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SUMÁRIOApresentação ...............................................................................................................................................3

Esse Patrimônio Também é Meu: Relato De Experiência ...........................................................................4

Patrimônio Ferroviário como Tecnocultura: As Oficinas de Manutenção Da Companhia Paulista Em Jundiaí ................................................................................12

O Centro de Engenharia e Automação do Instituto Agronômico de Campinas: Paisagem da Tecnologia Agrícola como Patrimônio Cultural do Município De Jundiaí ...........................23

Igreja do Rosário de Jundiaí: Demolição e Esquecimento ........................................................................30

E os Passarinhos, Onde Ficam? Questionamentos Sobre A Situação do CEA – Centro de Engenharia e Automação do IAC – Instituto Agronômico De Campinas Em Jundiaí ..........................37

A História do Antigo Horto Florestal De Rio Claro e Características do seu Tombamento (1909-1977) .................................................................................44

Vislumbres do Século Xix: As Vilas Operárias como Lugares De Memória .............................................53

A Economia Escravocrata de Jundiaí .......................................................................................................58

A Função Social do Patrimônio Cultural / The Heritage Social Function .................................................66

Ocupa Colaborativa: A Luta Popular Pela Cultura e pela Preservação Do Patrimônio Histórico ............................................................................................72

Vestígios da Configuração Espacial Original de Jundiaí: de Capela a Freguesia (1651) e de Freguesia a Vila (1655) ......................................................................77

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APRESENTAÇÃO A revista Cidade Patrimônio & Memória, publicada

pela Prefeitura Municipal de Jundiaí através da Secre-taria Municipal de Cultura, em seu volume 1, publica 10 artigos selecionados dentre os trabalhos apre-sentados no Simpósio sobre Patrimônio Cultural que ocorre anualmente a partir de 2013 no município.

Realizado entre os dias 24 e 26 de agosto/2016 o 4º Simpósio sobre Patrimônio Material e Imaterial de Jun-diaí, nesse ano com o tema “As várias dimensões do patrimônio cultural”. Sob a organização da Diretoria de Patrimônio Histórico e Cultural e da Secretaria Munici-pal de Cultura de Jundiaí teve o apoio do Sincomér-cio de Jundiaí e região, DCEFaccamp, Universidade Paulista-UNIP, Fatec Jundiaí e Secretaria Municipal de Educação de Jundiaí.

O evento propiciou o debate sobre o tema patrimô-nio cultural bem como objetivou suscitar a discussão sobre o assunto em nossa cidade e apresentar o novo cenário com as ações do poder público, um balanço sobre as realizações dos últimos quatros anos e a or-ganização da sociedade civil no âmbito da preserva-ção do patrimônio em suas várias dimensões, assim como o de abrir espaço para pesquisadores exporem seus trabalhos de pesquisas de acordo com os eixos temáticos do evento.

O simpósio teve uma programação dinâmica e en-volvente através da conferência de abertura, palestras, oficinas, exposições de trabalhos em forma de apre-sentações orais, alguns dos quais foram selecionados para publicação em forma de artigo nessa revista, vi-sita técnica orientada ao Centro de Memória do muni-cípio. No seu encerramento a cidade foi presenteada com várias manifestações culturais na praça Eraze Martinho, popularmente conhecida como praça da Ponte Torta.

Conselho editorial.

CONSELHO EDITORIALProfessor Dr. Janes Jorge;

Professor Dr. Mario Ramalho;

Professor Dr. Pier Paolo Pizzolato;

Professor Dr. José Renato Polli;

Professora Dra. Ana Paula Pedro;

Professora Dra. Aline Carvalho;

Professora Dra. Ellen Rozante;

Professor Ms. Alexandre Oliveira;

Professor Ms. Jean Caum Camoleze;

Mestre Felipe Bueno Crispim;

Mestranda Julia Amabile Ap. de Souza Pinto

Professor Donizetti Aparecido Pinto;

Professor José Felício de Cezare

Jorge Luiz Vernaglia;

Tércio Marinho do Nascimento Junior;

Edgar Aparecido Borges;

Felipe Andrade da Silva;

ORGANIZADORES:Donizetti Aparecido Pinto (Diretor de Patrimônio His-

tórico e Cultural)

Felipe Andrade da Silva (Assessor da Diretoria de Patrimônio Histórico e Cultural)

Marcos Aparecido dos Santos (Assessor da Direto-ria de Patrimônio Histórico e Cultural)

Juliana Corrêa Gonçalves (Estagiária da Diretoria de Patrimônio Histórico e Cultural)

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Resumo: O Multiculturalismo existente desde a formação de nosso país é evidente e, quando observado com atenção e cuidado transversalmente pela Arte e pela Educação torna-se um meio possível para o entendimento de cada individuo, o mundo que nos rodeia e suas particularidades que compõe e comporão nossa memória. O Patrimônio Cultural, na ideia de herança, quando identificado revela os múltiplos aspectos que pode assumir a cultura viva e presente de uma comunidade, a proporcionar nossas formas de expressão e comunicação com o outro, alem de desenvolver a afetivida-de pelo que se acredita ser representativo e significativo para futuras gerações. Os vestígios de um passado revistos em processo de tombamento, na atmosfera da cidade de Jundiaí no Estado de São Paulo, encontram nas ações da geração presente, formas de serem eternizados na memória dos jundiaienses que ainda estão por vir.

Palavras-chave: Arte. Educação. Identidade. Multiculturalismo. Patrimônio.

Abstract: The existing Multiculturalism since the formation of our country is evident and, when observed with attention and care through the Arts and the Education becomes a possible means for the understanding of each individual, the world around us and its peculiarities that make and will make our memory. The Cultural patrimony in the idea of inheritan-ce, when identified reveals the multiple aspects that can take the present and alive culture of a community, providing our forms of expression and communication with others, additionally develop affection for what is believed to be representati-ve and meaningful for future generations. The remnants of a past revised tipping process, in the atmosphere of the Jundiai city in São Paulo, finding in the actions of the present generation, ways of being immortalized in memory of citizens of Jundiai that still are to come.

Keywords: Art. Education. Identity. Multiculturalism. Patrimony.

ESSE PATRIMÔNIO TAMBÉM É MEU: RELATO DE EXPERIÊNCIAPor: ANA CECÍLIA VIEIRA SERONConservadora e Restauradora de Bens Móveis /Arte Educadora / Artista Plástica

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INTRODUÇÃOAs análises do processo histórico brasileiro que au-

xiliam na explicação da formação social e cultural do nosso país principalmente no tocante contexto sócio político e as relações sociais entre os atores da histo-ria, são de suma importância e uma realidade defendi-da por alguns historiadores a perdurar até os dias de hoje.

Porém não basta somente identificar características presentes dos povos de formação cultural brasileira, mas sim vivenciá-las com a sua verdadeira natureza e principalmente respeitar suas essências, em busca de possibilitar na troca com o outro, o conhecimento, a quem as pertence ao reproduzi-las e a quem as ab-sorve ao desvendá-las.

Segundo Darcy Ribeiro “a nova identidade étnico--nacional” surge a partir dos questionamentos cons-cientes da maneira que o ser humano se enxerga pertencente ou não aos grupos de formação de sua cultura atual. Tendo na identidade, sua personalidade.

As pessoas são diferentes na sua essência e essa diferença é intensificada com sua bagagem cultural. A identificação entre elas, em aglomerações de gru-pos específicos, só é possível se houver o respeito, para que possam reforçar comportamentos coletivos sejam para reivindicações de direitos, afirmações e /ou reflexões acerca de problemas ou conflitos a serem enfrentados.

As ações humanas são reflexo de sua identificação cultural e, quando algo lhe é significativo, os atos de manter sua memória são naturalmente desenvolvidos.

APROXIMAÇÃO DOS CON-TEÚDOS AO COTIDIANO

Hoje a conclusão dos Ensinos Fundamental e Médio na Educação de Jovens e Adultos (EJA) está direta-mente relacionada à melhoria nas oportunidades de trabalho ou mesmo a uma chance no mercado, visto as dificuldades presentes na crise econômica que o Brasil enfrenta. O Centro Municipal de Educação de Jovens e Adultos (CMEJA) de Jundiaí “Prof. Dr. André Franco Montoro” recebe alunos do município e dos demais na proximidade, sendo uma cidade acolhedora

como local de estudo assim como para trabalho e/ou moradia. A escola é endereçada na antiga fábrica de tecelagem Argos Industrial S. A., arquitetura de 1913, que teve sua falência em 1984, também por crises econômicas enfrentadas na década de 80, decretada em tombamento provisório em 1989 e localizada em bairro de grande importância municipal, de referencia para muitos alunos que foram funcionários da fabrica ou descendentes dos mesmos.

Sabendo-se que Arte é um fenômeno cultural, um registro das ideias e dos ideais das culturas e etnias e que em cada época, diferentes grupos escolhem como devem compreender esse fenômeno; na disci-plina de Arte os alunos têm a possibilidade de vislum-bram a evolução das expressões humanas pela histo-ria, de reconhecer sua produção pessoal bem como a de seus companheiros de aula, observando e res-peitando as diferenças presentes pela diversidade de naturalidades dos envolvidos, suas idades e historias de vida.

O mundo da arte é concreto e vivo podendo ser observado, compreendido e apreciado. Através da ex-periência artística o ser humano desenvolve sua ima-ginação e criação aprendendo a conviver com seus semelhantes, respeitando as diferenças e sabendo modificar sua realidade. A arte dá e encontra forma e significado como instrumento de vida na busca do entendimento de quem somos, onde estamos e o que fazemos no mundo.

Assim, abranger a educação através da Arte, não de forma distante, mas observando a particularidade do local de estudos em que o aluno convive como par-te da historia e patrimônio, pela aproximação dos con-teúdos ao cotidiano, se torna mais significativa permi-tindo a identificação pessoal e o reconhecimento da cidade de Jundiaí não somente como fornecedora de oportunidades, mas buscando o olhar para a cidade como “sua”.

METODOLOGIA• Aulas expositivas para elucidação de conceitos

sobre Arte, construções e monumentos, patri-mônio, tombamento, conservação e restauro, períodos históricos, visualizações de patrimô-nios mundiais, nacionais e municipais na cons-cientização do macro ao particular;

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Figura 3-6. Vista do Complexo Argos, prédio com a escola e chaminé tombada, à direita: Palestra “Educação Patrimo-nial” com Toninho Sarasá acompanhado de Magda Rosa e Flávia Sutelo no CMEJA / Participação dos alunos na

reconstrução didática do arco da Ponte Torta.

• Debates entre os participantes sob a visão críti-ca para ações de preservação dos patrimônios;

• Identificação dos patrimônios municipais e refe-rências de outros em viagens ou mudanças de moradia;

• Relato sobre o Projeto de Conservação e Ze-ladoria da Ponte Torta que estava em ativida-de (2015), para aproximação e exemplificação, (http://pontetorta.jundiai.sp.gov.br/o-projeto);

• Parceria com o Estúdio Sarasá e visita do profis-sional Toninho Sarasá à escola, com o debate e vivência da Educação Patrimonial;

METODOLOGIA

Figura 1-2. Visita ao Projeto 28/02/2015 - Ponte Torta em processo de Restauro, à direita: Toninho Sarasá demons-

trando o processo de Restauro na Ponte Torta.

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• Visita à exposição “Patrimônio Cultural em Jundiaí: presente e passado” no Museu Histórico e Cultural, sob o viés da Arqueologia;

• Observação: primeiro contato à uma exposição para a maioria dos participantes. Ficha de Identificação:

Figura 7-9. Visita à exposição: Foto na escada da fachada do museu (antiga casa solar do Barão de Jundiaí).

• Aula teórica e técnica de fotografia;

• Proposta prática de identificação individual de patrimônio pessoal e possíveis objetos de valor futuro para a humanidade, na ideia do micro ao macro, com registro fotográfico e ficha de identificação.

Objetos selecionados, nomeados e fotografados pelos alunos:

Um terço, minha Kombi, o quadro dos meus pais, uma taça grande de servir vinho muito antiga, minha residência de 1990 (construção própria), uma moeda, uma máquina fotográfica da década de 30, violão, um rádio antigo, uma doceira (bomboniere), um celular simples, máquina de costura, colar de pérolas da família, um retrato pessoal, relógio de parede, uma imagem de Nossa Senhora em madeira, paisagem vegetal no meu bairro, casca de ovo de avestruz.

Exemplo aluno Marcelo Vanin - objeto escolhido: Casca de ovo de avestruz

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Ficha de Identificação:

• O que é esse patrimônio? Resposta: O ovo de avestruz

• De que material é feito? Resposta: Calcio e membranas

• Qual sua(s) cor (es)? Resposta: Branco ou mar-fim

• Qual é seu formato? Resposta: Oval

• Possui textura? Qual? Resposta: Sim, poroso ou esmaltado

• Possui cheiro? Qual? Resposta: Não

• • Foi fabricado manualmente, industrialmente ou de outra forma? Resposta: Postura pela ave

• De que época ele pertence? Resposta: Do ano 2015

• Qual o seu valor? E para quem? Resposta: Valor sentimental para mim e para meus filhos (coleta

pessoal)

• Por que deve ser guardado? Resposta: Pelo fato da ave estar em extinção

• Qual a sua importância para a humanidade? Resposta: O conhecimento do animal e sua criação

• Como você o adquiriu? Resposta: Coleta na fa-zenda de criação das aves

• Qual o seu estado de conservação? Resposta: Ótimo

• Observações e/ou Particularidades Resposta: As pessoas confundem os animais, há diferença entre ema e avestruz, a fazenda de criação em que trabalhei realiza todas as etapas do proces-so de incubação, onde colhi e realizei perfura-ção para manter a casca intacta, que dura mais de 80 anos se bem cuidada, porem só pude fa-zer isso por se tratar de um ovo infértil quando observado no aparelho chamado ovoscópio.

Cruzamento em cativeiro

Acompanhamento

Incubadora Crescimento das aves

Aves adultas

Alimentação

Exposição: Pintura nas cascas dos ovos

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RESULTADOS DO PROJETO

A identificação foi tão clara e significativa que re-sultou no contato por redes sociais para continuidade da observação e vivências de situações e ações patri-moniais e artísticas no município, pelos envolvidos e convidados.

CONSIDERAÇÕES FINAISO aprender com o outro, com os exemplos, com as

vivências, traz a consciência de si e seu pertencimento no grupo, reforçando sua personalidade e assim sua identidade pessoal. Quando o cenário do Patrimônio Cultural, em processo de tombamento ou não, en-volve essa identidade, fica explícita a necessidade do pertencimento deste patrimônio para cada um e assim consequentemente para a cidade, estado, federação ou ate à humanidade. Reconhecendo seu entorno como verdadeiramente seu, fazendo parte da Historia.

A Historia, de origem no antigo termo grego de sig-nificado “conhecimento através da investigação”, é uma ciência que investiga o passado da humanidade e o seu processo de evolução, tendo como referên-cia um lugar, uma época, um povo ou um indivíduo específico; é um compêndio que trata desses fatos e acontecimentos; um ramo do conhecimento; uma nar-ração de eventos de cunho popular e tradicional, mas que, sobretudo não pode ser considerada distante e defendida somente em teses e livros. Ela está a todo instante em nosso redor. Nós fazemos historia. Nós! Simples cidadãos de uma cidade que tem em cada dia seus acontecimentos que hoje parecem desper-cebidos, mas amanhã estarão registrados em futuros livros, com suas narrações, ideias e tradições.

O Multiculturalismo na cidade de Jundiaí é explíci-to na sua miscigenação, seja na raiz indígena de seu próprio nome, seja na afro-descendência com fatos e conquistas a possuir um dos primeiros clubes negros do Brasil que foi reconhecido como patrimônio do mu-nicípio atualmente ou com as raízes italianas em seus bairros da Colônia, Traviú e Caxambu levando seu prestígio a uma visão mundial pela inserção de uma nova uva em suas terras.

Essa mistura esta presente também nas pessoas

desta cidade, nas minorias do passado que se tornam a maior parte do publico numa escola que carrega sua historia nas paredes, sendo adultos entre vinte e um e quarenta anos, em sua maioria mulheres, que bus-cam novas oportunidades de emprego nas indústrias e construção civil da região, junto à sua realização pessoal na absorção de novos conhecimentos apesar de ter ficado mais de dez anos afastados da escola. Encontram nesta cidade, por entre as ruínas de uma fábrica que trouxe o crescimento do município, uma escola que mantem em cada um de seus tijolos não a poeira de um passado esquecido, mas a esperan-ça de um futuro com respeito e cuidado pelo afeto e identidade criados, deixando assim conviver uma era contemporânea de grande evolução tecnológica junto a uma memória nostálgica de uma cidade histórica.

Tudo está na maneira de olhar, na importância que se dá, no carinho que se cria pelo dia a dia. Ter a consciência de que cada passo de hoje será parte da Historia de amanhã só é possível ao sentir-se fazendo parte da mesma, olhando para os detalhes, atentando às diferenças e construindo um percurso pelos ques-tionamentos conscientes ao enxergar-se no contexto e no grupo que nos rodeia. Para tal, a essência está na educação dentro e fora da escola, ou seja, na vivência educacional e na construção de conhecimentos com seus múltiplos significados.

Tendo nas ações de hoje o respeito como prota-gonista com afeto pelo ontem na construção de um amanhã significativo para si e para todos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Livros:

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BUENO, Roberto Franco. Villa Fermosa de Nossa Senhora do Destêrro do Mato Grosso de Jundiahy, da Capittania de Sam. Vicente: os dois primeiros séculos. Jundiaí/ São Paulo: In House, 2010.

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CATELLI JR, Roberto; HADDAD, Sérgio; RIBEIRO, Vera Masagão (Orgs.). Educação de Jovens e Adultos: insumos, processos e resultados. 1ª edição. São Paulo: Ação Educativa, 2014. Disponível em: http://www.acaoeducativa.org/images/ stories/ pdfs/relatorio_final_INEP_EJA.pdf,

DUARTE Jr, João Francisco. Fundamentos Estéticos da Educação. Campinas/ São Paulo: Papirus, 1995.

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FLORÊNCIO, Sônia Rampim; CLEROT, Pedro; BEZERRA, Juliana e RAMASSOTE, Rodrigo. EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: Histórico, conceitos e processos. Brasil: IPHAN, 2014

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 1ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.

FREIRE, Paulo & FAUNDEZ, Antonio. Por uma Pedagogia da Pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

GORDINHO, Fundação Antonio-Antonieta Cintra. PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL DE JUNDIAÍ. Jundiaí/ SP: Paco Edital: 2016.

HORTA, Maria de Lourdes Parreiras; GRUNBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane Queiroz. Guia Básico de Educação Patrimonial. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional / Museu Imperial,

1999. Disponível em: http://www.4shared.com/office/9nn0N0TE/guia_bsico_de_educao_patrimoni.html

KRISHNAMURTI, J.. A educação e o significado da vida. São Paulo: Cultrix, 1957.

LOUREIRO, Felipe Pereira. Nos fios de uma trama esquecida: a indústria têxtil paulista nas décadas pós-depressão 1929-1950. Tese de pós-graduação em História, Economia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo como mestre em história em São Paulo 2006.

Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8137/tde-11072007-102513/publico/DISSERTACAO_FELIPE_PEREIRA_LOUREIRO.pdf

MENDES, António Rosa. O que é Patrimônio Cultural. 1ª edição. Lisboa: Gente Singular Editora Ltda, 2012.

MORIN, Edgar. Cabeça Bem-Feita: repensar e reformular o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

NETO, JOÃO CLEMENTE DE SOUZA; LIBERAL, MÁRCIA MELLO COSTA DE, (ORGS.) EDUCAR PARA O TRABALHO: ESTUDOS SOBRE OS NOVOS PARADIGMAS. Curitiba/ Paraná: Arauco, 2006.

PINHEIRO, Adson Rodrigo S. (org.). Cadernos do patrimônio cultural: educação patrimonial (Série Cadernos do Patrimônio Cultural; v.1, Fortaleza: Secultfor: Iphan, 2011.Disponível em:

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SCHNEIDER, MARÍLIA. JUNDIAI NA HISTÓRIA. Jundiaí/ São Paulo: Porto de Idéias, 2008.

SCHNEIDER, MARÍLIA. Por amor à cidade Jundiaí. São Paulo: Porto de Idéias, 2012.

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Diversa, ano 1, n. 1, p. 51-66, jan./jun. de 2008.

Tomanik, GERALDO B.. AS FOTOS, OS TRAÇOS E A HISTÓRIA. Jundiaí/ São Paulo: Literarte, 2005.

Sites:

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Resumo: Pretende-se analisar o modo como decorreu, no período de 1896 a 1971, o processo de reestruturação das antigas Oficinas de Manutenção da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, localizadas em Jundiaí, no Estado de São Paulo. Nesse sentindo, partindo de um primeiro estudo documental sobre a coleção do Museu da Companhia Paulis-ta, foi possível apresentar uma interpretação geral sobre o modo como terá decorrido esse processo de modernização tecnológica, nomeadamente ao nível da disposição espacial das diferentes seções oficinais ao longo do tempo. Cons-tatou-se que, na passagem da locomoção a vapor para a locomoção elétrica e diesel-elétrica, seriam implementadas importantes reformas no meio operacional, resultantes da ampliação das infraestruturas oficinais existentes e aquisição de novos equipamentos industriais necessários à sua operacionalização, em relação com os diferentes sistemas tecno-lógicos adotados em cada época. Este processo de modernização iria conhecer vários avanços e recuos até 1971, data de institucionalização da Ferrovia Paulista S.A. (FEPASA).

Palavras-chave: Patrimônio Ferroviário; Oficinas de Manutenção; Tecnocultura.

Abstract: It’s intended to examine how it took place, during the period from 1896 to 1971, the restructuring process of the Companhia Paulista de Estradas de Ferro Maintenance Workshops, located in Jundiaí, state of São Paulo (Brazil). Starting from a first documentary study on the collection of the Companhia Paulista Museum, It was possible to present a general interpretation about this process of technological modernization, namely in terms of spatial arrangement of the different officinal sections over time. It was noted that, in the passage of steam locomotion for the electric and diesel-elec-tric locomotion, would be implemented major reforms, resulting from the expansion of officinal infrastructures and acquisi-tion of new industrial equipment, in relation with the different technological systems adopted. This modernization process would meet several advances and retreats until 1971, date of institutionalization of Ferrovia Paulista S.A. (FEPASA).

Keywords: Railway Heritage; Maintenance Workshops; Tecnoculture.

PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO COMO TECNOCULTURA: AS OFICINAS DE MANUTENÇÃO DA COMPANHIA PAULISTA EM JUNDIAÍPor: ANA TORREJAIS

Mestranda em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP)

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INTRODUÇÃONa sociedade brasileira do século XX, o desenvolvi-

mento do setor ferroviário ocupou lugar de destaque, sobretudo até à década de 1960, momento em que a opção pelo transporte rodoviário seria considerada uma alternativa mais adequada ao crescimento eco-nômico do país. No entanto, entre o final do século XIX e o início do século XX, a lógica produtiva era outra, consolidada em torno de uma intensiva exploração agro-cafeeira, sobretudo concentrada na Região Su-deste do país. O modal ferroviário, irradiando a par-tir do litoral para o interior do Estado de São Paulo, garantiria a ocupação territorial e a continuidade da expansão da lavoura até à década de 1930, sobre-tudo voltada ao abastecimento do mercado externo, europeu e estadunidense. Posteriormente, o modal ferroviário continuou a servir o transporte e distribuição de mercadorias e passageiros, garantindo os novos interesses industriais e a continuidade do seu investi-mento financeiro.

A política industrial brasileira procurou manter-se ali-nhada com o desenvolvimento tecnológico do setor ferroviário, a um nível nacional e internacional, ope-rando-se distintas fases de transição energética entre os sistemas de produtividade adotados como parte dessa prática desenvolvimentista. A análise macro-estrutural revela, para cada uma dessas fases, várias implicações na gestão dos complexos industriais rela-cionados à manutenção ferroviária, com forte impacto na organização dos espaços oficinais e manutenção dos respetivos equipamentos, assim como na gerên-cia científica e profissional do setor.

Para o Estado de São Paulo, foi preponderante a atuação da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, cujo período de operacionalização se inicia em 1870, com a construção do modal ferroviário entre as cida-des de Jundiaí e Campinas. A montagem da infraes-trutura ferroviária exigiria a preparação dos terrenos e a aquisição de materiais de construção, assim como de equipamentos ferroviários, a maioria dos quais pro-veniente do estrangeiro, e cuja manutenção regular se tornava necessária. Por essa razão, a Companhia Paulista dispunha de oficinas de manutenção localiza-das em Campinas, mas cujos serviços oficinais se vêm a concentrar posteriormente na cidade de Jundiaí, so-bretudo devido ao aumento do efetivo de material ro-dante detido pela Companhia, cuja reparação exigia

uma área oficinal de maiores dimensões e convenien-temente equipada.

HISTÓRICO DAS OFICI-NAS DE MANUTENÇÃO DA COMPANHIA PAULISTA EM JUNDIAÍ

Tendo-se fixado em Jundiaí a escolha do local para a construção das novas oficinas de manutenção da Companhia Paulista, em dezembro de 1891 inicia-se a preparação da esplanada oficinal e encomenda de todo o material de ferro necessário à fundação do edi-fício principal. 1A obra tem inicio em Maio seguinte, sob a responsabilidade dos empreiteiros Contrucci e Giorgi e fiscalização do engenheiro Antonio Soares de Gouvêa, executando-se até ao final de 1892 vários tra-balhos fundacionais (Relatório Nº44, 1893: 167-169).

A construção das oficinas de manutenção de Jun-diaí decorreria entre os anos de 1893 e 1896, sendo o espaço oficinal desde logo organizado em diferentes seções operacionais, necessariamente apetrechadas com os equipamentos industriais indispensáveis ao seu correto funcionamento. No final de 1895, havia já sido concluída a construção das seções de pintura e reparação de carros e vagões, reparação de locomo-tivas, carpintaria mecânica e fundição de ferro e bron-ze, serviços definitivamente transferidos de Campinas para Jundiaí em Março de 1986 (Relatório Nº47, 1896: 215). Simultaneamente, procedia-se à conclusão de outras áreas operacionais, destinadas aos escritórios da inspetoria geral, contadoria, linha e locomoção, para além da construção, próximo da área oficinal, de 40 pequenas habitações destinadas à acomodação dos operários da Companhia (Relatório Nº44, 1893: 169).

No final do ano de 1896, eram oficialmente inaugura-1 De acordo com Fábio Dardes, tanto no Brasil quanto no exterior, a escolha dos locais para a implantação das oficinas norteou-se pelos seguintes con-ceitos básicos: localização estratégica, centralizada em relação aos trechos da linha; localização em lugar com facilidade de suprimentos e material de reposição e abas-tecimento; acesso fácil a todos os trechos da linha; proximidade aos grandes fluxos de tráfego da área a ser atendida; suprimento de mão de obra local; padronização unificada (Dardes, 2010:290). Por sua vez, a escolha de Jundiaí para construção das novas oficinas de manutenção da Companhia Paulista, justifica-se por esta ser a situação mais conveniente à Companhia, do ponto de vista técnico, econômico e administrativo: a cidade, ponto inicial da estrada de ferro, localizava-se próximo do ponto de desembarque dos materiais importados e recomendava-se também “sob o ponto de vista da salubridade e fáceis modos de vida” (Relatório Nº45, 1894:15).

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CIDADE PATRIMÔNIO E MEMÓRIA14

das, em Jundiaí, as novas Oficinas de Manutenção da Companhia Paulista, nas quais, para além da constru-ção e reparação de material rodante, executavam-se ainda variados serviços internos, destinados a outras repartições da Companhia. Não obstante, a principal atividade oficinal centrava-se na manutenção dos ve-ículos ferroviários, cujo efetivo aumentava à medida que progredia pelo interior do Estado de São Paulo a construção de novas vias férreas. Sendo que a produ-ção estadual de material rodante era ainda incipiente, grande parte desses veículos eram importados, sobre-tudo da Inglaterra e Estados Unidos, o que incremen-tava largamente os custos de manutenção (Oliveira, 2012a: 196-197). Nesse sentido, entre 1896 e 1898, construíram-se em Campinas, Rio Claro e São Carlos três grandes rotundas de locomotivas, o que permitia “zelar com maior solicitude o material de tração”, au-mentando o seu tempo de uso, em compatibilidade “com a boa economia de serviço e com a facilidade e rapidez das reparações” que este reclamava (Relatório Nº51, 1900: 31-32,194). A partir de 1901, regista-se igualmente um acréscimo do efetivo de pessoal em-pregado nas oficinas de Jundiaí, sobretudo pela maior importância e complexidade dos trabalhos aí executa-dos, mas também pelo aumento dos aprendizes em formação desde 1896 (Relatório Nº51, 1900: 296).

Figura 1: Oficinas de Manutenção da Companhia Paulista em Jundiaí. Anos de 1892 a 1902: proposta de distribuição das secções oficinais, equipamentos industriais e serviços administrativos. Fontes: PINTO, Adolpho A.; História da Via-ção Pública de São Paulo; São Paulo: Governo do Estado de São Paulo; Edição de 1977; pp. 104-111. Revised Plan of Shop Roofs for Companhia Central Paulista, Brazil; The Phoenix Bridge Co. (U.S.A.); c. 1892. Acervo Documental da Biblioteca do Museu da Companhia Paulista. Sala de Re-serva, Caixa 358.

