SUGESTÕES DE EVIDENCIAÇÃO DA COMPETÊNCIA · Os crimes de ódio contra este grupo tornaram-se...

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Página 1 de 17 SUGESTÕES DE EVIDENCIAÇÃO DA COMPETÊNCIA Explorar situações de vida em que teve de ultrapassar problemas relacionados com preconceitos e estereótipos sociais, políticos, raciais, religiosos, estéticos, culturais, sexuais, profissionais ou outros (relativos a pessoas ou grupos por serem toxicodependentes, ex-reclusos, emigrantes, turistas, de outra religião, de outra raça, de outra aparência, casadas com outras do mesmo sexo, portadoras de deficiência, etc.). Refletir sobre como atuar face à diversidade e singularidade própria dos humanos, nas suas diferentes formas de ser e de pensar, de modo a ultrapassar preconceitos, estereótipos e representações sociais. Observações: Evidenciar esta competência implica abordar, mais que abordar assumir, “preconceitos pessoais”, “explorar capacidade de questionamento” a si próprio e “propor alternativas” para ultrapassar esses preconceitos ou, pelo menos, para que eles não interfiram nas suas atitudes para com as pessoas que os originam. Sejam preconceitos de natureza cultural, religiosa, étnica, política…

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SUGESTÕES DE EVIDENCIAÇÃO DA COMPETÊNCIA

• Explorar situações de vida em que teve de ultrapassar problemas relacionados com

preconceitos e estereótipos sociais, políticos, raciais, religiosos, estéticos, culturais, sexuais,

profissionais ou outros (relativos a pessoas ou grupos por serem toxicodependentes, ex-reclusos,

emigrantes, turistas, de outra religião, de outra raça, de outra aparência, casadas com outras do

mesmo sexo, portadoras de deficiência, etc.).

• Refletir sobre como atuar face à diversidade e singularidade própria dos humanos, nas suas

diferentes formas de ser e de pensar, de modo a ultrapassar preconceitos, estereótipos e

representações sociais.

Observações: Evidenciar esta competência implica abordar, mais que abordar assumir, “preconceitos

pessoais”, “explorar capacidade de questionamento” a si próprio e “propor alternativas” para ultrapassar

esses preconceitos ou, pelo menos, para que eles não interfiram nas suas atitudes para com as pessoas que

os originam. Sejam preconceitos de natureza cultural, religiosa, étnica, política…

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Poderá evidenciar em simultâneo a competência STC/CLC7 DR4, desde que considere os respetivos

critérios de evidência.

ESTEREÓTIPOS

Os estereótipos são crenças a propósito de características,

atributos e comportamentos dos membros de determinados

grupos, são formas rígidas e esquemáticas de pensar que

resultam de processos de simplificação e que se generalizam a

todos os elementos do grupo a que se referem. Daí que

possamos definir estereótipo como o conjunto de crenças que

dá uma imagem simplificada das características de um grupo ou

dos membros de um grupo.

EXEMPLOS DE ESTEREÓTIPOS

• “Os japoneses são educados e reservados”

• “Os alemães são sérios”

• “Os italianos são alegres”

• “Os jovens são irreverentes”

• “Os mais velhos são conservadores”

• “As mulheres são intuitivas”

• “Os bombeiros são heróis”

• “Os funcionários públicos trabalham pouco”

A estes grupos (orientais, jovens, mulheres, etc.) atribuímos determinadas características que

generalizamos a todos os seus membros.

Os estereótipos são um processo de categorização para que a pessoa se possa adaptar ao seu meio,

dando sentido ao mundo.

Usamos categorias sociais como estudantes, socialistas, brancos, negros, desportistas, jovens, liberais,

porque nos são úteis. Servem para colocarmos os indivíduos que nos rodeiam em “gavetas”, o que nos

permite, de uma forma rápida e económica, orientarmo-nos na vida social. Uma vez interiorizado o

estereótipo é aplicado de uma maneira quase mecânica.

Por exemplo, dizemos que uma categoria é estereotipada quando os elementos de um mesmo grupo

partilham a convicção de que um ou mais traços particulares caracterizam as pessoas dessa categoria: “Os

estudantes de cursos profissionais podem considerar os estudantes dos cursos de ciências competitivos,

marrões, certinhos e antipáticos; estes podem considerar os primeiros preguiçosos, cábulas, pouco

inteligentes e desleixados.”

PRECONCEITOS

Podemos definir preconceito como uma atitude que envolve um pré-julgamento, na maior

parte das vezes negativo, relativamente a pessoas ou grupos sociais.

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O preconceito é uma atitude que se distingue do estereótipo porque não se limita a atribuir

características a um determinado grupo ou pessoa: envolve uma avaliação, frequentemente

negativa.

Na base do preconceito está a informação

veiculada pelo estereótipo. O estereótipo

fornece os elementos cognitivos (as crenças), o

preconceito acrescenta-lhes uma componente

afetiva, avaliativa. Contudo, os preconceitos

podem mudar (a publicidade da Benetton, por

exemplo, tem vindo a trabalhar neste sentido

para ajudar a mudar o preconceito racial).

O preconceito, tal como as atitudes, tem três

componentes:

1. Componente cognitiva (corresponde a um estereótipo geralmente negativo que se formula

face a um grupo social).

