SUESS - Migração, identidade, interculturação. Teses e fragmentos para um discernimento...

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1 MIGRAÇÃO, IDENTIDADE, INTERCULTURAÇÃO Teses e fragmentos para um discernimento teológico-pastoral Paulo Suess 1 Resumo: A migração é atravessada por todas as questões cadentes da nossa civilização. Temas como territorialidade, urbanização, agronegócio, modelo de desenvolvimento, trabalho, sociedade de classe, identidade são como fios que formam um nó quase impossível de se desfazer. Para este texto, construído em forma de teses, foi proposto fazer um corte pela identidade e a interculturalidade, a partir do campo teológico-pastoral. Mesmo assim, no pedregulho da migração, todas as pás que procuram cavar fundo entortam. O resultado parece já estar pronto antes de se escrever a primeira linha, e aponta para duas opções: acabar com a migração ou acompanhá-la. O resultado, aparentemente impossível, questiona o sedentarismo eclesial e o estatuto sistêmico da prática pastoral. Palavras-chave: identidade, interculturação, desenvolvimento, solidariedade. O VI Encontro Continental de Teologia Índia, de 1.° a 4 de dezembro 2009, em El Salvador, em sua mensagem final “Mobilidade humana, desafios e esperança para os povos indígenas” , faz uma constatação enigmática quando afirma: “Um povo que não migra se condena a morrer”. O significado de uma palavra, no caso a “migração”, quando usada para expressar algo negativo e algo positivo ao mesmo tempo migração como deslocamento forçado por causa de penúria e opressão, e migração como opção cultural (nomadismo) ou busca de progresso produz a dança do conceito. Para escapar dessa ambiguidade vou tentar destrinchar algumas conotações semânticas da palavra “migração” a partir de diferentes causas e efeitos dessas migrações. O discernimento prévio permite tecer algumas ponderações sobre a intervenção da Pastoral do Migrante, inspirada no Documento de Aparecida (DAp) e sempre de novo provocada pelo projeto do Reino. 2 I. Discernimentos “Um dos fenômenos mais importantes em nossos países é o processo de mobilidade humana, em sua dupla expressão de migração e itinerância, em que milhões de pessoas migram 1 Paulo Suess é doutor em Teologia Fundamental pela Universidade de Muenster, Alemanha, professor de pós-graduação em Missiologia no Instituto São Paulo de Estudos Superiores (Itesp) de São Paulo e assessor teológico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e do Conselho Missionário Nacional (Comina). 2 Cf. SUESS, Paulo. Migração, peregrinação e caminhada, p. 294-311. Este artigo representa a complementação essencial do texto aqui apresentado.

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    MIGRAO, IDENTIDADE, INTERCULTURAO

    Teses e fragmentos para um discernimento teolgico-pastoral

    Paulo Suess1

    Resumo: A migrao atravessada por todas as questes cadentes da nossa civilizao. Temas como territorialidade, urbanizao, agronegcio, modelo de desenvolvimento, trabalho, sociedade de classe, identidade so como fios que formam um n quase impossvel de se

    desfazer. Para este texto, construdo em forma de teses, foi proposto fazer um corte pela identidade e a interculturalidade, a partir do campo teolgico-pastoral. Mesmo assim, no pedregulho da migrao, todas as ps que procuram cavar fundo entortam. O resultado parece j estar pronto antes de se escrever a primeira linha, e aponta para duas opes: acabar com a migrao ou acompanh-la. O resultado, aparentemente impossvel, questiona o sedentarismo eclesial e o estatuto sistmico da prtica pastoral. Palavras-chave: identidade, interculturao, desenvolvimento, solidariedade.

    O VI Encontro Continental de Teologia ndia, de 1. a 4 de dezembro 2009,

    em El Salvador, em sua mensagem final Mobilidade humana, desafios e

    esperana para os povos indgenas , faz uma constatao enigmtica quando

    afirma: Um povo que no migra se condena a morrer. O significado de uma

    palavra, no caso a migrao, quando usada para expressar algo negativo e algo

    positivo ao mesmo tempo migrao como deslocamento forado por causa de

    penria e opresso, e migrao como opo cultural (nomadismo) ou busca de

    progresso produz a dana do conceito. Para escapar dessa ambiguidade vou

    tentar destrinchar algumas conotaes semnticas da palavra migrao a partir

    de diferentes causas e efeitos dessas migraes. O discernimento prvio permite

    tecer algumas ponderaes sobre a interveno da Pastoral do Migrante, inspirada

    no Documento de Aparecida (DAp) e sempre de novo provocada pelo projeto do

    Reino.2

    I. Discernimentos

    Um dos fenmenos mais importantes em nossos pases o processo de mobilidade humana, em sua dupla expresso de migrao e itinerncia, em que milhes de pessoas migram