LEGENDA:

Edifícios 1. Fundição de Ferro e Bronze2. Ferraria3. Caldeiraria4. Oficinas de Máquinas de Ferramentas 5. Ferramentaria6. Oficina de Montagem e Reparação de Locomotivas7. Pintura de Locomotivas e Tenders8. Serraria9. Carpintaria Mecânica10. Pintura de Carros e Vagões

Outras Seçõesi. Depósitos do Almoxarifadoii. Administração do Almoxarifadoiii. Inspetoria e Administração Central da Companhia

EquipamentosA. Motor das Oficinas de MetaisB. CaldeirasC. Motor das Oficinas de MadeirasD. Carretão

PRIMEIRA FASE DE OPERACIONALIZAÇÃO: TRANSMISSÃO MECÂNICA

As oficinas de manutenção de Jundiaí terão com-portado várias reestruturações, que acompanharam o processo de aperfeiçoamento tecnológico associa-do ao desenvolvimento industrial no Estado de São Paulo. Tal aperfeiçoamento implicaria uma contínua renovação dos processos oficinais e correspondentes infraestruturas e equipamentos associados à tecnolo-gia adquirida. É nesse sentido que, a partir de 1905, a Companhia Paulista inicia a primeira reforma geral das suas oficinas de manutenção em Jundiaí. O plano en-volvia a instalação de novos equipamentos industriais, adaptados a métodos modernos de trabalho, com a finalidade de diminuir consideravelmente a despesa com o pessoal contratado. Nesse sentido, é adquiri-da uma instalação completa de ar comprimido, para as ferramentas portáteis e elevadores das oficinas, e são implementadas instalações elétricas nas diferen-tes seções oficinais, a fim de transformar o sistema de transmissão de força aos maquinismos, até então conduzido por correias e cabos, em movimento direto alimentado por motores elétricos.

Simultaneamente, progredia pelo interior do Esta-do de São Paulo a construção de novas vias férreas. O aumento da intensidade de tráfego exigia gastos acrescidos com os materiais de consumo empregues na tração, nomeadamente combustível e lubrifican-tes, sendo que o preço excessivo do carvão mineral implicava a necessidade de restrição no seu consu-mo. Como medida de contenção de gastos, a Com-panhia Paulista adota então a utilização de madeira para combustível e dormentes, inicialmente em abun-dância nas matas existentes ao longo das suas linhas

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CIDADE PATRIMÔNIO E MEMÓRIA15

de exploração. Perante o avanço da cultura cafeeira, assiste-se a um progressivo esgotamento das reser-vas florestais, tornando-se cada vez mais difícil a ob-tenção da madeira necessária aos serviço de tração e via permanente. É nesse sentido que, a partir de 1903, a Companhia Paulista opta pelo desenvolvimento de uma política de reflorestamento, constituindo vários Hortos Florestais, num total de dezoito unidades de exploração intensiva de eucalipto.

Em 1918, a Companhia Paulista contava já com 1.245km de extensão em linhas ferroviárias, correta-mente aparelhadas do ponto de vista técnico, com-plementadas pelas infraestruturas necessárias à sua plena operacionalização e nas quais o tráfego de pas-sageiros e cargas circulava em excelentes condições. A Paulista ostentava a imagem de uma empresa mo-delo ao nível da organização e pontualidade dos seus serviços, sendo também pioneira em importantes me-lhoramentos ferroviários (Pérez, 1918: 240).

SEGUNDA FASE DE OPERACIONALIZAÇÃO: TRANSMISSÃO ELÉTRICA

Com a conclusão da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), acentua-se a crise de combustíveis devida, quer ao aumento do valor do carvão importado e à re-duzida qualidade do equivalente nacional, quer à ale-gada dificuldade em obter madeira perante o progres-sivo desaparecimento da mata nativa na região central do Estado, necessidade esta que os Hortos Florestais supriam apenas parcialmente. É neste contexto que a Companhia Paulista inicia a eletrificação das suas prin-cipais vias de tração, projeto derivado dos estudos re-alizados noutros países pelo engenheiro Francisco de Monlevade, Inspetor Geral da Companhia, e que iria seguir como modelo o sistema de eletrificação adota-do pela empresa norteamericana Chicago Milwaukee and Saint Paul Railway (Relatório Nº71, 1920: 42-49).

A consequente reestruturação das instalações ofici-nais da Companhia, decorrente da modernização do modal ferroviário, envolveria também a conversão do sistema mecânico (vapor) para o sistema elétrico (ele-tricidade) de operacionalidade, empreendimento já ini-ciado no ano de 1905. A transição entre estas duas fa-ses de produção energética implicaria a remodelação

das infraestruturas industriais preexistentes, o aper-feiçoamento dos equipamentos correspondentes e a alteração do regime de trabalho diário pois, tal como refere Eduardo Oliveira, “da arquitetura ferroviária até ao regime de horas de trabalho, tudo era reorgani-zado em função do sistema de geração de energia” (Oliveira, 2012a: 199). O envio de oficiais e técnicos operacionais para o exterior, nomeadamente Estados Unidos e Inglaterra, com vista ao treinamento e ca-pacitação dos operários nas mais avançadas oficinas de manutenção ferroviária, foi igualmente importante nesta fase de modernização2.

Figura 2: Oficinas de Manutenção da Companhia Paulista em Jundiaí. Ano de 1936: proposta de distribuição das sec-ções oficinais, equipamentos industriais e serviços adminis-trativos. Fonte: Oficinas de Jundiaí: planta geral mostrando a localização dos maquinismos e seus motores; Companhia Paulista de Estradas de Ferro; 03-08-1936. Acervo Docu-mental da Biblioteca do Museu da Companhia Paulista. Sala de Leitura, Gaveta20E, Nº2535.

LEGENDA:

Edifícios1. Fundição de Ferro e Bronze2. Modeladores3. Depósito de Modelos4. Fundição Velha5. Caldeiraria6. Ferraria7. Torneiros8. Torneiros de Rodas 9. Reparação de Locomotivas a Vapor e Ajustagem10. Carpintaria11. Pinturaria12. Funilaria e Encanadores13. Ajustadores, Freios, Injetores e Velocímetros14. Reparação de Locomotivas Elétricas

Outras Seçõesi. Escritório das Oficinasii. Ferramentariaiii. Inspetoria e Administração Central da Companhiaiv. Quarto de Cópiasv. Tipografiavi. Estatística e Serviços de Hollerithvii. Escola Profissional

2 “Para adestrar o pessoal no trabalho das locomotivas electricas e nas reparações de que venham a precisar, a Directoria julgou de conveniência destacar uma turma de operários, machinistas e ajustadores, que fez seguir para os Estados Unidos, acompanhados do chefe geral das Officinas de Jundiahy, Sr. Gustavo Stor-ch, para praticarem na tracção das linhas electrificadas e nas respectivas oficinas” (Relatório Nº71, 1920: 42-49).

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CIDADE PATRIMÔNIO E MEMÓRIA16

EquipamentosA. Caldeiras e CompressorB. Solda ElétricaC. SubestaçãoD. CarretãoE. DepósitoF. Depósito de Inflamáveis

SEGUNDA REFORMA GERAL DAS OFICINAS DE JUNDIAÍ

Não obstante a transição processada entre as duas fases de produção energética, os sistemas de tração a vapor e a eletricidade iriam manter-se simultaneamen-te operacionais durante vários anos. Para este fato iria contribuir a conjuntura imposta pela Segunda Guerra Mundial (1939-1945), forçando a Companhia Paulis-ta a restringir os seus esforços de eletrificação, pois o conflito colocaria novamente à industria ferroviária maiores dificuldades com a importação de carvão e material rodante. Por esta mesma razão, ainda que o sistema de tração diesel-elétrico tenha sido adotado por algumas ferrovias brasileiras logo a partir da déca-da de 19303, a Companhia Paulista apenas iria incor-porar o novo sistema de tração no ano de 1952, data que assinala a substituição definitiva da tração a vapor nas linhas da Companhia. As limitações impostas pela II Guerra Mundial à obtenção de material importado, forçariam ainda a Companhia Paulista à fabricação, em larga escala, de diversas peças necessárias à con-servação da via permanente e material rodante, obri-gando a reajustamentos na infraestrutura e aparelha-mento das suas oficinas de manutenção.

Figura 3: Oficinas de Manutenção da Companhia Paulista em Jundiaí. Ano de 1953: proposta de distribuição das sec-ções oficinais, equipamentos industriais e serviços adminis-trativos. Fonte: Planta das Oficinas de Jundiaí; Companhia Paulista de Estradas de Ferro; 22-09-1953. Acervo Docu-mental da Biblioteca do Museu da Companhia Paulista. Sala de Leitura, Gaveta 17D, Nº3741.

3 As primeiras empresas ferroviárias brasileiras a adotar o sistema de tra-ção diesel-elétrico seriam a São Paulo Railway, em 1935, e a Viação Férrea Federal do Leste Brasileiro, em 1938. O sistema de tração diesel-elétrico apresentava a van-tagem de gerar a sua própria eletricidade, dispensando por isso toda a infraestrutura necessária à eletrificação da via ferroviária, sujeita a frequentes interrupções (Gorni, 2010:131-134).

01. Depósito de Material do Almoxarifado

02. Sucata

03. Depósito de Óleo e Outros Materiais

04. Pátio de Materiais do Almoxarifado

05. Pátio de Materiais de Construção da Linha

06. Tipografia

07. Reparação de Locomotivas

08. Doca

09. Depósito da Construção da Linha

10. Depósito das Oficinas

11. Pátio de Materiais das Oficinas

12. Escritórios do Almoxarifado

13. Telégrafo

14. Dependência da Contadoria

15. Garagens

16. Consultório

17. Secção de Obras

18. Caixa de Água

19. Depósito de Óleo

20. Depósito de Óleo

21. Depósito

22. Secagem e Lavagem de Peças

23. Valeta Falsa

24. Reparação de Locomotivas Elétricas

25. Almoxarifado

26. Escritórios do Almoxarifado

27. Serviços Elétricos e Conservação da Linha

28. Arquivo da Contadoria

29. Depósito de Estudos e Pesquisas

30. Ajustagem de Freios, Injetores e Velocímetros

31. Funilaria e Encanadores

32. Conservação de Automóveis

33. Pinturaria

34. Secção de Pessoal

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CIDADE PATRIMÔNIO E MEMÓRIA17

35. Pagadoria

36. Caixa e Pagadoria

37. Escola Profissional

38. Passador

39. Reparação de Locomotivas a Vapor e Ajustagem

40. Torneiros de Rodas

41. Quarto de Ferramentas

42. Compressor

43. Solda Elétrica

44. Aplainadores

45. Torneiros

46. Ferraria

47. Caldeiraria

48. Passador

49. Caldeira e Compressor

50. Barracão

51. Barracão da Ferraria

52. Compressor

53. Depósito de Carvão

54. Modelação

55. Depósito de Modelos

56. Rebarbação

57. Fundição de Ferro e Bronze

58. Depósito

59. Departamento de Serviços Mecânicos

60. Escritório das Oficinas

61. Arquivo

62. Manutenção de Máquinas Operatrizes

63. Despachos

REORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA PAULISTA

Se a conjuntura política e econômica internacio-nal foi marcada, até 1945, pela II Guerra Mundial, a

um nível nacional o governo centralizador de Getúlio Vargas (1930-1945) daria início à segunda fase de in-dustrialização do país. São Paulo deixa então de ser um estado predominantemente agrícola, passando a concentrar a maior parte das indústrias brasileiras (Soukef Junior, 2012: 6). Neste contexto, a rede fer-roviária paulista, construída e mantida para servir de escoamento aos produtos agrícolas do interior do Es-tado, perde progressivamente a sua importância, em detrimento do transporte rodoviário, que se instalava no país de forma mais prática e econômica. Conse-quentemente, a ferrovia entra num processo de es-tagnação e obsoletismo, que se estende a todas as companhias, sobretudo pela sua falta de adequação técnica, operacional e física aos novos interesses go-vernativos. É deste modo que, no início da década de 1950, a Companhia Paulista de Estradas de Ferro vem a adquirir várias outras ferrovias que entroncavam na sua linha principal, como forma de pagamento de dí-vidas destas pequenas companhias para com a Pau-lista. Mas a própria Companhia Paulista viria a perder, progressivamente, a sua condição de empresa mode-lo, em virtude de vários problemas financeiros que a afetavam (Giesbrecht, 2010: 83-89).

Em 1961, após intervenção do Governador Carva-lho Pinto, as ações da Companhia são desapropria-das e o Estado converte-se no seu maior acionista. A partir de então, os investimentos na rede ferroviária diminuíram consideravelmente e o fechamento de ra-mais, incluindo aqueles em que a Companhia investira bastante em época anterior, tornou-se uma constante. Nesse sentido, em 1966 processa-se a reorganização administrativa da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, uma reforma geral que se estenderia a todos os serviços operacionais, com vista à redução de despe-sas acessórias (Relatório Nº118, 1967: 37).

Figura 4: Oficinas de Manutenção da Companhia Paulista em Jundiaí. Ano de 1964: proposta de distribuição das sec-ções oficinais, equipamentos industriais e serviços adminis-trativos. Fonte: Oficinas de Jundiaí: planta geral mostrando a localização dos maquinismos e seus motores; Companhia Paulista de Estradas de Ferro; 1964. Acervo Documental da Biblioteca do Museu da Companhia Paulista. Sala de Leitu-ra, Gaveta 20E, nº 2537.

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CIDADE PATRIMÔNIO E MEMÓRIA18

LEGENDA:

01. Depósito de Ferro Velho

02. Tanque de Óleo

03. Depósito de Inflamáveis

04. Tipografia

05. Garagem

06. Teste de Carga

07. Caixa de Água

08. Salas de Aula da Escola Profissional

09. Depósito

10. Depósito

11. Compressor

12. Compressor

13. Creche

14. Depósito

15. Depósito

16. Depósito

17. Escritórios do Departamento de Pessoal

18. Secção de Obras

19. Departamento de Engenharia Mecânica

20. Escritórios das Oficinas

21. Arquivo

22. Escritório Técnico

23. Laboratório de Análises

24. Despachos

25. Barracão

26. Fundição

27. Estufa

28. Depósito de Ferro Velho

29. Carpintaria

30. Barracão

31. Modelação

32. Depósito de Bronze

33. Rebarbação

34. Depósito de Carvão

35. Depósito de Madeira

36. Têmpera de Peças

37. Depósito de Materiais Elétricos

38. Barracão da Ferraria

39. Reservatórios de Óleo para Caldeira

40. Sala de Compressores

41. Ferraria

42. Funilaria e Caldeiraria de Cobre

43. Ferramentas

44. Caldeiraria

45. Passador

46. Manutenção de Máquinas Operatrizes

47. Torneiros

48. Sanitários

49. Compressor

50. Afiação de Ferramentas

51. Subestação Elétrica

52. Tornos de Rodas

53. Passador

54. Reparação de Locomotivas a Vapor

55. Reparação de Truques de Locomotivas Diesel

56. Sala dos Computadores

57. Serviços Mecanizados e Operadoria

58. Contadoria

59. Caixa e Pagadoria

60. Serviços Mecanizados e Perfuração

61. Escritório do Dep. de Materiais e Secção de Compras

62. Arquivo da Contadoria

63. Departamento de Materiais

64. Departamento de Engenharia Civil

65. Escritório do Departamento de Materiais

66. Almoxarifado

67. Departamento de Património e Cadastro

68. Ajustagem de Freios e Injetores

69. Velocímetros

70. Pinturaria

71. Ferramentaria

72. Manutenção Elétrica

73. Solda Elétrica

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CIDADE PATRIMÔNIO E MEMÓRIA19

74. Armaduras

75. Reparação de Locomotivas Elétricas

76. Quarto de Ferramentas

77. Sanitários

78. Escola Profissional

79. Pantógrafos e Freios

80. Motores de Tração e Auxiliares

81. Reparação de Locomotivas Diesel-Elétricas

82. Caldeira Fixa

83. Limpeza de Peças

84. Metalização

85. Quarto de Ferramentas

RACIONALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DAS OFICINAS

No decurso do processo de reorganização adminis-trativa anteriormente iniciado, entre os anos de 1969 e 1970 decorre a racionalização dos serviços das Ofici-nas de Manutenção da Companhia Paulista, reforma a cargo do Sector Técnico-Normativo do Departamento de Engenharia Mecânica da Companhia. Este Setor, implementado no final do 1º semestre de 1969 nas ofi-cinas de Jundiaí e Rio Claro, tinha por finalidade con-trolar os custos das reparações efetuadas, mediante os seguintes procedimentos (Relatório Nº121, 1970: 27-28): elaboração de normas técnicas e de serviço para as oficinas; estudo de métodos de trabalho e ra-cionalização dos mesmos; programação das repara-ções a serem feitas pelas oficinas; formação de equi-pes de manutenção; implementação de um sistema de controlo de produtividade.

No seguimento da reforma geral processada e com vista à maior especialização técnica do pessoal con-tratado, a Companhia Paulista cria, em Setembro de 1967, a Divisão de Ensino, Seleção e Treinamento, com sede em Jundiaí. Esta Divisão detinha as seguin-tes atribuições (Relatório Nº122, 1971: 89): adminis-trar, ampliar e atualizar as Escolas de Formação Pro-fissional de Jundiaí e Rio Claro, mantidas através de acordo com o SENAI; constituir um sistema atualizado de seleção de pessoal, não só para admissão, como para orientação e acesso aos cargos e funções da fer-

rovia; montar um sistema adequado de treinamento para o pessoal da Companhia, visando o aumento de eficiência, o melhor aproveitamento nas funções ferro-viárias e diminuindo a demanda de admissão de pes-soal especializado.

Posteriormente, em Março de 1968, processa-se a reorganização administrativa da Diretoria de Pessoal e cria-se a Comissão de Vacância e Provimento, para “controlo das promoções gerais nas carreiras, fiscali-zação e execução do almanaque anual e implemen-tação de normas e regulamentos internos para pro-vimento de cargos” (Relatório Nº122, 1971: 93-94). Não obstante, as dificuldades financeiras que a Com-panhia Paulista de Estradas de Ferro então atravessa-va, dificultavam a aquisição de novos equipamentos industriais para o aparelhamento das suas oficinas de manutenção, sobretudo no que se refere ao material importado, o que agravava a falta de adequação téc-nica, operacional e física dos serviços prestados (Re-latório Nº122, 1971: 93-94).

Figura 5: Oficinas de Manutenção da Companhia Paulista em Jundiaí. Anos de 1969-1972: proposta de distribuição das secções oficinais, equipamentos industriais e serviços administrativos. Fonte: Planta das Oficinas de Jundiaí; Com-panhia Paulista de Estradas de Ferro; 09-06-1969. Acervo Documental da Biblioteca do Museu da Companhia Paulis-ta. Sala de Leitura, Gaveta 17E, Nº2191. Planta das Oficinas de Jundiaí; FEPASA; 22-09-1972. Acervo Documental da Biblioteca do Museu da Companhia Paulista, Gaveta17D, Nº3740. LEGENDA:

01. Tipografia

02. Garagem

03. Caixa de Água

04. Sala de Aula

05. Quadra de Ginástica

06. Casa da Bomba

07. Depósito da Tipografia

08. Tanque de Óleo

09. Barracão

10. Depósitos do Almoxarifado

11. Quarto de Ferramentas

12. Metalização

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CIDADE PATRIMÔNIO E MEMÓRIA20

13. Limpeza de Peças a Jacto de Vapor

14. Caldeira Fixa

15. Reparação de Loc. Elétricas e Diesel-Elétricas

16. Limpeza de Peças a Ar

17. Bombas Injetoras

18. Escola Profissional

19. Bilheteira Museu Fepasa (registo posterior)

20. Ajustagem de Freios e Injetores

21. Velocímetros

22. Pinturaria

23. Manutenção Elétrica

24. Ferramentaria

25. Solda Elétrica

26. Armaduras

27. Equipamentos Elétricos

28. Quarto de Ferramentas

29. Almoxarifado

30. Escritório do Almoxarifado

31. Arquivo

32. Normativa

33. Programação

34. Caixa e Pagadoria

35. Museu FEPASA (registo posterior)

36. Reparação de Locos. Diesel-Elétricas

37. Passador

38. Tornos de Rodas

39. Manutenção de Máquinas Operatrizes

40. Reparação de Compressores

41. Passador

42. Caldeiraria

43. Depósito

44. Barracão da Ferraria

45. Barracão

46. Sala de Compressores

47. Ferraria

48. Aplainadores

49. Compressores

50. Sanitários

51. Torneiros

52. Depósito de Carvão

53. Carpintaria

54. Depósito de Modelos

55. Depósito do Departamento de Eletricidade

56. Sucata

57. Depósitos

58. Fundição

59. Despachos

60. Laboratório de Análises

61. Escritório Técnico

62. Arquivo

63. Escritório da Secção de Pessoal

64. Departamento de Materiais

65. Expediente

66. Depósito de Rodeiros

67. Caixa de Água

68. Secção de Obras

69. Guardas

70. Estacionamento de Veículos

71. Cabine de Força

72. Guardas

73. Cooperativa

74. Depósito da Cooperativa

75. Depósito

76. Creche

77. Compressor

78. Compressores, Injetoras e Filtros

CONCLUSÃOA partir da década de 1970, sobretudo em decor-

rência da crise internacional de petróleo, a indústria ferroviária readquire a atenção do poder público, en-

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CIDADE PATRIMÔNIO E MEMÓRIA21

quanto alternativa viável para a redução dos gastos mantidos com o sistema de transporte rodoviário e potencializadora do desenvolvimento econômico e social do país. Porém, conforme assinalado, o sistema ferroviário deparava-se já com sérias dificuldades, de-rivadas da progressiva falta de investimentos no setor e acentuada redução nos serviços de transporte de passageiros e cargas, o que se traduzia no obsoletis-mo das infraestruturas e equipamentos.

É nesse sentido que, a 10 de Novembro de 1971, por decreto de Laudo Natel, Governador do Estado de São Paulo, é criada a Ferrovia Paulista S.A. (FEPASA), como resultado da agregação das cinco companhias ferroviárias que atuavam então no Estado: Companhia Paulista de Estradas de Ferro, Companhia Mogiana, Estrada de Ferro Sorocabana, Estrada de Ferro Ara-raquara e Estrada de Ferro São Paulo e Minas. A em-presa ocupar-se-ia da integração operacional, técnica e administrativa das ferrovias adquiridas, para além de estudos mais amplos, visando o levantamento dos ve-ículos e equipamentos existentes e a alienar, e uma análise aprofundada da via permanente ativa, pre-vendo-se a desativação dos ramais de baixo poten-cial e a abertura ou remodelação de outros (FEPASA, 1991:11).

Até ao final da década de 1980, a FEPASA inves-tiria no desenvolvimento da rede ferroviária por todo o território paulista, sendo que os investimentos pre-vistos se fundamentavam em três diretrizes básicas: “a consolidação do corredor ferroviário de exportação, para beneficiar o transporte de cargas; o atendimento a grandes centros industriais; e o transporte de pas-sageiros na Região Metropolitana de São Paulo, cujo serviço se apresentava em condições muito aquém das necessidades e do nível de conforto exigido pela população” (Giesbrecht, 2010: 83-89). Não obstante os investimentos realizados, a decadência do sistema ferroviário acabaria por conduzir à falência da FEPASA, que seria extinta no ano de 1998 e integrada na Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), como parte do paga-mento das dívidas do Estado de São Paulo para com a União Federal.

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“A paisagem é sempre uma herança. Herança de processos fisiográficos e biológicos e patrimônio coletivo dos povos que historicamente as herdaram como território de atuação de suas comunidades”Aziz Nacib Ab Saber

O CENTRO DE ENGENHARIA E AUTOMAÇÃO DO INSTITUTO AGRONÔMICO DE CAMPINAS: PAISAGEM DA TECNOLOGIA AGRÍCOLA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO MUNICÍPIO DE JUNDIAÍ1

1 Texto originalmente apresentado ao Conselho do Patrimônio Artístico e Cultural de Jundiaí como parecer para o processo 14730-0/2016 - Tombamento do Centro de Engenharia e Automação do Instituto Agronômico de Campinas (CEA/IAC).

Por: FELIPE BUENO CRISPIM

Historiador pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Mestre em História pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Membro do Grupo de Trabalho em História Ambiental da Associação Nacional dos professores universitários de História (ANPUH - Seção São Paulo) e do GT História e Patrimônio Cultural da ANPUH - Brasil.

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O Centro de Engenharia e Automação do Instituto Agronômico de Campinas (CEA/IAC) em Jundiaí se lo-caliza no km 65 da rodovia Dom Gabriel Paulino Bueno Couto. Trata-se de uma propriedade de 110 hectares de área no sopé da Serra do Japi fundada em 14 de julho de 1969 pelo decreto estadual 52169 que cria o então Centro de Mecânica Agrícola como subdivisão do Instituto Agronômico de Campinas aonde se con-centram importantes trabalhos de tecnologia agrícola do estado de São Paulo.

O CEA encontra-se atualmente ameaçado pela possibilidade de extinção de suas dependências por parte do governo do Estado de São Paulo que pre-tende executar sua venda sob a justificativa de racio-nalização dos gastos públicos em face da crise eco-nômica. Para evitar a destruição da área, em 2016 o Conselho do Patrimônio Artístico e Cultural de Jundiaí (COMPAC) instaurou o processo 14730-0/2016 pro-pondo o tombamento integral da área.

Além da ameaça de venda da área o Conselho tem como justificativa para a abertura do processo de tombamento a presença do bem no Inventário de Proteção do Patrimônio Artístico e Cultural de Jundiaí (IPPAC) instrumento de preservação instituído pela lei complementar 443/2007.

O Centro de Engenharia e Automação do Instituto Agronômico de Campinas é patrimônio histórico de Jundiaí. Sua contribuição à cidade enquanto docu-mento da história da tecnologia agrícola paulista é um fator central na necessidade de manutenção de suas atividades.

São 47 anos de trabalhos desenvolvidos por esse órgão no município entre os quais se destaca sua fun-damental importância na elaboração de testes de má-quinas agrícolas para todo o país, sendo sua pista de ensaio credenciada pelo Instituto Nacional de Metrolo-gia, Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO e pela Organização para Cooperação e Desenvolvi-mento Econômico – OCDE, organismo internacional e intergovernamental que promove a cooperação em tecnóloga agrícola em diversos países.

A tecnologia de ensaio da área de mecanização agrícola evolui com o conhecimento e a experiência dos envolvidos nos testes e com as necessidades do mercado. Desse modo a contribuição do CEA no campo de estudos da tecnologia agrícola é incontes-tável tendo-se em vista os mais de 700 artigos publi-

cados por seus pesquisadores entre estudos técnicos e científicos nesse campo. (Jundiaí, 2016)

Para além da sua importância para a tecno-logia agrícola paulista o CEA/IAC guarda em suas dependências potencialidades paisagísticas únicas no contexto do processo de urbanização de Jundiaí. Seus 110 hectares de área se localizam na zona de amortecimento entre o perímetro urbano do município e a Serra do Japi, patrimônio cultural paulista que foi tombado em 1983 pelo Conselho de Defesa do Pa-trimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico - Condephaat, órgão responsável pela tutela do pa-trimônio cultural paulista em que se incluem as áreas naturais como sendo bens culturais de natureza paisa-gística do estado (São Paulo, 1968).

O CEA/IAC é uma área estratégica para a ma-nutenção da qualidade de vida no munícipio como também para a preservação dos remanescentes de mata atlântica e dos recursos hídricos que nas depen-dências do Centro, encontram-se preservados cum-prindo função essencial no equilíbrio do ecossistema que compõe juntamente com a Serra do Japi uma paisagem de alto nível de seletividade espacial, con-siderando-se o grau de ameaça do bioma da mata atlântica no estado.

A área possui 26 hectares de mata divididos em 10 fragmentos florestais classificados como fi-tofisionomias de Floresta Estacional Semidecidual, pertencente ao Bioma da Mata Atlântica em diferen-tes estágios de regeneração e conservação, entre os quais se destaca um bosque plantado de Araucárias (Araucarias angustifólia) espécie nativa do Brasil com risco extremamente elevado de extinção na natureza, segundo a lista vermelha de espécies ameaçadas da International Union for Conservation of Nature – IUCN.

A área também apresenta espécies remanescentes características do Bioma Cerrado, como por exemplo, as espécies lenhosas Byrsonima intermedia (murici), Miconia albicans (quaresmeira branca), Stryphnon-dendron spp (barbatimão), Vochysia tucanorum (cin-zeiro), entre outras, espécies citadas na Resolução 64 da Secretaria Estadual de Meio Ambiente de 10 de setembro de 2009 que dispõe sobre o detalhamento das fisionomias da Vegetação de Cerrado e de seus estágios de regeneração, de modo que a presença dessas espécies no terreno do Centro caracteriza sua condição peculiar de zona de transição entre o bioma

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da Mata Atlântica e do Cerrado. (SMA, 2009)

Na sua relação com o sítio urbano de Jundiaí a área do CEA funciona como corredor ecológico ou corredor de biodiversidade entre o vetor oeste do mu-nícipio e a Serra do Japi. A Serra além de patrimônio cultural paulista é também parte da Reserva da Bios-fera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo, tutela de proteção instituída pela UNESCO em 1993 abran-gendo o conjunto dos espaços naturais circundantes da região metropolitana de São Paulo, ressaltando-se a importância internacional do bioma da Mata Atlânti-ca. (MENARIM, 2013)

Diversas são as tutelas de proteção de áre-as naturais exercidas por órgãos de preservação do meio ambiente e da cultura. No âmbito das instituições de preservação do patrimônio cultural a exemplo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e no que tange a realidade paulista, o Con-dephaat, o acautelamento de áreas naturais está pre-visto nas legislações que disciplinam a atuação desses órgãos nos três níveis do poder público.

