenas padres diferentes de cargas ao longo das trilhas de umvideoteipe, todo o gigantesco emaranhado de espaguetes do crebro podeparecer igual quando examinado fio por fio. O contedo de um livro ou filmereside no padro das marcas de tinta ou cargas magnticas e se evidencia ape-nasquando o trecho lido ou visto. De modo semelhante, o contedo da ati-vidadecerebral reside nos padres de conexes e nos padres de atividadeentre os neurnios. Diferenas minsculas nos detalhes das conexespodem fazer com que retalhos do crebro de aparncia semelhante imple-mentemprogramas muito diferentes. Somente quando o programa execu-tadoa coerncia se evidencia. Como escreveram Tooby e Cosmides:H pssaros que migram orientando-se pelas estrelas, morcegos que usam a eco-localizao,abelhas que computam a variao de canteiros de flores, aranhasque tecem teias, humanos que falam, formigas que cultivam, lees que caamem bando, guepardos que caam sozinhos, gibes mongamos, cavalos-mari-nhospolindricos, gorilas polginos [...] Existem milhes de espcies animaisno planeta, cada qual com um conjunto diferente de programas cognitivos. Omesmo tecido neural bsico corporifica todos esses programas e poderia sus-tentarmuitos outros igualmente. Fatos acerca das propriedades dos neurnios,neurotransmissores e desenvolvimento celular no podem indicar quais des-sesmilhes de programas a mente humana contm. Mesmo que toda a ativi-dadeneural seja a expresso de um processo uniforme no nvel celular, a36 37. disposio dos neurnios em gabaritos de canes de pssaro ou programasde tecedura de teia de aranha que importa.Isso, obviamente, no implica que o crebro irrelevante para a com-preensoda mente! Programas so montagens de unidades de processamen-tode informaes simples minsculos circuitos que podem adicionar,fazer a comparao com um padro, ligar algum outro circuito ou executaroutras operaes lgicas e matemticas elementares. O que esses microcir-cuitospodem fazer depende apenas do que eles so feitos. Circuitos feitos deneurnios no podem fazer exatamente as mesmas coisas que circuitos fei-tosde silcio e vice-versa. Por exemplo, um circuito de silcio mais rpidodo que um circuito neural, mas este pode fazer a comparao com um padromaior do que o permitido para um circuito de silcio. Essas diferenas salien-tam-se nos programas produzidos com os circuitos e afetam a rapidez e a facili-dadecom que os programas fazem diversas coisas, ainda que no determinemexatamente que coisas eles fazem. Com isso no quero dizer que sondar otecido cerebral irrelevante para a compreenso da mente, apenas que no suficiente. A psicologia, a anlise do software mental, ter de escavar muitoatravs da montanha antes de se encontrar com os neurobilogos que vmcavando o tnel pelo outro lado.A teoria computacional da mente no a mesma coisa que a despreza-da"metfora do computador". Como ressaltaram muitos crticos, os compu-tadoresso seriais, fazendo uma coisa por vez; os crebros so paralelos,fazendo milhes de coisas de uma vez. Computadores so rpidos; crebrosso lentos. As peas de computadores so confiveis; as peas do crebroapresentam rudo. Os computadores possuem um nmero limitado de cone-xes;os crebros possuem trilhes. Os computadores so montados segundoum projeto; os crebros tm de montar-se sozinhos. Sim, e os computadoresvm em caixas cor de massa de vidraceiro, tm arquivos AUTOEXEC.BAT emostram protetores de tela com torradeiras voadoras, e os crebros, no. Oargumento no que o crebro como os computadores vendidos nas lojas.Em vez disso, o argumento que crebros e computadores incorporam inte-lignciapor algumas das mesmas razes. Para explicar como os pssarosvoam, recorremos a princpios de sustentao e resistncia aerodinmica emecnica dos fluidos princpios que explicam tambm como os aviesvoam. Isso no nos obriga a usar uma Metfora do Avio para os pssaros,incluindo motores a jato e servio de bordo com bebidas grtis.Sem a teoria computacional impossvel entender a evoluo damente. A maioria dos intelectuais julga que a mente humana deve ter, dealguma forma, escapado ao processo evolutivo. A evoluo, acreditam eles,s consegue fabricar instintos estpidos e padres de ao fixos: um impulso37 38. sexual, um mpeto agressivo, um imperativo territorial, galinhas chocandoovos e fracotes seguindo brutamontes. O comportamento humano dema-siadosutil e flexvel para ser produto da evoluo, pensam eles; deve provirde algum outro lugar digamos, da "cultura". Mas se a evoluo nos equi-pouno com