Subdesenvolvimento e Dependência

13
1 Subdesenvolvimento e dependência: um debate entre o pensamento da Cepal dos anos 50s e a Teoria da Dependência Tádzio Peters Coelho * RESUMO: Tentamos com este artigo relacionar a teoria produzida pela Cepal durante os anos 50s (dentre os vários pensadores, selecionamos basicamente Raúl Prébish e Celso Furtado) e a vertente marxista da Teoria da Dependência (André Gunder Frank, Theotônio dos Santos, Ruy Mauro Marini e Vânia Bambirra). Nesse debate, destacamos os conceitos de subdesenvolvimento e de dependência. Buscamos em ambas teorias as origens para as chagas sociais do subdesenvolvimento e possíveis perspectivas para o desenvolvimento genuíno e autônomo. Podemos notar que a Teoria da Dependência tem forte influência cepalina, podemos até mesmo dizer que a idéia de dependência já se encontrava embrionária dentro do pensamento da Cepal. Por algum tempo, perdurou nas Ciências Sociais a interpretação evolutiva do desenvolvimento, na qual existiria um linha evolutiva entre subdesenvolvimento e desenvolvimento hoje subdesenvolvido, amanhã desenvolvido. O que a Teoria da Dependência em geral traz de novo frente aos estudos cepalinos é a necessidade de compreender que o subdesenvolvimento seria mais uma fase no desenvolvimento do capitalismo e que se iniciou com a expansão dos países centrais. Assim, o não existe desenvolvimento sem subdesenvolvimento no capitalismo. O resgate desse debate encontra um contexto fértil nos dias de hoje, com o novo desenvolvimentismo brasileiro, surgindo novas análises baseadas na Teoria da Dependência. Palavras-chave: subdesenvolvimento; dependência; Cepal; Teoria Marxista da Dependência; desenvolvimento. ABSTRACT: We try to relate in this article the theory produced by Cepal during the 50s (among many thinkers, selected primarily Raul Prebisch and Celso Furtado) to the Marxist Theory of Dependency (Andre Gunder Frank, Theotônio dos Santos, Ruy Mauro Marini and Vania Bambirra). In this debate, we highlight the concepts of underdevelopment and dependency. We seek the origins of both theories for the social problems of underdevelopment and possible prospects for genuine and autonomous development. We note that the theory of dependency has a strong influence of Cepal, we can even say that the idea of dependency was already starting in the Cepal. For some time, persisted in the social sciences the evolutionary interpretation of the development in which there would be an evolutionary line between underdevelopment and development - currently undeveloped, developed tomorrow. What the theory of Dependency in general, brings new face of Cepal studies is the need to understand underdevelopment through the historical relationships between center and periphery, where underdevelopment is more a stage in the development of capitalism and began with the expansion of the central countries. Thus underdevelopment is not the result of the incompetence of some people, but the development of capitalism itself. There is no development without underdevelopement in capitalism. Still, we introduce in the debate about the Associated Dependency Theory. Recalling this debate is a fertile context today, with the new developmentalism Brazil, emerging new analysis based on the Theory of Dependency. * Graduado em Ciências Sociais pela UEL (Universidade Estadual de Londrina) e mestrando em Ciências Sociais pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

description

Leitura para aula de Cepal e Teorias da DependênciaFundamentos de América Latina I

Transcript of Subdesenvolvimento e Dependência

  • 1Subdesenvolvimento e dependncia: um debate entre o pensamento da Cepal dos anos 50s e a Teoria da Dependncia

    Tdzio Peters Coelho*

    RESUMO: Tentamos com este artigo relacionar a teoria produzida pela Cepal durante os anos 50s (dentre os vrios pensadores, selecionamos basicamente Ral Prbish e Celso Furtado) e a vertente marxista da Teoria da Dependncia (Andr Gunder Frank, Theotnio dos Santos, Ruy Mauro Marini e Vnia Bambirra). Nesse debate, destacamos os conceitos de subdesenvolvimento e de dependncia. Buscamos em ambas teorias as origens para as chagas sociais do subdesenvolvimento e possveis perspectivas para o desenvolvimento genuno e autnomo. Podemos notar que a Teoria da Dependncia tem forte influncia cepalina, podemos at mesmo dizer que a idia de dependncia j se encontrava embrionria dentro do pensamento da Cepal. Por algum tempo, perdurou nas Cincias Sociais a interpretao evolutiva do desenvolvimento, na qual existiria um linha evolutiva entre subdesenvolvimento e desenvolvimento hoje subdesenvolvido, amanh desenvolvido. O que a Teoria da Dependncia em geral traz de novo frente aos estudos cepalinos a necessidade de compreender que o subdesenvolvimento seria mais uma fase no desenvolvimento do capitalismo e que se iniciou com a expanso dos pases centrais. Assim, o no existe desenvolvimento sem subdesenvolvimento no capitalismo. O resgate desse debate encontra um contexto frtil nos dias de hoje, com o novo desenvolvimentismo brasileiro, surgindo novas anlises baseadas na Teoria da Dependncia.Palavras-chave: subdesenvolvimento; dependncia; Cepal; Teoria Marxista da Dependncia; desenvolvimento.