Para explicitar a viabilidade do tombamento integral do CEA como bem cultural paisagístico integrando seu acervo arquitetônico de forma indissociável ao patrimônio ambiental da área, recorremos ao histórico das ações desenvolvidas pelos órgãos de preservação do patrimônio cultural no Brasil ressaltando-se o Cen-tro de Engenharia e Automação como paisagem da técnica e da tecnológica agrícolas que aclimata estra-tegicamente por sua história e atividades, elementos do mundo natural garantindo sua preservação.

O PATRIMÔNIO PAISAGÍS-TICO E OS ÓRGÃOS DE PRESERVAÇÃO:

O Decreto-lei n.25 de 1937 que cria a figura jurídica do tombamento no Brasil estabelece em seu Artigo 1º que o patrimônio histórico e artístico nacional se constitui do “conjunto dos bens móveis e imóveis exis-tentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”. (Brasil, 1937)

O mesmo artigo do decreto determina em seu parágrafo segundo que “equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e prote-ger pela feição notável com que tenham sido dotados pelo natureza ou agenciados pelo indústria humana.” (Brasil, 1937)

Em plano nacional os bens culturais de natu-reza paisagística compõe um universo amplo de ti-pologias documentais preservadas por intermédio do tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) que as mantém inscritas nos livros de tombo entre os quais o Livro Arqueológi-co, Etnográfico e Paisagístico. A respeito dessa diver-sidade que compõem o patrimônio paisagístico na his-tória da política federal de preservação, a historiadora Cristiane Magalhaes identificou 22 categorias de bens que constituem o panorama das ações dos órgãos de preservação na tutela da paisagem:

1 - Árvores; 2 - Balneários e estâncias termais; 3 - Cemitérios, memoriais e mausoléus; 4 - Conventos, claustros e cercas conventuais; 5 - Fazendas, chácaras, casas de campo, chalés, ranchos, sítios e quintais; 6 - Jardins Científicos, Jardins Botânicos, Zoobotânicos e Hortos Florestais; 7 - Jardins de Casas de Museus; Jardins e Paisagens de propriedades industriais, comerciais e militares; 9 - Jardins dos domínios do governo e residências ofi-ciais; 10 - Jardins e Parques da orla marítima ou fluviais; 11 - Jardins e parques particulares; 12 - Jardins institucionais; Jardins modernis-tas; 14 - Jardins públicos urbanos; 15 - Jar-dins zoológicos; 16 - Lagos e lagoas artificiais ou naturais, rios, diques e cachoeiras; 17 - Lo-cais de peregrinação religiosa como outeiros e santuários e lugares sagrados indígenas; 18 - Mobiliário e elementos artísticos de antigos jardins e praças; 19 - morros, ilhas, picos, serras; 20 - Parques e matas não urbanas; 21 - parques públicos, parques históricos e bos-ques. 22 – Praças, largos e campos ajardina-dos ou arborizados. (Magalhaes, 2015 p.333).

Esse conjunto de tipologias que caracteriza o patri-mônio paisagístico brasileiro, considerando a atuação dos órgãos de preservação na definição de critérios de atribuição de valor, nos remete a amplitude do

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conceito de paisagem, sobretudo quando associado ao campo do patrimônio cultural como atestam Sci-foni (2006), Ribeiro (2007), Mongelli (2011) Figueiredo (2014), Crispim (2016), Detoni (2016) entre outros.

Essa amplitude de formas permeia as práticas de preservação e nos dá a dimensão do seu alcance ten-do-se em vista o vasto universo dos bens culturais brasileiros como ressalta o artigo 216 da Constituição Federal de 1988:

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referências à identidade, à ação, à me-mória dos grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – As formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, docu-mentos, edifícios e demais espaços destina-dos às manifestações artístico culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleonto-lógico, ecológico e científico. (BRASIL, 1988).

Assim o grande leque de bens culturais reconheci-dos pelo Constituição ampliou de forma qualitativa o horizonte de atuação das instituições de preservação do patrimônio desmistificando a imagem que histo-ricamente se criou de que o patrimônio se constitui apenas de exemplares arquitetônicos em detrimento de um amplo leque de documentos e expressões cul-turais.

Nesse contexto, ainda em âmbito da legislação fe-deral, recentemente o Iphan instituiu a Portaria 127 de 30 de Abril de 2009 que cria a Chancela da Paisagem Cultural Brasileira como sendo “uma porção peculiar do território nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores.” (IPHAN, 2009)

A Chancela representa um grande avanço na atuação do órgão federal de preservação no sentido de considerar as relações entre ambiente e sociedade como patrimônio cultural. A Chancela favorece tam-bém o surgimento de instrumentos de preservação congêneres no âmbito dos poderes estaduais e muni-cipais tendo em vista que considera o valor paisagísti-co como prerrogativa da ação preservacionista.

No estado de São Paulo a tutela da paisagem está presente na legislação que disciplina a atuação do Conselho de Patrimônio Histórico, Arqueológico, Ar-tístico e Turístico (Condephaat) desde sua criação pela lei 10227/68 que determina:

A adoção de todas as medidas para a defesa do patrimônio histórico, artístico e turísticodo Estado, cuja conservação se imponha em razão de fatos históricos memoráveis, do seu valor folclórico, artístico, documental ou turís-tico, bem assim dos recantos paisagísticos, que mereçam ser preservados. (São Paulo, 1968).

No Condephaat entre os anos de 1970 e 1980 as-sistimos a um grande debate em torno da relação en-tre paisagem e patrimônio caracterizado sobretudo, pela atuação de geógrafos na instituição. Em pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de São Paulo este autor identificou que a preservação de áreas na-turais foi uma das linhas de força da ação preservacio-nista em São Paulo nesse período tendo-se em vista a tentativa de construção de uma política atuação para o órgão paulista no acautelamento de áreas naturais. (Crispim, 2016)

Em 1976 o geógrafo Aziz Nacib Ab’Saber então conselheiro representante do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo no Con-dephaat escreveu o texto “Diretrizes para uma política de preservação das Reservas Naturais do Estado de São Paulo” posteriormente publicado no número 30 da revista Geografia e Planejamento (1977). O texto documenta o ideário de uma época considerando o debate público que se travou pelo tombamento de áreas naturais:

Esforçamo-nos para tratar as complexas questões envolvidas dentro de uma linha de pensamento que comporta uma busca de critérios racionais, suficientemente objetivos, para tentar ajudar a salvação dos remanes-centes de uma natureza agredida e desfigura-da. E, assim, minimizar os defeitos de organi-zação básica do espaço territorial, com vistas ao beneficio de todos os homens-habitantes e grupos sociais do Estado de São Paulo. Numa contingência de alto nível de valoriza-ção das terras e redução sensível de espaços disponíveis e não comprometidos, torna-se

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imprescindível uma politica seletiva de identifi-cação de áreas, afim de viabilizar a proteção e permanência de alguns quadros significativos da natureza no interior do universo paisagísti-co e ecológico do território paulista (Ab’ Saber, 1977 p.24).

Nas Diretrizes Ab’Saber propôs três níveis de priori-dade para a preservação das paisagens paulistas: em caráter emergencial e prioritário estavam as áreas críti-cas e ecologicamente estratégicas correspondentes a filtros da biosfera; em segundo plano, as paisagens de exceção (morros testemunho, mares de pedras, lapas e cavernas etc) e finalmente as paisagens de substitui-ção como hortos florestais, jardins, parques etc (Ab’ Saber, 1977)

Dentre essas ações o tombamento da Serra do Japi, Guaxinduva e Jaguacoara em 1983 constitui um marco histórico da luta pela preservação das áreas naturais no Estado de São Paulo. Considerada área ecológica e hidricamente crítica a par com o seu gran-de valor cênico e paisagístico, a área tem a condição múltipla de banco genético da natureza tropical dotada de um mosaico de ecossistemas capaz de funcionar como espaço serrano regulador para a manutenção da qualidade de vida de um setor de planaltos interio-res de São Paulo. (Condephaat, 1983)

A preservação da Serra do Japi na década de 1980 por desdobramento dessa luta travada por Aziz Ab’ Saber e pelo Condephaat foi contextualizada por outros tombamentos de grande envergadura política efetivados no período como por exemplo, o da Ser-ra do Mar e de Paranapiacaba em 1985 abrangendo 39 municípios da faixa costeira paulista (Condepha-at, 1985). Via-se o tombamento como uma forma de se preservar as relações entre ambiente e sociedade, tendo-se em vista o grau de flexibilidade que o instru-mento apresentava em comparação a outros como as Reservas Naturais (RN’s) e Áreas de Proteção Ambien-tal (APA’s), já que restringia o uso das propriedades sem gerar sua imediata desapropriação.

No âmbito do município de Jundiaí a paisa-gem também está contemplada na legislação de patri-mônio. A lei complementar 443 de 24 de julho de 2007 define o patrimônio cultural do município como sendo “o conjunto de bens existentes, móveis ou imóveis, de domínio público ou privado, cuja proteção e preserva-ção seja de interesse coletivo, quer por sua vincula-

ção histórica, quer por seu valor cultural, arquitetônico, artístico, paisagístico e urbano” (Prefeitura de Jundiaí, 2007).

Em seu artigo segundo a lei explicita que a “política municipal de proteção do patrimônio histórico constitui um processo contínuo e permanente de preservação da memória” sendo executada através dos instrumen-tos de preservação existentes em consonância com o Plano Diretor do município. (Prefeitura de Jundiaí, 2007).

Já o plano diretor participativo de Jundiaí instituído pela lei 8683 de 7 de julho de 2016 incorpora o patri-mônio ambiental e a paisagem como elementos estra-tégicos na gestão da cidade tendo como um de seus objetivos a preservação, conservação e recuperação da biodiversidade, dos recursos e ecossistemas natu-rais para as gerações presentes e futuras. (Prefeitura de Jundiaí, 2016)

A dimensão paisagística do patrimônio cultural abrange portanto, a preservação de áreas naturais não apenas por elas possuírem elementos visuais ex-cepcionais ou serem dotadas de beleza cênica, mas sobretudo, pelos valores documental e ambiental que são capazes de evocar. É somente através das rela-ções entre ambiente e sociedade que se é possível assegurar o direito a memória e ao meio ambiente ga-rantindo o equilíbrio e a permanência das áreas natu-rais às gerações futuras.

A paisagem é sempre uma herança em todos os sentidos da expressão. É nosso dever reconhecê-la como um bem cultural.

Sendo assim, considerando o Artigo 216 da Cons-tituição Federal de 1988.

Considerando o artigo 1º do Capitulo I da Lei Com-plementar 443/2007 que versa sobre o patrimônio cultural de Jundiaí e nele inclui os bens de natureza paisagística.

Considerando que o CEA/IAC integra o Inventário de Proteção do Patrimônio Artístico e Cultural de Jun-diaí nos termos do artigo 6º do Capitulo II da Lei com-plementar 443/2007,

Considerando que o CEA/IAC integra uma Zona Es-pecial de Proteção Ambiental – ZEPAM por ser área específica de proteção do patrimônio ambiental com alto índice de permeabilidade e existência de nascen-

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tes e cursos d’água, fundamentais à conservação da biodiversidade, controle de processos erosivos e de inundação como também a manutenção de microcli-mas, nos termos da lei 8683/2016.

Considerando a fundamental importância do CEA/IAC como documento da história da tecnologia agríco-la do Estado de São Paulo; referência histórica e cul-tural do município de Jundiaí, no termos do processo 14739-0/2016.

Ressaltando-se a função exercida pelo CEA/IAC como corredor de biodiversidade entre o vetor oeste do município de Jundiaí e a Serra do Japi, patrimônio paulista tombado pela resolução SC n.11 de 11 de março de 1983 onde enaltece-se o alto grau de sele-tividade espacial, em face da especulação imobiliária a que a Serra e sua área envoltória estão submetidas.

Indicamos a urgente necessidade do tombamento integral dos 110 hectares correspondentes às depen-dências do Centro de Engenharia e Automação do IAC como patrimônio paisagístico e ambiental de Jundiaí.

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Resumo: Nesta pesquisa investigamos a ideia de patrimônio e memória, sendo principal foco a produção do esqueci-mento, a história não digna de ser estudada, pesquisada, trabalhada. Esse ocorrido na história da cidade de Jundiaí, foi colocado no esquecimento, uma Igreja tradicional, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário que foi demolida em 1922 para o “embelezamento” da Cidade. A intenção de tornar Jundiaí a Terra da Uva e dos italianos foi muito bem trabalhada e hoje é o que simboliza o município, sendo assim não caberia no Centro Histórico de Jundiaí um local de memória negra, símbolo de resistência à escravidão.

Palavras-chave: Igreja do Rosário; Patrimônio; Jundiaí.

Abstract: This research investigated the idea of heritage and memory, and mainly focused on production of oblivion, not story worth studied, researched, worked ... This happened in the history of the city of Jundiaí was put into oblivion, a traditional church, the Church of Our Lady of the Rosary which was demolished in 1922 for the “beautification” of the city. The intention of making Jundiaí Earth’s Grape and the Italian was beautifully crafted and today is what symbolizes the city, so would not fit in Jundiaí Historic Centre a place of black memory, slavery resistance symbol.titutionalization of Ferrovia Paulista S.A. (FEPASA).

Keywords: Rosario Church; Heritage; Jundiaí.

IGREJA DO ROSÁRIO DE JUNDIAÍ: DEMOLIÇÃO E ESQUECIMENTOPor: GABRIEL NUNES DA SILVAOrientador: PROF. DRA. ELLEN ROZANTE

[email protected]

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INTRODUÇÃO O intuito deste artigo é o de entender a relação da

Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, como local de memória coletiva dos afrodescenden-tes da cidade de Jundiaí nos anos de 1920 e 1922. Para isso será usada à obra do historiador francês Jacques Le Goff (2003), História e Memória, sendo o foco da pesquisa o templo religioso. Trabalharemos sob a ótica desse autor e sua obra que conceitua o que é memória e diferencia historia e memória. Com isto conseguimos ter uma visão ampla dos conceitos da memória quanto ciência.

Também procuraremos esclarecer por qual motivo ocorreu à demolição desse local de cultos e o desa-parecimento dos documentos produzidos pela Irman-dade Nossa Senhora do Rosário, tão cheios de signifi-cados para uma parcela da sociedade, principalmente a negra. Posto isto, foi encontrado apenas uma ata da irmandade, que tinha sede nesta igreja, não ten-do referências documentais anteriores ao processo de demolição no Arquivo da Cúria Diocesana de Jundiaí, nem no Centro de Memória.

Outro ponto debatido são as negociações e acordo entre o Poder Público Municipal e a Irmandade do Ro-sário, com desfecho de demolição e indenização paga á Irmandade pela prefeitura. Esta igreja se encontrava onde hoje passa a Rua do Rosário ao lado do gabinete de leitura Rui Barbosa.

Serão utilizadas como fonte primária a Ata da Irman-dade do Rosário e fotos da antiga Igreja (1920/1922), que se encontra no Centro de Memória de Jundiaí. Que serão analisados de acordo com as orientações da professora Circe Bittencourt em seu livro Ensino de História Fundamentos e Métodos (2011), que por meio disto nos mostra como analisar os documentos, com os seguintes questionamentos: quem, quando, e para que o documento foi produzido. Os documentos ana-lisados, tanto as fotografia quanto a Ata da Irmandade do Rosário não possuem referência de doação. Não sendo possível saber por quem foi feito a salvaguarda desses materiais.

MEMÓRIA E PATRIMÔNIO A memória é fruto da seleção de lembranças que

consideramos importante, ela sempre será motivo de

disputa entre as forças sociais pelo poder. A memória preserva informações, então preservar os documentos e os patrimônios é uma forma de guardar e auxiliar o conhecimento, o que nos sobra dessa disputa é o que temos como memória coletiva (LE GOFF, 2003).

Para preservar um local como seria o caso da Igreja do Rosário, haveria de levarem-se em conta os valores espirituais, da contemplação estética arquitetônica e a invocação do passado.

Preservar conjuntos documentais e monumentos é de suma importância para que se tenha referência do modo de vida jundiaiense. Para isso devem ocorrer ações conjuntas entre a população e o poder público, sendo de ambos os lados o interesse de se preservar, sendo que o povo deve ter identificação com o que será tornado patrimônio. (COPAC – Conselho de Pro-teção do Acervo Cultural, 1985).

Para tanto a memória estaria embasada num:

Fenômeno individual e psicológico, liga-se a vida social [...] e é objeto de atenção do Es-tado, que para conservar os traços de qual-quer acontecimento do passado (passado/presente), produz documentos monumentos, faz escrever a história [...]” (LE GOFF, 2003, p. 419).

Haja vista, que desde as sociedades consideradas selvagens, que não conheciam a escrita, já preserva-vam suas lembranças e transmitiam para seus des-cendentes de forma a ser compreendida pela oralida-de. A memória está muito além da fala, ou da escrita, está em cada pessoa, no grupo social, calcados na influência de um povo (LE GOFF, 2003).

“A memória coletiva na sociedade sem escrita tem em seus interesses a idade coletiva do grupo, os pres-tígios das famílias dominantes e os saberes técnicos” (LE GOFF, 2003, p. 427), sem dúvida a memória tam-bém é fundamental para as manifestações culturais e comemorações.

Com o surgimento da fotografia ainda no século XIX, ela vem a torna-se um meio de comunicação vi-sual fundamental e permite a guarda da memória por meio de imagens. Se no final do século XIX, a fotogra-fia transformou a guarda da memória, a construção de monumentos aos mortos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), também foi um movimento significativo para a memória coletiva, assim como o Monumento

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as Bandeiras em São Paulo, do escultor Victor Bre-cheret, que representa a coragem para uma parcela da população e massacre para o povo indígena (LE GOFF, 2003).

Pois, a memória de um indivíduo em uma sociedade tem representações e significados, agregando valores e não sendo fenômeno individual. A memória coletiva é a base em diversos pontos de uma sociedade ou grupo ao qual pertence. Sendo locais de memória os museus, arquivos, patrimônios históricos e arquitetô-nicos.

“O patrimônio cultural engloba os bens ma-teriais que participam, pelo desempenho de suas funções específicas, da vida de um aglo-merado humano, num determinado território numa determinada época.” (COPAC- Conse-lho de Proteção do Acervo Cultural, 1984, p. 08).

A salvaguarda da memória nos permite o auxílio da história e também sobre o ocorrido com o sujeito e seu grupo social com o passar dos anos, com isto a memória nos possibilita saber por quais fatores foram influenciados a identidade de um povo.

Para que haja a constituição de um lugar de me-mória se faz necessário o estudo do meio, compre-endendo o patrimônio histórico, com isso amplia-se o conhecimento sobre o passado. Identificando o local, cabe uma reflexão sobre a qual a classe social repre-sentada, não podendo negar a nenhuma das parcelas sociais da população o “direito de memória”. Os Luga-res de Memória devem representar todos os setores sociais e não apenas a elite. (Bittencourt, 2001).

Certamente se antes da aprovação por parte da câ-mara da demolição do templo, tivesse ocorrido um es-tudo analisando o impacto cultural e histórico, obser-vando a identificação da comunidade negra cristã com aquele local, provavelmente o fato não teria ocorrido.

A INTENCIONALIDADE NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE COLETIVA

Estudando a história da cidade de Jundiaí percebe--se qual memória fez questão de manter no município

e qual fez questão de colocar no esquecimento. Como também afirma Le Goff (2003), o passado sempre está direcionado a alguém, alguma classe social (MO-RALES, 2000). Sendo assim, aqui se mantém a Jun-diaí branca, a Terra da Uva e dos italianos, enquanto boa parte de sua história se mantém no esquecimento e não é devidamente estudada.

A história não digna é aquele passado que enver-gonha uma nação, como por exemplo, a escravidão negra ou o massacre indígena, esses acontecimentos não são objeto de estudo, nem de recordações, pou-cos são os moradores da Cidade que sabem onde era a antiga Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos ou a Praça do Pelourinho. Poderia hoje estes locais, serem patrimônios históricos e arquitetônicos; servirem de local de memória coletiva dos afros des-centes. Portanto no ano de 1922, com a justificativa do progresso e do embelezamento da cidade, chega--se a um acordo entre o Poder Público e a Irmandade para que demolissem a Igreja (Morales, 2000).

Foto nº 01. Detalhe de foto panorâmica onde mostra ao fundo a demolição da Igreja N.Sra do Rosário, 1922.

Estando a memória hora em transbordamento, hora em retração, percebemos que em Jundiaí transborda o processo de imigração e cultura italiana, enquanto por outro lado, pouco se discute sobre a escravidão negra/indígena ou do passado pobre da cidade, nos séculos XVII e XVIII (LE GOFF, 2003).

Com a demolição da Igreja que era símbolo de

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resistência à escravidão e rede de assistência numa sociedade escravista, percebemos o silenciamento e o esquecimento, que são mecanismos de manipula-ção da memória coletiva (LE GOFF, 2003).

Considerados auxiliares e sem importância, os gru-pos escravizados indígenas e africanos foram esque-cidos, suas contribuições socioculturais no processo de formação da cidade sequer existem nos livros. O que nos revela a prática da antiga ideologia da discri-minação racial e da superioridade branca (MORALES, 2000).

Em Jundiaí muito se pesquisa sobre um passado glorioso, de prosperidade, nas figuras da família Quei-roz Telles1: O Barão de Jundiaí e o Conde de Parnaíba; o ciclo do café; estrada de ferro e Industrialização. Po-rém esquecem que no ciclo do café qual era a mão de obra empregada e em quais condições.

O CATOLICISMO E AS IRMANDADES NEGRAS NO BRASIL

As irmandades eram de grande importância no perí-odo colonial, pois era por meio delas que se organiza-vam o ensinamento do catolicismo, festas religiosas, construção da nova identidade para os escravizados e a ajuda mútua. Tendo em vista que as irmandades possuíam direitos e deveres aprovados pela Igreja, de fato por muitos anos foram organizações sólidas de formação religiosa (SOUZA, 2006).

“As irmandades eram organizações importan-tes no período colonial, mas com a formação de um estado imperial, a partir de 1822, foram substituídas gradativamente por outras formas de organização regidas pela esfera civil não mais pela esfera religiosa” (SOUZA, 2006, p. 116).

De acordo com Souza (2006), cabe resaltar que além de cuidar dos cultos aos santos, os membros da irmandade eram responsáveis por enterrar os mortos

1 Segundo informações do pesquisador Roberto franco Bueno família Queiroz Telles era de origem portuguesa, tendo entre eles Antônio de Queiroz Telles (Barão de Jundiaí) e Joaquim Benedito de Queiroz Telles (Conde de Parnaíba), primeiro filho do Barão dos quinze que teve. Essa família tinha grande influência na política da cidade e da província de São Paulo, sendo o Conde de Parnaíba presi-dente provincial. Essa família também recebeu duas vezes o Imperador Dom Pedro II na cidade de Jundiaí, onde residiam.

que faziam parte daquela organização, amparavam sua família (se esta estivesse sem recursos), e cuida-vam dos doentes e da missa aos mortos.

Porém, além das festas e de ajudar os irmãos mem-bros, as irmandades possuíam “compromissos” que deviam ser seguidos, como por exemplo, quem eram as pessoas que poderiam fazer parte da associação, sendo que a categoria social definia a qual irmanda-de cada pessoa deveria participar, tornado-se assim direcionada a classes sociais, não havendo membros pobres nas irmandades da elite, nem elite nas irman-dades dos pobres. As irmandades eram muito bem organizadas, tinham posses, e realizavam eleições para a mesa administradora (SOUZA, 2006).

As posses que tinham as irmandades negras eram bens como o prédio da igreja, santos e objetos eu-carísticos. Além disso, algumas vezes faziam uma re-serva, poupavam recursos financeiros para comprar a alforria de membros mantidos em situação de escravo e dar-lhes a liberdade (Souza, 2006).

Segundo Souza (2006), as irmandades composta por pessoas negras, eram em sua maioria leiga, ten-do como padroeiros santos considerados protetores dos escravos como Nossa Senhora do Rosário, San-ta Ifigênia e São Benedito. Muitas das vezes os ritu-ais católicos de cultos se misturavam com costumes africanos, formando-se assim o sincretismo, que une santos católicos aos orixás em uma mesma fé.

Tal qual, a autora afirma que catolicismo negro teve início ainda na África, quando os portugueses, fizeram acordos com o Reino do Congo, e este se torna a primeira nação negra a adotar a fé cristã católica. Por causa disto nas festas dos padroeiros temos a figu-ra dos reis negros que representam o rei e a rainha do Congo, que fica popularmente conhecido por esse nome.

A DEMOLIÇÃO E O ESQUECIMENTO

A antiga Igreja do Rosário se localizava ao lado direi-to de onde hoje se encontra o gabinete de leitura Rui Barbosa, como podemos observar na imagem o pro-longamento da rua de mesmo nome da igreja passa exatamente sobre o terreno que por muitos anos foi o templo religioso.

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Foto nº 02 Rua do Rosário, mostrando ao fundo a igreja do Rosário. Entre 1910/1920. Alexandre Janczur

Foto nº3. Gabinete Rui Barbosa. Imagem contemporânea

Com o advento da demolição da Igreja de Nossa do Rosário e São Benedito, na cidade de Jundiaí, houve sem dúvida a (des) africanização do espaço central do município. Ocorrido nas primeiras décadas do século XX, a (des)africanização era um movimento que pre-tendia apagar das cidades, das ruas, da vida cultural, práticas que remetessem a África ou a africanidade, como as festas e os batuques, silenciando também um passado recente, a do cativeiro que havia sido abolido há apenas 34 anos na época. (SCIELO, ciên-cia e cultura)

Em um dos livros da Série Memórias da prefeitura de Jundiaí, temos nas palavras do prefeito da época que o projeto “Memórias” seria para combater o esqueci-mento, desse modo, é posto uma fotografia de cada local considerado importante e um breve comentário. O projeto é uma boa inciativa para que se mantenha viva o significado do local, porém não basta em si só, seria necessário um trabalho além dessa obra. Nas palavras do então prefeito Miguel Haddad:

“O Projeto “Memórias” - e particularmente seu

primeiro volume – inova esta reflexão ao com-bater o esquecimento e incluir as dimensões da lembrança e da identidade com o passado nas tarefas do planejamento urbano.” (MEMO-RIA, 2001, Vol. 1, p. 03).

Podemos não ter a Igreja como local de memória, porém as fotografias e a ata da Irmandade onde dis-corre a negociação e acordo entre o poder público Municipal e os fiéis constituem o patrimônio material, fonte de auxílio à história dessa classe social desfavo-recida.

Certos de que viria após o acordo uma indenização no valor de trinta contos de réis (30:000 $) aprovados pela câmara de vereadores, agora a preocupação se-ria outra a de não perder suas tradições e continuar a pertencer a Paróquia Nossa Senhora do Desterro. Tendo o Arcebispo Metropolitano sugerido que a Igreja fosse para a Vila Arens e que o valor da indenização não fosse utilizado na construção de uma nova sede. (Ata da Irmandade, 1922, p. 86).

Não satisfeitos com a proposta do Arcebispo de que utilizassem a indenização para auxiliar a divisão de paróquias, a mesa administrativa elege representantes para intervir juntamente com o cônego da igreja em favor da irmandade. (Ata da Irmandade, 1922, p. 84).

A ata da irmandade, única remanescente do ocorri-do no acervo do Centro de Memória de Jundiaí, elabo-rada pela classe desfavorecida na questão, que muito nos diz sobre a retirada da igreja e a luta da irmandade para continuar seu serviço social e não desaparecer. (Ata da irmandade, 1922, p. 89). Não havendo referên-cias documentais dessa Igreja em outras datas, nem mesmo no arquivo da Cúria Diocesana de Jundiaí.

Foto nº. 04. Transladação das imagens. 04 de Junho de 1922, Alexandre Janczur. Centro de Memória de Jundiaí.

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Nesta fotografia que se encontra no Centro de Me-mória de Jundiaí, como parte do acervo da Irmanda-de. Observamos o cortejo dos santos: São Benedito e Nossa Senhora do Rosário para A Igreja de Santa Cruz, ocorrido no dia 04 de junho do ano de 1922, neste dia houve a despedida do antigo templo, que pode ser visto na imagem antes da demolição, pois no corrente mês seria demolida a tradicional igreja (Ata da Irmandade, 1922).

Compareceram para a transladação das imagens além dos membros de costume da Irmandade do Ro-sário, os convidados da Irmandade do Santíssimo Sa-cramento. Pois não era restringido a uma irmandade que visitasse a outra, sendo que mais a diante os ir-mãos do Rosário é também convidada para participar de missas na Igreja Matriz e Festa no Mosteiro de São Bento. (Ata da Irmandade, 1922, p.97, 98,103).

