Sublime christina lauren

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SUBLIME

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UniversodosLivrosEditoraLtda.RuadoBosque,1589·6·andar·Bloco2·Conj.603/606BarraFunda·CEP01136-001·SãoPaulo·SPTelefone/Fax:(11)3392-3336www.universodoslivros.com.bre-mail:[email protected]:@univdoslivros

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CHRISTINALAUREN

SUBLIME

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SublimeCopyright©2014byLaurenBillingsandChristinaHobbs.

Allrightsreserved,includingtherightofreproductioninwholeorinpartinanyform.

©2015byUniversodosLivrosTodososdireitosreservadoseprotegidospelaLei9.610de19/02/1998.

Nenhumapartedestelivro,semautorizaçãopréviaporescritodaeditora,poderáserreproduzidaoutransmitidasejamquaisforemosmeiosempregados:eletrônicos,mecânicos,fotográficos,gravaçãoouquaisquer

outros.

Diretoreditorial∙LuisMatosEditora-chefe ∙MarciaBatista

Assistenteseditoriais∙AlineGraça,LetíciaNakamuraeRodolfoSantanaTradução∙ThiagoDias

Preparação∙RaquelNakasoneRevisão∙RaquelSiqueiraeJonathanBusatoArte ∙FrancineC.SilvaeValdineiGomes

Capa∙FrancineC.Silva

DadosInternacionaisdeCatalogaçãonaPublicação(CIP)AngélicaIlacquaCRB-8/7057L412i

Lauren,ChristinaSublime/ChristinaLauren;traduçãodeThiagoDias.–SãoPaulo:UniversodosLivros,2015.304p.

ISBN:978-85-7930-833-8Títulooriginal:Sublime

1.Literaturaamericana2.Literaturafantástica3.Espiritualismo4.RomanceI.TítuloII.Dias,Thiago

15-0150CDD813

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Ànossaparceriadeescritaeamizadeque,acadalivro,setornamaisforte.

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UmtorporfezmeuespíritoselarNãosentitemoreshumanosPareciaelaincapazdeexperimentarOtoqueseculardosanos.Agoranãosemove,semforçasNãoouve,vêouandaOcursoterrestreenvolve-aearrasta-aComrocha,epedra,eplanta.

SIRWILLIAMWORDSWORTH

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Sublime (adjetivo): transcendental; completo,absoluto.Sublimar (verbo transitivo): passardiretamentedo estado sólidoparao estadodevapor.

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CAPÍTULO1Ela

Agarotaestácurvadaemângulosbizarrosquandoacorda.Nãoparecepossívelestar dormindo ali – sozinha, num caminho sujo, cercada por folhas, grama enuvens.Sentecomosetivessecaídodocéu.Elasesenta,desorientadaecobertadepoeira.Atrásdela,umatrilhaestreitafaz

uma curva e desaparece, entre inúmeras árvores queimando vivas com a cor dooutono. Diante dela há um lago. Suas águas são calmas e azuis, sua superfícieondulando somente nas extremidades onde a água rasa encontra as pedras. Porinstinto,elaengatinhaatéláeespiadentro,sentindosubitamenteumapenadagarotaconfusaqueaencaravadevolta.Somenteaoficarempéelavêosenormesprédiosassomandonoperímetrodo

parque.Feitosdepedracinza,elesseerguemaltosacimadasárvoresflamejantes,olhandoparabaixo,ondeelaestava.Osprédiosparecemtantoacolhedoresquantoameaçadores, como se ela estivesse naquele estado entre desperta e dormindo,quandoépossívelsonhoserealidadecoexistirem.Emvezdesentirmedo,elasenteumaondadeempolgaçãoirromperdentrodesi.

Empolgação,comoosomdotirodelargadaparaumatleta.Vai.Ela desce rapidamente pela trilha e cruza a estrada suja até onde a calçada

abruptamentecomeça.Elanãoselembradetercolocadoovestidodesedaqueestáusando,feitocomumdelicadocalicôdefloresecaindoemdobrasfinaseesparsasaté os joelhos. Ela observa seus pés pouco familiares, dentro de novas sandáliasainda rígidas. Apesar de não sentir frio, estudantes de uniforme passamcaminhando, envoltos em grossos tecidos de lã azul-marinho e cinza. A

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personalidade de cada um repousa nos pequenos acréscimos: botas, brincos, umlenço vermelho que aparece de relance.Mas poucos se dão ao trabalho de notarumamoça pequenina arrastando os pés e curvando-se, lutando contra a força dovento.Ocheirodeterramolhadaéfamiliar,assimcomoamaneiracomoosprédiosde

pedracaptamosecosaoredoreosprendemjuntosdesi,fazendocomqueotempopassemaisdevagareasconversasduremmais.Pelomodocomooventocastigaporondepassa,epelapreciosaenovamemóriadasárvoresnatrilha,elasabequeéoutono.Masnadapareceestarcomoontem.Eontemeraprimavera.

Umaarcadaassomaàsuafrente,adornadacomletrasdecobreazul-esverdeadasecastigadaspelosol,queparecemtersidoescritascomamesmatintaqueocéu.

ESCOLAPREPARATÓRIASAINTOSANNAPARAMENINASEMENINOSSÉRIESK-12EST.1814

Abaixo,umagrandeplacademetalagita-se,abandonadaaovento:

Sealguémfizertropeçarumdestespequeninosquecreememmim,seriamelhorquefosselançadonomarcomuma

grandepedraamarradanopescoço.MARCOS9,42

Ocampusémaiordoqueela imagina,masdealgummodoelasabeparaondeolhar–direita,nãoesquerda–paraencontraroagrupamentodeprédiosmenoresde tijolo e, a distância, uma cabine de madeira. Ela segue adiante com um tipodiferentedeempolgaçãoagora,comoaoentraremumacasaacolhedorasabendooquetemparaojantar.Dotipofamiliar.Excetoporelanãofazerideiadeondeestáagora.Oudequemelaé.Dos quatro prédios principais, ela escolhe o da esquerda, nos limites onde

começaavegetaçãoselvagem.Osdegrausestãoapinhadosdeestudantesmas,aindaassim, ninguém a ajuda com a porta, que parece decidida a empurrá-la para tráscom seu peso. A maçaneta é pesada e rígida em sua mão. Além disso, sua peleparecetremeluzir.

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–Fecheaporta–alguémgrita.–Estoucongelando!A garota passa correndo pela entrada, desviando sua atenção da própria pele

brilhante.Oar ládentroéquenteecarregaconsigoocheiro familiardebaconecafé.Elaficaparadaàporta,masninguémlhelançaumolhar.Écomoseelafossemaisumaestudantequalquercaminhandopelamultidão;avidasegueseurumonoburburinhodorefeitório,esentindoumavagaagitação,elacontinuasemsemover.Elanãoéinvisível–consegueverseureflexonajanelaàsuadireita–,maspoderiamuitobemser.Finalmente, abre caminho através de um labirinto demesas e cadeiras até uma

mulheridosa,paradacomumapranchetanaentradadacozinha.Elaestáchecandoitensdeumalista,suacanetasendopressionadaeticandocadaitemcomperfeiçãoepraticidade. Cada novamarca é idêntica às outras. Uma única pergunta pousa nalínguadagarotaelápermanece,imóvel,enquantoesperaamulhernotá-laali.Agarotaestácommedodefalar.Elanemmesmosabequemelaé,imagineentão

perguntaraúnicaquestãoqueprecisaserrespondida?Baixandoosolhos,percebequesuapelebrilhasuavementesobafixidezdaluzamareladae,pelaprimeiravez,senteapreocupaçãopornãoparecertotalmente…normal.Eseelaabrirabocaesedissolveremuma revoadadecorvos?Eseperdeusuaspalavras, juntamentecomseupassado?Vocêconsegue.–Comlicença–eladizumavez,depoisdenovo,maisalto.Amulherergueoolhar,claramentesurpresaporencontrarumaestranhaparada

tão perto. Ela parece estar numa mistura de confusão e, por fim, inquietação,enquanto repara no vestido empoeirado e no cabelo enroscado em folhas. Seusolhosperscrutamorostodagarota,procurando,comoseumnomefosselhesurgirdofundodamente.–Vocêé…?Possoajudá-la?Agarotaquerperguntar:“Vocêmeconhece?”.Emvezdisso,diz:–Quediaéhoje?Assobrancelhasdamulherjuntam-seaindamaisenquantoelaobservaagarota.

Dealgummodo,nãoeraaperguntacerta,maselarespondemesmoassim:–Terça-feira.–Masqualterça?Indicandoumcalendárioatrásdela,amulherresponde:–Terça,quatrodeoutubro.Somenteagoraagarotapercebequesaberadatanãoajudamuito,poisapesarde

essesnúmeroslhepareceremestranhoseerrados,elanãosabeemqueanodeveriaestar.Ameninadáumpassoparatrás,balbuciandoumagradecimento,ereivindicaseulugarcontraaparede.Elasesentegrudadaaoprédio,comoseelefosseolugarondeseriaencontrada.

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“Évocê”,alguémdirá.“Vocêvoltou.Vocêvoltou”.

Masninguémlhedizisso.Orefeitórioesvazia-seduranteahoraseguinteatéquesomente um risonho grupo de adolescentes permanece sentado em uma mesaredondanocanto.Agoraagarotaestácertadequetemalgoerrado:elasnãoolhamnasuadireçãosequerumavez.Mesmoemsuasmemórias roídaspelas traçaselasabecomoadolescentesnotamrapidamentealguémdiferente.Da cozinha, umgaroto aparece, enfiando um avental vermelho pelo pescoço e

amarrando-oenquantoanda.Cachosescuroseselvagenscaem-lhesobreosolhos,eeleafasta-oscomummovimentoinconscientedacabeça.Naquelemomento,seucoraçãosilenciososecontorceportrásdasparedesvazias

doseupeito.Eelapercebe,naausênciadefomeousede,desconfortooufrio,queessaéaprimeirasensaçãofísicaqueelatemdesdequeacordarasobumcéurepletodefolhasoutonais.Seusolhospercorremcadapartedele;ospulmões,ansiandoporumfôlegoque

ela, até então, não se lembrava que precisava. Ele é alto emagricela, de algumaforma conseguindoparecer forte.Seusdentes sãobrancos,mas levemente tortos.Umapequenaargolaprateadafazumacurvainteiraemtornodoseulábioinferior,e os dedos dela ardem com o desejo de se aproximar e tocá-lo. Seu nariz foiquebradopelomenosumavez,maséperfeito.Ealgumacoisanaluzemseusolhosquando levantaoolhar fazela ansiardolorosamentepordividir a simesmacomele.Masdividiroquê?Suamente?Seucorpo?Comoelapodedividircoisasquenãoconhece?Quando ele se aproxima da outra mesa, as adolescentes param de falar e o

observam,olhoscheiosdeesperança,sorrisosempolgadosnorosto.–Ei–eleascumprimentacomumaceno.–Seatrasaramprocafédamanhã?Uma garota com umamecha rosa-choque no cabelo inclina-se para a frente e

lentamenteafrouxaacordadoaventaldele.–Agenteveiocomeralgumacoisadoce.O garoto sorri, mas é um sorriso condescendente – mandíbula flexionada,

sorriso abrindo-se somente em parte do rosto –, e se afasta do alcance dela,gesticulandoparaobufêencostadocontraumaparededistante.–Entãolevemoquequiserem.Euprecisocomeçaralimparlogo.–OJaydissequevocêsfizeramumasacrobaciasmuitodoidasnapedreiraontem

–dizela.–É–ele assente comummovimentodevagar e tranquilo, e afastada testaum

punhadodecabeloondulado.–Agentedeuunssaltos.Foibemlouco.–Umabrevepausa, e então: –Vocês deviampegar alguma coisa para comer agoramesmo.A

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cozinhafechouhácincominutos.Instintivamente,agarotalançaumolharparaacozinhaevêasenhoraparadana

entrada, observando o garoto.Amulher então pisca na direção dela, estudando-acomolhoscautelososefixos;agarotaéaprimeiraadesviaroolhar.–Vocênãopodesentareficarumpoucoaquicomagente?–perguntaaCabelo

Rosa,suavozelábiossaindopesadoscomumaexpressãodeenfado.– Sintomuito,Amanda, tenho aula de cálculo noHenley. Só vou ajudarDot a

limparacozinha.Ele é fascinante de se observar: seu sorriso tranquilo, a curva rígida dos seus

ombros e amaneira confortável com que enfia asmãos nos bolsos e se balançapara a frente e para trás sobre os pés. É fácil compreender por que as garotasqueremqueelepermaneça.Mas então ele se vira, afastando os olhos damesa de suas colegas para ver a

garota sentada sozinha a observá-lo. Ela começa a sentir a pulsação do pescoçocomeçarabater,parecendoecoardentrodaprópriagarganta.Eeleavê,pernasebraçosnus,usandoumvestidoprimaverilemplenooutubro.–Vocêveiotomarcafédamanhã?–perguntaele.Suavozvibraporseucorpo.–

Últimachamada…Suabocaabremaisumavez,eoquesainãoéoqueelaespera;elatampoucose

dissolvenumarevoadadecorvos.–Euachoqueestouaquiporsuacausa.

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CAPÍTULO2Ele

UMASEMANADEPOIS

Colin está parado cabisbaixo perto da porta, olhando para os dedos saindo daextremidadedogessorecém-adquirido.Elesestãograndeseesquisitos–algunssãotortos devido a fraturasmais antigas das quais ele nunca cuidou. Suas juntas sãogrossas, sua pele, cheia de cicatrizes, cortes e arranhões que ele deixou que securassemsozinhos.Hojeseusdedospareceminchados.Maltratados.Quandofinalmenteconsegueabriraporta,depara-secomsuachefe.–Colin–dizDot, a linhadeumsorriso fixano rosto.– Joe ligouedisseque

vocêficounaenfermariaamanhãtoda.Elanãoprecisaacrescentar“Nemsedêaotrabalhodeinventarumadesculpa”ou

“Eusabiaqueissoaconteceriadenovo”.Elesoltaumsuspironervoso,quesecondensanoarfrio.–Eusintomuito,Dot–dizele,fechandoaportaatrásdesi.–Porquevocêestásedesculpandocomigo?Éoseubraçoqueestánumatipoia.

–Elalimpaagarganta,suaexpressãosuavizandoquandotocaogesso.–Quebroudessavez?–Eleassente.–Então,porqueveiotrabalhar?Oaventaldelaestá encharcado.Elaestá lavandoas louçasdenovoeColin faz

umanotamentalparachutarasbolasdeDaneporelenãoterlavadoantesdeirparaaaula.– Eu vim dizer que não vou poder trabalhar por duas semanas. – As palavras

saemqueimando.Trabalharnorefeitório fazcomquesesintaumpoucomaisdoqueumcasodecaridade.– Só duas? – Ela endireita o pescoço e olha diretamente para ele, pescando a

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mentira.–Ok, quatro. –Ele semexe inquieto, começando a levantar o braço quebrado

paracoçaropescoçoeentãorecuando,esforçando-separanãosoltarunspalavrõesnafrentedeDot.Elaeraamelhoramigadesuamãeeapessoamaispróximaqueeletinhadeumaavóemdozeanos.Aúltimacoisaqueelequeriaerachateá-la.–Vocênãovaiaobasquetehátrêssemanas–dizela.Osolhosdelesearregalam

e ela assente. – Sim, já estou sabendo disso. Conversei com o treinador Tuckersemanapassada;eledissequetiraramvocêdotime.–Ah,vai,Dot.Vocêsabequeessetipodecoisanãoépramim.Dotapertaosolhos,estudando-o.–Equetipodecoisaéparavocê,exatamente?Desafiaramorte?Fazeragente

encher a cara de tanta preocupação com você? Eu sempre amei esse seu fogo,garoto,masnãovoutolerarmaisessasinsanidades.–Nãoéinsanidade–dizColin,mesmosabendoquenãodevia.–Éciclismo.–Essa é umamentira deslavada. Sãomanobras, piruetas e pulos de vagões de

trempara os trilhos.É andar emcima dos trilhos do trem e atravessar pontes decordasobreapedreira.–Elelevantarápidooolhar,eDotassentevigorosamente.–Issomesmo.Eu fiquei sabendo.Você podia termorrido lá. Será que você só vaiperceberqueéinconsequentequandofortardedemais?Colinsuspira,praguejandomentalmente.–OJoesabe?–Não.–Avozdelacarregaumtomdeameaça,comosedissesse“Aindanão”.–

Sossegaumpouco;asmanobras,ascorridas.Tudo isso.Estouvelhademaisparaperder tanto sonomepreocupandocomvocê.–Ela fazumapausa,pensandonaspalavrasantesdefalar.–Euseiquerapazesdedezesseteanosseachaminvencíveis,masvocê,maisquequalquerum,sabecomoaspessoaspodemsertiradasdagente.Eunãovoudeixarissoacontecercomvocê.Eleameaçaresponder,masDotseguraseubraço.– Apenas prometa que será mais cuidadoso. Prometa que vai pensar nisso. –

Vendo que ele não responde, ela fecha os olhos numa longa pausa. – Eu voucancelar sua conta-corrente e seus passes de estudante. Você vai ficar de castigodentro da propriedade da escola até que eu diga o contrário. – Ela lança-lhe umolhar,provavelmenteesperandoqueeleexploda;maselesabequenãovaleapena.Nos muitos anos desde que os pais de Colin morreram, Joe tem o acolhido

debaixo do próprio teto e cuidado dos arranjos burocráticos da parca herançadeixadaaorapaz,masDottemapalavrafinal.OsdoissemprederamaColinmuitacordaparaeleseenforcar,mastambémsempreestiveramláparaimpedi-loquandoelesemeteemproblemas.Issoandaacontecendohámuitotempo.Ele assente, pendurando a mochila no ombro antes de adentrar a cozinha,

caminhando até o painel de turnos para marcar seu nome. A caneta guincha no

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silênciocomumsomdedeterminação,eeleconseguesentirapressãodaatençãodeDotemsuascostas.Odeiadesapontá-la.Sabeoquantoelasepreocupacomeleconstanteeobsessivamente,comoumaideiafixa.Porissoeleseescondeuemseuquartocomumbraçoquebradonanoitepassada

–emvezdeirdiretoparaaenfermaria.Graçasaisso,DoteJoenunca–jamais–vãosabersequermetadedamerdaqueelefez.

Levantando o capuz para se proteger do vento, ele se segura no corrimãoenquantosobeosdegrausdeHenleyHall.Ometaléfrioefamiliarsobapalmadasuamão,maisfrioatémesmoqueoaroutonalqueserpenteiaaoseuredor.Atintabranca começa a descamar, a superfície marcada por pneus e eixos de rodas deskates–amaiorpartecausadaporele.Umcomeçodeferrugemdesabrochapelasbeiradas do corrimão. Os breves momentos de sono da noite passada foraminterrompidosporumadoraguda;agoraeleestáapenasdoloridoecansadoesemsaberseserácapazdelidarcomodiadehoje.Ele passa pela porta e o vazio lhe saúda; o espaço tiquetaqueando

monotonamente,sincronizadocomoritmodosrelógiosemambasasextremidadesdolongocorredor.Noentanto,oscorredoresnãoficamvaziospormuitotempo.Osinaltocaeele

viraparaencontrarJayforadasalaencurralandoumagarotacontraumarmário:unhasvermelhasdeacrílicopercorrendoumcabeloloiroplatinado.Jay olha para trás quandoColin se aproxima e sorrimaliciosa-mente para ele

sobreoombro.–Jáerahoradevocêchegar,seupreguiçoso–dizele.–Vocêperdeuaaulade

cálculomaisdolorosadomundo.Davapraouvirmeucérebrosangrando.Colinacenacomacabeçaemcumprimento,erguendoseugesso.–Achoqueeuprefeririacálculoemvezdisso.–Eunãoteriatantacerteza.A última conquista de Jay vai embora relutantemente quando ele e Colin

caminham para a sala de aula.Os estudantes continuam a preencher o espaço aoredor, eColin coloca suamochila sobre umamesa lá dentro, inclinando-se paraprocurarpelotrabalhofeitoemcasa.–Entãovocêestavacerto–dizJay,gesticulandoparaogesso.–Quebrou?–É.Omaisrápidoquepodecomapenasumbraçoútil,Colinencontraseutrabalhoe

enfiaorestodascoisasdevoltanamochila.–JoeeDotpassaramsermão?

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JayestánoSaintOsannahátantotempoquantoColin,desdeojardimdeinfância,esabebemqueDotnuncaapreciouasededeaventuradosdoisrapazes.Colinolhaparaeleenfaticamente.–ADotpassou.Jaycongela.–Elacortouoseudinheiropradiversão?–Cortou.Eeuestourestritoàpropriedadedaescolapor tempoindeterminado.

Graças a Deus você levou minha bicicleta pra sua casa noite passada, senão elaprovavelmenteatomariademim,também.–Crueldade.Colinmurmuraconcordandoeentregaotrabalhoàprofessora.Oquemais lhe

dóiéqueacorridanemtinhasidotãoperigosaassim.Umasemanaatráseletinhapuladodabeiradapedreiraparaumblocodepedraláembaixo,evoltouparacasasemumarranhão.Masontemelenãoconseguiunemdarumpulodeprincipiantesemsedestruirtodo.–O capuz,Colin – diz a sra. Polzweski.Ele tira e afasta seu cabelo dos olhos

enquantocaminhamdevoltaàssuascarteiras.Assimqueosegundosinaltoca,elaentra:agarotadorefeitório.Colinnãoavia

háumasemana,eelenãoconseguiaparardepensarnoqueelatinhaditoantesdesaircorrendopelaporta.Euachoqueestouaquiporsuacausa.Quemdizumamerdadessas?Ele tinha tentadogritaratrásdela,masela se foi

antesqueaspalavrassedissolvessemnoar.Eladeslizapelasalabarulhentaeescolheacarteiranafileiraaoladodele,olha

emsuadireçãoeentãovira-serapidamente.Seusbraçosestãovazios,semlivros,papel,mochila.Algumaspessoas a observam se sentar,mas ela semovimentademaneiratãofluidaqueparecejáfazerpartedoritmodasala.–Sevocênãopuderandardebikeporummêsinteiro,agentevaiprecisardeum

plano–Jaysussurra.–Semchancesdevocêficarpresoportantotempo.Vocêvaificarlouco.Colinmurmuraqualquercoisa,distraído.Queloucura,agarotaparecedeoutro

mundo, quase como se uma débil aura de luz cercasse a pele exposta dos seusbraços.Elaparecemaisumagourodoqueumserhumano.Seucabeloloiro-brancoestá penteado, e ela está usando uma daquelas botas pretas de cano alto fodonas,com uma camisa Oxford azul-pastel enfiada na saia azul-marinho do uniforme.Seuslábiossãovolumososevermelhos,seusolhosdelineadoscomgrossoscílios.Elaparecesercapazderasgarsuascalçascomapenasumapalavraobscena.Comose percebesse estar sendo observada, ela esconde as pernas debaixo da mesa eencolheosbraçosparamaispróximodocorpo.JaycutucaColinlogoacimadoseugesso.

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–Vocênãovaideixaressegessinhoteimpedirdesedivertir,vai?EletiraosolhosdagarotaeolhaparaJay.–Vocêestádebrincadeira?Existemmilharesdeoutrasmaneirasde sedivertir

semsairdoterrenodaescola.JayabreumsorrisoebatenamãoboadeColin.Asra.Polzweskiorganizasuapilhadepapéisnamesa,ignorandooalvoroçoda

movimentaçãoapressada:livrossendoabertos,páginassendofolheadas,estudantesmurmurando, uma ocasional tosse, um lápis sendo apontado em algum lugar. Agarotasesentaolhandoparaafrente,parecendotentaraomáximonãosernotada.Porondeelaandava?Pelocantodosolhos,Colinvêseusdedosfinosalcançaremumlápisquealguém

deixou na mesa. Ela o vira e revira na mão, como se o movimento requeresseprática.Examina-ocomosesuspeitasseserumavarinhamágica.Colinachaquenuncaviuumcabelomaisleveantes.Aomaislevemovimentoda

cabeça,analisandoolápis,umpoeirentoraiodesolperpassaseucabelo,fazendo-oparecerquasetranslúcido.Osfiosseenrolamecaemsobreombroscurvadosparaafrente e envolvidos emuma camisa grande demais para alguém tão delicada.Elapareceasombradeumagarota.Umagarotausandochapéufeitoderaiosdesol.Como se sentisse Colin encarando-a, ela se vira, um sorriso involuntário

erguendo-se no canto da boca. O sorriso é tão divertido que o contagiaimediatamente e ele sorri de volta, por instinto. A covinha dela o faz pensar emrisadinhas, promessas travessas e no gosto de açúcar na língua. Olhosmetálicosencontramosdeleeacoréviva,agitando-secomoumoceanofurioso,puxando-oparadentro.Elesedeixaafogar.

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CAPÍTULO3Ela

Aúnicapessoaolhandoparaelaéomesmogarotocujorostoatemassombradoa semana toda: o cara de cabelos negros e selvagens que precisam ser cortados,braçoengessado,sorrisoquefazseuestômagoquasesaltarpelabocaeolhosqueaperfuram,quentesepontiagudos.–Oi–dizelacomvozestridente,guardandoosorriso.Suavozsairoucaporque

estaéaprimeiravezqueelafalaemseisdias.Éaprimeiravezqueelausaavozdesdequefalaracomeleeentão irrompera

para fora do refeitório, com a intenção de correr até a cidade para encontrar apolíciaedizer-lhesqueprecisavadeajuda.Omaislongequeelaconseguiuchegarfoiatéumpesadoportãodemetaldocampus,aquaseumquilômetrodescendoocaminhodepedras.Cadaumadastrêsvezesemquetentouescapar,aodarumpassopara fora do portão era jogada de volta na trilha em que despertara, como seestivessedentrodeumamúsicarepetida.Oolhardogarotoseestreitaedesceporsuasbochechas,porcimadoseunariz,

parandonasuaboca.Elapiscaumavez,lentamente,entãodenovo.–Aondevocêfoi?Lugarnenhum,pensaela,lembrandodogalpãovazioqueencontrounomeiode

umcampoestérilaoladodaescola.Eratãodesertoquantosuamemóriaepareciaserolarperfeitoparaumagarotasemnome,sempassado.Depois de ser inexplicavelmente arrastada para esse prédio da escola, todas as

manhãs, durante uma semana, ela finalmente tomou coragem o suficiente pararoubarumuniforme,entrarládentroesesentar.–Vocêdesapareceu–dizele.

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Elaseremexenacadeira,fitandoabocadele.–Eusei.Eunãosabiaaocertocomoagirdepoisdaminhatriunfanteentrada…e

saída.Rindo,elediz:–Bem,sevocênãovaimepediremcasamentodessavez,omínimoquepode

fazerélercomigo.–Eleempurraseulivroabertoparamaispertodela.Ela pisca, o rastro discreto do sangue percorrendo sua garganta ante o modo

comoosolhosdogarotosemovemporseurosto,comoelefranzelevementeoslábiosantesdesorrir.–Obrigada–dizela.–Mastudobem.Eupossosóouvir.Eleencolheosombros,masnãoseafasta.–Achoquevamosestudarahistóriadasrelaçõesdetrabalhohoje.Vocênãovai

gostardeperderaexperiênciacompleta.Agarotanãosabecomolidarcomaatençãodele.Elasuspeita,pelomodocomo

sua pele parece ansiar aproximar-se dele, que ele é o motivo pelo qual ela éarrastadapara lá todamanhã,assimcomonaqueleprimeirodia,quandoapareceuno refeitório.Mas ele parece ser tão gentil, quase inocente demais, como se elafosseumaarmadilhademosquitoscomvenenodoce,eessegarotoperfeitovoassedesapercebidoaoredordela.Comopodeserboaumagarotaquenãoprecisacomernemdormir,enumpiscardeolhoscontinuavendoasimesmadevoltaaocampusdaescolatodavezquetentasair?Elecontinuaencarando-aeela jogaocabelosobreoombro, fazendo-odescer

comoumacortinaentreeles.–Colin?–Éumavozfeminina,claraeautoritária.Apressãodoolhardelesobreelaaumenta.–Perdão,sra.Polzweski–dizele.Agora que a garota sabe o nome dele, ela quer sussurrá-lo para si mesma de

novoedenovo.–Quemévocê,meubem?–perguntaaprofessora.A sala é uma grande bolha, silenciosa e pulsando com expectativa, e a garota

percebequeessasra.Polzweskiestáfalandocomela.Porém,comaperguntapairandonoar,umavozmasculinafaladentrodacabeça

dagarota.“Apostoquevocênãosabiaqueseunomesignificaluz, sussurrouele,os lábios

próximosaoseuouvido.”“Eujásabia,elaquis responder,masamãoemseupescoço tornavadifícilaté

mesmosorveroar.”–Lucia.–Lembra-seela,arquejando.–MeunomeéLucy.Aprofessoramurmuraemreconhecimento.–Lucy,vocêénova?

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AlgumacoisadentrodeLucyseagitaaoouviroutrapessoadizendoseunome.Por um pesado momento ela se sente real, como se fosse um balão e alguémfinalmente a puxasse para o chão. Talvez uma garota com um nome não saíssevoandoparaocéu.LucyassenteeumcalorfantasmaqueimasuabochechanopontoemqueColin

depositaseuolharmaisumavez.–Vocênãoestánaminhaturma,Lucy.Vocêpodeiratéasecretariaparachecar?–Desculpe-me–dizLucy,lutandocontraopânico.–Hojeéomeuprimeirodia.Asra.Polzweskisorri.–Vocêprecisapegarseucartãodealuna.Euvouassiná-lo.Lucyassentenovamenteesaifurtiva,desejandodesaparecercomoumasombra

noescuro.

Lucyentendeuoquetinhaquefazer,maselasequersabeondeéasecretariaenãoestáexatamentepreparadaparaenfrentaro ladode foradaescolaeoventomaisfortedoqueela.Detodomodo,aquiseuspésparecempresosaochão,impedindo-ade sair. Ela se senta no final do corredor, joelhos contra o peito, esperando opróximoimpulsoinstintivofazê-laselevantareseguiradiante.Umaportaseabreefechacomumcliquesilencioso.–Lucy?–Éumadasduasvozesdestemundoqueelatinhaassociadoaumnome:

Colin. E é uma voz hesitante, profunda e tranquila. A voz chega diretamentedescendopelocorredor,eafiguramagriceladorapazsemovesuavemente,diretoparaela.–Oi.Vocêprecisadeajudaparaencontrarasecretaria?Ela nega coma cabeça, desejando ter algo para segurar, para parecer que está

fazendoalgumacoisa;nãoumagarotaperdidasentadanochão.Emvezdisso,elalevanta e se vira, observando as linhas do assoalho de madeira formarem umcaminho diante dela enquanto se afasta. De qualquer maneira, ela sabe o queaconteceria: o garoto caminharia com ela, notaria como ela luta contra o vento,perguntariaseelaestábem.Ecomoelaresponderia?“Eunãosei.Eusólembreiomeunomecincominutosatrás”.–Ei,espera.Ela alcança a porta, mas está trancada. Ela tenta outra ao lado da primeira.

Tambémtrancada.–Lucy,espera–dizColin,deixandoescaparumarisadanervosa.–Oquevocê

estáprocurando?Vocênãopodeentraraí.Essessãoosarmáriosdozelador.Elapara,virando-separaencará-loenquantoeleaobserva.Realmenteobserva,

comosequisesse capturar cadadetalhe.Quando seusolhos se encontram, ele faz

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umsomabafado,estreitandooolhareinclinando-separamaispertoparaobservar.Osolhosdelasãoverde-acastanhadoseescuros–elatinhaencarado-osporhorasnumvelhoespelhonaesperançadeselembrardagarotaportrásdeles.–Quefoi?–perguntaela.–Porquevocêestámeolhandoassim?Elebalançaacabeça.–Vocêé…–Eusouoquê?Oqueelevaidizer?Oqueelevê?Elepiscamaisumavez,lentamente,eelapercebequeissoésimplesmentealgo

dele:umapiscadasemconsciência,sempressa,comoseestivessecapturandoumafotodelaearevelandoemsuaspálpebras.–Intensa–murmuraele.Comessapalavra,avozdooutrohomemsurgemaisumavezemsuacabeça,um

ecodamesmamemóriaintrusa:Vocêprecisasabercomoissoéintensoparamim.Elacambaleiaparatrás,comosolhosarregalados.–Vocêestábem?–Colintentaalcançar-lheobraço,maselajáestásevirando,

fugindoapressada.“Comlábiosmolhadosegrudadosemseuouvido,eleperguntou:Vocêtemmedo

demorrer?”–Lucy!“Orelancedoreflexodelananitidezdeumalâminadeprata.Hálitocheirandoa

caféeaçúcar,cigarroseprazer.Água frescagotejandopertodesuacabeça.Umafaca, afogando-a no próprio sangue. A sensação de estar sendo escancarada dedentroparafora.”Ela irrompe pela porta de saída lateral, sorvendo uma enorme lufada do

penetranteardeoutono.Entãoessaéela.Agarotaquenãoestámaisviva.

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CAPÍTULO4Ele

–Olha.Aquelagarotanova–dizJaycomabocacheiadesanduíche.Colin acompanha o olhar dele e solta um grunhido evasivo, enquanto Lucy

deslizapelocampodefutebol.Quandoestásozinha,elapareceumaestátua:linhascompridaseperfilesguio.Quandoseaproximadeoutrosestudantes,elaseencolheemsimesma:ombroscurvadosparadentro,cabeçabaixa.Elaofazselembrardesimesmodepoisqueseuspaismorrerameelenão;ea

tristezae a culpapareciamumpesoesmagadordebaixode suascostelas.Elenãosabiacomopoderiasuavizá-lo.Nãoeraotipodedorquepassavacomibuprofenoou com sono ou com a afeição sem fim deDot.No começo, quando as pessoastentavam conversar com ele, ele sentia o desejo de se transformar em ar e sedispersar emmil direções diferentes. Lucy carrega omesmo tipo de fragilidade,desorientada,confusa.Faztrêsdiasdesdequeelaapareceuemsuasaladeaula,ofereceu-lheosorriso

mais dolorosamente vulnerável que ele jamais vira, e então fugiumais uma vez.Ninguém fala com ela. Ninguém olha para ela. Ela não tem livros, nemmesmomochila. Ela olha para cada prédio como se estivesse tentando ver através dasparedesparadescobriroquehádentrodeles.ElasempretocaobraçoesticadodaestátuadeSaintOsannaAndreasi,enquantopassapelocantomaisescurodopátio,depoisrecuacomosetivessesidoqueimada,antesdeestenderobraçoparatocá-lomais uma vez, com cautela. Ninguém nunca toca a estátua, que dizem seramaldiçoada.MasLucy toca.Colin nunca a viu com ninguém.Lucy nemmesmoassisteàsmesmasaulastododia.Elaficaperambulandopelocampus.Ele se sente um total perseguidor por saber essas coisas quando todo mundo

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parece contente em deixá-la no seu canto. A maior parte dos novos estudantesrecebeumagradehorária e se deixa levar pelamaré.Lucyparece determinada acontinuardesorganizada.Aomenos ela estámais calma hoje, como se estivesse curtindo o tempo bom

antes que tudo caia para abaixo de zero. Ainda está fresco, mas ela nunca usacasaco,somenteumfinotecidoazulqueenvolveaextensãodosseusbraços.Comoelapodeestaraquecidaosuficiente?Eladevemorarforadocampus,elepondera.Elapodeteresquecidoocasacoemcasa.–Elaéesquisita–dizJay.IssochamaaatençãodeColineele lançaumolharparaJay,perguntando-seo

queelequerdizer.HáduasnoitesColinpeganosonopensandonosolhosinstáveisdeLucy.SeráqueJaytambémpercebe?–Esquisitacomo?Jayencolheosombrosedámaisumamordidanosanduíche,escorandoseuspés

naparededoprédiodeArtes.Seutênissujosefundenoconcretocinzento.–Elaaparecenaminhaauladeinglêsdevezemquando.Nãofalamuito.–Eosolhosdelatambém.FitandoColin,Jaypergunta:–Olhos?–Deixapralá.Elessão…nãoseidizer…diferentes.–Diferentes?Elesnãosão,tipo,castanhosoualgoassim?Colinmurmura:–Talvezcinzentos.Maselesenteseucoraçãoretumbar.Eletemcertezadequesedisser“Sãocomo

metalderretido”,JayvaiencomendarparaeleumacamisetacomaspalavrasEUSOUUMDELICADOPOETAimpressasnopeito.–Cabelocastanho,olhoscinzentos–dizJay,comoserecitasseoselementosde

umcálculo.Colinparacomosanduícheameiocaminhodaboca.EleseviraparaJayesegueseuolharmaisumavez,certificando-sedequeosdoisestãoolhandoparaamesmagarota.Elesestão.–Castanho?–perguntaColin,gesticulandoparaondeelaestá,nolimitecampo.–

Aquelagarotaali?– Hum, sim – responde Jay. – Amesma que você não para de olhar há vinte

minutos.OcabelodeLucynãoécastanho.Nempertodisso.Colinaobservamaisumavez

esenteumarrepio,levantandoocapuz.EleseperguntasedeveriasurtarporJayvercabelocastanhoquandoeleviaum

loiro quase branco. Mas, com uma estranha onda de calor percorrendo seusmembros, ele descobre que gosta do fato de estar vendo-a de forma diferente. Éestranhamentesurrealelheocorrequeessareaçãopodeestarvindodamesmaparte

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doseucérebroqueseatiçaquandoeleolhadoaltodeumpenhascoeque,emvezdepensarparatrás!,pensapedalamaisrápido!–Amandadissequeaviramandandopertodolago–dizJay.–Dolago?–Sim.Elaénova,nãodevesaberdashistórias,né?Colinassente.–É,nãodevesaberdenadadisso.Ashistóriassãotãovelhasquantoosprédiosdocampus,esãocontadascomuma

piscadelamaliciosa.Todo mundo sabe que elas não são reais, mas a gente sentemedomesmoassim.Mortos-vivosandandoà luzdodia,perambulandoperdidoseconfusos.Aspessoascontamteremvistoumhomememuniformemilitarsentadonum banco perto do lago. Ou uma garota desaparecendo entre duas árvores. Àsvezes, algum estudante diz que ummorto-vivo tentou se comunicar com ele ou,pior, agarrá-lo.Mas são apenas histórias de fantasma, lendas criadas emcimadamórbidahistóriadaescola.A instituição católica foi construída numa terra onde crianças filhas de

colonizadores foram enterradas, antes que os sobreviventes fizessem sua longatrilhapelasmontanhas.Naprimeirasemanadepoisdaaberturadaescola,maisduascrianças morreram num incêndio que destruiu a capela. Durante anos estudantesafirmaramverduascriançasperdidasparadaspertodaentãonovaestátuadeSaintOsanna,ousentadasnumdosbancosdacapelareconstruída.Alendasobreviveu,ecomo tempoapopulaçãodemortos-vivos aumentouno imaginário coletivodosestudantes.Aindaqueaspopulareshistóriasnãosejamreais,todomundofingequeelassão.Dequeoutromodoumacidadeinteiradeixariasuascriançasviveremnosterrenosdaescola?Éumahistóriade terror,Colin sabedisso, eos estudantesmantêmashistórias

vivasporqueelasdeixamaescola interessanteeosfazemparecercorajosos.Masaindaque todomundo jure depés juntos quemortos-vivosnão existem, somenteviciados e bêbados têm a ousadia de dar uma volta pelo lago ou penetrar asprofundezasdaflorestanoHalloween.OuidiotascomoeleeJay,queestãosemprefazendomerdaenãoserempegosporisso.Claro,AmandaseriaaúnicaqueveriaLucylá.Jaydesencostaospésdaparede.–Vocêgostadela.Colinseabaixaparaamarrarcadarçosquenãoprecisamseramarrados.–Tudobemvocêgostardela.Elanãoéfeianemnadadisso,maselaé…nãosei,

quieta–Jaydálongasgoladasdasuagarrafadeágua.–Oquenemsempreéalgoruim. Amanda nunca calava a boca. Céus. Ela ficava sempre falando e falandoquandovocês…–Cara–ColinnãoquerpensaremoutragarotaenquantoestáobservandoLucy.

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Pareceerrado,comocompararumapedracomumaumrubi.–Claroqueelaficava–dizJay, imitandoAmanda.–Ah,Colin,Colin,Colin–

gemeele,fazendoumavozagudaeofegante.Colinnãoresponde,preferindoenfiarumamãocheiadebatatasfritasdentroda

boca.AimitaçãodeAmandaatéqueestábemfiel.–Vocêfaloucomela?–perguntaJay.–ComaAmanda?–Comagarotanova.Colindádeombroselimpaamãonojeans.–Umaouduasvezes.Daúltimavezquetentei,elasaiucorrendo.–Porquevocêéumtrouxa–dizJay,dandoumsocoemseubraço.–Umtrouxa

bembacana.Mas,aindaassim,umtrouxa.Colinfazumapausaantesdejuntarseulixoelançá-lodentrodocesto.–Vocêacaboudemechamarde“trouxabembacana”.Jaylhedáumapiscadelae,doissegundosdepois,dáumsoconoseubraçobom

maisumavez.–Então,vocêvaifalarcomeladenovoouoquê?Colindádeombros,maselesabequevai,claro.–Beleza,garanhão–dizJay,alongandoseusbraçosacimadacabeça.–Opapo

estábom,maseucombineideencontrarShelbyatrásdaescola.–Vocêéumclichêambulante.JayvaideumagarotaaoutraassimcomogiramospneusdabicicletadeColin.

Usadosapenasempoucascorridas selvagens. Ignorandoocomentário, JayacenacomacabeçaparaondeLucyacaboudedarmeia-volta e agoraestá caminhandoparaopátio,aunssessentametrosdedistância.–Elaestávoltando.Porumbrevemomento,osolhosdeLucyencontramosdeColineseprendema

eles.Eaindaqueelepensequeela lheobservava também,derepenteelacaminhamaisrápidoeparaooutrolado,afastando-sedeondeeleestásentado.–Deixe-meorgulhosodevocê–dizJay,dandoumtapinhanascostasdeColin

antesdesaircaminhando.Colinselevantaeatravessaocampodefutebol,acelerandosuaslongaspassadas

para alcançá-la. Ele não faz ideia do que dizer. Não é a mesma coisa que seaproximardeumadasgarotasdaescola,queoconheciamdesdequeeletinhacincoanosde idadeenãoconseguiaescrevera letraS.Garotasqueoconheciamdesdeque ele tinha dez anos e usava amesma camiseta doHan Solo por uma semanainteira. Garotas que,mais tarde, pareciam nunca dizer não. Isso émais como seaproximardeumacobraexóticanomeiodeumatrilha.Comosesoubessequeeleestavalá,Lucyseviraelhelançaumolharporcima

dosombros.

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–Oi–dizelenervosamente,enfiandoamãoboadentrodobolso.Osdedosdasuaoutramãosecontorcemaoseulado.Elafranzeocenhoecontinuacaminhandopelagrama.Ondeestáagarotacom

aquelesorrisodivertido?– Eu não vi você comer nada – continua ele, dando uma larga passada para

caminhar ao seu lado. –Você não estava com fome?ADot faz omelhor queijoquente.–Lucyapenasbalançadeleveacabeça,maséosuficienteparafazeralgoparecidocomesperançaseabriremseupeito.–Vocêestácomfrio?Eutenhoumcasacodelãnomeuquarto…–Eleseencolhe.Aquilosooucomoopiorxavecodetodosostempos.Elesandampormaisunsminutosemsilêncio,asfolhasquebrandosobassolas

deseussapatos.Apesardeserestranhocomoelaéquieta,poralgummotivo,elenãosesenteignorado.–Vocêsemudoupracá?–Inclinandoacabeçadelado,elesorriparaela.–Éque

parecequevocêsimplesmenteapareceunumbelodia.Seuspassos titubeiam levemente,masnadamais.Colinaanalisadeperfil:pele

pálida,cordecreme,lábiosinchadosqueseprojetamparaforacomumdeliciosobeicinho.–Ondevocêestudavaantes?–perguntaele.Lucytitubeiamaisumavez,masnãoresponde.Elejátinhadecididodesistiredar

meia-volta,quandoeladiminuiopasso,gesticulandoparaseugesso.–Comovocêmachucouseubraço?Eleflexionaosdedosdamãoesquerdainstintivamente.–Naminhabicicleta.Máaterrisagem.–Está doendo? – pergunta ela. Sua voz é rouca, como se ela tivesse ido a um

shownanoitepassadaeberradoaplenospulmões.Eleaimaginadançandosozinha,requebrandoepulando,nãodandoamínimaparaoqueosoutrospensam.– Que nada. Já tive piores. Ossos quebrados, fraturas, concussões, pontos.

Qualquercoisaquevocêimaginar.Issoaquinãoénada.–Eleabruptamenteparadefalar,percebendoquepareceumgarotoimaturosegabandoporteramassadoumalatadecervejanatesta.Lucyfranzeasobrancelhamaisumavez.–Porquevocêcontinuafazendoessascoisas,sevocêsósemachuca?Sempensar,Colinresponde:–Pelaemoção?Pelaexplosãodeadrenalina?Aquelesentimentoqueagentetem

quandofazalgumacoisaquenosfazlembrarqueestamosvivos?Lucyparadesúbito;seurostosetornainexpressivoeseusbraçosenvolvemsua

barrigaemproteção.–Euprecisoir.–Espera–dizele,masétardedemais.Comlongasedeterminadaspassadas,ela

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vaiembora.

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CAPÍTULO5Ela

Assim que Lucy se lembra do que aconteceu com ela, um entrelaçamento deoutras memórias se conecta, ligando grupos de boas e tênues sinapses. Ela serecordadesuarisadaalta,quaseumlatido,seusbraçossemprefinoseseucabelo,tãolisoqueescapavadepresilhaselenços.Umtalentoparaaquímica,mastambémparaasartes,medodecachorroeamorpelocheirodelaranjas.Elaselembradorostodoseuprimeiroprofessore,comumadorafiada,lembra-

se da profundidade retumbante da risada de seu pai. Ela se lembra de aprender aesquiar com sua melhor amiga, Kelly, de seu jeans rasgado favorito e de ummoletomdoCome-Comequeelaqueriausartododiaquandoerapequena.E embora amaioria de suasmemórias ainda permaneça disforme, como uma

pilhadegravetos jogadanegligentementenochãoda floresta,Lucy se lembradecada segundo dos momentos que levaram ao seu último suspiro. Do terror tãoenorme que obliterou tudo até ela se tornar apenas uma inspiração, e entãoexpiração,eentãoinspiração.Eentãomaisnada.Elaselembradaquelesprimeirosmomentospulsantesdenada.Emoutraspalavras,elanãoselembradenadaquepudesselhedizerporqueela

está aqui em vez de flutuando numa nuvem em algum lugar, ou abaixo dopavimento,dançandoentrechamas.Éessapergunta–porqueeuestouaqui?–quecomeçaadestruirseutranquiloe

bem formado casulo. Perguntas fazem sua língua queimar, desejosas de seremgritadas no ar frio, mas ela suspeita de que não há ninguém para respondê-las.Desdequeacordou,elapassouhorastentandoentenderquemelaé.Seestádevoltaao lugarondefoimorta,entãoelaéumfantasma?Esefor,entãocomoelapode

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usarroupaseabrirportaseatémesmoservista?Seriaumanjoqueveiorompendoasnuvenseaterrissounatrilha?Entãoondeestãosuasasas?Ondeestáseusensodepropósito?Seu peito dói com a ansiedade inquietante de que ela pode desaparecer tão

rapidamente–emisteriosamente–quantofoisuaaparição.Dealgummodo,aideiade ir embora e ser enviada para outro lugar é mais assustadora que a ideia depermaneceraquicomoumasombra.Aomenosaliéfamiliar.Outrolugarpodesercomo os pesadelos: monstros costurados juntos e escuridão quase preta, garrasamareladasemiséria.Tanta coisa nessa vida estranha que não faz sentido.Lá está a estátua no pátio,

aquelacomosbraçosesticadoseumapesadacapademármorependuradasobreosombros.Lucyestáconvencidadequeatocoucentenasdevezesantes,masagoraelanão parece… certa. Ou, pelo menos, parece mais certa do que pedras deveriamparecer. Na primeira vez, Lucy deixou sua mão se demorar nos dedosdelicadamenteentalhados,tentandoselembrardomomentoexatoemqueossentira,admirando-secomatexturaestranha.Mas,daúltimavez,elaafastou-sederepente,convencidadetersentidoumtênuecalorsobapeledemármore,certadequeumdosdedos tinha semexido.Outrosestudantes, aopassarem, fazemum largoarcoemtornodaestátua.Mas,paraLucy,elaacena.Comoosestudantespodemsertãodesconfiadosecegosaomesmotempo?Suareaçãoàestátuaparecesermaisumacoisaqueaseparadosadolescentesà

suavolta: suapelese tornaquase translúcidaà luzdosol.Objetosnormaiscomolápisepedrasafascinamquandoelaosobserva,mas,aosegurá-los,elessetornamsemgraçaemsuamão.Elaésólidaosuficienteparavestirroupas,maselaspesambem mais do que ela mesma, e Lucy está sempre consciente delas: pegajosas egrudando em todos os lados. Sua mente está cheia de perguntas e vazia dememórias.Écomosetivessesidojogadaaqui,eagoraestásóesperando,suspensa,paraquesuaquedasejaescutada.Odesconhecidodissotudoàsvezesatomadespercebidamenteeadeixasemar,

comopeitoapertado,empânico.Nessesmomentos,Lucyfechaosolhoseexpulsatodooresto,excetoosilêncio.Elaestáaqui,éumfantasmaemroupasdegarota,assombrandoessaescolaprivada;deviaseacostumarcomissodeumavez.Maselanão quer assombrar ninguém. Ela quer ser tangível e sólida. Dormir numdormitório, comerno refeitórioe flertar.Comele.Tudoquedeseja é estarpertodele.Eeleparecedesejarissotambém.Colinasegueportodoladoe,enquantoelase

sente feita de um milhão de perguntas e dúvidas, ele parece ser apenas instinto,simplesmente feliz em estar perto dela. Seu sorriso levemente destacado torna-segenuínoquando ele a vê, comoumamáscara que se derrete.Apresença dele fazsurgirumarrepioquente,suavizandosobsuapele.Eleestáatrásdelaenquantoela

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caminha pelos corredores entre as aulas. Às vezes, ele anda ao lado dela e falasobre tudo – ainda que ela raramente responda o que ele pergunta. Ele parou deoferecer seu lanche para dividirem. Ele parou de oferecer seus livros paradividirem. Desde aquele primeiro dia no corredor, ele nunca tentou tocá-la, masaindanãoabriumãodefazer-lhecompanhia.

Elaseisolanaescolaporquesesentetãooutra.Osoutrosestudantesmoramnocampus ou vão para casa no fimdo dia.Os outros estudantes ficam com fome einquietosnasaladeaula,fazemalgazarranopátio.Osoutrosestudantespodemsairdosterrenosdaescola.Lucy não consegue jogar fora as roupas que estava usando quando despertou,

maselasparecemumganchoparaoutrolugar,dobradasnocantodovelhogalpãoqueelaencontrou.TodavezqueLucyolhaparaelas,sabequeasvestiaquandofoienterrada em algum lugar. Garotas normais não se lembram de ter morrido. Ouniforme novo e roubado fica frouxo em seu corpo magricela, e ela pede a simesma para continuar indo às aulas, pois, realmente, o quemais lhe resta? Pelomenos láelapode ficarpertodele.E,quantomaispertoeleestá,maisela relaxa.Seráperigosoquerertantoconheceralguémsemprimeiroconhecerasimesma?

Elafingequeestápasseandopelocampus–nãooprocurando–,maséinundadaporumaexcitaçãointensaeselvagemquandooencontranoestacionamentopertodosportõesdaescola,pedalandoumaBMXcomooutrocaraqueandasemprecomele. Seu amigo – Jay, ela se recorda – é bonito, um pouco baixinho, mas deconstituiçãomagraerígida,carregaumsorrisoconstante.Oolhardeledeslizadelapara se concentrar na reação de Colin, enquanto ela se aproxima. Então Jay seendireitanospedaiseseafasta.–Oi–dizLucy,achandoquefaloubaixodemais,masacabeçadeColinergue-se

rápidaeseusolhossearregalam.Elavêorostodeletodavezquefechaosolhos,masarealidadedeleali,empessoa,aindaasurpreende.Eleseaproximapedalando,membrosecabelosmuitocompridos,saltandodasua

bicicleta,quecontinuavindo,derrapando,atépararacentímetrosdaspernasdela.Eleparecesurpresoporelanãoterrecuado.

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–Oi,Lucy.Elaengoleemseco,despreparadaparaotomdeintimidadeemsuavozquando

eledizseunome.–Comovocêconsegueandardebicicletacomumbraçoquebrado?Ele dá de ombros, mas alguma coisa brilha no fundo de seus olhos, que ela

reconhececomoalegria.– Estamos dando uma praticada pra ver se conseguiremos fazer uma trilha lá

pelofimdesemana.Umpequenoarranconoseupeito.Umarrepiodeexcitação.–Comumbraço?–É.Elesorrieacombinaçãodeseudentetortoinferiorsobrepondo-seaosdoisde

cimacomapequenaargolademetalenvolvendoseulábioafazpiscaredesviaroolhar para conseguir processar a resposta recebida, em vez de fantasiar comumbeijodele.–Minhaspernasestãoboaseeusóprecisodeumbraçobompraguiar.Elaassente,passandoamãonosesparsosfiosdecabeloemseurostoparaafastá-

los.–Vocêestámeseguindo?Ela espera por uma reação de constrangimento ou de defesa, mas ele a

surpreende ao sorrir, enxugando a testa na manga da camisa do seu braço nãoengessado.–Seestouseguindovocê?–Osolhosdelevãodabicicletaeentãodevoltapara

ela,divertidos.–Nomomento,não.Elaseconstrange,esforçando-separanãosorrir.–Vocêsabeoqueeuquerodizer.–Eusei–dizele.–E,sim, tenhoseguidovocê.–Elefazumapausa,enquanto

observacadapartedoseurosto.–Querdizer,nósdoissabemosquesim.Tenhoasensaçãodequeestoutentandotefazerfalarcomigoháummês.O sorriso dela então aumenta, afetando cada traço de seu rosto e fazendo seus

olhos brilharem, encantadores. Ele não está acostumado a levar um fora e elaentendeoporquê.Eleéautênticoemaravilhoso,mastambémumpoucotriste.Elaquerencará-lo,encontrarumamaneiradecuraressaparte.Longoscíliosdescemlentamente enquanto os olhos dele se fecham, como se estivessem desenrolandoumanovaimagem.Elaadoraquandoelepiscaosolhos.Éumestranhofascínioqueelasente,eumdesejodeperguntaroqueelevêportrásdesuaspálpebras.–Porquê?–perguntaela.– Por que eu estou seguindo você? – Ela assente e o sorriso divertido dele

desaparece.–Nãosei.–Vocêolhapramimdeumjeitodiferentedosoutros–dizela.

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Eleaestudaaquelejeitodele,comosetododiafossefeitodecentenasdehoraseelenãoestivessecomnenhumapressadeabreviarsuainspeção.–Edequejeitoosoutrosteolham?–Bem,naverdade,achoqueelesnãoolham.Eledádeombroseseusolhossesuavizam.–Entãoelessãoidiotas.Cadacentímetrode suapeleanseiaporestarpertodele,masdúvidas revolvem

pela sua mente, cinzentas como nuvens de chuva. Ele não sente um instinto deproteger a si mesmo da estranheza dela. Será que ele não percebeu que ela édiferente?–Vocênãodeviameseguir.Eunãosouquemvocêpensa.Elereviraosolhos.–Issoémeiodramático.–Eusei.Esseéoponto.Elechegamaisperto,comaexpressãosuave.–Vocêveioatéaquiatrásdemimpramedizerpraparardeiratrásdevocê?Eladádeombros,esforçando-separanãosorrirnovamente,eeleseaproxima

maisumpasso,vindoparadesferirogolpefinal.–Pareceumdesperdícioda suahoradealmoço–dizele,maisbaixoagora.–

Você podia terme esperado te encontrarmais tarde. Está nosmeus planos, logodepoisdaauladequímica.–Sério,Colin.Vocênãodevia…–Não é tão fácil assim – interrompe ele. Toda a provocação se esvai de seus

olhosenquantoeleencaraocéu,corandovivamenteeacalmando-se.Suavozdescepara quase um sussurro e ele admite: – Eu não sei por que, ok? Eu só queroconhecermaisvocê,eparecequeeunãoconsigoficarlonge.Lucybebedeseuslábioscheios,desuaexpressãofamintaedesuaatençãograve,

etentamantê-losnumlugarsegurodentrodesimesma.–Colin…Eleexalaumabaforadadear,dizendo,agitado:–Quefoi?Eladesviaoolharparaasdensasnuvensdeoutono,queagoracomeçavamase

transformaremumatempestade,verdesdeeletricidadeepesadasdechuva.–Comovocêdisse,eusouumagarotadramática.Elasorri,sentindosuapelevibrarcomeletricidadeanteamaneiracomqueelese

penduraemcadapalavrasua.–Garotosnãoodeiamisso?– Normalmente, sim – ele lambe os lábios, contornando a forma da argola

prateada–,masamaioriadasgarotasnãosãotãobonitasquantovocê.–Mas,sério–dizela,puxandooolharparalongedabocadele.Seupeitolateja.

