Subgrupos geom´etricos e seus comensuradores em grupos de ... · Introdu¸c˜ao Os grupos de...

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Subgrupos geom´ etricos e seus comensuradores em grupos de tran¸ cas de superf´ ıcie Oscar Eduardo Ocampo Uribe Dissertac ¸ ˜ ao apresentada ao Instituto de Matem ´ atica e Estat ´ ıstica da Universidade de S ˜ ao Paulo para obtenc ¸ ˜ ao do t ´ ıtulo de Mestre em Ci ˆ encias Programa:Matem´atica Orientador: Prof. Dr. Daciberg Lima Gon¸ calves Durante o desenvolvimento deste trabalho o autor recebeu aux´ ılio financeiro da CAPES/CNPq S˜ao Paulo, mar¸ co de 2009

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  • Subgrupos geométricos e seus

    comensuradores em grupos

    de tranças de superf́ıcie

    Oscar Eduardo Ocampo Uribe

    Dissertação apresentada

    ao

    Instituto de Matemática e Estat́ıstica

    da

    Universidade de São Paulo

    para

    obtenção do t́ıtulo

    de

    Mestre em Ciências

    Programa: Matemática

    Orientador: Prof. Dr. Daciberg Lima Gonçalves

    Durante o desenvolvimento deste trabalho o autor recebeu aux́ılio financeiro da

    CAPES/CNPq

    São Paulo, março de 2009

  • Subgrupos geométricos e seus

    comensuradores em grupos

    de tranças de superf́ıcie

    Este exemplar corresponde à redação

    final da dissertação devidamente corrigida

    e defendida por Oscar Eduardo Ocampo Uribe

    e aprovada pela Comissão Julgadora.

    Banca Examinadora:

    • Prof. Dr. Daciberg Lima Gonçalves (orientador) - IME-USP.

    • Prof. Dr. Tomas Edson Barros - DM-UFSCar.

    • Prof. Dr. Oziride Manzoli Neto - ICMC-USP.

  • Resumo

    Seja BmM o grupo de tranças com m cordas sobre uma superf́ıcie M e seja N

    uma subsuperf́ıcie de M . Estudaremos inicialmente condições necessárias e suficientes

    para as quais BnN é um subgrupo de BmM (m podendo ser diferente de n), isto é,

    se considerarmos a inclusão i : N →֒ M , queremos estabelecer condições sobre M e N

    para que a aplicação induzida i∗ : BnN → BmM seja injetora. Em seguida, sob certas

    hipóteses para N e M calcularemos o comensurador, normalizador e centralizador de

    BnN em BmM , sendo esse o objetivo principal desta dissertação.

    Palavras chave: Grupos de tranças; subgrupos geométricos; comensurador; sequência

    de Fadell-Neuwirth; grupos de tranças de superf́ıcie.

  • Abstract

    Let Bm(M) be the braid group with m strings on a surface M and let N be a

    subsurface of M . We will study the necessary and sufficient conditions out of which

    Bn(N) is a subgroup of Bm(M) (m can be different of n), it means, if we consider

    the inclusion i : N →֒ M , we would like to establish conditions for M and N for

    the induced application i∗ : BnN → BmM should be injective. After that, under

    some certain conditions for M and N we will calculate the commensurator, normalizer

    and centralizer of Bn(N) in Bm(M), being this one the principal objective of this work.

    Keywords: Braid groups; geometric subgroups; commensurator; Fadell-Neuwirth se-

    quence; surface braid groups.

    i

  • Sumário

    Introdução v

    1 Preliminares 1

    1.1 Grupos de tranças de superf́ıcies e espaços de configuração . . . . . . . 1

    1.2 Torção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

    1.3 O subgrupo comensurador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

    2 Resultados básicos 13

    2.1 Centros e superf́ıcies grandes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

    2.2 Subsuperf́ıcies . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

    2.3 Centros dos grupos de tranças do cilindro e do toro . . . . . . . . . . . 19

    3 Comensurador, normalizador e centralizador de π1N em π1M 25

    3.1 Grafos de grupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

    3.2 Demonstrações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

    4 Comensurador, normalizador, e centralizador de BnD em BmM 38

    4.1 Definições e resultados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

    4.2 Demonstrações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

    5 Comensurador, normalizador, e centralizador de BnN em BmM 50

    5.1 Ação de π1N sobre Π1(M \ {P0}) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

    5.2 Prova do Teorema 5.1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

    ii

  • 6 Considerações finais 75

    6.1 Casos remanescentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

    6.1.1 A esfera S2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76

    6.1.2 O plano projetivo P 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

    6.1.3 Outros casos interessantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78

    6.1.4 Casos remanescentes (como subgrupos geométricos) . . . . . . . 79

    6.2 Subgrupos geométricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80

    6.2.1 Alguns casos particulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81

    7 Anexo 83

    Referências Bibliográficas 88

    iii

  • Agradecimentos

    Gostaria de agradecer ao professor Daciberg pela orientação, disponibilidade e conhe-

    cimentos transmitidos e ao professor John Guaschi, da Universidade de Caen, pela

    motivação no estudo da teoria de tranças, pelas discussões dos assuntos da dissertação

    tanto na sua estada no Brasil como à distância, assim como pela incansável revisão

    desta dissertação.

    Agradeço ao professor Raul Ferraz por sua valiosa ajuda em algumas questões

    algébricas. Aos professores e alunos do grupo de topologia algébrica do IME, em

    particular às professoras Lućılia Borsari e Fernanda Cardona, e ao Anderson por suas

    pertinentes correções de português.

    Quero registrar também minha gratidão à professora Débora Tejada, da Universidad

    Nacional de Colombia, por me “apresentar” à topologia algébrica.

    Fico eternamente agradecido à minha famı́lia, cujo apoio e ajuda foram impres-

    cind́ıveis para esta conquista.

    Finalmente, a todas as pessoas e amigos que de uma forma ou outra colaboraram

    neste processo quero lhes dizer obrigado e “muchas gracias a todos”.

    iv

  • Introdução

    Os grupos de tranças do plano E2 foram definidos por Artin [1], e muito estudados

    em [2, 3]. Posteriormente, eles foram generalizados usando a definição dada por Fox

    (com a noção de espaço de configuração) a espaços topológicos arbitrários [15]. Em [5],

    Birman provou que se M r é uma variedade conexa de dimensão r ≥ 3, então a teoria de

    tranças é de pouco interesse, no sentido da Proposição 1.2 deste trabalho. Os grupos de

    tranças de superf́ıcies compactas, conexas sem bordo tem sido amplamente estudados;

    tais grupos são finitamente apresentados, e apresentações destes foram inicialmente

    obtidas em [5, 30].

    O grupo de m-tranças de uma superf́ıcie M surge da seguinte forma: escolha um

    conjunto P(m) de m pontos distinguidos sobre M . Construa tranças sobre M × I as

    quais começam em P(m) × 0 e terminam em P(m) × 1. A composição de tranças é

    definida por concatenação e re-escalamento. As deformações permitidas são homoto-

    pias de cordas individuais que, durante estas, cordas distintas nunca se intersectam.

    Existe um homomorfismo natural do grupo de tranças BmM no grupo simétrico de m

    elementos, e seu núcleo é o grupo de tranças puras PBmM .

    Este trabalho estuda certos subgrupos de BmM e PBmM . Se H é um subgrupo de

    um grupo G, denotaremos por NG(H), ZG(H) o normalizador e o centralizador de H

    em G, respectivamente. O comensurador de H em G, denotado por CG(H), é formado

    pelos elementos g ∈ G tais que gHg−1 ∩H tem ı́ndice finito em gHg−1 e em H . Nosso

    principal interesse será estudar os seguintes objetos: o comensurador, normalizador e

    centralizador em BmM do grupo de tranças BnN de certas subsuperf́ıcies N ⊂ M .

    Para isto, dividimos este trabalho em sete caṕıtulos. No Caṕıtulo 1 revisaremos

    v

  • algumas noções gerais da teoria de tranças, assim como resultados conhecidos sobre

    apresentações destes grupos, a existência de elementos de torção e a identificação dos

    casos especiais onde sabe-se que BmM é finito. No final deste caṕıtulo faremos uma

    discussão sobre o subgrupo comensurador de um grupo dado.

    Um rápido estudo sobre superf́ıcies e subsuperf́ıcies, com relação aos grupos de

    tranças, será abordado no Caṕıtulo 2. Mostraremos que para quase todas as superficies

    compactas (tem um numero finito e pequeno de exceções), o centro do grupo de tranças

    é trivial. Seja BmM o grupo de tranças com m cordas sobre uma superf́ıcie M e seja

    N uma subsuperf́ıcie de M . Estabeleceremos condições necessárias e suficientes para

    as quais BnN é um subgrupo de BmM (m podendo ser diferente de n); tais subgrupos

    são conhecidos como subgrupos geométricos de BmM . Também no segundo caṕıtulo

    descreveremos os centros dos grupos de tranças do cilindro e do toro.

    Nos três caṕıtulos seguintes desta dissertação concentraremos nossa atenção no

    estudo dos subgrupos comensurador, normalizador e centralizador de BnN em BmM ,

    sempre com a condição que nenhuma componente conexa deM \N seja um disco. Para

    isso usamos três ferramentas (teorias) distintas que foram separadas em caṕıtulos.

    No Caṕıtulo 3 usamos teoria de grafos de grupos para calcular tais subgrupos no

    caso em que m = n = 1 e sem mais condições para M e N . Já no Caṕıtulo 4 introduzi-

    remos a noção de túnel geométrico sobre uma superf́ıcie para calcular estes subgrupos

    com a condição que M seja uma superf́ıcie orientada diferente da esfera e N seja um

    disco mergulhado em M . No Caṕıtulo 5 consideraremos M uma superf́ıcie grande e N

    tal que, além de M \N não ter componentes conexas que sejam discos, não seja um

    colarinho de Möbius em M . Como antes, introduziremos um novo objeto geométrico

    que chamaremos de interbraid e sob as condições mencionadas, com ajuda de um certo

    grupóide, calcularemos os subgrupos comensurador, normalizador e centralizador em

    BmM do grupo de tranças BnN .

    Já no Caṕıtulo 6, comentaremos alguns casos remanescentes, deixando claro quais

    foram os varios casos não considerados no artigo [27], base deste trabalho. Revisamos

    também alguns subgrupos geométricos do grupo fundamental de uma superf́ıcie, bem

    vi

  • como uma relação de certos subgrupos do grupo de tranças de uma superf́ıcie M com

    o grupo fundamental de uma superf́ıcie perfurada obtida a partir de M .

    Para finalizar, no último caṕıtulo, provaremos um par de resultados obtidos no

    trabalho dos comensuradores quando o grupo é π1M , onde M é uma superf́ıcie com-

    pacta. Neste caṕıtulo temos também uma aplicação, dos subgrupos comensuradores

    calculados, à teoria de representações de grupos unitária. Esta aplicação foi inspirada

    no trabalho de D. Rolfsen ([29]) relacionado com os grupos comensuradores de grupos

    de tranças clássicos.

    vii

  • Caṕıtulo 1

    Preliminares

    Neste caṕıtulo estabeleceremos alguns conceitos básicos na teoria de tranças, bem como

    outros resultados algébricos necessários para o bom desenvolvimento deste trabalho.

    Para uma leitura inicial desta teoria recomendamos [24, 26], livros que involvem as-

    pectos geométricos e algébricos, usando pontos de vista diferentes.

    1.1 Grupos de tranças de superf́ıcies e espaços de

    configuração

    Seja M uma variedade topológica e escolhamos {P1, P2, ..., Pm}, m pontos distintos

    em M . Por todo este trabalho convencionaremos que os pontos escolhidos sempre

    pertencem ao interior de M . Uma trança com m cordas sobre M , baseada em

    (P1, P2, ..., Pm), é uma m-upla b = (b1, b2, ..., bm) de caminhos, bi : [0, 1] −→ M , tais

    que

    1) bi(0) = Pi e bi(1) ∈ {P1, ..., Pm}, para todo i ∈ {1, ..., m},

    2) bi(t) 6= bj(t), para todos i, j ∈ {1, ..., m} i 6= j, e para todo t ∈ [0, 1].

    Daremos, a seguir, uma outra definição de trança sobre uma superf́ıcie M em ter-

    mos de uma coleção de cordas sobre o produto M × [0, 1]. Como antes, escolhamos

    {P1, P2, ..., Pm}, m pontos distintos em M , e denotemos, para i = 1, 2, . . . , n, Pi × {0}

    1

  • 1.1 Grupos de tranças de superf́ıcies e espaços de configuração 2

    sobre M × {0} por Ai e Pi × {1} sobre M × {1} por Bi. Agora, juntemos n cordas

    entre os pontos {A1, . . . , Am} e {B1, . . . , Bm} em M × [0, 1], mas com a condição que

    para qualquer superf́ıcie de ńıvel dada M ×{t}, com 0 ≤ t ≤ 1, existam exatamente m

    pontos de interseção. Esta configuração de m cordas é chamada uma m-trança em M .

    Proposição 1.1. As duas definições de tranças dadas são equivalentes.

    Demonstração: Sejam M uma superf́ıcie e escolhamos m pontos distintos em M ,

    digamos {P1, P2, ..., Pm}. Seja b = (b1, b2, ..., bm) uma trança com m cordas, então

    bi : [0, 1] −→ M é um caminho em M , para todo i ∈ {1, . . . , m}. Cada caminho bi,

    para i ∈ {1, . . . , m}, pode ser visto como uma corda em M × [0, 1] que começa em

    Pi × {0} e termina em bi(1) × {1}, parametrizando pela altura, assim:

    di(t) = (bi(t), t), para todo t ∈ [0, 1].