impulsos irresistveis e reflexos rgidos mas com um computa-dorneural, tudo muda. Um programa uma receita intricada de operaeslgicas e estatsticas dirigidas por comparaes, testes, desvios, laos e sub-rotinasembutidas em sub-rotinas. Os programas de computador artificiais,da interface com o usurio do Macintosh s simulaes do clima e progra-masque reconhecem a fala e respondem a perguntas em ingls, nos do umaindicao da finesse e do poder de que a computao capaz. O pensamentoe o comportamento humano, por mais sutis e flexveis que possam ser, pode-riamser produto de um programa muito complexo, e esse programa pode tersido nossa dotao da seleo natural. O mandamento tpico da biologia no "Fars...", e sim "Se... ento... seno...".A mente, afirmo, no um nico rgo, mas um sistema de rgos, quepodemos conceber como faculdades psicolgicas ou mdulos mentais. Asentidades hoje comumente invocadas para explicar a mente como inte-lignciageral, capacidade de formar cultura, estratgias de aprendizado commltiplos propsitos seguramente iro pelo mesmo caminho do proto-plasmana biologia e da terra, ar, fogo e gua na fsica. Essas entidades soto informes se comparadas aos fenmenos precisos que elas se destinam aexplicar que preciso atribuir-lhes poderes quase mgicos. Quando os fen-menosso postos no microscpio, descobrimos que a complexa textura domundo cotidiano sustentada no por uma substncia nica mas por muitascamadas de mecanismo elaborado. Os bilogos h muito tempo substituramo conceito de um protoplasma onipotente pelo conceito dos mecanismosfuncionalmente especializados. Os sistemas de rgos do corpo fazem seutrabalho porque cada um deles foi construdo com uma estrutura especifica-mentetalhada para executar a tarefa. O corao faz circular o sangue porque configurado como uma bomba; os pulmes oxigenam o sangue porque soconfigurados como permutadores de gs. Os pulmes no podem bombear osangue, e o corao no pode oxigen-lo. Essa especializao encontradaem todos os nveis. O tecido cardaco difere do tecido pulmonar, as clulascardacas diferem das clulas pulmonares e muitas das molculas compo-nentesdas clulas cardacas diferem das componentes das clulas pulmona-res.Se no fosse assim, nossos rgos no funcionariam.38 39. Um pau para toda obra no mestre em nenhuma, e isso vale tanto paranossos rgos fsicos como para nossos rgos mentais. O desafio do robevidencia esse fato. Construir um rob implica muitos problemas de enge-nhariade software, sendo necessrios truques diferentes para resolv-los.D> Tomemos nosso primeiro problema, o sentido da viso. Uma mquinaque enxerga precisa resolver um problema denominado ptica invertida. Aptica comum o ramo da fsica que permite prever como um objeto comdeterminada forma, material e iluminao projeta o mosaico de cores quedenominamos imagem retiniana. A ptica uma matria bem compreendi-da,empregada em desenho, fotografia, engenharia de televiso e, maisrecentemente, computao grfica e realidade virtual. Mas o crebro preci-saresolver o problema oposto. O input a imagem retiniana, e o output umaespecificao dos objetos que h no mundo e do que eles so feitos ou seja,o que sabemos que estamos vendo. E a est o xis do problema. A pticainvertida o que os engenheiros chamam de "um problema mal proposto".Ele absolutamente no tem soluo. Assim como fcil multiplicar algunsnmeros e enunciar o produto, mas impossvel tomar um produto e indi-caros nmeros que foram multiplicados para obt-lo, a ptica fcil, mas aptica invertida impossvel. Entretanto, nosso crebro a pratica toda vezque abrimos a geladeira e retiramos uma jarra. Como pode ser isso?A resposta que o crebro fornece as informaes que es to faltando, infor-maessobre o mundo no qual evolumos e o modo como ele reflete a luz. Seo crebro visual "supe" que est vivendo em determinado tipo de mundo um mundo iluminado por igual, composto principalmente de partes rgi-dascom superfcies regulares uniformemente coloridas , ele pode fazerboas suposies quanto ao que est l fora. Como vimos anteriormente, impossvel distinguir carvo de neve examinando o brilho de suas projeesretinianas. Mas digamos que exista um mdulo para perceber as proprieda-desdas superfcies e que embutido nele haja a seguinte suposio: "O mun-do iluminado de modo regular e uniforme". O mdulo pode resolver oproblema do carvo ou da neve em trs etapas: subtraindo qualquer gradien-tede brilho de um extremo da cena ao outro extremo; estimando o nvelmdio de brilho da cena inteira; calculando