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–Eunemmesmoseioqueestoufazendoaqui.Ele vê algo nos olhos dela, impedindo que a rejeição escureça seu rosto. Ele

piscaumavezmais,assentindolentamente,comosejásoubessedisso.–Certo.Ele a observa se afastando, ela consegue senti-lo; seu olhar é como um ponto

quente em suas costas. Ela realmente pediu para ele ficar longe dela? Como sehouvesse um ímã atrás dela e ela fosse feita de restos de metal, sente-se quaseirresistivelmentepuxadaparatrás.Maisadiante,encontra-seacabinenoslimitesdocampus,eumhomemdecalçacáquiesuéterestáparadonavaranda,alongando-senoarfrio.Emumapequenaplacaaopédocaminhoquelevaàentrada,lê-se:

ANTIGARESIDÊNCIADEWILLIAMP.VERNONJosephVelasquez,diretor

Enquanto segue do caminho aos degraus, o homem que ela deduz ser JosephVelasquez nem mesmo acena, sorri ou a reconhece de alguma forma. Estáconcentradonoestacionamentoatrásdela,ondeeladeixouColineJayandandoemsuasbicicletas.Osolhosdeleseestreitam,eoquepareceserexasperaçãopercorreseucorpo,ultrajando-o.–ColinNovak!–gritaele,airritaçãoengrossandosuavoz.–Odoutordissesem

pedalar!Apressãoaumentanopeitodela,umbalãoqueseenchecomalgumanecessidade

indescritívelatéqueficatãoforte,tãocheio,queelatemequesuascostelaspossamse quebrar. Ela sente raiva, mas não faz ideia do porquê. E enquanto o eco daspalavras dele passampor ela até o pátio, retornando emondas e juntando-se aossussurrosdonomedeColinrepetindo-seemseuspensamentos,ohomemlança-lheumolhar,ohorror surgindoemseu rostoantesquea rígidavaranda rangessee,numestaloagudo,tábuasdemadeiraseestilhaçassem.Acontecemuitorapidamente,mas, na cabeça de Lucy, parece uma lenta sucessão: madeira quebra, Velasquezlança-separafrente,eentãoparatrás,quandosuaspernasafundamnavaranda.Obalãodearpresoexplodeeoalívioinfiltra-seemcadacantodeseucorpo.Ela

inspiramaisumavez,engasgando-secomosefosseaprimeiravezquerespiraemsuavida.Estáhorrorizada.Lucysobeosdegrauseestendeobraçoparaseguraramãodohomem,antesderecuarimediatamente.Elanuncatocoualguém,nãonestecorpo.Elanãosabenemsepodesertocada.Oinstintopuxa-aparatrás.Ohomemolhaparacima,acinturaafundadasobavarandaeorostorepuxadodedor.–Vaiembora–dizele,implorando.Eladámaisumpassopara trás,asmãos levantando-separacobrirabocanum

pedido silencioso de desculpas. Mas seu rosto é irreconhecível sob seus dedos,comosecaloreraivativessemrasgadosuapele.–Acho que eu não consigo tirar você daí – diz ela bem baixinho, sentindo-se

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dolorosamente culpada, mas sem querer chegar mais perto, quase como se umaparedeinvisívelestivesseentreelaeohomemferido.Eleolhaparaelacompavor,que dá um passo para trás, levantando as mãos para o alto. – Temo que se eutentar…Gritos vindos do estacionamento chegam até ela e passos pesados sobem pelo

gramado.Colinchegagritando,comJayseguindodeperto:“Joe!MeuDeus,Joe!”.Colin se agacha, aproximando-se do buraco aberto na varanda, e ele e Jay seesforçamparapuxarumsr.Velasquezsujoeferido.Hásangueerouparasgada,eLucyestáestranhamentefascinadapelomodocomo

overmelhoseinfiltraatravésdotecidodacalçadeleeformaumapoçaaoladodeColinnavaranda.–Euvou…chamaralguém–dizela.– Chame a Maggie – pede Jay, rasgando um pedaço da própria camisa e

amarrando-aemtornodapernadosr.Velasquez.–Maggie?–Aenfermeiradocampus.Espera.Euvoucomvocê.Vocêcuidadisso,Col?Colin assente, entorpecido, e a observa afastando-se e começando a descer os

degraus.–Oqueaconteceu,Lucy?OsanguerubroquasealcançaapernadeColineelerecuarápidoantesdetocá-

lo.Olhandoparabaixo,elediz,calmo:–Nósvamosdarumjeitoemvocê,Joe.Seucaráteréfeitodetijoloepedra.Coisasfirmes,coisassólidas.Eleétãobom.Lucy vira-se para ir embora, incomodada pela estranha sensação de ser

responsávelporaquilo, lembrando-sedecomoosr.Velasquezreagiu,comoseorostodeladissesseaelequealgohorrívelestavaprestesaacontecer.Aoladodela,Jaydeslizaodedoporuma listadenomesemalgoqueelaacaboudeentenderoqueé–umtelefonecomumatelabrilhanteecolorida.–Euvoucomvocê–dizele.Lucy tinha ficado confusa na primeira vez emque viu os estudantes de cabeça

baixa,pressionandoosdedosnoquepareciaserumapequeninaTV.Elanuncatinhavistonadaassimemsuavida.Eunãosoudaqui,pensouela.Eunãosoudeagora.Ela seperguntaoqueaconteceria seela tentassepegarumdessespara ligarparaforadaescola.Aligaçãovoltariaparaosterrenosdaescolatambém?Eles seguem trilha abaixonum ritmo acelerado enquanto Jaypassa os detalhes

paraMaggie, e Lucy esforça-se para acompanhar as passadas frenéticas dele. Ogramadoestira-seadiante,duroetãoverdequeparecequaseirreal.Estãoindoatéaenfermaria juntos? Será que ela teria que explicar como uma varandaaparentemente firme simplesmente se esburacou sob o peso de um homempequeno?Pelaprimeiravez,Lucy,agarotasemrespostas,desejaqueaterraseabra

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eareivindique.ElaseviraeolhaporcimadoombronadireçãoondeColincontinuacurvado

sobreosr.Velasquez,falandoemvozbaixa.–Porqueeleestátãopreocupado?–Vocênãoviuohomematoladoatéopeitonavaranda?Osangue?–pergunta

Jay,comumtomdedivertimentoescondidonavoz.Lucy assente, afundando o queixo no peito e observando a grama brilhante e

verdecurvando-seapenaslevementesobseuspés.Suasprópriaspalavrasecoamdevoltaparaelaelheparecemridículas.–Claro.Eunãoquisdizerqueelenãodeviaestarpreocupado.–Não,euseioquevocêquerdizer.Eleestámaispreocupadoqueamaioriade

nósestaria,euacho.–Jaysecurvaparafrenteparaencontrarseusolhos.–ÉqueColin sobreviveumilagrosamente aumacidentehorrível quematouospais dele.Entãoacidentesmeioqueodeixamabalado.Alémdisso, Joeéopadrinhodeleepraticamenteoúnicomembrodafamíliaquesobrounomundo.

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CAPÍTULO6Ele

Colinestevenaenfermariamaisvezesdoquepôdecontar,masraramentecomoapessoasentadaao ladodacama,enquantoaoutra falacoisassemsentidosoboefeitodeanalgésicos.– Parecia um demônio. Ou um fantasma. Ou alguém que tem um rosto que

derrete–balbuciaJoe.– Está tudo bem agora – assegura Colin ao seu padrinho. Joe estava falando

desconexamentesobredemôniosporquaseumahora.–Éamorfina.AportadocorredorseabreeMaggieentra,trazendoataduraslimpaseumcopo

deágua.Elaaindadeviaestarnafaixadostrinta,mascarregavaasabedoriadeumamulhermuitomaisvelha.Issotranspareciaemsuasprofundaslinhasaofranzirassobrancelhasenaspersistentesrugasdepreocupaçãoemsuatesta.–Comoeleestá?–perguntaelaaColin.–Aindafalandodeumdemôniocomorostoderretido,masparecemelhor.Maggiemurmuraalgumacoisa,oslábiosjuntos,eabaixaolençolparachecara

ataduradeJoe.–Agentetemquelevaresseaíprohospital,sópragarantir.–Euestoubem–resmungaJoe,derepentecoerente.–Agentenãovaiandarde

carroporduashoraspraumacoisaquevocêpodemuitobemfazeraqui.–Eupossodarospontos,masoscortessãoprofundos.Vocêvaificarcomuma

cicatrizbemfeia.– Por mim, tudo bem. Não preciso impressionar ninguém com uma pele

impecável.–Asgatinhascurtemumacicatriz–dizColin,tentandodistraí-lo.

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Joe solta umgemido quandoMaggie puxa a atadura banhada de sangue.Colindesviaoolhar,recuando.Ocorteéprofundo,masestálimpoagoraeColinjuraqueviuumpedacinhodeosso.MaggieodespachaparaooutroladodoquartoenquantoeladáospontosemJoe.SeuestômagoreviraaoverJoeassim:visivelmentevelhoevulnerável.–Saiadaqui,garoto–dizMaggie,indicandoaportacomoqueixo.–Vocêestá

verde.–Eununca…oviassim.–Ah, é?E comovocê achaque ele se sentiu vendovocê todoquebrado tantas

vezesquenãodánempracontar?Colin sabe que ela está certa. Ele se lembra de ter estado na enfermaria e no

hospitaldepoisdeumabatidagravedebicicleta, comváriascostelasquebradaseumcorteenormenacabeça.Naépoca,tinhaseperguntadoseiriamorrer.Pareciaumaquestãobemcorriqueiraparaele:ouelemorreria,ounão.Erasimples.Nuncatinhapensadoemcomoelessesentiriamaoperdê-lo.–Anda.Vádormirumpouco.Eucuidodisso–dizMaggie.Colinolhaparaohomemnacama.–Vocêestábem,Joe?JoesoltaumgemidoenquantoMaggiedámaisumponto.–Amanhãjávouvoltaratrabalhar–dizele.Aenfermeirari.–Semchances.

Colin desperta assustado quando Jay volta para o dormitório. Uma luz suavevindadocorredorrapidamentedeslizapelasparedesedesaparece.–Esperoqueestejasozinho–dizColin,orostoafundadonotravesseiro.Foium

diadaqueles, e aúltimacoisa comqueelegostariade lidar essanoite éumadasnamoradas de Jay esgueirando-se para dentro do quarto deles. Se fossem pegos,todosostrêsseriamrepreendidos.–Euestou.Cara,estoutãocansado.Colin ouve o farfalhar de roupas, Jay praguejando ao tropeçar e o ruído das

chavese sapatoscaindo sobreo tapete.Ocolchãodooutro ladodoquarto rangequandoeledesabasobreacama.Elegemealgumacoisaevira-sedebruços.ArespiraçãodeJayassumeumritmoregulareColinabreumolho,tentandover

o relógio ao lado da cama. São quatro damanhã – de algummodo cedo e tardedemaisparaadivinharfacilmenteondeJayestava.–Ondevocêestava?–perguntaele.Jaynãorespondeeelerepeteaperguntamais

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alto,esticandoseubraçobomelançandoumagarrafavaziadeáguanadireçãodeJay.Jaysesobressalta,levantandoumpoucoacabeçaantesdedeixá-lacairmaisuma

vez.–Euestoudormindo,cara.–Shelby?–perguntaColin.–Não,elaétãodramática.Pranãodizerlouca.Colin revira os olhos, bufando para que Jay ouça seu desdém, ainda que não

possavê-lo.TodasasgarotascomquemJaysaisãoloucas.–ComoestáoJoe?–Apernadele está bemmachucada– dizColin, passando amãopelo rosto. –

Mas,deresto,elepareciabemquandoeufuiembora.–Eletem,tipo,setemilanosdeidade–dizJay.–EnadaderrubaoJoe.Porra,

nemmesmoumavarandadesabandocomele.–Ele tem72anos–murmuraColinnum rosnado.–Eele teve sorte.Maisum

dedopraesquerdaeeleteriasangradoatémorrer.Jayrespondecomumsilênciodevidamentepesado.Àsvezes,quandoosplanetas

sealinham,atéelepercebeseumcomentárioengraçadinhoédesnecessário.–Ah–dizele,maisentusiasmado.–Euviasuamina.–Oquê?–Lucy.Euavinocaminhopracá.ElaestavasentadaemfrenteaoEthanHall.Eu

pergunteiseelaprecisavadeajuda,maseladissequenão.–Primeirodetudo,elanãoéminhamina…Jayresmunganotravesseiro.– Acredite em mim – insiste Colin, abrindo os olhos para fitar o teto, bem

desperto agora. Acima dele estão várias estrelas que brilham no escuro e ummodelodosistemasolar.Seupaitinhafeitoparaeleantesdemorrer,eopresenteacompanhara Colin em cada quarto novo. Ele suspira, passandomais uma vez amãosobreorostoeperguntando-sequemeraessagarotaestranhaeporquediaboselaestavasentadasozinhadoladodeforaàsquatrodamanhã.–Elamepediuparadeixá-laempaz.–Caramba–Jaysoltaumgemido.–Écomosevocênãosoubessenadasobre

mulheres.Elassemprefalamisso,Col.Elastêmquefalar.É,tipo,comoocérebrodelas funciona ou algo assim. Elas falam essas coisas pra se sentirem menosculpadas, porque na verdade elas querem que a gente ataque-as. Achei que todomundosoubessedisso.– Pensar assimvai te fazer ganhar, por ironia do destino, um companheiro de

celachamadoTiny1–dizColin.–Se estou errado, entãoporque eumedei bemnanoitepassada evocê ficou

aquicomumapilhaderoupasujaenacompanhiadasuamão?

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–AchoqueissotemmenosavercomigodoquecomaspéssimasescolhasqueasestudantesdoSaintOandamfazendo.–Ah,claro–dizJay,avozengrossando,quasedormindo.Eleficaemsilêncioe

finalmente sua respiração torna-se regular.Colin senteum turbilhãodentrode si,incapazdeparardepensaremLucyeporqueelaestariasentadadoladodefora,nofrio.Naqueleprimeirodia,eladisseraqueestavaaquiporcausadele,e,emboraele

nãoentendaoqueissoquerdizer,talvezumapartedeleentenda.SaintOnuncafoiuma escola normal; todo mundo adora tratar as histórias como lendas, masninguémnuncaficasurpresoquandonovashistóriassistematicamenteentramparaacoleção.Certamente Lucy é diferente para Colin em comparação a como Jay a vê, e é

difícilfingirqueissonãoquerdizeralgumacoisa.Eleéatraídoparaeladamesmamaneira que é sempre atraído para o lago – aquelemisterioso lugar que assustatodomundo,menososestudantesgóticoseColin,quevaiparaláquandodesejaotipodepazquelheétãoraroconseguir.Elesesentedamesmamaneirapertodela.Naverdade,eleestáseesforçandoaomáximoparaignorarosentimentodehomemdascavernasbabacaquesentequandopensaque,dealgumamaneira,elapertenceaele. Mas foi ela mesma quem trouxe essa ideia, plantando-a nele como umapequeninasementenegra.Eagoraelenãoconseguedormir.Ótimo.Comcautela,paranãoacordarJay,ele

pegadoiscasacoscomcapuzesaisilenciosamentedoquarto.

LucyestáexatamenteondeJaydissequeelaestava,sentadanumbancoemfrenteaoEthanHall,decostasparaColin,defrenteparaalagoa.Sobaluztênue,aáguapareceestranhamenteconvidativa,suaveeescuraecalmaosuficienteparafazeralua e centenas de estrelas experimentaremo próprio reflexo.A névoa enrosca-sepelas margens, como dedos seduzindo suas vítimas para dentro da escuridãofrígida.Respirandofundo,elediminuiadistânciaentreeles.–Oi–dizela,semsevirarparavê-lo.Seucoraçãoéumtamborretumbantesobseuesterno.–Oi.Finalmente,elaoespiapelocantodosolhos.–Oquevocêestáfazendoacordado?–perguntaela.Suavozésempretãorouca,

comoseelanãoausassemuito.–Nãoestavaconseguindodormir.Evocê?

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Comoeradeseesperar,elanãoresponde,entãoeledepositaocasaconobancoaoladodela.–OJaydissequeteviuaquifora.Acheiquepudesseestarcomfrio.ElaaindaestáusandoapenasaquelacamisaOxfordazul-pastel,atéparecequeé

quenteobastante.–Éporissoquevocêveio?–Talvez.Eleesfregaasmãosumanaoutra,soprandoentreaspalmas,eaobservadeonde

está.Aexpressãodelaévazia,ilegível.–Comoosr.Velasquezestá?Colinsenteumavontadeirrefreáveldecantarolardetantafelicidadeporelaestar

falandocomele.– Ele vai ficar bem. Quando fui embora, ele já tinha recobrado a lucidez,

insistindoquepoderiatrabalhardacamaseMaggiedeixasse.TenhocertezadequeDotvaificarnaenfermariaforçando-oacomeracadavinteminutos.LucyficaolhandoparaoladoduranteasváriasbatidasdocoraçãodeColineele

seperguntaseestãodevoltaaojogodosilêncioatéqueeladiz:–ADotéasuachefe,nãoé?Vocêpareceserpróximodela.–Elaé.–Ele sorri anteosesforçosdeladecomeçarumaconversa.–Masela

sempremeioquefoicomoumaavópramim.–Então,suameio-que-avóadministraacozinhaeodiretoréoseupadrinho?–OPoderosoChefão–dizColin, emsuamelhor imitaçãodeMarlonBrando,

masLucyapenaslhedáumsorriso indulgente,mostrandoascovinhasaoladodaboca. – Meus pais morreram quando eu era pequeno. Eles eram professores eamigosdeDoteJoe,quenaépocaeraprofessordehistória.Dotmecontratounacozinha quando eu tinha catorze anos,mas ela cuida demim desde os cinco. Eutentoficarcomelaomáximoqueposso,tipo,ajudandoaassarcoisasànoiteetal.–Sintomuitopelosseuspais.Eleassenteumavez,desejandoqueelespudessemvoltaraodoceflertedooutro

dia,oumesmoaosbalbuciossemsentidoenquantoeleaseguiapelocampuscomoumcachorrosemdono.Seuestômagosecontrai,elequersairdesseassunto.Aindadói.Provavelmente,semprevaidoer.Elenãoquerpensarnosmergulhospsicóticosdesuamãe,noacidenteouemnadadisso.Quasetodomundonaescolaconheceahistória,eeleficagratopornuncaterquecontardeverdade.–Evocêmoraaquidesdequetinhacincoanos?–NósnosmudamosdeNewHampshirequandomeuspaisconseguiramemprego

aqui.Elesmorreramquandoeu tinhaseis,eeufiqueimorandocomoJoeatémemudarparaodormitórionoprimeiroano.–Eleseinclinaparapoderverorostodelamelhor.–Evocê?Suafamíliamoranacidade?Acheiquevocênãomorasseaqui,mas…–Suavozmorre,eosilênciodelalherespondemaisumavez.

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–Colin…–dizela,finalmente.Ouvi-ladizendooseunomeo fazsentircoisas,pensaremmaneirasde fazê-la

dizermaisumavez,emaisalto.Elalevantaoolharparaele.–Sobreoqueeudisseontem…–Vocêestá falandosobreaparteemquevocêmepediupra ficar longeeaqui

estou,encontrandovocênomeiodanoite?–Elecorreodedoindicadorpelolábioinferior,piscando.–Eujuroquenãosouumpsicopata.–Não,nãoisso.–Elasoltaumsuspiro,levantandoacabeçaparaobservarocéu.

–Euestoufelizquevocêestejaaqui.Bem,issofoiocompletoopostodoqueeleesperava.Essagarotaétãodifícilde

lerquantoumtextoemcirílico.–Ah,ok…?Aatençãoqueela estádandoàs estrelaso faz seperguntar se ela está tentando

contá-las.Seráqueelaestávendoalgumacoisaqueelenãoconseguever?–Eunãodeviaterfaladoaquiloontem–começaela.–Euquerovocêporperto.

É sóqueeunãoachoquevocê deviaquerer estarporperto.–Ela respira fundo,comoseestivessesepreparandoparaumaduraprova.–Eagoraeupareçolouca.Eleri.Parecemesmo.–Umpouco.–Masachoqueoqueeuvoudizeréumpoucolouco.Eleaencara,focandonomodocomoosdentesdelaroçamseulábioinferior.Ele

jásabeque temalgodiferentenela.Edefinitivamente temalgoestranhoneles.Sóagora,nestemomento,elepercebeoquantoresistiuempensarcomotudotemsidoestranho. Depois do colapso nervoso da sua mãe e da morte de seus pais, emconsequência,eleaprendeucomoresguardarsuamentecommuitocuidado,nuncademorandomuitoemsuahistóriamórbidaou–eventualmente–emqualquercoisalevemente preocupante. Até esta noite, ele considerava os boatos sobreacontecimentosestranhos em SaintO apenas como lendas, ummodo de fazer ascrianças se comportarem, e de direcionar o fraco fluxo de turistas para a cidademaispróximanoverão.Masháalgodeparadoxalemsesentarcomumamisteriosadesconhecidaànoite,diantedeumalagoaenevoada,queofazverascoisasmaisclaramente.Ainda assim, seu corpo luta contra a clareza. Colin consegue sentir seus

pensamentos esfumaçando, desvanecendo, como se ele não devesse se importarcomoquão estranhoparecia tudo isso.Dessavez, ele os retém,ouvindo emvezdissooladoracionaldoseucérebroedistanciando-seumpouquinhodeLucy.Elesempresoubequeelanãoeraumagarotanormal.Paraele,ocabelodelaé loiro,não castanho. Ela nunca parece sentir frio, ela parece nunca comer. Ela é tão…diferente. Quando os olhos dela encontram os dele, em um demorado, afiado,

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ansiosocinza–preenchidosdemetalegelo,preocupaçãoeesperança,etotalmentediferentesdequalquercoisaqueColinjamaisimaginouantes–eleseperguntaporuminstanteseLucyé,defato,real.“Tiny”(emportuguês,literalmente“Pequenino”),éumapelidousadoemprisões

nos EUA para grandalhões mal-encarados, mas pouco inteligentes, quefrequentementeprocuramoutrosprisioneirospararelaçõessexuais.(N.T.)

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CAPÍTULO7Ela

Suagargantaseaperta,quasecomosemãosinvisíveisempurrassemaspalavraspara baixo, espremendo-as dentro de si. Mas não é nenhuma força estranha esobrenatural que a obriga a manter sua morte em segredo. É medo, pura esimplesmente.Seuassassinato–osangueeamorteeosgritosnãoouvidos–éamemóriamais

pungentequepossui.Elanãofazideiadequantotemposepassoudesdequemorreu,ou se alguémdesta cidade estavavivoquando isso aconteceu.Oprimeirogarotoque beijou? Seu professor favorito? O paradeiro de seus pais? Ela nemmesmopodesairparadescobrir.Mas,depoisdeumasemanaperambulandopelosterrenos,sem saber seu nome ou quem lhe comprou os sapatos de seus pés, sentindo umpânicocrescentedevidoaovazioquesentedentrodesi,saberalgosobresuavida–aindaquesejaavidaqueacabou–lhetraziaumamargoalívio.Porém,enquantoasregrashumanassãosemprediretas–prioridadenúmeroum:

continuarvivo–asregrasdepoisdamortesãoummistériocompleto.Tudoqueelasabiasobreamorte,quesemorrervocêestáacabado,mostrou-sefalso.SeriaelaentãoresponsáveldealgumaformapeloqueaconteceucomJoe?Parecequesim.Apreocupaçãotomaseupeitoococomumarrepiogélidoanteopensamentodequepoderiamachucaralguémsemteraintençãodefazê-lo.Umacoisaécerta:aúnicacoisaimpedindo-adeficarcompletamentesozinhano

mundo é este garoto nervoso sentado ao lado dela. E ela tem uma história paracontar.Talvezsejacurtaeirrealecheiadeburacos,maselanãopodeocultá-lapormaistempodele.Aquestãoéseelevaiquererteralgumacoisacomeladepoisdeescutá-la.

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–Lucy?–perguntaColin,inclinando-separafrenteparaolhá-lanosolhos.–Eunãoquis te fazer sentir-seobrigada a falar.Vocênãoprecisamecontarnadaquenãoquiser.Nãofoiporissoqueeuvim.Essanãoé…– Não, eu estou organizando as palavras. – Ela sorri suavemente para ele.

Engolindo em seco sua apreensão, começa: – Eu acordei ao lado do lago háalgumassemanas.–Elaapontaparatrásdeles,sobreoombro.–Sabeodiaemqueeuteencontrei?Eutinhaacabadodelevantar,perdida.Aprimeira respostadeleéosilêncio,quereverberamonotonamenteentreeles.

Elaarriscaumolharde lado;osolhosdeleestãosemicerrados,comose tentassetraduziraspalavrasdentrodesuacabeça.–Desculpa.Eu não sei o que você está querendodizer – diz ele, finalmente. –

Vocêpegounosonolá?Nolago?–Euaparecilá–eladiz.–Eunãoseisecaídocéuoumematerializeinoar,ou

se fiqueidormindo lápor séculosouumdia.Euacordei semnenhumamemória,semnenhumpertence,semnada.–Sério?–perguntaele,avozagudaeabalada.Eleentãosedeparacomosolhos

dela, estudando-os. Ela vê a expressão dele se escurecer por alguma coisa.Ansiedade,talvezmedo.–Porfavor,nãoseassuste–sussurraela.–Eunãovoumachucarvocê.Pelomenos,euachoquenão.Eladesceasmãosparaseucolo,comoseelasfossemcapazesdealgumacoisa

queelaaindanãodescobriu.Eleseviradenovo,amandíbula salienteapertadacomforça.Évisívelemsua

expressãoqueopensamentonãotinhalheocorridoatéeladizê-lo.Elabalançaacabeça.–Desculpe,eunãoestoumeexplicandobem.Olha,euachoqueseiporquenão

me lembro de nada e por que é difícil segurar as coisas e por que não precisocomeroudormir ou…do seu casaco. –Ela ergueoolhar para ele, esperando-odizer alguma coisa, mas ele nada diz. Lambendo os lábios, olhos pulsando comansiedade,eladiz:–Tenhocertezadequeestoumorta.

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CAPÍTULO8Ele

Colinaencara,parteconfuso,partehorrorizado.–Ah,ok…–dizele,assobrancelhaserguendo-selentamente.Metadedesuaboca

se estica num sorriso inseguro. Isso não pode estar acontecendo. Não pode. –Morta,é?Elepisca,pressionandoapalmadasmãosnosolhos.Eleoficialmenteperdeuo

juízo.–Isso.Elaselevantaedáalgunspassosemdireçãoàlagoa.Colinaobservaenquantoelamiraopróprioreflexoeseperguntaseumagarota

mortasequerteriareflexo.–Então,quandovocêdissequeestavaaquiporcausademim,vocêquisdizerque

voltoudosmortosporcausademim?Ele consegue vê-la assentindo, ainda que seu rosto esteja virado para o outro

lado.–Eunão…eunãofaçoideia,sério.Mas,sim.Éissoqueeuquerodizer.Umterrorfrioepesadoseinstalaentreascostelasdele.Não,porfavor,não.–Mas,sevocêestámorta,comoconsegueabrirportas,ou–eleapontaparao

casaconosbraçosdela–segurarmeucapuz,oumesmousarouniformedaescola?Eladádeombros.–Eunãosei.Eutenhoquasecertezadequepareçoamesmapessoa.Aindaaltae

ossuda.Masmenosatrapalhada.–Ela lança-lheumolharporcimadosombrosesorritristemente,depoisvira-semaisumavez.–Masachoquemesintodiferente,menossólida,menos…–Avozdelamorreeelabalançaacabeça.–Menos,apenas.

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Eumelembrodemorrer,masestouaqui.Étudoqueseidizer.Seus longos cabelos loiro-pálidos descem até a barra da sua camiseta, e ela

parece tão sinistramente lindadianteda lagoa, coma lua crescente, perfeitamenterecortadanocéu,diretamentesobresuacabeça.Derepente,aideiadequeeleestáenlouquecendonãoparece tão impossível.Colin se pergunta seLucyde fato estáaqui.–Lucy,dequecoréoseucabelo?Elasevira,umsorrisoconfusonorosto.–Castanho…?Comisso,elederrubaacabeçaemsuasmãosegeme.Lucyseaproxima,sentando-seaoladodelenobanco.–Porquevocêestámeperguntandoisso?–Pornada.Ela toma-lhe a mão, mas ele imediatamente a solta, disparando do banco e

esfregandoaspalmasnaspernas.–Quefoiisso?Sua mão comicha onde ela o tocou, a sensação lentamente morrendo num

formigamento de calor. Ela parecia como eletricidade, partículas carregadas emformadegarota.Colinaencaraeentãoestufaasbochechasenquantosoltaoar.–Oqueestáacontecendo?–murmuraele,olhandoalémdelaparaocéu.Elede

repenteselembradecadajovemquechegavaofegantedaflorestacomumahistóriasobrealgoquetinhavisto.Comosuamãecostumavafalarsobre…meuDeus,nãoconsegue nem começar a pensar nisso. A ideia de que Lucy é ummorto-vivo éimpossível. A ideia de quemortos-vivos são reais é aindamais impossível.Masambasaspossibilidadesofazemquaseseengasgardepânico.Porque,semortos-vivosnãosãoreais,entãoeleenlouqueceu.E,seelessão reais…então talvezsuamãenãoestivesselouca,nofinaldascontas.Enesseexatomomento,emtodososoutrossentidos,elesesentesão.Sim,são.

Eleselembroudepegarumcasacoantesdesair.Eleestáusandosapatos.Eleachaque está falando coerentemente.Quandoolha à sua volta, não vê nada de errado.Nenhuma aranha subindo por seu corpo ou estrelas acenando para ele do céu.Apenasumagarotadecabeloscastanhosquepareceloiraparaele,dizendoserumfantasmaecujotoqueécomoeletricidadeecalor.Éisso.Eleestálouco.–Porqueeunãopenseimaisnisso?Elabalançaacabeça,sementender.–Pensarnoquê?Elegesticulacomamão,indicandocegamenteaáreaemtornodacabeçadela.–Seucabeloéloiro,eoJaydizqueécastanho.Eseusolhos?MeuDeus!Oque

estáacontecendo?

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–Meusolhos?Meucabelo?–Lucysecurvaparaolhá-lonosolhos.–Eupareçodiferentepravocê?Ele encolhe os ombros endurecidos. Parece haver um estouro de cavalos

selvagensgalopandodentrodoseupeito.–Eupareçodiferentepravocêeissonãotefezpirarantes?–Nãoatéagora.–Elesoltaumgemido.–Achoqueeunãoqueriapensarnisso.

Eununcamaisqueropensarnisso.–Pensaremquê?–Nada,esquece–eleenfiaasmãosentreoscabelos,puxando-os.–SaintOé…

umlugarfodido.Ai,meuDeus.–Comovocêsentiuminhamão?–perguntaela,maisinsistenteagora.–Quê…?–Elebalançaacabeça,tentandoencontraraspalavrascertas.–Tipo…

energia…eformigamento…Ela lhe oferece a mãomais uma vez. Depois de olhá-la pelo que parece uma

eternidade, ele dá um passo adiante, respirando pesadamente, e a toma. Em seuaperto, o toque dela estala contra sua pele antes que um formigamento quente evibrantecomece.Avozdeleétrêmulaquandodiz:–Comoenergiaear?Hum…O formigamento começa a preenchê-lo com um anseio tão intenso que ele se

sente desorientado. Ele a solta novamente e dá um passo para trás, balançandoambasasmãos,comosequisessesecá-las.–Queloucura,Lucy.Issoéumaloucura.Eladáumpassonadireçãodele,maseledámaisumparatrás,necessitandode

espaço para respirar. Ele sente como se o ar estivesse sendo sugado de seuspulmões quando ela está tão perto.Como que lendo amente dele, ela recolhe asmãosparadentrodasmangasdacamisa.Mas,depoisdeumlongomomento,acuriosidadedomina.Aproximando-se,ele

puxa-a pela manga, trazendo a mão dela para ele. As pontas de seus dedospercorrem a palma dela antes de ele lhe virar a mão e pressioná-la. Estalos epequenasexplosõesdeenergia,seguidosporumdeliciosocaloreoalíviodeumaprofundaeestranhador.Oformatodamãodelaénormal,maselenãoconseguesegurá-la.Quandoeleapertacommuitaforça,aenergiadelaparecequaserepelirseutoque.Serámesmosuamentelhepregandopeças?– Selvagem. – Ele suspira. Ela parece se afastar, como se seu toque quase lhe

causassedor.–Vocêestábem?–Sim–dizela.–Émuitacoisa.Suapeleétãoquenteetão…viva…?Eumesinto

umpoucoesmagada.Colin pisca, desviando o olhar enquanto solta a mão dela e murmura uma

desculpa.

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–Écomoseeunãoexistisse,eentãoderepenteeuestavalánatrilha—dizela,explicando. – Lembra-se daquele vestido que eu estava usando?O vestido fino eflorido?As sandálias de garotinha? – Ela fica em silêncio e ele levanta o olhar,esperando.–Achoquefuienterradacomeles.Ela está commedo, ele percebe.Os olhos dela são de umvioleta rico, afiado,

salpicados comumvermelhometálico.Esperança emedo, elepensa.Maismedo.Colinfechaosolhoscomforça.Eleconseguelerohumordelanosolhos.–Colin,vocêestábem?Ele pressiona os pulsos contra as sobrancelhas e geme; nem sim, nem não.

Definitivamente,elenãoestábem.Elachegamaisperto.–Depoisqueeutevi,querdizer,eusenticomosetivessequeteencontrar,esei

comoissosoa.Soaassustador.Éporissoqueeufugi.–Euquasecorriatrásdevocê–murmuraele,masimediatamentesearrepende.

Essaconversapareceseramesmacoisaquecorreremaltavelocidaderumoaumacurvafechadanaescuridão,numatrilhanova.Elenãosabecomoproceder.– Depois daquele primeiro dia, eu me senti puxada para a escola. Eu ficava

sentadadoladodeforae…–comocantodosolhos,eleavêlevantandooolharparaele—vocêsabequandovocêprendearespiraçãoetudoficaapertadoecheioe você se pergunta o que está fazendo seu peito queimar? Quer dizer, é só ooxigênioeodióxidodecarbononãocirculandonospulmões,masqueima,sabe?Seusolhossearregalameeleassente,imperceptivelmente.Elesabeexatamenteo

queelaquerdizer.–Tevereracomopoderexpirareinspirardenovo.–Eleperscrutaaexpressão

dela.–Euseiquepodenãoparecer,masquandoestoucomvocê,aindaquenadafaçasentido,euficofelizemestardevolta.Ela faloudemais, eColinnão sabecomo lhe contarqueé impossível ela estar

morta, e que toda essa conversa é invençãoda sua imaginação.Mas, de novo, setudo isso está acontecendo dentro da sua cabeça, será que ele deveria se sentirconstrangidoporela,porestarfalandoalgoquenãopodeserverdade?Comolutarcontraaforçaquelevaàinsanidade?Suamãecertamentenãoconseguiu.Pelo contrário, ela caiu numa depressão tão profunda depois que sua irmã

morreu que ficava dias sem comer ou semexer. Por fim, ela insistiu ter visto afalecidafilhacaminhandopelocampus,perdeuacabeçaedirigiuparaforadeumapontecomtodososmembrosdasuafamíliadentrodocarro.Ele a encara, sentindo como se estivesse prestes a vomitar. Os olhos dela são

comometalderretidocomcores.Ocabelodelaéloiro-pálidosomenteparaele.Eladizquevoltoudosmortos,queestáaquiporcausadele.–Eu…eupreciso…–Issopareceloucura.Vocêachaqueeusoulouca.Eu…

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–Desculpa.Eutenhoque…–Porfavor,Colin,acrediteemmim.Eujamaisiria…Eleselevantaantesdeelaterminar,virando-sebruscamenteecaminhandoomais

rápidoquepodedevoltaaodormitório.

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CAPÍTULO9Ela

ElaobservaColinseafastarequaseconseguesentiraagitaçãodasuareação.Oarpareceesfriaracadapassoqueelecolocaentreeles,masorastrodasuapalmaqueimacontraadela.Aconversafoi,aomesmotempo,melhorepiordoqueelaesperava.Melhor,porqueelaconseguiuexplicartudodeverdade.Pior,porqueelefoiemboradessejeito,comoseestivessepensandoqueelainventaratodaahistória.Levantando-sedobanco,LucyseenvolvenocasacodeColin.Elafechaosolhos

enquantosenteseucheironoalgodão.Oquemaiselapodefazer,alémdeesperar?Elanãopodeculpá-loporentrarempânicoepelomedoqueelaviutãocruamenteem seu rosto.Oúnico jeito de ganhar a confiançadele é deixar quepercebaquetudo o que ela quer é ficar perto dele. Ela tem tempo. Sentindo como se seuestômago estivesse despencando, ela percebe que pode ter até a eternidade paraesperar.Comumúltimoolhar,elainiciaalongacaminhadadevoltaaoseugalpão.

Namanhãseguinte,elasesentapertodaestátuadeSaintOsannacomosbraçosemtornodaspernas,apertadascomforçacontraopeito.Elajáseacostumoucomaestranhezadaestátua;éaúnicacoisaquelhepareceforadolugarnomundo,assimcomo ela. Os primeiros a acordar passam arrastando os pés no ar frio,conversando, rindo, comendo.Sonolentos e desconcentrados.Umcombochechasmuitocoradas,umacomcabelosvermelhoseselvagens,eumcomumapelesuave

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de marfim. Apesar disso, chama-lhe a atenção como pouco distingue uns dosoutros.Oespaçoaoredordecadaestudanteparecesemgraçaeoco.Lucy pensa que Colin deve odiar esse tempo chuvoso e úmido. Será que ele

andaria de bicicleta, pulando de tronco em tronco, desafiando a gravidade nesseveículo tão frágil, mesmo na chuva? Ela sente vontade de observá-lo assim,absorvidoemalgoqueama.Assimqueo sol finalmente alcançao topodos prédios,Colin aparece.Ele faz

uma curva dirigindo-se para trabalhar no turno damanhã no EthanHall; longaspernas,longaspassadas,cabeloselvagemtambémlongo.Eleotiradorostoemirao relógio antes de começar a se sacudir. Lucy recua rápido para a escuridão,levantando o capuz do casaco para cobrir a cabeça. Diferentemente de qualqueroutroestudantedoSaintOsanna,oespaçopertodeColinparecetãocheio;oarépesado com ele. Fica distorcido como se tivesse sido aquecido com calor,retorcendo-separadentro,desejosodeestartãopertodeletantoquantoeladeseja.–Bomdia–dizelaparaoarfrio,esperandoqueamensagemchegueatéele.

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CAPÍTULO10Ele

–Quando foiaúltimavezqueeu tedissequevocêé incrível,Dot?–perguntaJay, com a boca cheia e o segundo prato deFrench toast diante dele. Eles estãosentados na mesa secreta na cozinha, observando Dot e os outros cozinheirosprepararemocafédamanhãparacentenasdeestudantesprestesairromperempelasportas.Nosfundos,elespodemcomerempazeroubarfatiasextrasdebacon.Mas,nestamanhã,Colinapenasbeliscaseucafé.–Seeusoutãoincrível,entãoporqueeutenhosemprequelevarsualouçasuja

prapia?–perguntaelaporcimadoombro.Jayimediatamentemudadeassunto:–Vocêvaisairdepoisdotrabalho?DotdáumpassoportrásdeColin,depositandoumajarradesucodelaranjana

mesaantesdevoltarparaocampodebatalhaevirar cercadedezessete fatiasdeFrenchtoastemdezsegundos.–U-hum.EuvouparaocampeonatodepôqueremSpomane.Eusaqueidamanga

um royal flush da última vez. Primeira vitória da noite. – Ela sorri e faz umadancinhaenquantocomeçaacortarlaranjas.–Dot,nãoseisegostodevocêdirigindoocaminhotodoatéaqui–dizJay.–Ai,porfavor–zombaela.–Minhavisãoémelhorqueasua,rapaz.Eujávi

algumasgarotascomquemvocê“fica”.–Eladesenhaasaspascomosdedosnoar.–Vocênãoprefereandarcomagenteemvezdeummontedevelhinhas?Você

machuca meu coração, Dot. Se eu fosse dez anos mais velho… – Jay dispara,erguendoumasobrancelhaparaela.–Jay,vocêétãoesquisito.

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Colinnãoprecisadenenhumaajudaparasesentirenjoadoestamanhã.Elenãodormiunada.Elemalquerlevantaroolhar,pormedodeveralgumacoisanovaqueconfirmequeperdeuacabeça.Eleestáumcaco.Dot enche o prato de Jay mais uma vez e limpa as mãos no avental, que diz

NUNCAFRITEBACONPELADO.–Vocêsabequeeuficarialoucasenuncadesseumaescapadadesselugar.Todos ficam em silêncio, e Colin consegue sentir os dois observando-o,

esperandopelasuareaçãoàspalavrascasuaisdeDot.Colin:oórfãoquenãofaziaideia do que viria a seguir, semmembros vivos da família, e que provavelmentejamaissairiadessacidadezinha.Paramudardeassunto,eleperguntaaprimeiracoisaquelhevemàmente:–Dot,vocêjáviuummorto-vivo?–Esearrependeinstantaneamente.Ela para de fatiar, a faca parada no ar. Os estudantes comentam as histórias e

alguns até falam seriamente sobre elas, mas nunca com os funcionários.Particularmente,nuncacomDot.Colinconsegueouviroritmodospassosecoandopelasparedesdacozinhaenquantoosestudanteschegamaosbandosnorefeitório.Finalmente,eladádeombros.–Eurealmenteesperoquenão,masàsvezes…Nãotenhotantacerteza.Alguns segundos se passam para que suas palavras percorram o caminho das

orelhasdeColinatéapartedeseucérebroqueasconferesentido.–Masvocêachaqueelesexistem?Elaseviraeapontaaespátulaparaele.–Ésobresuamãedenovo?Vocêsabequeeuaamavacomoumafilha.Jay fica em silêncio, o interesse em suaFrench toast de repente renovado. Ele

sabepraticamentetudosobreColin.Eledefinitivamenteconheceahistóriasobreamorte de sua família e,mais que isso, ele sabe o quantoColin odeia falar sobreisso.–Sóquerosaber–murmuraColin.Dando-lhesascostas,elaviramaisFrenchtoastsnumprolongadosilêncio,antes

dedizer:–Àsvezeseuachoqueelesestãocomagente,masagentenãoquerenxergar.Jayri,comoseDotestivessebrincando.MasColinnãoestá.–Eusouumasenhoraloucaemmuitacoisa,masachoqueestoucertasobreisso.– O que você quer dizer? – Colin começa a rasgar as beiradas do jornal do

campusemfinastirinhas,tentandofazerissoparecerumaconversacasual.Comoseelenãoestivessedevorandocadapalavra.–Vocêacreditanashistórias?–Eunãosei.Todomundoouviufalardohomemfardadosentadonobancoouda

garotinha perdida na floresta. – Ela pisca os olhos, considerando. – Os jornaisadoramfalarsobrecomoestelugarédiferente.Construídoemcimadeumterreno

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ondecriançasforamenterradas.Ofogonaquelaprimeirasemanaquandoaescolaabriu. Sabemos que pessoas viram coisas, e não foram poucas. Algumas forammaisprecisasqueoutras–acrescentaelaemvozbaixa.–Quemvaidizeroqueérealnissotudo?Colincutucasuacomida.– Então você acha que todos eles já se foram? Fantasmas e espíritos e essas

coisas?NãosóaquinoSaintO?– Talvez não “todos eles”,mas aposto que sempre tem algum por perto. Pelo

menoséoquedizem.Colinseperguntaseestáimaginandoomodocomoelaolhaparaforadajanela,

mirandonadireçãodolago.– Se você nunca viu um, como é que sabe? – pergunta Jay, juntando-se à

conversa.–Euouvicadacoisa,émuitamaluquice.Vocêteriaqueserlou…–Eleparade repente,olhando rapidamentenadireçãodeColinantesdeencher abocacomFrenchtoastmaisumavez.–Sevocêachaqueestemundonãoécheiodecoisasqueninguémentende,Jay,

entãovocêéburrodemaisatéprausarumgarfosemalguémtevigiando.–OrisotranquilodeDotsuavizasuaspalavras.Colin se sentemeiomole de repente, como se suas entranhas tivessem virado

água.Elenãotemcertezadequalcenárioseriapior:seeleperdeuacabeça,ouseashistóriasqueelenegouavidatodafossemverdadeiras.QueLucyestivessemorta.–Porquevocêachaqueelesestãoaqui?–perguntaele,maiscalmoagora.Elafazumapausa,olhandoportrásdoombroeerguendoumasobrancelha.–Você está levando issomuito a sério, rapaz. –Virando-se, ela não responde

imediatamenteecomeçaacortarumagrandequantidadedemirtilosdesidratados.Ocheirointensoefrescopreencheoespaço.–Quemsabe?Talvezparazelarpornós– diz ela, dando de ombro. –Ou para nos conhecer, assim a gente vai conheceralguémdeláquandochegaraooutrolado.–Elaviraapilhadefrutascortadasnoliquidificador.–Outalvezelessóestejampresosaqui.Talvezprecisempôrumfimemalgumacoisa.–Pôrumfim…tipo,vingança?–perguntaColin.–Bem,seelesforemmaus,euimaginoquesejafácilsaber.Eusempreimaginei

alguémdooutroladocomosendobemdefinido,bomoumau.Avidaétodacinza.Namorte,temqueserbempretooubranco.ElapuxaamassadefarinhaecomeçaaformarrolinhosenquantoColinobserva,

assim como fez em centenas de manhãs na sua vida. De alguma forma, cadamovimentoqueelafazparecemaissubstancial,comoseelenuncativessenotadooquantoaexperiênciadelapesa,atéagora.–Obrigado,Dot.–Peloquê?Ficarpoetizandosobrepessoasmortas?

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–Quandovocênãoestáfalandodobaristagostosodacafeteriaoudosbenefíciosdoabacaxiparaasuavidasexual,atéquevocêélegal.– Eu tento. – Ela aponta para o armário em cima da bancada. – Pegueminhas

assadeiras.

MesmodepoisdafamiliarrotinadeajudarDotaassar,Colinnãosesentemuitomelhor.Naverdade,talvezatépior.Eleconseguecontarcomosdedosdeumamãosóonúmerodevezesnosúltimosdezanosemquesesentiudeprimidoassim,masas coisas que Dot disse eram do mesmo tipo que ele ouviu a vida toda: vagoslugares-comuns sobre a vida depois da morte e sobre como mortos-vivosprovavelmenteexistem,e talvezamãedelenãoestivesse loucaafinal.Éo tipodeconfortoqueéfácildeoferecerporque,nofimdascontas,nãoimportamaisseelaestavaounãolouca.Elasefoi.Ela se foi, e seu pai se foi, e sua irmã,Caroline, se foi hámuitomais tempo.

AgoraColinpodeestarperdendoarazãotambém.Éaprimeiravezdesdequeseuspais morreram que Colin se depara tão cruamente com o fato de que estácompletamentesozinhonestemundo.Nãofazdiferençaoquantoseimportam,DoteJoeeJaynãopodemajudá-lonessecaso.Dotoencontrasentadonosdegrausdosfundos,desenhandonochãocongelado

comumlongogravetoemsuamãoboa.Elaabreaporta,eoarquentesopracontrasuanuca.–Oquevocêestáfazendoaqui?–Pensando.–Eleenxugaorostoeelapercebe,aproximando-separasesentarao

seulado.–Vocêestátriste,meubem?–Euestoubem.–Nãoestá–dizela,colocandoumamãoquentesobreseujoelho.–Nãominta

pramim.Você é o garoto que nunca para de sorrir.É fácil ver quando temalgoerrado.Colin se vira para olhá-la, e o rosto dela se suaviza quando vê seus olhos

avermelhados.–Euestouperdendoarazão,Dot.Tipo,eurealmentemeperguntoseestoulouco.Eleodeiaomodocomoorostodelamurchaecomoelaparececulpada,comose

fossearesponsávelpelopesodasuavidatrágica.–Nãoestá.–Vocênemsabeporqueeuachoisso.– Eu posso arriscar um palpite – diz ela calmamente. –Você quer falar sobre

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isso?–Não,naverdade.–Eledáumpequenosorriso.–Masobrigado.–Eujáviumascoisasbemdoidasnomeutempo.EDeussabequevocêtemmais

motivosque todosnóspara teralgunsabalosnasuasanidade,masajudariaseeudissessequesei,deverdade,quevocêestátãosãoquantoalguémpodeser?Colinrisemvontade.–Mascomovocêpodesaber?Aexpressãonorostodelaficarígida.–Porqueeusei.Vocêsótinhaqueamadurecerrápido,sóisso.–Talvezeuesteja imaginandovocêdizendo isso.Está tudobem,Dot.Euestou

bem.Elaoestudapormaisuminstanteantesdebeliscarcomforçaseubraço.Elesolta

umgrito,imediatamenteesfregandooponto.ObeliscãodeDotdóibastante.–Porquevocêfezisso,Dot?–Viusó?–dizela,emumsorrisotranquilo.–Vocênãoimaginouisso.Epara

alguémquesobreviveuacoisasqueteriamdeixadoqualqueroutronochãoequevive seus dias como se não houvesse amanhã, com certeza, você às vezesme dábonsmotivosprapensarquepirou.Mas,sevocêélouco,entãoeusoujovemefeia,enósdoissabemosquenenhumadasduascoisaséverdade.

Colinfazumaviagemrápida,paravercomoJoeestavaantesdesedirigirparaaaula. Ele fica aliviado ao ver seu padrinho sentado, deliciando-se com um pratoenormedeFrenchtoastebacon.–EntregadaDot?–perguntaele.Joeassente,apontandocomogarfoparaapoltronaaoladodacama.–Vocêtemumtempinho?–Algunsminutos.Colinsenta-se,eoacolhedorsilênciopreencheoespaçoentreosdois.Éarotina

familiar deles: sentarem-se quietos, pouca conversa. Colin olha pela janela,observandoosestudantesarrastando-separaaaulaenquantoJoecome.–Dormiubem?–perguntaJoeentreumamordidaeoutra.–Euquedeviateperguntarisso.–Eudormiquenemmorto–dizJoe.–AMaggiemeentupiudeanalgésicos.Assentindo,Colindiz:–É,vocêestavabemgrogue.–Queméaquelamenina?Assim que processa a pergunta, o coração de Colin parece congelar, e então

explodeatodogalope.

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–Quemenina?–Aqueveionaminhadireçãonavaranda.Adecabelocastanho.Elaquisajudar,

masdissequenãopodia.–Eladisseisso?Joedáumgoledocafé,semtirarosolhosdeColin.–Vocêvaiacharqueeufiqueidoido,rapaz,maseuprecisosaber:elaélindaou

horrível?–Quê?—Colinseaproximamais.Erguendo rapidamente o olhar para a porta para se certificar de que estão

sozinhos,Joesussurra:–Amenina.Elaélindaouhorrível?Colinsussurra:–Linda.– Eu pensei…O rosto dela derreteu de repente e então ela se transformou na

coisamaisespantosaqueeujávi.EupenseiquefosseaLucy.Colin é pego por uma descarga tão poderosa na cabeça que precisa de alguns

segundosantesdeconseguirresponder.–Provavelmentesãoosremédiosparador–dizele,engolindoemseco.–Eleste

fazemvercoisasloucas.–Não,moleque–murmuraJoe,olhosapontadosparaColin.–Issofoiantesde

eucair.–Eu…–Colinmalconseguesentir seusdedos.Parecequeomundo inteirose

fechouemtornodele.–Vocêdeveestarlembrandoerrado.JoenãorespondeeColin,comrelutância,continua:–OnomedelaéLucy.OsolhosdeJoesefecham,eelebalançaacabeça.–Bom,entãoestoucondenado.AbilesobedensamentenagargantadeColin.–Joe?–Lucyera…umameninaquefoiassassinadaaqui.Maustemposparaestelugar,

devetersidoháunsdezanos.Éigualzinha.Tenhocertezadequefoiporissoqueminhacabeçapirou.–Eleri,mordendoumpedaçodemaçã.–Deveseroremédioparador,nofimdascontas.

Colinentrasorrateironasaladecomputadores,deixandoasluzesapagadasparacontinuarescondido.Eleselembradaprimeiravezquefezisso,chapadoebêbadocomJay,depoisde

umafogueiraehistóriasdeterrornoslimitesdafloresta.Entrarafurtivamentepara

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ver se algumasdashorríveishistóriaspodiamserde fatoverdadeiras.Encontroumais resultados do que imaginaria para uma coisa que a maioria das pessoasdescrevia como folclore. Histórias de um lugar onde os estudantes pareciammorrernumíndicemaiorquequalqueroutrointernatonopaís.Masquantasescolastinham invernos tão rigorosos e terrenos tão enormes e selvagens? Colin nuncaentendeu por que era uma surpresa que jovens tenhammorrido ou desaparecidomaisfrequentementealiqueemoutroslugaresporexposiçãoprolongadaaofrio,pneumoniaesuicídio.Mesmoquandoestavachapado,elenãoacreditavaemnadadisso.EletemumavagalembrançadeterlidosobreahistóriaqueJoemencionou,da

garotaquemorreu.Amaioriadossitesteminformaçãosobreoassassinatoeseussubsequentes julgamentos e execução. No entanto, pelo fato de o assassinato teracontecidoumadécadaatrás,háapenasduasmatériasdessaépocasobreoassunto.Colin clica num link com uma foto e cobre a boca com a palma da mão, parasegurarumgritoquandovêorostodela.Ocabeloécastanho,seustraçossãomenostransparentes,maséela.Abaixoda

foto,háumamatériadaCoeurD’AlenePress.

O julgamento do assassino em série Herb August Miller, que estásendo acusado pelo assassinato da jovem de dezessete anos LuciaRainGray, bem comode outras sete jovens nos últimos oito anos,terácontinuidadenodia1ºdejunho.OspromotoresdaacusaçãoalegamqueoantigodiretordointernatoSaintOsanna,localizadoforadeCoeurD’Alene,emseus42anosdeidade,perseguiuLuciaduranteváriassemanasantesdohomicídio.Oassassinato de uma jovem em sua escola indica que Miller, queanteriormente selecionava somente vítimas quemoravam longe doseuestadonatal,estavase tornandocadavezmaisconfianteemsuahabilidadedeescapardalei.Millersupostamenteaconvidouparaseuescritório,dopou-aelevou-aparaafloresta,ondecortouagargantadavítimaantesdeabriropeitodela.Noqueagoraseacreditasersuahorrívelmarcaregistrada,emseguidaMillerremoveuseucoração.Apolíciaencontrou-otentandoenterrarocorponumatrilhaaoladodaescoladepoisqueumgarotooviucarregandoumagarotaquesedebatia para a floresta. Esse menino avisou alguém da equipe defuncionáriosqueligouparao911.“Estamoscaçandoesseassassinoháoitoanos,elecausouumadordecabeça indizível em muitas famílias pelo país. É possível que elesimplesmente tivesse continuado na escola, se não fosse pelacoragemdogarotoemencontrarajuda”,oxerifedeCoeurD’Alene,

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MoRockford,dissenumaconferênciade imprensanaúltima sexta.“AprisãodeHerbMilleréumimensoalívioparaospromotoresdalei no país, e essa comunidade tem uma dívida de gratidão com ogarotoeofuncionário,porteremagidoimediatamente.”Miller foi indiciado por um total de sete assassinatos em primeirograu.Oestado está tentandopenademorte sob a luzdoshorríveisfatoresagravantesdetorturaemutilação.AjovemdedezesseteanosfoiavítimamaisjovemdafúriaassassinadeMiller.Essatragédianãoéaprimeiraparaaescola,quefoiconstruídanumlugar de sepultamento para colonizadores que rumavam a oeste, eque perdeu duas crianças num incêndio dois dias depois dainauguração,em1814.SaintOsannaviveutragédiascomfrequênciaao longo dos anos, pela sua proximidade da floresta, dos lagoscongeladoseoutroselementosque resultaramemváriasmortesdeestudantesevisitantes.

Colinpara,fechandoajanelanateladocomputadorantesquealguémvejaoqueeleestálendo.–LuciaRainGray–dizeleemvozalta.Ele deixa seu coração abafar qualquer outra sensação em seu corpo, batendo

impiedosamenteemseupeitoegargantaeouvidos.Lucyestavadizendoaverdade.