    Temos assim uma coleção {d1, . . . , dm}, formada por m cordas em M × [0, 1], entre

    os pontos {(P1, 0), (P2, 0), ..., (Pm, 0)} e os pontos {(b1(1), 1), (b2(1), 1), ..., (bm(1), 1)}.

    Pela Condição 2) temos que bi(t) 6= bj(t), para todo i, j ∈ {1, . . . , m} e para todo

    t ∈ [0, 1], portanto para qualquer superf́ıcie de ńıvel dada M × {t}, com 0 ≤ t ≤ 1,

    existem somente m pontos de interseção. Logo, tal configuração de cordas é uma

    m-trança sobre M .

    Reciprocamente, dada uma m-trança sobre M , pela definição em termos de uma

    coleção de cordas sobre o produto M × [0, 1], é claro que se projetarmos M × [0, 1]

    sobre M × {0}, a coleção de cordas define uma coleção de caminhos satisfazendo as

    condições 1) e 2) descritas na definição inicial.

    Dada umam-trança sobreM baseada em (P1, P2, ..., Pm), digamos b = (b1, b2, ..., bm),

    podemos associar uma permutação de {P1, P2, ..., Pm}, que chamaremos de permutação

    de tranças associada a b, assim: Pi 7→ bi(1), para todo i ∈ {1, . . . , m}. Tal aplicação é

    de fato uma permutação pois bi(1) 6= bj(1), para todo i, j ∈ {1, . . . , m} em virtude da

    Condição 2) estabelecida na definição de tranças.

  • 1.1 Grupos de tranças de superf́ıcies e espaços de configuração 3

    Existe uma noção natural de homotopia de tranças. Diremos que duas tranças com

    m cordas sobre M , digamos a = (a1, . . . , am), b = (b1, . . . , bm), e mesma permutação τ

    são homotópicas se existirem m aplicações continuas

    Fi : [0, 1] × [0, 1] −→ M, 1 ≤ i ≤ m, tais que,

    • para todo 0 ≤ t ≤ 1 e para todo 1 ≤ i ≤ m tem-se que Fi(t, 0) = ai(t) e

    Fi(t, 1) = bi(t),

    • para todo 0 ≤ s ≤ 1 e para todo 1 ≤ i ≤ m tem-se que Fi(0, s) = Pi e Fi(1, s) =

    ai(1) = bi(1),

    e tais que se definimos csi : [0, 1] −→ M por csi (t) = Fi(t, s), então c

    s = {cs1, . . . , csm} é

    uma trança (com permutação τ) para cada 0 ≤ s ≤ 1.

    Homotopia de tranças é uma relação de equivalência, o grupo de tranças com m

    cordas sobre M (com ponto base (P1, . . . , Pm)) é o grupo

    BmM = BmM(P1, . . . , Pm)

    de classes de homotopia de tranças baseadas em (P1, . . . , Pm). A operação de grupo

    é a concatenação de tranças, generalizando a construção do grupo fundamental. De

    fato, para m = 1 temos claramente

    B1(M)(P1) = π1(M,P1).

    Para m > 1 é útil considerar a classe de tranças puras, que tem a propriedade

    bi(1) = Pi. Estas formam um subgrupo de BmM que denotaremos por

    PBmM = PBmM(P1, . . . , Pm)

    e o chamaremos o grupo de tranças puras com m cordas sobre M (com ponto base

    (P1, . . . , Pm)).

    Seja Σm o grupo de permutações de {P1, . . . , Pm}. Existe um epimorfismo natural

    σ : BmM −→ Σm; seu núcleo é o grupo de tranças puras, portanto temos uma sequência

    exata

    1 // PBmM // BmMσ

    // Σm // 1.

  • 1.1 Grupos de tranças de superf́ıcies e espaços de configuração 4

    Observemos que, se M é uma variedade conexa de dimensão pelo menos dois,

    então BmM e PBmM não dependem (a menos de isomorfismo) da escolha dos pontos

    P1, . . . , Pm. Uma m-trança naturalmente dá lugar a m caminhos diferentes em M sob a

    aplicação b 7→ (b1, . . . , bm). No caso das tranças puras tais caminhos são laços, portanto

    existe um homomorfismo natural

    θ : PBmM −→ π1(M,P1) × · · · × π1(M,Pm) ∼= π1(Mm, (P1, . . . , Pm)),

    onde Mm denota o produto cartesiano de M , m vezes.

    A seguinte proposição é provada em [5].

    Proposição 1.2. Se M é uma variedade conexa com dim(M) > 2, a aplicação θ é um

    isomorfismo. Para dim(M) = 2, θ é sobrejetora.

    Tal prova usa a noção de espaços de configuração para descrever grupos de tranças

    (ver [12, 15, 24].) Denotemos por FmM o espaço de configuração de pontos ordenados

    de M , em outras palavras, FmM = (Mm \ V ), onde V é a grande diagonal, formada

    pelas m-uplas x = (x1, . . . , xm) tais que xi = xj , para algum i 6= j. Se M é uma

    superf́ıcie temos que FmM é uma variedade de dimensão 2m. Da própria definição de

    FmM temos claramente um isomorfismo

    PBmM ∼= π1(FmM).

    Por causa da Proposição 1.2, a teoria de tranças (como feita aqui) é de pouco

    interesse para dimensão ≥ 3 e concentraremos nossa atenção sobre dimensão dois, isto

    é, grupos de tranças de superf́ıcies.

    No restante deste trabalho, M denotará uma superf́ıcie conexa, podendo ser

    com bordo, assim como não orientável. Para evitar patologias assumiremos

    que M é compacta, ou pelo menos que é uma variedade compacta “perfu-

    rada”, ou seja, M é homeomorfa a uma 2-variedade compacta, eventualmente com um

    conjunto finito de pontos removidos do interior de M .

    Existe uma ação natural de Σm sobre FmM , que permuta as coordenadas. Esta

    ação é livre e portanto FmM é um revestimento de FmM/Σm. Denotaremos o espaço

  • 1.1 Grupos de tranças de superf́ıcies e espaços de configuração 5

    de órbitas, chamado de espaço de configuração de pontos não ordenados (ou espaço de

    m-uplas não ordenadas), por

    F̂mM = FmM/Σm.

    Podemos ver o grupo de tranças completo como o grupo fundamental

    BmM ∼= π1(F̂mM).

    A inclusão PBmM ⊆ BmM pode ser interpretada como a aplicação induzida pela

    aplicação de revestimento FmM −→ F̂mM , que tem fibra Σm. Fox e Neuwirth perce-

    beram que BmD2, o grupo de m-tranças do disco D2, coincide com o grupo de tranças

    de Artin.

    Uma das ferramentas mais usadas quando se estudam grupos de tranças é a fibração

    de Fadell-Neuwirth e suas generalizações, ver por exemplo [12, 19, 24]. Como observado

    em [12], se M é uma variedade e 1 ≤ n < m, a aplicação ρ : FmM −→ FnM definida

    por

    ρ(x1, . . . , xm) = (x1, . . . , xn)

    é uma fibração (localmente trivial) com fibra

    Fm−n(M \ {P1, . . . , Pn}).

    Dáı temos uma sequência longa exata de grupos de homotopia destes espaços.

    A superf́ıcie perfurada M \{P1, . . . , Pm−1} (m ≥ 2) tem o mesmo tipo de homotopia

    de um complexo 1-dimensional. Mostraremos que isto é verdade:

    πk(FmM) ∼= πk(Fm−1M) ∼= · · · ∼= πk(M), k ≥ 3,

    e π2(FmM) ⊆ π2(Fm−1M) ⊆ · · · ⊆ π2(M).

    De fato, a sequência longa exata em homotopia associada com a fibração de Fadell-

    Neuwirth para n = m− 1 tem a forma

    · · · −→ πk+1(Fm−1M) −→ πk(M \ {P1, . . . , Pm−1}) −→ πk(FmM)

  • 1.1 Grupos de tranças de superf́ıcies e espaços de configuração 6

    −→ πk(Fm−1M) −→ πk−1(M \ {P1, . . . , Pm−1}) −→ · · ·

    Se k = 2, temos um monomorfismo π2(FmM) −→ π2(Fm−1M). Se k > 2, temos um

    isomorfismo πk(FmM) −→ πk(Fm−1M). Daqui segue o resultado desejado.

    Como casos excepcionais na teoria geral temos a esfera S2 e o plano projetivo P 2,

    já que estas são as únicas superf́ıcies que existem com grupos de homotopia não triviais

    para ńıveis altos.

    Proposição 1.3. Suponha que M é uma superf́ıcie conexa, M 6= S2, P 2 e k ≥ 2.

    Então, πk(FmM) e πk(F̂mM) são grupos triviais.

    Demonstração: Como FmM −→ F̂mM é uma aplicação de revestimento é suficiente

    provar a proposição para FmM . Mas isto segue pelas observações feitas acima, já que

    πk(M) = {1} para k ≥ 2.

    Juntando isto com a fibração de Fadell-Neuwirth obtemos a seguinte, que chama-

    remos de sequência exata de tranças puras:

    Proposição 1.4. Suponha que M é uma superf́ıcie conexa, M 6= S2, P 2, e 1 ≤ n < m.

    Existe uma sequência exata

    1 // PBm−n(M \ {P1, . . . , Pn}) // PBmMρ∗

    // PBnM // 1 .

    Demonstração: Segue imediatamente da sequência longa exata de grupos de homo-

    topia associada com a fibração de Fadell-Neuwirth.

    Observação 1.5. 1. No caso da superf́ıcie S2 a sequência exata da Proposição 1.4

    é também válida se n ≥ 3, e para a superf́ıcie P 2 é válida se n ≥ 2.

    2. A aplicação ρ∗ da Proposição 1.4 pode ser vista como a induzida por uma aplicação

    geométrica que esquece as últimas m− n cordas da trança.

    3. É provado em [18] que a sequência exata de tranças puras, para M superf́ıcie

    compacta, orientável, conexa e de genus maior ou igual a dois cinde se, e somente

  • 1.2 Torção 7

    se, n = 1. No caso em que M = P 2, em [19], é provado que tal sequência não

    cinde se n ≥ 3. Além disso, se n ≥ 3 é provado que Fm(P2) −→ Fn(P

    2) não

    admite seção.

    Sejam Σn o grupo de permutações de {P1, . . . , Pn} e Σm−n o grupo de permutações

    de {Pn+1, . . . , Pm}. A aplicação de Fadell-Neuwirth proporciona uma fibração (local-

    mente trivial)

    ρ̂ : FmM/(Σn × Σm−n) −→ FnM/Σn = F̂nM,

    com fibra (Fm−nM \ {P1, . . . , Pn})/Σm−n = F̂m−nM \ {P1, . . . , Pn}. Portanto:

    Proposição 1.6. Suponha que M é uma superf́ıcie conexa, M 6= S2, P 2 e 1 ≤ n < m.

    Existe uma sequência exata

    1 // Bm−n(M \ {P1, . . . , Pn}) // σ−1(Σn × Σm−n) // BnM // 1 .

    Observamos que Σn×Σm−n se identifica a um subgrupo de Σm, e que σ−1(Σn×Σm−n)

    se denota por Bn,m−n(M).

    1.2 Torção

    Exceto para M = S2, P 2, o espaço de configuração F̂m(M) é um espaço de Eilenberg-

    MacLane, ou seja, um espaço do tipo K(π, 1) com π = Bm(M) e portanto é um espaço

    classificante para Bm(M). Usando a Proposição 2.2 e o Corolário 2.5 do Caṕıtulo

    VIII de [7], temos que para um grupo com elementos de ordem finita o seu espaço

    classificante é um complexo de dimensão infinita. Como F̂m(M) tem dimensão finita,

    então temos a seguinte,

    Proposição 1.7. Se M é uma superf́ıcie conexa, M 6= S2, P 2, então seus grupos de

    tranças Bm(M) não tem elementos de ordem finita.

    Os grupos de tranças de S2 e P 2 tem torção (com a exceção do grupo trivial B1(S2)).

    Faremos uma rápida revisão disso seguindo [13, 33]. Para S2 tomemos todos os pontos

  • 1.2 Torção 8

    base num disco D2 ⊆ S2 e sejam σ1, . . . , σm−1 os geradores de trança padrão para

    Bm(D2). Eles geram as relações de tranças clássicas

    (∗)

    σiσj = σjσi, |i− j| ≥ 2;

    σiσi+1σi = σi+1σiσi+1, 1 ≤ i ≤ m− 2.

    Os mesmos σi podem ser tomados como geradores de Bm(S2), eles ainda satisfa-

    zem as relações (∗). A palavra σ1σ2 · · ·σm−1σm−1 · · ·σ2σ1 pode ser vista como uma

    trança (pura) na qual P1 circula ao redor dos pontos P2, . . . , Pm, enquanto esses pontos

    permanecem fixos. Esta trança é homotópica à trança identidade, portanto temos a

    relação adicional

    σ1σ2 · · ·σm−1σm−1 · · ·σ2σ1 = 1.

    É mostrado em [13] que esta relação junto com (∗) são relações que definem Bm(S2).

    O elemento τ = σ1σ2 · · ·σm−1 tem ordem 2m em Bm(S2), ver [13, 26].