2. componente afetiva (refere-se aos sentimentos que se experimentam relativamente ao

objeto do preconceito).

3. componente comportamental (refere-se à orientação do comportamento face à pessoa ou

grupo).

A discriminação designa o comportamento dirigido

aos indivíduos visados pelo preconceito. Assim, na

base da discriminação está o preconceito, que, sendo

uma atitude sem fundamento, injustificada, dirigida a

grupos e aos seus membros, geralmente

desfavorável, pode conduzir à discriminação.

Não se pode confundir discriminação com

preconceito: enquanto este é uma atitude, a

discriminação é o comportamento que decorre do

preconceito. Esquematizando:

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O tipo de discriminação está ligado com o preconceito que lhe está subjacente:

• O preconceito racial conduz, geralmente, à discriminação das pessoas por pertencerem a

raças diferentes;

• Um preconceito religioso leva à discriminação de pessoas que professam uma dada religião;

• O preconceito sexista conduz à discriminação das mulheres, homossexuais, etc…

Os comportamentos discriminatórios manifestam-se com mais intensidade em períodos de

crise económica e social

As pessoas, não podendo agir sobre as causas da sua situação, dirigem os seus sentimentos

negativos, a sua agressividade, contra grupos ou pessoas inocentes. Por exemplo, é frequente,

durante os períodos de crise, setores da população encontrarem nos imigrantes os bodes

expiatórios para a sua situação desfavorável. Deste modo, comportam-se de modo hostil e

agressivo perante esses grupos.

Estereótipos, Preconceitos e Descriminação. In AEPL, http://www.aeplegua.pt/projectos/anos-

anteriores/projetos-2012-2013/projecto-educacao-para-a-saude-pes/atividades-realizadas-2013-2014/apoio-as-aulas/preconceito-8o-ano/esteretipospreconceitosediscriminao.pdf/view (Adapatado)

OS DEZ PRECONCEITOS MAIS COMUNS

Numa sociedade que vive das aparências, julgar o livro pela capa é a regra instituída. Por mais

que se queira mudar a mentalidade, parece que as pessoas estão cada vez mais avessas a aceitar

que “somos todos diferentes e todos

iguais”.

O preconceito é um juízo

preconcebido, manifestado geralmente

na forma de uma atitude

discriminatória que se baseia nos

conhecimentos surgidos em

determinado momento como se

revelassem verdades sobre pessoas ou

lugares determinados. Costuma indicar

desconhecimento pejorativo de alguém

ao que lhe é diferente.

Os media não estão isentos da

disseminação dos preconceitos já estabelecidos e, por vezes, até criam novos preconceitos e

agudizam outros. Vamos abordar dez preconceitos dos mais comuns. Aqueles que continuam com

mais força entre nós são os mais antigos, como o racismo, o sexismo e o preconceito social.

Racismo O racismo ocorre principalmente de duas formas. A primeira, e menos comum nos dias de hoje,

é a atitude aberta de racismo, em que grupos específicos fazem propaganda pública passando a

mensagem que uma raça é inferior à sua.

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São atitudes comuns a grupos da

supremacia branca e alguns exemplos das

suas ações são crimes de ódio, segregação e

genocídio. A segunda forma de racismo é

chamada de racismo encoberto, que atua

dissimuladamente sob a forma de crença

cultural de que pessoas de certa cor ou raça

são inferiores. Os próprios media, muitas

vezes, ajudam a manter este tipo

de preconceito.

Sexismo O sexismo envolve a crença de que um sexo é naturalmente superior ao outro, usualmente que

os homens são superiores às mulheres e

como tal devem ter mais poder. Isto coloca

as mulheres em desvantagem em muitas

áreas da sociedade.

No exemplo do trabalho, em que se

acredita que o homem é mais capaz, são

criadas mais oportunidades para os homens

do que para as mulheres. Por outro lado, os

estereótipos sobre as mulheres colocam-na

muitas vezes, e predominantemente, como responsáveis pelas tarefas

Homofobia Desde sempre que a heterossexualidade é

considerada superior à homossexualidade.

Muitas pessoas mostram aversão e hostilidade

contra homossexuais e bissexuais.

Os crimes de ódio contra este grupo

tornaram-se bastante comuns em algumas

partes do planeta, com milhares de crimes

registados, por ano, contra a comunidade gay.

Preconceito em relação aos deficientes

Este preconceito engloba a discriminação ou

os maus tratos a pessoas com deficiência

mental, emocional ou física. As pessoas com

este preconceito têm tendência a inferiorizar

pessoas com deficiência e em algumas partes do

mundo há instituições que negam os seus

serviços e emprego a este grupo de pessoas.

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Outro exemplo muito comum deste preconceito é a abordagem gratuita a uma pessoa com

deficiência para oferecer ajuda quando esta não precisa ou quando não se perguntaria a uma

pessoa sem deficiência. Normalmente quem faz isto não se apercebe de que está a discriminar o

outro.

Religião

A história da humanidade está pejada de relatos de perseguição e discriminação religiosa. No

entanto não são só as religiões organizadas

que sofrem de discriminação, os ateus são

também discriminados por grupos

religiosos.

É também comum que a religião

dominante num país tente impor os seus

costumes aos seguidores de outras

religiões, muitas vezes através da força, da

segregação e do impedimento de acesso a

cargos públicos.