Colinnãoaencontraduranteodiatodo.Elanãoapareceparaaauladehistóriaenãoestádoladodeforanahoradoalmoço.Elenãoaencontraemlugaralgumdocampusevai ficandocadavezmaisdesesperadoenquantocirculapelosprédiosecheca cada sala. Ele diz a si mesmo que vai parar de procurar, mas volta atrásdepois da aulade educação física, vestindo-se rapidamenteparapoder explorar aflorestanoslimitesdaescolaantesdasaulasextras.OsdiaspassameJaylhecontaqueLucyparoudeiràsaulasdeinglêstambém.A

mesaemqueelasesentounaqueleprimeirodiacontinuavazia.Colinnãoentendeporquesenteissocomoumsoconoestômago.Seessasituaçãoélouca,comoelecontinuaareafirmarparasi,entãoporquesequerseimportarseelasefoi?Elenãodeveriaestaraliviado?E por que ele não para de esfregar a palma da mão, tentando se lembrar da

sensaçãodeseutoque?Porqueelequertocá-ladenovo?Elequerselembrar:apeledelaémaiscálidaqueoar,masnãomuito.Osolhos

delamudam, comoondulações numa lagoa.Ela nunca sente frio,mesmoquandoventafortedoladodefora.Excetoporumlápisnaqueleprimeirodia,elenuncaa

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viutocardeverdadeemalgumacoisa.Emesmoaquilopareciadifícil,comoseelativessequeseesforçarparamantero lápisentreosdedos.Osolhosdela,quandoperguntou sobre Joe, mudaram de cor enquanto ele observava, de um cinzaprofundoparaumazulansiosoehonesto.Ele considera sair do campus para procurá-la,mas não imagina aonde ela vai

quandonãoestáaqui.Seráquedesapareceemplenoar?Nasexta-feiraànoite,Colinsenteamesmasensaçãodequandoestásemandarde

bicicletapormuito tempo–nervosoecomosealgumacoisaestivessecrescendodentrodeleeempurrandoseusórgãosvitaisparaumcantinhodoseupeito.Eleestápreocupado por Lucy ter partido, mas está ainda mais preocupado por elasimplesmenteterevaporado.Porelatertentadoseaproximardeleesuarejeição,dealgummodo,tê-laafastadoparalonge.Quantomaiselepensanela,maiselepensaem sua mãe, em sua irmã e em como ele sente que essa parece sua chance deconsertaralgumacoisa.Qualquercoisa.Ele guia a bicicleta até a floresta, pedalando pelas trilhas estreitas ao lado das

frágeis tábuasqueeleeJayenfiaramna terraanosatrás.Saltapedrasecórregos,descevelozporcolinas,cansando-se,atéestarmachucadoeralado.Fazomáximoquepodeparaclarearamente,masnadafunciona.Comeojantarenãosentegostodenada.Ocaloremseudormitórioparececlaustrofóbico,opressivo.Sentando-seemsuacama,elefolheiaumarevistasobreciclismoantesdelançá-

laaochãoecairparatrás,punhoscontraosolhos.Dooutroladodoquarto,Jayfazumapausaemseurepetitivoarremessodeuma

boladetêniscontraaparede.–Vocênãotemnenhumaideiadeondeelaestá?–Não.Oúltimolugaremqueavifoi…As palavrasmorrem em sua boca ao pensar no lago.Onde ela disse que tinha

acordado,perdidaesozinha.–Colin?–Talvezeusaiba.Nosvemosdepois.Jay lança um olhar pela janela cada vezmais escura, preocupado,mas guarda

quaisquerobjeçõesparasimesmo.–Sótomacuidado,cara.Colin dispara descendo o caminho em direção ao parque, dirigindo-se para o

trechodacercaqueeleeJayestouraramquandoestavamnoprimeiroano,oqueprovavelmenteaindanemtinhasidodescobertopelosjardineiros.A trilha tem em torno de umquilômetro emeio apenas,mas ele se sente todo

congelado ao chegar lá.Assim que o som de seus tênis no cascalho emudece, osilêncioépavoroso.AideiadequeLucypoderiaestarsentadaaliforasozinhafazsuasmãostremeremdeummodoquenadatemavercomofrio.Outalvezporqueelesintamedodequeelanãoestejalá.

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Eleolhaaoredor,debruçando-separaafrentecontraovento.Océupairapesadoenubladoacima, asnuvens tãodensasque é impossíveldizerondeumapara e aoutracomeça.Há uma velha doca nãomuito longe de onde a trilha termina. Está sem várias

tábuas,eamadeiraquerestouestáencharcadaeemdecomposição.Apesardetodaessaáreaserforados limitesdaescola,osgarotosaindabrincavamalinoverão.Agora,noentanto,estácobertaporumalevecamadadenevee,poralgummotivo,Colin não se surpreende ao ver Lucy sentada na extremidade dela, em pedaçosirregulares de tábuas quebradas e apodrecendo.Longos fios loiros de cabelo lhecaemquaseatéacintura,eoventooslevanta,enroscando-osnabrisaquechicoteiapelolago.Amadeirarangesobopesodosseuspassoscautelosos.Elatrocouderoupa,mas

suasbotas,quesãosuaassinatura,estãologoatrásdelanadoca,desamarradas.Ocasacoquedeuaelarepousaemseucolo.Agoraqueestáaqui,elepercebequepassoumaistempotentandoencontrá-lado

que planejando umamaneira de falar com ela. Olhando-a de costas, ele procuramentalmentepormodosapropriadosdecomeçar.Precisadizerquesentemuito,queé ummoleque idiota que não tem ideia do que fazer com qualquer garota dessemundo,imaginaentãoquandoelanãoé.Talvezdevadizeraelaqueéumórfãoeprovavelmenteprecisadeumportosegurotãoardentementequantoela.Lentamente,elecaminhanadireçãodela.–Lucy?–dizeleehesita,absorvendoacenadiantedeseusolhos.Asaiadelaestá

puxadaacimadosjoelhosesuapeleépálidaeperfeitanaluzqueseextingue,semumacicatrizousardaemnenhumlugar.–Nãoestáfria–dizela,baixandooolharparasuaspernasmergulhadasnaágua,

quedeveestartrintagrausabaixodezero,eolagotemaquelaaparênciadexarope,quando as algasdesaparecerame a águaparecevacilar entre líquida e sólida.OsmembrosdeColindoemsódeobservar a águacongelantebatendocontra apeledela. –Quer dizer, racionalmente, eu sei que está fria – continua ela –,mas nãoparece. Eu consigo sentir a sensação da água fria, mas a temperatura não meincomodacomodevia.Estranho,né?O vento parece ter roubado suas palavras, e ele não tem certeza de como

responder.Emvezdisso,eleseaproxima,colocandocautelosamenteamãosobreseuombro.Osolhosdelasearregalamanteocontato,maselanadadiz.–Eunãosabiaondevocêestava–dizele,finalmente.–Vocêestábem?–Estou–sussurraela.Eleolhaparaaprópriamão,assombrado.Eleconseguesentiropesodocabelo

dela roçandoemseusdedos, a texturadapeledopescoço,masondedeviahavercalor,hásomenteasensaçãoformigantedemovimento,comoobaterdeumabrisa.Écomoseoquequerqueaestejamantendoaqui–mantendoocorpodeladepé,os

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membrosmovendo-separafrente–pudessesersentido,pulsandonapontadeseusdedos.Elesseencaramporumlongotempo,efinalmenteelesussurra:–Eusintomuito.Umsorrisotremenocantodoslábiosdela,umacovinhagentilmenteabrindo-se

em sua bochecha, antes de um largo sorriso se espalhar pelo rosto.Os olhos semetamorfoseiamdenegrosparaamarelo-pálidoàluzdabrilhanteluacheia.–Nãosinta.Qualquerpessoalnormalteriasurtado.Elenãosabeaocertocomoresponderporque,elamerecendoounãoumpedido

dedesculpas,elesesentecomoumimbecilporterdesaparecidonaquelanoite.–Seuprimeiroerrofoiacharqueeusounormal.Rindo,eladiz:–Vocêquerdarumavolta?Umcaranormalnãosairiaparaumacaminhadaperto

deumlagoquasecongeladocomumagarotasemsapatos.Elesorrieseafastaenquantoelatiraospésdaágua.Eleusaocasacoparasecar

aspernasdela.Elasparecemgeloaoseutoque.Elaabaixaosolhose,putamerda!,ela está olhando para a boca dele. De repente, sua cabeça se enche com outraspossibilidades:Comoseriabeijá-la?Apeledelaéamesmaemtodapartedocorpo?Quegostoelatem?–Quandovocêfezisso?–perguntaela,calçandoasbotas.Ele luta para controlar os pensamentos. Por reflexo, ele lambe os lábios e

percebequeelaestáfalandodoseupiercing.–Meulábio?–É.–Noverãopassado.Elaficaemsilêncio,eissodáaeleumminutoparaassistiràbrisachicotearseu

cabeloparatodolado,comosepesassemenosquear.Elademoraumpoucoparadizer mais alguma coisa, de modo que ele fica observando-a amarrar as botasenquantopensa.–Aescolanãotemregrassobreisso?–Asregrassãotãovelhasqueospiercingsnuncaentraramno livro,maseu te

desafioatentarquebraralgumausandoshortscurtosnasaladeaula.ADoteoJoedizemqueestouautorizadoame fazerde“punkmeia-boca”seeuagircomoumcavalheiro.Vocênãogostou?–Não,gostei.Ésóque…–Vocêpareceestarsurpresaportergostado.Eleri,observando-alevantar-se.– Não acho que muitos garotos tinham isso quando eu estava na escola. Pelo

menos,nãogarotoscomovocê.–Garotoscomoeu?

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–Garotos legais. Já os garotos arrogantes eram cheios de tatuagens e furos ezoeiras.–Ah,eusoucheiodezoeiras.Oslábiosdelasecurvamnummeio-sorriso.–Dissoeunãoduvido.–Ecomovocêsabequeeusoulegal?Talvezeusejaumcaraarrogantecomum

feticheporfantasmas.Ela lhe lança um olhar surpreso, e ele sente vontade de pegar uma pedra e

quebrá-la na cabeça. Mas então ela joga a cabeça para trás e solta essa risadaridiculamentealtaeronronada.Colin solta o ar preso no pulmão.Aparentemente, tudo bem fazer piadas com

fantasmas.Elasorriparaele.–Vocêélegal.Estáestampadonoseurosto.Vocênãoconsegueescondernada.Ele observa os olhos dela mudarem de verde para prata, e os lábios dela se

torcemnoseusorrisodivertidofavorito.Elecontemplaocabelo,osolhos,omodocomoelasedissolvenocenárioaosolhosdetodosexcetoparaele.–Nemvocê.–Sério?–perguntaela.–Pelomenos,nãodemim.Osorrisolheabandonaoslábios,maspermanecenosolhosdela,mesmoquando

pisca.–Quebom.Vocêémeuúnicoamigo,entãovocênãotemescapatória.Algumacoisaseagitanumamoitadejuncospertodatrilha,easúltimasfolhas

esquecidassequebramsobasoladosseuscalçadosenquantocaminhamadentrandomais a floresta. Seus passos estão perfeitamente sincronizados, mas os de Lucyparecemmaislevesqueosdeles,dealgummodomaissilenciosos.E agora que ele está se deixando acreditar, ele nota outras diferenças: as

bochechas dela não estão coradas pelo frio.Enquanto cada respiração sua parecesairflutuandoempequenasbaforadasdefumaçanoardiantedele,oespaçodiantedoslábiosdeLucyéperceptivelmentevazio.Elaolhaaoredordele,comosepudessevercadadetalhesobaluzdalua,eisso

o faz imaginar se ela seria comoumgato.Teria elauma incrível visãonoturna?Aindaquepareçaestranhohaverqualquerassuntoproibidoentreeles,agoraqueosdoissabemqueelaestámortaeelenãoestá,elesentequeseriaestranhoperguntaraelacomoé.–Entãovocêacreditaemmim?–perguntaela.ElepensaemcontaraelaoqueJoedisse,masopta,emvezdisso,pelaresposta

maissimples:–Eu li sobrevocê.Via sua foto.Você foiassassinadapeloantigodiretoraqui

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fora,pertodesselago.Achoquenaépocafoimesmoumahistóriaetanto.Elaassente,observandoaáguaao longe, eparecemuitodesinteressadanoque

eleestádizendo.–Eumeperguntoporqueeugostodeficaraquifora,então.Émeiomórbido.–Nãoéestranhonãoselembrardetudo?Elapegaumafolhaeaexamina.–Achoquesim.Omaisestranhoéessetudoounadaeessascoisasesquisitas.Eu

melembrocomdetalhesabsurdosdeumbuquêdefloresquemeupaimecomprounumferiado,masnãoconsigomelembrardorostodele.–Uau.Colinsentevontadededizeralgumacoisa,mas,defato,oquedizeremresposta

aisso?–Outranoite eu estavapensandonisso.Sabe aquelesprogramasdeTV em que

alguémficanumacabinetelefônicaeodinheirodisparavoandodochãoeapessoatemquepegaromáximoqueconseguiremumminuto?Elenãofazideiadoqueelaestáfalando.–Claro.–Bem,algumasnotas sãodevinte,provavelmentecentenas,masamaiorparte

delasédeum.Entãoparecequeémuitodinheirovoando,masnãoé.Enãoimportacomquantovocêtermine,vocêficafelizporqueacabacomdinheironasmãos.Eladáavoltasuavementeemumaenormepedranomeiodatrilha,elepulapor

cimadelaeentãosaltaparaumcompridotroncoapodrecendo.Eleconseguesenti-laobservando-ocomocantodosolhos.–Dequalquermaneira,euachoque,emalgummomentodepoisqueeumorri,eu

devo ter tido umminuto dentro de uma cabine com minhas memórias e pegueialgumasnotasdecinco,masamaioriaeradeum…–Então,traduzindo,vocêestáfelizdeteralgumacoisa…–Mas só acabome lembrando de coisas bem inúteis – completa ela, com um

sorrisoseco.–Semmuitagranapragastar,né?Tipo,quemvocêeraeporqueestáaqui?Elari,osolhosclarosdealívio.–Exato.Alívio que quase o mata, pois ele está começando a acreditar que, se alguém

deviaentendê-ladesdeocomeço,essapessoaeraele.–Medesculpeportersidoumbabaca.–Vocênãofoiumbabaca.–Elaabafaumarisada.–Nossa,tinhameesquecido

decomoeuamavausaressapalavraassim.Ebanana.– Essa também serve. Vocême dizendo: “Ei, eu morri”, e eu, tipo: “Uau, que

merdapramim,vounessa,falou!”.Ela rimaisumaveze,dessavez, altoo suficientepara ecoarpelas árvores ao

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redordeles.Eleadoraouvi-la,adoracomoalguémtãodelicadapodeproduzirumsomtãoruidoso.– Bem, como você devia reagir? Na verdade, eu acho que ficaria mais

preocupadasevocêficassetotalmentecalmoemrelaçãoaisso.Euprovavelmenteteriapensado:“Talvezessecaratenhaumfeticheporfantasmas”.ÉavezdeColingargalhar,maselerapidamentemurcha.–Minhamãecomeçouavercoisas.Écomoela…–Elefazumapausa,parando

para olhá-la no rosto. – Sabe, algumas semanas depois de mudarmos para cá…minha irmã mais velha, Caroline, foi atropelada por um caminhão de entrega acaminhodaescola.Ela estavadebicicleta.Nunca imagineiqueaconteceria, acho.Minha mãe perdeu a razão, caiu num poço profundo. Então, depois de mais oumenos ummês, ela começou a dizer que viu Caroline perto do portão algumasvezes.Uma noite, ela colocou todos nós no carro, disse que a gente ia comprarsorvetenacidade,eentãojogouocarrodeumaponte.–Colin…–sussurraLucy,horrorizada.–Issoéhorrível!– Meus pais morreram. Eu sobrevivi. Então, quando você me disse que tinha

morrido, acho que você entende por que eu pirei. Pensei que estava ficandocompletamentelouco.–MeuDeus,sim…–Elatiraocabelodorosto,expondocadacentímetrodepele

suaveepálida.Elaétãolinda;elequersentirsuabochechaencostadanadela.–Eusintomuito.Elefazumgestodispensandooassunto,odiandoprolongá-lo.–Ondevocêestevenessesúltimosdias?–Eunãolembrodireitooquefiz,mastenhocertezadequeestavaporaqui.Aqui

ounocampo.Eunãoconsigosairdoterrenodocampus.–Tipo,pralugarnenhum?Elaconfirmacomacabeçaeoobservaumminutoamaisantesdederrubarsua

folhapelocaminho,quedesaparecequaseimediatamentenalama.Éavezdeeledeencará-la,observando-adeperfilenquantoelapercorreoolharpelaágua.–Lucy?Elavira-separaelecomumsorriso.–Eugostoquandovocêfalameunome.Colinsorridevolta,mas,uminstantedepois,osorrisomurchanoscantosdos

lábios.–Vocêsabeporquevocêvoltoupracá?Elabalançaacabeçanegativamente.–Vocêestácommedodemim?–Não.–Eledeveriaestar,comcerteza.Eelequerdizermais,falarsobreaescola

eashistóriasquearondam,sobreosmortos-vivosecomotalvezsejaissoqueelaé;eseráquetodoselesestãopresosnocampus?Eledefinitivamentedeveriaestar

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assustado.Mas,agoraqueestácomelapertoosuficienteparapodertocá-la,elesóconseguesentiralívioeaqueleestranho,intoxicanteanseio.Derepente,caminharladoaladonãoémaissuficiente.–Seguraminhamão?–perguntaele.Lucy enrosca na mão dele seus compridos dedos; eles estão frios e quentes,

sólidosmas intangíveis.Ele consegue sentirpontosdecontato contra apele,masnuncanomesmolugarpormuitotempo.Quandoelepressiona,umacorrentecorrepelos seusdedos, fazendoseusmúsculos relaxarem.Elaécomoumaconstelaçãovivacontraasuamão.Ao levantar os olhos, ele a vê de olhos fechados, os dentesmordendo o lábio

inferior.–Oquefoi?–perguntaele.–Temachuca?Os olhos dela se abrem, desejo e alegria são como um redemoinho verde e

avermelhadodentrodeles.– Você já entrou numa piscina e depois saiu correndo e pulou numa banheira

quente?Colinri.Elesabeexatamenteaqualsensaçãoelaestásereferindo,atemperatura

subindoquenteemaravilhosa,masétambémumamudançatãointensaqueparecequecadaextremidadedosseusnervosestápegandofogo.– Isso. E como a água fica num quente relaxante em vez daquele quente de

arrancarapele.Elaassente.–Euficoesperandoaáguaficarassim–osolhosdelasefechammaisumavez–,

masnuncaacontece.Quandovocêestámetocando,écomooprimeiromomentodeimersão,sempre.Éumalíviotãoenormequequasepercoofôlego.OcoraçãodeColinbatepesadamentedentrodopeito.Hesitante,elalevaasmãos

atéoslábiosdeleepassaumdedotrêmulopeloseupiercing.–Doeu?–Umpouco.–Ometal deve ser frio– sussurra ela, e ele percebeque está inclinando-sena

direçãodela.–Qualéasensação?–Pramimoupravocê?–perguntaele,sorrindo.

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CAPÍTULO11Ela

– Pra mim – responde ela, aproximando o dedo para tocar o metal frio, napontinha.“Coloque a mão no cano, disse o professor. O frio e o calor juntos causam

ardência.”“Lucy largou o cano sorvendo o ar entredentes, erguendo um olhar surpreso

paraoprofessor.”“Algunsreceptoresdapelesentemfrio,outros,calor.Osdoisenviamsinaisparao

cérebro, que escuta essa mistura de sinais como intenso calor. É uma forma depercepçãoquechamamosdecalorparadoxal.”Lucyperdeoaranteaperfeita lembrançaea intensidadedotoque,afastandoo

dedo,surpresa.O piercing de Colin estava gelado pelo vento e a pele dele estava quente pelo

sangue;comoocano,asensaçãodolábiodelecontraapontadoseudedoeradeardência.Eemboraelaentendaaciênciaportrásdoexperimentocomocano,nãopode haver nenhuma explicação nomundo para o que acabou de acontecer entreeles.Duranteumbrevecontato–poucossegundos–oarseincinerou.Colinengoleemseco,semtirarosolhosdesuaboca.Piscaalgumasvezes.Ele

vai beijá-la?A pele dela esquenta com a ideia e, quantomais ele se inclina paraperto, mais inundada ela fica com um estranho, intoxicante alívio. Ela sentia-setonta,comosefossedesmaiar.Lucyagorasabequejáfoibeijadaantes–elanãoétãoinocenteassim–,masnão

foi nada parecido com isso. Ela se lembra de como era ser adolescente quandomorreu:segurandomãosebeijando,rindocomsuasamigas,sendodesejada.Mas

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asmemórias desses outros toquesmonocromáticos tornam-se pálidas ao lado davibraçãoda pele deColin.Ela se inclina paramais perto, desejandoo beijo delecomumtipodefomequepareceinflardentrodopeito.A reação murcha em seus pensamentos, inquietando-a. Se o simples toque do

lábiodelenapontadoseudedofoitãointenso,comoseriabeijá-lodeverdade?Elateme ser incapaz de processar o turbilhão de sensações. É assustador não querernadaalémdessaoutrapessoa,importar-setãopoucocomosflashesdasuaprópriavidaqueestálembrando.Alguminstinto,poucousadoesilencioso,dizaelaparairdevagar,aprender,deixar-seconfiarnissosóumpouco.Eentãoelaviradevoltaparaatrilha,olhosfechadosporummomento,enquantoapreciaasensaçãodafriaargola demetal como calor da respiração dele quando expirou na ponta do seudedo.EladeualgunspassosantesdeouvirColincaminhandoparaalcançá-la.Seestá

surpresocomsua reação,elenãodemonstra,eosdoiscontinuamacaminharemsilêncio. A cada poucos passos, a mão de Colin roça na sua. Eventualmente, eledesiste do fingimento e enrosca os dedos nos seus. Muito cuidadosamente,exatamentecomonaprimeiravez.Eleseinclinaparaencontrarseusolhos.–Tudobem?–perguntaele,tãoterno,dealgummodoconseguindoparecerao

mesmo tempoconfianteecompletamente insegurodesimesmo.Ela sóconsegueassentir,esmagadapelosimplestoque.Apeledeleéquenteeviva,comoseacadauma das batidas do coração dele ela pudesse sentir as ondas de sangue em suasveias.Eleabreumlargosorriso.–Então,sevocênuncaconseguesairdocampus,ondevocêmora?

Lucyolevaparasuahumilderesidênciaeseimpressionaporelenãosemostrarchocadoaodescobrirqueelaestavamorandoemumgalpãoabandonadoaoladodaescola.Ela acendeapequena lâmpadadegásnocanto antesde esticarosbraços,quasetocandoaparededosdoislados.–Lar,docelar.Ele ajeita seu longo esqueleto emcimade umcaixote e ela senta-se emoutro,

contandoaeletudoqueconseguelembrar.Osfragmentosdasuavidahumanasãoaleatórios e insignificantes,mas ele escuta como se cada um fosse parte de umahistóriamaiorecompleta.Quandoelacomeçaacontartudoquelembradesdequeacordounatrilha,elavêumasombraperpassarpelorostodeleporummomento,comoseestivessetristeaoperceberqueahistóriadesuaprimeiravidaadicionou

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tãopoucoaisso,tãoincompleta.Poroutrolado,aslembrançasdessavidasãotãonumerosasqueelaastratacomopedraspreciosas.Eleaobservaeescuta,recostadocontraaparedeemruínasdogalpão.Ela conta de quando fica sentada do lado de fora da escola e observa os

estudantesemsuarotina,edecomonemporummomentosentiuinveja;sentiu-sesimplesmentecomoseestivesseesperando.Contaquenãosentiuanecessidadedeprocurarseuspais,apesardeelesprovavelmenteestaremvivos,ecomoessafaltadevontadeeradealgumamaneirapreocupante.Umagarotanãodesejariasejuntaraosseusiguais?Nãoiriadiretoaumencontrocomsuafamília?Elaotrazdevoltaparaopresentemomentocomumasíntese:–Euteconteiquemorri.Vocêpirou.Eufiqueivagandoporaíemeforceiaficar

longedaescola,eentão…vocêveioemeencontrou.Fim.Eleri.–Nãofaziaideiadequevocêgostavatantodefalar.–Eunãosintovontadedefalarcommaisninguém.–Vocêpodiapegarmeucelularemprestado.Liguepara0800-Garota-Fantasma.

Fazernovasamizades.–Vocêachaqueeuconseguiriausarumtelefonecelular?–Elari.–VaiserigualquandotenteiensinarDotausarumcomputador.Colinimitaalguémapertandofuriosamentebotões,eLucycaidecostasemsua

camaimprovisada,gargalhando.Osorrisodeledesapareceeeleolhaaoredor,comoseestivessevendoogalpão

pelaprimeiravezdesdequechegou.– Você não quer ficar num lugar mais confortável? – pergunta ele. – É meio

estranhovocêficarsozinhaaqui.–Éissoquevocêachaestranhonessahistóriatoda?Elelançaumdivertidoolhardeexasperação.–Eusónãogostodaqui.–Eugosto.Sintocomosefosseminhacasaagora,élimpaetranquila,eninguém

nuncavemaqui.Elehesitaedepoisolhaparaocelular.– Tenho que ir. – Ela o observa tirar as folhas e o mato grudado na roupa.

Quandoelelevantaosolhos,pendeacabeçaparaolado,balançando-a.–Não,eusintomuito.Eurealmentenãopossodeixarvocêaqui.–Jáfazquasetrêssemanasqueestouaqui.–Vem comigo, só essa noite. –Ele sente a hesitação dela e insiste: – Só até a

gentearranjarcobertoresedeixaresselugarmenos…–Rústico?–sugereela.–Euiadizersinistro.Rústicoénossoobjetivo.Nós.

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Ela o segue pela trilha, incapaz até mesmo em sua leveza de competir com agraça com que ele saltava os troncos e passava por trechos lamacentos. Toda aconversaparecetê-losesvaziadodepalavraseelescaminhamsobaluzdaluaemumsilênciotranquiloatéosgrandesecinzentosprédiosdeSaintOsannasurgiremacimadotopodasárvores.Aideiadeumdormitório,deumconsolo,umtapeteeparedesquemantêmascoisasdoladodeforaéquasedepressiva.O quarto de Colin grita “menino”. Suaves tons terrosos, revistas de ciclismo,

roupassujas.Parafusossujossobreamesa,umalataderefrigerante,umafileiradetroféus. Ela consegue ver, por trás das camadas, a forte estrutura arquitetônica:janelas moldadas por madeira escura, madeira de lei polida. As prateleiras,encravadasprofundamentenasparedes,estãoagorabagunçadascompapéisepartesdebicicletaepequenosmontesdefotografia.–Umatocabemmasculina–dizela.Colin pula na cama e solta um gemido feliz de alívio, mas Lucy não quer se

sentar. Ela quer ver as coisas dele. Ela tem dois uniformes da escola, um par debotaseumgalpão.Estáfascinadacomtodasascoisasdele.–Roupadecamamarrom?Quedespretensioso–elasorriepassaamãopelas

beiradasdocolchão.–Eugostodeimaginarqueestoudormindonasujeira–brincaele.Elaosenteaobservá-laenquantoexaminaumapilhaderoupaspróximaàporta

do armário; consegue praticamente ouvi-lo encolher na cama ao perceber o queacaboudedizerparaagarotamorta.–Nãosejaumesquisitão–dizelaporcimadoombro,sorrindoparaele.Elesorrialiviadoetapaorostocomumbraço,antesdemurmurar:–EueoJay…nãosomosmuitobonscomlimpeza.–É…–Elaafastaparaoladoumpardemeiasnumaprateleiraparapoderver

seuslivros.–Estoupercebendo.Éesseoseuconceitoderústico?–Pelomenosmeuslençóisestãolimpos.Ele imediatamente pigarreia limpando a garganta, e ela continua a olhar os

livros.Umclimaestranhoedensoseinstauranoquarto.–Bomsaber?!–Nãofoioqueeuquisdizer.Querdizer,sim,meuslençóissãolimpos,mas…

pradormir.–Elesoltaumgemido.–Ai,meuDeus,deixapralá.Lucyjáestádandorisada.–Eunãodurmo.–Claro,claro.–Ele ficaemsilêncioporvários instantesantesdeperguntar:–

Vocênãovaificarentediada?–Ébomteralguémporperto.Euprometoquenãovoudesenharumbigodeem

vocêquandoestiverdormindo.Elebocejaderepente,escancarandoaboca.

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–Bem,casodesenhe,queroumigualaodoFuManchu.Éissoounada.–Eleseespreguiçaaoselevantar,eumafaixadoabdômennudeleaparece.Ocalorpulsaporela,eelaseperguntaseeleconseguenotaromodocomoseu

corpotodoparecereverberar.Fazendoumgestocomamãonaboca,eleindicaquevaiescovarosdentes.SemosolhosdeColinsobresi,elasesentelivreparaexplorarumpoucoàsua

volta.Nãoparafuçarasgavetasouolhardebaixodocolchão,masparaolharmaisdepertoasfotosnamesa,ostroféusnasprateleiras.Elevenceucorridasecampeonatosdemanobras.Elepraticasnowboarde,aoque

parece,costumavajogarhóquei.Medalhaseplacassealinhamemduasprateleiras,esãotantasqueelarapidamenteparadetentarlercadaumadelas.Sobre a mesa dele há uma foto de um garotinho com um homem que parece

comoelaimaginariaColinnosseustrintaanos:cabeloescuro,densoebagunçado,olhosclaros.Espalhadospelamesa,papéisepost-itserecibosqueeladeduzseremdorefeitório.Enfiadadebaixodotecladodocomputadordeleegrudentaporcausado refrigerantederrubado,háuma fotodeColinnumaescoladedançacomumamorena baixinha. Ela se inclina para ver melhor, e os dois não estão apenassorrindocomportadamenteparaafoto.Elesestãorindojuntos.Umapertoseformaemseupeitoeseexpandesubindoporsuagarganta.Omodo

como asmãos dele repousam no quadril dela chama-lhe a atenção, como se elafosse sólida epertencesse a ele e estivesseali.Lucynão sabe comoo toque delepode um dia se tornar normal e se jamais conseguirá ficar íntima dele comoimaginaqueessagarotaera.Apeledasuanucaardeaosenti-loretornarparaoquarto,eelarapidamentepõe

afotodevoltaaolugar.Elaachaqueelepercebeu,maselenadadiz,tampoucoela.Écedodemaisparaaconversasobreoqueosdoissão,maiscedoaindaparafalarsobrequemaquelagarotaera.Aindaassim,LucynãoconseguedeixardesentirofogoinvejosoquelambesuasentranhasanteaimagemdeColincomoutrapessoa.–Eu sei que isso é chato – diz ele –,mas estou realmente cansado.O relógio

acusavaduasdamanhã.–Nossa.Claro.Medesculpa…Comumpequeno sorriso, ele senta sobre as cobertas e alisa o lençol ao lado.

Lucysobenocantinhodacamaesentaemcimadaspernasdobradas,defrenteparaele.–Vocêvaificarmeassistindo?–Atéquevocêdurmaeeupossaroubarummarcadordetextodasuamesa.Elesorrieseencolhenumcantodacama.–Ok.Noite,Lucy.Perguntas latejam em sua mente na escuridão do quarto, implorando por

respostas.Sobreela,sobreele.Sobreporqueouniversoaenvioudevoltaparacáe

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porqueColinpareceseraúnicacoisaqueimporta.–Noite,Colin.

–Olhasó!Oi,garotanova.Jaysorri,puxandoumacadeiraaoseuladoedandopalmadinhassobreoassento.Colinignoraogesto,puxandoumacadeiraparaLucy,doladoopostoaoamigo

namesa.–ÉLucy,Jay.OnomedelaéLucy.–Lucyéumnomemuitobonito,masGarotaNovaémelhor.Émisterioso.Você

pode serquemvocêquiser. – Inclinando-separa a frente, Jayoferece aLucy seusorrisomaiscaloroso.–Quemvocêquerser,Lucy?Lucydádeombros, pensativa.Elanunca tinha consideradoesse aspectode ser

nova,nãonomeadaedesconhecida.Tudoquetinhafeitoforaporinstinto.Elaolhaparaaentradadorefeitório,ondeamaioriadosestudantescome.Todasasgarotasparecemdesbotarjuntasnumúnicoeentedianteuniforme.– Eu toco baixo numa banda só demulheres chamada Safadas Furiosas, tenho

fetichepormatemáticaeabrogarrafasdecervejacomosdentes.–Elasorriparaele.–Umadessascoisaséverdade.Jayestreitaoolhar.–Porfavor,dizqueéabanda.–Euvotonosdentes–dizColin.–Desculpem–dizela,fingindoumsorrisosimpático.–Matemática.Jayencolheosombros,mordendoumpedaçodebacon.– Isso é dahora também.Querdizer, tocandobaixoounão comummontede

minassafadas,vocêgostadolago.Issosimtefazinteressante.–Oquetemdeinteressanteemgostardolago?–Lucyvira-se,procurandouma

confirmaçãonorostodeColin.–Oqueeletemparaeunãogostardele?– Eu amo o lago – diz Colin num sorriso fácil, aparentemente gostando da

interação. –Várias trilhas pra andar de bike, e ninguémnunca vai pra lá. –Comumapiscadela,eleacrescenta:–Eunãotenhomedodoquepodeestaràsoltaporlá.–Eunãoligoparaashistórias–dizJay.–Sópareceassustador.Noverão,fica

tãoquenteesufocantequetudonoarseretorce.Noinverno,olagocongelaetudoficaazul.–JayempunhaumgarfocheiodeovoseoapontanadireçãodeLucy.–Vocêouviufalardosmortos-vivos,certo?Lucy balança a cabeça, o frio espalhando-se da ponta dos seus dedos até os

braços.Instintivamente,elaarrastaacadeiraparamaispertodeColin.– As pessoas falam que o Saint O é assombrado. E ninguém vai até o lago.

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Algumaspessoasaquidizemqueviramumagarotaandandodebaixod’água.Quemerda,dizemqueesselugartodoéassombrado.Lucysearrepia,massomenteColinpercebe.Elepousaumamãogentilsobresua

pernadebaixodamesa.–Mas,sequersaberoquepenso–começaJay,eosovoscaemdevoltaparao

prato dele com um estalo baixinho –, as pessoas não gostam de fazer todo opercursoaté láporquesãoumbandodepreguiçososquepreferemficarsentadosnosseusquartosabrindogarrafasdecervejacomosdentes.–Entendo–dizLucy.Jayaobservacomumaexpressãoilegívelnorosto.–EueoJaynãotemosmedodefantasmas–dizColin.Jayrieempurraopratodelado.–Não,cara.Eunãoacreditoemfantasmas.Quando Lucy lança um olhar para Colin, ele está olhando de volta para ela,

sorrindocomosegredodelenosolhos.

Lucyselecionaumagradehoráriacomprofessoresquenuncapassamalistadechamadas.TemsomenteumaaulacomColin(história),masénametadedodiaqueela vê o meio-sorriso tranquilizador dele, os dedos tamborilando em um ritmoimpacientenacarteira–dedosque,elasabe,desejamtocá-la.Émaisdifícildoqueelateriaimaginadoquequalquercoisanomundopudesse

ser.Elaobserva constantemente todomundo, imaginando se alguma frase, algumpequenomaneirismo,despertariaumalembrançaoudariaumadicadeporqueelaestá de volta e como continuar ligada a estemundo e umdia sair da escola comColin.ElavêasimesmapensandonoqueJaydissesobremortos-vivosehistóriasque

rondamaescola.Sabequedeviaterfeitomaisperguntas,queaindadevefazê-las,masaforçainstintivaquesenteaoestarpertodeColinzumbecomoeletricidadeemseusouvidos,bloqueandotodooresto.Suasperguntas,suasdúvidas–seupropósito–parecem secundárias perto do formigamento corporal que ela sente debaixodapelenapresençadele.ElaéfisicamenteatraídanadireçãodeColincomamesmaintensidadecomqueérepelidapeloportão.–Lucy?Suacabeçaergue-se rapidamente ao somdo seunome, todopensamento sobre

mortos-vivosdesaparecendo.Levaumminutopara ela se lembrardeonde está–auladefrancêscomMadameBarbare,quenuncaanotouantes.Comoamaioriadosprofessores em Saint Osanna, Madame Barbare presume que se você conseguiu

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passarpelosportõesdesegurançaeestáusandoumuniforme,vocêobviamenteestámatriculadanaauladela,mesmoqueseunomenãoestejanalista.A voz da professora ecoa nos ouvidos de Lucy, reverberando em seu crânio,

quicandodeumladoparaooutrodesconfortavelmente.ÉaprimeiravezemdiasquealguémalémdeColindizoseunome.–S-sim?SomentequandoLucyergueoolharqueaatençãodaprofessorarecaisobreela,

eLucytemcertezadequeelachamouumnomecujadonalheeraummistério.–Eutenhoumrecadoaquimedizendopratemandarparaasaladaconselheira?

– ela formula a frase como uma pergunta, e parece que está pedindo para Lucyconfirmar.Ela ficadepé,dolorosamenteconscientedaatençãodaclasse todaemcimadela,epegaopedaçodepapel.

MANDELUCYPARAASALADASRTA.PROCTOR.

Claroquealguémtinhanotadoagarotacomouniformeroubado.Lucyviraasrta.Proctorpeloscorredores, falandocasualmentecomestudantes

ougritando comgarotosbaderneiros.Ela é jovemebonita, e osmeninosolhamparatrásdepoisqueelapassa.Masamulhersentadanasaladaconselheiranãoéasrta.Proctor.Essa mulher é baixinha e curvada, sentada numa cadeira ao lado da mesa, os

olhosconcentradosemumapilhadepapéisdiantedela.Seusuéterazultemacordocéu de primavera guardado na memória de Lucy e parece não combinar com oescritórioescuroesombrio,nemcomocorpovolumosoesemformadamulher.Elalevantaosolhos,observandoLucycaminhardaportaatéacadeira.–Oi–dizLucy,finalmente.–SouaLucy.–SouAdelaideBaldwin.Avozdamulherémaissuavedoquesuaaparênciajamaissugeriria.–Oi–dizLucymaisumavez.–EusouachefedosconselheirosdoSaintOsanna.–Asra.Baldwinajeitaalguns

papéissobreamesaaoladodelaecruzaasmãossobreocolo.–Parecequevocêcaiu no nosso radar. – Ela faz uma pausa. Quando Lucy não oferece nenhumaexplicação, ela continua: – Eu gosto de checar com a escola a cada um ou doismeses,parasaberseagentetemalguém…qualquercoisadediferentenocampus.Nessamanhã, a sra. Polzweski disse ter visto pela escola umagarota que pensounão estar matriculada. Geralmente, preferimos lidar com essas questõesinternamente,antesdeenvolverasautoridades.Lucysentecomoseumtijolotivesseentaladoemsuagarganta.–Ah–suspiraela.–Ondeestãoseuspais?

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Lucynãotemumaresposta;talvez,sepudesseumdiasairdessecampus,elateria.Ela consegue sentir os olhos da sra. Baldwin em cima de si, enquanto remexeinquieta num pote de clipes de papel sobre a mesa diante dela, olhando para aspinturas católicas genéricas espalhadas pela sala. É estranho estar sozinha comalguémquenãoColineserobjetodetãominuciosoexame.–Lucy,olheparamim.–Lucyergueoolharparaamulher,encontrandoolhos

cheiosdepreocupação.–Ah,meubem.AlgoparecidocomesperançadesabrochadentrodeLucyaoperceberquenãohá

segredosentreelaseque,dealgummodo,AdelaideBaldwinsabequeLucynãoénenhumaestudantecomumentrandoemseuescritório.Lucypuxa inquieta amangada sua camisa, perguntando: –Você sabequemeu

sou?Elasuspeitaquecomessapergunta tenhamudado irrevogavelmenteocursoda

conversa de algo oficial e relacionado à sua matrícula para algo não oficial erelacionadoaumsegredo.–Vocêfoiumacelebridadelocal,queiriaparaHarvardantesdeserassassinada.Lucyseforçaaengoliremsecoseumedodaresposta,parasoltarapergunta:–Sevocêsabequemorri,porquenãoestásurpresaemmever?Se ela sabe quem Lucy é, isso quer dizer que há outros. Há um motivo, um

padrão,talvezatémesmoumasolução.Emvezderesponder,asra.Baldwinpergunta:–QuandovocêvoltouparaSaintOsanna?–Algumas semanas atrás. – O olhar de Lucy pousa atrás dela, observando os

jovenssaindodoprédioedirigindo-seaopátio,aosdormitórios,ao refeitório.–Eupegueidisciplinascomprofessoresqueparecemnãomenotar.Porqueisso?–perguntaela.–Porqueninguémparecemever?–Porqueelesnãoestãoolhando.Elesnãoprecisamvervocê,Lucy.–Não precisamme ver?Não entendo – dizLucy.Colin precisa vê-la? E para

quê?–Entãoháoutros?Aqui,naescola?OJaytinhameditoalgosobremortos-vivos,éverdade?– É assim que algumas pessoas os chamam, sim. Eles andam pelos terrenos,

presos a esse lugarporummotivoououtro, incapazesde saírem.Não seimuitosobre,masimaginoquesejadiferenteparacadaumdeles.Asra.Baldwincomeçaaguardarfichasepilhasdepapeldetrabalhodevoltaem

suabolsa.Aparentemente,aconversaentreelasacabou.OpânicocomeçaainundarLucycomoamarésubindo.– Eu não sei por que eu estou aqui – diz ela atropeladamente. Será que a sra.

Baldwinvaiapresentá-laàsautoridadesquemencionou?Existealgumtipodecaça-fantasmasqueaenviarádevolta?–Sósentiqueeudeviaestaraqui.Amulherparececonformada.Entediada,até.

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–Sei.–Vocêsabeporqueeuestouaqui?–perguntaLucy.–Não–respondeela.–Quiseraeusaber.–Existemoutros?Mortos-vivos?Éissoqueeusou?A sra. Baldwin não responde, simplesmente balançando levemente a cabeça. É

como se ela já estivesse resignada à realidadedequenãohánada a ser feito emrelaçãoaoproblemadeLucy.–Possoficaraqui?EmSaintOsanna?Afuncionáriaassente.– Não acho que temos escolha. Exorcismos não funcionam. Nada parece

funcionar. Só temos que esperar você desaparecer. –Ela desvia o olhar, jogandodentrodabolsaumacanetaemurmurando:–GraçasaDeus,amaioriadesaparece.OcoraçãodeLucyseapertaeelaseviraparaajanela,encarandoafinavidraça.

Desaparecer?Paraondeelairia?Comoelapoderiaimpedirissodeacontecer?Asra.Baldwinatiradosseuspensamentos.–Vocêtemdinheiro?Lucynãotiveranecessidadedissoainda,confinadaaocampusecomasortede

nãoprecisar comeroubeber.Ninguémna lavanderia tinhapercebidoumagarotafantasmaroubandobotasemeiaseuniformesvelhos.–Não.Asra.Baldwinenfiaamãodentrodabolsa,puxaumenvelopeetiraváriasnotas

devinte.–Duvidoquealguémperceba,maseunãoquerovervocêsendopegaroubando

algodalojadaescola.Ondevocêestáalojada?Lucypegaodinheiroeodobra,fechando-onapalmamão.Sente-oquente,por

terestadoantesnabolsa,eásperocontraapele.–Emumgalpão.Asra.Baldwinassentemaisumavez,comoseissoasatisfizesse.–Alguémmaissabesobrevocê?–Umgaroto.Amulherriefechaosolhos,masnãoéumarisadafeliz.Éumarisadadotipo

“claroqueumgarotosabe”.Edotipo“nemdeviaterperguntado”.Asra.Baldwinassentedecididaaoselevantar.–Cuide-se,meubem.Elalevantaabolsaeapenduranoseurechonchudoombro.–Obrigada.AdelaideBaldwinencaraLucyesorribrevementeantesdevirar-separaaporta.

Comamãonafechadura,elapara,olhandoemoutradireção,demodoqueLucynãoconsegueveraexpressãonorostodelaquandoeladiz:–Quantoaosoutroscomovocê,parecequesemprequerem levaralguémcom

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eles.Tentenãofazerisso,Lucy.

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CAPÍTULO12Ele

Essagarota,essagarota.Elamurmuradesafinadajuntocomasmúsicasqueeladiz não lembrar. Ela faz as coisas mais loucas com o cabelo e o uniforme,amarrandofolhasefitasnumalongatrança.Elarialtodassuaspiadasquandoelescaminham pelo corredor juntos e não parece se importar por ninguém nuncapercebê-la.Colinseperguntaporquê.Jayavê.Algunsprofessores.Massó.Écomose,paraeles,orostodelasemisturasseaocenário.Comum.Genérico.MasColinpercebetudo.E esses pequenos detalhes – sua delicada confiança, sua risada contagiante e o

modocomoelalambeoslábiosquandooolhapensandoqueelenãoestávendo–tornam impossível para ele parar de ficar obcecado em tocá-la como deseja. Elademonstraafetotranquilamente:umamãonobraçodele,apoiandoacabeçaemseuombroquandoestãosentadosnumbanco.Maseleestátãofascinadoporela,pelospensamentoselábiosemãosdela,queomaisdesinteressadodostoquesdeixam-nocadavezmaisfaminto,sentindo-sepequenodemaisdentrodaprópriapele.–Vocêpassouodia todocomessesorrisinhosecreto–eladizdepoisdaaula,

certatarde.–Vouteatacarnochãoefazercosquinhaatévocêcuspiromotivo.Colinsoltaumgemidinhomeiofrustrado,meioanimado.–Fiqueàvontade.Mas, em vez de fazer o que ele gostaria, ela o convida a dar uma volta pelo

campusepelaflorestaparacontarsobrecomoécrescernumacidadepequenacomuminternatodeprestígioqueempregapraticamentetodomundo.–Aspessoasachamqueeutiveumainfânciatraumática,eachomesmoquetive,

mas a maior parte do tempo era eu fazendo umas loucuras e manobras radicais

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semprequepodia.Haviatantagentecuidandodemimaquiqueeraimpossívelmesentirperdidoousolitário.Elasorriparaele,masosolhosdelasãodeumprovocativoegentilazul-anil.Ele

passaseuolhardesesperadopelorostodela,registrandocadaexpressão.Essetipode anseio lhe dá vontade de rugir, atirar troncos e pedras para todos os lados,reclamá-ladealgumaforma.–EntãovocêsemprefoioGarotoCujosPaisMorreram?–perguntaela.Ele ri da lembrança instintiva de como todomundo nessa cidadezinha tem um

rótulo.–Euachoqueera.AgoraeusouoGarotoqueSaltouDezoitoMetrosDiretona

PedreiraeNãoMorreu.AtéaDotouviuessa.Balançandoacabeça,eladiz:– Foi uma loucura isso que você fez. –Mas os olhos dela tinham se tornado

castanho-metálico,numredemoinho.–Atévocê!–Colin!Racionalmentefalando,foiumsaltoinsano.–Nãoéinsanidade–dizele.–Temavercommedo.Todomundotemasmesmas

habilidades.Fisicamente falando, eles têm capacidade. A diferença é que eu nãotenhomedodetentar.Colinconsegueselembrardaproezaquasemelhorquequalqueroutracoisa:ele

impulsionou a bicicleta até a beirada, respirou fundo e equilibrou-se – olharconcentrado e músculos tensionados – antes de alavancar para o alto num saltoacima da borda.A bicicleta fez, afiada, o caminho direto para o bloco de pedra,cortando o ar em dois. Ambas as rodas rasparam a pedra em uníssono antes derolarem por um caminho pedregoso até a base da pedreira. Ele aterrissou ali.Corpo:machucado.Braço:quebrado.–Nodiaseguinte,euteconheci–acrescentaele.Eleaindasesentianaquelemomentoantesdosalto,eentãoelaestavalá:acoisa

maismaravilhosa que ele já vira. Essa segunda lembrança é tão vívida quanto aanterior.Ela murmura de lábios fechados, roçando os dedos nos dele, e a corrente

formigante sobe até seubraço antesde evaporar.Elequermais.Elepraticamentesofre de desejo pelo toque dela. Não são somente os hormônios. É como se elefossefisicamenteatraídoparadentrodoespaçodela,tendoqueforçarasimesmopara manter qualquer tipo de distância suportável. Ele retira lentamente a mão,fechandoopunho.–Fico imaginandoqualeraoseurótulo–dizele,distraindo-sedanecessidade

urgentededeitá-lasobrea trilhaecobrirocorpodelacomoseu.–AGarotadaRisadaRom-Rom?Elaronrona,eentãobateemseubraçocomosefossesuaculpa.

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–Talvez.–AGarotadosOlhosMalvados?–Sópravocê.Ascovinhasdelaaparecemnosdoisladosdaboca.–Claro–dizele,rindo.–AGarotaqueChutouoTraseirodeTodososGarotos

naAuladeQuímica?Elacomeçaaresponder,sorrindo,mandíbulaesticadadeorgulho,masolhapara

asmãosdele,fechadasfirmementeaoladodacintura,eaexpressãodorostodelaficarígida.–Oquefoi?Eleabreospunhos,soltandoasmãos,rindonervosamente.–Nada.–Vocêestáchateado?Colincomeçaaandarmaisumavez,gesticulandocomacabeçaparaqueelao

acompanhe.Elenãosabecomofazerissooucomoumdiapodechegarafazê-lo.Elegostadela.ElequerqueLucysejasuanamoradadetodasasmaneiraspossíveis,incluindo asmaneiras em que ele pode tocá-la. O anseio pelo beijo dela está setornandoasfixiante.–Colin?Parando,eleseviraparaencará-la.–Oquê?Elaridasuacaradebobo,caminhandoemsuadireção.–Oquefoi?–Eugostodevocê–eledeixaescapar.–Muito.–Seucoraçãoseapertaeentão

começaabaterloucamente,epartedeledesejavirar-seesaircorrendopelatrilha.Emvezdisso,eleficaparadoeobservaaexpressãodelamudar,desurpresaparaalegria.–Mesmo?–Mesmo.Eédifícilficarpertootempotodosempodertetocar–admiteele,a

vozquasemorrendo.–Pramimtambém.–Esticando-senapontadopé,elasussurra:–Maseuquero

tentar.Alínguadeleescapaparafora,deslizandopelopiercing.–Eupensonisso–diz ela, ohálito cheirandoa chuvaepétalas.–Euquero te

beijaratévocêficartontodedesejo,também.Colinprecisadequatrotentativasparaconseguiremitirumsomdoslábios.–Vocêestámedizendoqueestátontadedesejopormim?Elaergue-senapontadospésmaisumavez,eelesenteumasensaçãodelábios

contra sua bochecha. Ele se vira e se depara não com a boca dela,mas com suacabeça rapidamente virando-se. Logo antes de ele se afastar, um pouco

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constrangidoemuitoconfuso,amãodelaopressionapelafrentedesuacamisa.–Calma–dizela.–Sóvaidevagar.Primeirocomabochecha,depoiscomonarizapenasroçandooslábiosdela,ele

chegamaisperto,esperandoqueomodocomoelatremesejadeantecipaçãoenãodealgumacoisamenosprazerosa.Elamoveacabeçaapenasosuficienteparaeleroçarabocasobreadela,e seuspunhosse fechamreprimindo-seaoseu lado.Édiferente;apeledelaédiferente.Éaindaenergiaformiganteedáasensaçãodequeseeleapressionassecommuitaforçaelaevaporaria,mas,aindaassim,sãolábios:perfeitos,entresorrisos,eagoramolhadospelosdele.Quandoeleabeijamaisumavezeasaboreia,elaemiteumpequenosomdealívio.Éumsomdedesejo,dearefogo,eColinquaseperdeocontrole:apertando,dedoscravando-se.Masentãoseafasta,respiraçõesofegantesenquantoeleolhaparaela.–Ok,foiumbomcomeço.–Umbomcomeço?–dizela,comumarisadinha.–Minhamenteestácheiade

buracos, mas tenho certeza de que esse foi o melhor primeiro beijo da históriadessacidade.Gentilmente,eletocaocotovelodela,cautelosamenteencorajando-aacomeçara

caminhar mais uma vez. O beijo foi um passo gigante na direção certa e aindaassim apenas uma fração do que ele necessitava.Dentro de seu peito, uma cordaenrola-sefirmemente,esfiapadanasextremidades.

A escala de trabalho deColin saiu há dois dias, e ele não se lembra de ter sesentidotãogratoporpoderlavarlouça.EleeDaneterminaramdelimparacozinha,eColin ficamais tempopara fazer companhiaparaDot.Elaestevequietaanoitetoda: sem assobiar enquanto cozinha, sem acertá-los com a espátula. Era apenasumaDotpensativaesilenciosa,eeleachaissoestranho.–Dialongo?–perguntaele.Elaencolheosombros.–Sabecomoé,quandoumatempestadeestáacaminho.–Joelhosbarométricosemação?Elalhelançaumolharcarrancudosobreoombro.–Muitoengraçadinhovocê.–Quandoelaseviraparaapia,eleconseguevero

reflexo dela enquanto olha através da ampla janela,mirando os fundos do pátio.Aparentaestarpreocupada.–Pareceque–elarecomeça,procurandopelaspalavras–algumacoisaestáerrada.Nãoseiaocertooquê.Colinengoleumadensasalivaeseocupaempilhandopratos.–Ei,Dot,vocêselembradeumagarotachamadaLucyGray?

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Elapara,desamarrandooavental.–Claro.Todomundoaquiselembradessenome.–É.–Colinseesforçapararespirar.–Entãovocêestavaaquiquando…quando

tudoaquiloaconteceucomela?–Porquevocêestáperguntando?Ele dá de ombros, pegando das mãos dela um pesado saco de açúcar e

colocando-osobreabancada.–Pornada.Umpessoallánolagocomeçouafalardissonahoradoalmoço.Elaoalfinetacomumaexpressãoséria.–Émelhoreunãopegarvocêporlá.–Claroquenão–dizele.Éumamentira,e,comoregrageral,elenãomentepara

Dot.MasColinestásemprenolagoeimaginaque,sendoamesmamentiraqueelecontourepetidasvezesaolongodavida,contavacomoúnica.–Elafoiassassinada–dizDot,finalmente,observando-ocomeçarasepararos

talheres.Docantodosseusolhos,elepodeverqueelaplantouoprimeiropunhonoquadril e quase consegue ouvir seu cérebro tiquetaqueando enquanto pensa emalgumacoisa.–Vocêselembradealgumacoisa?–perguntaela,finalmente.Eleapontaumpunhadodegarfosparaopeito.–Eu?Elaassente.–Quê?Não.–Elafoimortaquandovocêtinhaseisanos.Elemoravanocampusetinhaacabadodeperderospais.Eleselembratãopouco

daquele tempo, exceto do estranho e constante desejo de se dissolver e sairflutuandonoar.–Eunãomelembrodenadasobreisso.Elaassenteevira-sedecostas,cruzandoosbraçoseolhandopelajaneladenovo.–É,achoquenãoselembrariamesmo.Tinhatantacoisaacontecendocomvocê

naépoca.Foibrutal,Col.Simplesmente…–Acabeçadelapendeeelaabalança.–Simplesmentehorrível.Ele não quer ouvir a versão dela da história,mas uma parte doentia dele quer

saberdetudo.–Seuspais tinhammorridoevocêestavamorandocomoJoe.Achoquevocê

nãoestavaconseguindodormirnaquelanoite,eoJoeestavanumareuniãocomosrepresentantesdosdormitórios.Vocêestavanavaranda,brincandosozinhocomseusoldadinho.–Elaseviraparaeleesorritristemente.–Vocêoviulevandoameninaparaafloresta.Vocêcorreuemeencontrou.Issonãoasalvou,masfoiporcausadevocêqueessecarafoiencontrado.Agentenãofaziaideiaqueaquelemonstroviviabemdonossolado.Eeletinhamatado…MeuDeus,euachoqueeletinhamatadomaissetecriançasdiferentes!

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Colinselevantaesaiemdisparadadacozinha,sentindoorefluxodoquecomeunojantar.