    1 Paulo Suess doutor em Teologia Fundamental pela Universidade de Muenster, Alemanha, professor de ps-graduao em Missiologia no Instituto So Paulo de Estudos Superiores (Itesp) de So Paulo e assessor teolgico do Conselho Indigenista Missionrio (Cimi) e do Conselho Missionrio Nacional (Comina). 2 Cf. SUESS, Paulo. Migrao, peregrinao e caminhada, p. 294-311. Este artigo representa a complementao essencial do texto aqui apresentado.

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    ou se veem foradas a migrar dentro e fora de seus respectivos pases (DAp 73).

    1. A migrao tem vrias causas e nomes. A expulso forada por via legal

    ou ilegal e o xodo mais ou menos voluntrio por motivos religiosos, culturais,

    sociais e psicolgicos estabelecem um primeiro divisor das guas. O migrante pode

    ser um refugiado poltico, econmico e cultural.3 Nas pastorais da Igreja Catlica, o

    motivo do deslocamento e da mobilidade, presente na expresso simblica da

    caminhada , muitas vezes, considerado um prefixo de toda a ao pastoral e

    aponta para um projeto dinmico de vida.

    2. A migrao voluntria se d, sobretudo, entre jovens que perderam o

    gosto de viver na terra onde nasceram. O sistema escolar e a propaganda de meios

    de comunicao contribuem muito para essa perda. Esses migrantes voluntrios

    procuram em pases que os desprezam uma pequena fatia do progresso para

    compensar as condies de vida consideradas inadequadas em seu pas de origem.

    O preo que pagam pela correria atrs desse progresso alto. Cobra-lhes

    conformismo e assimilao que pervertem seus sonhos e paralisam seu potencial

    transformador.

    3. Na corrida atrs do progresso fcil confundir a fabricao de sempre

    novos objetos e a correria atrs deles com a prpria emancipao de penria e

    opresso. difcil distinguir necessidades reais de necessidades sugeridas pela

    propaganda. A acelerao do tempo na produo, no consumo e na inovao

    tecnolgica um dos momentos marcantes do capitalismo tardio com um grande

    impacto sobre migrantes que no querem perder ou que precisam recuperar a sua

    conexo sistmica.

    4. A migrao voluntria pode ter ainda outros motivos, alm da corrida

    em busca do progresso. Pode basear-se no direito de ir e vir; pode encaixar-se no

    esprito de migrao cultural em busca de uma terra sem males dos Guarani;

    pode ser expresso de um impulso aventureiro ou de uma mstica de peregrino.

    5. A peregrinao prtica ritual e lembrete simblico da caminhada. De

    tempos em tempos, o cristo ritualiza sua passagem provisria pelo mundo atravs

    de peregrinao para Jerusalm, Santiago de Compostella, Canind ou Aparecida

    do Norte. A peregrinao lembra a caminhada. No um substitutivo dela. A

    caminhada opo do seguimento de Jesus Caminho, longe dos motivos de fuga

    do mundo perverso ou da conformao ao mundo injusto. A caminhada uma

    opo material e espiritual, que se realiza geograficamente no mundo,

    3 Para obter dados estatsticos e diferenciaes jurdicas, ver o site da Associao Brasileira de Estudos Populacionais www.abep.org.br e os textos ali disponibilizados do VI Encontro Nacional sobre Migraes (12 a 14 de agosto de 2009, Belo Horizonte/MG).

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    temporalmente, a cada dia e, espiritualmente, na vida de cada pessoa. Nem

    sempre possvel distinguir claramente os motivos entre essas modalidades de

    deslocamento real e simblico e seu alcance semntico, entre migrao, xodo,

    asilo poltico, peregrinao, correria e caminhada.

    6. O que o Documento de Santo Domingo disse acerca da cultura vale

    tambm para a identidade. Ambas so atravessadas por estruturas de pecado (cf.

    SD 13), que so formas de alienao que apontam para falhas ou rachaduras

    (foradas ou no) na continuidade ou na constituio de coeso vivencial. Se no

    novo contexto (no pas receptor) a constituio social falhar, pode-se falar de uma

    identidade socialmente danificada. Sintomas dessa identidade danificada seriam o

    isolamento radical (marginalizao), a fragmentao simblica quase esquizofrnica

    entre origem e destino e a assimilao na nova sociedade. Existe tambm a

    possibilidade de continuidade biogrfica em nichos de privacidade e intimidade.