    ABSTRACT: We try to relate in this article the theory produced by Cepal during the 50s (among many thinkers, selected primarily Raul Prebisch and Celso Furtado) to the Marxist Theory of Dependency (Andre Gunder Frank, Theotnio dos Santos, Ruy Mauro Marini and Vania Bambirra). In this debate, we highlight the concepts of underdevelopment and dependency. We seek the origins of both theories for the social problems of underdevelopment and possible prospects for genuine and autonomous development. We note that the theory of dependency has a strong influence of Cepal, we can even say that the idea of dependency was already starting in the Cepal. For some time, persisted in the social sciences the evolutionary interpretation of the development in which there would be an evolutionary line between underdevelopment and development - currently undeveloped, developed tomorrow. What the theory of Dependency in general, brings new face of Cepal studies is the need to understand underdevelopment through the historical relationships between center and periphery, where underdevelopment is more a stage in the development of capitalism and began with the expansion of the central countries. Thus underdevelopment is not the result of the incompetence of some people, but the development of capitalism itself. There is no development without underdevelopement in capitalism. Still, we introduce in the debate about the Associated Dependency Theory. Recalling this debate is a fertile context today, with the new developmentalism Brazil, emerging new analysis based on the Theory of Dependency.

    * Graduado em Cincias Sociais pela UEL (Universidade Estadual de Londrina) e mestrando em Cincias Sociais pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

  • 2Key-words: underdevelopment; dependency; Cepal; Marxist Dependency Theory; development.

    1 - Apresentao:

    Por meio deste artigo, tentarei mostrar como os conceitos de subdesenvolvimento e

    de dependncia se inserem no pensamento da Cepal (Comisso Econmica para Amrica

    Latina e Caribe) e, dessa forma, aportar um debate introdutrio com autores da chamada

    Teoria Marxista da Dependncia (TMD).

    Como a formulao terica cepalina por demais extensa e complexa para minha

    reduzida logstica e capacidade, optei por eleger dois textos representantes desse

    pensamento localizados nos anos 50s e 60s. O primeiro texto resume bem o perodo da

    fundao dessa organizao, o Estudo Econmico da Amrica Latina que tem a prpria

    CEPAL como autor coletivo, apesar de ser fundamentalmente um estudo realizado por Ral

    Prbish. O segundo texto analisado o Formao de capital e desenvolvimento

    econmico, de autoria de Celso Furtado (1969). Para facilitar a referncia a estes autores

    designarei-os como a Velha Cepal.

    Dentro da TMD, analisei textos de Ruy Mauro Marini, Bettelheim (que no faz

    parte desta vertente de pensamento, mas faz uma crtica oportuna idia de

    subdesenvolvimento que espero ser til ao debate) e principalmente Andr Gunder Frank, o

    qual esteve por uma temporada realizando estudos na prpria Cepal (BIELSCHOWSKY,

    2000, p. 42) e o principal formulador desta interpretao da dependncia.

    2 - Introduo:

    2.1 - A Cepal:

    A Cepal uma instituio das Naes Unidas criada para analisar as condies

    econmicas e sociais do subcontinente latino-americano e Caribe, dessa forma, propondo

    polticas que lidem com os problemas do subdesenvolvimento. detentora de um dos

    pensamentos mais originais j criados nos trpicos e parte da idia de que necessria uma

    compreenso prpria e original para empreender o desenvolvimento perifrico (pases

    subdesenvolvidos), que no de mesmo tipo que o desenvolvimento realizado pelos pases

  • 3do capitalismo central (pases desenvolvidos). Assim, contraria os estudos prvios a sua

    criao, como o de Rostow (1959), segundo os quais o subdesenvolvimento da periferia

    seria vencido por meio de caminhos parecidos aos trilhados pelos pases centrais. A Cepal

    foi criada em 1949 e tem como principais representantes os intelectuais Ral Prbish, Celso

    Furtado, Maria da Conceio Tavares, Oswaldo Sunkel, Anbal Pinto, Fernando Fajnzylber,

    dentre outros.