a tonalidade de cinza de cadaretalho subtraindo seu brilho do brilho mdio. Grandes desvios positivos emrelao mdia so vistos como coisas brancas; grandes desvios negativos,como coisas pretas. Se a iluminao realmente for regular e uniforme, essaspercepes registraro com preciso as superfcies do mundo. Uma vez queo Planeta Terra tem, mais ou menos, correspondido hiptese da ilumina-ouniforme desde tempos imemoriais, a seleo natural teria procedidoacertadamente incorporando essa hiptese.39 40. O mdulo de percepo de superfcies resolve um problema insolvel,mas isso teve seu preo. O crebro abriu mo de toda pretenso de ser umsolucionador geral de problemas. Ele foi equipado com um dispositivo quepercebe a natureza das superfcies em condies de visibilidade tpicas daTerra por ser especializado nesse problema local. Mude-se minimamente oproblema, e o crebro no mais o resolve. Digamos que vamos colocar umapessoa em um mundo que no banhado pela luz solar, e sim iluminado poruma colcha de retalhos de luz engenhosamente dispostos. Se o mdulo depercepo de superfcies supe que a iluminao regular, deve ser seduzidoa ter alucinaes com objetos que no se encontram ali. Isso poderia aconte-cerde verdade? Acontece todo dia. Chamamos essas alucinaes de proje-esde slides, filmes de cinema e televiso (inclusive com a cor preta ilusriaque mencionei anteriormente). Quando vemos televiso, fitamos umalmina de vidro bruxuleante, mas nosso mdulo de percepo de superfciesdiz ao resto de nosso crebro que estamos vendo pessoas e lugares reais. Omdulo foi desmascarado; ele no apreende a natureza das coisas, fia-senuma tela ilusionista. Essa tela ilusionista est to profundamente incorpo-rada operao de nosso crebro visual que no somos capazes de apagar asinformaes nele escritas. Nem mesmo no mais inveterado telemanaco osistema visual um dia "aprende" que a televiso uma vidraa de pontos fos-fricosbrilhantes, e a pessoa nunca perde a iluso de que existe um mundopor trs da vidraa.Nossos outros mdulos mentais precisam de suas prprias telas ilusio-nistaspara resolver seus problemas insolveis. Um fsico que deseja calcularcomo o corpo se move quando os msculos so contrados tem de resolverproblemas de cinemtica (a geometria do movimento) e dinmica (os efei-tosdas foras). Mas um crebro que precisa calcular como contrair os ms-culospara fazer o corpo mover-se tem de resolver problemas de cinemticainvertida e de dinmica invertida que foras aplicar a um objeto para faz-lomover-se em determinada trajetria. Assim como a ptica invertida, acinemtica e a dinmica invertidas so problemas mal propostos. Nossosmdulos motores resolvem-nos fazendo hipteses extrnsecas mas sensatas no hipteses sobre iluminao, obviamente, mas sobre corpos em movi-mento.Nosso bom senso com respeito a outras pessoas um tipo de psicologiaintuitiva tentamos inferir as crenas e desejos das pessoas a partir do queelas fazem, e tentamos prever o que elas faro com base em nossas suposiesquanto a suas crenas e desejos. Contudo, nossa psicologia intuitiva precisasupor que as outras pessoas tm crenas e desejos; no podemos sentir umacrena ou desejo na cabea de outra pessoa do mesmo modo como sentimos40 41. o cheiro de uma lkranja. Se no vssemos o mundo social atravs das lentesdessa suposio, seramos como o rob Samaritano I, que se sacrificava porum saquinho de caroos de lima, ou como o Samaritano II, que se jogava nagua em benefcio de qualquer objeto com uma cabea semelhante cabe-ahumana, mesmo se ela pertencesse a um grande brinquedo de corda. (Ve-remosadiante que os indivduos acometidos de uma determinada sndromeno tm a suposio de que as pessoas possuem mente e de fato tratam as pes-soascomo brinquedos de corda.) At mesmo nossos sentimentos de amorpelos membros da famlia incluem uma suposio especfica quanto s leisdo mundo natural, neste caso um inverso das leis ordinrias da gentica. Ossentimentos pelos familiares destinam-se a ajudar nossos genes a se replicar,mas no podemos ver ou cheirar genes. Os cientistas empregam a genticacomum para deduzir como os genes distribuem-se entre os organismos (porexemplo, a meiose e o sexo fazem com que a prole de duas pessoas tenha 50%de seus genes em comum); nossas emoes em relao aos familiares usamum tipo de gentica invertida para adivinhar quais dentre os organismoscom os quais interagimos tm probabilidade de compartilhar nossos genes(por exemplo, se algum parece ter os mesmos pais que voc tem, trate essapessoa como se