    Para o plano projetivo tomemos os σi como acima, correspondentes ao disco com os

    pontos base no interior, e seja ρj uma trança na qual o ponto base Pj percorre um laço

    não trivial em P 2 enquanto os outros pontos base permanecem fixos. Em [33], tem-se

    uma descrição precisa e uma prova que Bm(P2) é apresentado pelos 2m− 1 geradores

    σ1, . . . , σm−1, ρ1, . . . , ρm e relações (∗) junto com

    σiρj = ρjσi, j 6= i, i+ 1,

    ρi = σiρi+1σi,

    σ2i = ρ−1i+1ρ

    −1i ρi+1ρi,

    ρ21 = σ1σ2 · · ·σm−1σm−1 · · ·σ2σ1.

    O elemento τ como definido acima, mas considerado como um elemento de Bm(P2),

    de novo tem ordem 2m, além disso tal elemento gera o centro de Bm(P2), ver [33].

    Temos assim o teorema de Van Buskirk, que para cada m ≥ 2, o grupo de tranças de

    superf́ıcie BmM tem elementos de ordem finita se, e somente se, M = S2 ou P 2.

    Além disso é provado que os unicos grupos de tranças finitos são B1(P2), B2(P

    2),

    B2(S2), B3(S

    2) e claramente B1(S2) que é trivial. De fato:

  • 1.3 O subgrupo comensurador 9

    • B2(S2) é isomorfo a Z2,

    • B3(S2) tem ordem 12, é isomorfo ao produto semi-direto Z3 ⋊ Z4, onde a ação é

    a não trivial,

    • B1(P2) é isomorfo a Z2,

    • B2(P2) é grupo de ordem 16, isomorfo ao grupo dos quaternios generalizados

    Q16 e cujo subgrupo de tranças puras é isomorfo com o grupo dos quatêrnios

    {±1,±i,±j,±k}.

    Logo, para m ≥ 3 temos que Bm(P2) e Bm+1(S

    2) são grupos infinitos.

    1.3 O subgrupo comensurador

    Vamos enunciar, sem prova, algumas propriedades básicas que envolvem ı́ndices de

    um subgrupo. A seguinte definição, assim como as propriedades enunciadas a seguir

    sem prova, são encontradas em [28]. Sejam G um grupo e H um subgrupo de G.

    Escolhamos um elemento de cada classe lateral à esquerda de H , e denotemos por T o

    conjunto resultante de representantes de classes laterais à esquerda. Então, G é união

    disjunta

    G =⋃

    t∈T

    tH

    e todo elemento de G pode ser unicamente escrito na forma th, com t ∈ T, h ∈ H . O

    conjunto T é chamado uma transversal à esquerda de H em G. Notemos que |T | é igual

    à cardinalidade do conjunto de classes laterais à esquerda de H . As vezes é conveniente

    escolher 1, o elemento neutro, como representante da classe lateral à esquerda de H ,

    de modo que 1 ∈ T .

    Proposição 1.8. Sejam K ≤ H ≤ G. Se T é uma transversal à esquerda de H em G

    e U é uma transversal à esquerda de K em H, então TU é uma transversal à esquerda

    de K em G. Assim,

    [G : K] = [G : H ] · [H : K].

  • 1.3 O subgrupo comensurador 10

    Especializando ao caso K = {1}, obtemos o famoso Teorema de Lagrange.

    Teorema 1.9. Se G é um grupo e H é um subgrupo de G, então |G| = [G : H ] · |H| .

    Se G é finito, então [G : H ] = |G| / |H| . Portanto, a ordem de um subgrupo sempre

    divide a ordem do grupo se o último é finito.

    Proposição 1.10. Sejam H e K subgrupos de um grupo G.

    (i) |HK| · |H ∩K| = |H| · |K|, portanto [H : H ∩ K] = |HK| / |K| se H e K são

    finitos.

    (ii) [G : H ∩K] ≤ [G : H ] · [G : K], com igualdade se os ı́ndices [G : H ] e [G : K] são

    finitos e coprimos.

    Como consequência da Proposição 1.10 (ii) temos a seguinte proposição.

    Proposição 1.11. A interseção de um conjunto finito de subgrupos, cada um deles de

    ı́ndice finito, é por sua vez de ı́ndice finito.

    Proposição 1.12. Se G é um grupo ćıclico infinito e {1} 6= H ≤ G, então [G : H ] é

    finito.

    Sejam G um grupo e H um subgrupo de G. O conjunto formado pelos elementos

    g ∈ G tais que gHg−1 ∩H tem ı́ndice finito em gHg−1 e em H , é um subgrupo de G

    chamado o subgrupo comensurador de H em G, que denotaremos por CG(H).

    Claramente, se H é um subgrupo de ordem finita em G, ou H é normal em G, ou

    se G é abeliano, então CG(H) = G. Dáı segue que se H = Z(G), o centro de G, ou se

    H = [G,G], o subgrupo comutador de G, então temos, nesses casos, que CG(H) = G.

    Em particular temos que ZG(Z(G)) = NG(Z(G)) = CG(Z(G)) = G.

    Denotemos por ZG(H), e NG(H) o centralizador de H em G, e o normalizador de

    H em G, respectivamente. Seja g ∈ ZG(H), então gh = hg para todo h ∈ H , dáı,

    ghg−1 = h para todo h ∈ H e portanto g ∈ NG(H). Tomemos agora f ∈ NG(H),

    então fHf−1 = H , e portanto fHf−1 ∩H = H que obviamente tem ı́ndice finito em

    H e em fHf−1. Logo, f ∈ CG(H). Provamos assim a seguinte

  • 1.3 O subgrupo comensurador 11

    Proposição 1.13.

    ZG(H) ⊆ NG(H) ⊆ CG(H).

    Proposição 1.14. Sejam G um grupo e H,F subgrupos de G tais que F ≤ H. Se F

    tem ı́ndice finito em H, então

    CG(H) = CG(F ).

    Demonstração: Seja g ∈ CG(F ), portanto F1 = gFg−1 ∩ F tem ı́ndice finito em

    F e em gFg−1. Seja H1 = gHg−1 ∩ H , provemos que H1 tem ı́ndice finito em H e

    em gHg−1. Pela Proposição 1.11 temos que [H : F1] é finito. Temos também que

    [H : H1][H1 : F1] = [H : F1], donde segue que [H : H1] é finito. De forma similar

    prova-se que [gHg−1 : H1] é finito. Portanto, g ∈ CG(H).

    A outra inclusão prova-se em forma completamente análoga.

    Vamos relacionar, a seguir, sequência exata de grupos com certos subgrupos co-

    mensuradores.

    Teorema 1.15. Consideremos uma sequência exata

    1 // G1 // G2φ

    // G3 // 1 .

    Suponhamos que G1 ≤ G2 e sejam H2 ⊆ G2 um subgrupo, H3 = φ(H2), e H1 = H2∩G1.

    Então,

    φ(CG2(H2)) ⊆ CG3(H3),

    CG2(H2) ∩G1 ⊆ CG1(H1).

    Demonstração: Seja g ∈ CG2(H2). Escrevemos

    F2 = H2 ∩ gH2g−1.

    Sejam h1, . . . , hk ∈ H2 tais que

    H2 = F2 ∪ h1F2 ∪ · · · ∪ hkF2.

  • 1.3 O subgrupo comensurador 12

    Então,

    φ(H2) = H3 = φ(F2) ∪ φ(h1)φ(F2) ∪ · · · ∪ φ(hk)φ(F2).

    Portanto, φ(F2) tem ı́ndice finito em H3. Ainda mais,

    φ(F2) = φ(H2 ∩ gH2g−1) ⊆ φ(H2) ∩ φ(gH2g

    −1) = H3 ∩ φ(g)H3φ(g)−1,

    assim H3 ∩ φ(g)H3φ(g)−1 tem ı́ndice finito em H3. Similarmente, H3 ∩ φ(g)H3φ(g)

    −1

    tem ı́ndice finito em φ(g)H3φ(g)−1. Portanto, φ(g) ∈ CG3(H3).

    Seja g ∈ CG2(H2) ∩H1. Escrevemos

    F2 = H2 ∩ gH2g−1.

    Sejam h1, . . . , hk ∈ H2 tais que

    H2 = F2 ∪ h1F2 ∪ · · · ∪ hkF2.

    Assumimos que

    hiF2 ∩H1 6= ∅, para i = 1, . . . , l,

    hiF2 ∩H1 = ∅, para i = l + 1, . . . , k.

    Podemos assumir também que hi ∈ H1, para i = 1, . . . , l. Então,

    H1 = (F2 ∩H1) ∪ h1(F2 ∩H1) ∪ · · · ∪ hl(F2 ∩H1).

    Ainda mais,

    F2 ∩H1 = H2 ∩ gH2g−1 ∩H1 = H1 ∩ gH1g

    −1.

    Assim, H1 ∩ gH1g−1 tem ı́ndice finito em H1. Similarmente, H1 ∩ gH1g

    −1 tem ı́ndice

    finito em gH1g−1. Portanto, g ∈ CG1(H1).

  • Caṕıtulo 2

    Resultados básicos

    Neste caṕıtulo mostraremos primeiro que o centro do grupo de tranças de uma grande

    famı́lia de superf́ıcies compactas é trivial. Em segundo lugar, seja M uma superf́ıcie e

    N o fecho de um subconjunto aberto de M , estabeleceremos condições sobre as quais

    o morfismo induzido ψ : BnN −→ BmM é injetor ou sobrejetor. No caso em que tal

    morfismo ψ é injetor podemos pensar que BnN é subgrupo de BmM , tais subgrupos

    são conhecidos como subgrupos geométricos de BmM . Finalmente, descreveremos o

    centro dos grupos de tranças do cilindro e do toro.

    2.1 Centros e superf́ıcies grandes

    O centro Z(G) de um grupo G é o subgrupo de elementos que comutam com todos

    os elementos do grupo. Chow ([10]) provou que os grupos Bm = Bm(D2) tem centro

    ćıclico infinito, para m ≥ 2, cujo gerador é o elemento τ = σ1σ2 · · ·σm−1. Alguns

    outros grupos de tranças de superf́ıcie também têm centros não triviais: aqueles de

    S2 (ver [16]), P 2 (ver [33]), assim como do toro, da garrafa de Klein e do anel. Se

    τ = σ1σ2 · · ·σm−1, então o elemento τm é central em Bm(S

    2), ver [16].

    Seja M uma superf́ıcie Riemanniana conexa, não compacta e contável, ou seja, M

    pode ser expressa como uma união

    13

  • 2.1 Centros e superf́ıcies grandes 14

    M =⋃∞n=0Mn, Mn ⊆ IntMn+1,

    onde cada Mn é um domı́nio compacto e uma subvariedade de M , com bordo não vazio.

    Chamaremos M de superf́ıcie aberta. Por outra lado, diremos que uma superf́ıcie é

    abeliana se seu grupo fundamental é abeliano, e respectivamente, uma superf́ıcie será

    não abeliana se seu grupo fundamental é não abeliano. As definições anteriores são

    encontradas em [23].

    Notemos que a fronteira de uma superf́ıcie aberta M é vazia. Uma classificação das

    superf́ıcies abelianas é dada em [23, Teorema 4.3]:

    Propriedades 2.1. Seja M uma superf́ıcie abeliana, temos que

    a) se M é compacta e ∂M = φ, então M é uma esfera, toro, ou plano projetivo real;

    b) se M é compacta e ∂M 6= φ, então M é uma faixa de Möbius ou um anel;

    c) se M é aberta, então M é uma faixa de Möbius sem bordo ou um anel sem bordo.

    Definição 2.2. Uma superf́ıcie compactaM será chamada grande se M 6= S2, P 2, D2, T 2,

    S1 × I, faixa de Möbius, ou garrafa de Klein.

    A seguinte proposição oferece uma caracterização de tais superf́ıcies que permite

    um tratamento algébrico.

    Proposição 2.3. Sejam M uma superf́ıcie compacta e q ∈ M . M é grande se, e

    somente se, seu grupo fundamental π1(M, q) não tem subgrupo abeliano de ı́ndice finito.

    Demonstração: Suponhamos que M é uma superf́ıcie compacta grande, vamos su-

    por também que existe G subgrupo abeliano de π1(M, q) de ı́ndice finito. Dáı existe

    p : MG −→ M espaço de revestimento de M , com q̃ ∈MG, p(q̃) = q e tal que π1(MG, q̃)

    é isomorfo a G. Como M é compacta e [π1(M, q) : G] é finito, então MG é compacta

    com π1(MG, q̃) abeliano, e portanto deve ser uma das seguintes superf́ıcies abelianas

    S2, P 2, T 2, D2, S1 × I, ou a faixa de Möbius.

    Já que M é um complexo simplicial compacto e [π1(M, q) : G] = k é finito, então

    vale a seguinte equação, envolvendo a caracteŕıstica de Euler da superf́ıcie e o ı́ndice

    k (k ≥ 1 em Z),

  • 2.1 Centros e superf́ıcies grandes 15

    χ(MG) = k · χ(M).

    Se MG = S2, então χ(MG) = 2 e como consequência ou χ(M) = 1 e k = 2, ou

    χ(M) = 2 e k = 1. No primeiro caso teremos que M pode ser o disco ou o plano

    projetivo, e no segundo caso teremos que M é a esfera.

    Se MG = P2, D2, então χ(MG) = 1 e como consequência χ(M) = 1 = k. Logo,

    M é o plano projetivo P 2 ou o disco D2, pois M é compacta, com grupo fundamental

    abeliano e com χ(M) = 1.