    7. A alienao atravessa todas as modalidades de identidade histrica, a

    alienao objetiva, socialmente imposta numa sociedade no redimida, e a

    alienao subjetiva, assumida pelo indivduo, no s atravs de seus desejos

    insaciveis por mais e melhor, mas como sua condio de vida. Alienao

    compreende-se nesse contexto como distanciamento ou perda de autonomia e

    liberdade das pessoas. Distanciamento e perda as afastam de seu projeto de vida

    numa sociedade de desiguais, com a qual, originalmente, no se identificaram e,

    hoje, convivem com indiferena.4 Mas tambm a autonomia, que para as diferentes

    classes para uns como possibilidade real, para outros como desejo se configura

    como privatizao tica, como consumismo e multiplicao de opes que, na

    butique de po, por exemplo, permitem escolher entre sessenta tipos de pes

    diferentes, tambm essa autonomia se revela no s como emancipao, mas

    como nova escravido e causa de patologias modernas.5 Talvez os padres

    conciliares tenham pensado nessa contradio quando advertiram contra as

    aparncias da falsa autonomia (GS 41c).

    II. Migrao

    Na Amrica Latina e Caribe os emigrantes, deslocados e refugiados, sobretudo por causas econmicas, polticas e de violncia, constituem fato novo e dramtico (DAp 411).

    8. A migrao nos coloca num campo de conflitos entre dois projetos de vida

    incompatveis: o projeto de vida do sistema capitalista e o projeto de vida do Reino

    4 Cf. JAEGGI, Rahel. Entfremdung, p. 50s. 5 Cf. ROSA, Hartmut. Kritik der Zeitverhltnisse, p. 43.

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    de Deus. O primeiro um projeto de vida que permite o bem viver para poucos.

    Estes se beneficiam da produo cada vez mais acelerada, da acumulao de bens

    e lucros, do consumo, do crescimento alm das possibilidades do planeta Terra. o

    projeto concorrencial de produtores, consumidores, clientes e administradores.

    9. O segundo projeto visa o bem viver de todos, na base da redistribuio

    dos bens, da gratuidade simblica e real, do reconhecimento da alteridade e da

    justia maior. o projeto que aponta para a solidariedade e a amizade entre todos.

    Neste projeto no existem estrangeiros. Todos so parentes e internacionalistas da

    grande famlia humana. O sofrimento dos confins do mundo repercute no corao e

    no lugar de cada um. Na histria e vida concreta, o projeto do Reino, em sua

    plenitude, sempre incompleto. Seu horizonte escatolgico, porm, tem uma

    incidncia sobre passos e decises de cada dia.

    9. A migrao no uma caminhada de um projeto de morte (projeto

    capitalista) para um projeto de vida (Reino de Deus). uma marcha por melhorias

    socioeconmicas ou por sobrevivncia (fuga de zonas de guerras civis ou de

    catstrofes naturais) no interior do sistema capitalista globalizado, que no

    reconhece uma exterioridade. O excludo um no participante, um descartado. O

    migrante tem poucas condies de luta por transformaes substanciais do sistema

    poltico-econmico que o obriga a migrar. Para transformaes estruturais do

    sistema, que o faz sair de sua terra, ou para ter ao menos condies de

    sobrevivncia ou vida digna no seu lugar, o migrante precisaria ter condies de

    barganha e organizao coletiva. A migrao desterritorializa, individualiza e isola.

    Alm de no ter lugar geogrfico nem social, o migrante tampouco tem partido

    poltico, que o defenda, ou sindicato, que o represente nas lutas sociais. Partidos e

    sindicatos esto acoplados ao capitalismo, que est na raiz da migrao.

    10. O xodo migratrio, que hoje um fenmeno acoplado economia

    globalizada, beneficia determinados setores da sociedade que se sentem aliviados

    com a sada das massas sobrantes. Incorporam as terras dos migrantes em seus

    latifndios e substituem a sua mo-de-obra por assalariados mais baratos ou por

    mquinas. Por outro lado, esses mesmos setores vencedores se sentem

    ameaados em seus privilgios pelos imigrantes que chegam. Obrigam a classe

    poltica, que representa seus interesses e que lhes deve lealdade por causa de suas

    contribuies no perodo das eleies, a legislar contra os imigrantes. Estes, muitas

    vezes sem documentos de imigrao, sem carteira de trabalho e sem a rede social

    de parentes e amigos, so induzidos ao crime e, ao mesmo tempo, inocentemente

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    criminalizados. So vtimas de chantagem e explorao no lugar de trabalho por

    subcontratao e terceirizao, e na delegacia de polcia.6

    11. A prosperidade social e a desigualdade econmica podem ser mantidas

    pelas foras repressivas, como a militarizao das fronteiras ou a criminalizao dos

    imigrantes. Mas prosperidade e desigualdade tambm podem ser combatidas pela

    consolidao da vida democrtica e a construo de um Estado de Bem-Estar Social

    em nvel mundial baseado em uma cultura de solidariedade. Solues isoladas de

    um Estado no podem resolver a questo porque criam novamente assimetrias

    econmicas que estimulam a migrao.