Peso / Tamanho

Os standards que a sociedade criou de beleza e

atração foram os criadores de um preconceito muito

comum por todo o mundo. É mais comum ser contra

pessoas com excesso de peso mas com este

preconceito quase ninguém se safa.

Magros, baixos, altos e muitas outras

características são alvo de discriminação. Está de tal

maneira cravado na sociedade que as pessoas se

discriminam a si próprias.

Preconceito com a idade

Este preconceito é mais comum

do que se pensa e tanto velhos como

novos sofrem com isto. Os mais

velhos são considerados

ultrapassados e agarrados ao

passado e os mais novos são olhados

como ingénuos e inexperientes.

É cada vez mais praticado por

empresas e 1/5 dos trabalhadores já

sentiu este tipo de discriminação no

trabalho.

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Preconceitos sociais O preconceito das classes sociais toma

normalmente forma através dos mais ricos contra os

que estão menos bem. Contudo o oposto também

acontece, com os que têm menos posses a criticarem

os mais abastados chamando-os de snobs com muito

dinheiro, mas sem moral.

Preconceito com a aparência

O preconceito com a aparência é dos mais praticados por todo o mundo. Vestir-se de maneira

diferente do “socialmente aceite” dá azo a

olhares desconfiados, assim como tatuagens e

outros acessórios menos ortodoxos.

A maioria das empresas não emprega pessoas

que ostentem tatuagens ou piercings e muitas

pessoas dão menos valor a essas pessoas. No

entanto muitos dos mais famosos artistas do

planeta, que são idolatrados por essas

mesmas pessoas, têm e exibem as suas

tatuagens e estilos.

2- Nativismo O nativismo é praticado contra emigrantes de um

determinado país. Ao contrário de outras formas de

discriminação, esta é encorajada e mantida por alguns

governos e entidades públicas para que lhes sejam

negados serviços de saúde, emprego e outros serviços.

In NCultura, https://ncultura.pt/os-10-preconceitos-mais-comuns/2/ (Adaptado)

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

(...) Se formos ao dicionário verificamos que, o conceito de representação surge associado a

uma imagem mental, a uma reconstrução do real que permite ao ser humano a capacidade de

relembrar ou evocar um dado acontecimento, objeto ou pessoa, na sua ausência. Quando as

representações são aceites e partilhadas por uma dada sociedade ou grupo de indivíduos

estamos perante as designadas Representações Sociais, isto é, conjunto de explicações, de

crenças e ideias, elaboradas a partir de modelos culturais e sociais que dão quadros de

compreensão e interpretação do real. As representações sociais são características de uma

determinada época e contexto histórico, por isso, a sua alteração ocorre muito lentamente. Um

bom exemplo disto é a representação da mulher nas sociedades ocidentais.

Contemporaneamente, para além de ser mãe de família, desenvolve uma atividade profissional

em que procura como é evidente ser bem-sucedida. Esta representação que, atualmente é tida

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como desejável, seria impensável no início do século XX, cuja representação social era da mulher

que ficava em casa a cuidar dos filhos e das tarefas domésticas. Outro exemplo onde é evidente a

mudança da representação é no ideal de mulher bonita. A imagem robusta, com ancas

arredondadas, associada ao que se considerava um corpo bonito e esbelto, deu lugar a um ideal

em que dominam os corpos magros e esguios.

As representações sociais, também consideradas em sentido mais amplo como pensamento

social, são deveras imprescindíveis nas relações humanas, uma vez que, dão uma explicação, um

sentido à realidade (função de saber). Alem disso, ao funcionarem como reguladoras e

orientadoras do comportamento (função de orientação) permitem aos indivíduos comunicarem e

compreenderem-se.

É também importante salientar a função de identidade das representações sociais, são elas

que permitem construir uma identidade social do grupo, pois numa mesma sociedade existem

diferentes grupos que possuem representações diferentes acerca de uma mesma realidade – as

representações sociais não são homogéneas dentro de uma sociedade. São também uma forma

dos indivíduos explicarem e fundamentarem as suas opiniões e comportamentos.

Na formação deste tipo de pensamento estão subjacentes dois processos que funcionam em

parceria: a objetivação e a ancoragem.

Em primeiro lugar ocorre a objetivação, processo este que permite a formação de um todo

coerente, através da seleção e da descontextualização do objeto, seguindo-se a fase da

esquematização, que tem como objetivo construir um esquema ou melhor um “núcleo

figurativo”onde constem organizadamente num padrão de relações, os principais elementos do

objeto da representação. Este processo termina

com a naturalização dos padrões relacionais que

passam a ser percebidos claramente. Assim os

elementos abstratos tidos inicialmente

transformam-se em imagens concretas, que fazem

parte da realidade.

A objetivação é, portanto um processo de

simplificação, uma vez que se perde muita

informação. No entanto, esta riqueza informativa

que se perde durante o processo ganha-se em

entendimento.

Posteriormente ocorre o processo de

ancoragem. Através deste ocorre a assimilação

das imagens criadas pela objetivação, sendo que

estas se integram em categorias (daí que a

representação social seja uma manifestação dos fenómenos da categorização) que o sujeito

possui fruto das experiências anteriores.

A objetivação e a ancoragem funcionam como um todo no processo de formação das

representações sociais.