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CAPÍTULO13Ele

Exceto pelas memórias borradas do funeral, Colin tem poucas lembrançassólidasdeseuspaisoudoacidentedecarroque imediatamenteosmatouequeodeixouestranhamenteileso.Oscaixõesdelesforamcolocadosladoaladodiantedaigreja,eocheirodoslírioseratãofortequefaziaseuestômagorevirar.Opeitodoseupaiforaesmagadopelopaineleafuneráriatevedereconstruí-lo,substituindomúsculoseossosporvarasdemetalecera.Colinlembra-sesomentedeumagraveferida roxa saltandodebaixodopunhodacamisabrancaengomadade seupai.Obraçodasuamãetinhasidoarrancadodocorpopelocintodesegurança–algoqueelesóficousabendoanosdepois–eamangadoseuvestidorosapreferidoestavavazia.Comosepensassemqueninguémsequernotaria.Eleseperguntouporquealguémdesejariaveralguémqueamavaassim,coma

pelenacorerradaeolhosquejamaisseabririamnovamente.Nãoécomoeledesejaselembrar.Ele quer abrir o próprio cérebro, arrancar as páginas feias e substituí-las por

novas, mais felizes. Páginas nas quais mães e pais não morrem e monstros nãoarrastamgarotasparaaflorestanomeiodanoite.ElenãotinhasesentidomalassimoutravezatéLucychegar.Eleimaginouque

sabermaisdahistóriadelaseriaumalívio,outrapeçafaltandonoquebra-cabeça,umapeçaqueseencaixariaperfeitamentenolugar.Emvezdisso,saberqueelefoiaúltimapessoaavê-lavivaécomopegarpáginasembrancoetingi-lascomhorroresangue.Elenãoquer imaginá-lacortadaempedaços,semcor.Suabocaérosaemacia

comopêssego,seuslábios,molhadosesuaves.Arisadadelaexplodedagarganta,

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rebelde e irreverente. Ela exala uma confiança silenciosa que ele nunca viu nasgarotas do SaintO. Lucy parece tão vital, tão impossivelmente viva. Como podequalquercoisadasuahistóriaserreal?Eagoraelaestáaqui,vivaounão,paradanasoleiraquandoeleabresuaporta.O

sorrisodivertidodela torna asoutras coisasmais fáceisde esquecer.Pelomenosporalgumashoras.Faz trêsdiasdesdequeDotrevelou-lheseupapelnoseventosemtornodoassassinatodeLucy.Todanoite,semprequecomeçavaacontarparaela,suagargantapareciasefechar.Comosempre,Lucydescalçaasbotasesedirigediretoparasuajanela,abrindo

os braços para afastar as cortinas. O dia todo ameaçou nevar, e alguns flocospequenos flutuam sob o poste de luz, para depois caírem lentamente no chão.Apesardeestarescuroláfora,océuestáclaro,praticamentebrilhando,echeiodenuvensqueparecemacesasportrás.–Semestrelasessanoite.–Elesoacomoseestivessesedesculpando,dealgum

modo.–Écéudeneve–dizLucy,onarizpressionadocontraovidro.Nãohánenhuma

marca no ponto onde o nariz toca a janela, nenhuma nuvem de condensação. –MinhaavódiziaqueparecequealguémesqueceuaTVligadanocéu.–Elarieentãoseinterrompe,virando-separaele.–Comoeumelembreidisso?– Não sei. Talvez seja como pessoas com amnésia. Algumas coisas reavivam

memóriasespecíficas.–É,talvez.Elavolta-separaolharo céu e ele fechaosolhos, tentandoafastar as imagens

parasempre impressas.Elequer lhecontarmaissobresuamorteesobreopapeldelenisso tudo.Masháalgomais,umavozdentrodasuacabeçase repetindodenovoedenovo,dizendo-lhequeéumamáideia.Dotdizqueos fantasmasvêmporque têmquestõesnão resolvidas.Talvez seja

porissoqueLucyestáaqui.Elesabequedeviadarouvidosaisso,aesseavisoparalevarascoisasmaisasério.Eleduvidaquealguémvoltariadomundodosmortosporqueperdeuumlivrodabibliotecaousentiufaltadeficarsentadaodiatodonaescola. Teria que ser por algo maior que isso. Para acertar alguma conta?Vingança? Ele afasta a ideia; Lucy jamais o machucaria. Ele sabe disso. Mas sealguém tem questões não resolvidas, Lucy definitivamente é essa pessoa. O quepoderiasermaisnãoresolvidodoqueterseucoraçãoarrancadodopeitoporumhomememquemseuspaisdepositaramconfiançaparaprotegê-la?ElesenteumarrepioquandoLucyvira-separaele.–Frio?–perguntaela.–Não,sóinquieto.Lucydiminuiadistânciaentreeles,parandoapenasquandoosdedosdopédela

tocamosdeledentrodameia.Elelutacontraoqueparecesercadacomponentedo

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seucorpoconspirandoparafazê-loseaproximarmaisdela.Querbeijá-lamaisumavez.Está tão silencioso, é difícil acreditar que há quartos cheios de pessoas nos

andaresacimaeabaixodeles,dooutroladodasparedes.ELucyestátãoquieta.Elanãoseagitaoutosseoupareceestarsempreseajeitando,comoasoutrasgarotas.Elepensaquaseconseguirouviranevecomeçandoacairláfora.Mas, na ausência de todas essas distrações, há algomais, algo que paira no ar

entre eles e torna cada um dos seus sentidos, de algum modo, sobrenaturais.Quandoelaergueamãoparatocarseulábioinferior,circulandocomodedoseupiercingprateado,écomosetodooaremtornodelessemovimentassecomela.Ele está fora de si com o desejo por ela. Os olhos dela estão derretidos num

profundoâmbar.–Mebeija–dizela.–Tudobem.Eleseinclinaparabeijá-la,maltocandooslábiosdelacomosseus.Cadabeijoé

breve, cuidadoso, pontuado por olhares e sussurros de “está tudo bem?”, e aresposta dela, “sim”. Ao se concentrar muito intensamente, ele começa a seperguntar se está de fato a tocando.Fisicamente, o beijo dela émuitomenosquequalquerbeijoqueelejáexperimentou,mas,pordentro,eleestápertodeentraremerupção.Suasmãosencontramacinturadela,osquadris,puxam-naparamaisperto.Elaestremece,recuando.Édemaisparaela.–Merda.Desculpa–dizele.Maselaopuxapelacamisae lheofereceumolharcomtamanhadeterminação

queelesecurva,rindoumpouco,eapenasroçaabocadelanumbeijo.Elenãoquerseressetipodecara,aquelequeinsistepormaisemaisemais,pois

sabe que cada toque a esmaga.Mas ele estámorrendo de desejo de saber qual asensaçãode suapele, comoseusquadris seencaixamcontraosdele.Ele se senteávido.–Queroquevocêfiqueaqui.Seus olhos pairam sobre a boca dela antes de encontrarem-se nervosos como

olhardela.–Posso?–perguntaela.–OJayvaipassaranoitefora?–Achoquesim.Elasedeitadecostassobreacama,eeleseinclinasobreela,traçandoumalinha

invisível do pescoço dela, passando pela clavícula, antes de desabotoar os trêsbotõesdecimadacamisa.Nenhumacicatrizévisívelnapeledela.Nãohábatidasdecoração sob a ponta dos seus dedos,mas alguma coisamais parece formigar nolugardisso.Osbrevesbeijosdeladerretem-secomoaçúcarcontrasua língua,ecomouma

rajadadeventoelaojogadecostassobreacama.Elesenteopesodelasobresuascoxas,comoocorpodelaopressiona.Quente,mas,aindaassim,dealgummodo,

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semser.Éatorturamaislinda:asombradeumasensação,quesevaiantesmesmoqueeletenhaachancedeprocessá-la.Écomoseestivessesonhando.Tudoéessafantasia,nãohánenhumalíviorealdo

modocomoanseiaporela.–Colin…–Oi?–Tireacamisa.Eleaencara,nãovendonenhumtraçodehesitação,enuminstantepuxaacamisa

por trásdacabeça.Asmãosdelaea ilusãodoseupesodescempressionandoseupeito;umasensaçãoprovocadora,quecausaarrepiosemsuapele.Mas todo sentimento se vai rápido demais, quando se senta embaixo dela,

hesitanteemtocá-lapormedodesobrecarregá-la.Talvezsejamuitodeumasóvez.Ela sussurra, pressionando as palavras contra seu pescoço, seus ouvidos, sua

boca.Eugostodogostodasuapele.Você temcheirodesabãoegramaemar.Osdentesdelamordem-no,provocadores,puxandoasuaargolanolábio;asmãosdelaestãoportodolado.Entãosuasprópriasmãostornam-sedesesperadas,puxandoacamisadelapelos

ombros, tocando sua barriga, seus seios, apertando e querendo memorizar cadacurva.–Fortedemais–engasgaela,inspirandocomoseoarlhefaltasse.Elereceiaque

elaestejatentandoesconderqueeleamachucou.– Desculpa, desculpa – diz ele, passando as mãos pelos cabelos. Ele fecha os

olhoseosaperta,agradecidopeloformatosólidodessasensação.Elenãoandaemsuabicicletahádias,nãocorre,nãofaznada,ederepentesente-secomoumursotentando carregar um cristal; seusmúsculos parecem que vão explodir da pele epartircomessatensão.Eleseperguntaseéissooqueaspessoasqueremdizercomaexpressãodequequaseteralgumacoisaépiordoquenuncatê-la.Amãodeladeslizaporsuabochecha,trêmuladeexcitação.–Olhapramim.Eleergueoolharevêolhoscordesangueedanoiteedocéu.Vermelhoeazul

profundo,riscadosdeanil.–Vocêdevia…setocar,se…–Elasequerpisca.Sequerfazumúnicodaqueles

gestosdegarotastímidas,comoenroscarodedonocabelooucobrirorosto.Elaapenasespera,observando.–Vocêquerdizer…?–Eleconseguesentirasprópriassobrancelhasarqueando

atéafranjadocabelo.–Metocareumesmo?–É.Eentãoelasorri.Éaqueledocesorrisoacompanhadodecovinhasqueomata,o

modo como ela parece aomesmo tempo vulnerável e exigente. É o que faz esseabsurdo,aenraizadanecessidadedesecobrir,desaparecer.

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Elefazoqueelapede,bruscamentedescendoascalçaspelosquadrisefechandoos olhos apenas quando ela sussurra seu nome. Acontece rápido e de um jeitofamiliar,eumcalorseestendeporsuapeleenquantotentarecuperarofôlego.Masnãoeraoqueelequeriadeverdade.Elaestáobservando-ocomolhosturbulentos,semdesgrudaremdoseucorpo.Eemboraelesardamfascinados,évisívelquenãoeraoqueelaqueriatambém.Colin a traz ansioso para debaixo das cobertas com ele, virando-se de lado e

puxando-a para ficarem de conchinha. O peso dela muda de pesado para nada,pressionandoeretirando-secomoventoquebatecontraumavidraça.Eles dão boa noite um ao outro; e então mais uma vez, sem vontade de se

abandonarem.Elarespira,elenota.Arespiraçãocurtadelaharmoniza-secomoritmodasua,e

ele se acalma no reconfortante padrão. Uma dormeio amargameio doce, pulsaprofundamente em seu peito. E conforme o sono começa a arrastá-lo, ele nãoconsegue lutarcontraomedodeque,quantomaisprecisardela,mais impossívelseráparaelaficar.Seusolhossetornampesados,seusmúsculoscomeçamarelaxareelesenteasi

mesmodeixando-seescapar.ColinsonhacomLucyusandoseuvestido floridoesandáliasbrancas,asmãos

cruzadassobreabarrigaelíriosportodaasuavolta.

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CAPÍTULO14Ela

Elatentaficartotalmenteparada,enquantoelecainosono,ouvindoopadrãodarespiraçãodele.HádiasColinnãoandadebicicletaenãosemeteemumacidenteese ferra todo, como costumava fazer. Lucy está acostumada a vê-lo sempre semexendo,quasevibrandocomsuavitalidadequemalconsegueconter.Mas,agora,conformeosonoseaproxima,elepareceestranhamentequieto.Issolhedáamaispequeninapontadadeinquietação,aindaqueelasintaaforçaeoapertodosbraçosdele,eseupeitolargopressionadocontraacurvadesuaespinha.Colin respira fundo e murmura alguma coisa antes que seu corpo pareça

desinflar, cada vezmais tranquilo e cansado e atémesmomais quente, de algummodo.Elasentefaltadessaválvuladeescape,oabandonofísicodosono.Lucyestavadevoltahaviamaisdedoismeses.Sessentaeseiscrepúsculos.Essa

noite é a primeira vez em que sente a sensação de estar sendo levada para aescuridão.Elaimaginaqueaspessoasquegostamdedormirtambémadoramessaparte:apacíficaliberação.Enquanto relaxa, sente-se como se estivessedevolta à trilha,mas,dessavez, é

apenas em sua mente, e de algum modo diferente. Está debaixo d’água. Bolhassobem de seus lábios quando solta o ar, e ao levantar os olhos elas se tornamestrelasprateadasnumcéuvioleta.Galhosseerguemparaoalto,esticando-separatocaremcadapontinhodeluz.Diantedelaestáamesmaempoeiradatrilha,masnaescuridão ela é de um suave castanho-escuro. A superfície parece coberta numaestranhamisturaentrefundodolagoecascadeárvoredaterraláfora.A trilha não continua para sempre, como às vezes acontece nos sonhos. Ela

termina logo adiante, onde não há nenhuma curva ou subida; não há nada. Uma

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suaveescuridão.Nessemundo,ondemeninasfantasmaspodemandaretocarerir,oescuronãoéumabismoassustador.Éapenasooutroladodoclaro.Ela continua até não estarmais andando; ela simplesmente semove.Virando à

esquerda, depois direita, depois esquerda de novo até que está de volta à trilha,esperando.Por intuição,ela sente securvarepressionar-secontraColinumavezmais,antesdedeixar-secairdentrodoescuro.

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CAPÍTULO15Ele

Elenuncapassouanoitena casadeumagarota, então talvezhajaumestranhosentimento de estar conhecendo o que ele ainda não experimentou.Mas Colin játinhatrazidogarotasparaoseuquartoedormidocomelas,eemnenhumadessasnoiteselasselevantarameforamemboraenquantoeleaindadormia.Lucynãoestáláquandoeleacorda,emesmoimaginandoqueprovavelmentefoi

porqueestivessemorrendodetédio,elesesenteumpoucorejeitado.Da janela do seu quarto, ele observa que nevou em algummomento durante a

noite.Emuito.Océuestápesadoecinzento, e équase impossíveldizerondeeleterminaeochãocomeça.ElesoltaumgemidoaoverojardimdeDot.Elequebrouo braço na véspera do dia em que deveria limpá-lo.Ainda há algumas abóborasespalhadas, e os tomateiros estão definhando, frágeis, quase curvados até o chãosobovolumedaneve.Seusfrutosesquecidosdestacam-senummedonhocontrastecontraasvinhascobertasdegelo,comopequenoscoraçõesenrugadosadornandoummantodebrancura.Eledesceparaajudaratiraraneveejogarsalnaspassagensportrásdacozinha,

perguntando-seotempotodoseLucyvoltouparaogalpão.Elenãoentendecomoalguém tão leve andananevedensa emolhada.Tentanão imaginar elapresa emalgum lugar, afundada depois de ter pisado fundo demais, incapaz de puxar opróprio peso para fora da neve. Provavelmente pelamilionésima vez, ele desejaentenderquemdiaboselaé.Aessaaltura,eleestásuando,masseusdedosparecemgelo.A coisa que ele está evitando – omedo de Lucy em partir da sua vida tãorapidamentequantoveio–ocorróipordentro.–Oi,estranho–dizDot.

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–Oi–respondeele,distraidamente.–Estátudobemcomvocêhoje,querido?–perguntaela,enquantoelebateospés

paratiraranevedasbotas.Dotestáenterradaemumadasprateleirasmaisbaixas,escavandoumpardepanelasgrandes.–Claro.Dentrodacozinha,Colinabreportasdearmárioseasfechamaisumavez.Elese

sentemeioemcurto-circuito,eumaenergianervosapercorreseusmembros.Elenãoestáescaladopara trabalharhoje,masestarcercadopela intensaatividadedocaosdamanhãepelofalatóriodefuncionárioseestudantesémelhorqueosilênciodeseuquarto.–Vocêpareceumpoucoansioso.–Euestoubem.Elalhelançaumolharcético.Virando-se,elecomeçaapôropãonasimensasassadeirasindustriais.–Sópensandosedeviajogarumpoucomaisdesal.–Elegesticulaparaajanela,

ondeobrancocobreagramaeoscalçamentos,acortinandocadaarbustoeárvore.– Deixe isso com os jardineiros. – Dot aproxima-se por trás dele e dá

palmadinhasgentisemseuombroparasuavizaraspalavras.–Vocêéumdocederapaz,sabiadisso?–dizela,passandoamãonocabelodele.–Evocêestátãomaistranquiloultimamente.Temmaisdemêsquenãotevejonaenfermaria.–Ah,é?Ele se senta, dando umamordida em sua torrada. Ele não tinha percebido que

fazia tanto tempo.Porquenão importaquantas semanasagora,Lucy tem sido suaadrenalina.–Entãoousuabicicleta,skateecaiaqueestãotodosquebrados,ouvocêconheceu

umamenina nova. – Ela fica pairando por ummomento antes de se afastar,masColinnão se incomodaem responder.Agoraque ele sabe averdade, pergunta-secomoDotreagiriaseovissecomLucy.SeelasequerveriaLucy.Enquanto ela segue com sua rotinamatinal, ele escuta o guincho familiar dos

seussapatossobreosazulejos,enquantoficaempurrandoacomidanoprato.Seelenãotomassecafédamanhã,Dotiriamandartrazeracavalaria.Mascadamordidaparececoladurainstalando-sedentrodele.Tãologotermina,pensamentosdefazerqualqueroutracoisaquenãoencontrar

Lucysão lançadospara forada janela.Talvezsejaverdadequeelaveioparaestemundo por causa dele,mas também é verdade agora que ele sente uma estranhamudançanacomposiçãodocéu, comoseumagarota tão levearrastasse consigotodaaatmosferaaoiremboradoseuquartonomeiodanoite.AprimeiracoisaqueColinnotaquandochegaaocampoemvoltadogalpãode

Lucyéqueaneveestáintacta.Eledizasimesmoquetudobem.Elesequersabese

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Lucyteriapegadas,masdealgummodosentequeelanãovoltou.Eleestáarfandoquandochegaaogalpãoeirrompepelaporta.Oscobertoresem

cima do velho colchão de ar estão lisos e intocados. O livro de Lucy repousaimperturbávelsobreamesa,umpedaçosecodelavandamarcandoapágina.

Eleestáalucinadodeadrenalinae,antesqueperceba,estásegurandonocorrimãoegalgandoosdegrausdoEthanHall.Osinojátocou,oscorredoresestãovazios,eumestranhosentimentodedéjàvupassaporele.Eleolhaemtodasassalasdoprimeiroandarantesdesedirigiraosegundo.Na

livraria,checaapequenaalcovapertodoarmáriodedepósito,naqualelagostadeserefugiareesperá-loterminarotrabalho.Elanãoestálá.Colin checa os banheiros do segundo andar, espiando dentro de cada sala por

ondepassa,dorefeitórioeatémesmodoarmáriodozelador.Nada.ElemandaumamensagemparaJaypedindoqueoencontrepertodoauditório.

Jayvemassoviandopelocorredor,mas,tãologovêColin,suaexpressãoficaséria.–Uou.Oqueaconteceu?–VocêviuaLucy?–Não,desdeontem.Colinpressionaatestacontraajanela.–Col,oque…–Elasefoi.–Suavozsoatãoocaeestranha,comosepertencesseaoutrapessoa,

esuarespiraçãocondensanovidrodiantedele.–Elaestavacomigoontemànoite,equandoacordei…elatinhaido.–Relaxa.Eladeveestarcom…–Elanãotemmaisninguém.EleencaraosolhosdeJay,esperando,desejandoqueeleentendaoqueeleestá

dizendosemnecessariamenteterdedizê-lo.–Parecequeestárolandoumclimaentreagente–dizJay,tentandosuavizaro

sofrimentodeColin.Funciona,eelequasesorri.Depois,sériomaisumavez,Jayacrescenta:–Elaéumagarotameioexcêntrica,né?–Ahn,é.–Beleza,cara.VamosatrásdasuaLucy.

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Maselesnãoaencontram.Quandoelessearrastamcansadosparaatrilha,Jaynãodizumapalavra.Quando

dão a volta em todo o lago, ele segue no encalço deColin.Quando cortampelocampocobertodeneveepisamnogalpãoparaencontrá-lovazio,elenadaperguntaaColin.Lucynãovoltounaquelanoite.E quandoColin falta à escola namanhã seguinte para esperá-la no galpão, ela

tambémnãoaparece.Durantedezdiaseleprocura.Elefrequentaasaulas,trabalhaquandoéseuturno,

conseguedescobriratrilhanaqualeladespertou,esperandoqueelaestejalámaisuma vez. Talvez ela venha em sua direção, vestindo suas botas fodonas e umuniformeroubadograndedemaisparaela.Eleconsideraaideiadecontaraalguémqueeladesapareceu,masentãopercebe

que não há ninguém a quem contar.Ninguém sequer nota que a garota bonita deolhosinquietosecabeloscordenevedesapareceu.Porfim,elenãoconseguesuportarodormitório,aescola,ogalpão,nadadisso.

Cada uma das paredes está impressa com a forma, a sombra delgada dela. Eleirrompe pelos terrenos em sua velocidade única, espirrando neve e água pelocalçamentoenquantoparte.Pernas pedalando, coração disparado, sangue tão tão tão quente nas pernas, no

peito, asmãos apertando com tanta força que ele consegue sentir a dor pulsandopelobraçorecém-curado.Elesaltademeios-fiosecaminhões,vagõesdetremecabosferroviários.Pedala

sobreumapontede corda congeladanaqual elenunca antes tinha conseguido seequilibrar,juntamentecomumestreitotrilhodetrem,eescorregasóduasvezes.Osom do trem rugindo pelos trilhos, cada vez mais perto, apenas o faz ver maisclaramente,respirarmaislivremente.Sentir-sevivo.Elefazpiruetasquenãodevia.Pedalaatéquesuaspartesdeforafiquemtãomaltratadasquantoasdedentro.Ele tenta fingir que não a está procurando em cada sombra. Decide que não

importa.Quenadaimporta.Amorteespreitaemcarros,emprédiossilenciososdeescolas e soba terra congelada.Amorte encontra-se em todosos lados,mas suafantasmasefoi.Quando ele faz o caminho de volta até seu quarto na calada da noite, está

machucado e coberto de arranhões. Ele suspeita que uma de suas costelas possaestarquebrada;maseleestávivoeLucyéapenasumamemória.

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CAPÍTULO16Ela

Lucypairanolimiardeumsonhoquandooarparecederepentesealteraràsuavolta. Por trás de seus olhos estava maravilhosamente escuro, mas é tão fácillevantarascortinas,deixarafracaluzdosolrastejarparadentrodoquarto.Colinestálá,dormindoeaquecido.Dealgummodo,duranteanoite,osdoistrocaramdelugar.Elaestáatrásdele,comosbraçosemtornodassuascostas.–Vocêvaitrabalharnocafédamanhã?–Elalançaumolharparaorelógio.Já

sãosetehoras.Vocêvaiseatrasar.Eleseviratãorápidonacamaqueafazestremecer,osolhoscheiosdehorrore

alívio.Eraiva.–Lucy.Raiva?Eleasegura,puxando-aparaeletãorápidoqueelaperdeofôlegoenquantoele

espremeorostonacurvadoseupescoço.Elafechaosolhos,earápidabatidadocoraçãodeleentradentrodela,fazendovibrarseupeitosilenciosoevazio,eelasesentetãocompleta,quaseinflada.Eleproduzumsomdefrustração,quaseumuivo,comosenãoconseguisseapertá-la forteo suficiente,nãoconseguisseenvolverosuficientedesimesmoemtornodela.Elarieofazdeitar-sedecostas,ficandoporcimadele,mas,quandobaixaosolhos,percebequeelenãoestárindo.–Oquefoi?Oqueaconteceucomvocê?–Elatocaumarranhãonatestadele,vê

ummachucadofeionoqueixo.Elesnãoestavamláantes.Ele senta-se abruptamente e ela escorrega do colo dele para o pé da cama,

aterrissandodistante.Araivadeleestámaioragora.Hámaisfogoqueafeiçãoemseusolhosdeavelã.

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–Ondevocêesteve?–Doquevocêestáfalando?–perguntaela,aproximando-sedelemaisumavez.–

Vocêestavadormindo.Anoitepassadafoi…–Elapara,aterrorizadaagoracomaideiade tudo tersidoapenasumsonhoestranhoesombrio.–Noitepassadavocêmetocoue…eupensei…–Noitepassada?Noitepassada,Lucy?Noitepassadavocênãoestavaaqui.Você

estádesaparecidaháquaseduassemanas.Ela sentededosgeladosdeslizarempordentrodo seupeitoeenrolarem-seem

tornodeondeseucoraçãocostumavabater.–Oquê?Sótemosqueesperarvocêdesaparecer.GraçasaDeus,amaioriadesaparece.–Ondevocêestevetodoessetempo?Agora ela percebe as sutis mudanças que acontecem com os vivos em alguns

poucosdias:ocabelodeleestáumpouquinhomaior.Umcortenocotoveloestavacurado,eoutrosnovoscercavamamarcaqueestavadesaparecendo.–Eunãosabiaquetinhadesaparecido!Ele puxa os próprios cabelos com força antes de se erguer e caminhar até o

guarda-roupa.Eleestáusandoumacuecadiferenteecomeçaavestirroupascomosenãoquisesseservisto.Umacamisaamassadaeumcasaco.Agravatadaescoladeixadafrouxaemtornodomesmopescoçoqueelaumdiatinhabeijado.Camadaporcamadaqueaseparamdele.–Lucy,eutevihádezdias.Eradiasetededezembro,hojeédiadezessete.Seuestômagocainumabismo.–Nãoentendo–dizela.–Euteprocureinaescola,natrilha,nogalpão…–Eleparaeapertaasjuntasda

mãocontraopeitocomforça,comosedoessedomesmomodocomodoeu.–Nummomento, você está aqui, e no seguinte, você simplesmente desapareceu. Aondevocêfoi?Eledáumpassoadianteeentãorecua,fechandoumpunho.Eleparecedividido

entrequererficarjuntodelaequererdarumsoconaparede.–Vocêdormiu.E,pelaprimeiravez,euconseguifecharosolhosesonhar…Não

pareceutantotempoassim.Eu…viumatrilhaescuradebaixod’água.Eucaminheiatéofimdela,estavaescuroláe…calmo.Eentãoeuacordei.Agoramesmo…–Bom–dizele,pegandoalgumacoisadocantodoquartoedepositando-aem

cimadacama.Asroupasdela,daquelanoite.Elanãotinhanempercebidoquenãoestavausandonadaexcetocalcinha.Elacruzaosbraçossobreopeitonu,derepenteautoconsciente.Elaovêrecuar,maselediz:–Ficofelizquetenhacurtidobastanteatranquilidade da supertrilha debaixo d’água. Eu estava surtando, pensando quenuncamaisteveriadenovo.

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–Colin,eusin…–Tenhoqueirpraaula.

Acaminhadapelocampusétorturante.Elenãovaifalar,nãovaiolharparaela.Piorainda,nãovaitocá-la.Ela tenta se aproximar, hesitantemente colocando a mão sobre a dele, e ele a

afasta,comoseestivessesurpresomaisumavezcomasensação.Elaesperavaqueseu toque fosse familiar, até mesmo reconfortante. Mas talvez o constanteformigamentodasensaçãoofaçarecordarapenasoquãoinconstanteelaé.–Nãofaziaideiaqueeuiriadesaparecer.Ospassos dela diminuem, depois vacilam, aumentandoo espaço entre eles.De

algumamaneira,elasenteanecessidadedebaterodedonessatecla.Elesuspiralentamenteantesdeparar,virando-separaencará-la.–Eusei.É assim que términos acontecem? Alguém desaparece, literal ou

metaforicamente,eoritmosearruínaparasempre?–Euficariamuitomalseacontecesseocontrário–dizela.Eleameaçaseaproximar,masentãopassaamãopelocabelo.–Eunãoestouquerendoserumidiota.Eupenseideverdadequevocêtinhaido

emboraparasempre.Eusóestoumuitosurtado.Aparentemente,nãovaihavernenhumtoquereconfortantenessareconciliação,e

essa ideia a esmagade tristeza.Ela odeia não ter respostas.Elamorreu, voltou edesejaestarpertodelecomcadapartículadeseuestranhocorpo.Eaindaassim,nãoháabsolutamentesentidoalgumemnadadisso.–Euestouaqui–dizela,emvão.Assobrancelhasdelesejuntameosolhosescurecem.–Porquantotempo?Querdizer,comopodemossaber?Dandodeombros,elaolhaparatrásdele,nadireçãodasárvoresenraizadastão

firmemente no chão congelado, dos prédios que estão lá há mais de um século.Fantasmastêmassombradoomundodesdeoiníciodostempos,ederepente,elaétomadapelodesejodesabercomofazerascoisasdireito.

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CAPÍTULO17Ele

– Então ela simplesmente… voltou? Tipo, sem explicar onde estava? – Jayespreguiçou-se na cama, folheando uma velha revista que achou debaixo dotravesseiro.Colinnãoseaproximamuito.–É.Émeioque…–Seusolhosfitamoteto.–Complicado.–Complicado.Cara,vocêestá falandocomocaraqueconseguiuse relacionar

comduasgarotasaomesmotemposemsedarmal.Achoqueconsigoacompanhar.–Jay,nãoébrincadeira.Comumsuspiroentediado,Jaysesenta,jogaospésparaoladodacamaeencara

Colin.–Olha,euseiquenãoébrincadeira,ok?EeuentendoqueLucyseja…diferente

das outras. Eu nunca te vi tão envolvido assim – diz ele, erguendo uma únicasobrancelhaparadarênfase.–Sóquerosabersevocêestábem.–Euestou–dizColin.Soa comomentira, atémesmo para ele. Se estivesse bem, ele teria dito tudo a

Lucy, inclusive sobre seu papel na prisão do assassino dela.Que ele foi a últimapessoaavê-lavivaenãoconseguiusalvá-la.Umafraçãosupersticiosasuasentequeeleprecisaguardaralgumdetalhe,comosesoltartodaaverdadefossedesamarraro nó que prendia o balão à terra, e ele ficasse só observando-o ser levado pelovento.–Eseela…tipo,eseelasaiupracurtirebeber?–Elanãosaiu.–Ou,seilá,Col.Tipo,foipracasadeumex-namoradoemPortlandduranteuma

semana. Eu não estava brincando quando a chamei de misteriosa. Literalmente

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ninguémaquiaconhece,excetovocêeeu.Seeudisser“ALucyqueandacomoColin”,levariacincominutospraqualquerumselembraratémesmodecomoelaseparece.Colinoencara,tentandoperfurarumburaconatestadeJay.–Euconsigolidarcomisso.–Temcerteza?Porquequandoeladesapareceu,vocêestavasurtando.Euseique

vocêperdeutodaasuafamília,maseununcatevidessejeitoantes.Vocênãofaloucomigo, ou comaDot, nemcomo Joe.Quando foi a últimavezquevocê faloucom o Joe? –Colin nada responde, Jay prossegue. – E… e se isso acontecer denovo?Vocêvaificarbemtambém?Colinempurraacadeiraparatrásafastando-sedamesaeesfregaorostocomas

mãos.Arespostaparaissoéumenorme,inequívoco“NÃO”,masnãohámaneiradedizerissoaJay.–Estamos resolvendo issoentrenósdois.Nãovai acontecerdenovo.Estamos

numaboa–dizColin.Esseéumdaquelesmomentosquedefinemporqueelessãoamigos.Jaysabeque

Colinestámentindonacaradura,massabetambémqueesseéoúnicomododeoamigoficarfirme.–Viu,épor issoqueeunão tenho“relacionamentos”– Jay faz sinaisdeaspas

comosdedos,eColinreviraosolhos.–Comcerteza.–Beleza,então–dizJay.–Ondeestáaevasivaemágicagarota-fantasma,então?Colinerguerápidoacabeçaeoolhaboquiaberto–ochutedeJaypassoumuito

perto!Eleestámascandochicleteefolheandoarevistamaisumavez.Sempistas.–Elavaichegaraqualquermomento.Colinfechaolivrodematemáticaeolhaparaorelógio,tentandonãoparecertão

cansadoquantoestásesentindo.Jay se levanta e ajeita seu boné de beisebol, vai até a janela e volta, antes de

retornaraolugarnabeiradadacama.EleestátãoansiosoquantoColinparasair.–Agenterealmentenãopodesairatéelachegar?Quetédio.Colinbalançaacabeça.–Euqueroqueelavenhacomagente.A noite anterior à volta de Lucy, a noite em que ele quase rolou pelo chão

pedalando, foi a primeira vez em dias que Colin se sentiu são, como se tivessesubjugadosuaansiedade.AlgumasdascoisasqueeleeJayfazemsãomesmoumpoucoloucasemuitoperigosas,mas,nabicicletaounoskate,chegaumahoraemque tudo fica borrado nas beiradas até ele se concentrar num só pensamento:respirar.Quantomaisradical,maisasalvosesente.Éumparadoxocomoqualeleconsegueviver.MasagoraelesóquerLucyporperto.–Que bom que a Lucy é legal, senão eu não teria escolha a não ser chutar o

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traseirodela–dizJay.–Então,praondevamos?Arranjaramumlugarmuitoloucopra saltar nos trilhos,mas na semana passada estava cheio de posers, então semchance.Colinbrincacomoscadarçosdoseutênis, lembrando-sedanoitenolagocom

Lucy, das pernas balançando, imersas até os joelhos na água congelada.Alémdaáreapertodograndecarvalho,elaparecegostardeágua–alagoa,olago,osonhomalucosobreaescuridãodebaixod’água.– Eu acho que o lago está congelado. Sem chances de ter mais gente agora.

Vamosfazerumasmanobraslá?Jayassenteesaiparadarumasvoltasdebicicleta,enquantoColinprocuraalgo

maisquenteparavestirentrepilhasderoupaslimpas.Lucysematerializaàportadoquarto,usandoumnovouniformeroubado.Essa

versão tem aquelas cordinhas feiosas demarinheiro, provavelmente por isso foifácil para ela encontrá-lo e roubá-lo: dificilmente algumagarota usa aquilo.Massuas botas pretas estão amarradas quase até os joelhos, e seu cabelo empilha-sesobre a cabeça num amontoado de desordem, preso com uma brilhante fitavermelha.Elenãofazideiadeondeelaaencontrou,maselapareceumaroqueiratentandoficarmaiscertinha.Eleaindanãoconseguedeixardesesentiraliviadoporvê-la.A estranheza de ter umanamorada que elemal pode beijar parece tão semimportânciaemcomparaçãoaoalívioquesenteemtê-ladevolta.–Nãoénecessariamenteo trajepadrão–dizele,puxandoparabaixoacamisa

Oxfordbrancaqueelaamarrounaparte inferiordascostas,zombandodoarfrioaoredor.Abocadelasecurvanumsorrisoprovocador.– A administração pode ficar à vontade para notar e me expulsar não

oficialmente.Eleri.Lucytemseescondidopelocampuspormaisdedoismeses–menosdez

dias de desaparecimento inexplicável – e nenhum professor realmente se dá aotrabalhodequestionar suapresença, sem falar de suas botas, certamente fora dasregras.Elalançaumolharparaotênispenduradoemsuamãolivre.–Paraondevamos?–Paraoseulugarfavorito:olago.–Claro.Para…andardebicicleta?–Elaparececética.Sorrindo,elepuxa-aconsigoaosevirarparasair.–Confieemmim,vaiserdivertido.

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CAPÍTULO18Ela

Há semanas Lucy não voltava para o lago; não desde o dia em que Colincaminhoucomelaportodaatrilhaàsuamargemeeladescobriuoqueagorasabeserolocaldeseuassassinato.Então, enquanto Colin e Jay preparam suas bicicletas, ela sai para vaguear,

tomandotempoparaobservardeverdadeaoredor.Oinvernocravousuasgarrasnestapartedomundo,etudopareceaomesmotempomaisestériletambémsuave.A neve cobre tudo, os galhos das árvores são suavizados pelo branco e azulrefletidosdaáguacongelada.Emsualembrança,asfolhasdeoutonosãochamas,eseudespertardesorientadoéuminfernoqueficounopassado.Elaencontraolugarondeaterrissou,eporalgummotivoficasurpresapornão

havernenhumrastro.Nãohánenhumformatodegarotanaterra,nenhumcontornodecorpocomumgiz.Elacaiu,elaestáaqui,eéhoradeseguiremfrente.Dirigindo-sedevoltaparaolago,elaavistaJayeColinsobreogelo,pedalando

cheiosdeenergia.–Espera–dizela.–Vocêsvãoandaremcimadolago?–Sim.Estácongelado–dizColin,pulandocomabicicleta.Ospneusguincham

nogelocomoseconcordassem.–Sólido.–Vocêsestãoloucos?–Comcerteza–gritaJay,maisafastado.Antesqueelapossaresponder,Colinestácomamãoerguida,pacificando.–Não,não,ésério,éseguro.Tempelomenosunsoitocentímetrosdeespessura,

eagentefazissosempre.Eleclaramenteesperaqueelafiquehorrorizada–qualquerpessoadeveria ficar

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horrorizada ao escutar isso –, mas Lucy não está. Está apenas curiosa. Oitocentímetrosdeespessuranãoparecemuito,eelaseentregaàestranhaenergiavitalque de repente irrompe por ela. Quase acredita que, se baixasse o olhar, veriasanguevermelhoengrossandoporsuasnovasveiassólidas.Sentadanummontedeneveàmargemdolago,Lucyassisteaosdoisgarotostraçandocobrascomopneunafinacamadadenevederrapante.ElanuncaviuColinassimantes.Elaadoracomoeleparecesolto,comodeixaa

bicicleta serduraenquantoeleprefere ser flexível, adaptando-seaosmovimentosdela,deslizandosobreospedaiseinclinando-senaforçadecadaviradabrusca.Eleescreve o nome dela na camada de neve sobre o gelo, e salta de uma suavebarragemapoiadonopneudafrente,aterrissandoagachadosobreospedais.–Quertentar?–gritaele.Balançandoacabeçarapidamente,elaresponde:–Não,estoubem.Ele ri e freia perto dela, cuidadosamente beijando sua bochecha. Ele a mira,

comoseestivessesurpreso.Édiferenteaqui,ondeestánevandoeoarestápesadocomáguaprestesasesolidificar.Elapressionaosdedoscontraapeleenquantoeleseafasta,apertandoalembrançaeasensaçãodobeijomaisparadentro.Jay leva um tempo fazendo uma rampa de neve, e eles revezam saltos nela.O

gelo rangequandoelesaterrissamondeos rastrosdospneusmarcaramaneve,eelesinstintivamentemudamseussaltosdedireção,paraevitaroponto.Apesardocuidadoedavisívelhabilidadedeles, elabaixaosolhos, de repente

incapazdeolhar.Emvezdisso,concentra-senomodocomosuapeleparecetilintarsob a estranha luz azul. Pequenos cristais de gelo pousam em seu braço e entãoafundam,tornando-separtedela.Colinaproxima-seeabeijadenovo,soltandoumabaforadadevaporemseurosto,quedesapareceemsuabochecha.–Tudoprontoparaosalto–berraJaydomeiodolago.Colinseafastaderéantesdeviraredescervelozatésubirnarampa.Elevoapelo

ar,seutorsoviraerevira,eporummomentoapenaselapodeverseusolhosquaseeufóricos, pode imaginar como seria vê-lo fazer essa cara mais perto da suaprópria.Osbraçosdeleseflexionameasmãosapertamosguidõesenquantoeleserecuperaepousa.Soltandoumaudível“U-huuu!”,eledámeia-voltaenquantoJaysalta. Eles saltam da rampa repetidas vezes, e a cada vez seus saltos são maisaudaciosos, suas aterrisagens, mais sólidas, e suas bochechas brilham maisvermelhasnoargelado.–Estoumorrendodefome–gritaJay,pedalandoatéabeiradolagoetirandoo

celulardobolsoparachecarahora.– Você está sempre morrendo de fome. Mais dez minutos – Colin pedala na

direçãodeLucy.–Estáentediada?Tãologoelabalançaacabeça,eledisparadenovo.Mas,dessavez,noquedeve

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serseuvigésimosalto,Lucypercebeimediatamentequeeleestátorto–muitoparaadireita–e,quandoaterrissa,ogelosepartenumestaloensurdecedor.Aágua,azulegeladadedoer,sobeembolhaspelasuperfície.Colindeslizapara

baixocomosederretessenolago;nãohouvesequeruminstanteparaseagarraremqualquer coisa exceto nos guidões da bicicleta. Tudo acontece tão rápido,mas alongapausaqueseseguedepoisqueeledesapareceparecedurarumano,ejamaisomundoestevemaissilencioso.Ele se foi.Debaixo da neve e do gelo. Lucy está gritando e Jay está gritando,

mergulhandoosbraçosdentrod’água, tentandodesesperadamentealcançarColin.O primeiro pensamento lhe surge como uma sombra: se ele morrer, poderáencontrá-la?–Colin!–gritaJay,deitando-sedebruçossobreogeloeinclinando-sesobreo

buraco rachado. Elemergulha o braço de novo e de novo, procurando qualquerpartedeumcorpo.Ogelosobreoqualeleseapoiarangeeracha,eelegirarápido,arrastando-se.Colin de repente aparece, esmurrando a superfície sólida. Jay tentasegurarsuamão,masnãoconseguealcançá-lo.–Seguraele!–gritaLucy,dabeiradolago.–Jay,tire-odaí!Tire-o!Tire-o!Jaydáumainvestida,masColinestálongedemais,agoramovendo-sesobogelo

nadireçãoerrada.Lucyempurra-oparaoladoemergulhasempensar,masaáguaa trazpara a superfície, fazendo-avir à tonaemvão.Elanão tem força contraopeso da água que a pressiona.Colin cai inconsciente, o rosto estranhamente azulenquantocomeçaaafundar.Jápareceestarcongelado.Numímpetodeforçaselvagem,elamergulhaobraçoparaagarraramãodele,

trazendoseubraçopertoosuficienteparaqueJaypossasegurá-lo.Eleestágritandotantas palavras para ela enquanto arrasta Colin para longe da água, mas ela nãoescutanadaporquejáestádepécorrendoatrásdeajuda.Eladescecorrendoatrilha,gritandoomaisaltoquepodeedecididaairdireto

paraacozinhaouparaacasadeJoeouparaalgumlugarquealguémpossaajudar.Ela cai na neve e se levantamais uma vez, com as roupas pesadas de água, querapidamentecongela.Seusmembrosestãomovidospeloterror.–Lucy?Só pode ser uma alucinação. Na voz dele, ela escuta alívio. Mas isso é

impossível, pois ela acaboude deixá-lo inconsciente e congelado emorrendonolago.–Lucy,para!Virando-serápida,elavêColincorrendoatrásdelapelatrilha.Dealgummodo,

eleconsegueaomesmotemposorriresedesculparcomosolhos.–Para–dizele.–Porfavor.Ela não consegue ver através dele, ele não desaparece se ela abrir e fechar os

olhos.Eleestáali,dizendoseunomemaisumavezeesperando-aresponder,com

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asmãosfechadasempunhosaoladodocorpo.Oalívioainundatãorapidamentequeelaseengasgacomaspalavras,incapazde

falar.Tudoqueelaconseguefazerésevirarecorrer, lançandoseucorpo inteirocontraodele.Eleasegura,eseantessemprefoiduroesólidodemais,agoraestáapenasquenteeperfeito.Osbraçosdeleenvolvem-naportrás,puxando-aparaele,eeleapertaorostocontraseupescoço.Nãoestáquentedemais,nãoestádemais.ÉapenasColin e os contornos dos seus olhos e lábios e nariz e queixo contra suapele.Elasente-obeijando-a,senteabocadeleabertasobreseupescoço,os lábiosdelesaboreandosuapeleantesdeelesussurrar:–Oi.Estranho,masperfeito.Elesparecemiguais.Eladesejagritarpalavrasdealívioaosseteventos.Suapergunta saiestridente:

“Comovocêconseguiusair?”.Avozdesaparecendo,esganiçadanofinal.Colin securva silenciosoebeijaopontoondeopescoçodelacainumdeclive

paraoombro.–Onde a gente está? – sussurra ele, a voz pesada com assombro. – É sempre

assimpravocê?–Ondeo Jay está? – pergunta ela, olhando a trilha atrás dele.Gritos abafados

vêmdolago,eLucypercebecompesadaclarezaqueJayestálá,empânico.MasColinestáaqui.Seco.Acompreensãoéfiltradaporsuamente,densaelentamente.Apeledeleécomoa

sua,eéquente,maciaefamiliar.Nãoestácongelada.Olhandoatrásdele,descendoatrilhaeatrásdocorpoagachadodeJay,LucyconsegueenxergarotopodacabeçaencharcadadeColineumaúnicamãoimóvelsobreogelo.Elaéinundadaporpânicoeconfusão.–Oi–dizela,puxando-opeloscabelosparaqueeleencontreosolhosdela.E

entãoelafinalmentevêoqueelevêaoolharparaela:suasírissãoumredemoinhoemlínguasdefogo.Oqueanteseraumâmbar-amareloescuro,melpontilhadodeouro,agoraélavaderretida.Elesentemedo,excitaçãoeesperança.Eelatambémconsegueperceberqueelesabequetemalgoerrado.Elesabeenão

seimporta.–Sómetoque.–Elesacodeacabeça,olhandoaoredorcomosepegodentrode

ummundointeiramentediferente.–Sófinjaqueestátudobem.Elaassente,erguendo-senapontadospésparabeijá-lo.Oslábiosseencontram,

línguas se tocam, e então se aprofundam, finalmente.Ocalor e aumidadedeumbeijodeverdade,osaborvibrantedossonsdabocadele,eafomevorazdeColinfinalmentepodendosersaciada.Eleficaforadesi,eumformigamentoseespalhatomandocontadapeledela, labaredasdescendopelo seupescoçoe cruzando seupeito.Elasenteocalorpulsandoatéasextremidadesdoseucorpo.E,aindaassim,enquanto os olhos dele estão fechados, os olhos dela não conseguem. Ela está

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simplesmentefascinadapeloqueestáacontecendo.Elesoltaoarpelonarizedeixaescaparumsomdeanseiotãocansadoechorosoqueelacravaosdedosnocabelodele,envolvendo-ocomtudooquepodedesimesma.Masnãoéosuficiente;elanãoéforteosuficienteparasegurá-loainda.De algummodo, ummomento antes, ela pressentiu. Um pequeno puxão pelas

costasdele,oimpactodavidasendo-lheforçadadevolta.Oudeelesendoforçadode volta à vida. E então ele desaparece, sendo sugado, rodopiando pelo ar,engasgando e sem ar, puxado por um laço invisível amarrado ao peito. Lucy édeixada sozinha na trilha onde, por um doloroso e perfeito momento, ele foiexatamentecomoela.

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CAPÍTULO19Ele

Aprincípio,amudançaélenta:osilêncioéquebradoaintervalosregularesporumbip.Aescuridãoabreespaçoparaaluz.Oentorpecimentosetornador.Eleestáemalgumpontoentreacordadoedormindo.Ou,talvez,vivoemorto.Colin sempre pensou quemorrer seria a parte difícil.Mas sentir a vida sendo

filtrada de volta para dentro do corpo é uma dor diferente de tudo o que jáconheceu.Queima. As pontas dos dedos parecem pesadas como chumbo, vermelhas de

calor. Cada centímetro de sua pele pinica e pulsa; a dor é tão intensa que eleconsegueescutá-la,comoseeleestivessepegandofogoeaschamaslambessemecutucassemseusouvidos.Seráqueestásonhando?Somenteumsonhopoderiatirá-lodoparaísoetrazê-lo

paraoinfernoeminstantes,deixando-ocomvontadededesistirdetudoparapoderteraquilodenovo.Elenãoestavaemoutrolugarapenassegundosatrás?Umlugaraomesmo tempomuito brilhante emuito escuro, ummundo feito de prismas decores distorcendo-se num ritmo próprio, como se tudo à sua volta pulsasse comenergia. Por um instante, ele se lembra da sua pele arrepiando-se toda com aantecipaçãomaisintensaquejásentiu.Umrostoflutuanoespaçovazioentresuas lembranças.Lábios frios tornam-se

quentesaotoquedoslábiosdele,eascoresgiramemummosaicodetonalidadesque contamumahistória da qual ele deseja se lembrar.Ele finalmente conseguiutocá-la. Foi como um turbilhão de adrenalina, diferente de tudo que ele jamaisexperimentou.Sedormirdenovo,talvezelevolte.Talvezelaestejalátambém.

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Vozespenetramnosilêncioeeleabreosolhos,piscandocontrauma luz tênue.Duras paredes o cercam, e rastros do cheiro nauseante de antisséptico e caféperduramnoarparado.Tudoàsuavoltaparecesemvida.Aenfermaria.Eleflexionaasmãos,maselassemovememespasmos.Seusdedosestãodurose

adormecidos, como engrenagens enferrujadas. Colin tenta se sentar, masrapidamentepercebequeéumamáideia.Oquartogiraeretorcenafrentedele,eelecaidecostassobreotravesseiromaciodemais,acertandoacabeçanoencostoda cama. Tubos e fios enroscam-se em torno de seus braços, e cada tentativa derespirar dóimais que a anterior. Parece que está inalandogás propano, exalandofogo;aindaassim,estátremendodefrio.Umagarotadoladodeforadoquartoestápedindoparavê-lo.Elereconheceseu

próprionomeeviraacabeçanadireçãodavozfamiliar.Seus lábiosconhecemaformadonomedela,mas,quandotentadizê-lo,nãoproduzsom.–Prometoquenãovouficarmaisquealgunsminutos–dizela.–Eujádisse,nãopossodeixarvocêentrar.–Avozdaoutramulheréfamiliar,

mas,seanteseradoce,agoraéamarga.–Eunãovouembora–dizagarota,decidida.–Porfavor,digaaelequeLucy

estáaqui.Lucy. Cabelos loiros e olhos de redemoinho. O lago. O gelo. Frio como nunca

experimentou.Omedodeestarmorrendoedepoisaquelesbrevesmomentos,quandonãoseimportoucomisso.–Vocêachaqueeunãoseioquevocêé?–Asvozesestãomaisíntimasagora,

numtommaisbaixo.–Dejeitonenhumeuvoudeixarvocêchegarpertodaqueledocerapaz.O silêncio do lado de fora do quarto se estende, fazendo o ar ao redor dele

pareceraindamaisestagnado.EleabreabocaesoltaonomedeLucy,baixodemaisparaquequalquerumpudesseouvir.–Vocêsabedosoutros?Ondeelesestão?–perguntaela.–Seéqueexistemaisumaqui,você jáéobastante.Vocêvaipartirocoração

daquelegaroto.Oupior.Maggie.Colinlembra-sedonomedaenfermeira,etudoretornanumasequência

de imagens e sons: quantas vezes ele esteve nessa cama, quantas vezes Maggieconsertou seu ombro deslocado, deu-lhe pontos, deu-lhe tudo entre aspirina emorfina.–Porfavor–dizLucy.–Sóumminuto.Euprometoquenãovouficarmuito…–Olha–dizMaggie,maisgentilmente.–Nadadebompodesairdisso.Deixeo

garotoempaz.Váassombraroutrolugar.Assombrar.AportaseescancaraeMaggieentrasozinha.Suasombraaltamove-seinclinada

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na parede enquanto ela caminha até a cama.Atrás dela, Lucy está no corredor, eencontraseuolhar.–Oi–elaacena.Eleergueobraçoalgunscentímetrosacimadacamaparaacenardevolta.Apele

deLucyépálidaequasebrilhasobaluzartificial.Elanãoparecereal.Omonitorregistra o aumento da sua frequência cardíaca quando ele percebe que, pelaprimeiravez,Lucypareceexatamenteoqueelaé.Commaisumsorrisocheiodedesculpas,eladesaparecepelocorredor.–Olhasóquemacordou.Colinvolta suaatençãoparaMaggie, enquantoela começaaajustaros tubose

checarosmonitores.ElequerperguntaraelaoqueaconteceucomLucy,comoelasabequeLucyéumfantasma,eoquequisdizercom“assombraroutrolugar”.Elequerperguntarsefoialucinaçãosuaomundodeluzesombra,ofogoprateadodotoquedeLucy.Seucoraçãoapertadolorosamenteanteaideiadenãotersidoreal.Mas,quandosedeparacomosolhosdeMaggie,elepercebequeelaestáesperando-odizeralgumacoisa.–Desculpa,oquefoi?–perguntaele.–Eupergunteicomoestáador,meubem.Eleesticaosbraços.Doem.Suacabeçadói.Suaspernasdoem.–Estouumpoucodestruído–elediz.–Vocêpodemedarumnúmero?–Elaapontaparaumafileiradedesenhosde

rostosnumcartaz,quevãoentresorrindoechorando,comumapontuaçãoabaixodecadaum.–Hum…Oito?–Suapelegritadez.Pareceestardescascando,dapontadosdedos

atéotorso.Assentindo,elapressionaosconteúdosdeumaseringaparadentrodasuaveia.–Foioquepensei.Colinobservaolíquidotransparentedesapareceremseubraço.Eleselembrado

frioquequeimava,dascores,dagarota.–Oqueé issoquevocêmedeu?–perguntaele.Oquequerqueseja,elequer

mais.–Não se preocupe,meu anjo. É fentanil.Você estava gritando quando chegou.

Deviatertelevadoparaohospital.–Vocêpodemedeixarvê-la?ALucy?Eleseperguntaseestáimaginandoamaneiracomoelapareceendurecer.–Vocêprecisadescansaragora,meudoce.OJoefoipegarojantarelogoestará

devolta.ElenãoficaacordadotempoosuficienteparaverMaggiesairdoquarto.

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Abrirosolhosparecemaisdesafiadordoquelevantarumcarro.Opesodosonoé inacreditável, e é apenas o som de Joe entrando no quarto acompanhado deMaggiequeconvenceColinalutarcontraaforçaqueopuxavadevoltaparaosonoeparaasmemóriasdeLucyeseumundoluminoso.Joelhecontaoqueelejálembrou:elecaiudentrodolago,eatemperaturabaixa

fezo ritmodoseucoraçãocair.Porsorte,aexposição foimínimae,porele serbastantejovemesaudável,nãoterádanospermanentes.Aparentemente, a história do acidente se espalhou pelo campus e alguns dos

estudantesmaiscorajososseaventuraramnogeloparaveracenadocrimecomosprópriosolhos.OfalatórioconfusodeJoecessaquandoDotentranoquarto,indodiretoaoponto.Colinestánacama,comcorteseferimentoscobrindopraticamentetudo o que não está sob o vestido de algodão do hospital. Joe está falando semparar, tentando não gritar. Os monitores estão apitando em intervalos sobre umcarrinhopertodacama.–Colin!–Étudooqueeladiz.–Oi,chefe.–Dotvaificaratéahoraquevocêdormirànoite.Tudobem?–AtestadeJoese

espremeemcentenasde rugase,pelaprimeiraveznavida,ocorreaColinqueohomemque ficou de camapela primeira vez ao cair da varanda podemorrer deverdadetendoumataquecardíacoporcausadatravessuradeummolequecomoele.–Euprecisovoltaremecertificardequeosestudantesestãolongedolago.OestômagodeColinsecontraiculpado.–Ok–murmuraele.Numgestoatípicodedemonstraçãodeafeto,Joesecurvaeobeijanatesta.–Quebomquevocêestábem.Ele se vira e sai, com seu velho casaco azul dobrado cuidadosamente sobre o

braço.AssimqueJoesaipelaporta,ColinolhaparaDot.–Ondeestáminhabike?–perguntaele,massuavozesvanecenasduasúltimas

palavras.–Imaginoqueperdidanolago–respondeela,dandopalmadinhasgentisemseu

braço.Qualquer outra pessoa viria cheia de “eubemque te avisei”,mas, emvezdisso,elepodeveropedidodedesculpasem todaaexpressãono rostodela.Eleestánaenfermaria,sofrendoosefeitosdeumahipotermiaporterresolvidopasseardebicicletasobreumlagoemdezembro–obviamenteumlugaraondenãodeveriater ido.Elenãovaipodertrabalharporsabe-seláquantotempo.MasDotentendecomolhedóiperdersuabicicletapreferida.

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–Euseiquenãonosfalamosháalgumassemanas,masvocêmediriasetivessealgumacoisaerrada,né?Alguémte fazendofazermanobras radicaisemcimadeumlagocongelado?É visível para ele que ela mal está conseguindo conter a vontade de fazê-lo

desembuchar,eeleassente,sorrindodeleve.A expressão no rosto dela registra que ele não respondeu de verdade sua

pergunta.–Achaqueestábemprarecebermaisumavisita?PraticamenteassimqueColinassente,Jayentranoquarto,paraaopédacamae

olhaparaoamigocomosetivessevistoumfantasma.–Vocêmematoudesusto,Col.Euacheiquevocênãofosseconseguir.–Obrigadopormetirardelá.–ALucytetiroudelá–dizele,eColinsenteseusolhostornarem-semaiores.

Lucy?Agarotaquemalconsegueaguentarseubeijopuxouseucorpoinconscientedeum lago? Jay já está assentindo, comumsorrisinhodecanto, comose ambosestivessem imaginando Lucy abrindo aquela garrafa de cerveja com os dentes. –Beleza?Efoiincrível.Eubasicamenteespanqueiseupeitoatéfazervocêrespirar.Oolhardeleseestreita,eColinconseguevertraçosdeoutrosorriso.Éumaluta

paraJaypermanecersériopormuitotempo,mas,porcausadeDot,eleseesforçaparadeixaroclimasóbrio.Colin sabe que Dot provavelmente está juntando as peças, mas ele não pode

pensarnissoagora.Elanãoconsegueolharparanenhumdeles,seusolhosenormesapontadosparaovolumedaspernasdeColinsobreomontedecobertores.–Issoexplicameuesternomachucado–dizColin.–Sério?–Jaypareceumtantoimpressionado.Colinabreapartedecimadoseuvestidodehospitalparamostraraoamigoas

marcasdesoconopeito.Jayrie fingeuma tossequandoDot lhe lançaumolharafiado.Dot temalgunsestadosquenemmesmoocharmedeJaypodepenetrar,eumdesseséoDotProtetora.–Ei,vocêsabeondeaLucyestá?Os olhos de Jay deslizam na direção de Dot mais uma vez, provavelmente

sentindoatensãoinstalar-senosombrosdela,eentãosevoltamparaColin,antesdearticularcomoslábios,sememitirsom:“Aqui”.Elanãofoiembora.

Quandoaluzdaluainvadeatravésdajanelaeespalha-sepelopiso,Colincomeçaasesentiracordado.Dotjáfoiembora,eoladoopostodoquartoestávazio,excetopelassombrasvagamentegeométricasdosequipamentosmédicos.Tudoàsuavolta

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parece estranhamente… comum. Até mesmo as sombras carecem da dimensãodaquelasflutuandopertodaestranhatrilha.Maggieentrasilenciosanoquartoparachecarmaisumavezseussinais.–Estásesentindobem?Eleencolheosombrosedáumapontuaçãoquandoelaapontaparaosrostosna

escaladedorpregadanaparede:–Emtornodeseis.Ela tira uma cartela de remédios do bolso, lhe oferece um copo com água e

pergunta:–Elavaitentarvoltar?Eleolhaparaela.OsolhosdeMaggieestãoocultospelaescuridãodoquarto,e

elaestáfazendoumaanotaçãoemsuaficha,maselesabequesuaperguntanãofoisobreDot.–Provavelmente.Porquevocênãoquerdeixá-laentrar?Elasuspiraeajeitaoscobertoressobreaspernasdele.–Voutedizeramesmacoisaqueeudisseparaela:nadadebompodesairdisso.–Comovocêsabequemelaé?–Comovocêsabe?–Elamecontou–dizele.–Maselanãoprecisoucontarpravocê.Vocêjásabia.Maggieassenteeencontraosolhosdele.–Ela foi assassinada logodepois que eu comecei a trabalhar aqui.Eununca a

conheci, mas o rosto dela estava estampado em todos os jornais. – Ela faz umapausa, estudando-o enquanto seus olhos se enchem de dor. –Mas não é isso quevocêestáperguntando,né?Sim,eujávioutroscomoelaporaqui.Colin engole em seco, mas a pergunta que ele quer fazer não está sendo

formuladarápidoosuficiente.–Mefala–dizMaggie.–Quandoelatecontouqueestavamorta,vocêdecidiu

quenão importavaaestranhezadela,não importavaqueobeijodelanãopareciacomodenenhumaoutragarota?–Elaseaproximamais,repousandoamãosobreumladodacama.–Lucysentiucomosetivessevoltadoparaestemundoporcausadevocê?Oqueelaestáfalandoé íntimodemais.Parecequeelaestáolhandodebaixode

suaprópriapele.Eeleodeiaoecodaspalavras:Vocêvaipartirocoraçãodaquelegaroto.Oupior.Elepuxaoscobertoressobreosombros.–Bem–Maggiesuspira,pegandosuapranchetaeenfiando-adebaixodobraço–,

eu jáestivenasuapele,Colin.Aquelagarotaprecisadealgumacoisa,enadavaiimpedi-ladeobter.Pensenisso.–Elaseviraparapartir,parandoemfrenteàporta.–Etalvezelatenhamesmovindoporcausadevocê.Vocêvaidaredaratésesentiresgotado. Mas quando essa garota desaparecer sem aviso, sem deixar nenhumrastro,vocêseveráseperguntandoquantotempomaispodeaguentarsemela.