    Se MG = T2, S1 × I, ou a faixa de Möbius, então χ(MG) = 0 e como consequência

    χ(M) = 0 ou [π1(M, q) : G] = 0, mas este último caso não pode acontecer pois o ı́ndice

    é um inteiro maior ou igual a 1. Logo, M deve ser uma das seguintes superf́ıcies

    T 2, S1 × I, faixa de Möbius, ou garrafa de Klein.

    Em qualquer caso teremos que M não é superf́ıcie compacta grande o que é um

    absurdo. Logo, π1(M, q) não tem subgrupo abeliano de ı́ndice finito.

    Reciprocamente, suponhamos que π1(M, q) não tem subgrupo abeliano de ı́ndice

    finito. Portanto, M não pode ser superf́ıcie abeliana, basta então mostrar que a garrafa

    de Klein K tem subgrupo abeliano de ı́ndice finito. Consideremos o grupo fundamental

    da garrafa de Klein π1(K, q) dado pela seguinte apresentação

    π1(K, q) =< a, b : abab−1 = 1 >,

    e consideremos o subgrupo de π1(K, q) gerado por {a, b2}. Sabemos que para os gera-

    dores de π1(K, q) vale que

    bsar = a(−1)srbs, com s, r ∈ Z.

    Usando esta igualdade mostra-se que o subgrupo, gerado por {a, b2}, do grupo funda-

    mental da garrafa de Klein é normal e abeliano. Além disso, esse subgrupo é de ı́ndice

    2 em π1(K, q).

    Como consequência M 6= S2, P 2, D2, T 2, S1 × I, faixa de Möbius, ou garrafa de

    Klein.

  • 2.2 Subsuperf́ıcies 16

    São poucas as superf́ıcies compactas cujo grupo de tranças tem centro não trivial,

    como mostra a seguinte proposição

    Proposição 2.4. Seja M uma superf́ıcie compacta grande. Então, o centro Z(Bm(M))

    é um grupo trivial.

    Demonstração: (Igual à prova dada em ([6])) Primeiro, provemos por indução sobre

    m que Z(PBm(M)) = {1}. O caso m = 1: por [23, Teorema 4.4], temos que as únicas

    superf́ıcies cujos grupos fundamentais têm centros não triviais são P 2, S1 × I, T 2, a

    faixa de Möbius, e a garrafa de Klein.

    Sejam m > 1 e M superf́ıcie compacta grande. Consideremos a seguinte sequência

    exata,

    1 // π1(M \ {P1, . . . , Pm−1}) // PBmMρ∗

    // PBm−1M // 1 .

    Como ρ∗ é sobrejetora, leva o centro de PBm(M) no centro de PBm−1(M), e por

    indução, Z(PBm−1(M)) = {1}. Como a sequência acima é exata e Z(PBm(M)) está

    contido no núcleo de ρ∗, então Z(PBm(M)) ≤ π1(M \ {P1, ..., Pm−1}), ainda mais

    Z(PBm(M)) ≤ Z(π1(M \ {P1, ..., Pm−1})). Mas este último grupo tem centro trivial,

    logo Z(PBm(M)) = {1}.

    Agora, seja g ∈ Z(Bm(M)). Existe um inteiro k > 0 tal que gk ∈ PBm(M). Então,

    gk ∈ Z(PBm(M)), e assim gk = 1. Pela Proposição 1.7, g = 1.

    2.2 Subsuperf́ıcies

    Uma subsuperf́ıcie N de uma superf́ıcie M é o fecho de um subconjunto aberto de

    M . Por simplicidade assumiremos que toda componente da fronteira de N é uma

    componente da fronteira de M ou pertence ao interior de M .

    Seja P1 ∈ N . A inclusão N ⊆M induz um homomorfismo

    ψ : π1(N,P1) −→ π1(M,P1).

    O seguinte resultado envolvendo este homomorfismo é encontrado em [27].

  • 2.2 Subsuperf́ıcies 17

    Proposição 2.5. Seja N uma subsuperf́ıcie conexa de M tal que π1(N,P1) 6= {1}. O

    homomorfismo ψ : π1(N,P1) −→ π1(M,P1) é injetor se, e somente se, nenhuma das

    componentes conexas do fecho M \N de M \N é um disco.

    Sejam P1, . . . , Pn ∈ N , e sejam Pn+1, . . . , Pm ∈ M \ N . A inclusão N ⊆ M induz

    um morfismo

    ψ : BnN −→ BmM,

    que geometricamente coloca m− n cordas verticais a mais nos pontos Pn+1, . . . Pm.

    Proposição 2.6. Seja M 6= S2, P 2, e seja N tal que nenhuma das componentes

    conexas de M \N é um disco. Então, o morfismo ψ : BnN −→ BmM é injetor.

    Observação 2.7. A Proposição anterior é provada em [17], no caso particular em que

    N é um disco.

    Demonstração: Seja ψ̃n : PBnN −→ PBnM o morfismo induzido pela inclusão

    N ⊆ M . Provaremos que ψ̃n é injetora por indução sobre n. O caso n = 1 é

    uma consequência da Proposição 2.5, pois ψ̃1 : PB1N −→ PB1M é exatamente

    ψ̃1 : π1(N, p) −→ π1(M, p), para p ∈ N , que é um monomorfismo.

    Seja n > 1. Pela Proposição 2.5, a inclusão N \{P1, . . . , Pn−1} ⊆M \{P1, . . . , Pn−1}

    induz um monomorfismo

    α : π1(N \ {P1, . . . , Pn−1}) −→ π1(M \ {P1, . . . , Pn−1}).

    O seguinte diagrama é comutativo:

    1 // π1(N \ {P1, . . . , Pn−1}) //

    α

    ��

    PBnNρ

    //

    ψ̃n��

    PBn−1N //

    ψ̃n−1��

    1

    1 // π1(M \ {P1, . . . , Pn−1}) // PBnMρ

    // PBn−1M // 1.

    Por indução, ψ̃n−1 é injetora. Pelo lema dos cinco, ψ̃n é injetora também. Seja

    ψ̃ : PBnN −→ PBmM o morfismo induzido pela inclusão N ⊆ M . O seguinte

  • 2.2 Subsuperf́ıcies 18

    diagrama é comutativo:

    PBnNψ̃

    //

    id

    PBmM

    ρ

    ��

    PBnNψ̃n

    // PBnM.

    O morfismo ψ̃n é injetor, assim ψ̃ é injetora também. Seja ι : Σn −→ Σm a inclusão,

    ι identifica Σn ao primeiro fator do subgrupo Σn ×Σm−n de Σm. O seguinte diagrama

    comuta,

    1 // PBnN //

    ψ̃��

    BnNσ

    //

    ψ��

    Σn //

    ι

    ��

    1

    1 // PBmM // BmM // Σm // 1.

    Tanto ψ̃ como ι são injetoras, portanto, pelo lema dos cinco, ψ é injetora.

    As seguintes duas proposições são encontradas em [4].

    Proposição 2.8. Seja M uma superf́ıcie compacta, conexa, orientável de genus maior

    ou igual a 1, possivelmente com fronteira, e seja N uma subsuperf́ıcie conexa de M .

    O homomorfismo ψ : π1(N,P1) −→ π1(M,P1) é sobrejetor se, e somente se, todas as

    componentes conexas do fecho M \N de M \N são discos.

    Proposição 2.9. Seja M uma superf́ıcie compacta, conexa, orientável de genus maior

    ou igual a 1 possivelmente com fronteira, e seja N uma subsuperf́ıcie conexa de M

    tal que todas as componentes conexas de M \N são discos. Então, o morfismo ψ :

    BnN −→ BnM é sobrejetor.

    Sejam N1, . . . , Nr as componentes conexas de M \N . Para i = 1, . . . , r escrevemos

    Pi = {Pn+1, . . . , Pm} ∩Ni.

    Teorema 2.10. Seja M 6= S2, P 2. O morfismo ψ : BnN −→ BmM é injetor se, e

    somente se, para todo i = 1, . . . , r, Ni não é um disco ou Pi 6= ∅.

  • 2.3 Centros dos grupos de tranças do cilindro e do toro 19

    Demonstração: Suponhamos que existe i ∈ {1, . . . , r} tal que Ni é um disco e tal

    que Pi = ∅. Consideremos o seguinte diagrama comutativo:

    π1(N \ {P2, . . . , Pn}) //

    ψ��

    BnN

    ψ

    ��

    π1(M \ {P2, . . . , Pm}) // BmM.

    Por [12], o morfismo π1(N \ {P2, . . . , Pn}) −→ BnN é injetor. Por outra parte,

    M \ (N ∪ {Pn+1, . . . , Pm}) = (M \ {P2, . . . , Pm}) \ (N \ {P2, . . . , Pn}) e como Pi = ∅,

    então o fecho da diferença de conjuntos tem pelo menos uma componente conexa que

    é um disco, a saber Ni, e portanto o morfismo

    ψ : π1(N \ {P2, . . . , Pn}) −→ π1(M \ {P2, . . . , Pm})

    é não injetor. Logo, ψ : BnN −→ BmM não é injetora.

    Suponhamos agora que Ni não é um disco ou Pi 6= ∅, para todo i = 1, . . . , r.

    Consideremos o seguinte diagrama comutativo:

    BnNψ

    // Bn(M \ {Pn+1, . . . , Pm})

    ��

    BnN // BmM.

    Pela Proposição 2.6, o morfismo ψ : BnN −→ Bn(M \ {Pn+1, . . . , Pm}) é injetor.

    Por [12], o morfismo Bn(M \{Pn+1, . . . , Pm}) −→ BmM é injetor. Assim, ψ : BnN −→

    BmM é injetor.

    2.3 Centros dos grupos de tranças do cilindro e do

    toro

    Inicialmente, seja C um cilindro, descreveremos o centro de BmC. Assumiremos que

    C = {z ∈ C | 1 ≤ |z| ≤ 2}, e que Pi = 1 +i

    m+ 1

  • 2.3 Centros dos grupos de tranças do cilindro e do toro 20

    para i = 1, . . . , m. Seja di : [0, 1] −→ C o caminho definido por

    di(t) =

    (1 +

    i

    m+ 1

    )e2πit, para t ∈ [0, 1].

    Seja α o elemento de PBmC representado por d = (d1, . . . , dm) (ver Figura 2.1).

    Figura 2.1:

    Proposição 2.11. Com as condições acima, o centro de BmC é o subgrupo ćıclico

    infinito gerado por α.

    Demonstração: Sejam D = {z ∈ C | |z| ≤ 2} e P0 = 0. A inclusão C ⊆

    D \ {P0} induz um isomorfismo BmC −→ Bm(D \ {P0}). Identificaremos esses dois

    grupos de tranças através deste isomorfismo. Seja Σm+1 o grupo de permutaçoẽs de

    {P0, P1, . . . , Pm}, e seja Σm o grupo de permutações de {P1, . . . , Pm}.

    Consideremos o morfismo σ : Bm+1D −→ Σm+1. Pela Proposição 1.6 temos a

    seguinte sequência exata:

    1 // Bm(D \ {P0}) // σ−1(Σm) // π1(D,P0) // 1.

    Ainda mais, π1(D,P0) = {1}. Assim, a inclusão D \ {P0} ⊆ D induz um isomorfismo

    Bm(D \ {P0}) −→ σ−1(Σm). A imagem de α por este isomorfismo é o elemento de

  • 2.3 Centros dos grupos de tranças do cilindro e do toro 21

    Bm+1D, denotado por α̃, representado pela trança b̃ = (P0, d1, . . . , dm). Por [10], temos

    que

    Z(Bm+1D) = Z(PBm+1D),

    e este grupo é o subgrupo ćıclico infinito gerado por α̃.

    Para m ≥ 1 temos que o centro de σ−1(Σm) está contido no centro de PBm+1D.

    De fato, a aplicação σ−1(Σm) −→ Bm+1D, como na Proposição 1.6, é um epimorfismo.

    Logo, Z(σ−1(Σm)) ≤ Z(Bm+1(D)) ≤ PBm+1(D). Da inclusão, PBm+1D ⊆ σ−1(Σm)

    segue que o centro de σ−1(Σm) está contido no centro de PBm+1D. Por outra parte,

    α̃ ∈ σ−1(Σm) e é central. Portanto, o centro de Bm+1D está contido no centro de

    σ−1(Σm). Como consequência temos que o centro de σ−1(Σm) é igual ao centro de

    Bm+1D, que é o subgrupo ćıclico infinito gerado por α̃.

    Assim, pelo isomorfismo Bm(D\{P0}) −→ σ−1(Σm), temos que o centro de BmC =

    Bm(D \ {P0}) é o subgrupo ćıclico infinito gerado por α.

    Vamos descrever agora o centro de BmT , onde T é um toro. Assumiremos que

    T = R2/Z2.

    Denotemos por (x, y) a classe de equivalência de (x, y). Assumiremos que

    Pi =

    (i+ 1

    m+ 3,i+ 1

    m+ 3

    ), para i = 1, . . . , m.

    Sejam ai : [0, 1] −→ T o caminho definido por

    ai(t) =

    (i+ 1

    m+ 3− t,

    i+ 1

    m+ 3

    ), para t ∈ [0, 1].

    e bi : [0, 1] −→ T o caminho definido por

    bi(t) =

    (i+ 1

    m+ 3,i+ 1

    m+ 3− t

    ), para t ∈ [0, 1].