Alguns anos antes nos princípios do século XX, no Rio de Janeiro houve uma intervenção dita necessá-ria para limpar a cidade, uma prática “higienista” onde se retiravam casas e cortiços e surgiam largas ruas com os maiores avanços da época. Nesta ocasião os negros, ex-escravos e os pobres foram os mais pre-judicados, estes subiram os morros e formaram as favelas. (Ferreira e Delgado, 2003). Talvez Jundiaí in-fluenciado pelas ideias da capital da República retira a Igreja do Rosário e algumas casas da Rua Barão de Jundiaí Respectivamente os números 59, 61, 63, 65 e 6 7. (MAZZUIA, 1976).

Ainda afirma Mario Mazzuia (1976) em sua obra, que no caso da demolição da Igreja a proposta do po-der público municipal foi para prolongamento da Rua do Rosário, e da desapropriação das casas citadas no parágrafo anterior foi apresentada uma proposta para ampliação do Largo do Rosário.

Na revista Sultana de 1929, periódico da cidade de Jundiaí, que já não circula, mas que é possível en-contrar exemplares no centro de memória da cidade encontra-se um depoimento de uma ex-escrava di-zendo que seria no Largo Santa Cruz onde os negros escravizados eram açoitados e que presenciou um enforcamento de um deles, com a presença de todos os escravos da cidade para que servisse de exemplo (Sultana, 1929).

De acordo coma Série Memória, de título Lugares, este Largo de Santa Cruz, seria hoje a atual Praça da Bandeira, ao lado do terminal de ônibus Governador

Mário Covas (Terminal Central). Este exemplar faz uma perspectiva do local e seus diferentes usos no pas-sar dos tempos. Com isso podemos observar que a antiga igreja sai de um local símbolo de resistência à escravidão para um local símbolo da repressão aos escravizados.

CONSIDERAÇÕES FINAISUma vez que os objetivos dessa pesquisa foram

alcançados, é possível afirmar que a ação do Poder Público Municipal de Jundiaí em demolir uma igreja tradicional, símbolo de resistência à escravidão e au-toajuda para compra da alforria, muito nos diz sobre o que na época queria o Senhor prefeito Olavo Guima-rães e com o que se identifica a Cidade hoje.

Não é de se admirar que com o passar dos anos ocorra à primeira Festa da Uva, após uma década da demolição do maior símbolo dos africanos e afrodes-cendentes cristianizados que era a igreja, essa festa em 1933, consagrou Jundiaí como Terra da Uva e res-pectivamente dos italianos. Havendo assim uma cons-trução de cidade pós-imigração italiana.

Portanto, o prolongamento da rua e com isso o em-belezamento da Cidade, proposta apresentada a Câ-mara de vereadores, foi apenas um pressuposto para que se retirasse a Igreja.

Com o advento da demolição houve o esquecimen-to. Pois, poucos sabem que ao lado do Gabinete de Leitura Rui Barbosa existiu um templo religioso fre-quentado por escravos cristãos e seus descendentes pós-abolição. A perda quanto ao local de memória, patrimônio histórico, cultural e arquitetônico é irrepará-vel para a sociedade.

Porém, segundo a Irmã Ana (77 anos), freira res-ponsável pela igreja, hoje resta apenas um membro da Irmandade do Rosário, um senhor de idade avançada, conhecido como Nandinho, que se veste conforme os costumes tradicionais da irmandade nas missas de domingo. Ainda para ela os jovens não tem interesse em continuar a irmandade, e com o passar dos anos foi se perdendo as tradições litúrgicas e os costumes.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História Fundamentos e Métodos. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

CIÊNCIA e Cultura. Disponível em:

<http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pi-d=S0009-67252007000200019&script=sci_arttext/> Acesso em 20 de novembro de 2015

FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia A. Neves. O Brasil Republicano. Rio de Janeiro: Record,2003.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Editora da Unicamp, 2003.

MAZZUIA, Mario. Jundiaí Através de Documentos. São Paulo: Palmeiras, 1976.

REVISTA Sultana. Jundiaí, 24 de fevereiro de 1929. Número 06. Centro de Memória de Jundiaí. Periódico.

SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil Africano. São Paulo: Editora Ática, 2006.

Índios e Africanos no interior paulista. Morales, W.F. e Moi, F.P.

ATA da Irmandade do Rosário, 1922. Centro de Me-mórias de Jundiaí. Manuscrito.

Série Memória. Vol.1, O Centro da Cidade. Prefeitu-ra de Jundiaí, 2001.

Série Memória. Vol.2, Lugares. Prefeitura de Jundiaí, 2001.

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Resumo: Essa análise tentará percorrer as facetas técnico científica, ambiental e cultural do objeto, discutindo se sua permanência e proteção é de interesse societal ou é considerada “apenas” de caráter subjetivo. Sendo assim. A cidade de Jundiaí, que por décadas tem sido ovacionada por sua “capacidade” de preservação ambiental, tem cedido aos interesses especulativos imobiliários? Modernidade, desenvolvimento urbano, avanços tecno-lógicos não permitem a existência de áreas verdes? Preservar fauna e flora a todo custo é uma “santuarização” ou uma necessidade? Qual a importân-cia de um centro de pesquisas desse porte em Jundiaí, que se mostra tão carente nesse aspecto?Tendo sido o primeiro centro de pesquisas relacionado a cuidados ambientais e ao manejo harmonioso entre ser humano e natureza no Estado de São Paulo, deve-se mantê-lo preservado? Tombar é o único caminho? Garantirá sua permanência e pleno funcionamento? A sociedade será beneficiada com a preservação do patrimônio natural ou será mais importante o loteamento e venda?A cidade dos papudos, tem sido muito procurada pela sua boa (e de alto custo) qualidade de vida, pela qualidade da água, pelas áreas verdes. Com a “transferência” do centro para algum lugar e o atendimento sempre prestativo a especulação imobiliária, Jundiaí manterá a tal qualidade e os elogios a sua alta capacidade de preservação e cuidados aos patrimônios culturais? Ou se tornará hostil como os grandes centros urbanos que empurram ur-banóides para regiões como a “cidade da uva”? A história pioneira deverá manter seu rumo ou cair no ostracismo imposto pelo capitalismo mascarado pela especulação imobiliária? Talvez, após elucubrar sobre as percepções levantadas, as soluções possam se apresentar a essa discussão.

Palavras-chave: Pesquisas, fauna, flora, especulação, patrimônio, Jundiaí.

Abstract: This analysis will attempt to cover the technical, scientific, environmental and cultural aspects of the object, discussing whether its permanen-ce and protection is of societal interest or is considered “only” of a subjective nature.Therefore. Has the city of Jundiai, which for decades been cheered by its “capacity” for environmental preservation, yielded to speculative real estate interests? Modernity, urban development, technological advances do not allow the existence of green areas? Preserving fauna and flora at all costs is a “sanctuary” or a need? What is the importance of a research center of this size in Jundiai, which is so lacking in this aspect?

Having been the first research center related to environmental care and the harmonious management of human beings and nature in the State of São Paulo, should it be preserved? Safeguard the only way? Will it guarantee its permanence and full operation?Will society benefit from the preservation of natural heritage or will it be more important to subdivide and sell it?

The city of papudos, has been much sought after by its good (and high cost) quality of life, by the quality of the water, by the green areas. With the “transfer” of the center to somewhere and the attendance always helpful to real estate speculation, Jundiai will maintain to such quality and praise its high capacity of preservation and care to the cultural patrimonies? Or will it become hostile like the big urban centers that push urbanites to regions like the “grape city”?Should pioneering history keep its course or fall into ostracism imposed by capitalism masked by real estate speculation? Perhaps, after elucidating about the perceptions raised, the solutions can present themselves to this discussion.

Keywords: Research, fauna, flora, speculation, heritage, Jundiai.

E OS PASSARINHOS, ONDE FICAM? QUESTIONAMENTOS SOBRE A SITUAÇÃO DOCEA – CENTRO DE ENGENHARIA E AUTOMAÇÃO DO IAC – INSTITUTO AGRONÔMICO DE CAMPINAS EM JUNDIAÍPor: JOSÉ FELICIO RIBEIRO DE CEZAREHistoriador, filósofo, escritor e professor na rede pública de ensino do Estado de São Paulo [email protected]

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Rosa na roda,rosa na máquina,

apenas rósea.Selarei, venda murcha, meu comércio incompreendido,

pois jamais virão pedir-me, eu sei, o que de melhor se compôs na noite,e não há oito contos. Já não vejo amadores de rosa.

Ó fim do parnasianismo, começo da era difícil, a burguesia apodrece.Aproveitem. A última

rosa desfolha-se.

Trecho de Anúncio da Rosa de Carlos Drummond de Andrade

Acervo CEA/IAC

O governo confirma, por meio de nota, que tem a intenção de vender o terreno onde funciona o instituto agronômico, mas a informação é que ele não será desativado, e sim modernizado e realocado em outra área.

G1/TVTEM Sorocaba e Jundiaí 21/08/2016

Para reforçar o argumento da importância do IAC em Jundiaí, foram divulgados dados sobre sua produção ao longo dos anos, como os 20 livros publicados por seus pesquisadores, os 345 artigos, os 450 textos em jornais e revistas, os 266 trabalhos científicos levados a congressos importantes, dentre outros.

Destacam-se também a criação de 31 produtos tecnológicos, os 262 trabalhos técnicos, os 123 projetos de pesquisas, os prêmios e títulos conquistados pela equipe (16) a participação em 788 eventos e a organização de outros 120.

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A área do IAC é de 1.200.000m², onde estão três nascentes, quatro lagos e uma área de 262.000m² de mata nativa e cerrado. Pastagens e construções chegam a 870 mil metros quadrados. Agora são os problemas legais. Primeiro, que há uma lei de 1988 que determina que as áreas da Fazenda do Estado onde há estações experimentais, postos e fazendas da Coordenadoria Agropecuária ficam submetidas ao regime de Preservação Permanente.

Segundo: Uma lei de 2011 autorizou o Estado trans-ferir para a Prefeitura, sem custar nada, os direitos de posse do lugar onde está funcionando a escola.

Portal Jundiaí Notícias 03/06/2016

Na justificativa do projeto, encaminhado em regime de urgência, o governo afirma que o objetivo da alie-nação dos imóveis é permitir ao Estado angariar fun-dos necessários a mitigar a crise fiscal e a perda de arrecadação decorrentes do atual cenário macroeco-nômico vigente. O valor de todos os imóveis que serão alienados à Fazenda ou que já pertencem à pasta e fazem parte do plano de capitalização do governo foi estimado em R$1,43 bilhão, “que poderá ser utilizado de modo mais condizente com o interesse público que se coloca no atual cenário socioeconômico”, confor-me justificativa do projeto.

Jornal de Jundiaí – Portal JJ 19/04/2016

O governo de São Paulo perdoou dívida de R$ 116 milhões da empresa francesa Alstom, que presta ser-viços ao Metrô e é investigada por envolvimento no cartel de trens. Segundo reportagem do jornal “Folha de S.Paulo”, o governo também aceitou que o produto contratado seja entregue até 2021, com dez anos de atraso. O governador Geraldo Alckmin (PSDB) negou que houve perdão de dívidas.

G1/GLOBO SP 25/07/2016

No Brasil, sabemos, desde estudos acadêmicos ao senso comum que educação em seus variados aspec-tos e pesquisas científicas não recebem a atenção de-vida. Seja por grande parte da população, como pelo governo instituído. Assim o tom pessimista permeia as discussões a esse respeito, felizmente ou infelizmente é um tom próximo de Aldous Huxley, que em seu li-vro Admirável Mundo Novo de 1931, “anteviu” a nossa sociedade (?) quando na fala do Diretor de controle de reprodução ele escreve:

Nós acondicionamos as massas a detestarem o campo – disse o diretor em conclusão -, mas, simultaneamente, as condicionamos a adorarem todos os esportes ao ar livre. (HU-XLEY, 2001)

Assim como na história citada, hoje vivemos um esvaziamento, alienação a tudo e todos, consumismo transformado em necessidade, escolas como depó-sitos, especulação imobiliária camuflada em urbani-zação como se nada mais fosse absurdo ou errado. É de extrema urgência debater, as dúvidas pululam e só serão sanadas pelo interesse defendido com mais energia. E sabemos que o interesse econômico espe-culatório tende a sobrepujar qualquer interesse subja-cente.

O caso em discussão, o Instituto Agronômico de Campinas, especificamente o Centro de pesquisas de Jundiaí. Está sob a tutela da Agência Paulista de Tec-nologia dos Agronegócios da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo. Fundado por D. Pedro II em 1857 e a partir de 1892 passou a ser administrado pelo Governo do Estado de São Paulo. Atualmente (por enquanto) possui 12 centros de pesquisa, 161 pesquisadores científicos, 319 funcionários de apoio e área física com 1279 hectares distribuídos por Cam-pinas, Jundiaí, Ribeirão Preto, Votuporanga e Cordei-rópolis.

No município de Jundiaí, foi instalado o Centro de Mecânica Agrícola com desapropriações (talvez polê-micas, como no caso dos Storani, o que é explicado através das certidões de registro de imóveis) de algu-mas áreas de propriedades de agricultores, à altura do Km 65 da atual Rodovia Dom Gabriel Paulino Bueno Couto, antiga Rodovia Marechal Rondon. Os planos para instalação e início das obras foram entre 1958 e 1962. Entre 1963 e 1966, foram finalizados as insta-lações e treinamento do corpo técnico. Em julho de 1969 o Centro de Mecânica Agrícola passou a fazer parte do Instituto Agronômico de Campinas.

Por volta dos anos 1970 o Departamento de En-genharia de Mecânica Agrícola, foi extinto passando a constituir a Divisão de Engenharia Agrícola - tais mudanças decorrentes por força do decreto 49.166-20/12/67 onde a partir da desapropriação de ações da Companhia Paulista de Estrada de Ferro, a Com-panhia Agrícola, Imobiliária e Colonizadora, sendo pro-priedade do Estado passa a negociar com empresas

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estrangeiras maquinários e investimentos um deles O Banco Interamericano de Desenvolvimento com aval do Banco do Estado de São Paulo S/A, ainda com prejuízos a cargo do Poder Executivo e Estado - em 1998, seu nome foi alterado para Centro de Mecani-zação e Automação Agrícola, em 2001 para o atual Centro Avançado de Pesquisa Tecnológica do Agro-negócio de Engenharia e Automação.

Após esse breve histórico, lista-se algumas impor-tantes e mais que necessárias pesquisas desenvolvi-das no espaço de estudos que será transformado em loteamento, que por sua localização não apresenta características de moradias populares. São estas e seus pesquisadores responsáveis:

• Afonso Peche Filho:

Estudos de ambientes e da variabilidade espacial de parâmetros utilizados na avaliação quantitativa e qualitativa de sistemas operacio-nais da produção. Avaliação do estado da arte e desenvolvimento de semeadoras-adubado-ras e distribuidoras de corretivos e fertilizantes para pequenas propriedades. Análise das características operacionais de distribuição mecanizada de biossólidos, fertilizantes orgâ-nicos e organominerais e substratos. Análises em processos operacionais do sistema plantio direto com baixo uso de insumos. Qualidade do processo operacional no cultivo da batata. Preparo do solo para a cultura do amendoim.

• Antonio Odair Santos:

Mecanização de processos de manejo da videira.

Impactos da relação solo-planta-clima sobre a qualidade de suco da uva e vinho.

• Cláudio Alves Moreira (pesquisador colaborador):

Desenvolvimento de equipamentos meca-nizados para culturas: 1) videira: podadora, desfolhadora, perfuradora de solo; 2) sisal e outras fibras: desfibradora com alimentação mecânica, ferramentas manuais de corte.

Desenvolvimento de equipamentos e exe-cução de ensaios estáticos, dinâmicos e de impacto em transmissões articuladas (cardan).

• Gláucia Moraes Dias:

As pesquisas gerenciadas por Gláucia Dias têm por objetivo oferecer novos produtos para o mercado de plantas ornamentais, bem como solucionar as dificuldades que surgem na pós-colheita e afetam a cadeia produtiva de flores, sempre gerando ou adaptando tec-nologias existentes. Atualmente coordena os projetos: A) Atmosfera modificada em armaze-namento refrigerado de flores de corte (Finan-ciamento FAPESP) e B) Tecnologia pós-colhei-ta de plantas tropicais.

• Ila Maria Corrêa:

Estuda a adequação dos tratores fruteiros do Brasil à descrição da International Organiza-tion for Standardization para tratores estreitos e as condições de uso de protetores de eixo cardan em propriedades agrícolas.

• Jener F. Leite de Moraes (atua também no Centro de Solos e Rec. Agroambien-tais):

1) Variação temporal dos fragmentos florestais na bacia hidrográfica do Rio Jundiaí-Mirim. O projeto visa analisar as alterações na quali-dade ambiental dos fragmentos florestais na bacia hidrográfica do Rio Jundiaí-Mirim entre 1972 e 2011 e propor cenários futuros em função das alterações no uso e ocupação das terras.

2) Gerenciamento ambiental e gestão de re-cursos hídricos do município de Campo Limpo Paulista. Projeto desenvolvido pelo IAC, em parceria com a prefeitura de Campo Limpo Paulista e que tem a participação da UNI-CAMP e ONG-Caminho Verde. Elaborou-se um zoneamento agroambiental, em consonân-cia com o plano diretor do município. Todas as informações geradas no projeto estão disponi-bilizadas em www.campolimpopaulista.sp.gov.br/meioambiente.

• Juliana Sanches:

Desenvolvimento de metodologias de classifi-cação e seleção de frutas e hortaliças através de imagens digitais (bidimensionais e tridimen-sionais). Potencial de armazenamento refri-

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gerado de frutas de caroço adaptadas a climas quentes. Desenvolvimento de metodologias de avalia-ções não destrutivas para determinação da qualidade pós-colheita de frutas e hortaliças.

• Moises Storino:

Utilização de informações georreferenciadas na gestão agrícola.

Automação da avaliação do comportamento do motor como indicador de desempenho dos conjuntos trator/implemento.

Automação dos procedimentos de avaliação da rugosidade superficial de solos.

• Roberto da Cunha Mello:

Desenvolvimento de lâminas serrilhadas para o corte de base de colhedoras de cana-de-açúcar . Desenvolvimento de colhedora de cana-de-açúcar para a pequena propriedade . Desenvolvimento de escada para colheita manual de citros.

De acordo com um relatório de 2015 realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Eco-nômico em parceria com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação e divulgado pelo Ministério de Desenvolvimento Agrícola, reafirma a importância desse setor na castigada economia brasileira, principalmente na agricultura familiar, sendo um centro de pesquisa do porte do CEA/IAC estabelecido em Jun-diaí há décadas tem um papel fundamental para o país, sendo esses estudos base para qualquer tamanho de propriedade rural, principalmente para as pequenas roças familiares. Lembrando que esse relatório afirma que o Brasil é um dos maiores exportadores agrícolas do mundo e o maior em produtos como café, açúcar, carne bovina, álcool, carne de frango, suco de laranja e tabaco, até 2024 poderá ser o maior, hoje ainda perde para os EUA e União Europeia.

Se isso não bastasse para preservar e manter o centro de pesquisa em Jundiaí, talvez a lei 6.150-24/06/1988 garante regime de preservação permanente, enquanto unidades destinadas à geração e difusão de tecnologias agropecuárias, ou seja, o instituto deve permanecer por força de lei, está protegido.

Outra discussão interessante é a área ocupada pelo CEA/IAC, segundo o site da instituição o local é de 110 ha, de acordo com as certidões de registro de imóveis chega a 3 697 746m², sendo que a lei antes citada exige um memorial descritivo para preservação, então é algo a receber a devida atenção. Quanto a área construída mantém aparentemente 11 500m².

Crédito: Alexandre Martins Jornal de Jundiaí

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com o que realmente interessa. E os passarinhos, onde ficam?

Fontes:

Relatórios Gerenciais DEMA-CAIC-CEMA-CEA 1954/1969

Atas da Assembleia Legislativa de São Paulo 1969 - 1988

Essa bela foto mostra o local a ser loteado para co-brir o caixa do Estado, observe a lateral direita a Serra do Japi, que é considerada Reserva da Biosfera pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura UNESCO desde 1992, e tombada desde 1983 sob a chancela de Aziz Ab’Saber, infeliz-mente o CONDEPHAAT, responsável por tentar pro-teger bens importantes referentes ao Estado de São Paulo, retirou há algum tempo a exigência padrão de uma área envoltória de 300 metros, no caso da Ser-ra do Japi poderia, assim como em outras ser muito maior, pois, sua fauna e flora não reconhecem limites urbanos, estas são apenas impelidas a aceitar a “civi-lização” capitalista e as “necessidades” humanas. O instituto e a Serra estão em estudos para tombamento pelo COMPAC, o órgão responsável em Jundiaí por tentar proteger a história em toda a sua gama.

Talvez tenhamos que agir sob o exemplo de Vasco Venchiarutti, que em 1960, quando prefeito desapro-priou parte do topo da Serra com o objetivo de advertir seus sucessores e plantar a ideia de um parque públi-co, o que Ab’Saber era totalmente contra. Seguindo mais um exemplo importante de 1978, em torno de 3 mil pessoas marcharam contra a especulação imobi-liária que já ameaçava a Serra, partindo da Praça da Bandeira até o Pico do Mirante. Caso não se lembre estavam todos na mira da ditadura militar. Proteger a área do IAC/CEA em Jundiaí, é tão necessário que pode proteger também a Serra. Se não for suficiente argumentação para a proteção e manutenção de tudo já explicitado, talvez, preservar a vida de 29 espécies de anfíbios, 19 espécies de répteis, 31 espécies de mamíferos, mais de 216 espécies de aves e 652 es-pécies de borboletas e milhares espécies de plantas como consta nos estudos apresentados no livro His-tória Natural da Serra do Japi de Leonor Patrícia Cer-deira Morellato, seja suficiente.

Se não há preocupação em manter um centro de pesquisa, os pesquisadores e suas famílias, em reco-nhecer cerca de 20 livros publicados por seus pesqui-sadores; 450 textos em jornais e revistas; 345 artigos; mais de 260 trabalhos científicos apresentados em congresso; 260 trabalhos técnicos, criação de mais de 30 produtos tecnológicos; mais de 120 projetos de pesquisas; 16 prêmios e títulos conquistados pela equipe e a participação em cerca 790 eventos e a or-ganização de outros 120. O que importa? Nada?

Já que nada mais importa, vamos nos preocupar

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REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS:

BROWN JR., K.S. (1992). Borboletas da Serra do Japi: diversidade, hábitats, rescursos alimentares e variação temporal. Pp- 142-187. In. L.P.C. Morellato (ed.) História Natural da Serra do Japi. Ecologia e pre-servação de uma área florestal no sudeste do Brasil . Ed. UNICAMP, Campinas – SP.

HADDADD, C.F.B. & SAZIMA, I. (1992). Anfíbios anuros da Serra do Japi. Pp 188-211. In. L.P.C. Mo-rellato (ed.). História Natural da Serra do Japi. Ecolo-gia e preservação de uma área florestal no sudeste do Brasil . Ed. UNICAMP, Campinas – SP.

HUXLEY, A. Admirável Mundo Novo. Trad. Vidal de Oliveira. Editora Globo, São Paulo: Editora Globo.

LEITÃO-FILHO; H De F.(1992). A flora arbórea da Serra do Japi. Pp 40-62. In. L.P.C. Morellato (ed.). His-tória Natural da Serra do Japi. Ecologia e preservação de uma área florestal no sudeste do Brasil. Ed. UNI-CAMP, Campinas – SP.

MARINHO-FILHO, J. (1992). Os mamíferos de Serra do Japi. Pp. 264-267. In L.P.C. Morellato (ed.) Histó-ria Natural da Serra do Japi. Ecologia e preservação de uma área florestal no sudeste do Brasil . Ed. UNI-CAMP, Campinas – SP.

RODRIGUES, S.R. (1992). As aves da Serra do Japi. Pp 238-263. In L.P.C. Morellato (ed.) História Natural da Serra do Japi. Ecologia e preservação de uma área florestal no sudeste do Brasil . Ed. UNICAMP, Campi-nas – SP.

SAZIMA, I & HADDAD, C.F.B..(1992). Répteis da Serra do Japi: notas sobre história natural. Pp 212-236. In L.P.C. Morellato (ed.) História Natural da Serra do Japi. Ecologia e preservação de uma área florestal no sudeste do Brasil . Ed. UNICAMP, Campinas – SP.

Sites:

http://www.iac.sp.gov.br/areasdepesquisa/enge-nharia/

https://nacoesunidas.org/fao-e-ocde-lancam-no--brasil-projecoes-para-a-agricultura-brasileira/

http://g1.globo.com/sao-paulo/sorocaba-jundiai/noticia/2016/08/negociacao-para-venda-de-area-de--instituto-agricola-preocupa-em-jundiai.html

http://jundiainoticias.com.br/portal/2016/06/venda--de-area-do-iac-e-vista-como-sabotagem-jundiai/

http://www.jj.com.br/m/noticias-29288-estado-vai--se-desfazer-de-area-do-instituto-agronomico-de-jun-diai

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A HISTÓRIA DO ANTIGO HORTO FLORESTAL DE RIO CLARO E CARACTERÍSTICAS DO SEU TOMBAMENTO (1909-1977).Por: JÚLIA AMABILE APARECIDA DE SOUZA PINTOAluna do mestrado - Programa de Pós-Graduação em História. Universidade Federal de São Paulo.

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Esse trabalho versa sobre o antigo horto de Rio Cla-ro, espaço patrimonializado e floresta estadual (Flo-resta Estadual Edmundo Navarro de Andrade – FEE-NA), que contempla 2.230,53 hectares localizado nas cidades de Rio Claro1 e Santa Gertrudes, interior de São Paulo. A história desse espaço está relacionada a outras histórias, como o crescimento da cidade de Rio Claro, principalmente entre os séculos XIX e XX, a expansão da ferrovia, o café e a personagens como Edmundo Navarro de Andrade e Companhia Paulista de Estrada de Ferro.

O objetivo deste ensaio, portanto, é apresentar, de forma crítica, essas histórias como parte dos resulta-dos parciais da pesquisa de mestrado2 desenvolvida no horto florestal de Rio Claro entre os anos de 1909 a 1974, ou seja, período de formação e construção do horto e que também engloba seu tombamento pelo Condephaat (1974-1977). Compreender esse período, e identificar os agentes envolvidos nesse pro-cesso, é chave fundamental para as reflexões que a pesquisa propõe: estudar, através da investigação his-tórica e olhar da história ambiental, o que esse espaço patrimonializado nos diz sobre a relação sociedade e natureza. Os resultados problematizados e apresenta-dos nesse texto se pautaram na literatura que aborda o horto e analise do documento administrativo que re-sultou em sua patrimonialização: o processo de tom-bamento.

A leitura da bibliografia sobre o horto se deparou com uma narrativa sobre seu passado no qual a figu-ra de Navarro de Andrade e a própria Cia Paulista de Estrada de Ferro são exaltadas. Dessa forma, a com-preensão da história, perpassou também a problema-tização dessa narrativa em específico.

Problematizar a história da construção do antigo horto é parte importante para analisar seu tombamen-to no ano de 1977, ou melhor, os motivos que levaram sua patrimonialização em 1974 e que se concretiza em 1977. O tombamento é um ato administrativo e para chegar a sua efetivação um processo é criado, estuda-lo é se deparar com uma série de documen-tos que fornecem elementos para identificar como a natureza foi compreendida para os agentes de sua patrimonialização. Portanto, a problematização da lite-

1 Neste trabalho daremos ênfase a maior área da FEENA que pertence ao município de Rio Claro.2 O título da pesquisa do mestrado: História e patrimônio ambiental: Um estudo sobre a Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade, Rio Claro (1974 -2002).

ratura lida caminhará com os apontamentos de como a sociedade se relacionou com o horto durante sua patrimonialização, interpretado a partir de um estudo global do processo de tombamento.

A PROBLEMATIZAÇÃO DA HISTÓRIA DO HORTO EDMUNDO NAVARRO DE ANDRADE.

A Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade, quando ainda era conhecida como horto3, foi concebi-da inicialmente em 1909, como espaço para plantação de eucalipto, cujo objetivo era servir madeira e carvão para a Cia Paulista e vender para outras companhias. Pertenceu primeiro à Companhia4 Paulista de Estra-das de Ferro de São Paulo, que comprou fazendas de café da região e contratou o engenheiro agrônomo Ed-mundo Navarro de Andrade, na época com 23 anos e recém-formado de Lisboa, para realizar o reflores-tamento dessa área com o eucalipto. Além do horto de Rio Claro, a empresa também construiu outros 18 hortos pelo interior paulista, ou seja, houve uma políti-ca reflorestamento desenvolvida pela Companhia.