    Segundo Bielschowsky (2000, p.17), sua principal inovao metodolgica.

    Combinando a anlise histrica com o mtodo estruturalista, a Cepal tenta buscar solues

    para subdesenvolvimento latino-americano. Sua metodologia manteve alguns princpios

    bsicos durante toda a segunda metade do sculo XX. O que mudou foi o contexto histrico

    e os desafios dele decorrentes. Por isso, o enfoque histrico-estruturalista cepalino tem

    como grande trunfo a maleabilidade de sua interpretao no padecendo de rgidos marcos

    que o petrificariam no passado, ao mesmo tempo em que uma parte relevante dos estudos

    da Cepal so uma tentativa de crtica ao seu prprio mtodo.

    As aes em prol do desenvolvimento seriam tomadas pela via estatal as quais

    teriam um planejamento em longo prazo. Alm da interveno estatal, so fundamentais no

    pensamento cepalino a insero das economias perifricas na economia mundial e as

    limitaes internas do subdesenvolvimento. Bielschowsky (2000, p.18) divide o

    pensamento da Cepal em cinco fases:

    a) As origens e anos 1950: industrializao;

    b) Os anos 1960: reformas para desobstruir a industrializao;

    c) Os anos 1970: a reorientao dos estilos de desenvolvimento na direo da

    homogeneizao social e na direo da industrializao pr-exportadora.

    d) Os anos 1980: a superao do endividamento externo via ajuste com crescimento;

    e) Os anos 1990: a transformao produtiva com equidade.

    2.2 - A Teoria da Dependncia:

    A Teoria da Dependncia pode ser dividida em duas vertentes principais

    (BRESSER-PEREIRA, 2005, p. 220):

  • 41-) A vertente da Dependncia Associada, da qual faz parte Fernando Henrique

    Cardoso e Enzo Faletto com o j-clssico trabalho Dependncia e Desenvolvimento na

    Amrica Latina (1969). Muito basicamente, e at mesmo de forma simplista, esta corrente

    terica constata a impossibilidade do desenvolvimento nacional ser liderado pelas

    burguesias dependentes, o que os leva a concluso decorrente da primeira afirmao de que

    os pases dependentes devem se associar ao sistema dominante de forma que possam obter

    algumas benesses desta relao. Assim, a corrente da Dependncia Associada compartilha

    da viso da corrente marxista da dependncia de que a burguesia local est impossibilitada

    de realizar o desenvolvimento nacional, at porque uma das condies para o

    desenvolvimento seria a criao de uma poupana interna, e a burguesia local est

    envolvida no consumo conspcuo, imitando o padro de vida dos pases centrais. Essa

    interpretao da dependncia se localiza em um contexto histrico onde a industrializao

    latino-americana dos anos 50s e 60s obteve fortes investimentos estrangeiros, o que por si

    mostrava, dentro da viso da dependncia associada, as possibilidades de desenvolvimento

    trazidas por esta relao.

    2-) A outra interpretao da dependncia a marxista, ou a que podemos chamar de

    teoria da superexplorao do trabalho (e que ao longo do artigo resumi na sigla TMD-

    Teoria Marxista da Dependncia). O que diferencia esta vertente da Teoria da Dependncia

    Associada no o fato de ser um estudo de interpretao marxista. Ambos foram

    intensamente influenciados pelo mtodo marxista, assim, no sendo este um elemento de

    diferenciao. Na vertente da superexplorao do trabalho, as classes altas dos pases

    perifricos no realizam uma explorao do trabalho, mas uma superexplorao do

    trabalho, visto que dividem os lucros com as classes estrangeiras. O locus de consumo est

    predominantemente localizado nos pases centrais, possibilitando uma superexplorao do

    trabalhador, j que no ser ele o sujeito do consumo:

    A produo latino-americana no depende da capacidade interna de consumo. H uma separao entre a produo e a circulao das mercadorias. Aqui aparece de maneira especfica a contradio inerente produo capitalista, acaba com o trabalhador vendedor e comprador. Em conseqncia a tendncia do sistema ser de explorar ao mximo a fora de trabalho do operrio, sem se preocupar em criar as condies para que este a reponha, sempre e quando se possa suprir mediante a

  • 5incorporao de novos braos ao processo produtivo. Acentua at os limites as contradies dessas relaes de trabalho (MARINI, p. 45, 1985).