Estas, quando ancoradas, funcionam como um filtro cognitivo, uma vez que as novas

representações são interpretadas segundo os quadros de representação preexistentes. Assim,

vão influenciar o comportamento dos indivíduos. Por exemplo, se determinado indivíduo tiver

uma má representação dos estrangeiros, esta terá muita influência no comportamento, uma vez

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que, pode levar inclusivamente a reações xenófobas. Por este motivo é que apesar de serem

extremamente importantes, as representações sociais podem revelar-se muito perigosas.

Lúcia Fertuzinhos, In http://psicob.blogspot.com/2009/02/representacoes-sociais.html (Adaptado)

FUNÇÕES DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

De saber

Compreender e explicar a

realidade.

Aquisição e integração de

conhecimentos.

Manifestação do esforço

permanente para compreender

e são pré-condição da

comunicação

Orientação

Guiam os comportamentos e

as práticas.

Sistema de pré-codificação >

guia de ação.

Tipos de relações

Tipos de estratégias lícitas,

permitidas ou inaceitáveis.

Justificadora

Permitir a posteriori, a

justificativa das tomadas de

decisão.

Fortalecer a posição social do

grupo de referência.

Preservar e justificar a diferenciação social (estereótipos, discriminação, distância social).

Identitária

Definem a identidade e permitem a proteção das especificidades dos grupos.

Situar os indivíduos e os grupos dentro do campo social permitido.

Controle social / socialização.

In, https://slideplayer.com.br/slide/393303/ (Adaptado)

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AS MULHERES NO MEIO: RETRATO DE UMA MULHER DE 40 ANOS

Depois de um dia de trabalho, uma mulher da minha geração traz frequentemente mais

dinheiro para casa do que o seu companheiro. Quando chega a casa, frequentemente tem de

responder às necessidades dos seus filhos. E o que recebe? O famoso cliché “o que é o jantar?”.

Somos provavelmente muitas. Em silêncio, porque a vida continua, é preciso andar para a

frente e continuar a fazer todas as tarefas que temos mesmo de fazer. Deixando para amanhã a

resolução dos nossos sentimentos.

A geração de mulheres do baby boom dos anos 50-60 foi pioneira. Foram as primeiras a

conseguir sair dos lares, da dependência dos maridos, da função meramente geradora de filhos

e governanta de casa. Do embonecar-se para o marido e servi-lo como um dono. Estas filhas

foram diferentes: foram licenciadas, trabalhadoras, independentes, iniciaram relações sexuais

antes do casamento, fizeram contraceção, casaram ou não casaram conforme quiseram. Estas

filhas tiveram filhas. E essas filhas somo nós.

Fomos educadas na liberdade. Criadas para ser iguais aos homens: estudar, trabalhar, sair de

casa, namorar sem casar, escolher o nosso caminho sem obrigações de passar a ferro, cozinhar

ou agradar. Muitas de nós no entanto foram criadas pelas avós, bastião do lar, presentes na

retaguarda, que permitiam às nossas mães trabalhar sem restrições, seguras das suas crias bem

cuidadas por estas avós-mães. Tivemos o melhor dos dois mundos: o exemplo das mães

independentes e fortes, com a doçura das avós domésticas, os seus cozinhados e os seus colos.

Para mim, foi a educação perfeita.

Mas nós crescemos e casámos. Tivemos filhos. Casámos com homens que cresceram também

nestes princípios: mulheres iguais a homens. Contas divididas. Responsabilidades divididas. Não

seguramos as portas a estas mulheres, elas são iguais a nós.

Aquilo que as nossas mães não adivinharam é que nós de facto continuamos a ser mulheres

como elas. Mulheres que além de fazerem tudo o que um homem faz, também vivem a

maternidade, o amor e continuam apesar de tudo a ser o núcleo da casa. Eu explico. Por mais

que sejamos iguais aos homens, nós continuamos a saber cozinhar e conseguimos fazer a gestão

de várias tarefas em simultâneo. Por enquanto, a maternidade cabe-nos exclusivamente a nós. As

transformações hormonais e físicas, as dores mamárias, as noites sem dormir e o passar a ter uma

parte de nós fora do nosso corpo, essas são experiências que não conseguimos partilhar com os

nossos companheiros. Esses mesmos companheiros a quem continuamos a tratar muitas vezes

como mais um filho, assegurando que têm os seus pratos favoritos, a sua roupa em ordem e ainda

uma mulher bonita, em forma depois da gravidez e com disponibilidade mental e física para eles

— porque, afinal, o mundo está cheio de histórias de maridos que trocam as mulheres por outras

mais novas.

As nossas mães onde estão? Não estão em casa a ajudar as filhas com os filhos e os cozinhados.

Estão a trabalhar, onde sempre estiveram. E quando terminam de trabalhar, não querem mais

trabalho. Querem apenas tratar de si, que bem o mereceram: afinal trabalharam toda a vida.

“Porque continuamos a tolerar isto? Porque não nos tornamos verdadeiramente

independentes? Porque ainda trazemos em nós uma réstia das nossas avós: amáveis esposas com

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necessidade de agradar, mães perfeitas, num cruzamento antagónico com as nossas mães

pioneiras, mulheres de trabalho centradas em si, que se libertaram dos lares.”