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Amudançadeturnodetrabalhoésilenciosadoladodeforadaportadoquarto,ea única indicação de que o tempo passou é a aparição de uma desconhecidaenfermeira de cabelos cinzentos materializando-se ao seu lado e checando seussinais.Elapassaamãopelotuboemsuaveia,vendoseháalgumaparteenroscada.– Eu sou a Linda. Eu trabalho no hospício da cidade, vim paraMaggie poder

fazerumapausa.Comoestáador?–Melhor.Emtornodetrês.Colinesticaobraço,alcançandoobotãoaoladodacamaqueoajudaasesentar.–Aquela no corredor é sua namorada?Amorena?Alta que nem uma árvore,

magrinha?OmonitordeColinseagita,eaenfermeiralançaumolharparaatela.Morena.–Sim–dizele.–Possovê-la?Elasorriporcimadaprancheta.–Medisseramquevocêtemquerepousar.Ele a encara, tentando omáximo que pode comunicar silenciosamente que ela

podedeixarLucyentrar.Queelenãovaicontaraninguém.Elacomeçaasaireentãoparaàporta,olhandoparatrásporcimadoombro.–Meiahora.–Meiahora–repeteele,comímpeto.–Euprometo.Obrigado.Umapálidaluzamarelaescorrepeloquartoenquantoelasai,eelecontaaté83

antesdaportaabrirnovamenteeLucyentrar.–Colin?–sussurraela.Eleseapressaparaabrirespaçoparaelasesentarnacama.–Estouacordado.O ar se movimenta enquanto ela chega perto dele, e o colchão

surpreendentemente afunda sob o acréscimo do seu peso. Eles sentam-se lado alado,durosesilenciosos.Colinnãofazideiaporondecomeçaraperguntarsobreomundoqueeleviu,sobreoquesentiu,sealgodaquiloerareal.–Vocêestábem?–perguntaelaporfim.–Achoquesim.Evocê?Elaassente.–Vocêquerfalarsobreoqueaconteceu?–Foireal?–perguntaele.Elaoestuda,masnãopareceprecisarqueeleexpliquemelhor.–Achoquesim.Colinconseguesentirseusdedoscomeçaremasuar.Seriatãomaisfácilexplicar

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setudotivesseacontecidoapenasemsuacabeça.–Omundo não parecia com nada que eu tivesse visto antes. Brilhava e… era

comosehouvessemaiscamadasemtudo.Euseiquenãofazsentido,maseununcavicoresassim.Evocê…–Elerapidamentelevantaoolharparaela.–Eutesenti,Lucy.Agenteeraigual.Aslembrançasinvademlentamenteseuspensamentos,arrastando-separadentro:

pingentes de gelo pendurados em galhos prateados, folhas verdes como jamaisestiveramemumdiadedezembro, umcéu azul-cristal tremeluzindo, envolvendotudo.Éummundodignodesonhos.Osolhosdelaescurecem,cordecafémudandoparavinho.–Comofoipravocê?–perguntaela,hesitantemente.Ele consegue se lembrar de apenas alguns fragmentos antes de cair naquele

mundo.–Euviaáguase infiltrandosobreogelo logoantesdeele rachar–dizele.–

Masjáeratardedemais.Comotudoissoépossível,Lucy?Eumorri?Elatocaamãodele,eeleficasurpresopelaforçanotoquedela.–Nãosei.Elanãodizmaisnada,eeleserecostanacama,fechandoosolhos.Colinsesente

cansadoedolorido,mas,nogeral,sente-secomosempresesentiudepoisdeumaótimacorridaacompanhadaporalgumasquedasdolorosas.Aideiadecairdentrodeumlagocongeladopareceu-lhesempretãoextrema;issoofazseperguntarporquenãoestánumestadopior.Eles não conversam sobre como foi finalmente sentirem um ao outro pela

primeiravez.ElenãofalasobreoavisodeMaggie,enãofalaque,mesmoquandopercebeuoqueestavaacontecendo,jamaislheocorreusepreocuparcomaprópriamorte.Ecertamentenãofaladoquantoeledesejavoltarparaaquelemundo.

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CAPÍTULO20Ela

Colin é obrigado a passar o dia seguinte na enfermaria, e Lucy caminha pelocampus,sentindo-secadavezmaisumanimaldesacorrentado.Avisosaperseguem.Duaspessoasagorajáaviramereagiramcomoseelafosse

qualquercoisaderuim.Parecequesemprequeremlevaralguémcomeles.Tentenãofazerisso,Lucy.Váassombraroutrolugar.Aspalavras,exprimidascomtamanhacerteza, soamtodascomoumenganona

cabeçadeLucy.ParaondeelalevariaColin,mesmosepudesse?Comoelapoderia“assombrar” outro lugar, se não consegue nem passar pelos portões de ferro daescola?Elapassapelosprédios,descendoocompridocaminhodecascalhoquelevaaos

majestososprédiosdepedra.Mesmoforadesuavisão,elesparecemse impordamesmamaneira.Aâncoradelaéessaescola,essesterrenose–acimadetudo–essegarotomachucadoetodoquebradonaenfermaria.Lucy aperta amão em torno do ferro frio do portão e então se inclina para a

frente, descansando a testa nele. Factualmente, está frio. O frio domina cadacentímetro de sua pele, e ainda assim não é nem um pouco desconfortável.Nenhumasensaçãonomundopodesobrepujaramemóriade tersentidoColinnodiaanterior.Apelequente,aumidadedoslábiosdeleeaânsiapormais,acadasomqueele

emitia.EstarcomColindesse jeito foi comoela sempreesperouque fosse.Estarcomeleemseucorpohumanoeelaemseucorpofantasmasemprepareceucomotentarmisturarfogoegelo.

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Émaisdoquequerersenti-lo.Éaprofundidadedessequerer.Elaoquer.Háumpequenoeocovazio,mesmoquandoelaestáaoladodele,eéporqueelesdefatonão sabem nada: por que ela está aqui, por quanto tempo, ou mesmo por quedesapareceu duas semanas atrás. Ela sabe como sua cabeça funciona, conhece opróprio coração, mas não saber sua história ou propósito é assustadoramentedesorientador.Quanto tempo ainda lhes resta juntos? Semanas?Meses?Um ano?Será que está aqui só para ficar perto dele e aproveitar sua companhia, ou parapagarouconsertaralgumpecadodesuavidahumana?Passosressoamsobreocascalhodooutroladodoportão,eLucyabreosolhos,

dando um passo para trás, surpresa, quando se depara comMaggie indo para otrabalho.–Tentandosair?–perguntaMaggie,estreitandoosolhos.Lucy se lembra do modo como o mundo pareceu estalar como uma cinta de

borracha quando tentou passar pelo portão e acabou voltando direto aondecomeçou.–Imaginoquevocêsaibaquenãoposso.ArisadadeMaggiesaiafiada.–Eutinhaesperançasdequecomvocêfossediferente.–ElaexaminaLucypor

uminstante.–Oquevocêestáfazendoaqui,menina?Os bons modos de Lucy lutam contra sua frustração. Ela morreu como uma

adolescente, mas de algum modo continuou por aqui por mais dez anos;tecnicamente,elaémaisvelhaqueMaggie,eumsentimentodecansaçotomacontadeseucorpoanteaideiadeentrarnesseconfrontonomomento.–Estoupensando – respondeLucy, comuma tranquilidade forçada. –Saí para

umacaminhada.EstoupreocupadacomColinemesintoconfusa.–Tenhocertezaquesim.Masnãoconsigosimpatizarcomacausa.Lucysente-seumpoucocomoumavítimadeamnésiaqueacordaparadescobrir

quecometeuumgrandeesecretocrime.Elaevitariaserhorrível,comalegria,sealguémlhedissessecomo.–Por quevocênão ficou surpresa aomever?Todosos outros que trabalham

aqui,digo,aquelesquesedãoaomerotrabalhoderealmentemever,agemcomosetivessemquetermedodemim.Vocêbasicamentemeespantoucomumavassoura.–Imaginoqueomedosejaareaçãonaturaldaspessoasaoverumfantasma.–A

respostadeMaggieé tãoincontestávelqueLucysentesuaexasperaçãoferverpordentro.MasMaggie ergue umamão para impedi-la de responder. – Eu era novaaqui quando você morreu. Não muito tempo atrás. A Dot, o Joe, todos eles teconheciamquandovocêeraestudante, e aindanãodecidiramsequeremacreditarquevocêéamesmagarota.Eutenteiavisarqueosfantasmasvoltampraesselugar,mas,atévocêaparecer,ninguémpareciaquereracreditaremmim.–Quefantasmaestavaaquiantes?

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–De jeitonenhum–dizMaggie,balançandoacabeça.–Eunãovoucomvocêporessecaminho.Lucy a observa, vendo um traço de vulnerabilidade sob a superfície inflexível

dela.–Entãopelomenosmedizporqueeuvoltei.Dessavez,Maggiesoltaumagargalhada.– Imagino que você está aqui por causa daquele garoto. Ele é como ímã para

você.–Eporqueissoéruim?Estreitandoosolhos,Maggiediz:–Nãoseiexatamenteporqueédelequevocêprecisa.Quemderasoubesse,Lucy.

Mas pensa bem em como você se sentiu quando viu Colin deitado na cama dohospital.Vocêestavaaliviadaporeleestarasalvo?Oudesapontadaporvocênãotê-lomatado?Isso é demais. A enfermeira passou dos limites, e não importa o quanto Lucy

desejaentender,ohorrorearaivapercorremseucorpotãorapidamentequeelasevira, caminhandonadireçãodocampus semmaispalavras.Elanãosevoltaparaolhar,mastemquasecertezadeouvirobarulhodoportãoatrásdesi.

Tê-lomatado?Comoelapodesequersugeririsso?FoiLucyquemtirouColindaágua,quemcorreuatrásdeajuda.AprópriaMaggieadmitiuqueelanãosabiadetudo, mas mesmo saber alguma coisa é muito mais do que Lucy tem. Ela sabeapenasqueestáapaixonadaporColin,equevaifazerdetudoparanãodesaparecerdenovo.

Claro que sempre existiram outros retornando. Jay falou dos mortos-vivos.Maggievisivelmenteguardasuasprópriashistórias.ELucylembra-sedealgoquea sra. Baldwin disse, que as pessoas não olham. Que a maioria não precisa ver.Poderia ser assim tão simples? Lucy passou incontáveis horas observando osestudantesàsuavolta–embuscadeumalembrançaoualgofamiliar–mastalvezela estivesse procurando pela coisa errada. Talvez não seja uma coisa que eladeveriaprocurar,masumalguém.Sem um destino em mente, ela continua caminhando, virando aqui e ali,

movendo-se de calçamento para gramado coberto de neve, para caminho de

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cascalhoecalçamentodenovo.Seguindonadasenãoomapainstintivoquepareciaestarsedesdobrandoemsuamente.Elavêasimesmaaoladodaestátua,percorrendoapontadosdedospelosuave

braçoestendidodeSaintOsanna.Omármorevibrasobseusdedos,eLucyenvolve-omaisfirmementenumaperto,sentindoseucalor.Dealgummodo,elasabequehávidaali–umaformaououtradevida,mesmoquenãosejacomoadela.SeLucyconsegue retornar e construir um corpo provisório a partir de vários elementos,porqueaestátuatambémnãopoderiapossuirumespírito?Passossoamsobreaneve,eelasevira,deparando-secomJayenquantoelepassa

quasesemnotá-la.–Jay.Elepara,olhaparaelademodovagoantesdepiscar,desperto.–Ah,oi,minadapesada.Elecaminhaatéela,lançandoumolharcéticoparaaestátuaantesdesesentarao

seu lado. É uma resposta tão característica dos estudantes daqui: uma suspeitainstintiva de que tem alguma coisa esquisita na estátua, e então uma resignaçãoquasecasual.Segundosvaziossepassamantesquealgumdelesfale.Porfim,Jaypergunta:–Comoeleestavaquandovocêfoi?–Ele parecia bem– dizLucy, e então leva asmãos até o cabelo para enfiá-lo

atrásdasorelhas.–Nãoconsigoparardepensarqueelepodiatermorrido.Jayjáestábalançandoacabeça.–VocênãoconheceoColincomoeu.Eleéotipodecaraquenuncasequestiona

sepodeoudevefazeralgumacoisa.Eleapenasfaz.Oquevocêoviufazendonolago não é nada.Verão passado, a gente foi pular de paraquedas commeupai, eColin puxou o cordão no últimominuto e pousoumelhor que a gente. Pormaisloucoquepareça, jáqueperder a famíliabasicamente fodeu suavida toda,Colinnãosabenemmesmooquequerdizermorrer.–Comoelepodenãosaberoquequerdizermorrer?–perguntaela,pasma.Ela

consegueverquandoosolhosdeColinseestreitamenquantofalasobresuamãe,comosuarespiraçãoparecesairentrepequenosengasgos,sufocada.–Aperdadospaisdelefoiapior…– Só estou querendo dizer que nunca passaria pela cabeça dele que poderia

morrerfazendoessascoisas–Jayrapidamenteesclarece.–Elevêapenasaventura,nuncaperigo.Lucycerraospunhos,desejandoperguntaraJaysobrecadaumadasvezesem

queColinousoupôrsuavidaemperigo.Massuspeitaqueelesficariamalifalandoporhorasafio.– Ele é um cara legal – diz Jay, erguendo o rosto para cima contra o vento

cortante.

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LucyjuraqueconseguesentirosanguepulsandoporsuasveiassódepensaremColin.–Elepareceserocaramaisincrível.Sorrindo,Jayolhaparaela.– É, acho que foi isso que eu quis dizer. – Ele levanta a gola da jaqueta,

contraindo-secomofrio.–Oquevocêestáfazendoaqui?Eladádeombros,evitandoresponderementindoparaJay.–Esperandoalguém.Ele se levanta, enfiando as mãos no fundo do bolso e inclinando a cabeça na

direçãododormitório.–Pelovistovocêédapesadamesmo,maseuestoucongelandoaqui.Vouvoltar

pro quarto. – Ele franze a testa por um momento, pensativo. – Você mora nocampus?Elaassente,evasiva.–EuteavisosesouberalgumacoisadoColin–dizela.–Omesmo.Elaoobservaseafastando,ombroserguidosecabeçabaixa,suascurtaspassadas

como pequenas investidas nas passagens congeladas. Lucy sente que Jay guardamais coisas consigo, algum reconhecimento do milagre ocorrido ou alívio dotrauma,maseleétãodiretoecategóricosobretudoisso.Coisasloucasacontecemnestecampus,ninguémnuncavaipoderexplicar,vamos

seguir em frente. O mundo aqui está encapsulado na mais estranha bolha deaceitação.Desviando o olhar da silhueta cada vezmenor de Jay, Lucy sabe que está frio

pelo modo como os estudantes se curvam para dentro, agarram suas mochilas,encostam-seunsnosoutros.Naentradadecadaumdosprédios,elessaemcorrendoparaocalordoscorredores,masLucyficadoladodefora,novento,encantadaporele nãomais parecer lutar contra ela. Em vez disso, ela fecha os olhos e joga ocorpoparatrás,determinadaaficarcomospéspresosnaterra.DeterminadaanãodesapareceroulevarColinparalugaralgum.Determinadaaencontraroutrocomoela.Aescuridãojáavançaameaçadora,ecomeçaanevarquandoLucyolhaalémdas

árvores, encontrando duas figuras escondidas sob a crescente sombra do EthanHall.Osrapazesseacotovelamporalgumacoisaqueseguramentreeles.Umdelesri,eooutrotocaseuombro.Lucycongela.Omodo como o garoto toca o amigo é familiar. É exatamente omodo como

Colinatoca,gentilmente,precedidoporumalentaaproximação,comoseestivessecommedodeassustá-lacomocontato.Estreitandoosolhos,elaanalisaostraçosdeles.Omais cuidadoso é alto e largo, de constituição atlética. Seu cabelo sopra

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sobreumatestabronzeada,umapelequevêosoltodomêsdoano.Mesmoaessadistância, ela consegueverqueooutrogaroto, oque foi tocado, temapele lisa,semmanchas, uma pele que parece porcelana em sua claridade. Como Lucy, elecarecedaspequenascicatrizeseimperfeiçõesquedistinguemosvivos.Eleécomoela.Sua mente fica desnorteada ao perceber, e mais próxima da oportunidade de

compreender tudo. Ela se lança adiante, caminhando até eles em apenas poucaspassadas,gritando:–Oi,dálicença!Quando eles levantam o olhar, aterrorizados, e se afastam um do outro

imediatamente,Lucypercebeoerro.Elessãoamantes,escondendo-senassombrasembusca de privacidade para uma conversa íntima.O silêncio deles pesa comopânicodeseremdescobertos,eogarotovivoapertaasmãoscontraorosto.MasofantasmaencaraLucy,olhoslentamenteseabrindomais.Afastando-seda

parede,elecaminhanadireçãodelacomumsorrisonorosto.Ela o observa, incapaz de desviar o olhar. Ele parece totalmente não humano,

irreal.Maselasabequenuncaonotouantes.–Eunãoqueria…–elagagueja,erguendoumamãotrêmula.–MeunomeéHenryMoss.–Eledáumpassoadianteetomasuamão,eelase

acalmanoapertodele.–Tudobemaí?Osdedosdelesãoquenteseparececomovidroliso.Soltando-os,Lucydáalguns

passos trôpegos para trás, antes de se virar e desabar sob os pés da sua estátuafavorita. Suamente dá voltas, perguntando-se como ela não pensou em procurarantes;claroquedeviaexistiroutrocomoela,aqui,agora.Depoisdeunsinstantes,osgarotosaproximam-separasesentarem,cadaumem

um ladodela, eLucyconsegue senti-los trocandoumolhar acimade sua cabeça,emboraelasejaincapazdeadivinharoqueelesestãopensando,dadooturbilhãodeseusprópriospensamentos.Porumsegundo,elaseperguntaseelesconseguemverasuperfíciedesuapeleondulandocomoáguacomoimpactodessadescoberta.–Estoupassandoasvinteequatrohorasmaisloucasdaminha…vida–dizela,

rindo.– Vamos começar pelo seu nome – diz Henry, batendo o ombro gentilmente

contraodela.– Lucy. – Ela o encara, procurando algum sinal de vida no rosto dele, e não

consegue encontrar. Nenhuma pulsação na garganta, nenhuma sarda, nenhumacicatriz. Nada além de perfeição. Ele parece simplesmente ter sido desenhado. –Vocêécomoeu,nãoé?Henry sorri tão abertamente que seus luminosos olhos azuis enrugam-se no

canto.–Achoquesim.

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–HáoutroscomoagenteaquinoSaintOsanna?–Elahesita.–Mortos-vivos?Balançandoacabeça,elemurmura:–Nãovinenhumultimamente.Naverdade,nuncauseiessapalavraantesprame

descrever.–Ultimamente?Faztempoquevocêestáaqui?Elaquersedesculparporsuasperguntasàqueima-roupa,masHenrynãoparece

estarnemumpoucosurpresocomsuafomedesaberessascoisas.ElaseperguntaseépossíveltervistoHenrycentenasdevezesnosúltimosmesessemterpercebido.–Nãosei.Àsvezes,achoqueestouaquidesdesempre.Sómelembrodeverdade

deestaraquiháumanoemeio.–Masvocêouviufalardosmortos-vivos?–Euouviashistórias,claro–dizele,dandodeombros.–Éporissoquedizem

pros estudantes não se aproximarem do lago, por isso que esse lugar tem areputaçãodeserassombradoeasfestasdeHalloweensãosempreumevento.–Eleaperta uma mão contra o peito, dando-lhe um sorriso indulgente. – Eu apenaspresumiquenóséramos…malcompreendidos.Lucy deixa um sorriso escapar antes de se lembrar do seu maior medo, e a

perguntairrompeabruptamente:–Vocêjádesapareceu?Elepiscasolidariamente.–Aconteceucomigoalgumasvezesnocomeço,quandochegueiaqui.Eraomais

assustador.Masfazumtempoagoraquenãoacontecedenovo.–Umano,pelomenos–emendaAlex.–Sério?–perguntaela,acuriosidadeeumaagitadaesperançafazendosuavoz

sairgrossa.Dandodeombros,Henrydiz:–Euimagineiquefosseumtipodeadaptação.O alívio a inunda tão rapidamente que, por um instante, ela se sente tonta. Seu

olharpassaparaAlex.Háalgoestranhamentefascinantenogarotovivo.Henrynãoparece humano para ela, mas tem alguma coisa esquisita em Alex, também. Elasenteum impulso sinistronadireçãodele.Édiferentedequandoestá comColin,claro,masoaremtornodeAlexnãoévaziocomoemtornodeoutrosestudantes.Pelocontrário,háquaseumzumbidohipnotizantenele.Suapeleémorenapelosol,mas,agoraqueestápróximadele,elaconseguever

asolheirassobseusolhos.Eháalgosobasuperfície,umaexaustãonomodocomoeleseporta,privaçõessobapele,rigideznosmovimentos.ÉquasecomoseLucypudesse ver através dele, uma parte que se encontra lá no fundo, drenando asenergiasdele.–OndeestáseuProtegido,Lucy?–perguntaHenry.Lucyagitaacabeça,confusa.

Osolhosdelemovem-sepeloseurostoenquantoelatentaentenderapergunta.

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–MeuProtegido?Elesorri.–Perdão.ÉassimqueeupensonoAlex.Digo,ondeestáapessoaporquemvocê

veio?–VocêdizoColin?Rindo,eleendireitaocorpoeesfregaasmãosnojeans.–Precisocomeçardesdeocomeçocomvocê,né?Ela pressiona as mãos contra as bochechas num movimento reflexivo que já

conhece, uma lembrança dos dias esquecidos há muito tempo, quando ela teriacorado.– Sinto muito. Está sendo muito difícil processar isso tudo. Eu sabia que

existiramoutrosemalgummomento.Sónãoacheiqueeuconheceriaalgumdeles.–Bom,emparteéporquevocêestáaquiporcausadoColin.Nãoachoqueseja

natural para os Guardiões pensarem muito em alguém que não seja nossoProtegido.Maseuachoqueestamostodosacabados.Nóssomososjovensdequeninguémnuncaselembra.Nóssomosaquelescujafaltaninguémsentenasreuniões.Atémesmoeununcanoteivocêantes.Porqueelenãoestavaolhando,elapensa.AlexeHenrycontinuamaobservá-lacomomesmopequenoepacientesorriso,

enquanto as palavras dele pairam no ar. Ela solta uma breve risada, um suavesuspiro.–VocêachaquesomosGuardiões?–Acho–dizHenry.–Enãotemninguémaquipramedizerqueestouenganado.

Eu não sabia de nada quando cheguei. Fiquei perambulando, sem destino. Mas,quandoencontreiAlex, ficarpertodelenãopareciacerto,pareciaurgente.Assimcomo,quandoodeixava,eusentiaqueestavafazendoalgoerrado.–Isso–sussurraLucy,sentindoumformigamentonapontadosdedos.–Eunãoseiporqueeleprecisademim,seéporqueeleestavadoenteeeuo

deixeisaudável,ououtracoisa.Mas,nesseanoquepassoudesdequeoconheci,eusintoque finalmente tenhoumpropósitoe,ultimamente,eumesintomais forteacadadiaquepassa.Olhapraele;eleparecetãomelhortambém.Algumacoisanosolhosdele…euseiqueestoufazendooqueeuvimprafazer.LucyolhaparaAlexmaisumavez.Seráqueéissoqueestávendo…doença?Ela

seperguntaseHenryvê também.QuandoelaolhaparaAlex,elanãosesente tãoesperançosaassimemrelaçãoaoseuestado.Elatambémnãonotanadadediferentenos olhos dele. São azuis, domesmomodo como os dela são castanhos. ExcetoparaColin.–Vocêestádoente?–perguntaela.–Leucemialinfoideaguda–dizele,direto.–Henrymeencontrounasemanaem

quefuidiagnosticado.–ElelançaumolharparaHenryantesdeacrescentar:–Estou

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noestadoderemissãoagora.–Ficofelizporisso–dizLucy.–Mas…quem?Quemnosmandoudevolta?Por

queagente?PorqueColineAlex?Henryaacalma,pondoumamãosobreseujoelho.–Vocêestágastandoseutempofazendoperguntas.Eupergunteiaelestododia

duranteumanointeiroe,acredite,ninguémvaidescerdasnuvenseteentregarumpanfletodeboas-vindas.Lucy inveja a segurança deHenry, e talvez o únicomodo de ela entender seja

com mais tempo. O pensamento é ao mesmo tempo um alívio e um poucodeprimente.–Vocêselembrademuitacoisadasuavidapassada?–Nãomuito – admiteHenry. –Eu seimeunome.Eu sei que adorava esportes

porquetenhoalgumascurtasmemóriasdeestarjogandoouassistindo.Mas,tirandoum flashaquieali,umrosto,umsentimento…orestoé totalmentebranco.Nadaaquiparecefamiliar.Lucyselembradeacordarnatrilhaedamaneirainstintivacomoelasoubeonde

encontraralguém.–Entãovocênãoeraumestudantedaqui?–Não,achoquenão.–Agenteolhounosanuáriosdaescola–acrescentaAlex.–Enada.–Hum.Lucyapertaoslábios,pensativa.–“Hum”oquê?–perguntaHenry, inclinando-separaa frenteparaolhá-lanos

olhos.– Eu era uma estudante do Saint Osanna. Eumorri aqui. De acordo com uma

notíciaqueColinencontrou,eufuiassassinadapertodolago.Foiláqueacordei.Euimagineiquetivéssemosessaconexão,oqueexplicariaporqueeuvimporcausadele.–Ah,nossa–dizHenry.–Eusintomuito,Lucy.–Mas entãoqual é a conexão?Por quenósdois estamos aqui?Epor quenão

podemossair?HenryeAlextrocamolhares,ambosbalançandoacabeça.Issonãoajuda.Lucy

puxaasmangasdablusasobreasmãos.Elanãoestáexatamentecomfrio,masumaestranhasensaçãosearrastapeloseucorpoatéseespalharpelosbraços.–ComovocêtemtantacertezasobreahistóriadeserGuardião?Vocênuncase

preocupasevocêé…domal?AgargalhadaestrondosadeHenryétãosurpreendentequeLucyrecuadeverdade

quandoelaexplode.–Vocêachaqueveiopramachucá-lo?Vocêconseguesequerconceberisso?Ela não consegue. Ela balança a cabeça, soltando um lento e ansioso suspiro

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enquantolutaparaselivrardaterrívelsugestãodeMaggie.–Mas você está aqui e Alex continua doente. – Antes que Henry proteste, ela

acrescenta:–EontemoColincaiunumlagocongeladoequasemorreu.Édifícilachar que é coincidência quando essa foi a primeira vez que eu fui com ele. Eumeioquemesintoummauagouro.AexpressãonorostodeHenryficarígida.–Primeiro,oAlexatéestádoente,masestáficandomelhor.Eaquelerapazque

caiunolagoéoseuProtegido?Elaassente.–Sim,eleafundoue…–elacomeçaacontaraelesoqueaconteceuna trilha,

comoconseguiu tocarColin como se eles fossem feitos damesmamatéria,mas,por algum motivo, ela para. Parece estar soando cúmplice de alguma maneira,comoseoacidentetivesseabeneficiadoenormemente.–Eeupenseiqueelefossemorrer–dizelaemvezdisso.– Mas ele morreu? – pergunta Henry, sorrindo um sorriso secreto que traz

inquietaçãoaLucy,comoseolugardapeçaquefaltanoquebra-cabeçafosseóbvioparatodomundo,excetoparaela.–Bem,não,maselepodiatermorrido.– Eu ouvi falar do que aconteceu com ele – diz Alex. – A gente não anda no

mesmogrupo,mas ele é conhecidopor serbem louco.Ele já nãoquebrou, tipo,praticamentetodososossosdocorpo?–Eleri.–Nãoédeseadmirareletervocê.–Bem,sim,mas…–Lucy,para–dizAlex,gentilmente.Amãodelemalpairasobreseubraço,um

tipodetoquequeelejáseacostumouadar.–Colinestáaqui,eleestáasalvo.Nemporummomentopassoupelasuacabeçaquetalvezvocêsejaomotivodeelenãotermorrido?

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CAPÍTULO21Ela

Dessa vez, quandoLucy caminha de volta pelo campus, elamal percebe que oventouivantenãomaisaempurra.Longosfiosdecabelochicoteiamemseurosto,eelaosafastaparatrásdistraída,perdidanaspalavrasdeAlexeHenry.Guardiã.Elequasemorreu.Quasemesmo?Ela não acha que Colin faz alguma ideia de como a história se espalhou pela

escola,equandoosr.Velasquezestacionaemfrenteaodormitório,parecequetodoocorpodeestudantesestáacampadodoladodefora.Colinparecepálidoefracoaosair do carro e caminhar até a porta da frente, o diretor empurrando para trás aquantidadedecorpossussurrantesparaabrircaminho.Lucyseafastadeondeestáparada,aoladodalagoa,esenta-senobancoondeelacontouaColinquemorreu.EladesejapossuiraomenosumagotadacertezadeHenry,pois, seescolhernãoacreditarnele,entãoestarátãoperdidaquantoantes.

Lucyestágratapelosbrevesdiasdeinverno.Opôrdosoléàs18h08,eàs18h30Colinabreaportadodormitórioparadeixá-laentrarsilenciosamente.– Já comeu? – pergunta ela assim que estão dentro do dormitório, de portas

fechadas,umamúsicatocandodefundo.Jayentrouesaiumaisumavez,deixandoLucyeColinjuntosnumarelativapaz.

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Ele assente, estudando-a como às vezes faz, como se pudesse destrancar ossegredosdelacomapressãodesuaatenção.–Dotmetrouxeumascincorefeições.SomenteagoraocorreaLucyqueColinpodeestardoente,comoAlex;quetalvez

sejaissoqueelestenhamemcomumeessasejaarazãoporquecadaumatraiuumfantasmaparasi.Mas,emborasintaevejaColindiferentementeemcomparaçãoaoutraspessoas, elanãovêamesmaexaustãosubjacentequeviuemAlex.Nãohánenhuma doença drenando a vida dele bem diante de seus olhos. Na verdade,mesmonesse estado de fraqueza,Colin parecemelhor.O ar em torno dele pulsacomvida.–Vocêestácansado?–perguntaela,movendo-seinquieta.–Não.Sintocomosetivessedormidoosdoisúltimosdiasinteiros.–Elesesenta

nabeiradocolchãodacama,puxandoamantamarromporcimadosombros.–Enãoconsigoparardepensarnolago.–Eunãoconsigoparardevisualizarvocêcaindo.Eentãonatrilha…–Elatenta

suavizar o anseio em sua voz, mas sua pele formiga com a memória do queaconteceudepois.Elepisca,virandooolharparaajanela.Gordosflocosdeneveamontoam-seno

peitoril.–Seeunãomorri,masconseguitetocar,entãovocêdeveestaremalgumlugar

entreasduascoisas,também.–Nãofaçoideia.–Elachegamaisperto,masmantémumespaçoentreelesao

vê-loestremecerlevemente.–ParecequenãosouaúnicaassimemSaintOsanna.Colinvira-separaencará-la,orostoentreassombrasdoquartoescuro.Olheiras

azuis caem pesadas sob seus olhos, mas ela consegue perceber o interesseflorescendonaexpressãodeseurosto.Oslábiosdelesecurvamnummeio-sorriso.Ela lhe conta sobre sua procura por outros e então finalmente seu encontro comHenryeAlex.–Elessãocomoagente.OHenrytambémmorreuevoltou.Colinfranzeatesta,ecentenasdereaçõesperpassamostraçosdoseurostoantes

deeledizersimplesmente:–Eooutrocara,oAlex,é…soueu,nessecaso?–Sim,elesestãojuntos.–AlexBroderick?Um loiro, alto?–perguntaColin, eLucyconfirma.–Ele é

gay?–Vocêoconhece?– Bem, conhecer de verdade, não, mas já o vi por aí. Ele costumava jogava

lacrosseetalantesdeficardoente.Câncer,euacho.– Leucemia. Foi quando ele encontrou o Henry, acho, logo depois de ser

diagnosticado.

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Colinseremexesobacoberta,oolhartornando-sepesado.–Entãofiqueimeperguntando,seeusouumfantasma,entãocomoeuconsigo

mover as coisas, usar roupa, tocarvocê?Mas, se eu souquase sólida, comovousabersenãosoualgumtipodedemônio?Quemmemandoupracá?Colinassenteaoseulado.ElalhecontaháquantotempoHenryestáaqui,decomoeletemcertezadeque,

estandooAlexdoente,foienviadoporcausadele.–Eusempre senti comosemeucoração tivesse sidoarrancadodomeucorpo,

masdealgummodoeleacabou ficandocomvocê.AchoqueécomooHenry sesentetambém,tipo,eleestámantendooAlexasalvo.– Fico feliz com isso – diz ele, inclinando-se para beijar sua bochecha. – Eu

sempremesentiasalvocomvocê.Seráquefantasmascomovocêestãoportodososlados,protegendoaspessoas?–Vocênãoestásurpreso?–Porqueeuestaria?–murmuraele,jáabandonandooassunto.Lucyvira-seeolhapela janela,percebendopelaprimeiravezqueelaéaúnica

queestásurpresacomtudoisso.

Nomeiodanoite,Colintiradopeitoedaspernasasalmofadasdeaquecimentoesalta para fora da cama. Ele se agasalha com quatro suéteres, estremecendo emconstantesarrepios.Acadeiradamesarangequandoelesesentaecomeçaadigitar.São2h14damanhã.–Oquevocêestáfazendo?–Pesquisandoumascoisas.–Quecoisas?–Coisasdeespírito.Morte.–Vocêquerconversarsobreisso?Elecoçaportrásdopescoçoelhelançaporsobreoombroumolharpesaroso.–Aindanão.Desculpa.Lucydeita-sedecostasparaobservaro teto,opequeninosistemasolarqueela

gostadeimaginarColinmontandoemcadaquartoporondejápassou.–Vocêestábem?–elapergunta.Elesoltaumgrunhidoafirmativoemresposta,eelaseviranacama,desejando

que ele chegassemais perto. Ela sentiu um gostinho do que ele deve ter sentidoquando ela desapareceu, e ali na escuridão, com ele tão distante, ela sente umestranho comichão de vontade de conversar um pouco mais sobre como ele sesentiu na trilha e o que ele acha que aconteceu. Ela sente como se uma difícilprimaverativessesealojadoemseupeito,desdobrando-selentamente.

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–Você sabe quantas pessoas já tiveram alguma experiência de quasemorte? –perguntaele,sempercebersuaansiedade.–Quantas?–Milhares.Maisdoqueisso.Amaioriadascoisasescritassobreissoéreligiosa.

Masnãotodas.Algumaspessoasachamqueexperiênciasdequasemortesãoumaformadealucinação,mas,comoeuseiquevocêtambémestavalá,agentesabequeeunãoestavaalucinando.Elaseviradevoltanacama,forçandoumtomdevozmaisleve.–VocêestápesquisandonoQuaseMorte.org?–Não – responde ele, sem achar graça. – É sério, Lucy. Tantas pessoas quase

morreram,oumorreramdeverdade,evirameexperimentaramcoisascomoeu,edepoisficarambem.ExisteatéaRevistadeEstudosdeExperiênciasdeQuaseMorteeoGrupodePesquisasdeExperiênciasdeQuaseMorte.Tipo,umaciência.–Pseudociência,vocêdiz.–Lucy,issofazdevocêpseudociência.–Eunãoestouquasemorta,Colin.Eumorrideverdade.Ele a ignora, e ela ouve os sons dos dedos dele no teclado. Eles não parecem

estarcooperando,eelepraguejarepetidamenteemvozbaixa.–Você não está viva nemmorta – rebate ele. –Você foi enviada de volta.Ou

talvez suamente tenha se separado do seu corpo original e tenha descoberto umjeitodevoltarcomominhaGuardiã.Eeupossosercomovocê;agoraeuseidisso.–Masnãodeumjeitofácil–dizela,sendotomadaporumacrescenteenergiade

excitação.Elaselevanta,sentindocomosequisessesaircorrendo.–Enãodenovo,provavelmente.–Eutesenti,Lucy.Vocêmesentiu,também.Enãodaquelejeitonem-pouco-nem-

muito.–Seutomdevozfazasvibraçõesdoseucorpocrescerem.Háumasólidadeterminação nele que ela nunca ouviu antes. – Você está me dizendo que nãogostou?Elaficaemsilêncio,incapazdefalarcomoestranhoformigamentoemeupeito.

Elaosentiu,sim,eelesabedissomaisquetudo.–Temumcaraaquiquepassoupelamesmacoisa–continuaele,avoztornando-

seanimadacomoquandoeleestáprestesapedalar.–Caiunum lago,hipotermia,viuomundodeumjeitoqueelenuncatinhavisto.Todaacoisa.–Hum.–Poisé,eeleestádizendoaquinessefórumqueelefezdenovo,porquequeria

saberseoqueeleviuerareal.–Vocêprecisaserecuperar–dizela.–Vocênãoestápensandoqueessaéuma

boaideia,né?Osilêncioemrespostaencheoquartocomoáguacorrente.Elaseaproximaese

inclina sobre Colin, lendo as postagens no fórum por cima do ombro dele. Há

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milhares.Eleclicanumlinkecriaumnomedeusuárioesenha.Ela se inclina e o beija na bochecha, no pescoço, esperando distrai-lo, mas

conseguesenti-loficandotensocomoseutoque.–Vocêprecisadormir.–Numminuto.Precisomecadastrarnessesite.–AchoqueissovaicontraocódigodosGuardiões.–Elatentamanterotomde

vozleve,masaspalavrassaemduraseformais.ElanãoquerficarpoliciandooqueColinfaz.Alémdomais,elanãoentendeessaestranhahiperatividadequeotomou.–Essesitemedáarrepios–dizela,emvezdisso.Eleridisso,dagarotafantasmacommedodefantasmas.–Essecaravêahipotermiaquasecomoumesporteradical.Porcausadomodo

como sua atividade celular diminui,morte cerebral é a última coisa a acontecer.Esse cara aqui, ColdSport, acha que só dá pra fazer de um jeito que desafie osistema,tipoandardebicicletanumamontanhaoucorrerumamaratona.Eleestáfalandosério.Elaolhaparaofórumdemensagensnatela.Hátrêsnomes

de usuários dominando a maioria das postagens; três pessoas loucas lá forapregandoparaseuminúsculocorodeloucos.Eladeslizaasmãossobosuéterdele.–Colin,para.A pele dele queima de calor, e ele estremece sob a palma de suas mãos.

Levantando-se,relutantementeeleaseguedevoltaparaacama,maselaestácomacabeçadandovoltas.Quandoelefinalmentecainosono,elasenta-sefurtivamentesobreacadeiradiantedamesa,pairandosobreela,eseconcentracomaintençãodeapertarcadaumadasteclasdotecladoparadigitarsuapesquisa.Ela encontramilhares de histórias,mas desliga o computador quando percebe

quenenhumadelasseparececomoqueaconteceunolago.

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CAPÍTULO22Ele

Osilêncioécomoumaespessacortinaentreeles.ColinlavaospratosomelhorquepodeeosentregaparaDot,atravésdovéuinvisíveldodesconforto,queossecaeguarda.–Vocêestámuitoquieta–dizele,mergulhandoasmãosdentrodaáguaquentee

cheiadebolhas.Elasestãomelhoreshoje:dedosmenosduros,segurandocommaisfirmeza.–Vocêtambém–disparaeladevolta.Eleabaixaaformadeassarpãoqueestavaesfregandoevira-separaencará-la.–Credo,Dot.Sómedizoquequerquevocêestejapensando.–VocêvaimecontarsobreessaLucy?Colinsoltaumgemido,desviandooolharparaajanela.Elejáesperavaporisso

desdequeDotouviuonomedeLucynohospital.ElaselembradoassassinatodeLucytãoclaramentecomosetivesseacontecidoontem,mas,atéondeelesabe,Dotnuncaoviucomela.Peloqueelasabe,ésómaisumagarota.–Éumagarotadaminhasala–dizele,retornandoàlouça.–Sabe,euavi.ElaseparecemuitocomumagarotachamadaLucy,quepassou

poraquianosatrás.Naverdade–dizDot,aproximando-seumpasso–elaseparecemuito com a garota assassinada sobre quem você queria saber poucas semanasatrás.Colinolhaparaasprópriasmãosnaágua.Elasestãotremendoagora,enãoépor

causadomergulhonolagocongelado.– Eu te disse, eu sempre ouvi as histórias – sussurra Dot, a voz trêmula. –

Diversas pessoas insistindo que viram uma garota no lago, um homem fardado

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sentadonumbanco,ouumhomemandandopelocampus,varrendoospavimentos.Maggie jurou de pés juntos durante anos que esse lugar era assombrado. Mas,Lucy…sendoumapartetãograndedasuavida…Colinvira-separaela,implorandocomosolhos.–Dot,vocêselembradequandofaloupramimeproJayqueexistiamcoisasno

mundoqueagentenãoentende?Dotassente,deolhosbemabertos.– E você se lembra de quando me prometeu que eu não estava louco? Você

acreditanoquevocêmedisse?Ela solta uma risada, erguendo o braço para depositar uma mão suave na

bochechadele.–Acredito.–Entãovocêpodeconfiaremmim?Balançandominimamenteacabeça,elasussurra:–Nãosei.Ésóqueissonãoparececerto.–Nãoparece certo porquevocênão entende, nãoporque é errado– diz ele. –

Pelaprimeiraveznaminhavida,eusintocomosesoubesseoquequero.Perscrutandoosolhosdela,ColinconsegueverqueDotvaialargarsuasrédeas

comonuncafizeraantes.Osolhosdelaseenchemdelágrimas,eelalheofereceummeio-sorriso.–Sóqueparecequeeununcamaisvoutever.Colinseremexeinquieto,osolhosmergulhadosnaáguacheiadesabão.– Ando fazendo as mesmas coisas. Escola, amigos… – diz ele, engolindo em

secoaculpaquecresceemseupeito.O silêncio se estendeeDotpõeopanodepratode lado, aproximando-separa

depositaramãosobreoantebraçodele.–Meprometequenuncavaifazeralgumacoisaqueteponhaemperigo.Ao assentir, Colin percebe que acabou de fazer uma promessa que não tem

intençãoalgumadecumprir.

Colinestáacostumadoaserocentrodasatenções.Eleparticipadecorridasdebicicleta e outras competições praticamente desde que começou a andar. Ele éassumidamente louco; nunca foi alguém tímido. E, quando seus pais morreram,duranteanosninguémlhedeusequerumminutodesolidão.Mas a atençãoque ele está recebendohoje é totalmente indesejada.Duasnovas

vansestãoestacionadasnocampus,eosrepórteresaliacampadostentamlhefazerperguntasantesqueJoechameasegurança.Seuscolegasdeaulaestãohistéricos;

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algunsestãoinsistindoquefoiofantasmadolagoqueofezcair.Outrosoolhamcomo se ele fosse algum tipo de criatura lendária.Todomundo quer tocá-lo.Osprofessoresparecemabalados, e vai haveruma reuniãoobrigatórianaquadradeesportes sobre segurança no inverno. Ele sente a pressão de cada par de olhosobservando-o para ter certeza de que ele está bem, de que seus braços estãofuncionando,dequeseuspassosestão firmes,dequeeleestá fazendosentido.Aspalavras“tragédia”,“porumtriz”e“cercas”estãosendousadasportodososlados.O lanceéo seguinte:não foiuma tragédia.Não foiporum triz.Emesmoque

construíssemumacercaemtornodaquelelago,eledestruiriaaporratoda.Elequervoltar.Elequersaberseoqueeleviufoireal.SenãofoisuaimaginaçãotersentidoLucy daquele jeito. Os minutos com ela naquele mundo foram melhores quequalquermanobra radical,mais viscerais que qualquer coisa acontecendo ao seuredor.Seucorpopodiaatéestarmorrendo,maselesesentiuvivo.Vivodeverdade.Elesabequeissodeviaassustá-lo,masnãoassusta.

–Ai.Meu.Deus.Colin!–Umavozagudaberraatrásdele,eeleinstintivamenterecuaacabeça,antecipandooconjuntodegarrasquesubirãoporseupescoçoatéseucabelo.Amanda o agarra pela cabeça e crava as unhas nela enquanto o puxa para um

abraço.–Ouvidizerquevocêmorreupor,tipo,umahora!–Eunãomorri.–Euestousurtandoporcausadisso,Colin.Sur-tan-do.– Sintomuito – diz ele, livrando-se de seus apertos. É claro queLucy escolhe

esseexatomomentoparachegarpelocorredorepararaoseu lado.Ela lançaumolhar para Colin, depois para Amanda, mas onde ele esperava ver sobrancelhaserguidas,elevêapenasumsorrisinhodivertido.–Oi–dizela.–Oi.–Elesorriparaela,prolongandooolharnoslábiosdelaatéelasorrirde

todo.–Assimémelhor.AmandaignoraLucy.–AShelbymeligounoitepassadaemecontouoqueaconteceu.E,aimeuDeus,

eusurteitotal.Tipo,esevocêtivessemorrido?Esevocêtivessemorrido,Colin?Agenteficariacompletamentesur…– Você conhece a Lucy, Amanda? – interrompe ele, esperando-a parar para

respirar.ElesesenteconstrangidotantopelafaltademodosdeAmandaquantopeloColindopassado,queficavacomessagarota.AmandatrataLucycomosenuncaativessevistoantes.

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–Oi–dizela,seminteresse,antesdesevirarparaColin.–Doeu?Vocêsentiuocorpoquente?Tirouaroupa?Ele ergue uma sobrancelha ante o modo como Lucy parece gostar e sente-a

deslizandoparamaisperto.–Nãotireiaroupa–dizele.Amandatemaaudáciadeparecerdesapontada.–Ah,quebom.Euouvidizerquemuitagentetira,porcausadahipertermia.–Hipo–murmuraele.–Euestavachegando–dizLucy,sorrindoparaele.–Sónãodeutempo.Colinfinge-sechocado,pressionandoapontadosdedoscontraabocaaberta.Do

cantodosolhos,consegueverAmandamatutandoalgumacoisa.Elaseestufadear,respirando fundo, segurando a irritação e o ultraje e tentando revesti-los deindiferença.–Vocêestavalá?LucyassentemeigamenteparaAmandaeseerguenapontadospésparabeijá-lo

nabochecha.–Tevejomaistarde.Eleacena,praguejandoemvozbaixaporLucytê-lodeixadosozinhocomsuaex-

namorada, embora ele não possa exatamente culpá-la por não querer ficar. Numperfeitotiming,acolegadequartodeAmandaaparece,comumsorrisosolidárionorosto.–Oi,Colin–dizela.–Comovocêestá?–Estoubem–respondeele,pelamilésimavezhoje.Mas,dessavez,elenãose

importa tanto. Ele sempre gostou de Liz. Deve muito a ela por ter conseguidocontrolaroestragodepoisdeeleeAmandaterminarem.–Evocê?–Bem–respondeelasimplesmente.EbemquandoColinesperaqueaconversa

mude de direção, ela acrescenta: – Eu tinha uma prima que caiu no gelo. Lá emNewfoundland.Ele assente, desapontado e distanciando-se da interação. Ele já tinha ouvido

variações dessa história mais ou menos metade das vezes em que respondeu o“Comovocêestá?”depraxe.Oquevemaseguiréoprevisível:Vocêtemsortedetersobrevivido.Elenuncamaisfoiomesmo.Elaperdeuodedãodopé,tevedanospermanentesnorosto.MaseledeviateradivinhadoqueLizromperiacomopadrão.–Eleficouhorasinconscientenogeloesobreviveu.– O quê? – Com Amanda agora esquecida, ele chega perto de Liz,

surpreendendo-a tanto que ela dá um passo para trás, ficando de costas para aparede.–Ele caiu e conseguiu sair,mas isso quatro horas antes de ele ser encontrado

semnenhumpulsoperceptível.Pelomenosfoioquedisseram.

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–Eagoraeleestávegetando?–Não,essaéapartemaisesquisita–dizela,sorrindodeummodoestranho,que

fazsuapeleformigar.–Eleestátotalmentebem.

Quandochegaofimdodia,Colinestápraticamentevibrandocomavontadedefalar comLucy. Só quando a vê caminhando na sua direção e distanciando-se damassadeestudantesindoparaatrilha,enroladosemcachecóisechapéusdeacordocomoferiado,équeeleselembradequeaFestadeInvernoénestanoite.–Praondetodomundoestáindo?–perguntaLucyassimqueseaproximadele,

virando-separaobservaramigraçãodepessoas.–Osestudantesdosúltimosanosorganizamessacoisadomal,queeleschamam

de Festa de Inverno, todo ano antes do feriado. Todomundomenos a gente quemora aqui fica nostálgico e sentimental por ficar separado por duas semanasinteiras.Elesdecoramomorroquedádefrenteparaolagoe…–Nossolago?Eleolhaparaelaesorrianteoímpetopossessivoemseutomdevoz.– Sim. Mas não se preocupe. Eles não se aventuram descendo até o lago.

Ninguém faz isso– acrescenta ele, esperandoqueelaouçaomesmo tomemsuaprópria voz. – Eles decoram a área domorro acima e tocam umasmúsicas pophorríveis, e todomundo pega todomundo e então as pessoas começam a brigarporqueencheramacara,aítudoviraumdramaenorme.Lucysorri.–Parecedivertido.– É uma festa num internato. Então, basicamente, você sai com as mesmas

pessoas,nemumquilômetrodedistânciadeondevocêjáfazisso.Ignorando-o,elaacrescenta:–Ejáéhoradevocêmelevarparaumencontro.–Confieemmim,Lucy.Nãotemnadaavercomvocê.–Comovocêpode saberdisso?–Osorrisodela se torna sedutor.–Achoque

ficarpertodolagotebeijandotemtudoavercomigo.Elesevêincapazderebateresseargumento.

Um longo caminho, feito de luzes à bateria enfileiradas, guia o caminho até omorro,emilharesdeoutrasluzespenduram-seemtodogalhopossível,iluminando

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asdúziasdecorposquedançamnumamultidãoaosomdamúsicaexplodindodequatrocaixasdesomqueladeavamaárea.Omorroestásalpicadodeguirlandasdeazevinhopenduradas,etudonaáreaaoredorparecebanhadonumgélidoazulsobaluzdalua.Édifícilacreditarnoquãopertoeleestádeondetudoaquiloaconteceu,eColin

sevêcomoolhardistante,descendoomorroatéooutroladodolago,ondeogeloseabreparaaescuridãoabaixo.Nãohaviamaneiradevê-lodaqui,maseleimaginaoburacorodeadode pontas afiadas, cercadopor uma fita, avisando a todos paramanteremdistância. Ele se pergunta o que a fita diz, e por que ele não está commedo.Emvezdemedoeterroranteamemóriademergulharnaescuridão,senteanseioeantecipação,aprovocaçãodaadrenalinafazendocócegasemsuasveias.Jayapareceaoladodeleseesticaocorpoparaenxergar.–Olagoparecetãomenorvendodaqui.Por um instante, omundo ao redor deles parece cair em silêncio, antes de Jay

tossir, quebrando a tensão.Colin desvia a atençãopara os outros estudantes atrásdeles.–Mebeija,Lucy.Estamosdebaixodeumvisco.Lucy finge se inclinar para beijar o rosto de Jay, mas então sai correndo,

fingindo nojo. Colin observa, fascinado, enquanto Jay a persegue descendo umpequenodecliveeelaseescondeatrásdeumaárvore,rindoeguinchandoquandoeletentatocá-la.ColinnãofazideiadecomoJayreagiriasesentisseapeledeLucycontraadele,emaisqueisso,nãofazideiadecomoelareagiriaseeleconseguisseagarrá-ladeverdade,mas,nomomento,elanãoparecepreocupadacomisso.ÉaprimeiravezqueColinvêLucyagircomoalguémdesuaidade.– Se divertindo? – diz ele quando ela volta. Ele não pode estar imaginando o

rubor vermelho nas sobrancelhas dela, ou o modo como ela parece quase semfôlegodefelicidade.Elenãopodeestarimaginandocomoelaparecesólidaaoseapertarcontraele,comoseumagarotasólidaestivesseseformandosobanévoadesuapele.–Demais.Masaindatenhoqueveralgumabebedeira,pegaçãooudrama.Colin observa enquantoLucy se curva para amarrar um cadarço solto de suas

botas.As botas são pretas,mas, nessa noite, sob as luzes e a neve, elas parecemrefletir as cores do arco-íris, prismáticas. Ele se pergunta se tudo se torna dealgumaformasobrenaturaltãologoelaoscoloque.–Prontopradançar?–perguntaela.–Nemumpouco.Eleaseguemesmoassim.Enquanto Lucy dança, Colin se pergunta como ela não se destaca como uma

chama acesa entre os outros estudantes, menos graciosos que ela. Suas mãosmovem-senoritmosobresuacabeça.Seuspésdeslizam,quasedesconectadoscom

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a terra. Ela é leve, sem peso, enquanto dança fazendo círculos em volta dele,brincalhona, e isso torna mais fácil para ele resistir à atração que sente morroabaixo,nadireçãodolago.E então seu sorriso esmorece por um instante, e seus olhos vão dele até a

extremidade domorro, no ponto bem na beirada, derramando-se até o lago, queparece comoum farol pulsandona escuridão.Osolhosdela tornam-seomesmoâmbar quente como sempre o faziam ao repousarem lado a lado, e ele nãoconseguepensar emnadaexcetonoquantodesejabeijá-la.Enquantoeleobserva,elapisca,desviandooolharparaele,pegadesurpresa.–Euestavame lembrandodecomoera…–dizela,aculpadrenandooâmbar

nosolhosatéumcinzasuave.Entãoacrescenta:–Ficotãofelizporvocêestarbem.Avozdelasaimaisfracaquandodizessapartefinal,eelesabeexatamentepor

quê. Se ela sente o mesmo que ele, ela deseja descer o morro e mergulhar nassombras,aindaquesejaapenasparaolharparaasrachaduraspontiagudaseparaafriaesilenciosaáguaabaixo.

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CAPÍTULO23Ela

Elaestásentadanocolodele,comaspernasemvoltadesuacintura,abotoandoedesabotoandoaprimeirametadedesuacamisa,repetidamente,impressionadapelotantodeconcentraçãonecessáriapararealizaratarefa.Elaovêfazerissocomumamãoemapenaspoucossegundos.Mas,depoisqueelecaiunolago,levouumasemanaparaeleconseguirabotoar

facilmentesuacamisa.Ela observa os próprios dedos se movendo pelo peito dele e descendo pelos

traços salientesde seu abdômen.Acarnedelaoscila entremarfime tênue cordepêssego. Não possui cicatrizes, sardas oumachucados. Com a exceção domodocomosuapeleparecebrilharedepoissetornarturva,nãohánadaqueadiferenciedeumafotografiaperfeita.AsmãosdeColinsãoásperasecheiasdecicatrizes.Eletemumapequenamarcadenascençaatrásdopunhoesquerdoecicatrizesemduasjuntasdosdedosdamãodireita.Elaseperguntaporumsegundocomoéparaeleveressasdiferençasagora,depoisdolagoedaneveedapeledeambosparecendoumacoisasó.–Doquevocêachaquesoufeita?–perguntaela.–Achoquevocêéfeitade…incrível.–Quero dizer, namaior parte, você é feito de carbono.Nitrogênio.Oxigênio.