    As classes altas locais no direcionam grandes investimentos na criao de

    tecnologia e progresso da cincia, que so monopolizados pelas classes altas dos pases

    centrais, o que possibilitaria auferir sobre o trabalhador a taxa de mais-valia relativa por

    meio do aumento da produtividade. Assim, retiram do trabalhador a mais-valia absoluta,

    por meio do rebaixamento dos salrios e da intensificao do trabalho atravs do aumento

    da jornada de trabalho. Rebaixam os salrios a nveis em que coloque em risco a

    sobrevivncia do prprio trabalhador. Isto tem vrios efeitos sociais, como a falta de

    oportunidades de emprego, analfabetismo, subnutrio, represso policial e violncia

    (MARINI, 2000, p. 47).

    Nos pases dependentes o mecanismo econmico bsico deriva da relao

    exportao-importao: ainda que se obtenha no interior da economia, a mais-valia se

    realiza na esfera do mercado externo mediante a atividade de exportao, e se traduz em

    ingressos que se aplicam, em sua maior parte, em importaes e no consumo luxuoso. A

    produo interna depende do mercado externo.

    3 - Subdesenvolvimento e Dependncia:

    Antes de qualquer coisa, importante destacar a forte influncia que os estudos

    cepalinos exerceram sobre a os tericos da dependncia. Podemos at mesmo dizer que a

    idia de dependncia j se encontrava embrionria dentro do pensamento da Cepal. Por

    algum tempo, perdurou nas Cincias Sociais a interpretao evolutiva do desenvolvimento,

    na qual existiria um linha evolutiva entre subdesenvolvimento e desenvolvimento hoje

    subdesenvolvido, amanh desenvolvido. Assim, a pobreza dos pases subdesenvolvidos

    resultado, exclusivamente, da incompetncia deles prprios, isso , causada por razes

    internas. Dentro dessa interpretao, seria necessrio que os pases subdesenvolvidos sigam

    os caminhos trilhados pelos pases desenvolvidos para tambm se tornarem desenvolvidos.

    Nesse ponto, a Cepal e a Teoria da Dependncia concordam que:

    A conseqncia que a maior parte de nossas teorias no consegue explicar a estrutura e o desenvolvimento do sistema capitalista como um todo e no

  • 6esclarece a gerao simultnea de subdesenvolvimento em algumas de suas partes e de desenvolvimento econmico em outras. (). Basta, porm, uma pequena familiarizao com a histria para saber que o subdesenvolvimento no original nem tradicional, e que nem o passado nem o presente dos pases subdesenvolvidos se parecem em qualquer aspecto importante com o passado dos pases hoje desenvolvidos. Os pases atualmente desenvolvidos nunca foram subdesenvolvidos, embora possam ter sido no-desenvolvidos. (FRANK, 1973, p. 26).

    De acordo Bettelheim, as diferenas entre estes pases so muitas:

    A economia desses pases industrializados no comportava nenhuma das caractersticas essenciais da economia dos pases ditos subdesenvolvidos(...). Esses pases hoje industrializados no eram pases economicamente dependentes. A estrutura da sua produo no comportava quaisquer dos setores hipertrofiados estreitamente vinculados a alguns mercados estrangeiros. Essas economias no se desenvolveram ou se estagnaram conforme a evoluo do mercado mundial de tal ou qual matria-prima ou produto bruto agrcola. Elas no suportaram a carga de pesadas obrigaes exteriores (juros, dividendos, royalties pagos a capitalistas estrangeiros), a sua indstria nascente no teve de enfrentar a concorrncia de indstrias poderosas j estabelecidas e dominadas pelo mesmo grande capital afora aquele que teria dominado as suas prprias riquezas naturais. Essas economias no dependiam para a sua reproduo ampliada de importaes de equipamentos vindo do exterior. Se eram pouco industrializadas, nem por isso essas economias eram deformadas e desequilibradas, mas, ao contrrio, integradas e autocentradas. (BETTELHEIM, 1969, p. 55).

    Aqui podemos notar um ponto de concordncia entre os pensamentos da Velha

    Cepal e da TMD- mesmo que Bettelheim no pertena TMD e nem mesmo seja

    considerado um pensador da Teoria da dependncia -, sendo que ambas correntes tericas

    pensam ser necessrio compreender a singularidade do subdesenvolvimento e, por

    conseguinte, dos caminhos a serem trilhados por estes pases. O que a Teoria da

    Dependncia em geral traz de novo frente aos estudos cepalinos a necessidade de

    compreender o subdesenvolvimento por meio das relaes histricas entre centro e

    periferia, na qual o subdesenvolvimento seria mais uma fase no desenvolvimento do

    capitalismo e que se iniciou com a expanso dos pases centrais.

    Dessa forma, a recente industrializao realizada at os anos 60s seria tambm mais

    uma fase de desenvolvimento do capitalismo que representaria uma nova forma de

    explorao do trabalho nos pases perifricos. E aqui sim, ambas correntes tericas

    divergem radicalmente sobre os caminhos a serem realizados para a soluo do

    subdesenvolvimento.