Os nossos maridos, como são? São homens modernos: sabem que não precisamos deles para

nada, que somos auto-suficientes e por vezes ganhamos melhor que eles, temos mais ambição

profissional e somos as verdadeiras chefes das casas também. Penso que se sentem diminuídos.

Afinal, também não os deixamos desempenhar o papel de macho — nem para mudar uma

lâmpada. Somos boas demais. Por isso, perdem o drive para nos agradar. É impossível! Agradar

como? Prendas, dinheiro? Somos impossíveis de surpreender. Afinal, quando queremos,

compramos. Quando queremos, viajamos. Quando não queremos, não fazemos. Somos

insuperáveis.

E nós, mulheres filhas das nossas mães, ficamos neste limbo. Não somos as nossas avós. Não

somos as nossas mães. Somos mulheres no meio. O que queremos em troca? Apenas ser amadas.

Mas ser amadas com qualidade.

Depois de um dia de trabalho, uma mulher da minha geração traz frequentemente mais

dinheiro para casa do que o seu companheiro. No trabalho, assegura frequentemente posições

de chefia e maior responsabilidade que o seu companheiro. Quando chega a casa,

frequentemente tem de responder às necessidades dos seus filhos e ainda verificar e muitas

vezes executar tarefas domésticas. E o que recebe? “Onde estão as minhas meias?” ou o famoso

cliché “o que é o jantar?”.

Porque continuamos a tolerar isto? Porque não nos tornamos verdadeiramente

independentes? Porque ainda trazemos em nós uma réstia das nossas avós: amáveis esposas com

necessidade de agradar, mães perfeitas, num cruzamento antagónico com as nossas mães

pioneiras, mulheres de trabalho centradas em si, que se libertaram dos lares.

Por mim falo. Mas acho que por muitas de nós também. Gostava de ser melhor amada — às

vezes protegida e levada pela mão. Porque estou cansada de trabalhar, cuidar, ganhar, gerir.

Porque, de facto, não sou independente, mesmo que pareça ou até mesmo que queira. Estou

presa em filhos, bens, contas, férias de família, pais, tios e avós que envelhecem e precisam de

mim.

Todos precisam de mim, mas eu também preciso que me carreguem por vezes. Como serão as

nossas filhas?

Maria Ribeiro, Médica, mãe, pianista nas horas vagas. in publico, In jornal Público, publicado em 11 de Março de 2020

DOIS FILMES SOBRE MULHERES E O REGRESSO DO FANTASMA DA

SUBMISSÃO FEMININA

Enquanto nos EUA se procura ressuscitar a submissão feminina à “ordem” masculina, dois

filmes exaltam a força e a determinação das mulheres.

No início de Março, ainda toda a gente se passeava por aí, chegou às salas de cinema o

documentário Woman, com a assinatura de Anastasia Mikova e Yann Arthus-Bertrand, fotógrafo,

repórter e ambientalista francês conhecido pelo seu trabalho para a National Geographic e pelos

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seus muitos livros e documentários de grande impacto, como Home (2009), Planet Ocean (2012)

ou Human (2015). Houve antestreias com debate, exibições gratuitas no Dia Internacional da

Mulher (8 de Março) e o filme chegou mesmo a estrear — até que o cinema em salas parou,

travado pela pandemia.

O que nos trazia Woman, como antes Human? Rostos, relatos de vidas, angústias, dores e

esperanças de mulheres de várias idades e cantos do globo, em 2000 entrevistas feitas em 50

países ao longo de três anos. “Uma visão aprofundada do mundo visto pelos olhos das mulheres”,

como se escreveu à data no Cartaz do PÚBLICO. Num filme que procurava, anunciavam os

promotores, “trazer à luz as injustiças que as mulheres enfrentam, ao mesmo tempo que destaca

a sua força interior e a capacidade de mudar o mundo apesar dos desafios que enfrentam.”

Ora na passada segunda-feira a RTP2 veio recordar-nos um outro filme, também sobre

mulheres e baseado numa história tão verídica quanto insólita: A Ordem Divina, de Petra Biondina

Volpe. Estreado em 2017 no país onde foi realizado, a Suíça, também no Dia Internacional da

Mulher (e mais de um ano depois em Portugal, em Maio de 2018), o filme mostra que, em plena

Europa, houve um país onde as mulheres só votaram pela primeira vez em 1971. E esse país foi a

Suíça. Porquê? Porque, disse Petra Volpe em 2017 à SWI, “a Suíça é um país muito

conservador, onde sempre houve resistência às mudanças.”

O filme tem por cenário uma pequena aldeia, em 1970, mas espelha nela a situação de um país

alheio aos ventos de mudança da época. Tanto, que só em 1981 foi aprovada na Constituição a

igualdade entre homens e mulheres e só em 1990 (já depois da queda do Muro de Berlim!) caiu a

proibição do voto feminino no último cantão suíço. Para quem, ao ouvir falar da luta das

sufragistas, a coloca automaticamente, e com glória, no início do século XX, a Suíça é um relógio

em retrocesso — e logo no país dos relógios. Quem quiser ver (ou rever) o filme, ainda vai a

tempo: é só recuar uns dias na grelha da RTP2. Quanto a Woman, é deixar passar a pandemia. Ele

voltará.