    12. Os migrantes contribuem significativamente para a reduo de custos da

    produo e para a maximizao de lucros nos pases receptores onde trabalham.

    Na encruzilhada entre ecologia e economia repercutem os privilgios das elites e as

    consequncias de um progresso que cria produtos desnecessrios, gasta os

    limitados recursos naturais, devasta o ecossistema e trata gua, terra e ar como

    bens privatizados.

    13. A migrao representa uma crtica radical ao sistema capitalista, cujo

    sistema de produo capaz de eliminar a penria, mas cujo sistema de

    acumulao que visa a privilgios sociais, indisposto a redistribuir seus produtos

    para todos. Por sua meta de acumulao de lucro atravs de uma produo

    crescente, sempre mais acelerada, transforma uma determinada parcela de

    cidados e moradores em migrantes para regies privilegiadas que dominam o

    processo de produo globalizada. O migrante obrigado a abandonar seu

    territrio, que j no garante mais a sua sobrevivncia. Na regio onde termina a

    sua migrao, cultural e socialmente desenraizado, torna-se produtor de mais-valia

    e lucro para grupos annimos de acionistas na bolsa de valores. Assim alimenta o

    sistema que est na origem de seu sofrimento.

    III. Identidade

    A cultura suburbana fruto de grandes migraes de populao, em sua maioria pobre, que se estabeleceu ao redor das cidades nos cintures de misria. Nessas culturas os problemas de identidade e pertena, relao, espao vital e lar so cada vez mais complexos (DAp 58).

    14. Pessoas e grupos sociais vivem processos histricos em que se

    entrelaam o ser herdado e o vir a ser em construo. Nascemos sendo e ao

    mesmo tempo somos o que nos tornamos, e, salvo exceo, nos tornamos o que a

    6 Cf. NBREGA, Ricardo. Migrao e globalizao popular: trabalhadores bolivianos na pequena indstria txtil de So Paulo, p. 16ss.

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    cultura permite que venhamos a nos tornar.7 No s a cultura, mas as

    circunstncias de vida, a classe social, a biografia, os dons e a criatividade de cada

    um contribuem para a composio da identidade. Tambm os migrantes so

    herdeiros de sua identidade e construtores dessa identidade na trajetria de sua

    migrao e ao longo de sua vida. Generalizando, pode-se afirmar: somos o que nos

    tornamos e o que a cultura, a classe social, a biografia, as contingncias da vida e a

    criatividade nos permitiram ser.

    15. No interior das nossas sociedades complexas, a construo da identidade

    tem um lado individual e grupal. Nas identidades grupais, socializamos normas

    universais com comportamentos particulares. Essa partilha entre valores universais

    e particulares est na origem da reciprocidade de direitos, deveres e

    reconhecimento entre macro-organismos e indivduos de outros grupos. Tambm

    no interior de um determinado grupo sociocultural, os indivduos vivem diferentes

    identidades de gnero, de idade (pai, filho, neto), e de origem (cearense,

    boliviano), de morador (rua, apartamento, casa), de migrante ou assentado,

    identidades profissionais e confessionais e/ou ideolgicas.

    16. A identidade de grupos e indivduos precisa da categoria do outro, que

    no faz parte de um grupo estranho ou estrangeiro, mas de um grupo diferente e

    igual, prximo e distante ao mesmo tempo. A identidade construda no em

    contraste com a no identidade, mas em contraste com a alteridade. A identidade

    dos migrantes tem como contraste a identidade dos no migrantes, dos cidados

    do pas que os recebe, a identidade do micro-organismo de operrios e vizinhos

    com os quais convivem.

    17. Como a cultura, tambm a identidade nunca conclusiva ou perfeita.

    No podemos perder a identidade, porque ela nunca nos pertenceu como algo

    acabado. Somos eternos mestres e discpulos dessa identidade. Nessa mestria e

    nesse discipulado, mesclam-se imitao e criao. O portugus do Brasil nunca foi

    o portugus de Portugal. Os povos indgenas, que perderam a sua lngua, por

    exemplo, aprenderam a se comunicar em outra lngua. Reconstruram sua

    capacidade de comunicao e deram novos contornos gramtica que receberam.