Hidrogênio.Essascoisas.–Provavelmente,muitasoutrascoisas.–Eleri.–Eucomomuitaporcaria.–Maseeu, souoquê?–Elapõeamãosobreopeitodeledenovoe tirauma

mechadecabelodatestadele.Mesmoquandoestátentandoomáximopossívelficarimóvel,elajuraqueconseguesentirascolisõesdemilharesdemoléculasdentrode

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si.–Eusintomeucorpocomoumamassasólida,mas…étãodiferente.Écomoseeufossefeitadeelementosqueestãoflutuandonoarotempotodo.Elelentamentelevantaoolharparaelaesorri.–Vocêcomcertezaestáaqui,evocêcomcertezaédiferente.Achoquegostoda

suateoria.–Osolhosdelefaíscam.–EntãoachoqueagentedeviaagradecerporvocênãotersidoenviadadevoltaparaalgumlugarpertodeChernobyl.Vocêseriaaindamaisgostosa.Elarieelesorrianteaprópriapiadinhasagaz,masosorrisodeambosesmorece

aoseencararem.–Quandoeutebeijeinabochechanolago,antesdecair,vocêestavamaissólida

–dizele.Elasentiuisso,também.Sentiu-semaisforte,maispresente.–Talvez seja a água no ar.Aqui no seu quarto émais seco, como aquecedor

ligado. Se temmais umidade no ar, temmais conteúdo promeu corpo roubar eusar.Simples.Eleproduzumsomnofundodagarganta,parecendoconcordar.Aperguntaentãoirrompe,escapando:–O que estava passando pela sua cabeça quando vocême encontrou na trilha,

masaindaestavanolago…?Elepiscaosolhos,desviandooolharparaajanela.–Nãomesenticomfriooucalorouassustado.Sóqueriaencontrarvocê.–Porqueparecequevocênãoquerfalarsobreisso?Eleempurraasmãosportrásdacabeça.–Porqueeuquerofazerdenovo.A frase, finalmente dita em voz alta e sem rodeios, ecoa no quarto dele,

pendurando-senoarcomoumaespessacortinadeplásticoentreeleserevestindoomomento com uma sombra estranha e pesada. A reação imediata de Lucy àspalavrasdeleéumalívioparadoxal,entãoarespostasaidensa,comoseestivesselutandoparanãosair.–Colin,issoéloucura.–Como assim? – pergunta ele, sentando-se demodo a forçá-la a sair do colo

dele.–Euacabeinaquelatrilha,debaixodasuaárvore,Lucy.Tinhaalgumacoisadediferentenaquelemundo,algumacoisaperfeita.Evocêestavalá.Nãoéloucura.Ela senta-se sobreaspernascruzadaseoencara.Partede si–aparteescurae

pequeninaeperigosa–senteumdensoeenvolventeamorpeloqueeleestádizendo.Eleestácerto;nãofoiloucura.Duranteaquelespoucosminutos,elaapenasotocou,obeijou.Eleeradela.Natrilha,eleeraexatamentecomoela.EentãoelaselembradequesupostamentedeviasersuaGuardiã,eumespinho

afiado de culpa a perfura. Ela não se sente conectada à sua vida passada, está dealgummodopresanesse estranho infernodonãosaber,mas sente seu amor por

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Colinmais presente e humano que qualquer coisa que conheceu nestemundo atéagora.Elaqueracreditarnisso,querconfiaremsuaprópriamente.–Foi fácil teencontrar–dizele.–Comoseestivéssemosdestinadosaestar lá

juntos.–Colin,euseioqueoHenrydissesobreeu teproteger,mas…vocêpodia ter

congeladoatémorrer.Vocêpodiaterseafogado.Eleseinclinaparaafrente,beijandocuidadosamenteseuombronupertodaalça

doseu top.Elepuxaaalçaparao ladoebeijaopontoondeseucoraçãodeveriabater,oqueésentidocomopuraeletricidadebrancadisparandoporseucorpo.Elaquerpassarasmãospelocabelodeleesegurá-loali.–Achoquenão–dizele.Lucyabreabocaparaargumentarcontraoóbvio,mas,

quandonenhumapalavralhevemimediatamente,Colinbalançaacabeça.–Sómeescuta,ok?Ela assente, incapaz de protestar demaneira convincente. Ela não faz ideia de

quantotempolherestacomele.Issoemprestacertaurgênciaacadaminuto.Elaoquerdentrodaágua,natrilha,sobocéuestreladodebaixod’água,comela.–Eseeumergulharnolagodenovoprapassarumahoraouduascomvocêde

vezemquando?Somentenósdois,grudadinhosjuntosnaneve.Lucy,omundoeraumaloucura lá.Eraprateadoecheiode luze, tipo,vivo.–Quandoelepausa,elanão consegue encontrar palavras, e diante de seu silêncio ele prossegue,encorajado.–Euprecisoverissodenovo.OJaypodiavircomagenteemetirarrápido…Elaselembradesentirapele,oslábiosearisadadele.Elaselembradesaborear

seusgemidosedesentircomoeleseramperfeitos.Eleabeijoucomoseestivessedescobrindo uma nova e vibrante cor. E,mesmo se lembrando de outros beijos,lábios entre sorrisos pressionados contra os dela, ela sabe que nunca foi assim.Aindaassim,atentaçãodealgumaformapareceerrada,comoumcubodeaçúcarmergulhadoemvinagre.–Nãoseiseeletopariaisso…–Elatentamudarorumodaconversa,trêmula.–Depoisquevocêsaiu,nocorredor,umagarota,aLiz,apareceu.Eladissequeo

primodelacaiunumlagoemNewfoundland.Eleconseguiusair,masficouquatrohorasinconscientenogelo.Elalevantaumrápidoolharparaele.–Quê?– Quatro horas – confirma ele, sorrindo com a reação dela, como se ela já

tivessetopado.Elaselevanta,indoatéamesadelepararemexerumcopocheiodecanetasàtoa.

Ela o ergue com facilidade, como se nada pesasse. Antes de ter a chance de semaravilharcomsuafaçanha,eleselevantaecaminhaatéela,abotoandoacamisa.–Eu li a reportagem,Lucy.Éverdade.Estava em todos os jornais locais.E já

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aconteceuantes.Aparentemente,todoinvernoacontecepelomenosumcasodesses.Orepórteréumdoscarasqueparticipamdosfórunsonlineagora.Eleétotalmenteobcecado com isso. – Ele deposita umamão quente sobre seu ombro e o apertagentilmente,masdessavezelamalpercebe.Elaquermaisinformação.–Achoque,seagentetomarcuidado,podemosfazerfuncionar.Alémdisso–dizele,baixandootomdevoz–,aquelecaranãotinhaumaGuardiã.–Seueutedeixarfazerisso,nãovoumaisserumaGuardiã–dizela,desviando-

sedoapertodamãodele.–Vouserumacoisamá.–Elatentamanterumtomlevede voz,mas a verdade deixa as palavras duras, sopradas à revelia como um lisotroncodeárvore.–Vocêcomcertezanãoémá–dizele,comotipodeconvicçãoqueelaestácerta

dequenuncavaiter.–Sabecomoseidisso?Ela levanta o olhar e se derrete. No quarto escuro, os olhos dele são de um

profundoâmbar,comseuslongoscíliospiscandolentaepacientemente.–Como?– Por que eu perdi todo mundo que eu amava. – Ele engole a saliva, a voz

tornando-se pesada. –No lugar deles, eu consegui você.O universo pode até terlevadoosoutrosembora,masmandouvocêdevolta.Oamorqueelasentequandoeledizissoéquaseobsessivo.Elaquerdevorá-lo,e

vêomesmocalornosolhosdele.Piscandoosolhos,elapergunta:–MasvocênuncaseperguntouporqueprecisadeumaGuardiã,eporqueeu?–Costumavameperguntar.Elerelanceiapelajanelaeentãoparaosprópriossapatos,chutandoalgumacoisa

nochão.Elaobservaaexpressãonorostodele,estudando-odeperto.Comumarrancode

ansiedadesubindopelocorpo,elapercebequeeleescondeualgumacoisadela.–Oquemudou?Eleergueosolhosmaisumavezesedeparacomosdela.–Acho que estamos conectados porque eu fui omenino que viu seu assassino

levandovocêparaafloresta.EuconteipraDot,eelaligouprapolícia.Lucyficaimóvel,asmãosapertandoacadeiradamesaatrásdela.–Porquevocênãomecontouisso?Colinfalaporcimadela,desculpando-seimediatamente:– Eu fiquei commedo de que se você pudesse pôr um fim nessa história, se

soubessedetodososdetalhes,vocêiriaembora.Eleseaproxima,tocandoobraçodelaparaconvencerasimesmoqueeladefato

aindaestáaqui.–Entãopegaramessecaraporcausadevocê?Eledádeombros.–Achoquesim.Éissoqueamatériafala,pelomenos.

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Ela sente o próprio sorriso formar-se no rosto e se espalhar pelo peito, quenuncapareceocoquandoelaestácomele.–Podeserqueeutenhasóumpunhadinhodememóriassobrealgumacoisaútil,

masdeumacoisaeusei.–Oquê?–VocêfoimeuGuardiãoprimeiro,então.Osorrisodelevaideencontroaodela,masvemacompanhadoporumavisível

curvadevaidade.–Meagradapensarquesim.

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CAPÍTULO24Ele

ColinsabequeLucyconcordoucomaideiaderetornaraolago.Osolhosdelaestãocomessaincrívelcorlaranja,comosetodoocérebrodelaestivessepegandofogofrenteàpossibilidade,ealuzpassapelasírisdosolhoscomoumtelégrafoatéele:Façaisso.Faça.–Issosópodeterminarmal.Masavozdelavacilaumpouco,eeleseperguntaseelatambémtinhapensado

nissoantesdehoje.

Osdias transformam-seemsemanas,eanevecontinuacaindo,cobrindocomoumcobertortudoquenãosemove.Colinnãofazpressão,nãoconversamaiscomLucysobreaideiadeentrarnolago.Emvezdisso,asconversasvãosetornandocadavezmaispesadascomtudoquefoideixadonãodito.Certa manhã, ela pergunta o que ele está pensando, e a resposta duramente

sincera,“Nasensaçãodetetocarnatrilha”,afazvirareseafastar,comosbraçoscruzadossobreopeitocomosequisesseconterasimesma.Mas ela o encontra mais tarde, depois da aula, com um pequeno pedido de

desculpasnosolhosenosorriso.Elepedeassuasprópriasdesculpasemvozalta:–Desculpa.Euseiquevocênãogostadaideia.–Eleseguraorostodelaentreas

palmasdamão,repetindoopedidocontraosseuslábios.

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Elescaminhamjuntos,mãosenlaçadas,devoltaparaodormitóriodele.Elalênacamadele,enquantoelefazatarefa,deitadadebruços,aspernasdobradas,ospéslentamentechutandoparatráseparafrente.Colindesistedefingirestarlendoparaolhardiretamenteparaela,lembrando-sedatrilha,dosbeijosfamintosedasolidezdela. Não havia nada de imaterial ou insatisfatório naqueles beijos. Ele a sentiurindo.–Lucy.Elahesitaantesdelevantaroolhar,comosesentindoalgoparticularemseutom

devoz.–Mmm?Ele observa os dedos dela cutucando o colarinho da camisa enquanto ela olha

paraasmãosdele.Osolhosdelabrilhamporuminstante,quentesenumprofundoâmbar,quandoelapercebeeleobservandoseupescoço,nopontoondeelesaboreoucomos lábios suapelepelaprimeiravez.Eradoce eumpouquinho salgada.Elatinhagostodegarotaechuvaealívio.Elenãodizmaisnada,apenasolhaparaela,pensando:Porfavor.Porfavor.–Nãoposso–dizela.–Vocênãopode.–Porquê?–Eunãoconseguiriaviverempazseagentefizesseisso.Elenãoconsegueevitar.Elesorriaoouvi-la,eabocadelasecontrainoscantos.–Colin,euestoufalandosério.Maselenãoconseguesuportaraideiadequeissonãovaiacontecerdenovo.Sua

curiosidadepareceumacoceiraemcadacentímetrodesuapele.–Euprecisosaberseoqueeuvierareal.Osolhosdeladerretem-secomomelquenteantesdeelavoltarparaolivro,os

dedosformandoumpunhoapertadoemvoltadoedredom.–Nãoexistenomundonadatãobomquantooqueaconteceunatrilha–dizele.Quandoelalevantaoolhar,parecetãotriste.–Eusei.–Masagentenãotemissoaqui–sussurraele.–Nãoéamesmacoisa.Elaseremexenacama,puxandooscabelosporcimadoombroeconcentrando-

se nas palavras da página à sua frente. Ele ignora a distração fingida dela,rastejando-se até ela de uma forma que o faz se sentir como um gato predadorcaçandosuapresa.–Lucy.Osolhosdelacontinuamfixosnapágina.–Quê?–Deixe-metentar.–Tentaroquê?Ele chega perto dela, gentilmente induzindo-a a virar-se e deitar de costas,

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fazendo-arepousarsobreotravesseiro.Nãodá trabalhoalgumdespi-la.Odeslizardeumbotão,opuxãodeumzíper.

Tecidomacio sendo puxado para cima da cabeça. Ele aperta um simples fecho eexpõeummundodepelesuaveenua.–Tenhoumaideia–eleassegura,asmãosfazendoacalcinhadescerpelaspernas

dela.–Sóconfieemmim,ok?–Ok–elaassente,observando-ocomolhosquegiramnumprofundomarrom

café.–Andeipensandoumpouconisso.Elari,roucoebaixo.–Apostoquesim.Ele sente o gosto da pele do tornozelo, do joelho dela. Da coxa. Ele passa

soprandoondepernasencontramavirilha.–Estábomassim?Elaassente,osolhostãoabertoscomoelejamaisosviu,eelesimplesmentesolta

oarnopontoondeaspernasdelaseabrem.Elenemprecisafingirestarofegante.Estápraticamenteenlouquecidodedesejo

poressagarota,observando-asecontorcerdebaixodele.Osdedosdelaencontramseuscabelosepuxam.Ascostasdelasecurvam,ecomumaúltimaexaladadearcontraapeledela,eleescutaumsomquenuncaantesescutouumagarotaproduzir,algoentreumsoluçoeumpedido.Aindaassim,elesesentaeabeijadepois,esedesculpa.Abraçando-o,elatambémsedesculpa.–Euquerotocarvocêdeverdadenapróximavez–dizele,sentindoadoçurado

pescoçodelanoslábios.Elapressionao rosto contraosombrosdele, seu segundopedidodedesculpas

saindoapenascomoar.

Elefazoqueelapedeemantémdistânciado lagoedas trilhasenevoadasedogelo. A neve parece engoli-lo também. Um volume pesado instala-se sobre seusossos,comoblocosdecimentoancorandoseuspésnochão.Mas,dentrodele,háuma violenta agitação. Colin e Lucy vão para a escola, ele trabalha quando éescalado, e eles passam longas noites no casulo de suas cobertas, agarrados tãojuntosqueelenãosabedizerondeele terminaeelacomeça.Masnãoéamesmacoisa.Elelhedizqueelaémaisdoqueelejamaisesperou.Elelhedizqueestáapaixonado.

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Eleimploraparaqueelanuncasevá.Maselavai.

Quandoeleabreosolhosparaaluzazul-cinzentadaaurora,oarnãosemove.Nãohánenhumzumbidosuaveaoladodele,nenhumpesofantasmasobreseupeito.Elesesentalentamente,passandoamãopelocabelo,eselevanta,vestindo-secomasprimeirasroupaslimpasqueencontra.Elenãovoltaoolharparatrás,nadireçãodacamavazia.Oitohorasdeescolaseestendemàsuafrente,eeleseperguntasevaisobreviver

a elas, carregando consigo por aí a incessante necessidade de procurar Lucy,envolto no entendimento de que isso é inútil. Ele não consegue nem pensar emquantotempoelapodeficardesaparecidadessavez.Dias?Semanas?Maisqueisso?Pensarnelaécomoapertarumaferida:fascínio,prazerdoentioedorprolongada.No caminho para o trabalho, ele se recorda do que disse antes de dormirem.

Fique. Ele pensa ter sentidoLucy deslizando pelos seus dedos naquelemomento,sentindo-a ficarmais leveemseusbraçosenquantoarqueavaascostascontra seucorpocomoumaplumasopradaporumabrisa.Elefeztudoqueelapediu,masnãofoiosuficiente.Colin conversa com Jay sobre faltar à escola no dia seguinte. Eles jogam as

bicicletas na boleia do caminhão, percorrendo toda a subida até onde poucosesquiadoresaudaciososdeixarammarcasnaneve.Durantealgumashoras,elequaseconsegueesquecer.Elespedalamnofrioatéele

estarsuandosobcamadasderoupa,esgotando-secomohámuitotemponãofazia.Eles correm pelas trilhas, saltam de rampas, e cada um desliza pelomenos umadúziadevezesporrampasimprovisadasqueelesmesmostalharamnaneve.Colin está balançando-se na parte de trás do banco perto do lago, quando Jay

finalmentefazaperguntaqueoestáperturbando.–Eladesapareceudenovo,né?OspneusdeColinaterrissamcomumsuaveesmigalhardeneve,eeleergueo

olharparaJay,semicerrandoosolhoscontraaclaridadedocéu.–É.–Quemerda.Vocêachaqueelaestásedrogandoemalgumlugar?–Elanãoestáusandodrogas.–ColinfitaJaypenetrantementeantesdebaixaros

olhos e dar umpeteleconuma folha em seuguidão.As colinas estão silenciosas,mas o vento uiva à volta deles, arrastando os flocos de novo e fazendo-os girarpeloarantesdedeixá-loscairnochão.–Achoqueprecisotecontarumacoisa.Jaybateanevedasbotaseespera.

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–Então,aLucy…Cara,eunemseicomodizerisso.Colin ri ante o absurdo disso e sente uma onda de simpatia por Lucy em

retrospecto,porsuareaçãonanoiteemqueelalhecontouaverdade.Mas,céus,eleprecisa contar a alguém. Não sabe se vai conseguir sobreviver a outro diacarregandosozinhonosombrosopesodaausênciadela.–Elaestámorta–dizelesimplesmente,afinal.As pernas de Jay se paralisam, e ele bate na parte de trás do banco antes de

deslizarparaochão.–Quediabos?Vocêestámedizendoque…–Não!Nãodesse jeito.Euquerodizerque ela sempre estevemorta, Jay.Bem,

nãosempre.Maspelomenosdesdequeeuaconheço.Comosolhosestreitos,aexpressãonorostodeJaysecontorceemirritação.–Nãotemgraça.Colinnãoresponde;apenasobservaanevederretidainfiltrando-senaslateraisde

seustênis.–Vocêsabequeelaédiferente.–Claro,diferente.Tipo,comaquelasbotasdapesadavestindoaqueleuniforme

cafona,ecomoelapareceolharsópravocêemaisninguém.Nãomorta.–Euseiquepareceloucura…– Parece? – Longos momentos de silêncio se esticam entre eles antes de Jay

acrescentar:–Vocêestáfalandosério.Colinencontraseusolhos,oolharfirme,eassente.–Entãoelaéoquê?Tipo…umamorta-viva?–Sim,basicamente.–Mas eu a ajudei com o casaco dela. Eu… – A voz de Jay morre, os olhos

piscandoconfusos.–Agentenãoentendetudo.Elaencontrououtrofantasmaaquinaescola,eestá

convencidadequeelessão,tipo,espíritosguardiõesoualgoassim.Entende?–Seentendo?–Jaycoçaopescoço,parecendocompletamenteconfuso.–Certo,ésómeacompanhar,ok?Jay assente, eColinpuxaumgalhodeumaárvore ao lado, cutucandoburacos

profundosnanevepertodopneutraseirodasuabicicleta.– Quando eu caí dentro do lago naquele dia, eu acho que tive algum tipo de

experiênciaforadocorpo.Euestavadepédoseulado,vendovocêsurtando.Então,nãoseinemporque,maseumeafastei,descendopela trilha.Tipo,eunãoestavanem preocupado ou assustado. Lucy estava descendo, correndo pela trilha, e eugriteiparaelaparar.Elapensouqueeudealgumaformatinhaconseguidosairdolago.Porqueelapodiamever, apesardomeucorpoestar comvocê,nogelo.E,Jay,eupodiasenti-la.–ColinnãosabedizerseJayacreditaemalgumacoisadessahistória,poisseurostonãoexpressanenhumareação.Mascontinua:–Antesdeeu

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cair,eagora…Eunãoconsigotocá-ladeverdade.Euconsigo,maselanãoaguenta.E,quandoelametoca,nuncaéosuficiente.–Colinconseguesentirocalorsubindoàs suas bochechas; ele e Jay não entram em detalhes. – Desculpa, eu sei que éinformaçãodemais,maseuprecisosoltarisso.–Tudobem.Digo,eumeioquetedevouma.Eutenhocertezadequevocêestava

acordadonaquelavezqueaKelseydormiucomigoe…–Euestava–dizColin,balançandoacabeçaparaafastaralembrança.–Otoque

de Lucyme deixa louco porque é quase o suficiente para ser bom,mas para nomeio do caminho – ele diz, agarrando o pescoço por trás, constrangido. –Querdizer,agentenãoconsegue…tipo,agentenãoconsegueficarjuntosassimdejeitonenhum.Enãoénemisso.Éelaeomodocomotudopareciadepoisqueeucaí…Sério,Jay,éacoisamaisincrívelqueeujávi.Jaypisca,desviandoosolhosparaaextensãodeárvoresqueocultamolagoda

visãodeles.–Pareceloucura.–Eusei.– Não, digo, eu estou preocupado de verdade que você esteja com danos

cerebrais.–Eunãoestou.Eunãoestoulouco,Jay.Jayentãovoltaoolharparaele.Colin sabequandoseumelhoramigoacredita

neleporqueorostodelemurcha,eeleparecederrotado,comoseloucuraoudanocerebral fosse uma soluçãomuitomais fácil. Colin ri, porque ele teve amesmareação.–Issoéengraçado,poracaso?–perguntaJay,aconfusãotransformando-seem

defensiva.–Não, nemumpouco.É só que eu sei exatamente noquevocê está pensando.

Quemmederaeuestivesselouco.–Nãotenhomuitaexperiênciacompessoasloucas.Aindanãodomineiisso.–Bem,entãomedeixedizertudo.–Elepara,erguendoosolhosparaJayantesde

deixá-lo cair sobre o graveto que ele enfiou fundo na neve. –Acho que a gentepodiafazerissodenovo.–Fazeroquedenovo?–Entrar no lago. –Antes que Jay possa elaborar uma palavra para responder,

Colin o atropela: – Eu comecei a pesquisar sobre hipotermia, e demora muitotempoatéocérebrosedesligarcompletamente.Digo,háumgrandeespaçoentreestarvivoeestarmorto.–Vocêestámesmolouco.– Não, Jay, escuta. Eu sei. Ometabolismo desacelera. O corpo se desliga pra

preservarenergia.Masamenteaindaestáfuncionando,enesse tempo,dealgumaforma,euconsigosercomoela.AntesdeLucydesaparecer,euprometiquenãoiria

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maisfalarsobreisso,masficarlongedolagonãoafezficar.Jaysoltaumgemidoeesfregaorostocomasmãos,eesseéomomentoemque

Colinsabequeseumelhoramigovaiajudá-lo.–Entãoagentefazissoagora,ouquandoelavoltar?–Quandoelavoltar.Nãoseiseconsigoencontrá-laagora.Eunãoseiondeela

está.–Vocêtemcerteza?Digo,issonãoétipopedalarcomcorrentesoudeslizarem

pranchaspelopátio,Colin.Odiaemquevocêcaiunolagofoiassustador.Penseiquevocêtinhamorrido.–Euestouaquieestoubem.–ColincontaaelesobreoprimodeLiz,comoele

caiunogeloeficouinconscienteporquatrohoras,ecomoeleestávivoeandandoporaí.ElecontaaJaysobreosfórunsonline,comoaspessoasveemahipotermiacomoomaisradicaldosesportes.–Vocêéoúnicoemquemconfio.– Então como vamos fazer? Vamos, tipo, planejar? Levar suprimentos? Um

tempo-limite?– Exatamente. – O coração de Colin começa a bater no peito, suas veias são

infundidascomumasensaçãomelhorquequalquersurtodeadrenalina.Eleexpõeseuplano:elevaisedespir,submergirapenasosuficienteparaquesua

pulsaçãodiminuaesuatemperaturacaia,eentãoJayvaipuxá-loparafora.– Nós vamos contar o tempo até o segundo-limite, e então você vai me

ressuscitar.Agentepodepegarunsequipamentosdaenfermariadocampus.Depoisdo que aconteceu no lago, sem chances de alguém estar precisando do kit deemergência de inverno, ninguém vai arriscar. Lucy vai ficar na trilha onde elaestavaantes,evamosversefunciona.Quandoterminadefalar,ColinestáchocadoemverqueJaynãoparecedemodo

algumhorrorizado,atémesmoquandodiz:–Vamosversefunciona,tipo,vamosversevocênãomorre?Colinsorri.–Jay,eunãovoumorrer.Jay o observa, eColin pode sentir o peso de cada segundo que passa.Ele não

querforçarJayanada,mastambémnãopodementirparaele.–Vocênãoprecisa fazer isso–dizele,esperandoqueJayentendaopedidode

desculpasemcadaumadesuaspalavras.–Maseuvoufazersemvocê.Eupreciso.Jaynãoreage,apenasassente,comoseestivesseouvindoalgoquejásabia.–Vocêsabequeessavaiseracoisamaisloucaquejáfizemos.–É.Jaysuspiraprofundamente.–Ok,seuimbecilmaluco.Estoudentro.

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CAPÍTULO25Ela

A volta é tão sutil quanto a ida. Um piscar de olhos. Um leve impulso nosmembros. A escuridão se torna luz. Mas, se antes se sentia aquecida e feliz,esperandopelorapaznatrilha,agoraLucysenteumcalorabrasador.AscostasdeColinestãoencostadasàsuafrentemaisumavez.Edessavezelasabequedesapareceuporquesentecomosetivessesidoacordada

–eelanãodorme.Eladesaparece.–Oi–sussurraelaàscostasdele.Eleendurece.–Lucy?–suavozsaiempapadadesono.–Porquantotempo?Ascostasdelerelaxam,quandoencostanela.–Sódoisdias.–Vocêestábem?–Não.Odespertador dele toca e ele golpeia o botão da soneca com a palma damão

antesdesevirarparaencará-la.–Sintomuito.–Nãoprecisa.Eletransmutadeansiosoparadocetãonaturalmente,suaalmaferidaenvolvendo

adelacomoqueporinstinto.Elaafastaoscabelosdele.–Eusinto,mesmoassim.Eutenteinãorelaxarassimdenovo.Ele a beija com tanto cuidado, como se contato demais fosse fazê-la evaporar.

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Sualínguaroçaolábio,alíngua,apelenopescoçodela.Seupiercingestágelado;suapele,quente.Suasmãosapuxamparamaisperto,deslizandopelosladosdoseucorpo,sobresuascurvas.–Eusentisuafalta–sussurraele.Daúltimavez,quandoelavoltoudodesaparecimento,elepareciafurioso.Dessa

vez,elepareciaresignado,simplesmentealiviadoemtê-ladevolta,mesmoporumsegundo. Ela recua para poder ver seu rosto com mais clareza; as marcasdesapareceram nesse último mês, e só agora, depois de dois dias fora, que elapercebe.Seusolhosestãoopacosnoquartoescuro,masalgumacoisaintensapulsaportrásdeles,harmonizandocomoritmodapulsaçãonagargantadele.SeupomodeAdãosobeedescerápidoquandoeleengolesaliva.–EuconteiproJay.–Contouoquê?–Quevocêéumamorta-viva.Elacaiemsilênciodiantedeumaconfissãotãobrusca.–Euestavasurtandoefiqueipreocupadodeterimaginadotudo.Euprecisavade

alguémpraescutareacreditar.–Elerisecamente.Elaassente,supondonãopoderficarmaischateadacomeledoqueelepodeficar

comelaporterdesaparecido.–Certo–elapronunciaapalavracuidadosamente.–Ecomoelereagiu?Elesedeitadecostas,encarandoo teto.Eleestásemcamisa.OsolhosdeLucy

movem-seinstintivamenteparasuapelenua,paraaslinhassuavesdoseupeito,paraadefiniçãoemseuabdômen…eabaixo.–Elenãoacreditouemmimnocomeço.Masnãofalamossobreissopormuito

tempo.Falamossobreeuentrarnolagodenovo.OcorpodeLucyseeriça,cadaelementolevadoàsuperfície,fazendo-asesentir

comoumaconchafrágilepontiaguda.–Colin.–Elejáestádentro,Lucy.Eledissequevaifazerissopormim.–Evocêestáfazendoissopormim?–perguntaela,ouvindootomcortanteem

suas palavras e sentindo-se orgulhosa por elas terem saído exatamente comointencionou.–Porqueseestiver…não,obrigada.–Estoufazendoissopornósdois.Euseiquevaifuncionar.Ele dá a longa piscada de olho que é sua marca registrada, cheio de uma

arrogante confiança,masogesto está incorreto.Ele está fazendo issoporque elanunca lhe pediria, embora ele provavelmente consiga enxergar através dela,diretamenteparaoregozijoqueatrai.–Essanãoéumaboahoraprafalarsobreisso–dizela,suavemente.–Euacabei

devoltar,eeuseiquevocêestavaassustadoporeuterdesaparecidodenovo.Sintocomosenãoconseguissedizernãoparaisso,maseuquerodizer.

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Amentiraparecearderemsuagarganta.Elesesenta,virandoorostoecurvando-separaseguraracabeçaentreasmãos.–Maistardefalamossobreisso,então.

Maistardeacabasendoemumrefeitóriolotado,cercadosporcentenasdeoutrosestudantes.MaistardeacabasendocomJay.–JáconteipraLucyquevocêsabe–dizColin,antesdedarumagrandemordida

emumpedaçodepizza.Derepente,ofalatórioconstantedecentenasdeestudantessilenciacompletamente.JayeLucyoencaramporuminstanteantesdetrocaremolhares.–É–dizJay.–Elemecontou.Eusintomuitopor…vocêestarmorta.Lucysorridebilmente,levantaasmãoseasbalançanoar.–Buu…Comaverdade libertaentreos três,Jaysepõeaolhar.Realmenteolhar.Nãoé

queLucynuncafoiobservada;Colinaobservaotempotodo,analisandocomoelaé perfeita e talvez tentando fazer suamente acreditar no que seus próprios olhosveemeseucoraçãosente.Mas,alémdeColin,ninguémnuncaolhaparaela.Nãoassim.AatençãodeJayéenervanteeinsaciável.–Cara,elanãoéfeitadecera.Vocêestádeixandoeladesconfortável.Jayserecostanacadeira,inclinando-asobreduaspernas.–Nãodápradizer.Colinseinclinaparafrente.–Quê?–Querodizer,anãoserquevocêolhedeperto,elapareceapenasumagarota.– Ela é uma garota – diz Lucy, irritada pela conversa que parece estar

acontecendocomoseelanãoestivesselá.–Querodizer,sim,suapeleésupermacia,evocêmeioqueparece…–Elefaz

umgestovagocomasmãos.–Devidro.Masvocêpareceumagarota.Elafazumacarranca.– Talvez devêssemos falar sobre isso em outro lugar que não no meio do

refeitóriobemnahoradoalmoço.–Caso você não tenha percebido, ninguémolha pra você – diz Jay, fazendo a

cadeiracairparaafrente,sobreasquatropernascomumasonorabatidaepegandoumamaçã.–Ninguémestáolhandopragente,também.Elasuspiraedesviaoolharnadireçãodajanela,paraondeanevemaciacaiaos

punhadosdocéuazul-prateado.Elaescutaosomdosestudantesremexendoemsuasrefeiçõesduranteváriosminutos,quandoJayfala:–Colindizquevocênãoestáafimdeiratéolagodenovo.

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SuacabeçadisparanadireçãodeColin,eelaestreitaosolhos.–Achoqueeleestácerto–Jaycontinua,inclinando-separaafrenteparaolhá-la

nosolhos.–Achoqueécomoumesporteradical.Eleéjovemesaudável;meupaié caçador e me ensinou a fazer primeiros socorros. A enfermaria está cheia desuprimentos.E,naúltimavez,euconseguiajudaroColinsemnadadisso.–Oque foiumasortepra todosnós– respondeela.–Você ficou tãoanimado

assimquandoeletecontouaideiaontem?– Que nada – diz Jay, sorrindo. – Achei que todas aquelas batidas na cabeça

tinhamfinalmentetranstornadooColin.Masmudeideideia.Lucybalançaacabeçacomessaestranhademonstraçãodeconfiançaelealdade.–Porquevocêaceitoufazerpartedisso?Jaydáumamordidanamaçãeencolheosombros.–OColinperdeumuitas pessoas.Eugostoda ideia deque ele vai te pegar de

jeitoeteimpedirdeescapar.LucyolhaparaColin,queaestáobservandocomumaexpressãodolorosamente

vulnerávelecheiadeesperança.Eleseremexenacadeira,analisandoosolhosdela,e então sorri.Ela não sabe de que cor eles estão ouo que ele viu neles,mas, dealgumamaneira,elajásabequevaidizersim.

Elaesperaque façaumdiamaisquente,mas janeironoCondadodeBoundarytempoucosdessesparaoferecer.Comcobertores,desfibriladoresportáteiseumabolsadeequipamentosfurtadosdentrodamochiladeJay,ostrêssedirigemparaolago.Jayfalasempararduranteocaminho.Lucynãosabedizerseénervosismoouse

é como ele fica quando está prestes a realizar alguma atividade motivada porcompletaloucura.ElaeColinmurmuram,concordandooudiscordandosemprequeháumadeixa,mas ela percebequeColin não está prestando atenção também.Osdedosdele estãoenroscadosaos seus, e elaos aperta com tanta firmezaquantoécapaz.Elaconseguesentirapeledeleespremidaentreseusdedosesedeparacomosolhossurpresosdele.Elespisoteiampelaneveatéoenormecorteabertonogeloedescarregamoque

trouxeram.Oar zumbecomo silêncio estranhamente altoque se escutanaquelesmomentossituadosnolimitedeondeaaventuraestáprestesacomeçar.Enquantoespera,elaparaunsinstantesparaolharaoseuredor.Éfácilperceber

por que o lago ganhou uma reputação tão sobrenatural. Na luz azul-cinzenta datardedeinverno,eleécompletamentesinistro,efitasdenévoaparecemseprenderà sua superfície. Não é difícil imaginar fantasmas caminhando sem rumo pela

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margem,oumesmoumhomem loucoarrastandouma jovempara amorte.Lucyobserva os pingentes de gelo pendurados nas bordas, pesados e cintilantes pelosraios do sol angulosos. Ela olha para a sua árvore assomando acima dos doisbancosàmargemdolago.Percebenuncaterdedicadoumtempoparaobservá-la,mas,agoraqueelaofaz,umarrepioapercorre–umarrepioquenadatemavercomoventodejaneiroempurrandoaspontascongeladasdeseucabelo.Osgalhosestãocurvadosparaoalto,cadaramoesticado,comodedosesperandocolherumfantasmadocéu.Jaysoprasonoramenteoarentreasmãoseelaseviraparaele,gratapeladistração.Lucynão sabeaocertooqueesperava– talvezColincaminhandoemvoltada

áreacomogelorachado,examinando,ousepreparandopsicologicamenteparaoato–,mas,oquequerquefosse,elacertamentenãoesperavaqueelesedespisseatéficarsódecueca.Apenasalgunsminutosdepois,enquantoosequipamentoseramcolocadosapostos,Colinjátinhamergulhadoospéspelarachaduranogelodentrodaáguacongelante.Ela mal tem tempo de ser tomada pelo pânico, de sentir cada parte sua se

concentrarnomeiodoseucorpoeoapertoondeseucoraçãocostumavabater.Acabeçadelemergulhadebaixod’água e ele emerge, engasgando e amaldiçoando,seusbraçosagarrando-sedesesperadosnacordaqueelesamarraramemseupulso.–Gelada!MeuDeus,estágelada!Jayavançaatéabeiradadarachadura,tensoeinseguro.–Desistiu?Querqueeutetire?–Não,não,não,não!–berraColin.–Éque…caralho,muitogelada.Eletremeviolentamente.–Colin! – gritaLucy.Seupeito estufa coma sensação de calor, água corrente

inundando seu coração vazio. A sensação inebriante é desorientadora,completamenteemdesacordocomopânicoqueseucérebroestálhedizendoparasentir.–Saidaí!Jáchega.Issoéloucura.Nãoqueromaisisso.Elaestendeobraçoparaele,masJaybateemsuasmãos,afastando-as.–Deixacomigo.Lucy,éissoqueelequerfazer.Batendo os dentes, Colin assente e então afundamais uma vez dentro da água

congelante,comaintençãodeensoparocabelo.–Issonãoestácerto–sussurraLucy.–Jay,issovaimatá-lo.–Nãovai – diz ele, a voz firme.Como ele pode ter tanta certeza quando tudo

dentrodeLucypareceestaremconflito?–Tudobem.Tudobem.Tudobem–sussurraColinrepetidamente.–Estoubem.Depoisdoquepareceserumaeternidadepreenchidapelosomdaáguabatendo

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contra o gelo, da respiração bufada de Colin, de Jay murmurando palavras demotivaçãootempotodo“vocêconsegue,vocêconsegue,vocêaguenta,cara,vamoslá, mais uns minutos e você vai poder tocar sua mina, você consegue”, Colinencolhe os ombros de umavez, e então os olhos dele se revirame seu corpo sesolta,boiandopelasuperfície.Entrando em ação, Jay segura o braço de Colin e o puxa para fora da água,

arrastando-oatéumcobertortérmicodealumínioestendidosobreogelo.Eleolhaashoraseentãooobservaaliparado,imóvel.–Ressuscite-o!–gritaela,batendocomforçanosombrosdeJay.–Porquevocê

não está ressuscitando-o? – Ela olha para as próprias mãos, para um fluxo desangue que ela quase consegue ver pulsando sob sua pele. Alguma coisa parecemurmuraremseusouvidos:abatidadeumcoração.–Vamosdarsóumminuto–dizJay,numníveldecalmaqueelanãoconsegue

compreender. –A gente viu tudo que tem que ser feito. Ficará tudo bem por umtempo.Ocorpoquase semvidadeColinestáazul epraticamentenu, estirado sobreo

cobertordealumínio.Eleparecemaisvelhodoqueelaserecorda;seusmúsculosentramemviolentosespasmos.AssimqueColintossetodaaáguaqueengoliu,Jaysesentaeficaapenasaobservá-lotremendo.Jay parece calmo. Ele está totalmente à vontade com essa insanidade. Não há

nervosismonemhesitação.Exatamentequandoestáprestesaexplodirempânicosobopálidocéucinzento,

elaescuta:–Lucy.Aquiatrás.ElagiraocorponadireçãodavozdeColineseucoraçãoderrete.

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CAPÍTULO26Ele

Lucyselançaaoencontrodele,pesadaequenteecheia;oslábiosdelaencontramseu pescoço, sua bochecha, sua boca. Ele poderia consumir essa garota, pensa.Poderiaseenterrarnelaenuncamaisemergirparatomarar.Vendoopescoçodelaexpostodiantedesieessesorrisotãograndequerefleteo

céuacimadeles,Colinpercebequeesperavaqueosdoisfossemsaircorrendoparacair sobreanevemaciaearrancara roupae irdiretoaoponto.Mas,quandoelaergue a cabeça eolhapara ele, comolhos cheiosde alívio e excitação emedoedesejo,aúnicacoisaqueelequeréestarali,dessejeito.Omundoàsuavoltaétãobrilhante e rico em detalhes que ele acha difícil atémesmo piscar. É exatamentecomoelelembra.Eladeixaqueeleassumaaliderança,comosdedosemtornodosbraçosdele,à

esperaqueeledecidaaondequerir.TudoqueelesabeéquenãoquerassistiraJayressuscitá-lo quando chegar a hora. Colin a puxa pelos braços e a leva até umbanco,aalgunsquilômetrosdedistânciadescendopelatrilha.Colinselembradasaulasdefotografiadononoanoedecomoaexposiçãoao

flashémedidaemquantidadedesegundoslux–aclaridadeduranteumdadotempo.Oponto idealera sempreaqueleonde tudoeravisível,masa luzaindanão tinhainvadidoapagandoosdetalhes.Aqui,nestemundo,parecequeaquantidadedeluzquepodeexistiré ilimitada,e tudooqueela fazé lhemostrarmaisemais.Maiscores, mais detalhes. Cada folha rara tem seu pequenino esqueleto, visível atémesmoatrintametrosdedistância.Asnuvensdesapareceram.Océuestáazul,sim,mastambémverdeeamareloeatémesmovermelho.Quandoinspira,elepensaqueconseguesentircadamoléculacolidindodentrodeseuspulmões.

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Eles se sentam.Eles sorriem.Essa é a coisamais estranhaque já aconteceunouniverso;eleestácertodisso.Seucorpopodeestarmorrendonolagoeoquequerque o mantenha vivo – seu espírito ou alma – está mais que exultante emsimplesmenteestaraqui.Lucy envolve os ombros dele com um cobertor. Ela senta sobre seu colo,

encarando-o, cobrindo-os demodo que somente suas cabeças ficam espiando doladodefora.–Eunãoestoucomfrio.–Eusei.Maséestranhovervocêassim,semumcobertor.Elasorri,curvando-separabeijarabochechadele.Eledeixaacabeçacairpara

trás,sentindoasensação.Asmãosdeladeslizampeloseupeito.SólidosSólidosSólidostoques.Apeledeleselevantaparaencontrarcomapontadosdedosdela.Elafalasuavementeenquantobeijaseupescoço,seurosto,seusouvidos.–Vocêestábem?Ele assente. Esse lugar é a coisamais intensa que ele já viu, e ele sente Lucy

melhordoquequalquercoisaquejásentiu,quetudo,melhoratémesmoqueáguaquentecorrendopelapelefriaouoprimeirogostodoaçúcarnalíngua.Melhorquesexorápidooucorridaladeiraabaixo.–Vocêestásoltandounsgemidinhos.–Elari.–Euestounoparaíso.Elapara,dedosimóveis,esticadossobresuascostas.–Não,nãoestá.–Nãofoiissooqueeuquisdizer.Relaxa,tigresa.Quisdizermetaforicamente.Elarecuaeoobserva.–Vocêachaqueeusoulouco,né?Vocêachaissoumaloucura–dizele,sentindo

uma súbita inquietação com a intensidade dos olhos verde-cinzentosredemoinhandoàsuafrente.– Sim – diz ela, encostando o corpo ao dele. Ela chupa sua orelha. Puxa seu

cabelo. – Não. – Ela chega mais perto ainda, remexendo-se em cima dele. – Hápoucascoisassobrenósquenãosãoabsurdas.–Amaiorpartedelasnãoéabsurda–dizele,poralgummotivoincomodando-se

comisso.–Nãosomosabsurdos.Ésóque…–Eleprocuraadefiniçãocorretaedesiste,rindo.–Vocêestámortaeeumeioqueestouentreavidaeamorteagora.– Ah, claro – diz ela, soprando as palavras no pescoço dele. – E isso não é

nenhumabsurdo.Asmãosdelepassampelacintura,pelascostas,pelosseiosdela.Elassetornam

desesperadaseimpacientes,tomadaspelodesejodesentircadacentímetro.

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ApesardepartedelesaberqueLucysimplesmentesesentecomoumagarota–curvassuavesepelequereageaosdedosdeleepalavrascortadasporsuspiros–,amaiorpartedele senteLucycomonuncasentiunenhumaoutragarota.Elaémaismacia, ela emite os melhores sons. Ele agarra a cintura dela, apertando-a. Umgemidoembaraçosoescapadeseuslábiosaosentiraformadela.Masissoafazsorrir.–Vocêgostadeapertar.–Oquê?–Eleergueacabeça,tentandoentenderoqueeladissepelosolhosdela.

Elesestãocordemel,famintos.–Nafoto,comsuaex.–AfotocomaTrinity,daúltimaFestadeInverno?Elaassente.– Você está segurando os quadris dela. Você está apertando-os como se os

conhecesse.Elesorriparaela.– Issoéalgoquesómulherespercebem.“Comoseeuosconhecesse”.Nãosei

nemoqueissoquerdizer.–Comosevocêostivesseapertadomuito.–Nãovamosfalarsobreminhaex-namoradaagora,porfavor.–Ésério.Vocêsentefaltadeficarcomumagarotaquevocêpodeapertar?–Não.Elanãoacredita.–Euqueroissocomvocê,éverdade.Maseunãoquerotantofazersexoassim,a

pontodeacharquevaleapenaconseguiremoutrolugar.Elaseguraumsorriso,semqueColinsaibaporquê.–Solta esse sorriso–diz ele.–Eu soucompletamente loucoporvocêepelos

seusquadrisquenãoconsigonemagarrar.Lucylhedáumsorrisoquepoderiapulverizarumacidadepequena.–Vocêétãogostosa–sussurraele.Paraprovarqueeleestáerrado,elapegaumpunhadodeneveaoladonobancoe

aperta contra o peito. A neve fica lá, cristalina e cintilante na luz azuladasobrenatural.Lentamente,apeledelaaabsorve.Elesupõequeseuscorposdevemabsorver de tudo, precisando roubar qualquer coisa sólida para tomarem forma.Nessemomento,essagarotaéfeitadeneveebeleza.–Mecontaumahistória–dizela.Ele encara o imenso céu por um instante antes que uma imagem surja em sua

mente.–Meuspaistinhamumadessascamasenormesking-size.Aopédela,ficavaum

baúdemadeiraqueminhaavó tinhamandadodoTibeteoudaTailândia,nãomelembro. Eu estava pulando na cama e então escorreguei e quebrei a clavícula na

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beiradadobaú.Lucysecontraicomumacaretaaoimaginarador.Maselacontraiocorpotodo,

eissoofazrir,poisoquenelapoderiaquebrar?–Entãominhamãemelevoucorrendoprohospital,eeufuicolocadonogesso

maisbizarrodomundo.EutinhaquaseseisanosenósoapelidamosdeEngradado.Issofoilogoantesdeelesmorrerem.Elenão sabemaisoquedizer.Nãoéumahistóriamuitoboa,nemmesmo tão

comprida. Foi apenas a primeira das muitas vezes em que ele quebrou umaclavícula. Ele brinca com as pontas do cabelo dela, amarrando-as em nós eobservando-asdesenrolaremsozinhas.–Vocêsentesaudadedosseuspais?–Sim.Tododia.Masnãomelembrotãobemdeles.Àsvezes,gostariadetê-los

conhecido o suficiente para que a saudade faça sentido. – Parece apropriado, dealgummodo,eles teremasconversasmaisdifíceisaqui,quandopodemconfortarumaooutrocomcontatodeverdade.–Amaiorpartedaminhavidatemsidosemeles,maspramimnãoparece.–Doquevocêselembra?EleconsegueentenderporqueLucyestáfascinadacomapossibilidadedeuma

partedavidadeColinsertãofragmentadaquantoavidainteiradela.Colinpossuipartículasdelembrançasdospais,adicionadasàsfotosehistóriascontadasporDoteJoe.–Nãomelembrodemuitacoisa.Amaiorpartemecontaram.Meupaierameio

desastrado. Tenho certeza de que ele seria o tipo de pai que me daria muitavergonhaalheiahoje.–Eleri.–Maseleeradivertidoebrincavanochãocomigo.Me carregava nos ombros.Me contava detalhes até demais sobre os animais nozoológico. Esse tipo de pai. Minha mãe era carinhosa. Bom, os dois eram,principalmentedepoisqueaCarolinemorreu.Epelomenosatéela ficar ruimdacabeça,minhamãe era calma e gostava de ler e escrever e pensavamuito sobretudo.Elanuncaqueriaqueeucorresseoumemachucasse.ADot falouqueéporisso que eu sou tão louco agora. Ela diz que eu sou como eles, mas virado doavesso.Euguardominhaspartesmaisdelicadasdo ladodedentro.Ela falaqueéporissoqueficarpertodemimétãofácil,masémuitodifícilmeconhecer.Lucyestátraçandoalgumacoisasobreopeitodele.Umaespiralouletrasouuma

forma.Porfim,elepercebequeelaestádesenhandoumcoração.Nãoumcoraçãocomo de namoro, mas um coração. Isso chama sua atenção para sua falta depulsação, para a sensação oca de não possuir órgãos ao perceber que não écorpóreo.Derepente,elesentecomoseseupeitoestivesseafundandoparadentro,comoumsacodepapelvaziosendoamassado.Eleseguraasduasmãosdelaentreassuas.–Elestinhamumbomcasamento?–perguntaela.

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–Achoquesim.Querdizer,elesmorreramquandoeutinhaseisanos,então…–Eleolhaparao lagoazulcristalinoadistância.–ACarolinemorreu logodepoisqueagentesemudoupracá.Tenhocertezadequeissonãoajudounocasamentodeles.Colinencaraumpontosobreoombrodela.– Ando pensando muito ultimamente. Eu não era muito maduro, mas sei que

minhamãe já bebia umpouco antes de perdermosminha irmã.Ficoumuito piordepois. E ninguém a culpou, digo, sua filha de nove anos foi atropelada por umcaminhão. Tenho certeza de que todomundo entendia por que ela ficou daquelejeito. Mas e se ela não estava louca? E se ela realmente via a Caroline? Seriapossívelqueelaestivessemesmoaqui?–Épossível–dizLucy.–Euestou.–Eununcavousaber,vou?–Nãosei.Masvocêosverádenovo.Elefazumapausa,erguendoosolhosparaelapairandosobreele.–Vocêachamesmo?Elaoestudaporuminstante,analisandoaexpressãoemseurosto.–Sim,acho.Eleabeijapor isso.Porelaestar tãocertadequesua família seencontraráde

novo.Porsaberqueéissoqueeleprecisaouvir,mesmoqueelenãosoubessedisso.Os beijos dela são pequenos e doces, beijinhos como se estivesse chupando

pirulito no seu lábio inferior, beijinhos entre mordiscadas… e, finalmente, osdolorososbeijosmaisprofundosqueeledeseja.–Euestoufelizporvocêestaraqui–dizela.Elaestáfelizporeleestaraqui.Ela

nãoestálá,emseumundodecarneeosso.Elepercebequesenteamesmacoisa.Cadapalavra soa tãomais íntimaquando acompanhadapela sensaçãoda carne

sobosdedos.Colinnuncasesentiutãopróximoassimdealguém,nemmesmonoestágiodapaixão,quandoelesetornaapenasumaereçãoambulantesemcérebro.Estesentimentoaquiéintensodemaisquandoeleabeija;essanecessidadedeentrardebaixodapeledelacomosdedoselábiosecadapartefamintadesimesmo.A conversa morre, e seus toques tornam-se frenéticos, pois ele sente uma

estranha pressão rítmica no peito e sabe que é Jay, atrás dele, lá no lago,ressuscitandoseucorpo.Elesenteocalorcrescendodedentroparafora.Eleselevanta,tirandoLucydocoloelevando-aatéatrilha.Elecomeçaatocá-la

cadavezmaisbaixo,sentindoosossosdoquadriledesuapeleocultasobotecidode seda, rumandopara onde ela se derrete numa suavegarotamolhada.Asmãosdeladescemeoapertam,segurandodeumjeitoinsanoeperfeito,eporumátimoele sepreocupapor teremdesperdiçado todoesse tempoconversando,mas entãoeleabaixaosolhoseavêsorrindoosorrisomaisbobodefelicidade,quecrescemaisemais.Mesmoquandoelecomeçaasedissolver,longedasmãosdela.

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Elenãoestápreparadoparapartir,mas sabequevai ficarcomeladequalquermaneira, e cada segundo de hoje foi melhor que tudo que veio antes. Colindesaparece comavisãodeumaLucy amarrotadapor ele e seminua, os olhosderedemoinhoelábiosderubidespedindo-senumsorriso.

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CAPÍTULO27Ela

Lucy não precisa se lembrar de toda a sua vida anterior para saber que nuncapassoutantotempoencarandoosdedosdeumgaroto.Elesabremefechamtortos,esticandoedobrandocomoseestivessempresosa

umaengrenagemdemetal.Colin os flexiona repetidamente e então, deparando-se com ela a observá-lo,

dobra-osnumpunhofechado.–Lucy.Eladirigeoolharparaacaretanorostodele.–Hum?–Estoubem.–Assuasmãos,elasestão…–Ela fazgestosentortandoosdedos, semquerer

dizerquebradasoudurasou,piorainda,erradas.–Vemcá.Voutemostrarcomoelasestãoboas.Finalmente, um riso de alívio explode, escapando da garganta dela. Ele soa

agudo,comoseestivesseaumsoluçodeserestabelecer.Elanãoconsegueacreditarqueeleestáaqui,ascoresvoltandoaocorpo,equente.Eque,depoisdecincohorascongelado no lago, a única coisa que parece estranha é o modo como elelentamentedobraosdedos.Suacumplicidadeafazsentirdorpelaculpa.–Nãofoitãoruim.Voltar,querodizer–elesussurranaescuridãodoseuquarto,

nodormitório.Eleestáenterradosobváriascamadasdecobertores,etudopareceexcepcionalmentecalmoagoraqueJaysecansoudoseuânimopós-ressuscitaçãoesaiuparapassaranoitefora.

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O que ele diz é verdade. Jay insiste que trazer Colin de volta foi fácil. Masconcordar com Colin agora lhe parece errado, como se o universo estivessemeramenteesperando-adizerquededosenrijecidosealgunsmachucados sãoumpreçopequenoasercobrado,paraentãoroubar-lhetudodeumasóvez.Pareceuqueelesficaramjuntospordias.Diasdeconversaetoques,agarrando-se

tãopróximosquenãosobravaarentreosdois.Naverdade, foramapenasquinzeminutos.JaydissequecomeçouasurtarquandoColintremiatantoqueestavaquasecaindoparaforadocobertordealumínio.Masapercepçãodetempofoigenerosacomeles,estendendocadaminuto.–Lucy,paredeolharparaasminhasmãosevemcá.Elaseenfiaaoladodele,queapuxaparapertoparasentirocalordoseucarinho.

Ela se sentemais forte emais presente do que nunca, e Colinmurmura algumacoisaalegreesatisfeito.–Quefoi?–Você–diz ele, sonolento.–Sóestoupensando sevocêestádiferenteporque

vocêédiferenteouporqueeuestousentindovocêdiferente.–Comoassim?–Vocêparecemaissólida.Maisforte.–Maisfortecomo?–Elaquersaberseeletambémsenteomesmo,comoseela

estivessesetornandomaisestável.Emvezderesponder,elesimplesmentediz:–Euqueroentrarnolagodenovo.

SeLucyachouqueJayeColinseorganizarambemantes,aorganizaçãodessavez era quase militar. Novos equipamentos de resgate e suprimentos estãoespalhadossobreotapetediantedeles.Elesescolhemahorabaseadosnoshoráriosda escola e na previsão do tempo. Eles colocam e recolocam suprimentos namochila,visualizandotodocenáriopossível,atéosmínimosdetalhes.É reconfortante…deummodocompletamente torto.Ela sabeque, seprotestar

demais,Colinperceberáqueestámentindo.Nãoquerqueelearrisqueavida,masexisteumaparteemsiquesetornamaisforteeparecedesabrochartodavezqueelefala sobre isso.Seriaegoísmo?Elanãosabeaocertocomoprocessaroqueestásentindo, esse fascínio ao observar alguém que ela ama ser tão profundamenteimprudente.–Daúltimavez,eumantivesuatemperaturabemestável,emtornodetrintaetrês

graus. – Jay dá uma risadinha debochada e acrescenta: – Claro, seria bem maisprecisoseeupudessemedirnoreto.

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–Quantasvezeseutenhoquetedizerquevocênuncavaiencostarlá?–protestaColin.Lucyficaobservando-oscacarejaremcomodoismeninosdedozeanosdeidade,

antes de baixar os olhos para o caderninho sobre seu colo. Ela rabisca círculostortosequadrados,floresenuvens,tentandoselembrardesuaspalavrasfavoritassurgindojuntassobapressãodolápis.Cristalino.Treliça.Ímpeto.Sublimar.Entalpia.Aspalavrasseabrememseuspensamentos,lembrando-adeumasaladeaula,de

ingressarnauniversidadeparaestudarosdiasúmidosdeverão,deumabolsadeestudos que deveria ter sido dela. Ao abaixar os olhos para o papel, ela sesurpreende ao ver cada letra escrita perfeitamente, nada trêmulas ou com linhasdesaparecendo.Elaasobserva,alegrando-se.Elanuncaconseguiusegurarumlápispormuitotempo,muitomenospôrideiasnopapel,demodoqueveraspalavrassedesprenderemdapontado lápiséquase tãofascinantequantoaestranhaobsessãodosrapazespelanovaatividademortalnolago.–MeuDeus,Lucy!–gritaColin,eelaimediatamentecongela,quebrandoaponta

dolápis.–Quefoi?–Vocêestáescrevendo.–Eleestásorrindocomoseelafosseumbebêeacabasse

deterdadoseuprimeiropasso.Jaybatepalmaslentamenteeassovia.Ficandodepé,Colinabandonaaquantidade

de ferramentas e livros e cobertores espalhados em tornodelespara se sentar aoladodelanacama.Elechegamaisperto,passandoamãonoombrodelaedizendo:–Achoquevocêestámaisforteultimamente.Maissólida.Elaoobserva.Eleestásendorepetitivo,esuafalapareceumpouquinhoestranha,

comoseeletivessequeencadearseuspensamentosporpartes.Antesqueelapossadizer que ele disse a mesma coisa na noite passada, uma janela de repente seescancara,trazendoparadentroumintensoventodearcongelanteeinterrompendoaempolgaçãodeColin.Elefechaajanelacomforçae,quandosevira,asmãosdeleestãotãofriasquantoasdela.Mas,dealgumaforma,aexcitaçãoqueissotraz–asugestãodofrioqueestáporvirnolago–parecefogodentrodeLucy.

Elaseperguntaseéassimqueumtigresesentequandocaptaocheirodapresanabrisa,oucomoumcorredordelongadistânciasesenteesperandocomapontadopénalinhadepartida.Elasentecomosepudesseexplodirparaforadaprópriapele e evaporar em milhões de pequeninas partículas cintilantes. Será que essaleveza,essaalegriaqueelasenteenquantoColinsedespeatéficardecuecanofrio,

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significaqueelavaisairvoandopelosares?Daúltimavez,Colinsedespiuepuloudiretonaágua,comose,aopararepensar

demais,elenãofosseseguircomoplano.Dessavez,eleolhaparaela,seusorrisoformando-setãolentamentequantoaspiscadelasquelhesãocaracterísticas.Eladáum passo para trás, e então, de novo, vira-se para a trilha antes mesmo que elesubmerja.