o bem-estar gentico dela coincidisse com o seu). Retomareiesse assunto em captulos posteriores.A mente tem de ser construda com partes especializadas porque preci-saresolver problemas especializados. S um anjo poderia ser um soluciona-dorgeral de problemas; ns, mortais, temos de fazer suposies falveis combase em informaes fragmentrias. Cada um de nossos mdulos mentaisresolve seu problema insolvel com um grande ato de f no modo como omundo funciona, fazendo suposies que so indispensveis mas indefens-veis sua nica defesa sendo que as suposies funcionaram a contento nomundo de nossos ancestrais.A palavra "mdulo" faz lembrar componentes que se podem destacar ouencaixar, e isso enganoso. Os mdulos mentais no tendem a ser visveis aolho nu como territrios circunscritos na superfcie do crebro do mesmomodo que distinguimos a barrigueira ou a traseira de um boi na vitrine doaougue. Um mdulo mental provavelmente se parece mais com um bichoatropelado na estrada, espalhando-se desordenadamente pelas protubern-ciase fendas do crebro. Ou pode ser fragmentado em regies que se interli-gampor meio de fibras, as quais fazem a regio atuar como uma unidade. Abeleza do processamento de informaes est na flexibilidade de sua deman-dapor terreno. Assim como a administrao de uma grande empresa podeestar espalhada por vrios prdios ligados por uma rede de telecomunicaes,ou um programa de computador pode estar fragmentado em diferentes partes41 42. do disco ou da memria, os circuitos que aliceram um mdulo psicolgicopodem estar distribudos pelo crebro de um modo espacialmente aleatrio.E os mdulos mentais no precisam estar impermeavelmente isolados unsdos outros, comunicando-se apenas por meio de alguns canais estreitos.(Essa uma concepo especializada de "mdulo" que muitos cientistas cog-nitivosdebateram aps uma definio de Jerry Fodor.) Os mdulos so defi-nidospelas coisas especiais que fazem com as informaes sua disposio,e no necessariamente pelos tipos de informao de que dispem.Portanto, a metfora do mdulo mental um pouco desajeitada; met-foramelhor a do "rgo mental", proposta por Noam Chomsky. Um rgodo corpo uma estrutura especializada talhada para desempenhar uma fun-oespecfica. Mas nossos rgos no vm num saquinho, como os midosde ave; so integrados em um todo complexo. O corpo compe-se de siste-masdivididos em rgos, construdos com tecidos feitos de clulas. Algunstipos de tecido, como o epitlio, so usados, com modificaes, em muitosrgos. Alguns rgos, como o sangue e a pele, interagem com o resto do cor-poatravs de uma superfcie comum convoluta, amplamente difundida, eno podem ser circundados por uma linha pontilhada. As vezes no estclaro onde um rgo termina e outro comea, ou que tamanho de um pedaodo corpo desejamos chamar de rgo. (A mo um rgo? E um dedo? E umosso do dedo?) Essas so questes pedantes de terminologia , e os anatomis-tase fisiologistas no perderam tempo com elas. O que est claro que o cor-pono como carne de porco prensada e enlatada; ele possui uma estruturaheterognea de muitas partes especializadas. Tudo isso provavelmente valepara a mente. Quer estabeleamos ou no fronteiras exatas para os compo-nentesda mente, est claro que ela no uma carne enlatada mental, pos-suindouma estrutura heterognea de muitas partes especializadas.Nossos rgos fsicos devem seu design complexo s informaes con-tidasno genoma humano, e o mesmo, a meu ver, aplica-se aos nossos rgosmentais. No aprendemos a ter um pncreas, e tambm no aprendemos ater um sistema visual, aquisio de linguagem, bom senso ou sentimentos deamor, amizade e justia. Nenhuma descoberta isolada comprova essa afirma-o(assim como nenhuma descoberta isolada comprova que o pncreas temuma estrutura inata), mas muitas linhas de evidncias convergem nessadireo. A que mais me impressiona o Desafio do Rob. Cada um dos gran-desproblemas de engenharia resolvidos pela mente insolvel na ausnciade hipteses incorporadas sobre as leis que se aplicam na respectiva arena deintegrao com o mundo. Todos os programas criados por pesquisadores da42 43. inteligncia artificial foram especificamente projetados para uma rea espe-cfica,como linguagem, viso, movimento ou um dos muitos tipos diferen-tesde bom senso. Nas pesquisas sobre inteligncia artificial, o orgulhosocriador de um programa s vezes o apregoa como uma mera amostra de umsistema de uso geral a ser elaborado futuramente, mas todo mundo da rearotineiramente descarta bazfias desse tipo. Predigo que ningum