Navarro começou no horto de Jundiaí, em 1906, e realizou pesquisas com inúmeras espécies de eucalip-to para comprovar qual seria a melhor, com crescimen-to mais rápido e eficaz para as demandas da ferrovia (madeira para dormentes, carvão e posteriormente para postes de luz). Após os primeiros resultados, foi para Rio Claro onde intensificou suas pesquisas so-bre o eucalipto. Também fez várias viagens ao exterior com objetivos de ampliar a pesquisa sobre o eucalipto, construiu um herbário e um museu, conhecido como Museu do Eucalipto, onde guardou e expos os resulta-dos de sua pesquisa. Navarro de Andrade administrou o horto de 1909 até sua morte no ano de 1941, além de ter desenvolvido outras atividades, como diretor do

3 De acordo com a definição no trabalho de Martini (2008: 30): Horto Florestal é uma unidade fechada destinada a proteger e conservar os espécimes vegetais sob sua responsabilidade, produzir mudas de essências florestais, auxiliar os interessados nos serviços de reflorestamento, organizando planos de trabalho, fornecendo-lhes mudas e prestando-lhes todo o concurso necessário aos trabalhos de ordenamento de matas da região respectiva, fornecer recursos humanos quando solicitado por interessados, para fazer sementeiras.

4 A Cia paulista, empresa particular, criada por iniciativa de fazendeiros de café do interior paulista, com o objeto de fazer chegar à ferrovia nas cidades dessa região e com isso facilitar o transporte do produto.

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Serviço Florestal e Botânico de São Paulo.

Com essa breve introdução os autores Martine (2004) e Joinhas (2008) são apresentados. Esses es-tudaram o horto florestal de Rio Claro em especifico e defendem que o período da administração do horto por Navarro de Andrade é considerado seu momento áureo.

Ambos também indicam que após a FEPASA admi-nistrar o horto começou um período de decadência do local, que o tombamento não sanou, identificado uma série de problemas estruturais e conflitos com a malha urbana de um lado e uma área rural/agrícola do outro. Nesse sentido, nos fala Martini (2004), que estudou o legado (herbário, livros, fotos pessoais) de Edmundo Navarro de Andrade em seu mestrado em história da ciência.

No período em que Navarro de Andrade esteve envolvido com o horto (ele faleceu em 1941), e até a década de 60, o museu mante-ve suas características originais. Foi à época áurea do horto. Com a estatização da Com-panhia Paulista de Estradas de Ferro e mais tarde com sua incorporação num organismo mais amplo e menos diferenciado chama-do FEPASA, o horto começaria seu declínio. Tanto é verdade, que no início dos anos 70, a comunidade rio-clarense já manifestava a sua insatisfação com a situação de decadência em que ele se encontrava. Muitas pessoas, inclusive, de forma anônima lutaram pela sua manutenção e preservação, dando início a uma campanha visando o tombamento, pelo CONDEPHAAT, como meio de preservação, o que viria a ocorrer somente em 1977 (2004: 8- 9).

É clara a preocupação do autor com a manutenção da memória de Navarro, a partir de dois elementos importantes de sua história, o museu e o acervo da pesquisa produzida pelo engenheiro agrônomo, como o herbário, que segundo o autor, vem se perdendo (muitas peças roubadas do museu e o péssimo acon-dicionamento dos documentos considerados impor-tantes para a ciência e silvicultura) com as mudanças administrativas do horto. Para o autor, as pesquisas de Navarro de Andrade influenciaram a preocupação com a preservação ambiental no Brasil. Mais do que um ponto turístico, espaço de lazer, o horto deve ser

reconhecido como polo científico e cultural.

Já a autora Luiza Aparecida Joinhas (2008), em sua tese de doutorado na geografia, procurou entender a relação existente entre memória, território, patrimônio e identidade, por meio da compreensão histórica do antigo horto. Para a mesma, ocorreu a um esqueci-mento, por parte da população, da história do horto. Com memória perdida, a relação com o espaço se tor-nou conflituosa.

Assim, a autora afirma que a história do horto esta intrinsecamente ligada à história da cidade de Rio Cla-ro e a expansão da malha ferroviária do estado de São Paulo – além de destacar sua importância para a his-tória do eucalipto no Brasil, da silvicultura e o próprio Navarro de Andrade. Portanto, a história estabelece uma ligação com memória através do território, por meio dos seus bens edificados (arquitetura), a floresta e o museu. E, para que haja um resgate de uma me-mória visando à preservação do local para reestabele-cer um vínculo de pertencimento e identidade com o local, a autora defende que essa história que deve ser ensinada através da educação patrimonial. (JOINHAS, 2008: 147-155).

Essa memória a ser resgatada se refere ao perío-do de administração de Navarro de Andrade. Algumas indagações surgem sobre esse período: É muito evo-cado o papel científico de Navarro de Andrade, mas como era a relação do espaço com a população de Rio Claro no período de sua administração? Como era a relação de Navarro de Andrade com a cidade e população? Quem usufruía do horto? Era um espaço privado, mas de caráter público?

Tanto Martine quanto Joinhas não trazem essas in-formações, mas colocam Navarro de Andrade como pioneiro nas atividades de reflorestamento e, com isso como um agente da preservação florestal, ao buscar formas de abastecer a Cia Paulista, sem destruir as matas nativas. Essa visão sobre Navarro de Andrade merece alguns apontamentos.

A construção do Horto se insere em um momento de aumento econômico pela produção do café e com a expansão da ferrovia, ou seja, a natureza já havia sido radicalmente modificada. Como destaca Warren Dean (1977) em seu estudo sobre a cidade “Rio Claro: Um sistema brasileiro de grande lavoura (1820-1920)”, no final do século XIX, Rio Claro era a terceira maior produtora de café da província de São Paulo. Dean

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problematiza a formação de Rio Claro, em como de uma “Boca de Sertão”5 no século XVIII se transformou em sistema de grande lavoura no século XIX, na qual a utilização do trabalho escravo foi importante, sem es-quecer-se de apontar que houve a coexistência dessa forma de trabalho com a livre. Nesse processo a na-tureza da região de Rio Claro através das doações de sesmarias a elite da época, um pouco antes da sua extinção em 1822, sofreu fortes modificações.

A necessidade de exportação, primeiro com a cana de açúcar e depois com o café, estabeleceu relações de trabalho de forte violência social e grande desma-tamento da floresta que existia.

Nesse processo, Rio Claro, como parte do oeste paulista se tornou um “frente pioneira” e passa a fazer parte da economia capitalista voltada para a expor-tação e acumulo de lucro. Essa mudança de forma de propriedade, de pequena para grande, e também de ambas convivendo juntas, e a forma de trabalho, revela uma relação que se construiu com a natureza, no caso a apropriação da terra para a á prática da agricultura intensiva e de monocultura, que transfor-maram a região. Nesse sentido torna-se importante as reflexões de Donald Worster (1990), que ao defender uma história ambiental próxima da ecologia, entende a necessidade dos historiadores utilizarem a conceito de agroecológico para entender a transformação da terra visando à sobrevivência humana, ou seja, em como um ecossistema é reorganizado para propostas agrí-colas, para um propósito básico como a alimentação. Entretanto, Worster vai além e pensa o agroecológi-co dentro da ótica capitalista, na qual a terra se torna uma mercadoria e se constrói a monocultura. Em um processo que simplifica os sistemas ecológicos, pois o que importa é a produção de um produto, porque o mesmo possibilita lucro.

Essa foi à lógica que se instaurou no oeste paulis-ta? Seria necessário um estudo mais aprofundado so-bre o ecossistema daquela região para responder tal afirmação. Mas é certo que a agricultura estabelecida para o comércio, primeiro com a cana e depois sendo ampliada pelo café, impôs lógicas de uso da terra e respeitando ou não o solo, e simplificou ecossistema antigo. Para além das mudanças na terra, também interferiu nas relações de trabalho e vida social. No caso do café, ainda incluiu a chegada das ferrovias e estabelecendo outro ecossistema para atender suas 5 Local de parada e descanso para viajantes e animais.

demandas, no caso um horto somente de eucaliptos.

Com esse panorama de mudança radical da nature-za e escassez de mata nativa, é possível afirmar que a criação de um horto com objetivos de reflorestamento visava suprir as necessidades urgentes e econômi-cas de fornecimento de madeira, e não só para a Cia Paulista, já que os hortos vendiam mudas para outros fazendeiros e companhias de trem. É possível arris-car, que nessa lógica, que a espécie utilizada para tal proposito, para os fazendeiros e donos da Cia Paulis-ta, pouco importava, desde que cumprisse com seus objetivos. Entretanto, como afirmar que Navarro de Andrade fosse um preservacionista das florestas?

A literatura apresentada afirma que sim, principal-mente por Martine que localiza em seu trabalho as discussões que existiam no período em relação à pro-teção das florestas para além de objetivos puramente econômicos, mas também ecológicos. Essa discus-são também é a apresentada em Dean no “Ferro e a Fogo” (1996), no qual evidencia a preocupação cientí-fica, social e do Estado que surge no final do XIX e per-manece no século XX com a destruição das florestas, e como isso estava relacionado à perda de qualidade de vida, a forma como a agricultura do café em es-pecial era aplicada, a expansão de uma ciência eco-lógica, e uma preocupação do Estado, na passagem do Império para a República, de controlar o ambiente natural, preocupação essa vai se traduzir em lentas ações ao longo dos anos.

Portanto, havia uma preocupação social, política e científica com as florestas, mas em relação a Navar-ro de Andrade é importante ter cuidado em afirmar que o mesmo era um preservacionista. Suas pesqui-sas foram direcionadas sobre o eucalipto, após o en-tendimento de que essa era a espécie que mais se adequava aos interesses da Companhia Paulista. E mesmo quando esteve à frente do Serviço Florestal e Botânico, transformou o órgão em uma sementeira de eucalipto, difundindo somente essa espécie, inter-rompendo pesquisas de valor medicinal ou industrial da floresta nativa que haviam sido realizadas anterior-mente (DEAN, 1996: 251). Nesse sentido, Dean (1996) apresenta Navarro como um conservacionista bem sucedido, ou seja, um cientista preocupado em com-provar o uso racional do eucalipto. Em um contexto que começa uma crítica ao desaparecimento das flo-restas nativa, a utilização de uma espécie estrangeira em larga escala encontrou resistência dos chamados

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nacionalistas, pois havia um temor com a proliferação de florestas unicamente de eucaliptos.

Navarro jamais afirmou que estivesse reflores-tando; só cultivava árvores, como matéria-pri-ma necessária, pelos meios mais rápidos e eficientes disponíveis. A substituição da floresta nativa por quilômetros e quilômetros de bosques homogêneos de eucalipto, no entanto, era uma transformação que estava provocando certo incômodo em parte da classe média que antes não se preocupara demais com o desapareci-mento da Mata Atlântica. Sinal de seu ceticismo em relação aos novos imperativos científicos citados para justificar o manejo tecnocrata de recursos naturais? Talvez. Ainda que não pu-dessem articular argumentos defensáveis contra essa tentativa de apropriação, percebiam que ela poderia acarretar mudanças e não necessa-riamente para melhor (DEAN, 1996: 252).

As críticas, contudo, só o motivaram a, cada vez mais, pesquisar sobre as possibilidades do eucalipto.

Após a morte de Navarro em 1941, o horto é admi-nistrado por um curto período de tempo pelo seu so-brinho, Armando Navarro. Também perde parte do seu tamanho original para a formação de bairros, como a Vila Indaiá. Na década de 1960, começa o período de estatização das ferrovias, a Cia paulista e os hortos, foram transferidos para a FEPASA6. Nessa mudança administrativa, em que o lugar fica a cargo do estado, mas indefinido se sua administração seria municipal ou estadual, ocorre o pedido de tombamento do lugar.

CARACTERÍSTICAS DO TOMBAMENTO DO HORTO DE RIO CLARO

O processo de tombamento7, a luz da história am-biental, é um documento no qual se buscou evidên-

6 FEPASA – “ferrovia Paulista S.A.” que além da Companhia Paulista de Ferro, teve como empresas incorporadas a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, da Estrada de Ferro Araraquara S.A., Estrada de Ferro Sorocabana S.A. e

Estrada de Ferro São Paulo e Minas.7 Procedimento de abertura de tombamento se caracteriza pela instaura-ção de um “guichê” que não significa, a princípio, nenhuma medida de preservação. Esse “guichê” é encaminhado ao setor técnico do órgão para avaliação. O resultado é apresentado ao conselho deliberativo do Condephaat, que pode decidir ou não pela abertura do processo. Muitas vezes é um conselheiro que solicita um parecer, se tornando relator e tendo seu posicionamento a favor ou contra a abertura subme-tido à votação. A abertura de um processo, já constituí uma ação de preservação. Ver mais em Crispim (2014)

cias de como as várias vozes e agentes históricos que participaram dessa ação conceberam ou entendiam a natureza, entre eles os conselheiros do Condephaat, a FEPASA, o poder público municipal, professores uni-versitários e outros sujeitos da sociedade.

O pedido de tombamento é feito pelo conselheiro Vinício Stein Campos8 em oito de maio de 1974 (proc. 428/74, fls 2 -26), o pedido é para o horto e para o Museu do Eucalipto. Em anexo a esse pedido a um relatório sobre o museu, com a quantidade de salas (16) e o conteúdo de cada uma, na qual fica evidente a valorização histórica a pesquisa de Navarro de Andra-de e a ele próprio. O conselheiro, no pedido, também agradece o Museu Histórico e Pedagógico Amador Bueno da Veiga por fornecer essas informações sobre o local.

Outro dado interessante a destacar é a presença de jornal, logo em seguida ao pedido e relatório. São três noticias de jornais não organizados cronologicamente (um sem data clara, outro de 1977 e um de 1974), com noticias denunciando o abandono do Horto (proc. 428/74, fls 27- 29). O primeiro (sem data clara – “Horto esta abandonado”) revela o fim do trem turístico que ia para o horto e que o museu do eucalipto esta fechado para reforma, entre outros apontamentos. A segunda notícia (1977 – “Salvar do Loteamento o Horto de Rio Claro” – Estado de São Paulo) coloca a preocupação de evitar a especulação imobiliária do horto. No texto há um resumo da história do horto, com a valorização do programa de reflorestamento pela Cia Paulista, re-tratado como um programa pioneiro, e a exaltação da figura de Edmundo Navarro de Andrade, que sozinho conduziu outros hortos. O jornal ainda faz um alerta para a necessidade de revitalizar o projeto turístico para o horto, senão o tombamento de nada adianta-ria. A terceira notícia (1974 – “O Horto” – Jornal cida-de), como os outros, apontam problemas estruturais na estrada de acesso, o museu do eucalipto fecha-do, a história de Navarro que sozinho realizou o sonho do horto florestal. Outra crítica do jornal é a FEPASA, e consequentemente a estatização da Cia Paulista. Também remete ao valor científico do local, centro de proteção à natureza, centro de atração turística pelas belezas naturais.

Esses jornais indicam que existiam muitas críticas 8 Vinício Stein Campos (1908-1990), pedagogo formado em 1932, em Santa Bárbara d’Oeste (SP), diretor do Serviço de Museus Históricos da Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo paulista, conselheiro do Condephaat. Ver Crispim (2008).

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a FEPASA, e consequentemente pressão sobre o go-verno para tomar uma atitude em relação ao horto. Também é possível perceber que sobre o horto, pre-valecia uma visão quase idílica afirmando sua beleza e potencial turístico. Além é claro do destaque a Navarro de Andrade como grande idealizador do horto e pes-quisador através do Museu do Eucalipto.

Logo em seguida ao pedido do conselheiro Vinício Stein Campos, na qual o valor histórico é colocado como suficiente. Temos o parecer do conselheiro Car-los Lemos (arquiteto) na qual entende ser preciso ava-liar o espaço em sua totalidade, ou seja, não somente o Museu do Eucalipto e outros bens edificados, que falam mais da história, no caso o papel de Navarro de Andrade, mas também os interesses paisagísticos e solicita o estudo técnico de outras áreas do conheci-mento, como a botânica e do turismo (proc. 428/74 fl. 31).

Nossa condição de arquiteto, embora nos leve, algumas vezes, a preocupações de interesse paisagístico, onde a natureza das plantas e importância da árvore são de impor-tância maior, não nos permite elaborar parecer conclusivo a respeito do valor contido no refe-rido Horto e respectivo museu. Assim, pro-pomos seja o assunto estudado por técnicos em botânica e turismo, que possam subsidiar o douto Conselho nas decisões deste tomba-mento proposto em fls. 2.

O conselheiro Carlos Lemos em outra passagem do documento solicita um parecer técnico sobre os bens do horto, pois questiona a escolha de Rio Claro somente pela obra de Navarro de Andrade, e não de outros hortos, como Jundiaí, que foi o primeiro onde Navarro começou as pesquisas com o eucalipto (proc. 428/74 fl. 55). Outro questionamento que faz é olhar exclusivamente o legado científico e histórico do en-genheiro, assim, se esquece de trabalhos e pesqui-sas importantes desenvolvidas por outros cientistas contemporâneos ou anteriores a Navarro de Andrade. Lemos, contudo compreende que o interesse em tom-bar o horto também estava vinculado a maneira que a sociedade de Rio Claro se relacionava com o espaço. Outros documentos contidos no processo mostram a necessidade dos conselheiros em definir e caracterizar o que se relacionava com um horto florestal, seja pelo seu tamanho e características topográficas.

Para compreender os interesses paisagísticos evo-cados por Carlos Lemos, cabe as reflexões e contri-buições do historiador Felipe Bueno Crispim (2014), que estudou as relações entre paisagem e patrimônio, com olhar sobre as ações de preservação de áreas naturais pelo Condephaat. Crispim entende que esse olhar sobre a paisagem apresentou uma ampliação da noção do patrimônio cultural paulista. Essa ampliação com a incorporação da paisagem é fruto da presença desse conceito polissêmico no campo do patrimônio, às vezes associada à arte, ou aos aspectos visuais que evocam memória, até da influência do campo da geografia, no caso do Condephaat no período estuda-do por Crispim, e outros saberes, até a questão am-biental.

Crispim (2014) também destaca que dentro do Con-dephaat havia muita disputa de poder entre os conse-lheiros, que provinha dos interesses, concepções de patrimônio e formação original dos mesmos. No caso do horto isso se evidencia pelo desdobramento que teve o pedido de tombamento realizado por Vinício Stein Campos, na qual o valor histórico seria suficien-te, e posteriormente os pareceres do arquiteto Carlos Lemos e do geógrafo Aziz Ab’Saber na qual ocorre uma ampliação do que se queria tombar.

Mesmo que não seja aprofundado nesse texto, é importante salientar que ocorria uma discussão de ampliação da noção de patrimônio natural e debate ambiental em nível internacional, desde o fim Segunda Guerra Mundial protagonizado a princípio pela UNES-CO, o que envolveu também a criação de uma série de leis e normativas no campo do patrimônio e do meio ambiente. No Brasil como já apontado, uma “consci-ência ambiental” também começa a se formar no fi-nal do XIX ampliando-se no século XX, assim como o conceito de patrimônio natural já existia na década de 1930 ampliando-se também nas décadas seguintes. Cabe destacar, contudo a existência de leis não impe-diu a destruição da natureza e nem a deterioração de patrimônio, antes evidencia que a aplicação das leis parte do Estado enfrentou, e ainda enfrenta, muitos conflitos com interesses particulares, além da dificul-dade do reconhecimento por parte da população com a criação de Parques na característica de Unidades de Conservação (MENARIN, 2009)

Dessa forma é possível afirmar que o tombamen-to do antigo horto também acompanhou novas pers-pectivas do patrimônio cultural e natural da época. É

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o quarto9 bem tombado pelo recém-criado órgão de defesa do patrimônio – Condephaat (1968) e reflete uma ação para preservar uma área verde constituída majoritariamente por vegetação não nativa, no caso o eucalipto, localizada em área urbana, a partir da noção de paisagem10, ou seja, a compreensão que era um bem cultural também por suas características “natu-rais”.

A noção de paisagem utilizada como salvaguarda, segundo Crispim (2014), foi uma tentativa de se cons-truir, no órgão, uma política de preservação ambiental pelo campo do patrimônio paulista, evidenciando para o autor um elemento que conversa com essa pesquisa de mestrado: essa ação de preservação pelo campo do patrimônio é um indício das formas como nossa sociedade vem construindo a ideia de natureza, isto é, falando de si mesma, de seu espaço e de seu futuro.

Também é importante salientar que o documento apresenta a resistência da FEPASA com o tombamen-to (proc. 428/74, fls 97-99), visto que chegou a pe-dir a sua suspensão, já que percebia nessa ação um prejuízo pela renda que o espaço gerava, através da venda da madeira, e convênio com empresa de cerâ-mica que atuava no espaço, e até especulação imo-biliária, com tentativas de loteamento, que os jornais anexados ao processo denunciavam. Outros conflitos são perceptíveis na leitura do processo, pela prefeitura municipal, que tenta desapropriar um parte do horto para construção de casas, mesmo com o processo aberto.

O horto era uma fonte de recursos importantes a ser utilizada para demandas econômicas de venda de madeira e terra para especulação imobiliária no mo-mento de crescimento da cidade. Um espaço em dis-puta por conta do seu potencial econômico.

Essa disputa e conflitos com o tombamento não passam despercebidas pelo Condephaat, e o parecer final a favor do tombamento realizado pelo geogra-fo e professor da USP Aziz Nacib Ab’Saber é a de transformar o lugar em um “Parque de eucaliptos com funções múltiplas (universitária, científica, técnica e tu-9 O tombamento do horto insere-se em um contexto em que o Con-dephaat realizou o tombamento de vários patrimônios naturais, porém primando pela diversidade: manchas de vegetação nativa remanescente, espaços como o horto onde predomina a vegetação não nativa, extensas áreas constituídas por maciços serranos e estruturas geológicas peculiares.10 Crispim, Felipe Bueno. Entre a Geografia e o patrimônio: Estudo das ações de preservação das paisagens paulistas pelo Condephaat (1969-1989). Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de São Paulo, Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – Guarulhos - Programa de Pós-Graduação em História, 153 folhas, 2014.

rística)”, incluindo ai uma porcentagem para venda de madeira. Nas palavras do conselheiro:

No que diz respeito a um país de escala geográfica continental; ainda sujeito a devas-tações extensivas e predatórias (na Amazô-nia, no Espírito Santo, no Sul da Bahia e no setor Norte do Brasil Central), todo esforço de preservação, nas mais diferentes escalas, merece atenção de todos os Cidadãos escla-recidos do país. No caso de um território de organização complexa, onde a substituição das paisagens naturais por paisagens huma-nizadas, atingiu níveis críticos, a preocupação de reservar áreas naturais pouco alteradas e poupar áreas verdes passíveis de uso pela coletividade, constitui-se em uma providencia de interesse múltiplo, a um tempo cultural e social.

O tombamento do Horto Florestal da antiga Companhia Paulista de Estradas de Ferro (atual FEPASA), enquadra-se no objetivo de resguardar uma das maiores áreas de expe-rimentação no campo da silvicultura, jamais - intentada na América do Sul, desde a década de 1910 a - 1920. Por outro lado, reflete a grande preocupação de todos os paulistas, no sentido de conciliar a função de um velho hor-to com as funções de uma área para estudos naturais, e para lazer e turismo, compensando nossa atual conjuntura de pobreza em par-ques regionais e áreas de lazer, organizadas. A intenção do CONDEPHAAT ao optar pelo - tombamento global do HORT0 FLORESTAL de Rio Claro (FEPASA) foi a de proteger uma área e uma série de bens patrimoniais de alto valor histórico, científico e técnico, com vistas à futura criação de um “Parque dos Eucalip-tos”, dotado de funções múltiplas e de uma organização digna do espirito de previsão e de racionalização técnica do emérito fundador do Horto, Engenheiro Edmundo Navarro de Andrade.

Julgamos que se deva deixar bem claro que o tombamento do Horto não é feito com qual-quer endereço - outro, senão o de aproveitar a sua notável infraestrutura básica, segundo um planejamento de alto nível, destinado à sua futura transformação em um parque estadual,

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de funções múltiplas, coibindo sua degrada-ção e abandono, e evitando sua destinação pura e simples como gleba de silvicultura, economicamente ativa. Para simples explora-ção econômica, racionalizada, existem outros hortos e notáveis áreas novas de silvicultura, dentro do território paulista (e, entre os bens da própria FEPASA).-

Somente existiriam dois caminhos para se concretizar o tombamento do Horto Florestal de Rio Claro: fazer o tombamento, condi-cionando-o a um plano de reestruturação e zoneamento de elevado nível técnico e cienti-fico, a ser reexaminado pelo CONDEPHAAT; ou, criar um —grupo de trabalho, destinado à elaboração de um plano de constituição de um parque de dimensões regionais, documen-to esse, que ao ser analizado e avaliado pelo próprio - CONDEPHAAT - e, outras institui-ções implicadas – receberia a aprovação e o aval do Conselho. Entretanto, pelo pouco -que conheço das dificuldades de diálogo entre órgãos públicos e paraestatais, sou levado a optar pelo tombamento - prévio do Horto, tal como já foi decidido pelo Conselho,- sem qualquer prejuízo (de providências paralelas, com vistas ao seu aproveitamento múltiplo, de resto, já esboçado, com anuência da sua proprietária e sucessora, no caso a FEPASA). (proc. 428/74, fls. 101-103).

Tal proposta visava “agradar” os diferentes agen-tes do processo, ao que indica o documento, houve a iniciativa para se formar o grupo de estudo proposto por Ab´Saber, com representantes do Condephaat, da UNESP, FEPASA, PODER PÚBLICO e outras secre-tarias do estado. Entretanto o documento revela que poucas reuniões aconteceram, e somente em 1985 revela a aprovação de um plano de manejo que foi constituída em parceria com representantes da FE-PASA, CONDEPHAAT, UNESP, Instituto de Pesquisas Florestais da E.S.A.L.Q. e representantes de entidades da Comunidade de Rio Claro. O que mais surgiu des-se grupo de estudo o documento não revela.

O processo de tombamento levou três anos para ser concluído, de 1974 a 1977, e o horto foi inscrito no livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisa-gístico. E mesmo após a conclusão, o processo ainda apresenta denúncias da sociedade organizada de não

comprimento do tombamento e especulação imobi-liária representada por imobiliárias, arquitetos. O que remete os limites da preservação somente por um ato administrativo.

Para concluir, observa-se que no processo houve diferentes vozes que conceberam o horto de maneiras diversas, entretanto não evidencia com a população acompanhou e participou desse processo. É também é perceptível no documento a exaltação de Navar-ro de Andrade e a Cia Paulista de Estrada de Ferro, não que ela estivesse errada ou imprópria, no caso de Navarro de Andrade sua pesquisa foi rica para o campo da silvicultura. Entretanto, esse elemento não foi determinante para a concretização do tombamen-to pelo Condephaat, pois houve o reconhecimento de que aquela paisagem além da história da ferrovia e de Navarro de Andrade, como o Museu do Eucalipto e outros bens edificados, possuía um meio ambiente relevante, construído a partir do reflorestamento com diversas espécies de eucaliptos, coníferas e também com remanescentes de mata nativa, e consequente-mente toda uma fauna que se adaptou ao espaço, ca-racterísticas que a transformaram na maior área verde da região e com potencial ambiental. E o tombamento se tornou uma possibilidade de oferecer naquele pre-sente, um espaço para se projetar na sociedade, uma relação de preservação com a natureza.

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Resumo: Este trabalho tem como objetivo discutir a preservação das vilas operárias remanescentes em Jundiaí a partir da intervenção do Plano Diretor Participativo de 2016 e da recente inclusão das mesmas na Zona Especial de Interesse Histórico e Cultural 2 (ZEIHC 2), buscando analisar a importância da manutenção destes espaços e das conformações urbanísticas e arquitetônicas que os tornam tão característicos. Espera-se que o trabalho possa trazer à tona os aspec-tos positivos da preservação coletiva de imóveis, tratando de maneira breve e sucinta das vantagens de zelar por esses núcleos históricos e de preservar a identidade operária de Jundiaí.

Palavras-chave: Vilas operárias; Plano diretor; Arquitetura industrial; Patrimônio; Imóveis históricos.

Abstract: This work aims to discuss the preservation of the remaining workers’ villages in Jundiaí from the 2016 Parti-cipatory Master Plan intervention and from their recent inclusion in the Special Zone of Cultural and Historical Interest 2 (ZEIHC 2), trying to analyse the importance of keeping these spaces and the urban and architectural conformations that makes them so distinctives. It is expected that the work can bring out the positive aspects of the collective preservation of buildings, dealing briefly and succintly of the advantages of watching over these historical centers and of preserving the working identitiy of Jundiaí.

Keywords: Workers’ villages; Master plan; Industrial architecture; Heritage; Historic buildings

VISLUMBRES DO SÉCULO XIX: AS VILAS OPERÁRIAS COMO LUGARES DE MEMÓRIAPor: JULIANA CORRÊA GONÇALVESEstagiária em Arquitetura e Urbanismo na Prefeitura de Jundiaí Graduanda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Paulista (UNIP) - Jundiaí

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INTRODUÇÃOOriginadas no século XIX como uma solução para

os problemas da habitação da classe trabalhadora na Europa, as vilas operárias redefiniram os conceitos de moradia e trabalho, as relações entre patrões e empre-gados e as formas de pensar, ocupar e vivenciar o es-paço urbano. Este trabalho visa discutir a preservação do que remanesce destas vilas na cidade de Jundiaí, buscando analisar como a intervenção do Plano Dire-tor de 2016 e a recente inclusão das mesmas na Zona Especial de Interesse Histórico e Cultural 2 (ZEIHC 2) podem auxiliar na manutenção desta história edifica-da.