Acontece exatamente como ela espera. Eles se encontram nomesmo ponto natrilhaeviram-se,rindoecorrendocomovento,descendoocaminhoatéogalpão,aostropeços.Jayachaquepodelhesdarumahora.Umahora.Mesmo com o brilhante azul-pálido da manhã lá fora, parece noite dentro do

galpão.Raiosdeluzbrincamcomasestrelasdoarempoeirado,eapeledeColinpareceacesapordentro,comoseeleagorafossealguémdiferente.Elepraguejaemvozbaixa,umsomdefascínio,apertandoorostodelaentreas

palmas da mão e beijando-a tão intensamente, tão faminto. Então ele a guia,andandode costas, vira-se edeita ela sobreo colchãode ar, afastandoapilhadecobertores.Nuvensdepoeiraselevantamaoredor,folhassepartemsobeles,masocenário não importa. A pele dele, a pele dela; deslizam e se apertam, quentes esuaves.Nemmuito,nempouco.Perfeito.Elessebeijamtirandoasúltimaspeçasderoupa,eentãoelesemovedentrodela,

sobreelaeentresussurros.Elanãoseimportacomofinalpróximo,poiséessaasensação–estasensação,aqui–dequeelessentiamfalta.Aconexãoeo toque,acomunicaçãoalémdequaisquerpalavras.Colinsussurrapalavrasdeamorgrudadoaoseupescoçoenquantoestremecesobreela.Elaoagarracomforça,apertandoo rostocontraapeledeleeouvindoo som

dos cobertores farfalhando ao lado de sua cabeça, quando ele os livra.Lucy nãoquersairdaqui,talveznunca.–Tudo bem? – pergunta ele, com a boca aberta, traçando um caminho do seu

pescoçoatéseuouvido.Quandoelaassente,elesussurra:–Nãoseicomomesintopornossaprimeiraveztersidonumgalpãosujo.Elari.–Nãomeimportocomocenário.Ele recua e a encara, uma divertida expressão despojada no rosto, mas

obviamenterisonha,eentãopisca,lânguido,somenteparaela.–Eutambémnão.

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Omomento se estende.Colin paira sobre ela, beijando, de olhos abertos, comumaintensidadequefazcadamúsculodeseucorpoficartenso,fazseupeitodoerpelotantoqueeleaconsome.Elenãoprecisadizerqueaama,masdiz.Então ele se afasta, voandopara trás como se um laço o puxasse pelo peito, a

boca escancarada num grito de angústia, articulando seu nome. Ele atravessa osanéisdeluzepoeiranoar,infiltrando-sefacilmentepelasparedesrachadasepelastábuasdemadeiraemboloradas.EentãoColinsevai.

Horas.Elaparecelevarhorasparasevestiredesceratrilha,emdisparada,paraolocalondeJayotiroudaágua,paraondeColinestaráacordado.Lucysaltasobreraízes e galhos na lama cheia de neve à margem do lago. Ela não sabe comoadministraressesmembrosnovoseestranhamentepesados.E então ela está lá, caindo em cima do corpo azul-cinzento, desculpando-se e

beijandoorostoinconsciente.–Oqueaconteceu?Porquevocêotrouxedevoltaantesdahora?–Não foi antes da hora,Lucy.Esperei exatamente uma hora. – Jay a afasta de

Colin,soprandoardentrodospulmõesegolpeandoopeitodele.–Porra,acorda,Col.Lucy cerra as mãos em punhos, uma onda de fúria faiscando por sua pele, e

afasta num golpe o braço de Jay, que grita, encarando-a horrorizado por uminstante.–Oqueaconteceucomvocê?–perguntaele,avoztrêmula.Elefechaosolhos

comforçaeolhaparaelamaisumavez,antesdealcançaroutroaquecedordemãoparaenfiá-lodentrodas luvasquecobriamosdedosdeColin.–Oqueaconteceucomseurosto?–Meurosto?Elebalançaacabeça.–Nada.Eudevoter…Lucy ignora os murmúrios incoerentes de Jay e se deita em cima de Colin,

abraçando-oatravésdapesadacamadadecobertores.–Euestouaqui.Vocêvaificarbem.Euestouaqui.

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CAPÍTULO28Ele

É tão estranho estar neste lugar de novo, entre a vida e a outra vida sedesenrolando.Colinsenteasuaveardênciadogeloedanevecontraapele,masnãoestácomfrio.Flashesdeluzpulsam,reverberandoemsuaspálpebrasfechadas,eoecodeseunomevibrapeloargritadoporvozesempânico,maseleestásemforçasparaabrirosolhos.Apesardobarulhoemsuacabeça,seupeitoestáestranhamentesilencioso.Estádemorandotempodemais,eoinstintoderetornarenfraquececadavezmais.Elesenteumatênuepicadademedo,maspassarápido,oimpulsodeescorregar

para dentro da escuridão envolvendo-o como um cobertor. Numa repentina esinistracompreensão,Colinpercebequesuainclinaçãodesedeixarlevarpelolagodeve-seaofatodeolagopertenceraLucy.EleestámenossurpresoemsaberqueLucyéofantasmadoqueemsentiremseusossosgeladosqueelaestáesperandoporele.Hámuito temponãohánadaparaeleaqui,mashá tudoparaelenolago.SeriatãofácilvoltarecaminharpelatrilhacomLucy.Otempotodo,bastavasófazerisso.

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CAPÍTULO29Ela

Os olhos dele abrem-se de repente. Não é aquele despertar tranquilo epestanejante que ela esperava; num momento ele está azul e inconsciente e, noseguinte,eleaencara,sorvendoar,orostoqueimandovermelho.–Lucy–elearfa.Eleengoleoarcomforça,comoseestivessesugandooxigênio

porumcanudo.Elapõeamãonopescoçodeleparasentirsuapulsação.– Colin – ela tem milhares de perguntas. Você consegue me sentir? Você se

lembra?Estádoendo?Estáconseguindosemexer?–Euachoqueseipraondevocêvai–elemurmuraemocionadoemseupescoço.

Ocorpotododelecomeçaatremerviolentamente,eeledemoraummomentoparaconseguirsoltaraspalavras.–Euachoquevocêmoranolago.O sangue em suas veias congela com o pensamento de que seu lar é aquele

mundoprofundoe isolado.Queéelaquemassombraestaescola.Masalgonissosoaverdadeiro;elaencontramaispaznolagodoqueemqualqueroutrolugarnocampus.Esuaságuasnãosaemnementram;olagoé tãocercadodeterraquantoela.

Centímetro por centímetro, a claridade do sol rouba a escuridão do quarto deColin e um ponto de luz finalmente cai sobre seu corpo quente que respira

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pesadamente. Pela centésima vez, elamemoriza o rosto, o pescoço dele, omodocomoseuscabelosseenrolamecaemsobreatesta.– Acorda. Fala comigo – diz ela. Foi uma das noites mais longas que ela já

passou com ele, esperando que ele voltasse e lhe mostrasse que não estavamachucado.Oudoente.Oucomdanoscerebrais.Elebalbuciaafastandoosono,virando-separaencará-la.–Suapeleparecetãodiferenteultimamente.–Elefazumapausa,eLucyespera

que ele perceba que essa conversa já é familiar. –Você acha que isso tem a vercomigo?–elediz,emvezdisso.Elarecuaparaobservá-lo.Observá-lodeverdade,tentandoverseaspupilasdele

reagemà luzouseapeledelevoltouàcornormal.Seráqueelenão lembraquetiveramessaconversaantes,eagorajáéasegundavez?–Talvez.–Vocêachaqueeu ficandopertodevocê,oumesmo igual a vocêno lago,de

alguma forma te fazmais…–Ele balança a cabeça, esfregando o rosto. – Tipo,maisreal?Ela sorri, tentando ignorar o estranho comichãoque sente na espinha aover a

expressãoingênua,deolhosarregalados,norostodele.–Euqueroserumameninadeverdade,Gepeto.–Eufalosério.–Eutambém.–Talvezagenteconsigairpraumaoutradimensão,quenosmostrecomofazer

pravocêvoltaraserhumana–dizele.–Commaisprática.Elalhelançaseumelhorolhardeo-que-diabos-você-está-falandoefala:–Não vamos fazermais nenhuma viagem interdimensional.Acho que você já

usousuaúltimapassagem.Ele balança a cabeça, imediatamente aborrecido, e embora a mente dela se

preocupe, seu coração sente uma silenciosa corrente elétrica. Algo dentro delacomeçaabater.Eéissoqueapreocupa:seelaéumaGuardiã,porqueelasesentetãobemporeleestaraosfrangalhos?

LucynuncaviuJaydesconcertadoantes.Pelomenos,éoqueelapressupõeestaracontecendo no almoço, enquanto ele está silencioso e inquieto. Seus olhosfrequentemente incisivos estão focados nos tênis. Ele está rabiscando com ummarcadorpretosobrerabiscosmaisvelhos.Afrescatintapretasedestacacontraoagoracinza-desbotado.Sobre “grenouille”, ele escreve “eau”. Sobre “papillon”, ele escreve “froid”.

Comosepensassemelhor,eleacrescenta“CHAUD”,inteiraemmaiúsculas.

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“Sapo”e“borboleta”viram“águafria”,edepois“quente”.Ela vasculha dentro da cabeça por mais palavras em francês, mas uma vasta

extensão nebulosa a saúda. Ela não consegue montar o quebra-cabeça de suasmemórias,comoelasparecemestarenterradasatéreceberemomenordospuxõeseentãoseremexpelidasparafora.Elaseperguntaqueoutrascoisasserãoreveladasquandoodevidoempurrãozinhofordado.Talvezalgoqueexpliqueaondeelavaiquandodesaparece,equetipodeGuardiãdeixaseuProtegidomergulhardentrodeumlagocongeladorepetidasvezesapenasparaqueelapossatocá-lo.–Eunãosabiaquevocêpegouaulasdefrancês–dizela.Aoseulado,Colinestá

comorostoenterradonumlivrosobreosefeitosagudosdahipotermia.– Não peguei – diz Jay na defensiva, como se de algum modo tivesse sido

flagrado.Comoseeledevesseumaexplicação.Eles formam um trio esquisito, tendo entre eles um segredo do tamanho do

Oceano Pacífico, levando suas vidas normais no estranhomundo de uma escolaparticular.Osomdostênisderrapandonaquadradebasquetelheschegaadistância.Um garoto gordinho e rechonchudo faz três cestas seguidas da linha dos trêspontos.LucyquerperguntaraJaycomoeleconheceapalavra“sapo”emfrancês,jáque ele não está fazendo aulas, mas essa lhe parece ser a pergunta maisinconsequentequeelapoderiaformulardepoisdetudooqueaconteceunoúltimofimdesemana.–Vocêestábem,Jay?–Minhamãeéfrancesa–elediz,emvezderesponder.–Issoexplicao“grenouille”–dizelaeelesorri,corrigindoapronúnciadelaem

vozbaixa.–Masissonãoexplicaporquevocêestámudohoje.Vocêestásurtadopeloqueaconteceu?Ele encolhe os ombros, relaxando lentamente. Jay é agitado e cheio de tiques

nervosos;esseencolherdeombrosédecididamenteumgestonadatípicoseu.–Sópensando.–Elepegasuamochilaetiraumarevista.Acapaestáamassadae

cobertapornotasrascunhadasedesenhos.Aspáginasestãocomorelhas,rasgadasnoscantos,TRAPOSUJOescritonotopoemsinuosasletrasverdes.–Jay–começaLucy,incertasobreohumordeleesobrecomomelhorformular

seus pensamentos. Ela lança um olhar para Colin, satisfeita por ele estarsuficientemente distraído. – Nenhum de vocês dois ouve aquela voz dentro dacabeçadizendoqueoqueestamosfazendoéloucura?–Euouço–dizele,entãoacenanadireçãodeColin.–Elequenuncaouve.EclaroqueColinescolheesseexatomomentoparatirarosolhosdolivro.–Eununcaouçooquê?–Instintodeautopreservação.Vocênuncadámeia-voltadiantedeummorroou

umsalto.Eununcavivocêolharumacoisaedizer“Eunãodeviatentarfazerisso”.Oquenãoquerdizerquevocêsempreconsegue,masvocêsempretenta.Oseuanjo

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daguardanãoémuitobom.–Curvando-sesobrearevista,Jayacrescentaemvozbaixa:–Sóodemônio.Colinri,eLucysentecomoseumamãotorcesseseucoração.Jaycontinua:–Nãoconsigoacreditarqueascoisasaconteceramdaquelejeitonolago.–Quejeito?–perguntaColin,cautelosamente.Lucy começa a formularmentalmente uma desculpa para Jay, selecionando as

palavras em sua cabeça para falar domodomelhor emais simples, para que eleentendaqueelaestámaisagradecidadoqueeleimagina.Elaconsideraacrescentarque eles nunca mais irão pedir isso de novo, mas as palavras parecemescorregadiasemseuspensamentos.Mas,emvezdeexplicarsuapreocupação,Jayabre lentamenteumsorrisopara

Colin.–Funcionou.Digo,olhapravocê.Vocêestábem.Éumaloucuraagenteterfeito

deverdadeisso,eeuestouaquiviajando.Nãoseicomomaispessoasnãotentam.Atéeuestoucomvontadedetentar.Já assentindo, Colin se lança na conversa, e os dois disparam a falar a um

quilômetro por segundo, e apesar de Lucy saber que deveria se preocupar, tudodentrodelaexplodeemalívio.Aparentemente,pulardentrodeumlagocongeladoécomoqualquer outro esporte radical.Você acha que vaimorrer,mas o que vocêconsegueéosurtodeadrenalinadasuavida.Elaodeiaaprópriareação,odeiaaprópriacalma.OdeiaoquantodesejaColin

nolago.Odeianãoentender.Mas Lucy não consegue ficar ouvindo-os fazendo planos animadamente, pois

sentecomoseestivesseconsentindocomessainsanidade.Emvezdisso,eladáumapalmadinhanapernadeColinenquantose levanta,dizendoquevai sairparaumacaminhada.Apesardesualutainterior,elasenteumaforçaenvolvendosolidamenteseusossos,seusmúsculosenrijecendocomvitalidadeanteomeropensamentodever Colinmergulhando para encontrá-la na trilha que já lhes pertencia. Ela queresconderdeleessaforçaestranhaqueparecepuxá-la,massabequenãoimportaoquantoválonge,elanãoconseguiriaescondê-ladesimesma.Seria por que ela morreu perto do lago? Seria essa a conexão? Talvez se

entendesseoqueaconteceucomosoutrosGuardiõesnocampus,elasaberiamaissobreomotivoporquevoltoueporqueconseguelevarColinparaseumundo.AirmãzinhadeColinmorreunaestradadaescolaeamãedele jogouocarrocomtodoselesparaforadeumaponte,provavelmentetentandoencontrá-la.AgoraqueColin sabe como encontrar o mundo de Lucy, seria diferente para eles?Conseguiriamosdoislidarcomesseestranhoequilíbrioentreomundodecimaeodebaixo?OndeHenrymorreu?Éparaláqueelevaitambémquandodesaparece?Nabiblioteca,LucyprocuranosarquivosporqualquerinformaçãosobreHenry

Moss.Onomeapareceemvárioslugares:umdentistaemAtlanta,umacelebridade

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dofutebolamericanoemumcolégioemAugusta.Eentãoumahistóriasobreumestudante de Billings, de 22 anos, morto por uma bala perdida de um caçadordurante uma excursão nas profundezas da floresta do campus. Recostando-se nacadeira,elaencaraafotodeHenryantesdesermorto,mostrandoparaacâmeraolargosorrisoquelheécaracterístico.CarolineNovak foi atropelada por um caminhão que se dirigia para a escola.

Henrymorreuna floresta.Lucymorreuna trilha.Os trêsvoltarameparecem tervoltadoporcausadealguém:umamãearrasada,umgarotocomcâncer,eumórfãoqueimpediuumassassinodematarinúmerasoutraspessoas.–Masporquedesaparecemos?–perguntaelaemvozalta,esfregandodistraídaa

formasólidadeseubraço.Elaestácomeçandoasuspeitarqueelavoltaparaolago– e que sempre esteve lá. Acontece o mesmo com os outros também? Será quetambém ficam flutuando em alguma imagem espelhada deste mundo quandodesaparecem?ElaprecisaencontrarHenry.Elaprecisaperguntar-lhequandoelesesentemais

sólido e permanente, e se ele se sente no polo oposto logo antes de desaparecer.Mas ela precisa fazer isso sem dar a entender que se sente no melhor estadopossívelbemnomomento emqueColin está escapandodamortepor apenasumtriz.

Dessavez,acabasendofácilencontrá-lo,lendosentadosobreumbanco,debaixodeumgrandebordosemfolhaspróximoaoprédiodeArtes.QuandoHenryavê,eleselevanta,gritandoseunomeegesticulandoparaelajuntar-seaele.Elessobemosdegrausepassampelaspesadasportasjuntos,exatamentequandoocéuseabreeanevecomeçaacair.–OndeestáoAlex?–perguntaela.Henrygesticulanadireçãodopátioatrásdeles.– Inglês.Euestoucansadodasaulasdehistóriadessesemestre.Nãoqueeume

lembredetudodopassado,masaindaassimparecequejáouvitudoaquiloantes.Comumapiscadela, ele apuxapelamãoe elao segue, entrandono auditório,

descendopelocorredorcentraleentrandonofossodaorquestra.Emboraospassosdeles ecoemnapequenaquase-caverna, é fácil perceber que estão completamentesozinhos.Elesseriamcapazesdeouvirumaagulhacaindosobreopalco.–Precisotecontarumacoisa–dizela,puxandoasmangasdacamisa.–Eusei

comovocêmorreu,oupelomenosquemtematou.–Ai–dizele.–Ai.Eufui…assassinadotambém?–Foi.Bem,achoque“morteacidental”definemelhor.Vocêfoimortoporuma

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balaperdidadeumcaçador.Euachoquevocêvisitavaaflorestaquandoestavadefériasdafaculdade,efoientãoquevocêlevouotiro.Henry se levanta, dando alguns passos antes de se sentar novamente, e Lucy

mordeoslábiosparanãosorriranteessaignorânciafamiliar.SeColinnãotivesselhe contado sobre sua morte, provavelmente ainda estaria alheia a tudo isso,também.Henry ergueosolhosparao teto, fazumapausa, e entãopiscadevoltaparaLucy.–Eusemprefiqueimeiopreocupadodequeessainformaçãoseriaafinale,de

repente,bum!Océuseabririaeeuserialibertooumandadodevoltaouoquequerquesejanossodestino.–PorissoqueoColinnãomecontoucomoeumorrinocomeço;eleficoucom

medo de que isso seria a coisa que me mandaria embora para sempre. – Lucyestremece, odiando a sensação de ter uma bomba em contagem regressiva sob apele, esse fator desconhecidodesolador.Oque será que amandaria embora?Elahesita. –Mas eu acho que tem alguma coisa nessa escola.Tipo, que ela prende agente aqui, sabe-se lá como. Todomundo quemorreu aqui tecnicamentemorreuondeaindaeraterrenodaescola.Euachoqueexistiramoutros,talvezaindaexistamagoramesmo.–Vocêviualguém?Elabalançaacabeça.–Não,masamãedoColinjuravaqueviuofantasmadafilhadela,Caroline.Ela

dirigiucomelesparaforadeumaponte,eficomeperguntandoseelapensouqueseria uma maneira de juntar a família de novo. Colin quase não sobreviveu aoacidente.Maseseamãedeleestivessemesmovendoafilha?Eseformosapenasfantasmas,eapenasestamos…aqui?–Semumpropósito?Lucyassente.–Semumpropósito.Assombrando.Presos.Henryparecenãogostardaideia,balançandoveementementeacabeça.– Se a Caroline era umaGuardiã como a gente, não tem como ela ter feito a

própriamãedirigirpraforadeumaponte.UmainquietaçãofazopeitodeLucyseapertar.Eleaencaraemseucostumeiro

modointenso,comosepudesseverospensamentosdelapairandosobapele.–EcomoandaoColin?–Eleestábem–dizela,semacrescentaromilagrequeéisso.–Quemaisandateperturbando,irmãzinha?–Henryvira-senacadeirademodo

aolhá-ladefrente,oscotovelosapoiadosnosjoelhos.–Algumasvezesvocêsesentemaisfortequeemoutras?–perguntaela.–Comoassim“maisforte”?Vocêdizmaissólido?Elaassente,puxandoumfiodamangadacamisa.

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–Euseiqueissoéalgoparticular,masàsvezesoColinmalconseguemetocar,eem outras eu sinto como se…–Lucy se recorda da foto deColin com asmãosdescansando sobre as curvas de uma garota humana – como se ele pudesse mesegurar.Masnãoseidizeroqueeufaçopra issoacontecer.Eugostariadesaber,assimeupoderiafazermaisvezes.–Eu não tenho nenhumconselho pra dar porque isso nunca parecemudar pra

mim – diz Henry, como quem pede desculpas. E então solta um gemido,oferecendo-lheumolharbrincalhãodeenfezamento.–Sortuda.–MasquandooAlextetoca,eleconsegue,tipo,tetocar?Comoseestivesseemalgumlugarescondidoesperandoadeixa,Alexentrano

auditório.Suasbotasbatempesadaspelocorredorcentral,descendoosdegrausdofossoantesdedesabarnumacadeiraaoladodeHenry.Eleolhadeumparaoutro,asmarcassobseusolhosquasepretasnasombra.–Oqueestárolando?HenrylevaasmãosatéaspernasdeAlex,puxando-assobreseucolo.–ALucymeperguntousevocêgostademetocar.Lucysoltaumgemidoeenterraorostoentreasmãos.–Nãofoiissoqueeuperguntei.Pergunteisevocêconseguetocá-lo.Nãopreciso

deumrelatosobreisso.Alexsorri.–Consigo.Maselesesentecheiodeeletricidade.HenryobservaLucyporuminstanteantesdeperguntar:–Tenhocertezadequevocêjápensounisso,masoqueacontecequandovocêse

sentemaisforte?Ela se lembradequandopercebeu isso:no lago,quandoColin saiupedalando.

MastambémquandoColinvoltoudohospital.Elagostariadepoderidentificarumhumoroumesmoumevento.–Eupercebiissoquandoestávamosláforajuntos,ouquandoeleestáandandode

bicicleta.Acheiquefosseporeleestarfeliz,maseutambémmesentiassimquandoeleestavaserecuperando.–Mesmo se recuperando, eu acho que provavelmente ele estava feliz em estar

vivo,noquartodelecomanamorada,entãoeunão tomariacomoregraessasuateoria.Lucydeixaacabeçacair,sorrindoparaoprópriocolo.–Achoquesim.– Mas quer saber a minha teoria? Você se sente mais forte quando está no

caminhocerto,quandoestáfazendooquedeveriaestarfazendo.PodeserquesejaquandoColinestámaisfeliz,podeserquenão.Pensenomomentoemquevocêsesentiumaisforte,maisreal,efaçaissodenovo.Ela ergue o olhar para o teto adornado acima de sua cabeça, pintado em

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vermelhoeourointensosedecoradocomcomplexasmolduras.ElasesentiuquasesólidaantesdeColindecidirentrarnolago.SeráquedevoesconderessesegredodeHenry?ElenãoiriaquerersaberquepodeficarassimcomAlextambém?–Digo–dizHenry,interrompendoodebateinternodeLucy–,euachoqueme

sintomaisforteacadadiaquepassa.EoAlexaindaestáemremissão.Oquemefazpensarquetudoqueestoufazendoporeleécerto.Isso faz Lucy se decidir. Jamais pode contar a Henry o que ela está deixando

Colinfazernolago.–Entendo.–Oque euquerodizer é: olheparaoColin.Observe-o.Sevocê fizer alguma

coisaqueodeixefeliz,vocêvaisentiressaforçadentrodevocêcrescer.Seaforçavem de outro lugar, você vai perceber. Eu vi seu nome em algumas placas dequímica no prédio de Ciências – diz ele, com um largo sorriso. – Faça algunsexperimentos.Elaselevanta,decididaacomeçarosexperimentosimediatamente:–Henry,meucabeloédequecor?Eleerguerápidooolharparaela,antesderompernumrisosuave.–Nãoéacoisamaisestranhaquevocêjámeperguntou,mastudobem,vamoslá:

écastanho.

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CAPÍTULO30Ele

Está um frio dos diabos. Colin junta as mãos na boca e assopra, tentandoesquentá-las. O vento chicoteia ao lado da biblioteca, congelando-o através daroupatérmica,deduascamisetas,gorroeseucasacofavorito.Eleseencolhemais,buscandoocalordeseucapuz,ebalançasuavemente,paraafrenteeparatrássobreseuskate,observandoJayfazersuabicicletavoarbaixosobreumlongo lancedeescadas. Grandes amontoados de neve suja acompanham ambas as laterais daescadaria,eocéuparecepesadoe inchado,comoseestivesseprestesaseabriredesabarsobreeles.O descongelador espalhado pela calçada estala e é esmagado sob as rodas de

Colin,queseaproximadeJay.–Acheiquehojedeviaesquentar.Porqueestátãofrio?–resmungaJay.Colin não responde, sem querer pensar no que vai acontecer quando o lago

começar a derreter.Ao contrário do amigo, ele está satisfeito coma temperaturacongelante,comomodocomo,acadavezquesorveoar,eleparecequeimaremseus pulmões, e também com o modo como os outros estudantes passamapressados,praticamentesubindoemdisparadanolancedeescadasparaentrar.–GraçasaDeusnãoestamosnolagohoje–dizJay,osdentesbatendo.–Nossas

bolasestariamcongelando.Literalmente.Colinsoltaumarisada.–Issoporquenãoévocêqueficapeladoemolhado.–Poisé.Eusouoqueficasentadonumlagocongeladoporumahoraenquanto

vocêficacomtodaadiversão.Colin bufa ao ouvir a palavra “diversão”.A ideia de diversão deles nunca fez

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muito sentido para mais ninguém, mas com Jay parece perfeitamente normalcaracterizarumsaltodentrodeumlagocongeladoemjaneirocomodiversão.–Vocêachaqueelavaiquererdenovo?–emendaJay.–Ela se levantoue foi

emborameioquederepentehoje.–Nãofaçoideia.Colin expira sonoramente no ar frio, a condensação formando uma pequena

nuvem à sua frente. Ele se lembra de como, quando eram crianças, ele e Jaycostumavampensarqueeleseramdescoladosefingiamestarsoltandobaforadasdeum cigarro invisível. Ele sabe que as pequeninas partículas de sua respiraçãocongelam quando encontram o ar gelado, indo de um estado gasoso para umlíquidomaisdensoesólido,formandocristaisdegeloantesdesedissolveremempartículasinvisíveis.ElemeioqueodeiaqueissoofaçaselembrardeLucy,comouma terrívelmetáforadoquepodeacontecerquandoosdias se tornaremsecosequentesnaprimaveraenãohouvermaisnadanoarparamantê-laemsua forma.Seriapossíveleladesaparecerjuntocomofrio?Jayerguearodatraseiradabicicleta,apoiando-senocorrimão.–Éisso,então?Paramos?Quandoagentevaiadmitirisso?–Nãosei–respondeColin.–Eladizquenãoquermaisqueeufaça,mas…–Céus,euaindanãoconsigoacreditarquefuncionou!Digo,medizumacoisa,

você já realmente pensou no que você está fazendo? Você está tendo umaexperiênciaforadocorpoepegandoumafantasma.Poucoimportaseissoémuitaloucura.Écomosevocêestivessetrapaceandoamorte,Col.Denovo!Issoémuitodahora.–NãodigaissopertodaLucy–dizColin.Elesobeasescadaselançaumolhar

pelopátio.Eleodiouaquelafrase–trapaceandoamorte–seformando,comoseelefosse

dealgummodomaisespertoqueseuspaisenoúltimominutotivesseconseguidopuxarumacartadamangaqueodeixassevivo,masmatasseseuspais.– Eu não estou trapaceando nada. Todos os dias as pessoas entram em carros,

aviões,barcos.Escalameplanamesaltamdemontanhasabsurdas.Tantaspessoasjáfizeramessascoisasesobreviveramquenósnempensamosduasvezesantesdedarpartida no nosso carro e engatar a quinta marcha na estrada, com seuscaminhoneirosembriagadosedorminhocosdirigindoatodavelocidadelá.Eseoqueeuestiverfazendonãoformaisperigosodoqueesquiar?Vocênãosabe,Jay.Ninguémfazisso,entãovocêachaqueéradical.Talveznãoseja.JayassentequaseotempotodoemqueColinestádiscursandoeergueumamão

noarquandoeletermina.– Eu entendo. Tipo, no começo eu estava fazendo isso porque parecia que eu

nunca mais ia te ver. Mas agora eu acho da hora. Deixar que você se divirtacongelandoasprópriasbolas.

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Colinseendireitasobreoskateepuladoconcreto,agachando-senumimpulsoesaltando, batendo a traseira da prancha para sair do chão. Mesmo tão dolorido,existeessemomentofrequentedesesentirrenascendoquandoestánosares,ondesuamenteclareiaeosurtodeadrenalinasuprimeoventoemseusouvidoseofrioemseurosto.Afrentedapranchasechoca,agarrandonocorrimão,ecedodemaissuas rodas batemno concreto.Colinmexe os braços e se esforça para aterrissarcomfirmeza,segurando-senocorrimãoparanãocair.–Quemassa–dizJay,apoiadonocorrimão.–Quasecaí.–Cara,vocêestavacomhipotermiaontem.Pegaleve.Colinaproxima-separaparardiantedele.–OquevocêfalouantespraLucy,sobreodemônionosmeusombros…Você

sabequeeunãoestouquerendomemachucar,certo?–Eusei.Oqueeuachoéquevocêtemmaiscoragemquetodosnós.Colinbalançaacabeça.–Não,escuta.Vocêsabeaquelesentimentodeestarnumadescidaíngremeauns

sessentametros de distância do chão?Ou de olhar para uma queda de uns trintametros e pensar “É agora ou nunca”? Só funciona se você nunca duvidar queconsegue.Paradolánaquelegelo,eumesintocompletamenteasalvo.–Comosevocêestivessenoseulugar–dizJay.–Exatamente.–MasvocêprecisaconvenceraLucydisso.–Eusei.– Bem, então faça isso logo, seu sortudo de uma figa. Eu não tenho uma

namoradafantasma.Medeixepelomenosviverissoindiretamente.

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CAPÍTULO31Ela

ColineJayestãopertodosfundosdabiblioteca,pulandodecorrimãoseescadas,quandoLucyvolta.Colinaproxima-selentamentedela,comoseelafossemorder,primeiroestudandoseusolhosedepoispegandosuamão.–Vocêestábrava?–Eunãoestavabrava.–Elalevaosdedosdeleaoslábiosparabeijá-los.–Claroqueestava–dizJay,derrapandopertodeles.–Vocêtemqueconfiarquea

gentedominaaparada.Nóssomosexpertsemaventura.–Dominaaparada?–Elabalançaacabeçaparaele,segurandoumarisada.–Não

fazisso,Jay.Vocênãosabeimitarumgângster.– Ignore-o – diz Colin, pressionando uma mão sobre o peito de Jay e o

empurrandodelado.–Querotercertezadequeestátudobem.–Euprecisavapensar.FuiconversarcomoHenry.–Vocêcontoudolagopraele?–Não,não–elao tranquiliza imediatamente.–Euqueria saberporqueeume

sintodiferenteultimamente.Masissonãoacontececomele.Eledizqueestásempreomesmo.A expressão no rosto de Colin murcha, mas ele tenta esconder seu

desapontamento.– A gente vai descobrir. – Ele beija a bochecha dela antes de se virar para

observarJaydesceragarrando-seaosdegrausdenovo.Porsuavez,LucyobservaColin,pensandonoqueHenrydissenoauditório.Ela

põe amão sobre o antebraço oposto, sentindo a energia redemoinhando sob suapele.

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–Comovocêsesentehoje?Elelançaumolharparaelaantesdevoltar-separaJaynovamente.– Bem. Eu juro. Sem mais formigamentos nos dedos. – Ele os agita em

demonstração, brincalhão, mas Lucy sente apenas o aperto em seu peito seintensificar.Elasentefaltadealgumacoisa.Sentefaltadealgumacoisaenãopodedesaparecerdenovo.Elaestáaquiporcausadele.Eleatrouxedevolta;eleprecisadeladeummodo

queelaaindanãoentendeinteiramente.–Evocêrealmentequervoltarprolago?Eleseviratotalmenteparaelaagora,osolhosbrilhando.–Sim,euquero.Lucyapertaoprópriobraço.Nada.Colinpareceesperançoso,quaseleviano,mas

ela basicamente se sente a mesma: está em algum lugar entre sólido e gasoso.Naquelaestranhaterradeninguém,naiminênciadosublime.–Etudobemporvocê,entrarsozinhonolago?SócomoJayaoseuladoprate

tirardaágua?–Comcerteza.Colin está praticamente vibrando de felicidade agora, mas Lucy não nota

nenhuma diferença nela mesma. Não pode estar ligado apenas à felicidade dele.Temalgumacoisaqueelanãoestáentendendodireito.–Nãotemumjeitomelhordefazerisso?–Alémdeenchermeucolchãodegeloemeenrolarnele?–dizele,rindo.–Não.

Dessejeitofunciona.Vácomele.A ideia faz brilhar uma percepção tão forte que ela leva um momento para

enxergaralémdelaeparaopresente,ondeColindesviouoolharnovamente.Elavoltoudo lagoparaestarcomele,masomandouparaaáguasozinho.Todavezqueeleentra,elasesentemaisforte…Elasesentemaisforteparapoderajudá-lo.–Vocêquerqueeuentrenaáguacomvocê?Seus dedos sentem o choque de energia afluindo sob a pele, e ela tira a mão

comosetivesseligadoosprópriosdedosnumatomada.Colinpõeamãosobreoombrodela,trazendo-lhesegurança.Elaselembrado

primeirodia,norefeitório,quandoelaoviuesesentiufamintapelosdetalhesdoseurostovistomaisdeperto,desuavoz,dasensaçãodapeledelenadela.Háanosela esteveencarandoo rostodele.O rostoque se encontra aqui, bemdiantedela,inclinando-separapertoebeijando-acomoseelafossefeitadevidrosoprado.–Quero–dizele.–Vocêfariaisso?–Claroquefaria.– Eu seguiria você até qualquer lugar do mundo, Lucy. É só me apontar o

caminho.

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–Entãovamosnadar.–Elapercebequeestásorrindocomocorpointeiro.–Quando?Quandoagentepodeir?ElarecuaparaolharatrásdeColin,ondeJayestáfingindomuitíssimobemnão

olharoqueelesfazem.–Jay,vocêestálivreamanhã?Jay solta umgrito de comemoração e caminha atéColin, batendo asmãosnas

dele.–Estoudentro.

Écedo,malamanheceu.Océuprende-sedebilmenteàescuridãoatéquenuvenstomam seus lugares e começam a soltar uma neve suave. Colin e Jay enfiammanteigadeamendoimesanduíchesdegeleiadentrodabocaenquantofazemumachecagemfinaldossuprimentos.–Ainda estádentro?–pergunta-lheColin, comumaenormemochila sobreos

ombros.Lucyassente,incapazdeabrirabocapormedodeadmitirqueelanuncasesentiu

tãoforteoutãocertaassimsobrealgo.OquesenteporColinéinebriante;elaquasedesejadartudoaele.Quando chegam e caminham até amargem, a superfície quase cega-os sob os

primeiros raios da manhã, num branco brilhante salpicado aqui e ali apenas defolhas marrons caídas. O lugar de entrada original de Colin, a fina e marcadacamadadegelonomeiodolago,brilhanumazulluminoso,maisfinaqueogeloaoredordela.Agora,quandovêasafiadasextremidadesapontandocomoflechasparaocentro,alembrançadeColincaindoéreescritacomoalgocalmoeidílico.Comoumrolodeimagenspassando,elaovêentrandonaágua,orostoaliviadoemvez de aterrorizado. Ela se lembra de ouvi-lo chamando seu nome na trilha, daprimeira sensação sólida de pele contra pele, do modo como os olhos deleimploravam para que ela não arruinasse isso dizendo que algo não parecia estarcerto.Os tênis deles esmigalham a superfície enquanto caminham, e ela escutaColin

escorregarnogelo, eosdois riematrásdela.Elanemsequer seviraparaolhar,porque ela quer entrar. É diferente agora que eles decidiram entrar juntos.Algopesado repuxa dentro do seu peito, uma repentina corrente de alguma âncoradebaixod’água.Elaseviraeolhaparaeleaquieseperguntaseéverdadequeelaviveuportanto

tempono lago.Seráque elaoviu?Éessa a fomequedomina todopensamento?Debaixodogeloazulháalgomaisprofundo,umespaçoabertoparaeles.É tudo

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queelapodefazerparanãopuxá-loparaaaberturanogelocomela.Asmãosdelasãoímãs,apeledeleéferroeolugardelesjuntosélogoabaixodasuperfície.Enquanto Jay desenrola um cobertor térmico e desfaz seu kit de suprimentos,

Lucysedespeatéficardecalcinhaesutiã,semquererdesperdiçarumsósegundo.Botas,calças,suéter,camisaformamumapilhaamarrotadaaosseuspés.Suapeleestáincrivelmentebrancasobosol,iridescenteeopacacomonuncaviuantes.Ela levanta o olhar para um Colin surpreso, os olhos dele devorando cada

centímetrodela.Elebalbucia alguns sons incompreensíveis antesde se atrapalharcomosprópriosbotõesparaacompanhá-la.–Eununcatevi…assim–dizele,osolhosbrilhando,asbochechascoradas.Lucylançaumolharparaaaberturaquedáparaaáguaeentãoparaele.–Notrês?

Elesmergulham, os braços abertos para a cristalina água azul. Ela a sente emcada centímetrodo seu corpo, fria e prateada.Quando semetem sobumaárvorecaída,umapenugemdemusgossemovimentaaodespertarem,soltandomilharesdepequeninasbolhasqueviajamsubindoaté a superfície.Lucynão sabeexatamenteaondeestá indo,maselaéempurradanadireçãodasprofundezasdo lago,sobassombrasdeondeogeloégrossoeescuro.ElasenteosdedosdeColinroçaremapeledoseutornozelo,ocabelodeleem

suascoxasenquantoeleseesforçaparaacompanhá-laenadaraoseulado.Aoviraracabeça,elaovêtentandosegurarofôlego.Atrásdeles,ocorpoinconscientedeleflutuanasuperfície.–Deixa–dizela,tãoaudivelmentequantoseestivessememterraseca.Elasegura

amãodeleeopuxaparamaisperto.Sente-aquentecontrasi,sólidaefamiliar.Nasuperfície,JaypuxaocorpodeColinparaforadaágua.–OJaytetirou.Ele hesita por um momento, um olhar de medo passando por seus olhos

arregaladosenquantoseesforçaparadeixaroinstintoderespirardelado.Puxando-o pelo braço, ela o leva adiante, para onde o azul profundo lentamente escurececadavezmais,transformando-senumtúneldesuaveescuridão.–Lucy–sussurraColinaoladodela.–Ondeestamos?–Nãoseidireito–dizela.Eelanãosabe.Aindaqueestardevoltaaolagopareça

familiar, ela percebe que nunca soube o que este mundo é. Não é o céu nem oinferno.Nãoéumuniversodiferente.Asluzesbrilhamnoalto,eambosolhamparaabrancuraacimadeleseseguemo

caminho pela água azul cristalina até irromperem pela superfície desse estranhooutrolado.ÉdiferentedetudoqueLucyviudesdequefoienviadadevolta,mas,ao

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mesmo tempo, o espaço é tão familiar e desperta algo no fundo de sua mente,algum instinto que lhe diz que ela está encontrando o mundo onde ela se retiraquandodesaparece.Há umbreve instante de desapontamento: tudo está igual – árvores, pedras e a

trilha–masLucypercebequenãoénemumpoucocomoamargemqueacabaramdeabandonar.Pelocontrário,éuma imagemespelhada,uma réplicada terragélidaacimado

chão, mas é tão mais que isso. Mais cores, mais luz, mais reflexos em cadasuperfície.Entrarnessemundoécomopisarnonúcleodeumdiamante.LucyeColinsaemdaáguaparaumamargemdeareia tãocristalinaquecintila

sobaluzoblíquadosolpenetrandoentreasárvores.Galhosâmbar,folhasdeumverde prateado tão brilhante que Lucy tem que piscar várias vezes para que seusolhosseacostumem.Aoladodela,Colinestáemsilêncio,equandoelaolhaparaelepercebequeele

estáobservandoasuareação,esperando.“Tinhaalgumacoisadediferentenaquelemundo, alguma coisa perfeita”. Ele viu isso todas as outras vezes em que esteveaqui,eéelaquemseesqueceudecomoera,porque,atéentão,elanãotinhaentradodebaixod’águacomele.– Você consegue ver isso? – pergunta ela, olhando para um céu tão azul que

quaseprecisadeoutronome.Éoreflexodolago,umagaláxiainteira,umimensooceanonumúnicoolharparaocéu.Eleassente,segurando-apelamãoelevando-aparaatrilha.Mas,quandoespera

que ele a leve na direção do galpão, ele a surpreende, caminhando para o ladooposto,longedocampoedosprédiosdaescolaeparaasprofundezasdaflorestaemvezdisso.Sob os pés deles, folhas âmbar esmigalham como lascas de pedra preciosa.A

neveéhipnotizante,cintilandoemcentenasdetonsdeazulrefletidosdolagoedocéu.Écomoseelapudessevercadacristalcongeladoecintilantequecobreochão,asárvoreseosmorrosmaisalém.As lembrançasdeLucy retornam lentamente,dando tempoà suamentepara se

acostumar, do mesmo modo como seus olhos se acostumaram à luz. Primeiro,recuperar.E,então,ver: veromundoquedeve ter sido seu larpelosúltimosdezanos.–Écomoumreflexo–eladizaColin,seguindo-oatéumabifurcaçãonatrilha.–

Tudoládecimaestáaqui.Prédioseárvores.Atémesmoolago.ComoumPaísdasMaravilhas. – Ela aponta na direção da água atrás dele, parecendo uma safiraincrustadanumleitodequartzo.Colindeveestarouvindooespantoemsuavoz,porqueelepara,virando-separa

encará-la.Elaseviraparaele.

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–Menosaspessoas.Digo,achoqueestivesozinhaaqui,observando.Assobrancelhascastanhasdelesejuntam,eelesussurra:–Odeiopensarnisso.Semquererpreocupá-lo,elaacrescenta:–Nãoachoqueotempopassoudomesmomodo.Digo,eumelembrodeestar

aqui,mas nãome sinto como se tivesse ficado sentada à toa, num tédio sem-fimpelos últimos dez anos. – A expressão no rosto dele relaxa e ela diz: – Eu melembro de olhar pro alto, como se conseguisse ver tudo através de um espelho.Achoqueestavaesperando.Eeumelembrodeobservarvocê.–Mesmo?Assentindo, Lucy toma amão dele e o guia descendo pela trilha, sentindo um

ímpetodeseguiradiante,continuaremmovimento.– Eume lembro de ficar te observando nomorro durante a Festa de Inverno.

VocêeoJaysebalançaramdogalhodeumaárvoreepularamdentrodolago.Colinri,balançandoacabeça.– Eu tinha me esquecido disso. A gente tinha doze anos. Eu quebrei meu

tornozelo.–Háumapontadeorgulhoemsuaconfissãoqueafazsorrir.–Eutevipedalaraquipelaprimeiravez–dizela,asimagensdesenrolando-sede

suacabeçacomoumrolodefilme.–Vocêestavaumpoucoassustado,masmuitoempolgado.–Elasorriaoselembrardasbochechasrosadasedorostosorridentedele,domodocomoelenãoparavadeolharparatrás,porcimadoombro,comoseesperasseserpegoaqualquerminuto.–Vocêsdoiseramosúnicosquevinhamaquinocomeço,masvocênãopareciaestarprocurandopormim.–Eumelembrodisso!OJaymedesafiouaandarnogeloquandoagentetinha

sete anos.A brincadeira acabou terminandomal pra ele, porque ele se cortou nadocaeprecisoudeuma injeçãode tétano.Cara,agentesemeteunumaenrascadaporcausadisso.As suasmãos unidas balançam entre eles enquanto continuam a caminhar pela

trilha.Entrebrevesintervalos,Colinlevaamãodelaàboca,beijando-lheascostas.Oslábiosdelesãoquentes.Elaconseguesentirabaforadadearnapele,ocalordarespiraçãodelequandosoltaoar.–Eclaroqueissonãoteimpediudecontinuar.Elesorri.– Claro que não. A gente cresceu ouvindo histórias sobre este lugar. Sobre

mortos-vivos e desaparecimentos, pessoas afirmando terem visto uma garotacaminhandopelamargemeouvidovozes.–Eleseabaixaparapegarumafolhadochão,girando-aentreosdedosdiantedele.–Digo,elasbotavammedo.Masnemtodo mundo comprava. Era apenas os adultos tentando impedir um bando decriançasloucasdebeberetransarnolago.Issofaziatudopareceraindamaislegal,naverdade.

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Lucybufaebalançaacabeça.–Claroqueaperspectivadeperigotornariatudomaisatraentepravocê.Mesmo

antes de eumorrer, eu não acho que a gente podia vir aqui. É longe demais dosprédiosprincipais,existemmuitasmaneirasdeentrarnumaenrascada.Elesparamdecaminhar,eeleseinclinanadireçãodela,sussurrando,cobrindo

seuslábioscomumbeijosorridente:–Euconsigopensaremmuitasmaneirasdeentrarnumaenrascadaaqui.– Quanto tempo já se passou desde que a gente está aqui? – pergunta ela,

inclinandoacabeçaparatrásenquantoColinpercorrecombeijosumcaminhodoseu queixo ao pescoço. Ele murmura alguma coisa ininteligível, e ela quer lheperguntar o que ele disse, mas um pássaro corta o ar sobre o ombro dele. Umcorvo. É lindo, com asas como cacos de ébano. Ele voa acima de suas cabeças,gritando no silêncio antes de dar meia-volta e aterrissar em algum lugar diantedeles.Lucyseviraparaolhá-lo,para indicaropássaroperturbadoramente lindopara

Colin,mas ela congela, as palavras perdendo-se num engasgo, ao perceber quãolongejácaminharam.ElaconsegueveraformadoEthanHallelevando-seàdistânciaatrásdeles,eà

frenteestáocorvo,suasgarrasemtornodoarcomaisaltodoimponenteportãodemetalquecercaSaintOsanna.Masalgoestádiferente.Emvezdesentirumabolhainvisívelempurrando-apelo

peitoemandando-adevoltaparaatrilha,elasesentecomoumpeixepegoporumanzol,puxadalentamentepelofio.Eladáumpassoàfrente.–Lucy?–perguntaColin.–Vocêestábem?– Não sei – diz ela, continuando a caminhar, os passos mais rápidos agora.

Decididos.Ao se aproximar da cerca demetal, ela olha para o alto e encontra oolhar vigilante do corvo, podendover o próprio reflexo no negro luminosodosolhosdopássaro.–Temalgo…diferente.Ela escuta o esmigalhar de neve enquanto Colin corre para acompanhá-la,

sentindoabatidadeumapulsaçãoemsuasveiasocas.QuandoColinparaaoladodela,oimpulsosetornamaisforte.–Vocêestásentindoisso?–Sentindooquê?Lucy,oquefoi?–Tipoumasucção.Comoseeufossemetal,etivesseumímãgigantedooutro

lado?Vocênãoestásentindo?Colin balança a cabeça, os olhos arregalados enquanto pisca, de Lucy para o

portãoedevolta.–Vocêachaqueagenteconseguepassar?–Eunãosei.

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Suabocaderepenteencontra-setãoseca,maissecadoquenunca.Pelaprimeiravezdesdequedespertouna trilha, eladesejabeber algumacoisa, conseguequasesentirasensaçãodaáguafriaenquantoengole.–Toquenele.–ElaescutaColinsussurrando.–Toquenele,Lucy.Ela lambe os lábios secos, tremendo, enquanto levanta o braço, os dedos

estremecendo ao encontrar o metal gelado, que não lhe oferece resistência. Elaprendearespiração,observandosuamãopassarentreasduasbalaustradasornadasparaooutrolado.– Ah, meu Deus! – arqueja ela. –Meu Deus! – A sugestão mais tênue de um

bronzeadotranspareceemsuapele;veiasazuisformamummapanapalmadesuasmãossubindoatéopulso.Umacicatriz.Marcas.Imperfeições.Elafechaopunho,sentindoocalordaprópriapele.–Colin!Maselenãoresponde.Colindesapareceu.

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CAPÍTULO32Ele

Emalgummomentoduranteanoite,ColinsenteLucydeslizarnacamaaoladodele.Ocolchãomudacomopesodelaenquantoela seentocasobascamadasdecolchasecobertorestérmicosparaenvolverosbraçosemtornodopeitodele.Elenãosabecomo,masLucyeJayconseguiramtransportá-lodolagoaodormitórioesubiratéoquartosemninguémperceber.Eleestáusandoumpijamavelhoeestánumacamasobummontedecobertores.Jaynãoestá;Colinpresumequeelefezaprimeiravigília.ElenãoselembradenadadepoisdeterdeixadoLucynomundodebaixod’água.–Oi–dizela,avozabafadacontraascostasdele.–Oi.–Ocumprimentosaicomoumcoaxo,eelefechaosolhoscomforçapor

causa da ardência. Sua garganta parece inchada, queimada, como se ele tivessecomidoumarefeiçãodefogosólido.–Faztempoquevocêestáaqui?–Não.Chegueipoucosminutosatrás.FiqueiesperandoaDotirdormir.Elaestá

lá embaixo na sala comunalmexendo a colher numa xícara de café e encarandoumaTVdesligadahámaisdeumahora.ElenãoquerqueDotovejaassim,eaculpaqueeleestátentandoignorarcresce

emseupeito.–Elanãoviuvocê,viu?–Não–Lucyotranquiliza.–Elajamaismedeixariapassarpelasescadas.EntãoDotveio atéodormitóriopara ficar pertodele?Elepassa asmãospelo

rosto,gemendobaixinho.–Elaestápreocupada.Elasesenteresponsávelpormim.–É.

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–Euachoqueelasabequeeuestoufazendoumaloucura.Elasabedevocê.–Elesenteumarrepioeapertamaisaalmofadadeaquecimentocontraopeito.–Euimaginoquesim.–Lucyignoraomodocomoaansiedadesealojaemseu

peito, e puxaos cobertores commais segurança em tornodo corpodele. –Vocêestásesentindoquenteosuficiente?– Um-hum.Mas, se você está querendome seduzir, talvez você tenha queme

deixardemeias–dizele,tentandodeixaroclimamaisleve.Elenãoquerpensarnoladonegativodissotudo.Querapenassenti-laemtorno

dele e se lembrar do mundo debaixo d’água. Uma parte pequena de sua mentepercebealoucuradisso–paraalguémdefora,elepareceriaatémesmoumsuicida.Ecomumapunhaladaafiadanopeito,elepercebequeéassimquesuamãedevetersesentido,fazendooquepodiaparaterumdiaamaiscomsuafilha.Colinnuncasesentiutãocertocomoagoradequesuamãenãoestavalouca,afinaldecontas.Elaapenasqueriatersuafamíliadevolta.Écedo–horasantesdosolaparecereosestudantesafluírempelocampus–e

Colinconsegueouvirumdoscaminhõesdeentregaláfora,trazendomantimentospara a cozinha.O apito contínuo enquanto ele dá ré ecoa nos prédios de pedra epreencheopátiovazio.–Ei,ecomovocêsconseguirammetrazerpracá?–FoioJay.Parecequeeleéexcelenteemdistrairaspessoas,emuitomaisforte

doqueparece.–Comoeleestá?–Eleestábem–dizela,eelea senteencolherde leveosombros.–Digo,ele

pareceserealizarfazendoessetipodecoisa.Eunãoentendo,masficofelizqueelesejaassim.Oqueeleestáfazendopornósémaravilhoso.–Eusei.– Fico me perguntando se a gente conseguiria fazer isso sem ele. Se eu

conseguiriatirarvocêdaáguadealgumaforma.–Elafazumapausa,observando-o.–Seéessaarazãoporqueeuestoutãoforteagora.Colin fica em silêncio.Ele andoupensandoumpouconisso. Se o lago é onde

Lucyestavaantesdeencontrá-loeparaondeelavaiquandodesaparece,Colin seperguntaseelepoderiasimplesmenteirparaláencontrá-la.Elenãosabeaocertocomochegaramaooutrolado,poissuacabeçaestáaindaumpoucoconfusa,maselegostadepensarque,seprecisar,podeencontrarolugarsozinho.–Mecontaoqueaconteceu–dizele.–Éverdade,nãoé?Vocêconseguiupassar

peloportão.–Vocêselembradisso?Eleassente.Elaestremeceaoladodele.–Tirandoquando te encontrei pela primeira vez, eu nãome lembrode terme

sentindotãoatraídaporalgumacoisa.Euviminhamão,eelapareciaviva,Colin.

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Eusenticomosetivessequeestardooutroladodoportão.–Vocêachaqueéassimqueé?Agenteprecisasairdocampus?Tipodestravar

umanovafase?–Nãosei.Nãoseiporque,maseunãoachoquesejatãosimplesassim.Nãopode

ser.–Talvezvocêestejacismadademaiscomisso.Elanãoresponde,apenasapertaasbochechasatrásdacamisadele,certificando-

sedequeeleestáquenteerealmenteali.–Éondevocêestavaantesdevirpracá?–perguntaele.–Achoquesim.Eusintocomose tivesse ficadopresanuma jaula,andandode

umladoprooutro,observandoatravésdolago,esperandopravirficarcomvocê.–Evocêachaqueépraondevocêvaiquandodesaparece?Elacolocaseusbraçosemtornodelequandoeledizisso.–Sim,maseunãotenhoplanosdedesaparecerdenovo.Talvez não, ele pensa,mas pelo menos eu sei onde te encontrar. Colin relaxa.

Saberdissotornaaprevisãodaprimaveramuitomenosassustadora.

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CAPÍTULO33Ela

Océu líquidodeum roxo escuro tremula acimade suas cabeças, comestrelasfeitasdemilhõesdemínimasbolhas.Ailusãodeterraefundodolagotorna-seumaescuridãosuaveeconvidativa.UmsurtoinstintivodeenergiapercorreocorpodeLucy,eelaforçaospassosadiantecommaisrapidez.–Céus,nãovejoahoradechegar–dizColin,flutuandoatrásdela.–Esperoque

agentepossaficarmaistempodessavez.Euquerotentaroportãodenovo.Lucynãoresponde,simplesmentechutandoospésnaáguacristalina.Étudoque

elatemconseguidopensar:comosuapelepareciacarnedeverdade,comosentiuapicadadoarfrionapontadosdedos.Maselareceiaqueexistaalgoqueaindanãoconsiderou.Éestranhonãoconseguirenxergar,massabeexatamenteparaondeir,comoseas

direçõesestivessemembutidasemseusmúsculos.Seráqueeletambémsenteisso?–Vocêconsegueencontrar?–perguntaela,parando.–Oquê?–Eleparaaoseulado,osbraçosencostadosnaextensãodocorpodela.–Vocêlembracomochegarlá?Vocêconseguiriaencontrarsozinho?Ele olha para trás deles, para onde a água simplesmente esvaziou-se em

escuridão,eentãoparaafrentemaisumavez.– Não desse jeito. Não consigo ver nada. Acho que quando viemos antes não

estavaassim.–Deixapra lá–dizela,agarrandoamãodeleparapuxá-loparamaisperto.–

Achoqueéumacoisainstintiva.Talvezdepoisquevocêvierpracámaisalgumasvezes.–Talvez–dizele,emborasoeinseguro.

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Algunssegundosdepois,elainstintivamentesevira.Umaluznadistânciacomeçaabrilharcadavezmaisintensa.Leva um momento para que os olhos deles se acostumem à luz, mas tudo se

encontraexatamentecomodeixaram.Umdosseldefolhascristalinasfaíscaacimadeles.Osoléumraiotrapezoidalamarelopelamargemcongelada.Floreslaranjas,azuis, vermelhas e roxasdesabrochamempequenos estalos antes de congelarem,produzindoondasdevidrocoloridoaodespertarem.UmaleveneveestácaindoeColinestendeamão;flocosintrincadoserendilhadosaterrissamemsuapalma.Elasorri,observando-oolharaoredor.Étudoaomesmotempo:coresvibrantes

e gelo reluzente. Eles conseguem sentir o cheiro da terramolhada sob a neve eouviraáguacongelarnolago.Issotudotorna-sedesorientadoreesmagadorparaossentidos,eelaconsegueveromomentoemqueédemaisparaele,quandoelesesentanobancoetapaosolhos.Elasentaaoladodele,descansandoamãosobreseujoelhodobradodele.–Vocêestábem?–Euteamo–dizelecalmamente,piscandolentamenteparaocéuacima.Elaabreumsorrisotãograndequedemoraváriossegundospararesponder.–Eutambémteamo.Elesegurasuamãoemassageiaseusdedos.–Anteseuachavaquesabiaoqueeraamar.–Eunão.–Elaseabaixaparabeijarascostasdamãodele.Colinolhaparaela,osolhostãofamintosquantoelasesenteaoempurrá-lode

costasnaneve.–Fria?–perguntaela,montandosobreele.Elebalançaacabeça,asmãospercorrendoaslateraisdocorpodela,levantando

suacamisaetirando-anumsógesto.–Nemumpouco.Oscabelosdelacaemcomocortinasemtornodeles,eeleosafasta,beijando-a

como se ela fosse uma garota normal que ele pode segurar e sentir e não sepreocuparsevaidesmanchar.Lucyimaginaseotempodefatopassaaqui,pois,antesqueperceba,suasroupas

seforameColinestáemcimadelasorrindo,comflocosdenevenocabeloenoscílios,desaparecendonapeledeseusombrosnus.Elemordeo lábioenquantosemove acimadela, osdedosmemorizando cada centímetro e encontrandoopontoondeosdoisseencontram.Ageadaseacumulaedesaparecerapidamentenapeledeles.Umaluzexplodepor

trás dos olhos dela, eColin segura suasmãos trêmulas.Ele diz seu nome contraseuslábios,dizqueaamaeque,mesmotendotudodela,nuncaseriaosuficiente.Elegemeemseupescoço,equandoparam,ocoraçãodelesilenciosocontraopeitodela,elaconsegueouviroruflardanevecaindoemvoltadeles.