  • 7Primeiramente, a Velha Cepal criticou a tese liberal das vantagens comparativas, a

    qual advoga a especializao de algumas economias nacionais na produo de matrias-

    primas e outras na produo industrial. Mostrou a tendncia deteriorao nos termos de

    troca, onde a indstria agrega maior valor aos seus produtos graas ao seu maior progresso

    tcnico, enquanto a tendncia das matrias-primas ter seu preo depreciado. Sendo assim,

    grande parte da renda criada internamente nos pases perifricos transferida para os pases

    centrais mediante os termos de troca. Segundo Prbish (p. 160, 1949), a resistncia de

    sindicatos nos pases centrais evitava que, durante baixas cclicas, o salrio baixasse muito,

    o que incidia sobre os preos dos produtos industriais, que no tambm no decaam muito.

    J na periferia o mesmo no acontecia, visto que os prejuzos nos termos de troca no

    comrcio internacional eram repassados para os trabalhadores, que no tinham grande

    resistncia por causa do gigantesco excedente de mo-de-obra existente nestes pases- alis,

    esta pode ter sido uma grande influncia para a formulao do conceito de superexplorao,

    mesmo que no lide com a idia de mais-valia. E durante as altas cclicas, pouco era

    direcionado no aumento de salrios na periferia. Um grande obstculo a ser superado na

    periferia, segundo Furtado (1969), o excedente de mo-de-obra que rebaixa salrios e

    preos. O aumento da produtividade na atividade primria no seria suficiente para

    absorv-lo porque diminuiria sua utilizao e o consumo no aumentaria paralelamente,

    tambm diminuindo os preos nominais. A indstria por si s o grande consumidor de

    matrias-primas que define a relao de preos. A soluo para isso seria encampar uma

    industrializao de forma a absorver o progresso tcnico dos pases centrais:

    O crescimento de uma economia desenvolvida , principalmente, um problema de acumulao de conhecimentos cientficos e de progressos na aplicao desses conhecimentos. O crescimento das economias subdesenvolvidas sobretudo um processo de assimilao da tcnica da poca. (FURTADO, 1969, p. 322).

    De forma bem resumida, a industrializao seria capaz de reter capital criando uma

    poupana interna, primordial para novos investimentos. Com uma procura externa

    crescente, criam-se mais capitais que sero reinvestidos medida que cresce o lucro. Com o

    crescimento econmico cresce tambm a procura por mo-de-obra, que incide

    positivamente sobre os salrios e os impulsiona (FURTADO, 1969, p. 326). J na viso da

    TMD, a industrializao perifrica se d em perodos em que a relao de dependncia

  • 8afrouxa, como quando o centro capitalista se direciona para as grandes guerras: os

    satlites experimentam seu maior desenvolvimento econmico e especialmente seu

    desenvolvimento industrial mais classicamente capitalista se e quando seus laos com as

    metrpoles se encontram enfraquecidos (FRANK,1967, p. 32).

    Dentro dessa viso, o atrelamento ao capital externo reforaria a condio

    dependente o que, por sua vez, reforaria o desenvolvimento do subdesenvolvimento, com

    intensificao da concentrao de renda, marginalizao de grande parte da populao e

    especializao na produo de matrias-primas. J para Furtado, os investimentos externos

    podem dar incio a um processo de desenvolvimento:

    Nem sempre ser necessrio, para aumentar a produtividade, dispr de capital. A abertura de uma corrente de comrcio externo permitir a essa economia utilizar mais a fundo e mais racionalmente aqueles fatores de que dispe, em abundncia relativa, a terra e a mo-de-obra. O aumento da renda real, obtido do crescimento da produtividade, poder constituir margem necessria que possibilitar o incio do processo de acumulao de capital. (FURTADO, 1969, p. 324)

    E ainda:

    O impulso externo beneficia inicialmente os setores diretamente ligados ao comrcio exterior, principalmente atravs do aumento das remuneraes outras que no salrios. Se persistente o impulso, haver estmulo para que aumente a produo atravs de inverso dos lucros adicionais recm-criados. Se a economia consegue atingir certos nveis de produtividade que permitem uma formao lquida de capital de alguma monta, a importncia relativa dos impulsos externos no processo de crescimento tender a diminuir. medida que aumenta a produtividade, cresce a renda real e se diversifica a procura, o que vai abrindo novas oportunidades de inverso. (FURTADO, 1969, p. 325).