    Sejam α o elemento de PBmT representado por a = (a1, . . . , am) (ver Figura 2.2),

    e β o elemento de PBmT representado por b = (b1, . . . , bm).

  • 2.3 Centros dos grupos de tranças do cilindro e do toro 22

    Figura 2.2:

    Proposição 2.12. Com as condições acima, o centro de BmT é o subgrupo gerado por

    α e β, e é um grupo abeliano livre de posto 2.

    Demonstração: Provaremos a Proposição 2.12 em quatro passos. Seja Zm o subgrupo

    de PBmT gerado por α e β.

    Passo 1. Zm é um grupo abeliano livre de posto 2. Por [5, Teorema 5], α e β

    comutam, assim Zm é um grupo abeliano. Consideremos a seguinte sequência exata

    1 // PBm−1(T \ {P1}) // PBmTρ∗

    // π1(T, P1) // 1 .

    O grupo π1(T, P1) é um grupo abeliano livre de posto 2 e (ρ∗(α), ρ∗(β)) é uma base de

    π1(T, P1), assim Zm também é um grupo abeliano livre de posto 2.

    Passo 2. Zm ⊆ Z(BmT ).

    Seja D = [ 1m+3

    , m+2m+3

    ] × [ 1m+3

    , m+2m+3

    ] ⊆ T . Pela Proposição 2.6, a inclusão D ⊆ T

    induz um monomorfismo BmD −→ BmT . Logo, o seguinte diagrama é comutativo:

    1 // PBmD //

    ��

    BmDσ

    //

    ��

    Σm // 1

    1 // PBmT // BmTσ

    // Σm // 1.

    Assim, BmT é gerado por PBmT ∪BmD. Por [5, Teorema 5], α comuta com todos

    os elementos de PBmT . Seja C =(R ×

    [1

    m+3, m+2m+3

    ])/Z ⊆ T . Pela Proposição 2.6, a

  • 2.3 Centros dos grupos de tranças do cilindro e do toro 23

    inclusão C ⊆ T induz um monomorfismo BmC −→ BmT . Mais ainda, α ∈ BmC e

    BmD ⊆ BmC. Pela Proposição 2.11, Z(BmC) é o subgrupo ćıclico infinito gerado por

    α. Portanto, α comuta com todos os elementos de BmD. Isto mostra que α ∈ Z(BmT ).

    Similarmente, β ∈ Z(BmT ).

    Passo 3. Z(PBmT ) ⊆ Zm. Provaremos o Passo 3 por indução sobre m. Seja

    m = 1. Então, PB1T = π1(T, P1) = Z1. Assim, Z(PB1T ) = Z1.

    Sejam m > 1 e g ∈ Z(PBmT ). Consideremos a seguinte sequência exata:

    1 // π1(T \ {P1, . . . , Pm−1}) // PBmTρ∗

    // PBm−1T // 1 .

    Temos ρ∗(g) ∈ Z(PBm−1T ). Por indução Z(PBm−1T ) ⊆ Zm−1. Ainda mais, ρ∗(Zm) =

    Zm−1. Assim, podemos escolher h ∈ Zm tal que ρ∗(h) = ρ∗(g). Escreveremos g′ = gh−1.

    Então g′ ∈ Z(PBmT ) e g′ ∈ π1(T \ {P1, . . . , Pm−1}) (já que ρ∗(g

    ′) = 1). Assim,

    g′ ∈ Z(π1(T \ {P1, . . . , Pm−1})) = {1}, e assim g′ = gh−1 = 1, e portanto g = h ∈ Zm.

    Passo 4. Z(BmT ) ⊆ PBmT . Seja g ∈ BmT . Suponhamos que existem i, j ∈

    {1, . . . , m}, i 6= j, tais que σ(g)(Pi) = Pj , e provemos que g 6∈ Z(BmT ). Seja

    αi ∈ PBmT representada por (P1, . . . , Pi−1, ai, Pi+1, . . . , Pm), onde Pk denota o caminho

    constante sobre Pk para k = 1, . . . , m e ai é como acima. Consideremos a seguinte

    sequência exata:

    1 // PBm−1T \ {Pi} // PBmTρi∗

    // π1(T, Pi) // 1 .

    Então, ρi∗(αi) 6= 1 e ρi∗(gαig−1) = 1 (ver Figura 2.3). Assim gαig

    −1 6= αi, e portanto

    g 6∈ Z(BmT ).

  • 2.3 Centros dos grupos de tranças do cilindro e do toro 24

    Figura 2.3:

  • Caṕıtulo 3

    Comensurador, normalizador e

    centralizador de π1N em π1M

    Seja N uma subsuperf́ıcie de uma superf́ıcie conexa M . Dizemos que N é um colarinho

    de Möbius em M , se N é um cilindro S1×I e M \N tem duas componentes N1, N2 com

    uma delas, digamos N1, uma faixa de Möbius (ver Figura 3.1). Então, M0 = N ∪ N1

    será chamada a faixa de Möbius tendo como colarinho N em M .

    Figura 3.1: Colarinho de Möbius.

    Sejam G um grupo e H um subgrupo de G. Denotamos por

    • CG(H) o comensurador de H em G,

    • NG(H) o normalizador de H em G, e

    25

  • 26

    • ZG(H) o centralizador de H em G.

    Neste caṕıtulo consideramos uma subsuperf́ıcie N de M tal que nenhuma compo-

    nente conexa de M \N é um disco e portanto π1(N,P0) é isomorfo com um subgrupo

    de π1(M,P0), com P0 ∈ N . Para evitar sobrecarregar a notação diremos simplesmente

    que π1(N,P0) é subgrupo de π1(M,P0) e escrevemos

    π1M = π1(M,P0) e π1N = π1(N,P0).

    Teorema 3.1. Sejam M uma superf́ıcie conexa e N uma subsuperf́ıcie de M tal que

    nenhuma componente conexa de M \N é um disco.

    (i) Se M não é grande ou se π1N = {1}, então Cπ1M(π1N) = π1M .

    (ii) Se M é grande, π1N 6= {1} e N não é um colarinho de Möbius em M , então

    Cπ1M(π1N) = π1N.

    (iii) Se M é grande e N é um colarinho de Möbius em M , então

    Cπ1M(π1N) = π1M0,

    onde M0 é a faixa de Möbius tendo como colarinho N em M .

    Corolário 3.2. (i) Se M é um cilindro, um toro, ou uma faixa de Möbius, então

    Cπ1M(π1N) = Nπ1M(π1N) = Zπ1M(π1N) = π1M.

    (ii) Se M é grande, N não é um colarinho de Möbius em M , π1N 6= {1}, e N não é

    grande, então

    Cπ1M(π1N) = Nπ1M(π1N) = Zπ1M(π1N) = π1N.

    (iii) Se M e N são superf́ıcies grandes, então

    Cπ1M(π1N) = Nπ1M(π1N) = π1N,

    Zπ1M(π1N) = Z(π1N) = {1}.

  • 3.1 Grafos de grupos 27

    (iv) Se M é grande e N é um colarinho de Möbius em M , então

    Cπ1M(π1N) = Nπ1M(π1N) = Zπ1M(π1N) = π1M0,

    onde M0 é a faixa de Möbius tendo como colarinho N em M .

    3.1 Grafos de grupos

    Antes de provar o Teorema 3.1, vejamos alguns resultados de grafos de grupos. Um

    grafo (orientado) Γ é formado pelos seguintes dados:

    1. Um conjunto V (Γ) de vértices.

    2. Um conjunto A(Γ) de setas.

    3. Uma aplicação s : A(Γ) −→ V (Γ) chamada origem, e uma aplicação t : A(Γ) −→

    V (Γ) chamada fim.

    Um grafo de grupos G(Γ) sobre Γ é formado pelos seguintes dados:

    1. Um grupo Gv, para todo v ∈ V (Γ).

    2. Um grupo Ga, para todo a ∈ A(Γ).

    3. Dois monomorfismos φa,s : Ga −→ Gs(a) e φa,t : Ga −→ Gt(a), para todo a ∈ A(Γ).

    Uma exposição geral sobre grafos de grupos pode ser encontrada em [32]. Seja T

    uma árvore maximal de Γ. O grupo fundamental π1(G(Γ), T ) de G(Γ) baseado em T é

    o grupo (abstrato) dado pela seguinte apresentação: o conjunto gerador de π1(G(Γ), T )

    {ea; a ∈ A(Γ)} ∪ (⋃

    v∈V (Γ)

    Gv),

    onde {ea; a ∈ A(Γ)} é um conjunto abstrato em correspondência um a um com A(Γ).

    As relações de π1(G(Γ), T ) são:

    1. as relações de Gv, para todo v ∈ V (Γ),

  • 3.1 Grafos de grupos 28

    2. ea = 1, para todo a ∈ A(T ),

    3. e−1a · φa,s(g) · ea = φa,t(g), para todo a ∈ A(Γ) e para todo g ∈ Ga.

    Existe um morfismo φv : Gv −→ π1(G(Γ), T ), para todo v ∈ V (Γ). Por [32], este

    morfismo é injetor, portanto podemos pensar que Gv ≤ π1(G(Γ), T ).

    O grupo fundamental π1(Γ, T ) de Γ baseado em T tem a seguinte apresentação: o

    conjunto gerador de π1(Γ, T ) é {ea; a ∈ A(Γ)}, o conjunto de relações de π1(Γ, T ) é

    {ea = 1; a ∈ A(T )}.

    Seja p : Γ̃ −→ Γ o revestimento universal de Γ. Seja G(Γ̃) o grafo de grupos sobre

    Γ̃ definido como segue.

    1. Gṽ = Gp(ṽ), para todo ṽ ∈ V (Γ̃).

    2. Gã = Gp(ã), para todo ã ∈ A(Γ̃).

    3. φã,s = φp(ã),s e φã,t = φp(ã),t, para todo ã ∈ A(Γ̃).

    Fixemos uma seção S : T −→ Γ̃ de p sobre T . Estendemos S a uma seção S :

    A(Γ) −→ A(Γ̃) como segue. Seja a ∈ A(Γ). Então, S(a) é o único levantamento de a

    tal que t(S(a)) = S(t(a)).

    Definimos uma ação de π1(Γ, T ) sobre π1(G(Γ̃), Γ̃) como segue. Notemos que

    π1(G(Γ̃), Γ̃) é gerado pela⋃ṽ∈V (Γ̃)Gṽ, pois Γ̃ é uma árvore. Sejam ṽ ∈ V (Γ̃), g̃ ∈

    Gṽ, e u ∈ π1(Γ, T ). Então,

    u(g̃) = g̃ ∈ Gu(ṽ).

    Consideremos o correspondente produto semidireto

    π1(G(Γ̃), Γ̃) ⋊ π1(Γ, T ).

    Por [32], existe um isomorfismo

    π1(G(Γ), T ) −→ π1(G(Γ̃), Γ̃) ⋊ π1(Γ, T ),

  • 3.1 Grafos de grupos 29

    que envia Gv isomorficamente sobre GS(v), para todo v ∈ V (Γ), e que manda ea sobre

    ea, para todo a ∈ A(Γ). Portanto, podemos assumir que

    π1(G(Γ), T ) = π1(G(Γ̃), Γ̃) ⋊ π1(Γ, T ),

    que Gv = GS(v), para todo v ∈ V (Γ) e que Ga = GS(a), para todo a ∈ A(Γ).

    Sejam G = π1(G(Γ), T ) e G̃ = π1(G(Γ̃), Γ̃). O revestimento universal de G(Γ) é o

    grafo Γ̄ definido como segue:

    V (Γ̄) = (V (Γ̃) × G̃)/ ∼ ,

    onde ∼ é a relação de equivalência definida por

    (ṽ1, g̃1) ∼ (ṽ2, g̃2) se ṽ1 = ṽ2 = ṽ e g̃−12 g̃1 ∈ Gṽ.

    Denotamos por [ṽ, g̃] a classe de equivalência de (ṽ, g̃).

    A(Γ̄) = (A(Γ̃) × G̃)/ ∼ ,

    onde ∼ é a relação de equivalência definida por

    (ã1, g̃1) ∼ (ã2, g̃2) se ã1 = ã2 = ã e g̃−12 g̃1 ∈ Gã.

    Denotamos por [ã, g̃] a classe de equivalência de (ã, g̃).

    A aplicação origem s : A(Γ̄) −→ V (Γ̄) é definida por

    s([ã, g̃]) = [s(ã), g̃],

    para ã ∈ A(Γ̃) e para g̃ ∈ G̃. A aplicação fim t : A(Γ̄) −→ V (Γ̄) é definida por

    t([ã, g̃]) = [t(ã), g̃],

    para ã ∈ A(Γ̃) e para g̃ ∈ G̃. Por [32], Γ̄ é uma árvore.

    O grupo G atua sobre Γ̄ como segue, lembramos que G = π1(G(Γ̃), Γ̃) ⋊ π1(Γ, T ).

    Sejam u ∈ π1(Γ, T ), h̃, g̃ ∈ G̃ e sejam ṽ ∈ V (Γ̃), ã ∈ A(Γ̃). Então,

    h̃([ṽ, g̃]) = [ṽ, h̃g̃], h̃([ã, g̃]) = [ã, h̃g̃],

  • 3.2 Demonstrações 30

    u([ṽ, g̃]) = [u(ṽ), ug̃u−1], u([ã, g̃]) = [u(ã), ug̃u−1].