A realidade, porém, é outro filme. Se Woman ou A Ordem Divina põem em evidência a força

das mulheres e o seu olhar sobre o mundo (onde ganharam poder, mas, a par disso, são também

ainda discriminadas, brutalizadas ou escravizadas, consoante as latitudes), tem-se registado

nalguns países um apelo retrógrado que pretende empurrar as mulheres de novo para uma vida

exclusivamente doméstica e de submissão à “ordem” masculina. Exemplo disso é, nos Estados

Unidos, o #tradwive (contracção da expressão traditional house wife) que, como escreveu

Natália Faria no PÚBLICO, “funciona como uma espécie de selo de um movimento que procura

recuperar a nostalgia dos idos anos 1950.”

Que “nostalgia” é essa? Para se ter uma ideia, basta consultar, por exemplo, “o guia das boas

esposas” (The good wife’s guide) publicado na edição de 13 de Maio de 1955 da revista norte-

americana Housekeeping Monthly. Alguns excertos (onde o marido é sempre o centro e

objectivo das atenções; mesmo as crianças são aprumadas para ele ver):

“Tenha o jantar pronto. Planeie com antecedência (…) para ter pronta uma deliciosa refeição

quando ele chegar”; “Mostre-se alegre e um pouco mais interessante para ele; se o dia dele foi

aborrecido, precisa que o animem e essa é uma das suas funções”; “Dedique uns minutos a lavar

as mãos e a cara das crianças, a penteá-las e, se necessário, mudar-lhes a roupa; elas são

pequenos tesouros e ele gostará de vê-las a cumprir esse papel”; “Mostre-se feliz ao vê-lo”;

“Receba-o com um sorriso caloroso e mostre sinceridade no desejo de ser agradável para ele”;

“Ouça-o. Você pode ter uma dúzia de coisas importantes para lhe contar, mas o momento da sua

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chegada não é o apropriado. Deixe-o falar primeiro — lembre-se, os temas de conversa dele são

mais importantes do que os seus; “Arranje-lhe a almofada e ofereça-se para lhe tirar os sapatos.

Fale em voz baixa, suave e agradável”; “Não questione as suas acções, juízos ou integridade.

Lembre-se, ele é o dono da casa e, como tal, exerce sempre a sua vontade com imparcialidade e

veracidade. Você não tem o direito de questionar isso”; e por último: “Uma boa esposa sabe

sempre o seu lugar”.

Felizmente, sabem. E não é aquele que esta ladainha submissa sugere. Woman ou A Ordem

Divina afirmam-no bem.

Nuno Pacheco, publicado no Jornal Público em 26 de Março de 2020

CONTRA O RACISMO

A agenda populista e nacionalista, que ganha espaço na Europa, põe a nu o pensamento racista

e xenófobo que prolifera nas sociedades dos países europeus.

Dia 21 de março assinala-se o Dia Internacional de Luta Contra a Discriminação Racial. Este dia,

proclamado pelas Nações Unidas, destaca o massacre de Sharpeville, na África do Sul, em 1960,

quando, numa manifestação contra o Lei do Passe, que obrigava a população negra a usar um

cartão que dizia por onde podia circular, a polícia disparou, matando 69 pessoas e ferindo 186.

Em julho de 2019, a Assembleia da República produziu um relatório parlamentar sobre racismo,

xenofobia e discriminação étnico-racial em Portugal, do qual fui relatora. Já este ano, o PS

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apresentou um projeto de resolução que recomenda ao Governo ações concretas em áreas como

a educação, a habitação, o trabalho, a justiça ou a administração interna retiradas das

recomendações do relatório parlamentar.

A expressão do racismo tem tido um conjunto de episódios que nos interpelam para uma

ação política de combate ao fenómeno. Mais recentemente, destaca-se a alegada violência

policial desproporcional contra Cláudia Simões e o caso Marega, tornando-se a decisão individual

do jogador de abandonar o campo, perante insultos racistas, num ato político de grande

significado. Mais do que o ato corajoso do jogador, interpela-nos a incapacidade dos diferentes

atores desportivos responsáveis no campo, de agirem condenando a ação inequivocamente

racista.

Também a agenda populista e nacionalista, que ganha espaço na Europa, põe a nu o

pensamento racista e xenófobo que prolifera nas sociedades dos países europeus e que tem

levado a ações sociais e posturas políticas perigosas e inaceitáveis.

Outro aspeto relevante hoje é a capacidade de pessoas afrodescendentes e ciganas, através de

associações e coletivos, ocuparem o

espaço público expondo as suas

experiências de discriminação com

base na origem étnico-racial,

reivindicando direitos de igualdade,

de cidadania e de combate ao

racismo estrutural.

A posição política destes

movimentos está a provocar um

debate que tardou em Portugal. Por

um lado, escondido atrás da

autoimagem nacional de país que se

abriu ao mundo, que era bondoso

com os indígenas das colónias,

assente na teoria luso-tropicalista

de Gilberto Freyre. Por outro lado, o confronto com o pensamento dominante, que considera

discriminatório o princípio diferenciador com base em “raças” e etnias, assumindo como

condições de desigualdade apenas os rendimentos e a classe, com abertura ao género.

Há uma tensão latente entre o poder dominante e o ativismo dos grupos racializados que

lutam para que o fator étnico-racial seja assumido como fator de desocultação do racismo e da

discriminação. É exemplo a oportunidade que se perdeu de recolher dados étnico-raciais nos

Censos 2021.