    J a Teoria da Dependncia Associada defende a idia de que necessrio que as

    economias perifricas se aliem interinamente ao capital externo, de tal forma que se

    beneficiem de seus investimentos e da transferncia de tecnologia. Andr Gunder Frank

    critica esta hiptese mostrando que as regies que hoje so as mais subdesenvolvidas,

    tiveram no passado estreitas ligaes com os pases desenvolvidos, isso , realizaram o

    desenvolvimento do subdesenvolvimento, tornando-se regies deprimidas nos dias de hoje:

    Uma terceira hiptese importante, derivada da estrutura metrpole-satlite, que as regies que hoje so as mais subdesenvolvidas e aparentemente feudais so as que no passado tiveram as ligaes mais estreitas com a metrpole. So as

  • 9regies que foram as maiores exportadoras de produtos primrios para a metrpole mundial, e que foram abandonadas pela metrpole quando, por um ou outro motivo, os negcios caram. Essa hiptese tambm contradiz a tese geralmente aceita de que a raiz do subdesenvolvimento de uma regio seu isolamento e suas instituies pr-capitalistas. (FRANK, 1973, p. 35).

    A regio de Minas Gerais parece servir de exemplo histrico. Nos fins do sculo

    XVII, encontraram-se por meio das bandeiras as primeiras minas de ouro da colnia

    brasileira na regio de Minas Gerais. Um gigantesco fluxo migratrio instalou-se em

    direo regio. A populao brasileira pulou de 100 mil em 1600, para 300 mil em 1700,

    e 3,25 milhes em 1800 (FURTADO, 2000). O ouro preto - que era o ouro de aluvio que

    se descolava das encostas das montanhas indo parar nos leitos dos rios era encontrado sob

    os ps dos exploradores. Tanta era a abundncia de ouro que em dias de chuva na antiga

    Ouro Preto, muitos iam s sinuosas ladeiras da cidade garimpar o ouro. Esse primeiro ciclo

    econmico das Minas termina em fins do sculo XVIII. O ouro no engendrou segmentos

    produtivos in loco, pois muito se gastava na importao de gneros de subsistncia e quase

    nada se produzia dentro das Minas, no ocorrendo, tambm, a reteno do excedente

    produzido. A compulsoriedade do trabalho tornava desnecessrio o aperfeioamento

    tcnico e a aquisio de mquinas, sendo os investimentos revertidos na compra de

    escravos. Os mecanismos do sistema colonial - o fisco, a tributao sobre escravos, o

    sistema monetrio implantado, as importaes em regime de exclusivo comrcio - fizeram

    com que a maior parte dessa riqueza se esvasse. Dado esse baixo nvel de renda, foram

    poucos os que fizeram fortuna. Aqui podemos notar nos pensadores da Velha Cepal os

    germes para a criao da Teoria da Dependncia. Segundo Furtado (2000, p. 111), no

    complexo econmico mineratrio, o desenvolvimento endgeno isto , com base em seu

    prprio mercado foi praticamente nulo. Isso se deveu incapacidade tcnica dos nativos

    para iniciar atividades manufatureiras.

    Relevante como os fatores internos para explicar a limitao do desenvolvimento

    brasileiro so as limitaes externas. Houve os impedimentos impostos pela metrpole que

    proibiu a populao local de produzir e desenvolver sua prpria indstria manufatureira.

    Uma interpretao que podemos fazer sob o prisma da TMD, de que a limitao do

    desenvolvimento da regio do ciclo do ouro de Minas Gerais tem como principal

    caracterstica a explorao e a dominao a qual foi submetida. Isso consequncia da

  • 10

    relao de dependncia entre a colnia e a metrpole, na qual, aliada classe dominante

    nativa, a classe estrangeira explora o trabalho e os recursos naturais locais.

    Obviamente, a afirmao de que as regies subdesenvolvidas hoje foram no passado

    as mais ligadas ao capitalismo central no um imperativo, isso , no regra que as

    regies subalternas ligadas ao capitalismo central enfrentaro o desenvolvimento do

    subdesenvolvimento. Porm, nos parece claro de que as regies do nordeste brasileiro (com

    o ciclo da cana), de Minas Gerais e Norte brasileiro (com o ciclo da borracha) passaram por

    este processo.

    Sendo assim, Bettelheim conclui que:

    Esses fatos mostram como seria mais justificado falar em pases de economia sufocada ou estrangulada do que em pases subdesenvolvidos. Esses fatos so essenciais compreenso da tendncia ao bloqueamento do desenvolvimento econmico de um grande nmero de pases dependentes. (BETTELHEIM, p. 67).