jamaisconstruir um rob semelhante a um ser humano e me refiro a um robrealmente semelhante a um ser humano a menos que o equipe com siste-mascomputacionais feitos sob medida para resolver diferentes problemas.Ao longo de todo o livro, encontraremos outras linhas de evidnciasindicativas de que nossos rgos mentais devem seu design bsico ao nossoprograma gentico. J mencionei que boa parte da primorosa estrutura denossa personalidade e inteligncia compartilhada por gmeos idnticoscriados separadamente e, portanto, mapeada pelos genes. Bebs e crianaspequenas, quando testados com mtodos engenhosos, demonstram umentendimento precoce das categorias fundamentais do mundo fsico e sociale, s vezes, dominam informaes que nunca lhes foram apresentadas. Aspessoas acalentam muitas crenas que contradizem suas experincias, masforam verdadeiras no meio em que se desenvolveram, e se empenham porobjetivos que subvertem seu prprio bem-estar, mas foram adaptativosnaquele ambiente. E, contrariamente difundida crena de que as culturasvariam de maneira arbitrria e sem limite, estudos da literatura etnogrficamostram que os povos do mundo compartilham uma psicologia universalassombrosamente minuciosa.Mas, se a mente possui uma estrutura inata complexa, isso no signifi-caque aprender no importante. Expor a questo de modo que estruturainata e aprendizado sejam lanados um contra o outro, como alternativasou, quase to ruim quanto isso, como ingredientes complementares ou for-asinteragentes, um erro colossal. No que esteja absolutamente errada aafirmao de que existe interao entre estrutura inata e aprendizado (ouentre hereditariedade e meio, natureza e criao, biologia e cultura). Em vezdisso, ela se enquadra em uma categoria de idias que so to ruins que nemao menos esto erradas.Imagine o seguinte dilogo:"Este novo computador rico em tecnologia avanada. Tem processador dequinhentos megahertz, um gigabyte de RAM, um terabyte de armazenagem emdisco, monitor colorido com realidade virtual tridimensional, sada para voz,acesso direto World Wide Web, especializao em doze matrias e ediesincorporadas da Bblia, Encyclopaedia Britannica, Bartlett's famous quotations e43 44. as obras completas de Shakespeare. Dezenas de milhes de horas-hackerempregadas em sua criao.""Ah, ento acho que voc est dizendo que no importa o que eu digitar nocomputador. Com toda essa estrutura incorporada, seu ambiente no pode sermuito importante. Sempre far a mesma coisa, independentemente do que eudigitar."A resposta patentemente sem sentido. Ter muitos mecanismos embu-tidosdeveria fazer um sistema reagir de modo mais inteligente e flexvel aseus inputs, e no menos. Entretanto, a resposta reflete a maneira como oscomentaristas tm reagido, por sculos, idia de uma mente ricamenteestruturada, de alta tecnologia.E a posio "interacionista", com sua fobia de especificar a parte inatada interao, no muito melhor. Observe as seguintes afirmaes:O comportamento de um computador depende de uma interao complexaentre o processador e o input.Ao tentar entender como um carro funciona, no se pode deixar de conside-raro motor, a gasolina ou o motorista. Todos so fatores importantes.O som proveniente deste CD player representa a mistura inextricavelmenteinterligada de duas variveis cruciais: a estrutura da mquina e o disco quevoc insere nela. Nenhum dos dois pode ser deixado de lado.Essas afirmaes so verdadeiras, porm inteis to estupidamentetacanhas, to desafiadoramente desprovidas de curiosidade que quase toruim faz-las quanto neg-las. Para a mente, assim como para as mquinas,as metforas de uma mistura de dois ingredientes, como um martni, ou deuma batalha entre foras equilibradas, como um cabo-de-guerra, so modosequivocados de conceber um dispositivo complexo projetado para processarinformaes. Sim, cada parte da inteligncia humana engloba cultura eaprendizado. Mas o aprendizado no um gs envolvente ou um campo defora e no acontece por mgica. Ele possibilitado pelo mecanismo inatoprojetado para efetuar o aprendizado. Afirmar que existem vrios mdulosinatos afirmar que existem vrias mquinas de aprender inatas, cada qualaprendendo segundo uma lgica especfica. Para entender o aprendizado,precisamos de novas maneiras de pensar, a fim de substituir as metforas pr-cientficas as misturas e foras, a escrita em tbulas rasas ou a escultura emblocos de mrmore. Precisamos de idias que captem os modos como ummecanismo complexo pode sintonizar-se com aspectos imprevisv