Para isso, foram estudados trechos da Lei 8683/2016 e publicações acadêmicas acerca do tema. A pesquisa foi dividida em três etapas, buscan-do compreender, primeiramente, o princípio das vilas operárias, seguido pelo levantamento do que ainda remanesce em Jundiaí. Por último, foram discutidas algumas questões com o objetivo de criar soluções positivas para a problemática do artigo: como e por que preservar esta memória edificada? Como o Pla-no Diretor e a existência das ZEIHCs podem colaborar para sua preservação?

O PRINCÍPIO DAS VILAS OPERÁRIAS NO BRASIL

No Brasil, o século XIX ficou marcado por diversos acontecimentos que alteraram não apenas as relações econômicas e políticas dentro e fora do país, mas tam-bém o modo de viver e de habitar da população bra-sileira. Independente de Portugal e com a escravidão abolida, o país também sentiria, com o atraso de um século, os reflexos da Revolução Industrial (BIERNA-TH, 2010, p. 92). Não obstante, teria ainda de lidar com o advento de ferrovias, mineradoras, usinas e in-dústrias que levariam a um crescimento rápido e não planejado dos centros urbanos.

Visando manter os trabalhadores por perto, estas empresas criam vilas e cidades operárias nos arre-dores de suas sedes, alegando ser necessária a pre-sença constante de alguns funcionários que deveriam estar disponíveis para qualquer tipo de emergência (BIERNATH, 2010, p. 29). Foi sobretudo a partir da segunda metade do século que esta prática de cons-

trução passou a ser mais difundida no Brasil, e sua conformação passou a ditar o itinerário e o comporta-mento dos operários:

O racionalismo industrial aplicado ao programa das casas, dispondo-as apenas de um programa mínimo e funcional era aplicado também à organização dos es-paços externos, funcionando como um agente deline-ador de novos padrões de comportamento, de acordo com os interesses da burguesia industrial. O traçado das ruas das vilas era rígido e levava à indústria. A urbanização, assim como toda a política de habitação dentro das vilas, refletia sua forma de controle. (BIER-NATH, 2010, p. 74)

Ainda de acordo com a arquiteta e urbanista Kar-la Biernath (2010), a rua era considerada como “um lugar perigoso para a moral e os bons costumes” (p. 70), não sendo favorecida como espaço público de convivência:

A casa torna-se então o centro de convivência familiar, e a rua perde seu valor, não sendo um espaço projetado para se tornar convidativo. Para o lazer de seus funcionários, as empre-sas investiam em clubes e esportes e tudo que envolvesse a família, para mantê-los longe de quaisquer atividades que os desviassem do trabalho ou diminuísse sua produtividade. (BIERNATH, 2010, p. 70-71).

Apesar de ser considerada por muitos como um be-nefício, a oferta de residências, igrejas, escolas e equi-pamentos de saúde e de lazer denotam também uma coerção por parte dos empregadores: além de con-trolar os operários, mantendo-os dentro do universo do trabalho durante todas as horas do dia (SMPMA, 2014, p. 01), esses poderiam trabalhar por jornadas mais longas, já que não levariam muito tempo para vencer a distância entre a casa e a empresa. A pos-sibilidade de perda da moradia em caso de demissão também produzia maior empenho por parte do operá-rio (BIERNATH, 2010, p. 74).

Foram praticadas, no Brasil, duas modalidades de vilas operárias: a vila de empresa, patrocinada pelas empresas e voltadas para os funcionários, e a vila ope-rária particular, patrocinada por investidores privados e voltadas para locação. Por possuírem as mesmas características físicas, ambas as modalidades eram fa-cilmente confundidas (VIANNA, 2004, p. 06). As tipo-logias de casas mais comuns dentro das vilas eram a

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habitação isolada, as casas geminadas, os alojamen-tos de solteiro e as unidades em bloco ou fita (BIER-NATH, 2010, p. 82 apud FINGER, 2009), sendo estas últimas as mais econômicas e funcionais por dividirem terrenos estreitos e racionalizarem o espaço de forma eficiente.

As empresas ferroviárias são as primeiras a inau-gurar as vilas operárias, inovando ao levar um estilo de construção europeu em alvenaria e madeira para localidades antes isoladas. Biernath (2010) descreve que os programas arquitetônicos variavam de acordo com o cargo de seu morador: “Eram geralmente cons-truções planejadas e [...] Abrigavam apenas uma parte dos trabalhadores, desde que ocupassem um cargo importante na empresa ou aqueles que tinham seus serviços à disposição 24 h por dia” (p. 76).

Subsequentemente, foi a vez das diversas fábricas têxteis se instalarem e iniciarem os assentamentos de seus funcionários. O geógrafo Juergen Langenbuch (1968) afirma que a escolha do terreno era fundamen-tal para a instalação destas indústrias, e que eram le-vados em conta a existência de planícies e água e a proximidade com a linha férrea. Segundo os arquite-tos e urbanistas Correia, Ghoubar & Mautner (2006, p. 14), em um primeiro momento essas fábricas priori-zavam a contratação de mulheres e homens solteiros, que eram abrigados em alojamentos coletivos.

Jundiaí, assim como muitas cidades do Brasil, as-sistiu ao desenrolar dos eventos na ordem descrita acima. Devido à sua localização estratégica para o transporte do café, foi uma das primeiras cidades do interior paulista a receber a linha férrea através do ad-vento da Cia. Paulista de Estradas de Ferro. A inaugu-ração do Complexo Fepasa em 1968 também trouxe consigo as primeiras vilas operárias da cidade: as vilas ferroviárias 01 e 02 e a Vila Torres Neves (também de-nominada Vila FEPASA). A consolidação de uma estru-tura ferroviária possibilitou que as primeiras indústrias do seguimento têxtil e cerâmico se instalassem na ci-dade:

A Companhia Jundiahyana de Tecidos e Cultura (Companhia Fiação e Tecidos São Bento S.A.) foi a primeira fábrica do município, em 1874. Mais tarde, em 1913, vieram a Argos Industrial e a Fábrica de Tecidos Japy. A instalação dessas indústrias modificou a paisagem da cidade e o cotidiano dos moradores da região (SANTOS, 2014, p. 02).

As tecelagens optaram pela instalação nos arredo-res do Rio Guapeva, uma porção de terrenos planos e áreas de várzea que pouco se distanciam da ferro-via. Logo, uma concentração cada vez maior destas empresas deu origem aos primeiros bairros industriais, como a Vila Arens, conhecida no passado como “Bair-ro do Pito Aceso” devido ao grande número de cha-minés e fábricas que ali se concentravam (SMPMA, 2004, p. 02). Atualmente, o bairro abriga a maioria das vilas operárias protegidas pela ZEIHC 2, como a Vila Santa Rosa, a Vila da antiga Mecânica e Importadora São Paulo e as Vilas Argos Velha e Nova.

A construção das vilas para os funcionários faz emergir uma estética tipicamente industrial na cida-de, caracterizada pela ausência de ornamentação. De acordo com a arquiteta e urbanista Regina San-tos (2012, p. 08), somente após 1902 falou-se sobre embelezamento das vilas, mas apenas para favorecer a paisagem, não para desfrute dos moradores. Entre as décadas de 1930 e 1940, a difusão do estilo ar-quitetônico art-déco (principalmente em sua forma po-pular, muito aplicada em vilas operárias) consolidou a união entre embelezamento e funcionalidade, propon-do uma ornamentação de fachadas e platibandas que remetesse à indústria e colaborando para uma maior padronização das construções.

VILAS OPERÁRIAS REMANESCENTES EM JUNDIAÍ: POR QUE PRESERVÁ-LAS?

Hoje, pouco resta das vilas operárias originais. O desmonte das grandes indústrias, ferrovias e tecela-gens e o crescimento orgânico da cidade acarretaram em uma total transformação de suas antigas sedes e das áreas envoltórias. Apesar de algumas vilas ainda manterem a pavimentação de paralelepípedos tão re-presentativa da época, parte das residências foi des-caracterizada ao longo do tempo para abrigar novos usos ou para se adaptar a novos proprietários. Con-tudo, é possível reconhecer ainda hoje a presença de referências à industrialização, principalmente as que estão contidas no tecido urbano (SANTOS, 2014, p. 05); elas ainda podem ser observadas nas vilas que

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são alvo de preservação da ZEIHC 2, como o traçado urbano, o parcelamento do solo e o gabarito de altura diferenciados do restante da estrutura urbana da ci-dade (LEI 8683, 2016, p. 32). Entre outros fatores, é a sobrevivência destas características singulares que justifica a proteção desses conjuntos e incentiva sua valorização.

A importância de preservar as vilas operárias em sua totalidade reside também na relação de oposição e de completude que casa e rua exercem uma so-bre a outra. Como disse Biernath (2010), a casa se relaciona com o ambiente em que se insere, gerando uma série de configurações urbanas e manifestando em si o resultado das transformações ocorridas no es-paço público ao longo do tempo: “Como disse Jacobs (2000), a rua sozinha não é nada, é uma abstração. A casa, por sua vez, precisa de um espaço, um lugar para situar-se, assim [...] há uma interdependência en-tre ambas para que possam assegurar sua existência, dando-lhe sentido” (p. 71). Portanto, ambas são teste-munhas indissociáveis das transformações ocorridas ao longo do tempo e guardam em si a história de um povo e de uma época.

A manutenção destas testemunhas permite, acima de tudo, a criação de lugares de memória. Origina-do na França pelo historiador Pierre Nora, o conceito de “lugar de memória” trata de lugares que existem a partir da passagem do tempo e/ou do desejo dos homens. São lugares que necessitam tanto do supor-te material quanto do suporte imaterial, ou simbólico, porque são o que restou ou se perpetuou de um outro tempo, transcendendo uma qualificação de apenas “registro”, comumente atribuída ao patrimônio ma-terial: “Segundo Nora (1981), a sociedade necessita destes lugares porque não possui mais meios de me-mória no atual momento histórico-cultural, tendo em vista que a evolução urbana a descaracteriza à medi-da que destrói seus lugares” (FREIRE; CAVALCANTI; BESSONI; FREITAS, 2012, p. 12).

A proteção oferecida pelo Plano Diretor e a recente inclusão das vilas operárias na ZEIHC 2 nada mais fez do que consolidá-las como algo que já são: lugares de memória. Lugares que permitem a releitura dos diver-sos vestígios presentes, que estabelecem nexos entre o passado, o presente e o futuro, que possibilitam o reconhecimento dos espaços perdidos e que reco-nectam seus elementos fragmentados.

CONCLUSÃONo atual cenário da construção civil, imóveis de in-

teresse histórico, arquitetônico ou cultural localizados em regiões centrais surgem como alternativas para demolição e utilização do espaço para estacionamen-tos privados ou estabelecimentos comerciais. Pouco se vê além deste horizonte limitado, e pouco se avan-ça na preservação destes bens devido ao incentivo da especulação imobiliária e a temores infundados, cul-tivados pela própria sociedade e reproduzidos pelos proprietários. Contudo, a intervenção do Plano Diretor e a criação de novos instrumentos de proteção su-gerem uma mudança neste cenário, garantindo que nossa história edificada não seja facilmente esquecida.

Compreende-se que as vilas operárias não perma-neceram congeladas no tempo e que as modificações sofridas foram fruto de um novo contexto social. Por-tanto, a preservação destes imóveis não poderia se basear na análise individual de cada uma das residên-cias, porque, sozinhas e descaracterizadas, elas não narram plenamente esse momento histórico e cultural. Desta forma, o Plano Diretor de 2016 busca proteger as vilas como um todo porque entende que é a ma-nutenção de todo o conjunto arquitetônico, urbano e paisagístico que auxiliará na construção de uma iden-tidade operária para Jundiaí.

De acordo com a arquiteta e urbanista Beatriz Kühl (1998), “O patrimônio edificado apresenta massa construída, configuração espacial, relação entre volu-me edificado e vazio, ritmo e cores, inserção na pai-sagem urbana ou natural” (p. 208). Como lugares de memória dotados de interesse histórico, arquitetônico, cultural, paisagístico, social e urbano, as vilas operá-rias possuem um ritmo próprio, com suas ruas es-treitas e casas geminadas que nos transportam para outra época. Para aqueles que sabem olhar, e não se contentam em apenas ver , as vilas operárias ofere-cem vislumbres do berço da industrialização em Jun-diaí e nos convidam a participar de uma imersão na história da cidade, contada por uma arquitetura fabril e um urbanismo racional cuja influência se faz presente em nossas vidas até os dias de hoje.

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Resumo: O motivo que nos move a desenvolver essa pesquisa é o fato de pouco se discutir a importância dos negros na formação econômica do Brasil. Mais do que suas contribuições como mão-de-obra valente e forte, a maioria deu sua vida ao País. Desta forma nos sentimos encorajados a melhor compreender a origem desse negro e principalmente reconhecer sua importância na economia de nossa Terra.

Jundiaí tem se mostrado um polo de riqueza, desenvolvimento e estabilidade. Certamente esse panorama se dá por conta de uma base estrutural produtiva desde seu início. É certo que inserir o negro na história oficial, não seja suficiente para reparar os absurdos do passado, contudo é injusto atribuir as riquezas da região somente a produção dos imi-grantes italianos. Sendo assim, vamos desenvolver um olhar sobre vários aspectos históricos da Jundiaí Colonial, capaz de destacar o negro tanto quanto o índio, como os primeiros e principais trabalhadores e responsáveis pelo progresso desse território.

Palavras-chave: Educação, Trabalho, Escravo, Café, Jundiaí

Abstract: The reason that drives us to develop this research is the little fact to discuss the importance of blacks in the economic formation of Brazil. More than his contributions as hand labor brave and strong, most gave his life to the coun-try. In this way we feel encouraged to better understand the origin of this black and mainly recognize its importance in the economy of our Earth.

Jundiaí has been a wealth of polo, development and stability. Surely this situation occurs because of a productive structu-ral basis since its inception. It is true that the black insert in the official story, is not enough to repair the absurdities of the past, yet it is unfair to the riches of the region only the production of Italian immigrants. So let’s develop a look at various historical aspects of Jundiaí Colonial, able to highlight the black as far as the Indian, as the first and foremost workers and responsible for the progress of this territory.

Keywords: Education, Work, Slave, Coffee, Jundiaí

A ECONOMIA ESCRAVOCRATA DE JUNDIAÍPor: KAREN CRISTINE DE OLIVEIRA

(FACCAMP)

educaçã[email protected]

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INTRODUÇÃONas próximas linhas vamos investigar e esmiuçar

fontes históricas, com o objetivo de entender porque os livros que contam o nascimento de Jundiaí, não consideraram os primeiros trabalhadores da terra, atri-buindo as grandezas econômicas da região somente aos imigrantes italianos.

Buscaremos responder algumas questões como, qual foi a importância do “negro da terra” e do negro africano no processo econômico da região de Jundiaí? Como ocorreu a substituição do nativo indígena pelo descendente africano, na produção escravocrata? De onde eles vinham? Como viviam e de que maneira or-ganizaram suas famílias nestas novas terras? E porque buscavam fugir ao quilombo?

Entenderemos melhor sobre esses homens respon-sáveis pela movimentação da terra, pela modificação urbana, pelo enriquecimento da região de Jundiaí, que hoje ganha o título de uma das melhores cidades para se viver. Será que os escravos concordariam com isso, tendo em vista o que viveram nessas terras, anos atrás? O que será preciso para tirar esses homens da escuridão em que foram colocados? Será que o reco-nhecimento e agradecimento ao africano e o indígena ficarão apenas por conta das artes? Somente a músi-ca, a dramaturgia, e a literatura tentarão reparar esse dano?

Partindo da hipótese de que Jundiaí conta sua his-tória exaltando somente os fatos dignos, honrosos e prósperos, fica óbvio que indígenas e negros africa-nos, não faziam parte desse cenário. Por isso, eu o convido caro leitor, a acompanhar o florescer dessas respostas, rumo a uma nova e desconhecida história. A história dos 273 anos de trabalho escravo, que não foram contados...

DESENVOLVIMENTOOS PRIMEIROS TRABALHADORES DA TERRA:

Essa pesquisa começa analisando as fontes primá-rias capazes de trazer dados sobre a origem, condi-ções sociais e culturais dos agentes envolvidos, isto é, negros e indígenas.

Através das análises feitas pelos livros de Óbitos e Casamentos de Escravos, percebemos que Jundiaí

corresponde a um dos núcleos coloniais mais antigos da capitania de São Vicente, com o povoado sendo elevada a vila em 1655. Seu povoamento ocorreu nas primeiras décadas do século XVII em função da procu-ra por novas terras para o plantio e a possibilidade de mão de obra oferecida pelas aldeias indígenas.

É importante lembrar o contexto dessa nova prática estabelecida. A chegada dos Jesuítas que tinham os índios como amigos e aldeados, pois deles partiriam força de trabalho nas lavouras, transporte de merca-dorias e até mesmo apoio contra inimigos. Em contra-partida os indígenas deveriam ter suas aldeias respei-tadas, serem pagos e bem tratados, além de serem evangelizados. Contudo a chegada do colono causou desde o início necessidade de mão de obra barata para as produções canavieiras e pecuárias da região. Essas divergências de objetivos causaram intrigas en-tre colonos e jesuítas, que conseguiram por ordem da coroa uma legislação que proibia a escravidão indíge-na¹. Uma das soluções encontradas para burlar essa lei foi expulsar os Jesuítas, e a outra, e mais efetiva, foi substituir a palavra “escravo” nos documentos por “administrado”, assim os colonos ofereceram “liberda-de” aos indígenas.

No povoamento de Jundiaí os acontecimentos não fogem deste contexto. Com o aumento das ativida-des agrícolas, houve um crescimento da demanda de mão-de-obra na lavoura e no transporte de mercado-ria. Como a importação de escravos africanos gerava custos expressivos, a solução foi empregar o “negro da terra”, isto é, os indígenas, que existiam em gran-de número e nas proximidades, portanto eram mais acessíveis. Evidentemente o relacionamento entre as populações nativas e os colonos sofreram grandes alterações. Pois os índios passaram de amigos e alia-dos, a condição de cativos.

“A escravização dos indígena intimamente ligada a necessidade de desenvolver uma agricultura comer-cial que propiciasse à província paulista inserir-se den-tro do sistema econômico colonial, acabou gerando uma nova atividade para a província, o bandeirismo expresso nas entradas e bandeiras (Davidoff 1982)”.

Essas expedições ocorridas a partir de 1.691 ti-nham como objetivo a busca e captura dos indígenas para as vilas e povoados, afim de serem vendidos. A alta produtividade da lavoura exigia grande numero de cativos em demandas constantes. Em função da alta

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taxa de mortalidade que os indígenas eram subme-tidos quando em contato com a sociedade colonial. O rigor dos trabalhos forçados, as epidemias e a má alimentação dizimavam rapidamente os nativos trazi-dos pelos bandeirantes. A necessidade de manter o fluxo produtivo, fez com que áreas cada vez mais dis-tantes da vila fossem percorridas. Esse contínuo dis-tanciamento acabou por encarecer muito o custo da compra dos cativos indígenas, impossibilitando a exis-tência das lavouras comerciais que exigissem muitos trabalhadores. Entretanto a decadência das lavouras jundiaienses também esteve ligada a descoberta de metais preciosos em Minas Gerais, que acabaram por levar muitas províncias paulistas à estagnação econô-mica. Desta maneira somente os empreendimentos de baixo custo e que não necessitassem de muitos trabalhadores como a pecuária e alguns canaviais fo-ram mantidos.

Com base nas informações presentes nessas fontes manuscritas, podemos perceber que a partir da meta-de da década de 1.760, ocorre uma sensível queda populacional dos “administrados” (denominação do ín-dio). A explicação para essa queda não é o desapare-cimento do indígena e sim o registro que passa ser de outra forma, pois a miscigenação dificultava distinguir, quem era ou não indígena na sociedade paulista. Isso não acontecia com o negro africano, pois seus traços como cor da pele, tipo de cabelos e espessura dos lábios diferenciavam de imediato a população branca mameluca (mistura do branco com o índio). Assim é possível acompanhar o momento em que os indíge-nas deixam de ser mão-de-obra cativa e os trabalhos forçados passam a ser cada vez mais atribuídos aos indivíduos de origem africana. Os indígenas passam então à condição de homens livres e ocupantes dos estratos mais baixos da sociedade paulista colonial, enquanto os africanos assumem o papel do escravo padrão, na expansão econômica que começava a to-mar forma com o início do ciclo da cana-de-açúcar.

A FORÇA PRODUTIVA:Ao pensar na ocupação desses negros africanos

como mão-de-obra escrava em meados de 1.760, uma das primeiras questões que nos intrigam é a ori-gem dessa população. Questão possível de ser res-pondida através dos livros de óbitos e casamentos de escravos, que nos mostram registros da “nação Ben-

guela”, do “Gentio da Guiné” e do “Congo”. Qualifica-ções que por muitas vezes faziam referencia ao porto de saída na Costa Africana².

Nota-se também através dos manuscritos sobre a família, casamentos e escolha do cônjuge desses ne-gros africanos, que em sua maioria se uniram as índias. A justificativa para essa observação é o alto custo na aquisição do escravo negro, que determinava a pre-ferencia masculina, na hora da compra, pois rendiam mais como mão-de-obra. Na ausência de suas com-panheiras de descendência, esses africanos se uniram as índias nativas, dando origem ao que chamamos de cafuzo (mistura do índio com o negro), e contribuindo com a miscigenação brasileira.

Já a quantidade de negros africanos que aponta-vam no Brasil é um dado impreciso, devido a falta de documentação para acompanhar os procedimentos ilícitos do tráfico negreiro.

“Não se conhecem dados completos sobre a entra-da de escravos no Brasil, nem mesmo para a época da independência política. Particularmente irregulares são os dados relativos às entradas pelos portos do norte. Entre 1827 e 1830 houve uma grande intensificação do tráfico, pois neste último ano aquele “deveria” ces-sar em razão do acordo com a Inglaterra. As entradas pelo porto do Rio excederam 47 mil em 1828 e 57 mil em 1829, descendo para 32 mil em 1830. Essas im-portações foram evidentemente anormais, pois provo-caram forte desequilíbrio no mercado, reduzindo-se os preços à metade entre 1829 e 1831. Outra etapa de grandes importações foi a que antecedeu à cessação total do tráfico, ocorrida entre 1851 e 1852 com efeito, no quinquênio 1845-49, a importação média alcançou 48 mil indivíduos. Dificilmente se pode admitir que a importação total na primeira metade do século passa-do haja sido inferior a 750 mil (média anual de 15 mil), sendo porém pouco provável que haja excedido de muito um milhão.(Celso Furtado - 1920)”.

As palavras de Celso Furtado em “Formação Eco-nômica do Brasil”, vem reforçar que os números são expressivos, apesar de não serem precisos; e facil-mente explicam os tempos áureos da produção de cana-de-açúcar e posteriormente café, ancorado na força de trabalho escravista na vila de Jundiaí.

Registros do pesquisador e jornalista jundiaiense Geraldo Gattolini³, contribuíram com informações es-pecíficas desse período. Iniciado no século XVIII, co-

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meçou a ser montada na vila uma série de engenhos, que aproveitando a cana de açúcar que era plantada nos vales e em locais pouco ondulados, fabricavam dois produtos que representavam notável crescimento de consumo. Eram eles a aguardente e o açúcar mas-cavo. Apontando a existência de um dos primeiros engenhos de açúcar no sopé da Serra do Japí, muito rudimentar, datado em 1698.

Por volta de 1790, calculavam-se quase mil o nú-mero de escravos existentes nas fazendas da vila de Jundiaí, e para tocar a produção que crescia, os fa-zendeiros aumentavam as importações de negros africanos. Os escravos eram também usados como garantias de empréstimos. Houve um caso famoso, quando um fazendeiro local faliu e o juiz decretou a pri-são de seus escravos para que eles não caíssem nas mãos de outros fazendeiros. Em 1798 a Vila de Jundiaí já possuía 16 engenhos. O crescimento da produção de açúcar passa a se estender até as regiões distantes de Jundiaí. Há indicações de que a cana de açúcar já chegava aos arraiais do que é hoje a cidade de Campi-nas, estendendo-se por Cabreúva, Itatiba e Jarinu. Por volta de 1825, a lavoura canavieira ostentava o seu apogeu e uma das mais importantes mansões da Vila de Jundiaí foi construída. O Casarão da Fazenda Ca-choeira que marcou a grandeza da lavoura canavieira de Jundiaí, sendo construída neste período.

Em 1836 calculava-se que somente no território de Jundiaí eram produzidos mais de 11.800 mil arrobas de açúcar. Tal como aconteceu no Nordeste, a cana de açúcar tornou-se um produto de comercialização fácil e inclusive de exportação para o Estado de Minas Gerais. Com o aumento do fluxo comercial neste Esta-do, compensava aumentar a produção, uma vez que todo pagamento era feito em ouro. Foi deste modo que a vila de Jundiaí se transformou. As casas de taipa foram sendo substituídas pelas de alvenaria com am-plos cômodos e segundo a arquitetura da época. Os proprietários dos engenhos de açúcar compunham a classe mais alta, mas a ostentação do dinheiro na ci-dade não chegou com esses capitalistas.

É certo que as fazendas jundiaenses de açúcar, aguardente e rapadura foram sendo substituídas pelo café. Entretanto precisamos reconhecer que a fase áu-rea da agricultura foi preparada pela lavoura canaviei-ra, que formou a maior parte das fazendas de Jundiaí. No texto “Annuario DE Jundiahy, Historico, literário e Noticioso”4, encontramos alguns dados que podem

comprovar quem eram as grandes fazendas produto-ras de café em Jundiaí:

“Embora Jundiahy não goze de fama de município agrícola são muitas as fazendas de café que circun-dam a sua cidade, algumas importantíssimas, como as fazendas Santa Clara, Rio das Pedras, Ermida, Si-mão, Barreiro, Morro alto, São João da Via Sacra, Bu-rity, Santa Isabel, Malota, São José, Santa Gertrudes e outras de larga produção, modernamente instaladas, e que, em nada, ficam a dever as modelares fazendas do noroeste. A Atividade dos jundiahyenses, não se limita, pois, ao commercio e a —industria. Desenvol-ve-se, também, pela agricultura e não nos deixa em lugar sem importância no rol dos municípios cafeeiros de S. Paulo”.

Apesar do café ser introduzido em Jundiaí por volta de 1797, só foi possível verificar sua produção a partir de 1836, com uma modesta produção de 1276 arro-bas de café. Dez anos depois, conforme relatório do presidente José Thomaz Nabuco de Araújo5, a produ-ção cafeeira saltava para 25 mil. Pouco mais de vinte vezes a produção inicial, ou seja, o complexo cafeeiro paulista baseado no modelo econômico escravocrata onde 80% da sociedade de Jundiaí era composta por uma maioria dependente e exploradora, teve toda a sua produção cafeeira nas mãos de apenas 20% da população6, formada por escravos de descendência africana, capazes de promover uma transformação da economia rural, colocando Jundiaí no palco de gran-des modificações promovidas, sobretudo pelos bene-fícios do cultivo cafeeiro.

A exploração do comércio externo do café, chama-do de Oeste Paulista, permitiu o aparelhamento téc-nico em todo o país. uma das provas concretas da prosperidade que alcançou grandes proporções foi a construção do Solar do Barão, um dos símbolos des-se capitalismo caipira. Em frente a esta casa, eram realizados as principais manifestações religiosas e po-líticas. Quando tinham que concentrar o povo para al-guma deliberação importante o Solar do Barão recebia centenas de pessoas, prova disso foi que em 1876 o Barão de Jundiaí recebeu a visita de Dom Pedro II. Nove anos após a visita do Imperador a produção cafeeira continuava a crescer com 50 mil arrobas de café, e posteriormente, em 1900 foram contados 60 mil.

A meteórica fase mineradora que o Brasil viveu com

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as Minas Gerais, foi substituída pela agricultura cafeei-ra que atingiu a apoteose de sua prosperidade no final do séc. XIX. Essa foi uma fase brilhante para a agricul-tura jundiaiense que durou cerca de 60 anos. Daí por diante o café abandona gradativamente as terras de Jundiaí em busca do Oeste Paulista.

O TRABALHADOR ESQUECIDO:

Apesar de encontrarmos informações sobre o cres-cimento econômico da região de Jundiaí, e de facil-mente subentender-se que a alta produção gerada nesse período provinha do negro africano que ajudou a construir substancialmente a economia brasileira, não temos o mesmo êxito, quando buscamos informações de como esses trabalhadores eram tratados e em que condições viviam. Os poucos registros, indicam con-dições ásperas e rudes, havendo até ocasiões em que milhares de escravos fugiram e seus donos resolveram contratar capitães do mato para trazê-los de volta. Na impossibilidade deles se entregarem pacificamente, poderiam ser mortos e seus pares de orelhas deviam ser entregues aos seus senhores. Um desses capitães do mato, de passagem por Jundiaí, contou que tinha em seu poder 3969 pares de orelhas de negros fugiti-vos e que cada par valia 6 mil réis. Comprovando que a fuga desses escravos era comum, frequentemente fazendeiros colocavam anúncios em jornais, dando prêmios a quem reconduzisse os fugitivos às suas fa-zendas. Um desses anúncios, na Gazeta do Rio de Janeiro7, dizia o seguinte:

“Fugiu há dois meses da fazenda de Francisco de Morais Campos, da Freguesia de Belém, município de Jundiaí, um escravo de nome Lourenço, com os se-guintes sinais: idade 30 anos mais ou menos, estatura regular, rosto comprido, bonito de feição, cabelos gre-nhos, nariz atilado, boca e beiços mais que regulares, sendo o beiço inferior mais grosso e vermelho, boa dentatura, cor retinta, pouca barba, fino de corpo, tem a coroa da cabeça pelada de carregar objetos, pernas finas, pés palhetas e pisa para fora, é muito ladino, é roceiro e muito bom tropeiro. Gratifica-se bem a quem pegar o dito escravo e paga-se todas as despesas que tiver feito até a ocasião da entrega.”