    A TMD entra com uma compreenso dialtica da relao entre desenvolvimento e

    subdesenvolvimento. Para eles, a diferena nessa relao no quantitativa, e sim

    qualitativa. Ao invs de compreender o desenvolvimento como uma linha evolutiva,

    devemos entend-lo como uma relao entre extremos contraditrios e complementares: os

    pases centrais precisam dos perifricos pela farta mo-de-obra barata e pela transferncia

    de valores; e os perifricos, para empreender o desenvolvimento do subdesenvolvimento,

    necessitam das divisas e da tecnologia dos pases centrais, aprofundando, assim, sua relao

    de dependncia. Para Marini a relao se resume na seguinte forma:

    A dependncia uma relao de subordinao entre naes formalmente independentes, em cujo marco das relaes de produo das naes subordinadas so modificadas ou recriadas para assegurar a reproduo da dependncia ampliada. O mero fato de que algumas naes industriais produzam bens que as demais no produzem, permite que as primeiras elucidem a lei do valor, isso , vendam seus produtos a preos superiores a seu valor, configurando um intercmbio desigual. Isto implica que as naes desfavorecidas devam ceder gratuitamente parte do valor que produzem. A funo cumprida pela Amrica Latina no desenvolvimento do capitalismo mundial foi de fornecer bens pecurios aos pases industriais, e de contribuir para a formao de um mercado de matrias primas industriais (MARINI, 1977, p. 51).

    Porm, necessrio tambm observar que para a TMD as condies internas dos

    pases dependentes, as relaes entre as classes nacionais e suas ligaes com a economia

  • 11

    mundial, so essenciais para compreendermos a dependncia. Assim, procuram se

    distanciar de uma interpretao que coloque apenas fatores externos como condicionante

    das sociedades dependentes, destacando a relevncia do estudo das condies internas dos

    pases dependentes, sendo esta uma das principais inovaes metodolgicas da Teoria da

    Dependncia em geral.

    Na compreenso da TMD, a dependncia econmica uma situao na qual uma

    economia est condicionada pelo desenvolvimento e expanso de outra. So trs os

    condicionantes histrico-estruturais da dependncia: 1-) a perda nos termos de troca, ou

    seja, a reduo dos preos dos produtos exportados pelos pases dependentes, visto que, em

    geral, so primrios, em troca de produtos de alto valor agregado; 2-) remessa de

    excedentes para o centro capitalista, por meio de juros, lucros, amortizaes, dividendos e

    royalties, visto que os pases dependentes importam tecnologia dos avanados; 3-)

    instabilidade dos mercados financeiros internacionais, o que afeta os pases perifricos

    pelas altas taxas de juros no crdito.

    Assim, o subdesenvolvimento no resultado da incompetncia de alguns povos,

    mas do prprio desenvolvimento do capitalismo. No existe desenvolvimento sem

    subdesenvolvimento no capitalismo:

    Devemos concluir, em suma, que os subdesenvolvimento no devido sobrevivncia de instituies arcaicas e escassez de capital em regies que permanecem isoladas do fluxo da histria mundial. Ao contrrio, o subdesenvolvimento foi e ainda gerado pelo mesmo processo histrico que gerou tambm o desenvolvimento econmico: o desenvolvimento do capitalismo. (FRANK, 1973, p. 31).

    Para Frank, o desenvolvimento econmico e industrial no Brasil foi direcionado e

    limitado, nunca foi realmente autnomo: experimentamos o desenvolvimento do

    subdesenvolvimento:

    A expanso da economia mundial a partir do comeo do sculo XVI converteu sucessivamente o Nordeste, o interior de Minas Gerais, o Norte e por ltimo o Centro-Sul (Rio de Janeiro, So Paulo e Paran) em economias de exportao e incorporou-as estrutura e desenvolvimento do sistema capitalista mundial. Cada uma dessas regies experimentou o que pode ter parecido um desenvolvimento econmico durante o perodo de suas respectivas idades de ouro. Mas se tratava de um desenvolvimento satelitizado, que no era nem autogerador nem auto-sustentvel. E logo que o mercado ou a produtividade das trs primeiras regies declinou, o interesse econmico nessas regies, tanto interno quanto externo, se

  • 12

    desfez; e elas foram relegadas a desenvolver o subdesenvolvimento em que vivem hoje. (FRANK, 1973, p. 30).

    Devo esclarecer que Andr Gunder Frank no defendeu a idia da impossibilidade

    de real desenvolvimento nos pases subdesenvolvidos, mas destacou que, enquanto

    persistisse o ento contexto scio-econmico por ele analisado, a relao com o capital

    externo se daria de forma subordinada onde a burguesia nacional seria o scio menor do

    capital externo na acumulao capitalista.