    O subgrupo de isotropia de um vértice v̄ ∈ V (Γ̄) é

    Isot(v̄) = {g ∈ G; g(v̄) = v̄}.

    O subgrupo de isotropia de uma seta ā ∈ A(Γ̄) é

    Isot(ā) = {g ∈ G; g(ā) = ā}.

    Sejam v ∈ V (Γ) e a ∈ A(Γ). Por [32],

    Isot([S(v), 1]) = Gv, Isot([S(a), 1]) = Ga.

    3.2 Demonstrações

    Nessa seção provaremos o Teorema 3.1, para isso precisaremos da teoria de grafos de

    grupos desenvolvida na seção anterior. Agora, voltamos as nossas suposições iniciais.

    Se M é o plano projetivo P 2 o resultado do Teorema 3.1 é claramente válido. Su-

    ponhamos que M é uma superf́ıcie (possivelmente com bordo) distinta da esfera e do

    plano projetivo, e que N é uma subsuperf́ıcie de M tal que nenhuma das componentes

    conexas de M \N é um disco. Sem perda de generalidade, podemos assumir também

    que N não é um disco. Sejam N1, . . . , Nr as componentes conexas de M \N .

    Definamos um grafo Γ como segue. Seja

    V (Γ) = {v0, v1, . . . , vr}.

    Para i ∈ {1, . . . , r}, fixamos um conjunto abstrato Ai(Γ) em correspondência um a um

    com as componentes conexas de N ∩Ni. Fazemos

    A(Γ) =r⋃

    i=1

    Ai(Γ).

    Se a ∈ Ai(Γ), então s(a) = v0 e t(a) = vi.

  • 3.2 Demonstrações 31

    Definimos um grafo de grupos G(Γ) sobre Γ como segue. Seja i ∈ {1, . . . , r}.

    Fixamos um ponto Pi ∈ Ni e fazemos

    Gvi = Gi = π1(Ni, Pi).

    Fixamos um ponto P0 ∈ N e fazemos

    Gv0 = G0 = π1(N,P0).

    Seja a ∈ Ai(Γ). Denotamos por Ca a componente conexa de N∩Ni que corresponde

    a a. O conjunto Ca é uma componente fronteira de N e Ni. Fixamos um ponto Pa ∈ Ca

    e fazemos

    Ga = π1(Ca, Pa) ≃ Z.

    Fixemos um caminho γa,s : [0, 1] −→ N de P0 até Pa. Este caminho induz um

    monomorfismo φa,s : Ga −→ G0. Fixemos um caminho γa,t : [0, 1] −→ Ni de Pi até Pa.

    Este caminho induz um monomorfismo φa,t : Ga −→ Gi.

    Fixemos uma seta ai ∈ Ai(Γ), para todo i ∈ {1, . . . , r}. Consideremos o grafo T

    definido como segue:

    1. V (T ) = {v0, v1, . . . , vr},

    2. A(T ) = {a1, . . . , ar},

    3. s(ai) = v0 e t(ai) = vi, para todo i ∈ {1, . . . , r}.

    O grafo T é uma árvore maximal de Γ. Escrevemos

    γa = γa,sγ−1a,t , βa = γaγ

    −1ai,

    para todo a ∈ Ai(Γ). Para i = 1, . . . , r, o caminho γai induz um morfismo

    ψi : Gi = π1(Ni, Pi) −→ π1(M,P0).

    Denotamos por ψ0 : G0 = π1(N,P0) −→ π1(M,P0) o morfismo induzido pela inclusão

    N ⊆M .

    O seguinte teorema é uma versão do teorema de Van Kampen.

  • 3.2 Demonstrações 32

    Teorema 3.3. A aplicação

    {ea; a ∈ A(Γ)} −→ π1(M,P0)

    ea 7−→ βa

    e os morfismos ψi : Gi −→ π1(M,P0) (i = 0, 1, . . . , r) induzem um isomorfismo

    ψ : π1(G(Γ), T ) −→ π1(M,P0).

    Seja Γ̄ o revestimento universal de G(Γ). Seja q : Γ̄ −→ Γ a aplicação definida como

    segue: sejam ṽ ∈ V (Γ̃), ã ∈ A(Γ̃) e g̃ ∈ G̃. Então,

    q([ṽ, g̃]) = p(ṽ), q([ã, g̃]) = p(ã).

    O seguinte lema é um resultado preliminar da prova do Teorema 3.1.

    Lema 3.4. Sejam i ∈ {1, . . . , r} e v̄ ∈ V (Γ̄) tais que q(v̄) = vi, e sejam ā, b̄ ∈ A(Γ̄)

    tais que t(ā) = t(b̄) = v̄ (ver Figura 3.2):

    (i) Se q(ā) = q(b̄) e Isot(ā) ∩ Isot(b̄) 6= {1}, então Ni é uma faixa de Möbius.

    (ii) Se q(ā) 6= q(b̄) e Isot(ā) ∩ Isot(b̄) 6= {1}, então Ni é um cilindro e ambas compo-

    nentes fronteira de Ni estão contidas em N ∩Ni.

    Figura 3.2:

    Demonstração: (i) Suponhamos que i = 1 e que ā = [S(a1), 1]. Então,

    v̄ = t(ā) = [t(S(a1)), 1] = [S(v1), 1].

    Seja b̄ = [̃b, g̃]. Então,

    t(b̄) = [t(b̃), g̃] = [S(v1), 1],

  • 3.2 Demonstrações 33

    assim b̃ = S(a1) (já que q(ā) = q(b̄) = a1), e g̃ ∈ Gv1 = G1. Notemos que g̃ 6∈ Ga1 , pois

    caso contrário

    b̄ = [S(a1), g̃] = [S(a1), 1] = ā.

    Portanto, Isot(ā) = Ga1 e Isot(b̄) = g̃Ga1 g̃−1. Seja h1 um gerador de Ga1 . Existem

    k1, k2 ∈ Z \ {0} tais que hk11 = g̃h

    k21 g̃

    −1.

    Suponhamos que N1 não é uma faixa de Möbius. Seja F o subgrupo de G1 gerado

    por h1 e g̃. A subsuperf́ıcie N1 tem bordo não vazio, assim G1 é um grupo livre e

    portanto F é um grupo livre de posto 1 ou 2.

    Como todo grupo livre finitamente gerado é Hopfiano, temos que F é um grupo

    Hopfiano, e já que hk11 = g̃hk21 g̃

    −1, o grupo F tem posto 1. Por [11, Teorema 4.2], h1

    gera F . Em particular, existe l ∈ Z tal que

    g̃ = hl1 ∈ Ga1 .

    Isto é uma contradição. Portanto, N1 é uma faixa de Möbius.

    (ii) Suponhamos que i = 1 e que ā = [S(a1), 1]. Então,

    v̄ = t(ā) = [t(S(a1)), 1] = [S(v1), 1].

    Sejam b̄ = [̃b, g̃] e b = q(b̄) 6= a1. Então,

    t(b̄) = [t(b̃), g̃] = [S(v1), 1],

    e assim b̃ = S(b) e g̃ ∈ Gv1 = G1. Logo,

    Isot(ā) = Ga1 e Isot(b̄) = g̃Gbg̃−1.

    Sejam h1 um gerador de Ga1 , e h um gerador Gb. Existem k1, k2 ∈ Z \ {0} tais que

    hk11 = g̃hk2 g̃−1. Seja F o subgrupo de G1 gerado por h1 e g̃hg̃

    −1. Como G1 é um grupo

    livre, então F é um grupo livre de posto 1 ou 2. Já que F é um grupo Hopfiano, e

    já que hk11 = (g̃hg̃−1)k2 , o grupo F tem posto 1. A subsuperf́ıcie N1 tem pelo menos

    duas componentes fronteira, Ca1 e Cb, assim N1 não é uma faixa de Möbius. Por [11,

    Teorema 4.2], h1 e g̃hg̃−1 geram F . Portanto, podemos assumir que

    h1 = g̃hg̃−1.

  • 3.2 Demonstrações 34

    Por [11, Lema 2.4] segue que N1 é um cilindro e que Ca1 e Cb são as componentes

    fronteira de N1.

    Denotaremos o cilindro, a faixa de Möbius e a garrafa de Klein por S1×I, S1×̂I, S1×̂S1,

    respectivamente.

    Demonstração do Teorema 3.1: (i) SeM não é grande entãoM é uma das seguintes

    superf́ıcies

    S2, P 2, D2, T 2, S1 × I, S1×̂I, S1×̂S1.

    Nos primeiros seis casos π1M é abeliano, logo

    Cπ1M(π1N) = π1M.

    Falta então examinar o caso M = S1×̂S1. Notemos que as subsuperf́ıcies da garrafa

    de Klein são o disco, o cilindro e a faixa de Möbius. No caso do disco é claro que

    Cπ1M(π1N) = π1M. Consideremos agora o grupo fundamental da garrafa de Klein

    dado pela seguinte apresentação π1(S1×̂S1, q) =< a, b : abab−1 = 1 >. No caso do

    cilindro tomamos o subgrupo gerado por a, < a >, que é normal em π1(S1×̂S1, q). já

    no caso da faixa de Möbius tomamos o subgrupo gerado por b, < b >. Nos dois casos

    verifica-se que

    Cπ1M(π1N) = π1M.

    (ii) Claramente π1N é subgrupo de Cπ1M(π1N), basta mostrar então que Cπ1M(π1N)

    é subgrupo de π1N . Suponhamos que existe g ∈ Cπ1M(π1N) tal que g 6∈ π1N , e prove-

    mos que M não é grande ou que N é um colarinho de Möbius em M .

    Seja v̄0 = [S(v0), 1] ∈ V (Γ̄). Temos que g(v̄0) 6= v̄0, pois g 6∈ π1N = Isot(v̄0). Seja

    āε11 āε22 · · · ā

    εℓℓ (ai ∈ A(Γ̄) e εi ∈ {±1})

    o (único) caminho reduzido de Γ̄ de v̄0 até g(v̄0) (ver Figura 3.3). Para j = 1, . . . , ℓ

    denotemos por v̄j o final do caminho āε11 · · · ā

    εjj . Observemos que ℓ ≥ 2, já que

    q(g(v̄0)) = q(v̄0) = v0.

  • 3.2 Demonstrações 35

    Se h ∈ G0 ∩ gG0g−1, então h ∈ Isot(v̄0) e h ∈ Isot(g(v̄0)), assim h ∈ Isot(v̄j) e

    h ∈ Isot(āj), para todo j ∈ {1, . . . , ℓ}. Suponhamos que q(v̄1) = v1. Pelo anterior

    temos que

    {1} 6= G0 ∩ gG0g−1 ⊆ Isot(ā1) ∩ Isot(ā2).

    Assim pelo Lema 3.4, N1 é uma faixa de Möbius, ou N1 é um cilindro e ambas compo-

    nentes de fronteira de N1 estão contidas em N ∩N1.

    Figura 3.3:

    O grupo G0 ∩ gG0g−1 tem ı́ndice finito em G0 = π1N , ele está contido em Isot(ā1),

    e Isot(ā1) é um grupo ćıclico infinito. Portanto, π1N tem um subgrupo ćıclico infinito

    de ı́ndice finito. Assim N é um cilindro, ou uma faixa de Möbius.

    Se N é uma faixa de Möbius, então N1 também é uma faixa de Möbius, e M =

    N ∪N1 é uma garrafa de Klein (ver Figura 3.4).

    Figura 3.4:

    Se N e N1 são ambos cilindros, então M = N ∪N1 é um toro (ver Figura 3.5).

    Se N é um cilindro e se N1 é uma faixa de Möbius, então N é um colarinho de

    Möbius em M (ver Figura 3.6).

    (iii) Suponhamos que N é um cilindro, que N1 é uma faixa de Möbius, e que M é

    superf́ıcie grande (ver Figura 3.6). Seja M0 = N ∪ N1 a faixa de Möbius tendo como

  • 3.2 Demonstrações 36

    Figura 3.5:

    Figura 3.6:

    colarinho N em M . A subsuperf́ıcie M0 não é um colarinho de Möbius em M , assim,

    por (ii),

    Cπ1M(π1M0) = π1M0.

    O grupo π1N tem ı́ndice finito em π1M0. Logo,

    Cπ1M(π1N) = Cπ1M(π1M0) = π1M0.

    Demonstração do Corolário 3.2: (i) Se M = S1×I, ou T 2, ou S1×̂I, pelo Teorema

    3.1, temos que Cπ1M(π1N) = π1M e como M é superf́ıcie abeliana, então Z(π1M) =

    π1M . Logo,

    Cπ1M(π1N) = Nπ1M(π1N) = Zπ1M(π1N) = π1M.

  • 3.2 Demonstrações 37

    (ii) Pelo Teorema 3.1 temos que Cπ1M(π1N) = π1N . Como N não é superf́ıcie

    grande e N 6= S1×̂S1, então π1N é abeliano. Logo,

    Cπ1M(π1N) = Nπ1M(π1N) = Zπ1M(π1N) = Z(π1N) = π1N.

    (iii) Se M e N são superf́ıcies grandes, então pelo Teorema 3.1 temos

    Cπ1M(π1N) = π1N,

    e como π1N é subgrupo do normalizador Nπ1M(π1N), então temos

    Cπ1M(π1N) = Nπ1M(π1N) = π1N,

    que é um grupo não abeliano.