O desafio está na forma como estas narrativas e a realidade se conjugam na sociedade

portuguesa atual. Grande parte da diversidade étnico-racial faz-se de pessoas afrodescendentes

que têm nacionalidade portuguesa, e que hoje, 45 anos após a descolonização, continuam a

viver numa sociedade que não olha para elas como iguais. Só entre 2007 e 2017, meio milhão de

pessoas obtiveram nacionalidade portuguesa, uma grande parte delas afrodescendentes, além de

todas as que nasceram em Portugal. Assim como de pessoas ciganas, a única minoria étnica de

portugueses, cujos antepassados remontam ao século XV. Nas próximas décadas, considerando os

fluxos migratórios, a nossa sociedade contará com muitos portugueses de origem asiática.

Imagem Público, disponível em:

https://www.publico.pt/2020/02/16/desporto/noticia/liga-repudia-

racismo-marega-guimaraes-1904375

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É urgente enfrentar o racismo sem tibiezas. O populismo e o nacionalismo que proliferam na

sociedade, que crescem nas intenções de voto, cujo discurso radical assenta numa narrativa

racista e xenófoba, atacando os direitos humanos e o politicamente correto assumindo esta

postura como um ato “libertário”, a par da desigualdade étnico-racial não assumida e muitas

vezes dissimulada que corrompe a democracia, exige urgência no combate ao racismo e ação

nas políticas públicas, integrando obviamente o pensamento das pessoas racializadas, como

prioridade política em Portugal.

Catarina Marcelino, publicado no jornal Público em 21 de Março de 2020

PARA ELIMINAR A DISCRIMINAÇÃO RACIAL, CELEBRAR MENOS

E AGIR MAIS

O racismo ganhou relevância política, mas continua a ser o parente pobre do combate às

desigualdades. São tantos os desafios que, havendo vontade política, há muito por onde começar.

Há muito que Portugal, subscritor da Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação, “celebra”, a cada 21 de março, o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação

Racial, que foi instituído em 1969 depois do Massacre de Sharpeville pelo regime do apartheid em 1960.

Apesar do combate ao racismo estar inscrito na ordem constitucional e jurídica ordinária – nas vertentes

penal e contraordenacional –, convém lembrar que entrou tardia e dificilmente nas preocupações

políticas nacionais.

Em 1996, o SOS Racismo e a Associação Portuguesa dos Direitos do Cidadão apresentaram uma

petição para a criação de uma lei contra a discriminação racial que seria entregue na Assembleia da

República. Em 1997, a Assembleia da República discutiu-a, reconhecendo a sua pertinência e

necessidade. Três anos mais tarde, em 1999, viriam a ser aprovadas por unanimidade na generalidade as

propostas do PS e do PCP que dariam lugar à lei contra a discriminação racial (Lei 134/99). Este quadro

jurídico criou a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR), com competência

para a aplicação da legislação de combate à discrimina ão racial, “refor ada” com a lei 1 2004, que

transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva 2000 43 CE, mais conhecida como “Diretiva Ra a”.

Após 20 anos de vigência inoperante, criou-se a Lei n.º 93/2017, infelizmente uma oportunidade perdida

para constituir, de uma vez por todas, o racismo como crime público. Supostamente, entre outras coisas,

esta a nova lei alargaria o leque das discriminações, aumentaria a capacidade de dissuasão pelo acréscimo

das coimas e pela operacionalidade e reforçaria a prestação pública de contas por parte da CICDR.

O relatório da CICDR de 2018 mostra, por exemplo, que 22,5% das queixas de discriminação se devem

à origem racial e étnica, 19,1% à nacionalidade e 17,9% à cor da pele. Neste relatório, verificamos ainda

que 21,4% do total das queixas se referem a pessoas ciganas, 17,6% a negras e 13,3% a brasileiras (...)

Até 2019, a taxa de arquivamento para cada uma das áreas situa-se nos 80%, sendo 22% por prescrição.

Segundo esta investigação, apenas 5,8% destes casos resultaram numa condenação efetiva e a média do

valor das coimas é irrisória, situando-se nos 731 euros.

A nova legislatura começou com a inédita eleição de três deputadas negras e a entrada da extrema-

direita na Assembleia da República. Antes, durante e depois da sua eleição, o debate sobre o racismo, ao

mesmo tempo que ganhou visibilidade, revelou quão estrutural é o racismo na sociedade portuguesa.

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2020 inicia-se com o caso do assassinato do jovem cabo-verdiano Luís Giovani, marcado pelo laxismo e

silenciamento das instituições, assim como pela criminalização da comunidade cigana nos media, pela

extrema-direita, por alguns sindicatos de forças de segurança e pelo próprio presidente da Comissão de

Protecção às Vítimas de Crimes. De então para cá, tivemos as bárbaras agressões à cidadã Cláudia Simões,

um Carnaval marcado pelo repetido “black face” nos festejos escolares e pela agressão xenófoba de duas

cidadãs brasileiras, o ataque racista do deputado da extrema-direita à deputada Joacine Katar Moreira, o

insulto coletivo a Moussa Marega perante a passividade da maioria dos intervenientes.