    4 - Consideraes finais sobre a conjuntura atual:

    O debate sobre o subdesenvolvimento e a dependncia encontrou seu auge em

    meados do sculo XX, mas a necessidade de o aprofundarmos atualssima. Ainda hoje,

    podemos notar a condio de dependncia dos pases perifricos em relao ao centro do

    capitalismo, envolvendo a troca de commodities, ou produtos primrios, por produtos com

    alto valor agregado, havendo uma transferncia de valores. Mesmo que no caso do Brasil a

    relao no seja to simples, ainda sim o pas se insere de forma subalterna na economia

    mundial. Dos quinze principais produtos exportados pelo Brasil em 2010, dez podem ser

    considerados commodities. Alm de o minrio ser o principal produto de exportao com

    15,3% das exportaes (Fonte: Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio

    Exterior, 2009). O fato tem srias implicaes, como a capacidade de presso do capital

    estrangeiro sobre nossa poltica econmica, a dependncia econmica, tecnolgica e

    poltica frente ao estrangeiro.

    Podemos notar nos dias de hoje os resultados do subdesenvolvimento no Brasil. De

    acordo com o documento divulgado pela ONU-HABITAT (2010) "O Estado das Cidades

    do Mundo 2010/2011: Unindo o Urbano Dividido", das vinte cidades mais desiguais do

    mundo sete so brasileiras, sendo Belo Horizonte a segunda mais desigual do Brasil e a

    dcima - terceira no mundo. A pesquisa vem de encontro com o que vemos em nosso

    cotidiano, o imenso abismo que separa os ricos dos pobres no Brasil. Obviamente, essa

    separao econmica se traduz em inmeros outros tipos de disparidades que reproduzem

    ainda mais a desigualdade, como na oferta de servios, na educao, no acesso sade,

    cultura, etc.

  • 13

    A formao de uma desigualdade abismal como a brasileira, e tambm latino-

    americana, encontra explicao, em parte, na insero que temos na economia

    internacional. Somos basicamente produtores de commodities que beneficiam,

    principalmente, o setor externo. A mais-valia, mesmo que produzida aqui, apropriada em

    sua maior parte pelo setor estrangeiro, numa gigantesca transferncia de valores baseada

    numa troca extremamente desvantajosa para os pases dependentes. A classe dominante

    brasileira se insere no processo de acumulao de maneira subalterna, enquanto a maioria

    da populao se encontra marginalizada. Ainda hoje, grandes setores da sociedade

    brasileira sobrevivem pelo subemprego, trabalho informal, etc.

    Referncias bibliogrficas:

    BETTELHEIM, Charles. A Problemtica do Subdesenvolvimento . In: PEREIRA, Luiz (org.). Subdesenvolvimento e Desenvolvimento, RJ: Zahar, 1969.

    BIELSCHOWSKY, Ricardo. Cinquenta anos de pensamento na CEPAL- uma resenha. In: BIELCHOWSKY, Ricardo (org.). Cinquenta anos de Pensamento na CEPAL. RJ: Record, 2000.

    BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Do ISEB e do CEPAL Teoria da Dependncia. In: TOLEDO, Caio Navarro de (org.). Intelectuais e Poltica no Brasil: A Experincia do ISEB. RJ: Editora Revan, 2005.

    CARDOSO, Fernando Henrique e FALETTO, Enzo. Dependncia e Desenvolvimento na Amrica Latina. In: In: BIELCHOWSKY, Ricardo (org.). Cinquenta anos de Pensamento na CEPAL. RJ: Record, 2000.

    FRANK, Andrew Gunder. Desenvolvimento e Subdesenvolvimento Latino-americano. In: PEREIRA, Luiz (org.). Urbanizao e Subdesenvolvimento. RJ: Zahar, 1973.

    FURTADO, Celso. Formao de capital e desenvolvimento econmico. In: AGARWALA, Singh (org.). A Economia do Subdesenvolvimento. RJ: Cia. Editora Forense, 1969.

    _________________. A Formao Econmica do Brasil. SP: Ed. Nacional e Publifolha, 2000.

    MARINI, Ruy Mauro. Processos e Tendncias da globalizao capitalista. MARINI, Ruy Mauro. Dialtica da Dependncia, Petrpolis: Vozes: 2000.

    __________________. Subdesarrollo y revolucin. Siglo XXI: Mxico, 1985.PRBISH, Ral. Estudo Econmico da Amrica Latina. In: BIELCHOWSKY, Ricardo

    (org.). Cinquenta anos de Pensamento na CEPAL. RJ: Record, 2000.