    18. No decorrer de uma longa travessia, podem-se trocar todas as tbuas de

    uma canoa, mas ao voltar ao porto de partida, todos acreditam que a mesma

    canoa que partiu tempos atrs. A construo da identidade pode ser comparada

    construo permanente de uma casa, cujo ncleo primeiro recebeu muitos anexos.

    Esses podem configurar quebra de estilos, podem fortalecer ou enfraquecer o

    ncleo da casa original, onde foram incorporados, mas no configuram a destruio

    7 COSTA FREIRE, Jurandir. Prefcio: Playdoier pelos irmos, p. 10.

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    do ncleo habitacional original. Via de regra, a identidade no se perde. Ela apenas

    se transforma.

    19. A identidade de uma pessoa ou de um grupo social no coincide com sua

    cultura. A pertena cultural conferida por um grupo social, que reconhece um

    determinado membro como membro de seu grupo, e pelo indivduo, que se

    reconhece como membro desse grupo. Se na pertena cultural prevalece o

    reconhecimento recproco entre grupo e indivduo, na identidade da pessoa ou do

    grupo social prevalece o reconhecimento de si mesmo e a assuno de seu prprio

    ncleo essencial, que os outros no conhecem. Contudo, existem semelhanas

    entre a reproduo construtiva da cultura e da identidade pessoal. Uma

    determinada cultura pode, a mdio prazo, realmente no mais ser transmitida

    gerao seguinte, mas tambm na perda cultural, como na perda da identidade,

    se trata sempre de uma substituio. Um ser sem cultura no seria mais um ser

    humano, e um ser sem identidade seria um caso patolgico. Tais casos patolgicos

    podem existir como exceo.

    20. Processos migratrios individualizam as pessoas. Assim, a pergunta

    quem sou eu torna-se mais importante que a pergunta quem somos ns. Cada

    um procura reorientar-se no interior de uma sociedade nova, complexa e

    geralmente hostil. Esse fato produz, muitas vezes, uma idealizao da prpria

    origem e do passado. um mecanismo de autodefesa. No novo ambiente,

    elementos desse passado so importantes. Em meio s rupturas culturais impostas

    pela nova sociedade, representam pontes de continuidade.

    21. A perda dos referenciais espaciais, em parte pela desintegrao do

    projeto nacional, ameaa profundamente a identidade convencional dos indivduos

    e grupos sociais. Vivem sem terra e sem teto, sem trabalho e sem fbrica; sem

    famlia e sem ptria. Sua vida se tornou vida de retirante e de vagamundo,

    fustigados das mesas de fartura. O vagabundo/vagamundo, no incio do sculo, era

    aquele de quem os outros disseram que no quer trabalhar e por isso levaria uma

    vida errante e errada. Na cidade moderna, o novo nomadismo o fato de no ter

    um endereo fixo nem lugar de trabalho estvel, nem crenas confiveis aponta,

    no entender da prpria modernidade, para a regresso barbrie do mundo

    globalizado.

    22. A construo da identidade dos migrantes em situao de aceleradas

    mudanas aponta para o resgate da solidariedade na sociedade nacional e

    internacional. Aponta tambm para a redistribuio e rearticulao dos bens da

    terra e da humanidade. E esses bens no so somente po e trabalho, terra e casa,

    sade e educao. So ainda justa autonomia de todos, lazer e paz, justia e

    democracia. Identidade como projeto de vida no alienada exige articulao com a

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    alteridade dos movimentos sociais. Num momento que relativiza a territorialidade

    pela virtualidade, os migrantes vivem a globalizao com p no cho e sombra

    das economias globalizadas. A identidade dos migrantes sempre uma identidade

    territorial. Para saber quem voc , preciso saber onde voc pode estar.

    23. Identidade e alteridade so termos aproximativos. O outro nunca o

    totalmente outro com quem no haveria a possibilidade de comunicao. A terra

    estranha se torna para os filhos e os netos dos migrantes terra familiar. Se a

    transformao da identidade do indivduo leva uma vida inteira, a transformao de

    uma cultura perpassa vrias geraes. A bandeira da pastoral de migrantes

    integrao sem assimilao semelhante exigncia dos cristos face ao mundo

    viver no mundo sem ser do mundo , mas a assimilao ocorre atravs do ncleo

    duro da vida social: o trabalho. Atravs do mundo do trabalho e do mercado, a

    cultura de origem dos migrantes pode-se tornar folclore que confirma a sua

    identidade de migrantes. Somente seus filhos e netos se tornaro cidados

    autctones. pergunta, se a classe mdia no Brasil formada de cidados,

    Milton Santos respondeu que no, porque a classe mdia

    no preocupada com direitos, mas com privilgios. [...] E o fato de que a classe mdia goze de privilgios, no de direitos, impede aos outros brasileiros ter direitos. E por isso que no Brasil quase no h cidados. H os que no querem ser cidados, que so as classes mdias, e h os que no podem ser cidados, que so todos os demais, a comear pelos negros que no so cidados. Digo-o por cincia prpria. No importa a festa que me faam aqui ou ali, o cotidiano me indica que no sou cidado neste pas.8