    Por [23, Teorema 4.4] temos que Z(π1N) = Z(π1M) = {1}. Como Zπ1M(π1N) é

    subgrupo de Nπ1M(π1N), então Zπ1M(π1N) ⊆ π1N . Logo,

    Zπ1M(π1N) = Z(π1N) = Z(π1M) = {1}.

    (Notemos que Zπ1M(π1N) = {1} implica em Z(π1N) = {1}.)

    (iv) Se M é uma superf́ıcie grande e se N é um colarinho de Möbius, então

    Cπ1M(π1N) = π1M0, onde M0 é a faixa de Möbius tendo como colarinho N em M .

    Agora, Zπ1M(π1N) ⊆ π1M0. Como π1N ⊆ π1M0, e este último é abeliano, então

    π1N ⊆ Zπ1M(π1N). Mas, π1N = π1M0 já que M0 = N ∪ N1 tem o mesmo tipo de

    homotopia de N . Logo,

    π1M0 ⊆ Zπ1M(π1N).

  • Caṕıtulo 4

    Comensurador, normalizador, e

    centralizador de BnD em BmM

    Seja M uma superf́ıcie orientada distinta da esfera, e seja D ⊆M um disco mergulhado

    em M . Sejam m ≥ n ≥ 2, P1, . . . , Pn ∈ D, e Pn+1, . . . , Pm ∈ M \D. O objetivo deste

    caṕıtulo é descrever o comensurador, o normalizador, e o centralizador de BnD em

    BmM . Para descrever estes grupos usaremos a noção de túnel sobre uma superf́ıcie,

    estes objetos geométricos formam um grupo, com uma construção análoga à feita em

    grupos de tranças. Notemos que, se n = 1, então B1D = {1}, assim

    CBmM(B1D) = NBmM(B1D) = ZBmM(B1D) = BmM.

    4.1 Definições e resultados

    Um túnel sobre M baseado em (D;Pn+1, . . . , Pm) é uma aplicação

    H : D ∪ {Pn+1, . . . , Pm} × [0, 1] −→M

    tal que

    1. H(x, 0) = H(x, 1) = x, para todo x ∈ D,

    2. H(Pi, 0) = Pi e H(Pi, 1) ∈ {Pn+1, . . . , Pm}, para todo Pi ∈ {Pn+1, . . . , Pm},

    38

  • 4.1 Definições e resultados 39

    3. H(x, t) 6= H(y, t), para todo x, y ∈ D ∪ {Pn+1, . . . , Pm}, x 6= y, e para todo

    t ∈ [0, 1].

    Dado um túnel H podemos associar claramente uma permutação, similar ao que

    foi feito em tranças. Existe uma noção natural de homotopia de túneis como descrita

    na sequência. Sejam H1, H2 : D ∪ {Pn+1, . . . , Pm} × [0, 1] −→ M túneis com mesma

    permutação γ. Dizemos que H1, H2 são homotópicos se existem m− n + 1 aplicações

    cont́ınuas,

    F0 : D × [0, 1] × [0, 1] −→M , tal que

    • F0(x, s, 0) = H1(x, s), F0(x, s, 1) = H2(x, s), para todo x ∈ D e para todo

    s ∈ [0, 1],

    • F0(x, 0, t) = F0(x, 1, t) = x, para todo x ∈ D e para todo t ∈ [0, 1],

    Fi : {Pn+i} × [0, 1] × [0, 1] −→ M , para todo i = 1, . . . , m− n, tais que

    • Fi(Pn+i, s, 0) = H1(Pn+i, s), Fi(Pn+i, s, 1) = H2(Pn+i, s), para todo s ∈ [0, 1],

    • Fi(Pn+i, 0, t) = Pn+i, Fi(Pn+i, 1, t) = H1(Pn+i, 1) = H2(Pn+i, 1), para todo t ∈

    [0, 1],

    e tais que se definimos

    H t0 : D ∪ {Pn+1, . . . , Pm} × [0, 1] −→M, por

    • H t0(x, s) = F0(x, s, t), para todo x ∈ D e para todo s ∈ [0, 1], e

    • H t0(Pn+i, s) = Fi(Pn+i, s, t), para todo s ∈ [0, 1], e para todo i = 1, . . . , m− n,

    então H t0 é um túnel geométrico (com permutação γ) para cada 0 ≤ t ≤ 1.

    Homotopia de túneis é uma relação de equivalência. Formamos assim o conjunto

    de classes de equivalência de túneis homotópicos, vamos munir este conjunto com uma

  • 4.1 Definições e resultados 40

    operação dada por concatenação, como em tranças. E assim como em tranças, os axio-

    mas de grupo são satisteitos. O grupo de túnel sobre M baseado em (D;Pn+1, . . . , Pm)

    é o grupo

    Tm−nM = Tm−nM(D;Pn+1, . . . , Pm)

    de classes de homotopia de túneis sobre M baseados em (D;Pn+1, . . . , Pm).

    Definimos um homomorfismo

    τ : Tm−nM × BnD −→ BmM

    como segue: sejam h ∈ Tm−nM e f ∈ BnD. Seja H um túnel sobre M baseado em

    (D;Pn+1, . . . , Pm) que representa h, e seja b = (b1, . . . , bn) uma trança sobre D que

    representa f . Seja b̃ = (b̃1, . . . , b̃n, b̃n+1, . . . , b̃m) uma trança sobre M definida por

    • b̃i(t) = H(bi(t), t), para todo i ∈ {1, . . . , n} e para todo t ∈ [0, 1],

    • b̃i(t) = H(Pi, t), para todo i ∈ {n+ 1, . . . , m} e para todo t ∈ [0, 1].

    Então, τ(h, f) é o elemento de BmM representado por b̃.

    Propriedades 4.1. Destacaremos algumas propriedades da aplicação τ definida acima.

    1. Sejam 1 o elemento neutro em Tm−nM e f ∈ BnD, então τ(1, f) = f̄ , onde f̄

    é a trança de BmM que pode ser representada geometricamente por uma trança

    com as primeiras n cordas correspondentes a um representante de f e as últimas

    m − n cordas verticais. Por simplicidade na notação, não vamos distinguir f e

    f̄ .

    2. Sejam 1 o elemento neutro em BnD e h ∈ Tm−nM , então τ(h, 1) é a classe de

    trança em BmM correspondente ao representante de túnel restrito aos pontos Pi,

    para todo i = 1, . . . , n, n+ 1, . . . , m.

    3. Sejam h ∈ Tm−nM e f ∈ BnD. Então, τ(h, f)−1 = τ(h−1, f−1). Esta é uma

    propriedade direta do homomorfismo entre grupos.

  • 4.1 Definições e resultados 41

    Denotamos por Cn,mM a imagem de τ . Seja h ∈ Tm−nM e sejam f, f′

    ∈ BnD.

    Então,

    τ(h, f) · f′

    · τ(h, f)−1 = τ(1, ff′

    f−1) = ff′

    f−1 ∈ BnD.

    Em particular,

    Cn,mM ⊆ NBmM(BnD).

    De fato, dado g ∈ Cn,mM existem h ∈ Tm−nM e f ∈ BnD tais que τ(h, f) = g ∈ BmM .

    Seja f ′ ∈ BnD, então pelo comentado acima gf′g−1 ∈ BnD. Logo, gBnDg

    −1 ⊆ BnD.

    Seja agora f ′ ∈ BnD, sabemos que f′ = g(g−1f ′g)g−1 = gf̄g−1 com f̄ = (g−1f ′g) ∈

    BnD. Logo, BnD ⊆ gBnDg−1. Como consequência temos que gBnDg

    −1 = BnD, ou

    seja, g pertence ao normalizador NBmM(BnD).

    Teorema 4.2. Sejam n ≥ 2 e M uma superf́ıcie orientável, M 6= S2. Então,

    CBmM(BnD) = Cn,mM.

    Denotemos por Zn,mM a imagem por τ de Tm−nM × Z(BnD). Temos que,

    Zn,mM ⊆ ZBmM(BnD).

    De fato, dado g ∈ Zn,mM existem h ∈ Tm−nM e f ∈ Z(BnD) tais que τ(h, f) = g ∈

    BmM . Seja f′ ∈ BnD, então

    τ(h, f) · f ′ = τ(h, f)τ(1, f ′)

    = τ(h, ff ′)

    = f ′τ(h, f).

    Logo, Zn,mM ⊆ ZBmM(BnD).

    Corolário 4.3. Seja n ≥ 2. Então,

    CBmM(BnD) = NBmM(BnD) = Cn,mM,

    ZBmM(BnD) = Zn,mM.

  • 4.1 Definições e resultados 42

    Observação 4.4. 1. Os autores deixam aberta a questão de não saberem se um

    resultado similar vale para superf́ıcies não orientáveis.

    2. O Corolário 4.3 generaliza [14, Teorema 4.2].

    Denotemos por

    B1m−n+1M = B1m−n+1M(P1;Pn+1, . . . , Pm)

    o subgrupo de Bm−n+1M = Bm−n+1M(P1, Pn+1, . . . , Pm) formado pelas tranças g ∈

    Bm−n+1M tais que σ(g)(P1) = P1. Definimos um morfismo

    κ : Tm−nM −→ B1m−n+1M

    como segue: sejam h ∈ Tm−nM e H um túnel sobre M baseado em (D;Pn+1, . . . , Pm)

    que representa h. Seja b = (b1, bn+1, . . . , bm) a trança definida por

    bi(t) = H(Pi, t), para i ∈ {1, n+ 1, . . . , m} e para t ∈ [0, 1].

    Então, κ(h) é o elemento de B1m−n+1M representado por b.

    Observemos que para h ∈ Tm−1M temos que τ(h, P1) = κ(h) ∈ B1mM , onde P1

    denota o caminho constante em P1.

    Teorema 4.5. Seja n ≥ 2. Existe um morfismo δ : Cn,mM −→ B1m−n+1M tal que

    δ(τ(h, f)) = κ(h),

    para todo h ∈ Tm−nM e para todo f ∈ BnD. Ainda mais, temos as seguintes sequências

    exatas:

    1 // BnD // Cn,mMδ

    // B1m−n+1M // 1 e

    1 // Z(BnD) // Zn,mMδ

    // B1m−n+1M // 1 .

    Teorema 4.6. Seja n ≥ 2. Seja M uma superf́ıcie com bordo não vazio ou um toro.

    Existe um morfismo ι : B1m−n+1M −→ Zn,mM , tal que δ ◦ ι = id. Em particular,

    Cn,mM ≃ B1m−n+1M ×BnD e

    Zn,mM ≃ B1m−n+1M × Z(BnD).

    Observação 4.7. O Teorema 4.6 generaliza [14, Teorema 4.3] e [29, Teorema 3].

  • 4.2 Demonstrações 43

    4.2 Demonstrações

    Nessa seção temos como objetivo provar os teoremas enunciados na seção anterior,

    descrevendo assim o comensurador, normalizador e centralizador de BnD em BmM no

    caso em que M é superf́ıcie orientável, distinta da esfera, e D é um disco mergulhado

    em M .

    Lema 4.8. Seja M uma superf́ıcie com bordo não vazio ou um toro. Existe um mor-

    fismo

    ι0 : B1m−n+1M −→ Tm−nM

    tal que κ ◦ ι0 = id.

    A demonstração deste lema involve uma passagem que precisa de teoria de varieda-

    des, não vamos colocála aqui pois isto nos distanciaria do objetivo inicial. Uma prova

    é encontrada em [27, Lema 5.6].

    Lema 4.9. Seja M uma superf́ıcie orientada distinta da esfera. O morfismo κ :

    Tm−nM −→ B1m−n+1M é sobrejetor.

    Observação 4.10. Os autores deixam aberta a questão de não saberem se um resultado

    similar vale para superf́ıcies não orientáveis.

    Demonstração: Escolhamos um disco aberto K0 mergulhado em M \ D e que não

    contém nenhum ponto Pi para i = n + 1, . . . , m. Pela Proposição 2.9, a inclusão

    M \K0 ⊆M induz um epimorfismo

    φ : B1m−n+1M \K0 −→ B1m−n+1M.

    Assim, temos o seguinte diagrama comutativo:

    Tm−nM \K0κ

    //

    ��

    B1m−n+1M \K0

    φ��

    Tm−nMκ

    // B1m−n+1M.

  • 4.2 Demonstrações 44

    Como M \ K0 é superf́ıcie com bordo, então pelo Lema 4.8, κ : Tm−nM \ K0 −→

    B1m−n+1M \K0 é sobrejetora. Dáı segue que κ : Tm−nM −→ B1m−n+1M é sobrejetora

    também.

    A partir de agora fixemos uma seção ι0 : B1m−n+1M −→ Tm−nM de κ. Ainda mais,

    pelo Lema 4.8, podemos assumir que ι0 é um morfismo se M é uma superf́ıcie com

    bordo não vazio ou um toro. O Teorema 4.2 é uma consequência direta do seguinte

    lema, que será provado posteriormente.

    Lema 4.11. Seja n ≥ 2. Seja g ∈ CBmM(BnD). Existem u ∈ B1m−n+1M e f ∈ BnD

    tais que

    g = τ(ι0(u), f).

    Demonstração do Teorema 4.2: Já provamos que Cn,mM ⊆ NBmM(BnD) ⊆

    CBmM(BnD). Sejam n ≥ 2 e g ∈ CBmM(BnD), pelo Lema 4.11 existem u ∈ B1m−n+1M

    e f ∈ BnD tais que g = τ(ι0(u), f). Ou seja, g ∈ Cn,mM .

    Logo, Cn,mM = CBmM(BnD).