Vivemos uma situação em que os populismos fascistas ganharam expressão e representatividade

política, apoiando-se em estratégias de banalização do racismo no espaço público e consolidando a

estratégia militante de captura das instituições através de infiltrações da extrema-direita. É nesta situação

que Marega, através do seu gesto, se tornou de repente no herói da boa consciência de muitos que até

hoje se limitaram a

encolher os ombros.

Passada a espuma do

momento, parece que

ainda há quem não

tenha percebido que o

combate ao racismo, seja

em que circunstância for,

precisa muito mais do

que a coragem de um só

homem ou de bonitas

frases feitas. A continuar

a falta de coragem para

enfrentar o monstro,

estão criadas as

condições para a consolidação do fascismo racista. O corajoso e digno gesto de Marega foi um desafio à

inércia que tem marcado o combate ao racismo. A dívida moral que o país e a democracia têm para com

ele e para com todas as vítimas do racismo só será saldada se estivermos à altura de combater o racismo

que assombra a sociedade portuguesa.

O debate vai ganhando contornos esquizofrénicos em que reina a fábula lusotropicalista do país com

racistas, mas sem racismo. Grassa uma patológica disfunção cognitiva e uma profunda vontade de

silenciamento político do debate sobre o racismo. Mas como é que se quer atacar um privilégio sem causar

desconforto? A mudança da ordem social que resulta das relações de poder de uma sociedade pós-colonial

marcada pela “linha da cor” não se faz sem criar desconforto. É impossível enfrentar o racismo sem atacar

privilégios historicamente acumulados e que sustentam o imaginário coletivo. Há uma elite investida em

ostracizar o antirracismo, acusando-o de histerismo e comparando-o com o racismo da extrema-direita.

Esta desonesta acusação serve um propósito que interessa desmontar. Colocando-se como “fiel da

balança”, procura ter o monopólio legítimo do debate sobre a questão racial. Incapaz de atribuir ao racismo

a mesma valoração ética e política que atribuiu às outras violências e incapaz de assimilar que o racismo

põe em causa a humanidade, esta elite pretende enfrentar a questão racial sem sobressaltos.

Depois do chumbo da inclusão da pergunta sobre a pertença étnico-racial nos censos pelo INE, do recuo

do Ministério Público nas acusações de racismo e tortura no caso da Esquadra de Alfragide, da enchente de

Sondagem SIC, realizada em abril de 2016, disponível em:

https://www.publico.pt/2020/02/16/desporto/noticia/liga-repudia-racismo-marega-

guimaraes-1904375

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discursos racistas no espaço público, da entrada da extrema-direita no Parlamento, dos repetidos casos de

violência policial sobre sujeitos racializados, o racismo ganhou mais relevância política, mas continua a ser

o parente pobre do combate às desigualdades. Fala-se muito e faz-se muito pouco. Do anterior grupo de

trabalho sobre os censos nada se sabe, a não ser algumas declarações da tutela sobre a sua reativação no

âmbito do anunciado Observatório do Racismo, sobre o qual também pouco ou nada consta.

A passagem da CICDR para a tutela da Secretaria de Estado da Cidadania e Igualdade não resolve os

problemas da sua orgânica e competências. A manutenção das questões relacionadas com a comunidade

cigana no Alto Comissariado para as Migrações é inaceitável. Querer implementar uma política de quotas,

que é necessária e urgente, sem uma recolha censitária de dados étnico-raciais e através do “método

indireto francês” é uma farsa. Uma “educa ão para a cidadania” com conteúdos curriculares

lusotropicalistas e despolitizantes é um logro. Sem orientação estratégica para o ensino bilingue e a

regulamentação do estatuto do mediador socio-cultural, a escola continuará a ser um espaço de

exclusão. Uma “agenda da igualdade” que não responda à precariedade habitacional das pessoas

racializadas reforçará a sua segregação. Uma política de emprego que não contemple medidas de

reconversão profissional deixará de fora muitas pessoas racializadas. Celebrar a diversidade cultural sem

uma política memorial que rompa com a romantização colonial é um silenciamento da nossa história

comum. Exaltar a participação política através do tokenismo ou da meritocracia é reforçar a

invisibilidade. São tantos os desafios que, havendo vontade política, há muito por onde começar.

Ultimamente, apareceram na Assembleia da República uma série de recomendações sobre o racismo. E

ainda bem. Mas, nos últimos 20 anos, foram também várias as que apareceram sem que fossem

efetivamente traduzidas numa lei, programa ou ações com resultados concretos. O combate ao racismo

nunca teve centralidade nas políticas de igualdade e continua a não ter, como o provam os vários

Orçamentos do Estado. Hoje, tão longe de derrotar o racismo, a celebração da efeméride tem que ter

substância concreta. A carga simbólica da data exige uma ação política que vá para lá das proclamações

abstratas a cada 21 de março.

Mamadou Ba, In Jornal Público, edição de 21 de Março de 2020

OUTROS RECURSOS: VÍDEOS, FILMES, ETC.

- O "Teste da boneca" é uma experiência psicológica realizado nos anos 40 nos EUA para testar o

grau de marginalização sentido por crianças afro-americanas e causado por preconceito,

discriminação e segregação racial. O vídeo mostra-nos uma recriação do teste com crianças

italianas: Disponível aqui.

-Experiência realizada na Lituânia sobre o preconceito tendo por base a raça. Pode ser visto aqui.