    24. No mundo voltil e porttil, no mundo da disperso dos grupos

    humanos e da flexibilidade complexa das relaes humanas, a identidade, definida

    a partir de um territrio (pas, interior, bairro, parquia) ou de objetos (templo,

    casa, roupa, cargos), ficou abalada. Isso questiona a sedentarismo eclesial e

    permite aos agentes pastorais (no aos migrantes!) positivamente reconstruir a

    identidade como identidade do caminhar nas pegadas daquele que no tem lugar

    onde reclinar a cabea (Lc 9,58). A identidade de um caminhar eclesial no Esprito

    significaria a libertao da ditadura dos fins preestabelecidos. No importam os

    confins do mundo. O que importa caminhar com Aquele que se disse "o caminho"

    (Jo14,6) e no "a chegada". Os migrantes chamam a ateno para a verdadeira

    identidade da Igreja, que identidade em Jesus-Caminho, Jesus-Conosco e Jesus-

    Messias. Caminhando conosco, este Jesus, ungido no Esprito Santo, se revela e

    revela progressivamente tambm o fim da caminhada.

    IV. Pastoral de interculturao

    8 SANTOS, Milton, As cidadanias mutiladas, p. 133s.

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    insuficiente o acompanhamento pastoral para os migrantes e itinerantes (DAp 100e). Entre as tarefas da Igreja a favor dos migrantes est indubitavelmente a denncia proftica dos atropelos que sofrem frequentemente, como tambm o esforo [...] para conseguir uma poltica migratria que leve em considerao os direitos das pessoas em mobilidade (DAp 414).

    25. A transformao da identidade do indivduo, na qual se entrelaam

    continuidade simblica da pessoa e ruptura histrica, um processo vivencial de

    uma vida inteira. A continuidade simblica est presente na religio, nas festas, nas

    narrativas, na comunicao, no envio de presentes e lembretes, na solidariedade

    com o grupo e a terra de origem. So celebraes de ritos de despedida e

    ritualizaes da memria do passado. Essa solidariedade justifica ou ameniza

    subjetivamente o sacrifcio da migrao e d sentido vida em terra estranha.

    26. A pastoral dos migrantes compreende a migrao como um indicador de

    ameaa para toda a humanidade, mas aponta a seguinte questo: para onde essa

    humanidade vai migrar? A migrao no um caso social isolado e desconectado

    das grandes lutas por justia social e pela redistribuio dos bens desse planeta.

    Trata-se de causa universal que permite construir alianas com outros setores da

    sociedade com os quais partilha a viso de uma sociedade e de um mundo para

    todos.

    27. A interculturao visa uma ao pastoral entre diferentes culturas. Ela

    o projeto da inculturao in actu. Na Pastoral dos Migrantes e Refugiados, a

    interculturao a ao pastoral cotidiana. Ela desenvolve todas as suas atividades

    sempre entre diferentes culturas. Por conseguinte, permanentemente obrigada a

    pensar as dimenses culturais de sua presena, hospitalidade, solidariedade e

    gratuidade.

    28. Na interculturao, os evangelizadores devem, segundo a Evangelii

    nuntiandi, observar a autonomia do Evangelho diante das culturas (cf. EN 20). Ao

    mesmo tempo, os agentes das pastorais dos migrantes devem mostrar que o

    Evangelho como boa-nova da acolhida, da solidariedade e da hospitalidade pode

    comunicar-se em todas as culturas. A equidistncia entre Evangelho e culturas

    significa no identificao do Evangelho com as culturas para estar aberto a todas e

    para manter a devida distncia das estruturas de pecado que atravessam as

    culturas (cf. DSD 13). A Pastoral do Migrante relaciona-se com sempre novos

    interlocutores culturais. Por conseguinte, no pode confundir os contedos

    semnticos do Evangelho com seu revestimento cultural. A difcil tarefa de

    codificao e recodificao do Evangelho um eixo dessa pastoral.