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–Comoépossíveleumesentirquerendoestaraquicomvocê,mascomosenãodevesse? – pergunta ele. Eles estão na trilha de novo, de mãos dadas, enquantocaminhamparaaentradadaescola.Lucytentoudizer“não”paradistraí-lo,masnãohaviafirmezaportrásdesuaspalavras.–Eunãosei–dizela–,masécomoeumesintotambémtetrazendopracá.Eu

mesintoegoísta.–Lucy?–diz ele, e elavêumanuvemdeansiedadepassarpelosolhosdele.–

Achoqueeradissoqueagentesentiafalta.Vocênãoacha?Elaolhaparaoalto,observandocomoosolparecesemovermuitorapidamente

pelo céu de neve. A cada passo, a necessidade de seguir em frente, de escapar,aumenta.Elesparamcomoportãodeferrodiantedeles,suamassaelevando-secomouma

cicatriz brotando da neve imaculada. Lucy percebe Colin esfregando um pontosobreoesterno.–OJayestámelevandodevolta.Meupeitoestádoendo–dizele.–Agentenão

temmuitotempo,Lucy.Ele levaasmãosatéela,puxando-aparaelecomumsorrisoquenãopreenche

completamente o olhar. Ela sente a boca dele suave, mas insistente, molhada equente.Ela se vira, uma sensação de anseio enchendo o peito comoumbanhoquente,

umafisgadasobosmembrospuxando-anadireçãodoquequerestivessedooutroladodoportão.Omesmosentimentodeantecipaçãosobresuapele.Elalevaasmãosatéotrinco,

levantando-o.Ovelhoportãogeme,asdobradiçasguincham,eLucydáumpassoparatrásenquantoescancaraasportas.Elaenroscaosdedosnosdele,ecomoqueporinstinto,dáoprimeiropasso.Ela escuta a exclamação antesmesmo de se virar. Ele está sorrindo. Lágrimas

percorremlinhasemsuaface,eeleestáolhandoparaelacomoseelafosseacoisamaislindaquejáviu.–O seu cabelo–diz ele.Elabaixaosolhos: estão castanhos, todosos tonsde

castanho de uma só vez. – E seus olhos. – Ele está rindo agora, a descrençaestampadaemcadacantodeseurosto.–Elessãoverdes.

Ela está de volta à trilha. Seus pés caminham facilmente pela terra coberta de

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neve,maselaquasetropeçanumbancodeneveaoavistarJay,curvadoatéochão,vomitando as tripas vários metros de distância de onde se encontra o corpo deColin.OslábiosdeColinestãoazuise,aoseaproximar,elapodeverqueosolhosdele

estãoabertos,ocos,fitandodiretamenteopesadocéucinzento.Opeitodelesobeedesceemrasosarquejos,mas,quandoouveospésdelapisandosobreogelo,eleviraacabeçaparaelae tentasorrir.Sua respiraçãose tornamaisesfarrapada;osolhossefecham.– Fica longe dele! – grita Jay, limpando a boca com a manga da camisa e

correndoaos tropeçosatéColin,afastandoLucy.–Euacabeide trazê-lodevolta,Lucy.Ficalongedele!OsolhosdeJaysefechamcomforça.Eleserecusaaolharparaela.–Oqueaconteceu,Jay?Porqueeleestátãomal?–Eunãosei.Eunãosei–balbuciaele.–Nãoestáfuncionando.–Aindaassim,

elemantémosolhosbaixos,enfiandoaquecedoresdemãodebaixodoscobertoresecontraapelefriadeColin.Opavorgotejapelosbraçosdela.–Vocêestácommedodemim?–Quandoelevolta,vocêestáassustadora–dizele,avoztremendonofrio.Ele

apontasemolhar.–Pegueaquelabolsa,asluvasestãonela.Ela chega entorpecida até a bolsa, as palavras de Jay ecoando em sua cabeça.

Quandoelevolta,vocêestáassustadora.ÉamesmareaçãoqueJoetevenoacidentenavaranda.EledisseaColinqueela

pareciaumdemônio.Lucysenteafelicidadedotempoquepassoudebaixod’águacomColinevaporar.–Aqui–dizela,entregandocuidadosamenteasluvasparaJay.–Oqueeuposso

fazer? Ele vai ficar bem? – Sua voz sai tão desanimada, soa tão indiferente. Elafecha os olhos com força, incapaz de se livrar da imagem de Colin diante dela,sorrindoaosolantesdedesaparecer.– Ele ficou debaixo d’água por mais de uma hora, Lucy! Ele não está

respondendo com um pulso de trinta. Trinta! O pulso normal de repouso dele ésessentaequatro.Vocêporacasosabeoqueissoquerdizer?Elepodemorrer!–Medeixachegarpertodele,elevaimelhorarquandoeuficarpertodele.–Ela

estátãocertadissoque,numprimeiromomento,nãopercebequequandocolocaamãosobreobraçodele,opequenomonitoraoladoemiteumapitoestável.–Lucy!–arquejaJay,puxandoobraçodelaeencarandoopontoondeamãodele

envolvefirmementesuacarne.–Vaiembora.Vaiembora.Vaiembora–elesussurrarepetidasvezes.Ela percebe que estava completamente enganada quando pensou que um Jay

silenciosoéumJayempânico.EsseéoJayempânico,eelenãoconseguepararde

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falarconsigomesmo.Eleéumelásticoesticado,prestesasesoltarnumestalo.–Vamoslevá-loparaodormitório–dizela.–Euachoquepossoajudarvocêa

carregá-lo.Eumesintotãoforte.–Não.Nãotoqueneledenovo.Vocênãoestáajudando.–Claroqueestouajudando.Jay,agenteprecisatirá-lodaqui.Vocênãoconsegue

carregá-losozinho!Sirenes prolongadas ecoam ao longe. Jay encontra os olhos dela; desculpa e

medoeraivaelágrimasbordejandodosseus.–Euligueipraemergência.Nãosabiamaisoquefazer.Aambulânciachegamastigandoanevepelatrilha,derrapando.Osparamédicos

irrompemdetodasasportas,apressando-seemdireçãoaocorpodeColin,tirandoos cobertores e almofadas de aquecimento, checando os sinais vitais dele.Eles oenvolvem em algum tipo de bolsa e enchem Jay de perguntas.Como ele entrou?Quanto tempo ficouna água?Eledisse algumacoisa? Jay responde, entorpecido.NinguémsequerolhaparaLucy.ElaobservaosdoishomensergueremColinecolocá-losobreumamaca.Amão

deleselevantadebilmente,eelaacena.–Euteencontrolá.–Dealgumaforma,elapensa.Seuspensamentosaumentam

empânicoeconfusãoenquantoaambulânciadápartida,apitandosonoramentenosilêncio cheio de ecos do lago, dando ré para voltar à trilha. Como ela poderiasegui-lo?Elacorrenadireçãodaescola,eadistânciavêJoeeDotapressadosnadireção

do estacionamento. Luzes de freios piscam numa cintilante caminhonete azulenquantoJoedestravaasportascomumcontrole.Sempensar,Lucydisparaparaoveículo,agachando-senatraseira.Assimqueos

dois passageiros fecham as portas, Lucy lança o corpo por cima, caindo deitadasobreapartedecargas.Ocascalhoécuspidopelospneusatrásdelesenquantosaemdoestacionamento,

perseguindoaambulânciaquedesceaestradadeterraparaforadaescola.SóaopassarempelosportõesdeferroéqueLucypercebequenãofoimandada

devoltaparaa trilha.Àfrentedeles,olamentodaambulânciadescearodoviademãodupla.Mas por que agora? O quemudou? Ela ergue o olhar para as luzes piscando

adiantena estrada, paraonde seu coração está, amarradonapartede trásdeumaambulância.Paraondevocêfor,euvou,elapensa.Sempre.

– Sexo masculino, dezoito anos, hipotermia severa. Pressão sanguínea a 54.

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Temperaturaatualde34,8°C;catorzedefrequência respiratória.SolutodeRingerinjetado a 150milímetros por hora. ECG estável, com ritmo sinusal normal. OsresultadosdoraioXdotóraxestãoaquipravocêavaliar.Umaamostradosanguefoienviadaaolaboratórioparaanálise.Lucy abre caminho até o canto, cerca de trêsmetros de distância de onde um

médicoolhaafichadeColin,enquantoumdosparamédicosanotaossinaisvitais.Lucy conseguiu chegar até a áreade triagem semninguém lhedirigir umaúnicapalavra.Omédico de plantão escuta o relato da cena: os jovens estavam brincando no

lago,Colinmergulhou,elestinhamequipamentospararessuscitá-lo,epareciaserintencional.–Nãoéesseorapazdequeestavamfalandonojornal?NaépocadoNatal?–ColinNovak.DoSaintO.–Sim.–OdoutorgentilmenteafastaocabelodeColindatesta.–Éele.Lucy se vira enquanto eles o empurram na maca e passam por duas portas

amplas. Ela perambula pelos corredores até não aguentar os apitos, o cheiro deantissépticoeopapeardasenfermeiras.Ficafelizporelas,peloestressedasaladeemergênciasertãotolerávelquantoqualqueroutrotrabalho,masaconversadelassobre o último dia dos namorados está distante demais das informações que eladesejaobter.ElaquerouvirnotíciassobreColinirrompendopelointerfone.Lucygostariadeserumfantasmacomodatelevisão,tãosólidaquantoapenasum

holograma.Elaseriacapazdepassarpelasparedeseentraremqualquersala,espiarcomacabeçadooutroladoeobservarascoresretornandoàpeledeColin.Na sua sétima volta pelos corredores, ela espia dentro da sala de espera das

famílias.Jayfoiembora,masDotcontinualá,mirandooestacionamentoporumagrandejanela,semrealmentever.Nãoháninguémaquiparaconfortá-la,enãoháninguém aqui para confortar Lucy. Ela adentra a sala escura e silenciosa, prontaparacompartilhardesuasolidão.DotestátãoperdidanoprópriosofrimentoquenemsequerpercebequandoLucy

entra.Elasimplesmentebaixaosolhosparaolivroqueclaramentenãoestálendo.Lucyquer falar comela, explicaroqueaconteceueassegurar-lhequeColinestábemequeelesquase solucionaram todoessemistério,masaspalavrasvirampóemsuagarganta.Emvezdisso,elasesentanumsofáemumcantoescuroeespera.Nosvinteminutosseguintes,Dotpedequatrovezesàrecepcionistaparadeixá-la

verColin,andadeláparacásetevezes,senta-seeencaraolivronocoloorestodotempo,semvirarapáginanemumaúnicavez.Dot é alta – alguém pode até descrevê-la como impressionante –, com uma

surpreendentepele joveme cabeloquepoucomudou, emboraoprata predominesobreocastanho-escuro.Estáamarradopara trásnumbagunçadorabodecavalo,salientandoseusgrandesolhosazuis.Mesmocomsuanotávelpresençafísica,Lucy

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consegueverqueDotestásesentindopequena.Impotente.Elaéumamassaansiosa,constantementeemmovimento.E então Dot para. Suas mãos congelam na altura das coxas enquanto ela as

esfrega,preocupada,evira-separaolharLucy.Paraoprópriohorror,LucyvênorostodeDotumamisturadecompreensãoemedo.–Sabe,eumelembrodevocê.–Avozsuavedelatrazumapontadadeacusação.

–Vocêéagarotaqueeuvitodasujanorefeitório,aqueledia.–Elaergueumamãotrêmulaparaenfiarumamechasoltadecabeloatrásdaorelha.–Maseumelembrodevocêantesdissotambém.Lucysenteascamadasdaafirmaçãoedesviaosolhosantesdeassentir,incapaz

deencararapreocupaçãoeaacusaçãoqueelaconsegueveremcadalinhanorostodamulher.MuitosminutossepassamantesqueDotfaledenovo.–Medizseunome.–Lucy.Dotrepeteonomedela,eentãoacrescenta,comvoztrêmula:–LuciaGray.–Sim,senhora.–AlgofrioepesadotrovejanosmembrosdeLucy,trazidopela

expressãonorostodeDot:medo.Esobele,raiva.–Vocêseimportacomele?–perguntaDot,inclinando-separaafrenteparaver

melhorLucynasalaescura.Lucyassentemaisumavez,masviraosolhosparaochão.–Mediz.–Euoamo.–Nãofoiissoqueeuperguntei.– Me desculpe – diz ela, finalmente olhando no rosto de Dot. – Sim, eu me

importocomele.Euqueroqueelefiqueasalvo.Eunãoseimaisnadasobreoqueestoufazendoaqui,alémdesupostamenteprotegê-lo.Murmurandosilenciosamente,Dotfechaolivrosobreocoloeencaraaparede.

Lucyconseguesentirainquietaçãodelacrescercomoumacortinaentreelas.– Você se importa a ponto de deixá-lo levar cobertores e equipamentos de

ressuscitaçãoparaolago?–Nuncafoiminhaintençãoquealgoruimacontecessecomele–começaLucy,

mas as palavras soam falsas com o barulho dos equipamentos do hospital atrásdelas.–Nósestamostentandodescobrirumjeitodemetrazerdevolta.–Te trazerdevolta?–Confusa,Dot soltaumsuspiroebalançaacabeça.–Eu

sempresoubeque issoaconteceriacomele.Sónãopenseiqueseria tãocedo,ouqueseriaelequembuscariaisso.AntesqueLucypossaperguntaroqueelaestáquerendodizer,aenfermeirapisa

nasalacomJoe,quegesticulaparaDot,chamando-a.Comumúltimoeprolongado

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olharparaondeLucyestásentadanaduracadeira,Dotadeixasozinhanasala.Lucyesperacincominutosantesdesegui-los.Elanuncavaiacreditarqueédigna

de ser aGuardiãdeColin.É issoqueeladevia terdito aDot.Devia terditoquefariadetudoparamerecê-loequelhedissessemoquetinhadefazer.Dotestánoquartocomeleagora,falandoemtomsuaveenquantoJoecaminha

atéofinaldocorredor,cabisbaixo,oolharcansadocaindosobreopisolustradodelinóleo,desaparecendodentrodoelevador.Lucysenta-senumacadeiradevinildoladodeforadaportadeColin,esperandoatépodervê-lo,senti-lo,desculpar-se.–Colin–dizDot,comtomdedesculpanavoz.–Euconhecisuagarota.– Você conheceu a Lucy? – A voz dele está pior do que tinha imaginado.

Esfaceladaefraca.– Sim,meu bem. – Ela fica em silêncio por um instante, e Lucy ouve batidas

baixinhas, com se Dot estivesse segurando a mão dele e dando-lhe palmadinhasconfortadoras.–Eunãoseioqueestáacontecendo.Eunãoprecisosaber.Maseupreciso que vocême prometa que essa é a última vez que você vai chegar pertodaquelelago.OúnicosomqueLucyouveporumlongotempoéoapitoestáveldosmonitores

eaconfusãodevozeserisadasdasaladasenfermeiras.Porfim,Colinlimpaagarganta.–Dot–elesoacomosetivesseengolidoestilhaçosdevidro–,eunãopossote

prometerisso.–Eusabiaquevocêdiriaisso,masreceioquevocêtenhaqueprometermesmo

assim.–Nãoéoquevocêpensa.Euseioqueestoufazendo.– Eu não sei o que pensar, querido. Tudo que eu sei é que isso não foi um

acidente.Eunãoconfionaquelagarota.LucyouveumfarfalhardelençóiseColindizendoalgo,quesoacomo:–Nãochora,porfavor.–Vocêestátentandosematar?–perguntaDot.–Oquê?Não,Dot.Euestoutentandoajudá-laavoltar.Jáestáacontecendo.Ela

estámaisforteagoraeeu…–Chegadisso,Colin.Porque issovai tematar.Vocêentende isso,nãoé?Você

deveestaraqui,não lá.Vocênãopode trazê-ladevolta,meubem.Vocênãodevemorrer.Lucysenteoprópriocoraçãobatendonoritmodomonitordentrodoquarto.O

tiquetaquearfamiliardeumrelógioparecepulsarsobsuapele.Minutossepassam.Nãomeobrigueaabandoná-lo.Nãomeobrigueaabandoná-lo.Elaselembradesentirasmãosdeleemseusbraços,asuaverespiraçãodobeijo

delecontraseuombro.Elajáacompanhoucomosdedosumaconstelaçãodesardas

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norostodele,sentiuapressãofriadopiercingnolábio.Elaselembradaprimeiratentativadetoquedeleedosúltimostoques,maisexaltados.Elaimplorasilenciosamentequeelenãoaabandone.Quenãoprometaisso,que

nuncaprometaisso.Aomesmotempo,estáodiandoasimesma.– Tá bom, tá bom, Dot. Não chora, por favor. – Ela solta um chiado baixo e

derrotado.–Euprometoquevouparar.O tiquetaquear para e Lucy fecha os olhos, sentindo como se estivesse se

descosturando.–Euprometoquenãovouentrardenovonolago.

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CAPÍTULO34Ele

Colin dorme pelo que parece ser dias. Suas pálpebras parecem lixas quandofinalmenteseabrem.Oquartoestáclarodemais;aluzdodiairrompepelaaberturadecortinasfamiliares,banhandoopédacamanumaofuscanteluzamarela.Háumvasode floressobreumamesa,esuamochilaeumapilhadesordenadade livrosestãonosofá.–Olhasóquemvoltou–dizDot, levantando-sedeumacadeirapertodaporta.

Elaenfiaumpapeljágastodentrodabolsaeatravessaoquartonadireçãodele.Elaparecemaisleve,feliz,eporumbrevemomentoColinquaseesqueceomotivo.–Euachoquevocê realmenteprecisavadormir,não?–Amãomaciadela tocaseurostoetentaajeitarseuscabelos,comofezváriasvezesemsuavida.–Quehorassão?–perguntaele,econtraiorostoaosentiraspalavrassaindoda

garganta.Comalgumesforço,eleconsegueseerguerumpoucoparasesentar.Dotlevaumcanudodobradoaosseuslábioseelebebe.Seuestômagovazioembrulha,apertado.Asalasealteraegiraàsuavolta.–Onze,maisoumenos.Agoradeita–elalhediz.–Onzedamanhã?–perguntaele,arregalandoosolhos.Elasorri.–Sim,onzedamanhãdeumaquinta-feira,diadezoitodefevereiro.Colin tenta lembrar que dia devia ser, sentindo-se mal quando finalmente

consegue.Eleestádormindohádoisdias.–OndeestáLucy?–perguntaele,ocoraçãobatendorápido,ascoresdoterror

tingindolentamenteasextremidadesdetudoàsuavolta.–Eunãosei,meubem–respondeDot,oalívioesvaindo-sedorosto.–Eunãoa

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videsdeanoiteemquetetrouxerampracá.

Colinrecebealtadohospitalnodiaseguinte.JoeeDotnãofalammuitocomeleouumcomooutroduranteaviagemdevoltaaocampus,eporumlongotempoescuta-seapenasospneusnoasfaltoquebrandoosilêncio.Éumaestranhatensão,queColinnãofazideiadecomoabordar,mesmocomoseuladodahistória.JoeeDotnãopoderiamentenderoqueelepassou,aindaque tentassem.Colinestábemcerto de que, a essa altura, ambos pensam que ele quer morrer, que ele estavatentandosemachucardepropósito.MaseleestágratoporJoenãofazerperguntas;équaseimpossívelparaamaiorpartedaspessoasentenderadistânciaentrevontadedeperigoevontadedemorrer.QuandoJoefinalmentefala,aconversaébreve.EleperguntacomoColinestáse

sentindo,informa-oquenãovoltaráparaaescolanospróximosdiasequevaificaremcasaporprazoindeterminado.Colinresmungaalgumacoisa,ressentindoumarespostaquepoderiadaremoutrolugar.Estádesapontado,masnãosurpreso.ElenãovêLucydesdequefoitiradodogeloenãotemmuitasesperançasdeque

elaestejaesperando-oemseuquarto,tampouconaescolaounogalpão.Dealgumaforma, ele sabe que ela desapareceu de novo. É quase como se ele conseguissesentiraausênciadelaemcadapartículaporondepassam.Asárvoresparecemmaisvazias,oarparecesombrio.Elefechaosolhoseaimaginanaescuridãologoantesdeemergirnasuperfície.

Ele consegue vê-la na trilha sob o céu espelhado e se pergunta se ela conseguiupassarpeloportãosemele.Nocomeço,Colindizasimesmoqueprecisaserpacienteeesperar.Elanãose

distanciaria,nãoagora.Entãoele fazoque lhedizempara fazer:elevaiàaulaevolta para casa logo depois. Ele passa uma tarde toda conversando com umconselheiroporqueDotdizqueissoéimportante.Eleficalongedeproblemas.Eleespera.Mas a tempestade está sempre lá, se formando.Ele a sente espalhar-se comoo

ventodebruçando sobre o lago, comodedos gelados que se fechamem tornodeseuspulmõesatéqueelemalconsigarespirar–atéquesevejaquasedesesperadocomanecessidadedeencontrá-la.Osdiassetransformamemsemanaseogelocomeçaaderreter.Apesardesoar

clichê,elesenteestarseafogando–derretendojuntocomolago.Elefazopossívelparanãodemonstrarsuacrescenteinsatisfação,paranãodescontaremDotouemJoe, que agora o observam com olhos de falcão. Colin se pergunta o que elesdisseramaJay,queparecetersidodiretamenteintimidado,imediatamenteacabando

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comqualquerdiscussãosobreiraolago.TrêssemanasdepoisdeteracordadoparadescobrirqueLucydesapareceu,Colin

sabequenãopodemaisficarsentadoesperando.Elefazumamédialimpandoseuquarto,estudandonamesadacozinhadeJoeesevoluntariandoparaajudarDotafinalizaropreparodasobremesa.Océuescurecee JoeergueumasobrancelhaquandoColinsesentanosofáao

seu lado. Alguns gritos distantes vêm de fora, dos estudantes começando aatravessarocampus.–Ébom teverocupado–diz Joe.Elebebedeumacaneca fumeganteantesde

depositá-lacuidadosamentesobreamesa.–Estásendobom–respondeColin,eelesficamemsilêncioporunsminutos,os

olhos de Joe presos no jornal e os deColin, na TV. –Na verdade, eu estavameperguntandoseeupoderiaconseguirumasuspensãoparaaauladeamanhã,talvezsairdocampusporalgumashoras.–Háesperançaemsuavoz,algoqueelesabequeestevevisivelmenteausentenasúltimassemanas.Joelhelançaumolharcético.–Eoqueexatamentevocêvaifazer?–Nada – diz ele, relaxandoumpouco e tentando soar calmo. –Ver um filme,

talvezvisitarumadaslojasdebikenacidade.–Eledádeombrosparaacrescentarcertaindiferença.–Serialegalsairumpouco.Joeconsidera.Colinquaseconsegueveroalívioda tensãonosombrosdele,o

alívioaoouvi-lofalandodecoisastãonormais.–Naverdade,euachoquesoacomoumagrandeideia–dizJoe,surpreendendo-

o. – Suas notas estão boas.Você não semeteu em nenhum problema. – Ele olhaColin por cima do jornal, com a expressão séria agora. – Mas volte antes deanoitecer.Semexceções.–Sim,senhor–dizele,sorrindo.Joebalançaacabeça,eColinnãosentefaltado

modocomooslábiosdeletorcemnoscantosdaboca.–Demanhãeutedousuaschaves.Colin se recosta, feliz, com os olhos na televisão, mas com os pensamentos

completamenteemoutrolugar.

A neve semiderretida cobre o caminho até a porta da enfermaria, e Colin riconsigo mesmo, percebendo que essa é a primeira vez em que ele sobe essesdegraussema)aajudadeoutrapessoaoub)sanguejorrandodealgumapartedeseucorpo.Ele deixa a porta se fechar suavemente atrás de si e limpa os pés no tapete,

caminhandonadireçãodosomdemovimentonofinaldocorredor.Estásilencioso

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demais, e seus tênis guincham no linóleo, o som quicando pelas paredes ao seuredor.Colinesteveaquitantasvezesquesabeexatamenteparaondeestáindo,sabeparaqueservecadaequipamentoeemqualquartoseencontraacamacomamolaquecutucaascostas.ElesabetambémqueMaggienãoficaráencantadaemvê-loequesuaspegadasprovavelmenteestãosujandoopisolimpodela.Bem nesse momento, ela espia com a cabeça para fora de uma porta dupla,

olhando-ocarrancuda.–Achobomvocêestarsangrando–dizela,olhandoatrásdele.Elesorri.–Nãoestou.–Oquevocêfazaqui?Eleasegueparadentrodoquarto,ondeelaestátrocandoumconjuntodelençóis

atrás do outro.Uma criança que ele nunca viu antes dorme numa cama no outroladodoquarto.–EuprecisosaberumascoisassobreaLucy–sussurraele.Elalançaumolharparaomeninodormindoevoltaparaele.–Achoquenão.Maggiepegaacestadelençóisecaminhaparaopróximoquarto.Eleaseguede

novo.–Por favor.–Suavoz sequebra, implorando.Elanãoquerolharpara ele.Há

uma rigidezna expressãode seu rosto, algoque lhediz que ela está construindoumaparedeparaimpedirumainfiltraçãodelágrimas.–Porfavor.Depoisdeumalongapausa,elafinalmenteencontraosolhosdele.–Porquehoje?–Porqueeunãoconsigoencontrá-la.Elaoobserva,estreitandoosolhos.–Ouviquevocêfezumacoisamuitoestúpida.Estúpidaosuficientepratelevar

prohospital.Tãoestúpidaquevocêtemsortedeestaraqui.Colintentafazerumapiada,rindo:–Novidade,não?Maggieclaramentenãoachagraça.–Issoé…Vocêjáfezmuitacoisaestúpida,masisso…Ele assente, a culpa e o embaraço lutando com a necessidade implacável de

encontrarLucy.–Jáouviuahistóriatoda,então?–Nãotemninguémaquiquenãoouviu.–Maggie,vocêsabiadaLucy.Quandovocêvaimecontarcomosabia?Elacontinuafazendoseutrabalho,eColindáavoltanacama,segurandoooutro

ladodonovolençoleajeitando-osobreocolchão.–Quasemorreuenãoaprendeunada.Miolo-mole…–elamurmura.

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Colinespera;nãopodeexatamenteargumentarcomela.–Issosópodeterminardeumjeito,Colin.Vocêsabedisso,né?–Eunãoacreditonisso,Maggie.Nãoacredito.– Claro que não acredita – ela suspira, a derrota impressa na queda de seus

ombros.Maggie se endireita, olhando para fora pelo corredor antes de fechar aporta.–Vocêtemsortedeeunãochutarseutraseiromagrelopralongedaqui.Colinquasesenteumgostodeáguasalgadaeumamarédensadesoluçosprestes

aengasgá-lo,masosengole.–Obrigado.Empoleiradanabeiradacama,elaengolesalivaediz:–EuconhecioAlanaqui,quandoeutinhadezenoveanos.Eunemsemprefuia

pessoaqueeudeveriaser,Colin.Euerajovemeidiotaefizmuitacoisadequenãome orgulho. Eu estava cuidando da minha própria vida, tentando acompanhar ocursode enfermagem, fazer dever de casa e trabalhar emperíodo integral.Logoantes de eu começar aqui, uma amiga percebeu que eu estava passando por ummomentodifícilemedeualgoprameajudarapassarporissotudo.–Elacolocaum travesseiro sobre o colo, puxando um fio descosturado. – Nãomuito tempodepois, eu estava indo do dormitório até meu carro, e ele estava lá, varrendo acalçada. Ele ergueu os olhos e sorriu como se eu fosse um arco-íris depois datempestade.Euovicomoninguémmais tinhavisto.Euviaquelesolhos loucosesentialgoquenuncasentiantes.Eleerameu.Vocêentendeoqueeuquerodizer?Colinassente,conhecendoexatamenteosentimento.–Elemedeuumarazão–continuaela.–Euestavasozinhanessaescolaenorme

e precisava de alguém. Ele estava tão sozinho. Sem família, sem amigos,praticamenteinvisívelpratodomundoaqui.Elecuidoudemim,meviuestressadaeentendeuporqueeuprecisavadealgumacoisaprameajudarasuportarosdias.Colinassenteenãoficasequerconstrangidoemperceberqueeleestáchorando.–Equandoeudescobrioqueeleera…–Elari,balançandoacabeça.–Quando

eudescobriqueelemorreu?Aqui?Queeleassombravaestelugar?Eupodialidarcomisso.Masdesaparecer?Issoarrasoucomigo–sussurraela.–HáquantotempoasuaLucyestádesaparecida?–Vinteequatrodias.Elasoltaumsuspirocéticodentrodoslábios,balançandoacabeça.– Vinte e quatro dias dá pra aguentar. Vinte e quatro dias você consegue

sobreviver.AbilesobepelagargantadeColincomaideiademaisumdiasequer.–Eledesapareceuporquevocêestavainfeliz?–perguntaele.–Nãoseiporqueelefoiembora.Eufuipraclínicadereabilitação,eelenãome

visitou nem uma vez. Eu comecei a usar de novo e ele voltou, me dizendo queestava tudobem,queeuprecisavadisso.Quasemeencorajando.Naprimeiravez,

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ele ficou desaparecido por seis dias. Na segunda, eu fiquei sem vê-lo durantequarentaeseisdias.Eessaveznemfoiamaislonga.Colinquersemexerdealgumaforma,selivrardessedesconfortoquesealojou

emseuestômago.Elecaminhaatéooutroladodoquarto,remexendofundodentrodesi,esperandoquealgodentrodelesedesenrosque.–Equalfoi?–Doisanos.Eufiqueidoisanoscomele,edepoiseledesapareceuduranteoutros

dois. Eu fiquei sem usar nada por um tempo,mas estava passando por uma fasedifícil. –Maggie fecha com força os olhos, respirando fundo. – Eu tomei umaspílulasdaenfermaria.Quandovolteiaomeuquarto,láestavaele,sentadoàmesadacozinha,comoseomundonãolhedissesserespeito.Comoseeutivessesaídopratomarumaxícaradecaféeelemeesperavavoltar.Mas tinhasido tempodemais,Colin.Eunãoconseguiamais.–Dois anos? –O terror aperta commãos frias seus pulmões, repuxando, e a

sensaçãodeestarafundandoemsimesmoodomina.EleprocurariaporLucyemqualquer lugar. Ele não sabe mais como funcionar sem ela. Maggie fica paradadiantedele,maselaestádistorcidaemsuavisãoborrada.– Ele ainda estava com a lembrança da noite anterior. Enquanto isso, eu tinha

vividodoisanos…indoàescola,voltandopracasa,procurandoporele, tentandoficarlimpa.Indoàescola,voltandopracasa,procurandoporeledenovo.Tododia,por dois anos.E lá estava ele.Minhavida estava desmoronando e ele parecia terganhadonaloteria.Entãoeuoabandonei.Gostariadeterditoaelepraficarlongedemimmuitoantesdisso.Queriaterpedidopramedeixarempaznaprimeiravezqueelevoltou.Colinnãosabeseseriacapazdefazerisso.Elenãoachaquealgumdiapoderia

sercapazdedesistirdeLucy.Ele nãopercebequepronunciou isso emvoz alta atéMaggie responder, a voz

carregadacomumaprofundatristeza:–Vocêchegalá.Vocêvaisedepararcomisso.Podeserquesejanaprimeiravez

emqueeladesaparecerpormaisdeummês.Talvezsejanavezemqueelavoltarpracasaporumahoraeentãodesaparecerdenovopordias.Outalvezelaconsigaoquequerevocêvaifazerotrabalhosujopraela.Elemalconsegueprocessaroqueelaestádizendo,masseforçaafalarmesmo

assim.–Eledesapareceuparasempre?Osolhosdelasefecham,ealgumaspoucaslágrimasescapam.–Nãosei.–Masquandofoiaúltimavezquevocêoviu?–Assimqueelevoltou.Tinhaalgumashistórias,sempreteve.Eunãosabia,até

então,queosmortosaquiestãopresospeloportão.Eu…pareideprocurar.–Elase

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endireita, balançando a cabeça e pegando um lenço do bolso da frente de seuuniforme.–Eunãoseioquesugamaisenergia.Viverpassandoporissooudeixá-loir.Eunãosei.Eusimplesmentenãosei.Umtelefonetocaemalgumlugareabolhaestoura;aluzsombriapareceabrir

espaçomaisumavezparaumaclaridadeflorescenteeecosdesilêncio.Elapassaporele,voltandoaomodoenfermeiraedizendoquesecuide,maselea

paracomumabraço,agradecendonumforteaperto.

DurantetodoocaminhoatéoCemitérioHillcrest,ColindizasimesmoqueveralápidedeLucynãoéamesmacoisaqueverLucy.Maseletemmuitoafalare,nestemomento,elesabequeelaéaúnicaquevaientendertudoisso.Eleestacionaedesceporumatrilhaquecruzaumextensogramadoaparado,que,

nospróximosmeses,deummarromadormecidose tornarávibranteeverde.Elelança um olhar para um caminho estreito e familiar mais abaixo, entre umemaranhadodeárvoresdesfolhadasecompridas.Assepulturasdaqueleladoficamsobumenormecarvalho;aterraficacobertadenozesnooutonoepintadadecoresno verão.Mesmo quando o sol está brilhando e a grama reluz vivamente, Colinsente um vazio estranho lá. Ele não desce por aquele caminho – que leva àssepulturasdeseuspaisedesuairmã–hámaisdedoisanos.MasoimpulsodeencontrarLucyédiferente;éumaurgênciaquequeimaemseu

peito.Seguindoomapa,elesegueemlinharetaeviranumaencruzilhada,paraumaporçãodeterraseparadadasdemaisecercadaporumacercadeferro.Elenãosabeaocertooqueesperaencontrar,masseucoraçãobatemaispesadoemseupeitoacadapasso,suasbotaschapinhandonochãoencharcado.Eleconfereasinscriçõescomomapaenquantoavança:

MARYJORGEYSTEVENSON,AMADAESPOSA,MÃEEIRMÃ.*1923†1984

JEREMIAHHANSEN,NOSSOPAI.*1901†1976

HARRYHAWKINS,ADORADOFILHO.*1975†1987

Nomes,palavras,datas.Vidasinteirasresumidasempoucaslinhas.E então, numa ampla porção de terra cercada por um portão ornado já torto,

encontra-se uma única lápide. Parece-lhe estranho vê-la sozinha, separada dasoutras.Maselepercebequeoespaçoaoladodeladeveestarvazio,esperandopor

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seuspais.Ele se levanta, as mãos cerradas num punho ao lado do corpo, os olhos

movendo-se pela inscrição simples, pelas flores delicadas entalhadasprofundamente no granito polido. Seus dedos comicham de vontade de tocar asletrasdonomedela,deverseasensaçãoaotocá-lasétãorealquantotocarLucy,deversepelomenosalgumacoisadelarestaaqui.–Oi–dizeleparaapranchadepedra.–“LuciaRainGray.Nascidaem1981e

falecidaem1998.Amadafilhaeamiga”.–Elesesenteirracionalmenteirritadoantea inscrição genérica na lápide emmemória dela, soltando algumas imprecaçõesantes de lançar um olhar para trás.Ainda está sozinho, apesar de ter certeza quepode ser ouvido claramente do outro lado da colina. – Sério? Eu acho que elespodiamterfeitomelhorqueisso.Eleenfiaasmãoscongeladasfundodentrodosbolsoselevantaoolharparaas

outrassepulturas.Ocemitériopareceseestenderporquilômetros.Nãoháárvores,prédios, nada para impedir o vento de irromper ao seu lado, espalhando floressecascolinaabaixoeparaforadosvasosquedeveriamservirderecipientes.Ventaforte e frio, mas um silêncio pavoroso impera. Colin senta-se na relva úmida eásperaquecobreasepultura.–Ontemteveumbaile–dizele.–OJayconvidouaAmandapraircomele.–Ele

sorri,sabendoexatamentecomoLucyreagiria.–Eeuestavaplanejandoconvidarvocê,mas…–Elepegaumapedraeaviranamão.Ofundodapedraestáúmidoepareceumônixbrilhante,masotopoestásecoe

quase branco sob a luz. É estranho como a água pode fazer uma simples pedraparecerumagemadeumladoeumpedaçodeconcretodooutro.Assimcomoolago.–Essaéaprimeiravezquevenhopraesseladodocemitério,esim,éassustador.

Sabiaquemeuspaisestãobemali?Nãoéestranho?Eujátinhaumespaçopraserenterradoaquicomminhafamíliaantesdeteenterrarem.–Colinbalançaacabeça,e um arrepio abre caminho sob as camadas de suas roupas. – Eles não estavambrincandosobrecemitériosseremassustadores.Agenteachaqueelesestãocheiosdeespíritos emorte,masnaverdade só sãovazios.Essaé apartemais estranha,estarnumlugarqueparececompletamenteocoedeserto.Porquealguémviriapracá?Oque tempra sever?Nãomesurpreendevocê terdecididovoltarparaumatrilha com árvores e água e… – A voz dele morre mais uma vez, os olhoserguendo-separaoominosocéubranco.Há um espaço entre as nuvens que parece um vórtice, onde ele consegue

imaginarasalmassendosugadas.–Nãoéestranhoeuficarfelizporserapessoaqueviu…?Querdizer,eunãome

lembrodenada,eeuseiqueissopareceerradodetodasasformaspossíveis,maseugostode tê-lovisto.Euquerosentirque fezalgumadiferençapegá-lonaquela

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noite.Ouniverso tedeveuma,Lucy.Vocêmerecevoltar.–Ele limpaagarganta,tomandoumfôlegomuitonecessárioparasuavizaronóemseuestômago.–Eeusei que estou falando sozinho.Vocênão está aqui, na poeira e na grama e no ar,porque,sevocêestivesseaqui,teriaencontradoumamaneiradesematerializar.Eusei onde você está.Não é estranho eu achar que essas pessoas neste cemitério seforam,masnãoconseguiraceitarquevocêsefoi?Tipo,eununcadisseumapalavranasepulturadaminhamãe,porque…dequeadiantaria?Ela foiemborahámuitotempo.Sabe,eumalmelembrodorostodela.–Eledádeombros,jogandoapedranochão.–Masdevocê,não.Eumelembrodecadasorrisoseu,edevoterpassadomeiahoraontemànoitetentandovisualizaraexpressãoquevocêfazquandoestáescovando o cabelo.Eu conheço o jeito que você segura o lápis e cruza a pernadireitasobreaesquerdaequasenuncaocontrário.Eeuseiondevocêestá,Lucy.Eununcasentiquetinhaalguémmeesperando,nemminhairmãouminhamãeoumeupai.Otempotodofoisóvocê.Ele encara agrama seca à suavolta epegaumaúnica lâmina.A raiz é tenra e

verde,aindaqueaparteexpostaestejasecaeamarelada.Sobosolo,aindaestáviva.–Eupassei asúltimas semanas tentando saber como isso foi acontecer, e acho

que agora eu entendo. Eu não devia estar aqui. ADotme disse isso tantas vezesbrincando, que eu tinha nove vidas, mas eu nunca pensei muito nisso, sabe? Eudeviatermorridocomminhafamíliaepelomenosumasdozevezesdepoisdisso.Nemapedreirameassusta.Equandoeucaíequebreibraço?Pelaprimeiraveznavida eu pensei: acabou. É o fim. Mas não foi. Você estava me observando,esperando,eeuachoqueaquelepensamentofoiosuficienteprafinalmentetetrazerpracá.Senãoeraofimpramim,tambémnãoerapravocê.Estamosconectadosdeum jeito que ninguém está. Eu não deixei o homem que te matou escapar doassassinato,evocêvoltouporquesabiatudoqueeutinhaperdido.Eledeixaagramacairepassaamãosobreasoutraslâminasamareladas,ainda

firmementeenraizadasnosolo.–Achoqueoqueestouquerendodizeraquié:esperoquevocêestejaesperando

por mim, Lucy. Porque, dessa vez, eu vou te levar comigo pelo portão, não ocontrário.

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CAPÍTULO35Ela

Lucyinspiraeexpira,osolhosseabrindoparaaclaridadeamareladocorredordaenfermaria.Nãohávozesecoandodenenhumdosquartos,eopânicoatomaimediatamente;

eladesapareceumaisumavez.Porquantotempo?Elaselevanta,movendo-sesilenciosamenteatéaportamaispróxima.Quandoespiadentrodoquarto, ela encontraColindormindode lado.Oalívio

que sente é uma coisa tangível e quente. Um emaranhado de tubos entra sob oscobertores, e somente um punhado de cabelo está visível. Ela sente como sefinalmente pudesse respirar de novo, sabendo que ele está bem o suficiente paraestaraquienãomaisnohospital.Emvezdeacordá-locomsuapelefria,elasesentaaoladodesuacamaeespera.Elaprometenãoentrarnolago.PrometenãodeixarColinentrartambém.Estátudobem,eladizasimesma.Éissooquequeria,Colinsalvoacimadetodo

o resto. Ela se sente mais forte a cada inspiração profunda, como se o arsimplesmentepassasseporseuspulmõesparaconstituircadapartesua,célulaporcélula.

– Com licença. –As palavras e a voz não semisturam; soa como cortesia deácidoescorrendo.

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Lucyergueoolharparasedepararcomosfamiliaresolhoscastanho-escurosdeMaggie.Elanãoachaqueaenfermeiraestejaparticularmenteencantadaemvê-la;oolharemseurostoparececlaramenteirritado.–Quediabosvocêestá fazendoaqui?–perguntaelanumchiado, lançandoum

olharparaacama.–Esperandoeleacordar.MaggieolhaparaomontedecobertoresdebaixodosquaisColinseencontrae

entãodevoltaparaLucy,comoseelaestivessenuasentadasobreacadeira.–Vocêestálouca,menina?EssenãoéoColin.AcadeirabatesonoramenteparatrásquandoLucyselevanta.–Ondeeleestá?Eusaíquandoeleestavanohospital,masacordeiaqui.Eupensei

que…–Saiu?–perguntaaenfermeiranumchiadofurioso,puxandoLucyparaaporta.

–Comoquemvaialiejávolta?Pratomararfresco?OColinsaiudohospitaltrêssemanasatrás,Lucy.– Três semanas? – pergunta ela, com uma bola de chumbo feita de medo

chocando-seemsuasentranhas.Maggieassenteevaiatéopédacamaparapegarafichamédicadoestranho.AspalavrasdelaseencaixamdentrodamentedeLucy.–Quediaéhoje?–Éumdomingo.Eeleacaboudesairdaqui,veioatrásdeajudaparaprocurar

você.Aquelemenino tinhaumolharnorostocomosefosseprocurardebaixodecadapedraseprecisasse.–QuandoMaggiebalançaacabeça,Lucypercebequeelaachaoesforçovão.–Comosefizessediferença.Eudisseaelequeissoaconteceria,quevocêiriaemborasemdeixarvestígioseeleseriadeixadoaqui,tentandojuntaros pedaços. O seu tipo não serve pra nada, só partir corações. Vocês não nosqueremasalvooufelizes.Não,vocêsnosqueremàbeiradoabismoearrasados,queremnoslevarparaalgumlugarondenãotemosqueirainda.Vamostorcerpraelesermaisespertoqueeu.–Maggiesaidoquartoemdireçãoaumescritórionosfundos.–Faztempoqueelesaiu?–perguntaLucy,sentindoumaondaderaivaseformar

nofundodeseupeito.– Eu tenho coisas pra fazer – diz a enfermeira sobre os ombros. – Seme dá

licença.DessavezéLucyquemasegura,agarrandoumbraçodeMaggieparaimpedi-la.

Os olhos da mulher se arregalam, e Lucy percebe imediatamente que algo estádiferente.Maggiemudaoolhar,dopontoondeLucyaaperta–asjuntasbrancas,apelesólidaequente–paraencará-la.–Vocêdeixeaquelegarotoempaz.–Háraivaemsuavoz,mas,maisqueisso,há

medo.OscontornosdavisãodeLucysetornamvermelhos,eoarsemoveemondas

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peloquarto.Maggieperdeo fôlego, levandoamãoaonarizquandoumpequenofiletedesanguecomeçaaescorrer.–Faztempoqueelesaiu?–berraLucy,surpresaconsigomesma.Maggieselibertadoseuaperto,parecendoapavoradaedesorientada.–Meiahora…meiahora,maisoumenos–dizela,vacilandosobreaspróprias

pernas.Tão rapidamente quanto apareceu, a raiva desaparece, e Lucy olha as próprias

mãos,aterrorizada.ElaseaproximadeMaggie:–Eusintomuito–começa,desejandoajudar.–Eunãosei…– Fique longe de mim – dizMaggie, cambaleando para trás antes de desabar

sobre o chão.A cor tinha fugido de sua pele escura, e o sangramento aumentou,agoracorrendocomoumriachopelafrentedoseuuniformeesverdeado.Aocair,elabatenumapequenamesademetal,virando-aederrubandoosobjetosemcimadela sonoramente no piso.Alto o suficiente para chamar a atenção damulher nocorredor.Elausacasacoeluvas,comosetivesseacabadodechegardefora.– Não, não, não, não, não, não – diz Lucy, encolhendo-se nas sombras e

observando a mulher se atrapalhar com o celular enquanto tenta ajudar Maggiedeitadaemumapoçacadavezmaiordesangue.NinguémsequernotaLucyenquantoelasaiaostropeçosdoquarto,esbarrando

em uma cadeira no corredor emandando-a para longe, derrapando pelo piso delinóleo.Oqueestáacontecendo?

Oquedizemsobreandardebicicletaéverdade.Semdinheiroparapegarumtáxiou fazer uma ligação,Lucy roubaumabicicleta do ladode fora da enfermaria esemdificuldadeslembracomoseequilibrarepedalar.Enquantocruzaopátio,elapercebe que não sabe nem o número do celular de Colin. Suas mãos trememviolentamente enquanto segura os guidões, com medo demais para lançar umsegundo olhar para trás, para sequer considerar o que acabou de acontecer. ElaprecisachegaratéColin.Lucy está quase sem ar ao chegar ao dormitório. Duas viaturas da polícia

estadualestãoparadasnoestacionamento,eelavêocarrodeDotaalgumasvagasdedistância,masnãoarriscairatéacozinhaparaencontrá-laeperguntardeColin.Seguindoemfrente,elapercebequeascalçadasestãomaismovimentadasqueo

normal.Estudantes seagrupam, trocandovozes sussurradaseansiosas,eLucyoscontorna,estacionandoabicicletanalateraldoEthanHall.Elacongelaaoavistarosseguranças do campus perto da porta, conversando com um professor que ela

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reconhece.Parece impossível,massuamenteculpadaseaceleraaindamais, e elanãoconseguedeixardeseperguntarseeleestáprocurandoporela.Lucysesentetãovivaagora–comosecadacélulaestivessepulsandocomsuaprópriabatidadecoração–que temenãohavermaneiradeescapar.Elasesentecomoumoutdooriluminado.Umgrupodegarotastagarelandoseaproximadaentrada.Elassemovemcomo

umcardumedepeixes,perdidasnumatorrentedefalassussurradas.Lucyseenfiaatrásdogrupoeparececonseguirsepassarporumadelas,poislogoestádooutroladodaporta,subindoemdisparadaasescadas,rezandoparaqueColinestejaemseuquarto.Elaconsegueouviramúsicavibrandoantesmesmodechegarlá.Ela dispara corredor abaixo, e sem esperar para bater, irrompepela porta. Jay

estásentadoemseucomputador,acabeçaapoiadanasmãos.–Eujáestousabendo–dizele,comumtomgraveegentilnavoz.Lucyfreia,procurandoporColinnopequenoquarto.–Sabendooquê?–Queelemorreuontemànoite.Elabalançaacabeça,confusa.–Quemmorreuontemànoite?–OseuamigoAlex.Lucynãotemmaispernas.Elassedãoporvencidasdebaixodela,eelasesenta

numapilhaderoupasuja,enquantoomundocomeçaagirarrápidodemaisparaelasefixaremalgumlugar.–Oquê?–Elesefoiontemànoite.Elenuncaesteveemrecuperação;elesónãocontou

praninguém–Jayindicaomonitor,apontandoamatériaqueestavalendoquandoela entrou, mas ela está rastejando na direção da porta enquanto pavor, ânsia eterroradominam.Omedoestácongelandoseusmembros,porqueseJayestáaquieColinnão…Lucyolhaosprópriosbraços.Elaestátãosólidaqueconsegueversuapelemovendo-sefirmementeentreseusdedosquandosebelisca.Minhapresençaestácombatendoocâncer,ajudando-oaficarsaudáveldenovo.

Eeumesintomaisforteacadadia.Quantoaosoutroscomovocê,parecequesemprequeremlevaralguémcomeles.

Tentenãofazerisso,Lucy.–OndeoColinestá?–perguntaJay,olhandoatrásdela.–Nãoseiseelejásabe.

Mastalvezjásaiba,porqueeleestádormindonacasadoJoee…–Jay,euachoqueoColinfoimeencontrarnolago.

Jay começa a jogar suprimentos dentro de uma mochila, gritando para Lucy

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esperar sóumsegundo,paradeixá-lo ligarparaa emergência.Maselanãopodeesperar. Cada partícula de seu corpo a empurra porta afora e escadaria abaixo,correndoparaondeelasabequeColinestá.Seupeitoqueimadevidoàspenosaspassadasnaneveemvelocidade,eolhando

parabaixoenquantocorre,elavêdoisgruposdepegadasconvergindo.AsdeColineasdela.Igualmentefundas.Ogelogemeemavisosobseupeso,eelaescorregapelaprimeiravez,batendoseusólidoquadrilnasuperfície.Maisperto,maisperto.Lucyodeiacomoestásesentindoforte.Aúnicacoisaqueafazseguiremfrenteé

queelaaindaestáaqui.SeColinmorreu,elateriadesaparecido,não?–Estouquaselá.Porfavor,nãovámeprocurar.Euestouaqui.Nabeiradadogelo encontra-se umapilha de roupas. Jeans, botas, o casacode

capuz azul favorito dele. Na água, não há bolhas, não há ondulações, não hámovimento.Apenaságuaazuldiluindo-senaescuridão.Seugritoécarregadopeloventoentreasárvoreseecoapelasuperfíciedaágua.

Aintensidadedesuaslágrimasapartememduaseapuxamparaogeloquebradiçoefrágil.Finalmente,cadapeçaseencaixa.NãosounenhumaGuardiã,souumacilada.Elasenteos rastrosdassuas lágrimasquentescaindopelorosto–asprimeiras

quechoradesdeseudespertar.Adistância,sirenespreenchemoar,osomapitandonoespaçovaziodolagocongelado.Cadavezmaisperto.Cadavezmaisperto.Enquanto encara a pilha de roupas, elas se cobrempor flocosmacios de neve.

Quandoolhaparaocéu,elasedeparaapenascomumazulluminoso.Segurandoasmãoserguidasàsuafrente,Lucyobservasuapelesedesintegraremneve,cinzasear,enquantosedissolvenovento.

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EPÍLOGO

Nãofoisimplescomoescorregarparaaescuridãoeencontrá-loàsuaespera.Elapensavaquefossesimples.Elasemoveucomomesmoinstintoqueantes.Mas,emvezdisso,estavadevoltaemseumundoespelhado,sozinhaemaisconscientedessavez.Elanuncaestevesozinhaláantes,porquebastavaapenasolharparaooutrocéuparavê-lo.Mas,quandovoltousozinha,elaselembroudecadaminutocomColin,decadasorriso,decadasensaçãoqueelelhetrazia.O tempo era seu único e relutante companheiro. Ele se retorcia e adormecia,

prolongava-se interminavelmentepara entãopassar rápidonospoucosmomentosem que ela se deixava desfrutar das exuberantes lembranças de ter alguém. Osminutosdebaixodolagopassavamdemaneiradiferentedasuperfície.Umminutoaquipodiaserumsegundoouumanoparaqualquercoisanaterra.Quantotempodemorariaparaelechegaraqui?Quantotempotinhasepassado?Todavezqueoestranhosolnascia,elapensava:Hojeéodiaemquevamosvoltar

aficarjuntos.Tododiaelacaminhavaatéoportão,masavontadedecruzá-lotinhadesaparecido,comoseesse impulso tivessesedissolvido juntocomseucorponaneve.Eentãotudomudou.Eraumtipodiferentedemanhã,friacomooprimeirodiaemqueeleentrouno

lago,comoartãocortantequevocêatéhesitaantesdeinspirá-loparadentrodospulmões–mesmoquesejaeleque lhedêformaeoselementosmais friossejamsuaúnicaessência.Ela tinhaumbompressentimentonaquelamanhã–umaemoçãoquenãopodia

explicar.AqueleclimafariaosolhosdeColinacenderem-sedouradoseelasaberiaentãoqueeleestavapensandoemmergulhar,emtocá-lacommãoselábiosepele.Atrilhaestavadeserta,éclaro.Umacamadamaciadenevecobriaasujeiraea

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grama. Maçãs que se penduravam maduras e redondas no dia anterior agoraestavamcaídassobreanevecomorubiscintilantes.Eentãoeleestavalá.Os olhos dele estavam cheios de confusão. Ele olhou os próprios braços, as

maçãs na neve, o céu azul-gélido e o caminho diante de si. Quando viu Lucy, aexpressão em seu rosto relaxou, e ele piscouuma, duas vezesnadireçãodela.Asegundavez,acompanhadadeumsorriso.

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AGRADECIMENTOS

Este livro parece ter ficado muito tempo em um canto secreto dos nossoscorações,mas agora está à solta nomundo! (Só podemos torcer para que ele secomporteenãocomabiscoitosemcimadacama.)Nossaagente,HollyRoot,temacompanhadotodaessajornada.Semdúvida,nós

trêsestamosfazendoumadancinharidículaealegreaoverestetrabalho,frutodonossoamor,impressopelaprimeiravez.Nossa editora, Zareen Jaffery, queria publicar essa história muito antes que

qualqueroutrolivronossovissealuzdodia,enaTerraMaravilhosadeChristinaLaurennóstemosumacadeiraespecialreservadaparaelaporamarColineLucyhátantotempo,eportorná-loscadavezmaisfortesacadaedição.Obrigada,LizzyBromley, pela nossa linda capa da edição americana. Ela ainda nos faz perder ofôlego. Obrigada a todos da Simon & Schuster Books for Young Readers —especialmenteKatyHershberger,ChrissyNoh e JuliaMaguire—por nos dar asboas-vindas com tanto entusiasmo! Vamos comprar pulseirinhas iguais paracombinar.Nossosprimeirosleitoresviramestelivrotantasvezesquetenhocertezadeque

elesnemmesmosabemqualversãoéafinal,esentimosmuitoporisso!Mas,poroutro lado, nós amamosvocês infinitamente:AlisonCherry,MarthaHenley,ErinBillingsServiceeAnneJamison.Obrigada tambémaosolhoscríticosegentisdeMyra McEntire, Gretchen Kopmanis e Tonya Irving. Agradecemos também aLaurenSuero,porseramaisfabulosadasassistentes,aNathanBransford,pordaraummundãodeescritoresummapaclarodaestradapela frenteeumconjuntodeferramentas; e aTaherehMafi, sempre,pornosgarantir queoúnicoobstáculo ànossafrentefosseotempo.Nósadoramosvocê.Obrigada a John Donello, por ser nosso mentor, pela amizade, pelas infinitas

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gargalhadase,éclaro,pelafaíscadeumaideiaquesetornouumlivro.Finalmente, obrigada a nossos maridos e filhos por manterem o entusiasmo

desde o dia em que escrevemos a primeira palavra de Sublime até o presentemomento.Bemagora.

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TableofContentsPáginadeTítuloDireitosAutoraisPáginaCAPÍTULO1:ElaCAPÍTULO2:EleCAPÍTULO3:ElaCAPÍTULO4:EleCAPÍTULO5:ElaCAPÍTULO6:EleCAPÍTULO7:ElaCAPÍTULO8:EleCAPÍTULO9:ElaCAPÍTULO10:EleCAPÍTULO11:ElaCAPÍTULO12:EleCAPÍTULO13:EleCAPÍTULO14:ElaCAPÍTULO15:EleCAPÍTULO16:ElaCAPÍTULO17:EleCAPÍTULO18:ElaCAPÍTULO19:EleCAPÍTULO20:ElaCAPÍTULO21:ElaCAPÍTULO22:EleCAPÍTULO23:ElaCAPÍTULO24:EleCAPÍTULO25:ElaCAPÍTULO26:EleCAPÍTULO27:ElaCAPÍTULO28:EleCAPÍTULO29:ElaCAPÍTULO30:EleCAPÍTULO31:ElaCAPÍTULO32:EleCAPÍTULO33:ElaCAPÍTULO34:EleCAPÍTULO35:Ela

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EPÍLOGOAGRADECIMENTOS