Diante dessas condições a fuga para os quilombos, eram a única chance do escravo lutar por sua vida. E

mesmo depois da derrota ao Quilombo dos Palma-res, no final do século XVII, o movimento não chegou ao fim. Pelo contrário, continuaram surgindo novos quilombos e mais fugas de escravos. Provavelmen-te muitos negros fugitivos do interior paulista tenham dado origem aos quilombos no estado de Goiás e To-cantins, que hoje são o centro de interesse de estudos, por entidades nacionais e internacionais. Ainda hoje existem muitas vilas habitadas por negros fugitivos da escravidão e que solicitam legalização das terras que habitam e que foram ocupadas por seus ancestrais. Ficando claro que o escravo lutou por sua liberdade e não aceitou o cativeiro de bom grado. Portanto a libertação da escravatura brasileira foi uma conquista dos próprios africanos e seus descendentes. Em Jun-diaí, por exemplo, existe uma tradição de história oral que narra a existência de um quilombo do séc. XIX na região, entre o bairro do Caxambu e o atual município de Jarinu, registrada no nome de uma antiga estrada de trem, contudo não há provas documentais, orais ou escritas sobre a localização exata dessa comuni-dade. Infelizmente a falta de interesse das autoridades jundiaienses, não despertam investigações aprofunda-das, capazes de promover pesquisas que direcionem e indiquem novas fontes. Tornando cada vez mais dis-tante a possibilidade de devolver ao negro africano a sua memória, a sua importância na história, e sua res-ponsabilidade nessa economia tão prospera.

O PÓS-ABOLIÇÃO:Finalmente quando a lei Áurea foi assinada, a Câ-

mara Municipal de Jundiaí se manifestou três dias de-pois de sua publicação no Rio de Janeiro, capital do império8:

“O vereador Siqueira de Moraes fez a seguinte in-dicação: que esta Câmara em regozijo pela Lei Áurea de 13 do corrente, que fez do Brasil uma pátria livre, envie telegramas congratulatórios à Augusta Princesa Regente, e ao Gabinete Imperial. Que se insira na ata da Câmara um voto de louvor ao povo brasileiro, à cuja vontade se deve à sanção da Lei de redenção e que a ata de hoje seja lavrada no livro de ouro - 16 de maio 1888.”

Por ocasião da abolição da escravatura, os fazen-deiros, por orientação do Visconde de Parnaíba, filho do Barão de Jundiaí, substituiu maior parte da mão-

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-de-obra africana por trabalhadores italianos, que tam-bém seriam submetidos a situações desumanas nas fazendas da cidade.

Ainda a respeito da libertação dos escravos, Gatto-lini contribuiu com um relato de sua avó Genoefa Fun-dello Gattolini:

“(...) Ela me contou que chegou a Jundiaí no dia 13 de maio de 1888. E que sua família ficou com muito medo do intenso movimento, dos tiros e da correria que havia na cidade. Dois dias depois contaram para sua família e para os italianos recém chegados o que tinha acontecido. Eles não entenderam nada porque ninguém sabia que no Brasil havia escravidão. Só iam conhecer o lado amargo da escravidão quando fo-ram trabalhar numa fazenda de café em Itupeva. (GA-TOLLINI-2008)”

Mesmo com o fim a escravidão, demorou muito para que o negro encontrasse um lugar digno na so-ciedade jundiaiense. Pois a eles somente os trabalho secundários foram oferecidos; as manifestações reli-giosas como a umbanda ou o candomblé, foram per-seguidas; o movimento da capoeira, completamente reprimidos; as mulheres geradoras de filhos bastar-dos, nunca tiveram seus direitos reconhecidos; muitas ainda terminaram seus dias em casas de prostituição na rua Zacarias de Góes, no centro da cidade, convi-vendo com as procissões. Segundo relatos da Senho-ra Maria do Rosário Basílio, moradora de Jarinu, con-decorada pela cidade em homenagem a consciência negra desde 2013, neta de escravos; mesmo findada a escravidão, os trabalhos prestados ainda eram em regime de escravidão: “Não vivíamos em senzalas. Cada família tinha sua casinha, parecia mesmo uma colônia, mas não recebíamos nada em dinheiro. O pa-gamento era a moradia e o alimento.”

Esses anos de trabalho durante toda a vida, nun-ca foram registrados, e portanto não garantiram uma aposentadoria digna a Senhora Maria do Rosário Ba-sílio. Assim como ela muitos outros descendentes desses africanos, que viveram o cativeiro, não tiveram oportunidades muito diferentes daquelas oferecidas no período da escravidão. E foi exatamente essa falta de opção, que obrigou o negro nascido livre, à aceitar a “escravidão social”.

Hoje algumas mudanças já ocorreram como a ca-poeira sendo reconhecida como arte brasileira; as escolas de samba sendo vistas como manifestações

culturais; as religiões afro-brasileiras com encontros organizados e oficias que tiram os nomes dos orixás do gueto. E até um Clube de Negros inaugurado em 1897, o mais antigo do Brasil, que foi sede das discus-sões da Frente Negra no governo de Getúlio Vargas. Contudo, essas melhorias são ínfimas diante de tudo que esse povo representou para nós. E certamente para aqueles que viveram os períodos áureos do café e obscuros da escravidão, demorão para esquecer as marcas do tempo em que os bisavós brancos amarra-vam os escravos nas seringueiras do largo para assis-tir a missa no Mosteiro de São Bento1.

CONCLUSÃOA hipótese do presente trabalho é que a história de

Jundiaí esta contada a partir dos fatos dignos, honro-sos, prósperos e notáveis de riqueza. Desta forma, fa-lar dos primeiros trabalhadores desta terra, que foram dizimados e assolados, nos obriga atribuir valor aos negros e índios, e assumir que a história da região não foi apenas dos vencedores.

Muitas foram às fontes utilizadas para o desenvol-vimento desse trabalho, como por exemplo, os ma-nuscritos de óbitos e casamentos de escravos; relatos de pesquisadores locais; dissertações de mestrados, e produções históricas com olhar arquitetônicos e ar-queológicos; além da história oral da Sra. Maria do Rosário Basílio, neta de escravo, que aceitou contri-buir conosco relembrando seu passado. O conjunto de dados históricos utilizados nessa pesquisa nos permite afirmar com segurança a presença de uma

1 1Sobre a Legislação Indigenista no Brasil, consultar Perroni Moises (1992), Cunha (1992 a e b) e Thomas (1981).²Há nove referencias à origem africana no livro de óbitos: “Benguela”(5), “Congo”(3) e “Guiné”(1). Os africanos trazidos para a região de São Paulo no final do século XVIII e início do XIX eram, em sua grande maioria, Banto de “Angola,” saídos sobre-tudo dos portos de Luanda e Benguela (Slenes 1991-1992) ³Geraldo Gomes Gattolini, 74 anos – historiador e jornalista econômico com passa-gem por jornais como Gazeta Mercantil, Jornal do Brasil, Diário do Comércio, entre outros. Mais de dez mil artigos publicados no Brasil e Exterior.4FIGUEREDO, J. e PONTES, A.T. “Annuario de Jundiahy, Historico, Literario e Noti-cioso”, Tipographia da Comarca, 1928 p.815Conselheiro José Thomaz Nabuco de Araújo – 7º Presidente do Instituto dos Advo-gados Brasileiros (1866-1873) – Nascido em Salvador/BA. Foi Magistrado, político brasileiro e pai do historiador, diplomata e político abolicionista Joaquim Nabuco.6Através dos dados sobre a população de Jundiaí, em fins do século XIX pelo censo de 1874, a cidade tinha: 7805 habitantes sendo 1852 escravos; já pelo Censo de 1886 há um aumento para 10254 habitantes, porém 1366 era o número de escra-vos. Isto nos permite concluir que há um incremento populacional decorrente da explosão do café não apenas nesta área, mas em toda a região. 7Fragmento retirado do texto eletrônico – A força negra. Disponível em:<>.8Fragmento retirado do livro: Transparências Históricas e Políticas de Jundiaí – Tex-to: A escravidão em Jundiaí. P.139-140. Coletânea de artigos publicados pelo Jornal de Jundiaí no período ago/2006 à out/2008.

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população indígena e posteriormente negra africana responsável pelos primeiros e mais produtivos traba-lhos nas terras jundiaienses. Contudo as dificuldades que estigmatizaram esses negros no período da es-cravidão permanecem ainda hoje. Confirmando esse fato, temos a falta de estudos e documentos que con-tenham a verdadeira história do trabalho em Jundiaí. E não apenas a visão carregada de senso comum de que Jundiaí cresceu com a chegada dos imigrantes italianos e o cultivo das vinhas. Esperamos com esse presente trabalho, contribuir para que esse processo, ainda que lento, seja efetivo e capaz de resgatar essa memória, para que as conquistas deste povo sejam maiores que legislações no campo social e reconheci-mentos no âmbito das artes. Que este estudo, possa abrir caminhos no campo científico, para que negros e índios assumam seu lugar de direito na história do trabalho em Jundiaí.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Resumo: Trata-se da palestra proferida no 4º. Simpósio sobre Patrimônio Material e Imaterial, em Jundiaí/SP, na mesa “As dimensões ética e estética do patrimônio”. O texto discorre sobre novas acepções acerca do patrimônio cultural e, diante destas, sobre a necessidade de se reconhecer a diversidade de patrimônios e de grupos sociais. Aponta para as mudanças da função do patrimônio desde sua constituição, quando o objetivo era a criação de uma identidade nacional, até os dias atuais, momento em que a importância da diversidade cultural aumenta tipologicamente, geograficamente e cronologicamente o acervo patrimonial. Aborda as diferenças conceituais entre a história e o patrimônio e como isso implica no tratamento de diversas escalas de valores. Por fim, defende que a ética em relação ao patrimônio está em conhecer e reconhecer a alteridade e em mudar o foco de atenção do objeto para o sujeito, buscando-se, assim, uma abordagem mais sustentável, inclusiva e democrática do patrimônio.

Palavras-chave: Ética do Patrimônio; Diversidade Cultural; Valores do Patrimônio.

Abstract: This is the lecture given in the 4th. Symposium on Material and Intangible Heritage, in Jundiaí, about “The ethical and aesthetic dimensions of heritage”. The text discusses new meanings about cultural heritage and the need to recognize the diversity of heritage and social groups. It points to changes in the role of heritage since its inception, when the goal was to create a national identity, until nowadays, when the importance of cultural diversity increases the heritage typologically, geographically and chronologically. It addresses the conceptual differences between history and heritage and how this implies the treatment of different scales of values. Finally, it argues that ethics in relation to heritage is in knowing and recognizing otherness and in changing the focus of attention from the object to the subject, thus seeking a more sustainable, inclusive and democratic approach.

Keywords: Heritage Ethics; Cultural Diversity; Heritage Values.

A FUNÇÃO SOCIAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL / THE HERITAGE SOCIAL FUNCTIONPor: LIZIANE PERES MANGILI

Professora do Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Artes Aplicadas da Universidade Federal de São João del-Rei – DAUAP/UFS

[email protected]

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INTRODUÇÃOO texto aqui exposto é a transcrição da palestra

apresentada na mesa “As dimensões ética e estética do patrimônio”, no 4º Simpósio sobre Patrimônio Ma-terial e Imaterial, em 26/11/2016 na cidade de Jundiaí/SP, promovido pela Secretaria de Cultura do municí-pio.

Buscamos abordar a ética do patrimônio pensando em sua função social, tentando responder à pergunta: para que serve o patrimônio? Recorremos à teórica francesa Françoise Choay (2001) – filósofa, historiado-ra e crítica de arte, professora da Université de Pa-ris VIII – para resgatar os primórdios da constituição do campo, principalmente no referente à formação e consolidação do serviço de proteção ao patrimônio na França, modelo para o Brasil e vários outros países. A partir desse entendimento, explicitamos o que mu-dou desde a constituição desse campo e quais são as direções e os desafios colocados hoje ao patrimô-nio, destacando os conceitos trazidos pelo geógrafo e historiador norte-americano David Lowenthal (1985 e 1996) e pelo espanhol Salvador Muñoz Viñas, gradua-do em Artes, professor e diretor do Departamento de Conservação e Restauração da Universidad Politéc-nica de Valencia, no livro Teoría Contemporánea de la Restauración (2004).

PARA QUE SERVE O PATRIMÔNIO?

O termo “patrimônio” significa “bem de herança que é transmitido, segundo as leis, dos pais e das mães aos filhos” (Dictionnaire de la langue française de É. Littré, apud CHAOY, 2001, p.11). Na língua portugue-sa, os dicionários trazem as definições “conjuntos de bens de família, transmitidos por herança”, e também “Conjunto dos bens materiais e imateriais de uma na-ção, estado, cidade, que constituem herança coletiva e são transmitidos de geração a geração”1 e “Bem ou conjunto de bens, materiais ou naturais, reconhecidos por sua importância cultural”2. Patrimônio histórico/cultural seria, então, aquilo que os grupos sociais, as nações, etc., vão transmitindo de geração para gera-1 “patrimônio”, in Aulete Digital, http://www.aulete.com.br/patrim%C3%B-4nio, [consultado em 22-11-2016].2 “patrimônio”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/patrim%C3%B4nio [consultado em 22-11-2016].

ção.

Embora a primeira acepção tenha se mantido ao longo do tempo, a última passou por algumas mudan-ças. Vamos tentar entendê-las. A ideia de patrimônio, tal como a compreendemos hoje, surge com a noção de ruptura entre passado e presente. Até o século XV, as intervenções nas edificações – estamos falando de patrimônio material – eram feitas conforme a neces-sidade de uso: todos sabemos da utilização do már-more do Coliseu para a construção de igrejas e outras edificações. Os teatros romanos, como o Teatro de Marcellus em Roma e o Teatro de Nîmes, na França, que ficaram sem uso após o declínio do Império Ro-mano e durante a Idade Média, transformaram-se em habitações e pequenos comércios que ali permane-ceram até meados do século XIX. Muitas vezes foram esses novos usos que possibilitaram a preservação de edificações que se tornariam, posteriormente, monu-mentos históricos3: é o caso do Panteão em Roma, que de templo pagão passou a ser templo cristão.

Quando se começou a pensar em preservação do patrimônio por meio da tutela pelo Estado – nosso exemplo mais próximo é o da França, explicitado por Françoise Choay (2001) – foi numa situação de perda, diante dos atos de “vandalismo” da Revolução Fran-cesa, que estavam destruindo os ícones da monar-quia e do clero. E o que se constituiu como patrimônio naquele momento? Foram as edificações represen-tativas da “alta cultura”, ou seja, da cultura erudita: aquelas edificações com valor estético. Monastérios, igrejas, palácios. E qual era a finalidade do patrimô-nio naquele momento? Era a da constituição de uma identidade nacional. E quais valores foram atribuídos àquilo que se considerou “monumentos históricos” naquele momento? Choay menciona o valor nacional, que teria inspirado todas as medidas de conservação; o valor cognitivo e educativo, ligado ao conhecimen-to das histórias (política, dos costumes, da arte, das técnicas); o valor econômico, ligado principalmente à exploração turística dos monumentos; e por último o valor artístico, de forma ainda fraca, pois o conceito de arte ainda era impreciso, exceto no meio culto e esclarecido (CHOAY, 2001, p. 116-118).

3 Alois Riegl, em O culto moderno aos monumentos (2008, publicado pela primeira vez em 1903) explica a distinção entre “monumento” e “monumento histórico”: o primeiro sempre existiu, em todas as sociedades, e é uma criação deliberada para evocar a memória de alguém, algum grupo ou algum feito. Já o segundo não é criado desde o princípio com esse intuito, mas pode ser qualquer edificação existente à qual se tenha atribuído, a posteriori, a função memorial. Tam-bém Choay (2001, p. 25) retomara essa definição.

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No Brasil a constituição do patrimônio se deu de for-ma muito similar ao francês. O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o SPHAN, foi montado por um grupo de arquitetos modernistas – não obs-tante o importante papel do escritor Mário de Andrade – que o fez no sentido de constituir uma identidade nacional, o que era extremamente importante naquele momento para a política nacional, para a representa-ção do país como um país forte. Buscaram símbolos de identidade nacional em Minas Gerais, nas cidades da inconfidência mineira, e deram enorme ênfase à ar-quitetura de pedra e cal, de matriz branca, portuguesa e católica.

Tenho duas questões para levantar nesse ponto. Primeira: o que é nação? O que é o Brasil? Melhor dito: quem são o Brasil? De que forma os índios, os negros, os imigrantes, estiveram representados nesse projeto de identidade nacional?

O índio não esteve. O índio foi apagado da memória a respeito da nossa formação. O índio virou folclore. Nós não estudamos nada sobre os povos que aqui habitavam antes dos colonizadores: no dia 19 de abril, nós vestimos nossas crianças com cocares feitos de papel, pintamos suas caras, e pronto: esse é todo o conhecimento que temos a respeito do índio. O “ín-dio”, vejam bem, nem é “dos povos indígenas”. Isso tudo apesar de mantermos esse costume arraigado de tomar banho todos os dias, às vezes mais de um banho ao dia; de comer farinha de mandioca, pão de queijo; e de falar e ouvir inúmeras palavras em idiomas indígenas, como Jundiaí, Japi, Itu, Itupeva, etc. Nossa identidade tem muito mais a ver com a indígena que com aquelas cidades mineiras de arquitetura colonial barroca.

Isso pode me incitar o seguinte questionamento: até onde, como, qual é o elo que faz com que me identifi-que, enquanto brasileira, com aquelas cidades?

Aqui entro na minha segunda questão, na verdade uma resposta à primeira: o elo é a história. Mas que história é essa? É uma história, é a história oficial, ofi-cializada, a história escolhida para se contar. Muitas vezes à custa do apagamento de outras histórias, e com isso, de outros sujeitos.

Voltando ao projeto moderno de identidade nacio-nal: e os negros, onde aparecem? Aparecem com seu sofrimento minimizado, aparecem como uma massa, sem etnias, sem grupos, sem rostos, sem sujeitos,

sem feitos. E continuam hoje aparecendo apenas atra-vés do sinhozinho, estilizados, estereotipados.

Ou seja, a história é criada, é modelada, e isso acontece também com o patrimônio.

David Lowenthal, em The Past is a Foreign Country (1985), coloca que é impossível obter um conhecimen-to objetivo do passado, visto que ele é sempre conta-do a partir de um ponto de vista, subjetivo, portanto. Então, quando falamos de patrimônio e de intervenção no patrimônio, sempre teremos nossos juízos e pre-ferências, escolhas, contaminando o passado através da maneira que atuamos nas intervenções. Ele nos diz o seguinte:

Se reconhecer as diferenças com o passado promove sua restauração, o próprio ato da Restauração torna essa evidência mais apa-rente. Venerado como uma fonte de identida-de grupal, contemplado como recurso precio-so e escasso, o ontem se fez cada vez mais distinto do hoje. Mas suas relíquias e resíduos estão marcados com delineamentos atuais. Pode ser que um passado exótico nos agra-de, mas nós o moldamos com ferramentas modernas. O passado é um lugar estrangeiro cujos traços se formam a partir de predileções contemporâneas, e sua alteridade está do-mesticada por nossos próprios atos de res-tauração dos seus vestígios. (LOWENTHAL, 1985, apud MUÑOZ VIÑAS, 2004, p. 143).

Então, por exemplo, em relação à minimização do sofrimento dos negros naquele patrimônio colonial: nós vemos sim as senzalas nos casarões, mas não como elas realmente foram. Elas estão melhoradas, embelezadas: nós não suportaríamos vê-las nas con-dições reais, com seus odores, com a falta de luz, com as correntes... então nós a melhoramos. Nós tiramos os pelourinhos das cidades; hoje em algumas eles são apenas um nome destituído de significados.

Mas eu quero agora retomar aquela trajetória do pa-trimônio que eu vinha contando e depois seguir nova-mente com Lowenthal.

Pois bem, se na constituição dos serviços de pro-teção ao patrimônio o que se objetivava era a criação de uma identidade nacional, e o que era considera-do patrimônio estava ligado a valores históricos (uma história) e artísticos; com o passar do tempo isso foi

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mudando. Nesse processo, as próprias mudanças no campo da história – o movimento da Nova História, por exemplo, e no campo da antropologia, influencia-ram. E o patrimônio foi crescendo cada vez mais, ti-pologicamente, geograficamente e cronologicamente.

Mas a associação da história ao patrimônio sempre foi uma constante. Vou retomar as considerações de Lowenthal. No seu livro Possessed by the past (1996), ele desenvolve uma distinção radical entre esses con-ceitos aparentemente próximos: o de história e o de patrimônio. A meu ver, isso tem tudo a ver com a nova finalidade do patrimônio, que o insere de vez e “de cabeça” no campo social.

Lowenthal diz que a história é aquela disciplina aca-dêmica encarregada de revelar o passado. Ela busca a verdade, embora se reconheça que seja impossível de atingi-la plenamente. Portanto, a história pertence aos experts, aos especialistas, e não ao público em geral. Já o patrimônio é o contrário, ele é o conjunto de refe-rências do passado, tanto tangíveis quanto intangíveis, que um grupo de pessoas reconhece como tal e que influi sobre ele. Ouçam o que ele diz:

A história e o patrimônio transmitem coisas diferentes a expectadores diferentes. A his-tória conta a todos os que querem escutar o que ocorreu e como as coisas chegaram a ser o que são. O patrimônio se baseia em mitos exclusivos de origem e de continuidade, conferindo a um grupo prestígio e objetivos comuns. A história se faz grande quando o seu conhecimento se propaga; o patrimônio se vê diminuído e degradado quanto mais se estende.

A história é para todos; o patrimônio, apenas para alguns. A história não é completamente aberta – os pesquisadores protegem suas fontes, os arquivos se fecham, nega-se aces-so aos documentos, e os erros são esqueci-dos. Mas a grande maioria dos historiadores condenam as ocultações. Pelo contrário, as mensagens do patrimônio estão restritas aos eleitos.

O patrimônio se baseia em regras grupais que convertem cada passado em uma possessão exclusiva e secreta. Criado para gerar e prote-ger interesses de grupos, apenas nos bene-ficia se o isolamos dos demais. Compartilhar,

ou até mesmo mostrar um legado histórico aos demais diminui suas virtudes e poderes. Ser fechado é essencial para a sobrevivência e o bem estar de um grupo. (LOWENTHAL, 1996, apud MUÑOZ VIÑAS, 2004, p. 143-144).

Diante dessas considerações de Lowenthal, quero fazer uma afirmação: Reconhecer o patrimônio é reco-nhecer diferenças, é reconhecer o outro.

POR UMA ALTERIDADE NO PATRIMÔNIO

Se a finalidade do patrimônio, quando da constitui-ção do campo, era a identidade nacional, portanto um patrimônio homogêneo (e que se pretendia hegemôni-co), hoje ela é outra, hoje é reconhecer e promover a diversidade cultural. Hoje ele é plural. Se por um lado isso amplia sua função social, por outro nos coloca um problema, que é aprender a lidar e a trabalhar com o reconhecimento e as diferentes escalas de valores.

Quando se buscava a identidade nacional, a esca-la dos valores associados ao patrimônio era também nacional. Mas ao se falar de um patrimônio de grupos, um patrimônio diverso, tem-se prioritariamente esca-las locais.

Nós vemos hoje muitos conflitos no reconhecimento daquilo que é patrimônio. Grupos que fazem propos-tas de tombamento, órgãos que não querem tombar. Ou o órgão federal não consegue ver uma importância nacional para o que está sendo solicitado, apesar de reconhecer sua importância como patrimônio local... e por aí seguem os conflitos.

Todos querem ser reconhecidos, terem seus símbo-los, seu patrimônio reconhecido como o mais impor-tante do planeta. Mas o patrimônio é aquilo que é im-portante para nós, para o nosso grupo, nosso bairro, nossa cidade... e por isso devemos cuidá-lo, mesmo que não seja reconhecido e validado como importante numa escala maior.

Por outro lado, e até com mais frequência, tem-se o problema do ego dos arquitetos ou de outros profissio-nais que lidam com o reconhecimento e a intervenção no patrimônio, ao não reconhecerem e, sobretudo, não conhecerem o outro. Por isso vemos tantas ne-

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gativas dos órgãos de preservação, e tantas interven-ções que apenas “pasteurizam” as cidades, ao invés de evidenciar sua essência: foi uma das coisas que aconteceu na cidade baiana de Lençóis, de que trato em minha tese de doutorado, Anseios, dissonâncias, enfrentamentos: o lugar e a trajetória da preservação em Lençóis, Bahia (2015).

É cada vez mais consensual hoje que a arquitetura em si, ou seja, uma edificação histórica, não tem valo-res intrínsecos, ou naturais. Os valores são atribuídos pelos sujeitos aos objetos. Por exemplo: a esse con-junto de edificações da Cia Paulista de Estradas de Ferro: os historiadores sociais vão atribuir valor a ele enquanto representativo da história dos ferroviários; os historiadores de arquitetura e urbanismo, enquanto re-presentativo de uma arquitetura de ferro e de tijolo de determinado estilo e determinada época, e até mesmo por sua importância no desenvolvimento urbano tanto de Jundiaí quanto do estado de São Paulo; os ferro-viários, filhos e netos, já não vão atribuir tanto valor a esses aspectos, para eles, há valores afetivos, de sociabilidade, por ter sido o espaço de trabalho até de lazer. Mas, se por um lado, nos primeiros casos, o patrimônio material basta por si só (preservar a edifi-cação para preservar um exemplar de um estilo), por outro, há muito mais de intangível que, nesse caso, está associado ao uso. Certamente a mudança de uso vai tocar muito mais os ferroviários que os arquitetos.

Essas edificações estão tomadas de vários signifi-cados que é o conjunto de valores atribuídos pelos diferentes grupos sociais, aqui usando a definição de Halbwachs (2006). E há ainda outra questão impor-tante: os valores atribuídos ao patrimônio não são es-tanques, eles são mutáveis, fazendo com que o sig-nificado mude. Por exemplo, hoje já há outros usos nesse lugar: há a FATEC, há o Poupatempo, é espaço de ensaio de grupos, de encontros. Para esses dife-rentes grupos sociais que estão agora envolvidos com esse patrimônio, os valores são outros. Eles podem se sobreporem também, e muitas vezes isso de fato acontece.

Muitas pesquisas recentes na área de patrimônio, e até algumas cartas patrimoniais, como a Carta Aus-traliana de Restauro - Carta de Burra (última versão 2013) e a Carta de Cracóvia (2000) reconhecem que a questão do patrimônio é relacionada à atribuição de valores. E por isso, mais importante que ater-se à edi-ficação em si, é ater-se ao seu significado cultural, que

é o conjunto desses valores.

Muitas vezes tem-se tratado a questão da ética no patrimônio como o respeito por uma verdade da edificação, seja essa verdade a originalidade, a auten-ticidade ou a historicidade, mas sempre consideran-do apenas a edificação, o objeto em si. Nessa nova perspectiva dos valores, o foco muda do objeto para o sujeito, ou melhor, para os sujeitos (MUÑOZ VIÑAS, 2004). Então a ética, para nós arquitetos e para todos aqueles que tomam decisões relativas ao patrimônio, está em ouvir, em conhecer e reconhecer os diversos valores que são atribuídos aos bens patrimoniais, para então tomarmos decisões, ao invés de sairmos por aí projetando intervenções a partir dos nossos próprios valores, que serão na maioria das vezes os estéticos e os históricos, ou seja, os valores dos especialistas.

É preciso que aprendamos a observar o lugar, ob-servar as pessoas do lugar (sim, é preciso que traba-lhemos com antropólogos, é preciso que usemos mé-todos da antropologia), é preciso que identifiquemos os diversos valores atribuídos e que o negociemos. Certamente haverá sobreposição de valores e valores conflitantes, mas a melhor intervenção, a mais susten-tável, a mais inclusiva e democrática será a que levar em consideração a maior gama de valores possíveis. Acredito nisso!

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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OCUPA COLABORATIVA: A LUTA POPULAR PELA CULTURA E PELA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICOPor: PAULA BERNARDO

Historiadora e mestre em Educação pela USP, membro da Ocupa Colaborativa

[email protected]

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INTRODUÇÃOO presente artigo propõe um debate acerca da im-

portância da intervenção do movimento social deno-minado Ocupa Colaborativa na luta pela preservação do patrimônio histórico e cultural em Jundiaí. Mais que isso, diante de um contexto de dilapidação dos direi-tos históricos da classe trabalhadora, sejam relaciona-dos ao trabalho, educação, cultura, saúde, moradia, entre outros, vem interrogar o papel do movimento social na escrita da sua história e preservação de seus documentos e monumentos (Le Goff, 2013).

O sentido que o monumento (fontes materiais e ima-teriais, objetos, prédios, etc), passou a representar no resgate da história da humanidade reflete a importância do debate sobre patrimônio histórico e a necessidade de envolver a sociedade, para além dos historiadores em sua preservação. Nesse contexto o movimento so-cial, através de grupos de vários matizes e orientações constitui um relevante ator na transformação da ideia de que tudo que é passado tem que virar estaciona-mento ou condomínio residencial de luxo.

Coloca em pauta o resgate do papel social da pro-priedade e desvela a perversidade implícita em seu sentido comercial, que coloca o valor venal do imó-vel a cima de sua história, que precisa estar a serviço da comunidade como um todo e não em benefício de uma reduzida elite dominante que há séculos reproduz sua versão oficial como expressão da “inquestionável verdade”. O objetivo central desse artigo é despertar no público leitor a reflexão sobre o papel do sujeito his-tórico na preservação do seu passado, mais que isso, demonstrar que a história oficial deixou anônimos, por séculos, um conjunto de movimentos sociais, que hoje

empoderando-se no espaço público, lutam para mos-trar seu legado em prol de uma sociedade justa, igua-litária onde cultura e educação, bem como as demais políticas públicas estejam ao alcance de todos indis-tintamente de sua classe, cor, raça, gênero, credo etc.

CONTEXTO HISTÓRICO DA LUTA

A Ocupa Colaborativa, hoje situada na Rua XV de Novembro, esquina com a Rua Aristeu Dagnoni, é re-sultado de uma ocupação cultural liderada por coleti-vos produtores de arte, educação, cultura em geral. O prédio, foi sede da Cia. Litográfica Araguaia, fundada em 1952, que produzia impressos em off-set e rótu-los de produtos de empresas como a Cica, Perdigão, Três Fazendas, Adidas, Vulcabrás etc. Em meados dos anos 80 mudou- se para Várzea Paulista, onde as lutas operárias marcaram a história da litografia e sua primeira conquista foi o direito à cesta básica. Após a mudança o imóvel foi sede, até meados dos anos 90, da Davidson Planejamento e Propaganda, responsável por campanhas publicitárias da boneca Lu Patinadora, bichos de pelúcia Lionela, Velho Barreiro, Mentos, pa-pel higiênico Confort, jeans Star up etc.

Depois disso o imóvel foi ocupado por uma oficina mecânica, até ser sistematicamente abandonado ao longo de uma década e meia, quando foi palco de di-versos tipos de violência, bem como um incêndio que danificou bastante sua estrutura.

Após mais de 16 anos de abandono e descaso um sonho brotou das ruínas.... Vários representantes de coletivos culturais de Jundiaí por meio de mutirões, limparam, reformaram, pintaram, recuperaram as ins-talações, para tornar o espaço novamente habitável, seguro e confortável para circulação de toda a popu-lação.

E hoje no mesmo lugar há um centro cultural que transcende cultura por todos os tijolos, aberto ao pú-blico e que oferece um amplo leque de atividades gra-tuitas para toda a população de Jundiaí e entorno.

UMA VERDADEIRA REVOLUÇÃO CULTURAL

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UM RESGATE DA HISTÓRIA E DO PATRIMÔNIO CULTURAL PELAS MÃOS DO POVO!

OCUPA COLABORATIVA, essa é uma casa de par-tilha e de luta!

Aqui o saber partilhado brota dos coletivos que re-gistram seu legado na disputa por direitos sociais ne-gados pela opressão capitalista.

O que nos une é o sonho de uma sociedade justa e igualitária, onde as diversidades sejam respeitadas e aceitas com dignidade!

As igualdades aqui são construídas historicamente por meio do diálogo democrático e do poder popular. Todo homem e toda mulher leal, de qualquer gera-ção, raça, cor, orientação sexual ou credo tem nessa casa seu alento, seu refúgio da opressão cotidiana! Um lugar para rir, dançar, cantar, chorar, amar, sonhar, partilhar saberes, conhecer outras estéticas, conviver com vários discursos, diversas práticas... Lugar plural e intenso, onde se redescobre a beleza da vida longe das telas da mídia alienante e do poder nefasto da oli-garquia golpista.

Essa casa tem história. Nessa casa se faz história! Essa casa é história e nossa luta é por sua preserva-ção e respeito!! Esse patrimônio é da cultura popular! Não pode ser solapado pela distorção do sentido de propriedade que se coloca supremo sobre os monu-mentos da história popular. Essa casa é do povo, que dia a dia dá novos contornos à ocupação como movi-mento legítimo da sua vontade.

As ocupações hoje no Brasil são mais que uma es-tratégia de resistência, são expressão da cidadania na luta por um modelo de sociedade que não seja regido pelos interesses de grupos capitalistas. Cidadania é uma expressão da consciência histórica, política, ide-

ológica e de que só é possível mudar o mundo lutan-do, e muito, pra que seja melhor, justo, igualitário para todos. É através dela que se preservam monumentos, patrimônios, legados de uma sociedade. Nessa casa, nossa casa, nossa Ocupação, tem luta! E lutamos por meio da cultura, das várias expressões e linguagens culturais, escrevemos essa história em todas as pa-redes da Ocupa Colaborativa, nem o tempo vai pagar essa memória, nossos feitos já ocuparam corações e mentes nessa cidade.

PROGRAMAÇÃO DA OCUPA COLABORATIVA

A programação da Ocupa Colaborativa contem-pla diversas linguagens: teatro, moda, sarau, música, dança, circo, cinema, meio ambiente, alimentação saudável entre outras. São múltiplas expressões cul-turais para todos os gostos.

Além disso, o projeto contempla uma biblioteca constituída a partir de doações, onde o visitante esco-lhe e lê seu livro no local. Em breve, após a cataloga-ção, o acervo será circulante, ampliando o acesso da leitura a todos frequentadores da casa.

Qualquer pessoa pode propor uma atividade. Esse diferencial marca um modelo de gestão cultural demo-crático na programação em que qualquer cidadão de Jundiaí ou entorno pode usar o espaço para realizar sua proposta. O espaço está disponível de terça à do-mingo e às segundas feiras fecha para manutenção e limpeza realizadas através de mutirões e doações.

Apesar da dedicação de todos os envolvidos o es-paço ainda carece de reformas estruturais urgentes,

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como as calhas, telhado, piso, instalações hidráulicas, elétricas. Tudo tem sido feito através de mutirões, do-ações e parcerias que compreendem a importância desse espaço para circulação cultural na cidade.

A programação pode ser acessada através do perfil no facebook Ocupa Colaborativa, Organização Comu-nitária, onde também constam os principais momen-tos desses sete meses de trabalho.

Já recebemos atores, diretores, músicos, professo-res, educadores populares, artistas circenses, grafitei-ros, artistas plásticos, fotógrafos, artesãos, Mcs, Djs, etc de todos os cantos do Brasil. Música? Tem para todos os paladares, do samba ao jazz, passando pelo rock, pelo blues, rap, música erudita, popular... Dan-ça? Para todos os gostos! Cinema? Com bate papo para ficar bem mais gostoso. Artes visuais? Por to-dos os cantos!! O prédio tornou-se uma grande galeria aberta ao público. Linguagens em diferentes formatos compõem nossa programação: shows, ensaios aber-tos, oficinas, palestras, mostras, feiras, saraus, bingos e muito mais. Nosso acervo é a cultura popular que precisa de espaços, de oportunidades para escrever sua história nesse mundo tão repleto de estaciona-mentos e empreendimentos imobiliários.

CONCLUSÃOPreservar a memória da cultura popular, publicizar

sua relevância juto às novas gerações é acima de tudo, uma tarefa do povo. Não há como esperar que os re-presentantes da elite dominante a realizem, por que é nossa responsabilidade como sujeitos históricos: a transformação social só se conquista encarando os conflitos como fonte positiva de novas ideias e opor-

tunidades. A luta de classes é desleal e passa pela escolha do que preservar, como? Por que preservar? Preservar a história de quem? Nesse sentido, o poder público tem uma responsabilidade grande em legiti-mar e apoiar a preservação daquilo que é de todos, da coisa pública, da história e da cultura popular, dos espaços públicos, seus patrimônios e monumentos. É papel do poder público garantir o acesso, o fomento e a circulação cultural, em cada canto do seu território.

Os vários coletivos culturais em Jundiaí representam um importante ator social, protagonista nessa trans-formação. Vários espaços públicos foram ocupados por eles que promovem um circuito multifacetado de experiências, como a Feira Entorta, os saraus nos bair-ros de periferia e no centro da cidade, as exposições no museu Solar do Barão, na pinacoteca, cineclubes, a Semana do Audiovisual Livre, blocos de carnaval, festas, entre outros. O jundiaiense hoje sai para rua aos finais de semana em busca dessas expressões, a cultura está na praça, nos bairros ao alcance de quem quiser. Essa transformação é possível. Assim se pre-serva, assim se constrói e fortalece a sociedade.

A rede escolar, os movimentos sociais, tais como: as associações de bairro, sindicatos, coletivos de cul-tura, etc não só usufruem desse movimento, integra-dos, como potencializam a qualidade da formação, da universalidade dos seus conteúdos, mais que isso, consolidam um modelo de educação que forma para a cidadania. Essa relação multidisciplinar, de partilha, entre diferentes áreas do conhecimento e sujeitos his-tóricos, no sentido educativo da transformação (edu-cação não formal, educação permanente), permite explorar a integralidade, a omnilateralidade do ser hu-mano, segundo o italiano Antonio Gramsci, que defen-

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de que a luta pela hegemonia não se trava apenas no plano econômico e político, restrito ao que chamamos de relações materiais de produção e poder estatal, mas também na esfera da cultura.

Para ele a elevação cultural das massas é de ex-trema importância no processo de luta hegemônica, na sociedade capitalista, para que o povo possa liber-tar-se da opressão ideológica da classe dominante e elevar-se à condição de sujeitos da sua história, cons-trutores de um bloco histórico.

“A batalha cultural, nesse sentido, represen-ta um fator imprescindível ao processo de construção da hegemonia, à conquista do consenso e da direção político-ideológica por parte das classes subalternas. Exercitá-la consiste, também, na capacidade dos inte-lectuais e do partido político participarem da formação de uma nova concepção de mundo, de elaborarem uma proposta transformadora de sociedade a partir “de baixo”, fazendo com que toda uma classe participe de um projeto radical que “envolva toda a vida do povo e coloque cada um, brutalmente, diante da pró-pria responsabilidade inderrogável” (Gramsci, 1977: 816).

Nesse breve texto, a Ocupa Colaborativa, se des-taca como sujeito relevante da transformação cultural e da luta contra hegemônica, em busca de um a Jun-diaí, livre, leve e democrática. Mais que isso, que essa história coloca a todo junidaiense a seguinte pergunta: Que história você quer contar para novas gerações? A sua ou a dos eternos vencedores?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

LE GOFF, Jacques. História & Memória. Campinas, SP Editora da UNICAMP, 2013.

GRAMSCI, Antonio. Quaderni del carcere. Edição crítica de Valentino Gerratana. Torino, Einaudi, 1977. 4 v

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Resumo: A pesquisa se insere num conjunto de estudos de caso de cidades do planalto paulista, especialmente na região de Campinas. Como metodologia, identificamos a formação urbana inicial da Vila de Jundiaí, desde a sua consti-tuição inicial como Capela de Nossa Senhora do Desterro de Jundiaí (1615), sua organização como Freguesia de Nossa Senhora do Desterro de Jundiaí (1651) e a sua configuração urbana em 1655 quando a freguesia é elevada a Vila de Nossa Senhora do Desterro do Campo Alegre de Jundiaí (1655). Ainda, pretendemos investigar as transformações urba-nas desta vila de Jundiaí até os dias de hoje. Através de documentação primária que nos informa dados relativos à po-pulação de Jundiaí procuraremos reconstituir a formação urbana incipiente da vila. Utilizaremos como documentação de base as plantas cadastrais da cidade de Jundiaí e cartografia disponível. Como resultado, chegamos a comparação da possivel vila de 1667, hoje centro comercial da cidade e pesquisa organizada da historia primaria da cidade de Jundiaí.

Palavras-chave: Formação Urbana, Desmembramento das Vilas, História da Cidade.

Abstract: The research is part of a series of case studies of towns in the upland areas of São Paulo, especially in the Campinas region. As methodology, we identified the initial urban formation at Villa de Jundiaí, since its initial construction with the Chapel of Our Lady of Desterro de Jundiaí (1615), its organization with Parish of Nossa Senhora do Desterro de Jundiaí (1651) and its urban configuration In 1655 when the parish was devoted to Villa of Our Lady of Desterro of Campo Alegre of Jundiaí (1655). In addition, we intend to investigate the urban transformations of this village of Jundiaí until this day. Through primary documentation that informs us about the population date of Jundiaí we will to reconstitute the inci-pient urban formation of the village. As support documentation we will use the cadaster plans and available mapping. As a result, we came to compare the possible village of 1667, with the commercial center of this town.

Keywords: Urban Formation, Dismemberment of Villages, History of City.

VESTÍGIOS DA CONFIGURAÇÃO ESPACIAL ORIGINAL DE JUNDIAÍ: DE CAPELA A FREGUESIA (1651) E DE FREGUESIA A VILA (1655)Por: RENATA DE OLIVEIRA GONÇALVES

PUC-Campinas

[email protected]

Por: IVONE SALGADO

PUC-Campinas

[email protected]

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INTRODUÇÃOFocando na cidade de Jundiaí-SP, este estudo objetivou analisar a formação espacial da área central do mu-

nicípio, que compreende a sua área de fundação desde 1615 até os dias de hoje. Com um vasto território, a Vila de Jundiaí pode ser considerada como célula-mãe de numerosas cidades do interior paulista, gerando desde cidades pequenas até grandes metrópoles, como Campinas e Ribeirão Preto.

Segundo Mazzuia [1], “Os primeiros limites do território sob jurisdição da Vila de Jundiaí consistem do Rio Grande, a Vila de Santana do Parnaíba e a Vila de São Paulo”... “Este território corresponde hoje à região de Campinas e todo o Nordeste do estado de São Paulo, até a divisa com Minas Gerais no Rio Grande.” [IZAIAS, p. 15, 2012] [1].

Figura 01: Linha do tempo dos principais acontecimentos em Jundiaí. FONTE: Acervo próprio.

Com o inicio de seu povoamento em 1615, a partir do desbravamento do sertão em busca de terras, o núcleo urbano se manteve estagnado durante grande período, enquanto novos bairros rurais surgiram, dando inicio a novos povoamentos e vilas.

Hoje, a área de estudo, o centro histórico já delimitado em 1657, é parte da Zona Especial de Interesse His-tórico e Cultural (ZEIHC), a qual entrou em vigor no novo Plano Diretor Municipal, apresentado em 2016.

HISTÓRICOSertão

“Temeroso sertão, mais ignoto e ameaçador que a selva mato-grossense de hoje entre Madeira e Ara-guaia”. “Era povoado por monstros e abantesmas, fenômenos e prodígios...” Esta era a visão de Mato Grosso de Jundiaí, segundo lendas descritas por Si-mão de Vasconcelos [3], em 1594, quando ocorreu uma expedição aos Sertões de Jundiaí com Jorge Corrêa em companhia de Sebastião de Freitas.

A Fundação de Jundiaí

Sobre a “origem” de Jundiaí encontramos diversas versões entre os pesquisadores, sendo localizadas três datas diferentes em função de momentos históri-cos e status distintos para esta consideração. É muito comum encontrar na literatura sobre a fundação de cidades esta polêmica. Alguns historiadores reconhe-cem a fundação de uma vila no momento em que os primeiros povoadores ali estiveram presentes, outros

valorizam o momento da doação de um patrimônio fundiário por parte de um destes primeiros povoados para a formação da capela, outros valorizam a forma-ção da freguesia e, por fim, alguns consideram a data chave aquela da elevação da freguesia à condição de vila.

Ao lermos Marques [1], encontramos a data de 1615 como a data de “origem” de Jundiaí, pois nesta data há registro da presença dos primeiros povoado-res. Já para Mazzuia [4], a “origem” do povoamento se da com a chegada de Rafael de Oliveira, em 1639, acompanhado de sua mulher, filhos, genros, escra-vos, índios forros e homens de arma, ‘’Formavam um aglomerado de mais ou menos trezentas almas’’ [MA-ZZUIA, 1979, p.5] [4].

Em função das controvérsias sobre a fundação de Jundiaí, a Câmara solicitou ao Instituto Histórico e Ge-ográfico que chegou a conclusão que a fundação da vila de Jundiaí data de 1639, e o seu fundador seria Rafael de Oliveira, o Moço. É provável, portanto, que a

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doação do patrimônio religioso para a constituição da capela tenha sido doado por este personagem, o que justificaria para estes autores a valorização da data de 1639.

A Construção da Capela

A igreja, segundo Campanhole, Santos, Giocovate (1944), teve o seu inicio de construção no ano de 1649 e foi terminada em 1651, como indica um letreiro co-locado sob a porta principal, com a inscrição MDCLI (1651). A mesma teve como fundador Rafael de Olivei-ra, o moço e Pedronilha Antunes, os quais, segundo hipóteses expostas no mesmo livro, eram os morado-res mais ricos do núcleo urbano.

Como Marx [6] explica em seu livro: “Através da Igre-ja, de suas instancias de base, umbilicalmente ligadas às do próprio Estado, a tal ponto que se confundiam... com a religiosidade da população cultura.” [MARX, p. 18, 1991] [6].

Sendo assim, podemos considerar a data do termi-no das igrejas como marco da vida religiosa e civil dos centros urbanos no século XVII, pois nesta data ocor-reu à elevação da Capela Curada à condição de Fre-guesia o que permitia agora o registro de nascimen-to, matrimonio, óbito entre outras funções de registro para com o Estado, enquanto sua autonomia religiosa era alcançada pela possibilidade de acesso próximo ao batismo e amparo a população da comunidade.

Além disso, a situação de Jundiaí como “porto seco” foi uma importante função para a formação da rede urbana.

A Vila Formosa de N. S. do Desterro de Jundiaí

Quanto à elevação à Vila, todos os autores são una-nimes na data de 14 de dezembro de 1655. O livro Elementos para a História de Jundiaí (1955) aponta a data de elevação a Vila foi encontrada no Arquivo do Estado, Maço 56, pasta 4, n. 38. “(...) originou-se a Freguesia como Termo da Vila de Parnaíba que, a 14 de dezembro de 1.655 foi elevada a Vila da então Ca-pitania de São Vicente, sob o título de: “A Freguesia de Jundiaí foi elevada a Vila em 14 de dezembro de 1655, por provisão do Conde de Monsanto, donatário da Capitania de São I Vicente, como está em numerosos documentos...” [CAPANHOLE, SANTOS E GICOVATE, p. 40, 1994] [5].

Segundo Makino [6]: “... é em torno do largo da ma-

triz que se construíram edifícios dos órgãos públicos que comandavam a sua vida politico-administrativa, religiosa e cultural. Em geral a igreja e o pelourinho se erguiam no mesmo logradouro, mas em Jundiaí es-tavam em dois locais distintos. Unindo-os havia duas ruas paralelas: a Direita e a do Pelourinho (atual Rua do Rosário). Esta, após o largo da matriz, denomina-va-se “dos Antunes”., p. 45-46, 1981] [6].

Figura 02: Planta adaptada por Geraldo B. Tomanik (Mapa 1), formulada a partir da leitura de ‘‘cartas de data’’ compi-ladas por Mario Mazzuia. Representa o núcleo urbano da Villa Fermosa de Nossa Senhora do Desterro de Jundiahy no ano de 1657. Fonte: MAZZUIA, Mário. Jundiaí através de documentos. Campinas, SP: Editora Palmeira Ltda.

1976.

Sobre as casas, Reis Filho [6] “As técnicas cons-trutivas eram geralmente primitivas. Nos casos mais simples as paredes eram de pau a pique, adobe ou taipa de pilão e nas residências mais importantes em-pregavam-se pedra e cal. O sistema de cobertura em telhado de águas procurava lançar uma parte da chu-va recebida sobre a rua e a outra sobre o quintal...” [MAKINO, p. 45-46, 1981] [6]

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EDIFÍCIOS DE CONTROLE RELIGIOSO E POLÍTICO PRESENTES NO NÚCLEO URBANO DA VILA

Igreja Matriz.

Como já dito anteriormente, a Igreja Matriz foi cons-truída no ano de 1651, tendo como técnica construtiva a Taipa de Pilão e tendências arquitetônicas Barroco--Portuguesas. Complementada pelo Largo da Capela, a igreja trouxe a elevação da pequena Capela à Vila.

A Igreja Matriz de Jundiaí foi reformada em 1886 segundo o site da Igreja Matriz [7]: “Em 1886, seguindo projeto do arquiteto Ramos de Azevedo, a então Igreja de Nossa Senhora do Desterro passa por grande reforma e tem totalmente alterado seu estilo para Neogótico. Carregado de simbolismo teológico.”

Figura 03: Desenho de William John Burchell da Igreja do Desterro e Largo, 1827. Fonte: BEM, Sueli de. Conversa

de Patrimônio em Jundiaí. EDUSP, São Paulo, 2014.

Poucas mudanças ocorreram da reforma de Ramos de Azeve-do até o ano de 1921, quando, segundo site da Igreja Matriz [7], “Passou a ter abóba-das ogivais, recebeu vitrais e as paredes ganharam belíssimos afrescos do artista plástico italiano Arnal-do Mecozzi... Há pou-cos registros, mas as indicações são de que a igreja passou por ou-tras transformações. A reforma mais expres-siva na década de 50.

Bem mais tarde, entre 1997 e 2000, a Catedral sofreu reformas estruturais e foi restaurada integralmente...”

Figura 05: Imagem da Igreja do Desterro e Largo em mea-dos do século XX. Fonte: Centro de Memória de Jundiaí.

Figura 06: Imagem atual da Igreja do Desterro e Largo. Fonte: Acervo Próprio

Casa de Câmara e Cadeia

Segundo a ata da Câmara Municipal de Jundiaí [8], no dia 24 de dezembro de 1666, fica claro que a reunião foi realizada em “casa deputada” por “falta de casa apropriada”, ou seja, a câmara se reuniu na casa de algum morador da cidade por não existir naquele tempo um edifício específico para a Câmara Municipal.

Continuando a análises de tais documentos, veri-ficamos a repetição de tal registro de “falta de casa apropriada” durante os próximos 162 anos dos resu-mos das atas analisadas. A partir da Vereação de 30

Figura 04: Imagem da Igreja do Desterro após reformas. Fonte: Centro de Memória de Jundiaí.

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de Janeiro de 1825, se encontra “Paço do Conselho” como local de encontro da câmara “Aos 30/01/1825, nesta vila de Jundiaí, comarca da cidade de São Pau-lo, no Paço do Conselho, onde se convocaram o Juiz Presidente, o Capitão Francisco da Costa Alves, os Vereadores e o Procurador...” [MAZZUIA, 1976, p.62] [8]. O termo se repete em outras atas posteriores, e em 27 de novembro de 1865 temos como local regis-trado do encontro a “sala da Câmara Municipal”.

Quanto à cadeia, temos relato da mesma no lote 96 do mapa recriado por Tomanik e encontrado no livro do Mazzuia (figura 02), mas não existe registro fotográ-fico nem descritivo encontrado em minha pesquisa da cadeia neste local, atualmente o lote abriga uma loja de roupas e não possui nenhum resquício do antigo local histórico, preservando apenas o lote original.

AS RUAS PRINCIPAIS Após consultarmos o Código de Postura do ano de

1900, lei nº 73 [9], que mostra que mesmo em 1900 muitas regras se mantiveram da época primitiva em re-lação à arquitetura, como: preocupação com o alinha-mento das edificações “TITULO 2 – Das Habitações em geral Art. 9 – Todo aquele que tiver de construir ou reconstruir prédios, muros ou calcadas, deverá pre-viamente solicitar o intendente municipal o cometente alinhamento sob pena de 20$000 de multa.” e de ca-ída do telhado “TITULO 2 – Das Habitações em geral Art. 16 – Não é permitido dentro do perímetro urbano: a) Construírem-se casas de meia-água, ainda mes-mo dentro do terreno”, o que fez manter a paisagem antiga até um período posterior com alterações mais jovens e por não possuirmos registros de nosso perí-odo de foco de estudo (1657), optamos por comparar fotos antigas do casario do centro urbano para assim comparar com a atualidade.

Rua da Direita

Observamos pelas imagens abaixo o Largo da Ca-pela, com as residências todas na testada do lote. Além disso, vemos hoje uma verticalização desse cen-tro histórico, com a presença apenas de dois edifícios mantidos: o hoje Museu Solar do Barão e uma casa tombada onde hoje se encontra a loja “Pernambu-canas”. Percebemos também a mudança no uso da região central, onde antes sua maior parte era residen-cial e hoje se encontra como comercial.

Figura 07: Imagem da Rua da Direita na década de 1940. Fonte: Centro de Memória de Jundiaí.

Figura 08: Imagem da Rua da Direita no ano de 2016. Fonte: Acervo Próprio.

Já nas imagens 09 e 10, temos outro ponto da via, a qual observamos a mudança total da paisagem ur-bana e central. Com a demolição e construção de novos edifícios e a mudança no recuo, principalmen-te na esquina, com a criação do banco Santander e a Casa da Cultura. Percebemos também a diferença na largura da rua, onde antes possuía uma calcada estreita e um leito carroçável largo, hoje temos o con-trário, com um passeio da esquerda bem maior do que anteriormente.

Figura 09: Imagem da Rua da Direita no século XX. Fonte: Centro de Memória de Jundiaí.Figura

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10: Imagem da Rua da Direita no ano de 2016. Fonte: Acervo Próprio.

Rua dos Antunes

Na atual Rua do Rosário observamos diversas mu-danças na paisagem, forma e alinhamento. Observa-mos na esquina a construção de um prédio com um recuo bem marcado e uma projeção de cobertura, algo não presente na época. Já a casa ao lado pode-mos observar que se manteve a forma, mas também com mudanças na fachada, com simplicidade na or-namentação e uma reconstrução da cobertura.

Figura 11: Imagem da Rua dos Antunes no século XX. Fonte: Centro de Memória de Jundiaí.

Figura 12: Imagem da Rua do Antunes no ano de 2016. Fonte: Acervo Próprio.

CONSIDERAÇÕES FINAISA formação urbana de Jundiaí teve seu início como

Capela ao possuir uma pequena igreja no centro de um núcleo urbano que se formava junto com o au-mento do bandeirantismo e por seu posicionamento estratégico no Caminho de Goyases, dando sua ca-racterística de “Porto Seco”, até que, devido ao cres-cimento populacional da região se estabeleceu uma igreja Matriz com financiamento de duas famílias ricas do povoado, se consagrando como Villa de Nossa Se-nhora do Desterro de Jundiahy em 1655.

Apesar disso, seguiu um caminho um pouco dife-rente em relação à espacialização de seus instrumen-tos de ordem da Vila. Possui a igreja em seu centro, como de costume, mas optou pela colocação de seu pelourinho e a Cadeia em local distante da mesma, ligados por duas ruas paralelas: a Rua Direita e a Rua dos Antunes, onde em outras cidades paulistas os mesmos normalmente eram colocados no Largo da Matriz. Além disso, não possuiu no início da formação urbana o edifício da Casa de Câmara. A mesma só foi construída aproximadamente 1825, apesar de possuir a câmara como instituição e esta se reunia na casa de um dos moradores.

Percebemos, ao comparar a vila antiga com a atual, uma verticalização excessiva e mudanças no uso da mesma, assim como pode ser observado em diversas, se não em todas, as cidades do interior pau-lista. A tendência destes locais centrais nos dias de hoje é o uso comercial, pelo acesso rápido e fácil de qualquer que seja o destino e a verticalização é uma demanda da sociedade atual, mas com ela perdemos diversos edifícios históricos, que foram demolidos para dar lugar a este processo.

Como memória do século XVII, segundo regis-tros e estudos aqui explicitados, podemos observar o traçado das vias, com a mesma divisão de lotes, que se manteve quase que integralmente, o posicio-namento dos 3 largos: Largo de São Bento, Largo da Capela e Largo do Pelourinho, apesar da inserção de edifícios importantes como o Fórum em um deles, e o local da Igreja Matriz e do Mosteiro de São Bento.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[3] GONÇALVES, Waldemar. Jundiaí: Edição His-tórica.

[4] MAZZUIA, Mário. Jundiaí e sua história. Jun-diaí, SP: PMJ, 1979. (981.61 M479j, Coleção Esp.- Odilon N. Mattos)

[5] CAMPANHOLE, Adriano; SANTOS, Wanderley dos; GICOVATE, Moisés. Aditamentos à historia de Jundiaí. São Paulo: Literarte, 1994.

[6] MARQUES, Juliano Ricardo. Jundiaí, um im-passe regional – O papel de Jundiaí entre duas regiões metropolitanas: Campinas e São Paulo. Dissertação de Mestrado USPFFLCH , São Paulo; 2008.

[7]http://www.catedral.dj.org.br/index.php?op-tion=com_content&view=article&id=1&Itemid=2 aces-sado em 15/07/2016 às 16:30 horas

[8] MAZZUIA, Mário. Jundiaí através de documen-tos. Campinas, SP: Editora Palmeira Ltda. 1976.

[9] Centro de Memória de Jundiaí, 2016.