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    29. Nos cenrios de xodo migratrio emergem mltiplas tarefas para a

    Pastoral do Migrante. Ela pastoral proftica, que luta pela justia maior, denuncia

    a gnese das estruturas de desigualdade, denuncia os privilgios e os privilegiados

    em cada pas e prope um novo modelo civilizatrio. Nesse modelo a dignidade

    humana precede questes da sustentabilidade econmica e do legalismo da regio

    ou do pas anfitrio. A Pastoral dos Migrantes Internos e dos Imigrantes no

    sanciona, mas contesta a migrao forada, porque

    as pessoas tm antes de tudo o direito a viver em paz e dignidade no seu pas. Portanto, os pases de origem tm a grave responsabilidade de trabalhar para aumentar o seu desenvolvimento, de tal maneira que os prprios cidados no sejam obrigados a abandonar a sua ptria para procurar uma vida digna alhures.9

    30. Alm de ser uma pastoral proftica, que defende a permanncia dos

    migrantes em seu habitat em condies de dignidade, a Pastoral do Migrante

    tambm uma pastoral samaritana (DAp), que acompanha os migrantes, os acolhe

    em cada pas onde cria espaos substitutivos de lar e ptria e defende seus

    direitos de cidados de um mundo globalizado. A catequese dos migrantes fala de

    um Deus migrante que acompanha os migrantes e, ao mesmo tempo, de um Deus

    que contesta as condies e as causas de sua migrao.

    31. A pastoral dos migrantes tem mltiplos rostos.

    a) Ela uma pastoral do envio que transforma a sada clandestina de um

    determinado pas, atravs de ritos de despedida, em misso pblica.

    b) Ela uma pastoral de acompanhamento, que vai com os migrantes de pas em

    pas. Era o caso de muitos migrantes do sculo 19, que chegaram da Europa ao

    Brasil com seus prprios pastores. A pastoral de acompanhamento uma pastoral

    inculturada que assume as condies da migrao, como nos anos de 1950 e 1960,

    os sacerdotes operrios assumiram a condio de operrios em vrios lugares do

    mundo.

    c) Como pastoral de acolhida est preparada para receber os migrantes,

    representar a voz de boas-vindas num pas e numa situao estranha e prestar

    primeiros socorros, como fez Pedro Claver (1580-1654), em Cartagena das ndias,

    quando chegaram os navios com os escravos da frica.

    d) Como pastoral samaritana a Pastoral dos Migrantes ajuda aqueles que caram

    nas mos do ladro. O ladro pode ser o mediador de sua migrao, como o gato

    que traz os migrantes nordestinos aos canaviais paulistas, o explorador de sua

    mo-de-obra e aquele que lhes tirou as possibilidades de sobreviver em seu prprio

    9 MARCHETTO, Agostino. Discurso.

  • 11

    pas. Pode ser tambm a propaganda enganosa e lucrativa, que promete com a

    migrao mil maravilhas.

    e) Como pastoral proftica, a Pastoral dos Migrantes denuncia as condies que

    causaram a migrao em funo do lucro e da falta de solidariedade. Todas essas

    dimenses de pastoral (envio, acompanhamento, acolhida, proftica e samaritana)

    devem estar articuladas numa grande rede de cooperao entre origem e destino,

    entre envio e acolhida, entre desenraizamento e integrao sem assimilao.

    32. A partir da filiao divina, que artigo da nossa f e que nos faz

    compreender a humanidade como famlia de protetores recprocos, a Pastoral dos

    Migrantes aponta para a igualdade universal de todos os seres humanos; ao

    considerar as pessoas como imagem de Deus, aponta para o reconhecimento do

    outro, que diferente e igual. O outro imagem de Deus que vem ao nosso

    encontro. Ambos os artigos da f (filiao divina e imagem de Deus) apontam

    para a interculturao da solidariedade e hospitalidade. A Pastoral dos Migrantes

    trabalha na nervura do sistema capitalista; contra a acumulao e crescimento

    desenfreado, luta pelo crescimento limitado em benefcio de todos, luta pela

    redistribuio dos bens e contra a confuso entre inferioridade e alteridade; luta

    pelo reconhecimento da igualdade e dignidade do outro.

    33. Solidariedade e hospitalidade so desdobramentos da pastoral proftica

    e samaritana que procuram responder aos dois conflitos estruturais que atravessam

    o mundo: a acumulao dos bens nas mos de poucos e o no reconhecimento do

    outro. O primeiro est na raiz da migrao, o segundo no desprezo, s vezes at

    na criminalizao durante a trajetria e, mais ainda, na chegada e permanncia na

    terra estranha. A Pastoral dos Migrantes e Refugiados se empenha na redistribuio

    dos bens e das oportunidades. A solidariedade configura-se como luta pela partilha

    dos bens e a hospitalidade nos diz que a partilha comea em casa. A catolicidade

    no se manifesta somente na comunho fraterna dos batizados, mas exprime-se

    tambm na hospitalidade assegurada ao estrangeiro, qualquer que seja a sua

    pertena religiosa, na rejeio de toda a excluso ou discriminao racial e no

    reconhecimento da dignidade pessoal de cada um, com o consequente

    compromisso de promover os seus direitos inalienveis (Joo Paulo II, Mensagem

    para o 85 Dia Mundial dos Migrantes e dos Refugiados, n. 6). Essa ecologia

    humana (DAp 126) vale, igualmente, para os migrantes e agentes de pastoral.

    34. Jesus de Nazar enviou seus discpulos e discpulas como servos e

    testemunhas da boa-nova do Reino de Deus, que Reino de Vida. O Reino de Vida

    mostra a sua relevncia histrica em duas dimenses de luta: nas lutas contra o

    sofrimento existencial (doena, falta de sorte, infelicidade herdada) e nas lutas

    contra a injustia, explorao e opresso social ou cultural.

  • 12

    35. Nessas lutas distinguimos lutas por progressos cientficos na medicina,

    por exemplo e lutas polticas pelo acesso de todos a esse progresso. Lutas

    cientficas e lutas polticas, propriamente ditas, so questionamentos do mundo

    assim como . Cincia e poltica podem contribuir muito para a humanizao do

    mundo; contudo, so lutas inconclusivas. A mquina produz alvio laboral, mas no

    suspende todas as carncias do trabalho penoso. A medicina produz muitas curas e

    alvio nas dores, mas no extingue a morte. As lutas cientficas e polticas so lutas

    pela dignidade de todos os seres humanos, tambm no sofrimento e na morte, e

    lutas pela igualdade de oportunidades sociais. So lutas por uma sociedade justa

    nas contingncias da vida. So lutas sem fim. A Pastoral do Migrante est

    articulada com todas as lutas contra a naturalizao da misria, da sociedade de

    classes, da migrao. Entre essas lutas e o dom do Reino de Vida, existe uma

    relao dialtica: a graa no desmobiliza e a mobilizao no substitui a graa.

    36. O Reino de Vida, em sua plenitude, um dom escatolgico. A dimenso

    escatolgica uma exigncia da prpria justia. Uma verdadeira justia requer um

    mundo onde no s o sofrimento presente seja anulado, mas tambm a injustia do

    passado seja julgada (cf. Spe salvi, n. 42). No pode haver justia sem a

    ressurreio dos mortos. A justia maior do Reino nos introduz no territrio dos

    injustiados e dos injustos. o movimento que articula a solidariedade com a

    encarnao: Deus no prespio. O mais se aloja no menos, o divino no humano.

    A justia maior exige o amor maior. O amor maior no s para os amveis, mas

    tambm e sobretudo para os desprezveis. Ao lembrar o Reino e zelar pela vida, at

    as ltimas consequncias, "os do Caminho" (At 9,2) assumem a responsabilidade

    pelo outro em sua ambivalncia. Cumprem a sua misso, marcada pela cruz e a

    esperana da ressurreio. A experincia dos migrantes fornece luz para o

    discernimento, empresta asas para a imaginao e sandlias para seguir novos

    rumos.

    37. Num mundo marcado pela acelerao da produo e do consumo, no

    basta encantar-se com a urgncia dos problemas e permanecer nas tocas

    eclesiais.10 No basta imitar a acelerao dos ritmos e no ter tempo (ou no ter

    gente) para estar com o outro. No basta cantar Jesus o Caminho e sentar-se

    na distante cadeira da teologia. No basta invocar o protagonismo dos setores que

    foram deslocados (DAp 128), e voltar a celebrar a missa contra a parede. Urgente

    diminuir a distncia e aumentar o tempo disponvel. Urgente o primeiro passo

    ao encontro dos migrantes que rompe com seu isolamento. O segundo, to

    importante quanto o primeiro, o incio da caminhada com eles.

    10 O Documento de Aparecida (DAp) apresenta uma ladainha de urgncias. Cf. DAp 148, 169, 283, 289, 315, 368, 384, 389, 406c, 437j, 456, 466, 518, 541, 545, 548.

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    Referncias bibliogrficas

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    (Cria Romana, Secretariado do Estado), 10.07.2007.

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    Secretaria da Justia e da Defesa da Cidadania/IMESP, 1996/1997, p. 133-

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