    Estamos agora em condições de provar o Corolário 4.3:

    Demonstração do Corolário 4.3: Na seção anterior mostramos que Cn,mM ⊆

    NBmM(BnD) ⊆ CBmM(BnD) e pelo Teorema 4.2 CBmM(BnD) = Cn,mM , portanto

    temos que CBmM(BnD) = NBmM(BnD) = Cn,mM.

    Também mostramos que Zn,mM ⊆ ZBmM(BnD). Seja g ∈ ZBmM(BnD), então

    gf = fg, para todo f ∈ BnD. Pelo Teorema 4.2, g ∈ Cn,mM , e portanto existem

    h ∈ Tm−nM e f′ ∈ BnD tais que τ(h, f

    ′) = g ∈ BmM . Provemos que f′ ∈ Z(BnD).

    Como τ(h, f ′)τ(1, f) = τ(1, f)τ(h, f ′), então τ(h, f ′f)τ(h−1, (ff ′)−1) = 1, donde se-

    gue que f ′f = ff ′, para todo f ∈ BnD. Logo, f′ ∈ Z(BnD) e como consequência

    g = τ(h, f ′) ∈ Zn,mM .

    Os próximos dois lemas são resultados preliminares à prova do Lema 4.11. Lem-

  • 4.2 Demonstrações 45

    bremos que Σm denota o grupo de permutações de {P1, . . . , Pm}, que Σn denota o

    grupo de permutações de {P1, . . . , Pn} e que Σm−n denota o grupo de permutações de

    {Pn+1, . . . , Pm}. Escrevemos

    BnmM = σ−1(Σm−n).

    Lema 4.12. Sejam n ≥ 1 e g ∈ CBnmM(PBnD). Existem u ∈ B1m−n+1M e f ∈ PBnD

    tais que

    g = τ(ι0(u), f).

    Demonstração: Provemos o Lema 4.12 por indução sobre n. Seja n = 1. Então,

    PB1D = {1}, assim

    CB1mM(PB1D) = B1mM.

    Por outro lado, se u ∈ B1mM , então u = τ(ι0(u), P1), onde P1 denota o caminho

    constante sobre P1, pois τ(ι0(u), P1) = κ(ι0(u)).

    Sejam n > 1 e g ∈ CBnmM(PBnD). Escrevemos M′ = M\{P1, . . . , Pn−1, Pn+1, . . . , Pm},

    e D′ = D \ {P1, . . . , Pn−1}. Consideremos o seguinte diagrama comutativo:

    1 // π1D′ //

    ��

    PBnDρ∗

    //

    ��

    PBn−1D //

    ��

    1

    1 // π1M′ // BnmM

    ρ∗// Bn−1m−1M

    // 1.

    Pelo Teorema 1.15, ρ∗(g) ∈ CBn−1m−1M(PBn−1D). Por indução, existem u ∈ B1m−n+1M

    e f1 ∈ PBn−1D tais que

    ρ∗(g) = τ(ι0(u), f1).

    Escolhamos f2 ∈ PBnD tal que ρ∗(f2) = f1 e escrevamos

    g′ = g · τ(ι0(u), f2)−1.

    Notemos que ρ∗(τ(ι0(u), f2)) = τ(ι0(u), ρ∗(f2)), pois o seguinte diagrama é comu-

    tativo:

    Tm−nM × PBnDτ

    //

    1×ρ∗

    ��

    BnmM

    ρ∗

    ��

    Tm−nM × PBn−1Dτ

    // Bn−1m−1M.

  • 4.2 Demonstrações 46

    Portanto, ρ∗(g′) = ρ∗(g)ρ∗(τ(ι0(u), f2))

    −1 = 1.

    Agora, τ(ι0(u), f2) ∈ Cn,mM e Cn,mM ⊆ CBmM(BnD). Como [BnD : PBnD] é

    finito, então pela Proposição 1.14 temos que CBmM(BnD) = CBmM(PBnD) e já que

    τ(ι0(u), f2) ∈ BnmM temos que τ(ι0(u), f2) ∈ CBnmM(PBnD).

    Como consequência temos que g′ ∈ π1M′, e que g′ ∈ CBnmM(PBnD), e assim, pelo

    Teorema 1.15,

    g′ ∈ Cπ1M ′(π1D′).

    Consideremos os seguintes casos:

    • se m 6= n ou M não é um disco, então M ′ é uma superf́ıcie grande e D′ não é um

    colarinho de Möbius em M ′, assim, pelo Teorema 3.1, Cπ1M ′(π1D′) = π1D

    ′.

    • Se m = n e M é um disco, então π1M′ = π1D

    ′, assim Cπ1M ′(π1D′) = π1D

    ′.

    Dáı segue que g′ = f3 ∈ π1D′ ⊆ PBnD. Logo,

    g = f3 · τ(ι0(u), f2) = τ(ι0(u), f3f2).

    Lema 4.13. Sejam n ≥ 2 e g ∈ CBmM(BnD). Então, σ(g) é um elemento de Σn ×

    Σm−n.

    Demonstração: Seja g ∈ CBmM(BnD). Suponhamos que σ(g) 6∈ Σn × Σm−n, sem

    perda de generalidade podemos supor que σ(g)(Pn+1) = P1. Seja f ∈ π1(D\{P2, . . . , Pn};P1),

    f 6= 1. O grupo PBnD tem ı́ndice finito em BnD. Logo, CBmM(BnD) = CBmM(PBnD).

    Como π1(D \ {P2, . . . , Pn}) ⊆ PBnD e como g ∈ CBmM(PBnD), temos que existe um

    inteiro k > 0 tal que

    gfkg−1 ∈ PBnD.

    Consideremos a seguinte sequência exata:

    1 // π1(M \ {P1, . . . , Pn, Pn+2, . . . , Pm) // PBmMρ∗

    // PBm−1M // 1 .

  • 4.2 Demonstrações 47

    O homomorfismo ρ∗ envia PBnD isomorficamente sobre PBnD. Por outro lado,

    gfkg−1 6= 1, pois f 6= 1 e BmM é livre de torção (M 6= S2, orientável) e ρ∗(gf

    kg−1) = 1

    (ver Figura 4.1). Isto é uma contradição.

    Figura 4.1:

    Isto prova que σ(g) ∈ Σn × Σm−n.

    Demonstração do Lema 4.11: Seja g ∈ CBmM(BnD). Pelo Lema 4.13, σ(g) ∈

    Σn × Σm−n. Escolhemos f1 ∈ BnD tal que σ(gf−11 ) ∈ Σm−n e escrevemos g

    ′ = gf−1.

    Então, g′ ∈ BnmM , g′ ∈ CBmM(BnD), e CBmM(BnD) = CBmM(PBnD), assim

    g′ ∈ CBnmM(PBnD).

    Pelo Lema 4.12, existem u ∈ B1m−n+1M e f2 ∈ PBnD tais que

    g′ = τ(ι0(u), f2).

    Portanto, g = τ(ι0(u), f2) · f1 = τ(ι0(u), f2f1).

    Demonstração do Teorema 4.5: A prova é dividida em cinco passos.

    Passo 1. Definição de δ:

    Consideremos o homomorfismo natural

    δ0 : BnmM −→ B

    1m−n+1M.

  • 4.2 Demonstrações 48

    Seja g ∈ Cn,mM. Pelo Lema 4.13, σ(g) ∈ Σn × Σm−n. Escolhemos f ∈ BnD tal que

    σ(gf−1) ∈ Σm−n e então definimos

    δ(g) = δ0(gf−1).

    Provemos que a definição de δ(g) não depende da escolha de f . Sejam f1, f2 ∈ BnD

    tais que σ(gf−11 ) ∈ Σm−n e σ(gf−12 ) ∈ Σm−n. Então,

    δ0(gf−12 )

    −1δ0(gf−11 ) = δ0(f2g

    −1gf−11 ) = δ0(f2f−11 ) = 1,

    e assim δ0(gf−11 ) = δ0(gf

    −12 ).

    Passo 2. A aplicação δ : Cn,mM −→ B1m−n+1M é um homomorfismo.

    Sejam g1, g2 ∈ Cn,mM . Sejam f1, f2 ∈ BnD tais que σ(g1f−11 ) ∈ Σm−n e σ(g2f

    −12 ) ∈

    Σm−n. Pelo Corolário 4.3,

    Cn,mM = NBmM(BnD),

    assim existe f3 ∈ BnD tal que g−12 f1g2 = f3. Ainda mais,

    σ((g1g2)(f2f3)−1) = σ(g1f

    −11 g2f2)

    −1 ∈ Σm−n.

    Portanto,

    δ(g1)δ(g2) = δ0(g1f−11 )δ0(g2f

    −12 ) = δ0(g1f

    −11 g2f

    −12 ) = δ0((g1g2)(f2f3)

    −1) = δ(g1g2).

    Passo 3. Seja h ∈ Tm−nM e seja f ∈ BnD. Então,

    δ(τ(h, f)) = δ(τ(h, 1)τ(1, f)) = δ(τ(h, 1)) · δ(f) = κ(h).

    Passo 4. Temos a seguinte sequência exata:

    1 // BnD // Cn,mMδ

    // B1m−n+1M // 1 .

    Seja u ∈ B1m−n+1M. Então,

    δ(τ(ι0(u), 1)) = κ(ι0(u)) = u.

  • 4.2 Demonstrações 49

    Isto mostra que δ é sobrejetora. Seja g ∈ Cn,mM . Pelo Lema 4.11, existem u ∈

    B1m−n+1M e f ∈ BnD tais que g = τ(ι0(u), f). Se g ∈ kerδ, então

    1 = δ(g) = κ(ι0(u)) = u,

    assim

    g = τ(ι0(u), f) = τ(1, f) = f ∈ BnD.

    Passo 5. Temos a seguinte sequência exata:

    1 // Z(BnD) // Zn,mMδ

    // B1m−n+1M // 1 .

    Pelo Passo 4, é suficiente mostrar que δ : Zn,mM −→ B1m−n+1M é sobrejetora. Seja

    u ∈ B1m−n+1M. Então, τ(ι0(u), 1) ∈ Zn,mM e δ(τ(ι0(u), 1)) = u.

    Demonstração do Teorema 4.6: O homomorfismo ι : B1m−n+1M −→ Zn,mM é

    definido por

    ι(u) = τ(ι0(u), 1), para u ∈ B1m−n+1M.

    Pelo Passo 4 na prova anterior, claramente, δ ◦ ι = id.

    Agora, como a sequência exata

    1 // Z(BnD) // Zn,mMδ

    // B1m−n+1M // 1

    cinde, e pelo Corolário 4.3 Zn,mM = ZBmM(BnD), temos que

    Zn,mM ≃ B1m−n+1M × Z(BnD),

    e já que ZBmM(BnD) ⊆ CBmM(BnD), temos também que

    Cn,mM ≃ B1m−n+1M ×BnD.

  • Caṕıtulo 5

    Comensurador, normalizador, e

    centralizador de BnN em BmM

    Sejam M uma superf́ıcie grande e N uma subsuperf́ıcie de M tal que N não é nem

    um disco, nem um colarinho de Möbius em M , e tal que nenhuma das componentes

    conexas de M \N é um disco. Sejam N1, . . . , Nr as componentes conexas de M \N .

    Sejam P1, . . . , Pn ∈ N e Pn+1, . . . , Pm ∈M \N . Para i = 1, . . . , r escrevemos

    Pi = {Pn+1, . . . , Pm} ∩Ni e BniNi = BniNi(Pi),

    onde ni denota a cardinalidade de Pi. Se ni = 0, faremos a convenção que B0Ni = {1}.

    O objetivo deste caṕıtulo é provar o seguinte teorema, com as hipóteses mencionadas

    acima:

    Teorema 5.1.

    CBmM(BnN) = BnN × Bn1N1 × · · · × BnrNr.

    Corolário 5.2.

    CBmM(BnN) = NBmM(BnN) = BnN × Bn1N1 × · · · × BnrNr e

    ZBmM(BnN) = Z(BnN) ×Bn1N1 × · · · ×BnrNr.

    50

  • 5.1 Ação de π1N sobre Π1(M \ {P0}) 51

    Este caṕıtulo será dividido em duas seções. Na primeira seção estudaremos uma

    ação de π1N sobre algum grupóide Π1(M \ {P0}). Na segunda seção aplicaremos os

    resultados da primeira para provar o Teorema 5.1.

    5.1 Ação de π1N sobre Π1(M \ {P0})

    Durante esta seção, fixemos um ponto P0 ∈ N e um ponto Pi ∈ Ni, para todo i =

    1, . . . , r. Além disso, não assumiremos que nenhuma das componentes conexas de

    M \N é um disco.

    Daremos uma definição de um grupóide na linguagem da Teoria de Categorias:

    Definição 5.3. Um grupóide é uma pequena categoria na qual todo morfismo é um

    isomorfismo. Mais precisamente, um grupóide é formado pelos seguintes dados:

    • um conjunto G0 de objetos,

    • para cada par de objetos x e y em G0, existe um conjunto G(x, y) de morfismos

    (ou setas) de x até y. Escrevemos f : x → y para indicar que f é um elemento

    de G(x, y).

    • uma função, chamada composição, a qual associa a cada g ∈ G(y, z) e a cada

    f ∈ G(x, y) um elemento gf ∈ G(x, z); ou seja, composição é uma função

    G(x, y) ×G(y, z) −→ G(x, z).

    Esses objetos e morfismos devem satisfazer os seguintes axiomas: