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SUMÁRIO Título Páginas
Parque do Povo: “tribo urbana” e território COSTA, Álvaro Expedito da
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Representações sociais do bairro Brasil Novo em Presidente Prudente- SP NOGUEIRA, Ana Claudia; GOÉS, Eda Maria
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Reestruturação produtiva e alterações na localização industrial – um estudo sobre o ordenamento das indústrias calçadistas no tecido urbano da cidade de Franca-SP SILVA, Anderson Alberto da
561
A relação entre expansão urbana, desemprego e ocupação na região metropolitana de Belo Horizonte ARAÚJO, André Luiz de
575
A centralidade urbana na zona norte de Londrina – PR BEIDACK, Andréa Rodrigues dos Santos
585
Ações do poder local, lógicas de localização industrial e industrialização em cidades médias: um estudo sobre o caso de São José do Rio Preto - SP BEZERRA, Beatriz Zaineldim
601
Articulações e consequencias da modernidade e da pós-modernidade na cidade contemporânea DAL POZZO, Clayton Ferreira
615
Uma análise comparativa dos sistemas urbanos dos estados do Paraná e São Paulo REOLON, Cleverson Alexsander; MIYAZAKI, Vitor Koiti
627
O impacto da perda da gestão plena: “diagnóstico de situação da saúde do município de Presidente Prudente” OLIVEIRA, Dayana Aparecida Marques de
641
História oral, memória e identidade: a formação dos lugares URCINO, Deise Campos
649
Cidades médias, crescimento econômico e exportações: uma análise de Presidente Prudente e São José do Rio Preto – SP PEREIRA, Denise Marini
659
A cidade como uma obra: proposta para a “carta de Presidente Prudente: por um urbanismo mais humano” AMORIM, Fernando de Oliveira
671
Segregação urbana em Três Lagoas-MS: a vila Zuque no contexto socioambiental urbano LEAL, Greisse Quintino
683
Os limites e as potencialidades do estatuto da cidade: um olhar sobre o IPTU progressivo no tempo SILVA JUNIOR, Jovelino José da
689
O papel do shopping center na redefinição da centralidade urbana. Catuaí shopping e Royal Plaza shopping – Londrina (PR) DEVAI, Luis Eduardo
703
Região metropolitana de Florianópolis: o transporte coletivo intrametropolitano: análise e discussões e o tratamento da temática sobre o transporte marítimo BRÚSSOLO, Rafael Gotardi
715
Condomínios empresariais em áreas metropolitanas do estado de São Paulo: uma nova estratégia imobiliária FINAT, Rodolfo
727
Contribuição para o estudo da temperatura e da umidade relativa do ar na cidade de Teodoro Sampaio/SP VIANA, Simone Scatolon Menotti; AMORIM, Margarete Cristiane de Costa Trindade
733
Análise da paisagem: uma visão integrada dos elementos da “Cidade da Criança” – Presidente Prudente/SP RODRIGUES, Tais Scheel; SILVA, Maria Clara Piai da
749
Geoprocessamento e expansão urbana: uma experiência de estágio SANTOS, Thais Helena dos
763
Dinâmicas espaciais urbanas a partir da globalização: o caso de Mogi -Guaçu – SP CARVALHO, Ulysses Melo.
767
A rede urbana e a teoria das localidades centrais: contribuições para análise AMORIM, Wagner Vinicius
779
PARQUE DO POVO: “TRIBO URBANA” E TERRITÓRIO
Álvaro Expedito da Costa Email: [email protected]
Aluno do curso de Bacharelado em Geografia. Universidade Estadual Julio de Mesquita de Filho
– FCT – Campus de Presidente Prudente. Claudemira Azevedo Ito
DIVERSIDADE DE GRUPOS: A CONTEXTUALIZAÇÃO DE “TRIBOS URBANAS”
Ao ouvir falar em “tribo urbana” muitos já correlacionam com os punks,
caracterizando-os como um grupo de pessoas que é facilmente reconhecido por suas
vestimentas e acessórios: calças jeans ou pretas, jaqueta de couro com muitos alfinetes e
rebites, penteado exótico e cabelos coloridos, com destaque ao corte moicano. E realmente
é assim que grandes partes dos punks se vestem. Porém, será que toda “tribo urbana”
possui um modo de se vestir bem caracterizado? Possui um local de encontro? Formou-se
da mesma maneira? Essas são algumas das muitas questões levantadas pela temática.
O assunto tem levantado grandes discussões no meio acadêmico por profissionais
de várias áreas como: antropólogos, historiadores e mais recentemente por geógrafos. Mas
qual seria a contribuição do geógrafo para esta discussão. Todavia para tentar compreender
melhor, vejamos como o termo tem sido conceituado. Na perspectiva de Frehse (2006),
tribos urbanas seriam “micro grupos” que marcados pela “unissexualização” de aparência
física, dos usos dos corpos e do vestuário, acabariam mediante sua sociabilidade, contestar
o próprio individualismo vigente no mundo contemporâneo. Para Magnani (1992), o termo
serve para designar uma tendência oposta ao gigantismo das instituições e do Estado nas
sociedades modernas: as tribos permitiriam agrupar os iguais, possibilitando-lhes intensas
vivências comuns, a criação de códigos de comunicação e comportamentos particulares.
Sendo assim, pode-se dizer que “tribo urbana” é a união de pessoas que apresentam
singularidades não só no modo de se vestir, mas também de pensar. Corroborando essa
idéia, Araújo afirma que “tribo” nada mais é que uma metáfora para explicar a existência de
agrupamentos tipicamente urbanos, os quais constroem uma identidade própria,
identificando-se uns com os outros.
APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO: TERRITÓRIOS DA DIVERSIDADE NO PARQUE DO POVO
Contudo, qual seria a inclusão da geografia com a questão das tribos
urbanas?Sendo assim, nos remeteremos ao conceito de território tão amplamente discutido
na geografia para melhor entender esta questão.
COSTA, Álvaro. E.; ITO, Claudemira A. Parque do povo: “tribo urbana e território”
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Na discussão feita por Haersbaert (2004), o território é analisado em suas mais
diversas formas. Para o autor, esse conceito é polissêmico, apresentando-se em três
vertentes principais: o território político – referenciado no poder, um espaço delimitado e
controlado, confundindo-se muitas vezes com o Estado – Nação; o território econômico –
área como fonte de recurso incorporada à relação capital – trabalho; e o território cultural -
como um produto de uma apropriação e/ou valorização simbólica.
Partindo desta conceituação, entende-se que “tribos urbanas” constituem territórios,
pois a apropriação do espaço, por esses grupos, e o encontro com os iguais provocam
microssegregacões e microterritorializações, singularizando pequenas partes do espaço do
parque, da praça ou dos lugares onde esses grupos se encontram. Raffestin (2008), afirma
que a formação de um território implica em comunicação, em função da qual um indivíduo
informa ao outro suas intenções e o espaço que eles ocupam. Além disso, Mesquita (2008)
diz ser nítido que as “tribos urbanas” são formadoras de territórios. A requisição, a posse ou
o controle espacial, mesmo que temporário expressam relações de poder intimamente
ligadas às maneiras de agir sobre os outros, diferenciando quem controla e quem é
controlado em um dado terreno. Vê-se que a geografia tem muito contribuir para o melhor
entendimento das “tribos urbanas”.
Considerando-se a relação existente entre “tribo Urbana” e território este trabalho
propõe analisar esse vínculo, identificando e analisando as tribos existentes em um
determinado recorte espacial. É utilizado para pesquisa o Parque do Povo, localizado na
porção sudoeste da cidade de Presidente Prudente - SP, sendo considerado como um
parque linear, com cerca de 3 km de extensão possuindo em seu interior áreas de múltiplos
usos, que incluem pista de caminhada, quadras poli esportivas, lanchonetes e quiosques
sendo utilizado também para eventos como shows e apresentações teatrais.
No ano de 1976, durante mandato do então prefeito Walter Lemes Soares, foi
apresentado à população da cidade o projeto denominado “Fundo de Vale” objetivando o
saneamento ambiental da área onde se encontra o Córrego do Veado com a implantação de
áreas verdes, áreas de lazer e de esportes, recuperando assim esse fundo de Vale.
Desde então o parque passou por algumas reformas principalmente no que diz
respeito à canalização. Atualmente é utilizado por moradores de distintas partes da cidade
para vários fins tais como: ponto de encontro, área de lazer, caminhadas etc.
Caracterizando-se como extenso espaço social, onde a conduta e o relacionamento das
pessoas produzem as mais diversas formas de apropriação deste mesmo espaço, pois se
verifica que os espaços públicos podem privilegiar as trocas humanas através do lazer e
comunicação.
No Parque do Povo foram observadas áreas específicas utilizadas por grupos
distintos em respeitados horários e dias da semana. Percebe-se que determinadas áreas
são freqüentadas por alguns grupos sociais diferentes, muitas vezes relacionadas aos
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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equipamentos (pista de skate, academia da terceira idade etc.) instalados nessas áreas
outras vezes não, como por exemplo, público homossexual, grupos de “emos”.
Tais evidências são corroboradas por Gomes (2006) que afirma:
A cidade deve apresentar diversidades de usos que se sustentem e apóiem uns nos outros, tanto econômica quanto socialmente. A diversidade de usos traz a diversidade de usuários, tanto na rua como na praça pública. Portanto, a qualidade dos espaços influencia a sua apropriação. GOMES, p.10
Algumas constatações sobre a apropriação do espaço do Parque do Povo indicam
uma associação com a proximidade de equipamentos de lazer e comércio. Exemplo disso é
a aglomeração de grupos de adolescentes e jovens que se encontram nas áreas de
estacionamento do Prudenshopping nos finais de tarde e noites de sábado.
Para a realização desta pesquisa estão sendo realizadas visitas e entrevistas aos
usuários do Parque do Povo, em diversos horários e dias da semana. Também serão
entrevistados os proprietários dos estabelecimentos comercias próximo ou situados no
parque, com o objetivo de compreender questões como: quando começou a formar esses
grupos, freqüência e permanência dos mesmos.
Em função da observação e constatação dessas “tribos urbanas” que na maioria das
vezes se microterritorializam será feito um mapa temático identificando esses pontos no
Parque do Povo. Com a construção do mapa e da realização da pesquisa será possível
verificar se os equipamentos que o parque dispõe realmente estão sendo utilizados da
maneira para o qual foi projetado ou é utilizado de outras formas. Pretende-se também
entender o porquê da formação dessas tribos nos respectivos lugares e avaliar de que forma
elas interferem no cotidiano do parque.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO, Rogério Bianchi de. Neotribalismo – o predomínio da estética local sobre a ética global. Revista Cenário da Comunicação. São Paulo, v.2, 2003. FREHSE, Fraya. As realidades que as "tribos urbanas" criam. Revista Brasileira Ciências Sociais. São Paulo, v. 21, nº 60, 2006. GOMES, Frederica S. G. Diversidade de grupos, características físico espaciais e apropriação: do espaço urbano em cidades de crescimento recente. 2006. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. HAERSBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” a multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. MAGNANI, José Guilherme C. Tribos urbanas: metáfora ou categoria? Revista dos alunos de pós-graduação em Antropologia, São Paulo, nº 2, ano 2, 1992.
COSTA, Álvaro. E.; ITO, Claudemira A. Parque do povo: “tribo urbana e território”
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MESQUITA, Maria E. A.; MAIA, Carlos E. S. Territórios e territorialidades urbanas em Goiânia: as tribos dos moto clubes. Boletim Goiano de Geografia, Goiânia v. 27, nº 3, jul./dez. 2007. RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.
REPRESENTACOES SOCIAIS DO BAIRRO BRASIL NOVO EM PRESIDENTE PRUDENTE- SP
Ana Claudia Nogueira [email protected]
Aluna Bacharelado em Geografia FCT- Unesp- Presidente Prudente
Eda Maria Goés
[email protected] Professora do Depto de Geografia FCT- Unesp- Presidente Prudente
Resumo: Considerando os estereótipos criados acerca dos bairros periféricos como sendo “lugares perigosos” é que escolhemos pesquisar o Brasil Novo, um dos bairros periférico de Presidente Prudente, localizado na Zona Norte da cidade, que compreende uma área de baixa e média exclusão social. Os objetivos que procuramos atingir foram: investigar se os aparelhos urbanos do bairro atendem as necessidades de seus moradores e, principalmente, considerando os aspectos relacionados à insegurança, como a ocorrência de crimes violentos e a presença do tráfico de drogas costumam influenciar fortemente a imagem da periferia pobre das cidades. Diante disso, pretendemos caracterizar as representações sociais do Brasil Novo e identificar as relações que seus moradores estabelecem com as outras áreas e moradores da cidade, com base em entrevistas. Além disso, procuramos saber como o bairro é representado num jornal local a partir de matérias referentes ao Brasil Novo do período de 1990 a 2003. Para este tipo de pesquisa, valorizando o ponto de vista do entrevistado, suas experiências, bem como o papel da mídia na elaboração de determinadas imagens geradas sobre fatos, pessoas e lugares, adotamos a perspectiva das representações sociais. Assim, concluímos que tais representações se caracterizaram pela duplicidade, incluindo, simultaneamente, espaço para denúncias e reivindicações, por um lado, e estigmatização, por outro. Palavras-chave: produção do espaço urbano; representações sociais; violência urbana; Presidente Prudente-SP, Brasil Novo. INTRODUÇÃO
Uma das características marcantes das cidades contemporâneas tem sido o
aumento da violência. Cotidianamente os meios de comunicação veiculam notícias a este
respeito, a criminalidade parece estar presente em todos os lugares. Soma-se a este fator a
fragilidade ou a desestrutura da polícia brasileira desprovida dos aparatos técnicos
necessários para combater o crime. Os policiais são muitas vezes despreparados, agindo
energicamente sempre que encontram situações de risco, isto é, quando se deparam com
um suspeito que é quase sempre, negro, pobre, nordestino, maconheiro, adolescente. Tais
traços representam autorizações prévias que permitem as práticas abusivas (ENDO, 2005,
p.81).
Em “Cidade de Muros”, Caldeira (2000), analisando a questão da violência,
sobretudo na cidade de São Paulo, afirma que ainda mais preocupante que o aumento do
crime violento é o papel e atuação das instituições da ordem que parece provocar mais o
aumento da violência do que o seu controle. Em São Paulo, assim como em outras cidades
brasileiras, a polícia é parte do problema da violência. O uso de métodos violentos, ilegais
ou extralegais por parte da polícia é antigo e amplamente documentado (CALDEIRA, 2000,
NOGUEIRA, Ana C.; GÓES, Eda M. Representações sociais do Bairro Brasil Novo ...
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p.135).
Assim, na reestruturação do espaço urbano, determinadas áreas, sobretudo as
periferias, passam a ser apontadas e entendidas como redutos da violência, onde surge e
ou vive o crime e o criminoso. Mas esse processo não é exclusivo das metrópoles, como
muitas pesquisas parecem sugerir. No âmbito do GAsPERR (Grupo de Pesquisa, Produção
do Espaço e Redefinição do Espaço Urbano), há trabalhos que discutem entre outros
aspectos, a produção do espaço urbano através da segregação espacial em cidades médias
do interior paulista, entre estes, “Urbanização difusa, espaço público e insegurança urbana”
(Eda Góes, Maria Encarnação B. Spósito e Oscar Sobarzo, financiado pela Fapesp), projeto
que envolve as cidades de Marília, São Carlos e Presidente Prudente. Outros projetos que
se ligam a este já foram desenvolvidos: “Insegurança urbana e produção da cidade:
mudanças desencadeadas pela presença dos novos presídios no Oeste Paulista” (Éden C.
Carli, Fapesp), “A legislação urbanística, o condomínio e o parque em São Carlos” (Ricardo
G. Lante, Fapesp), “Novas morfologias urbanas: a produção de condomínios fechados em
Presidente Prudente – SP” (Clayton F. Dal Pozzo, Fapesp) e “Insegurança materializada no
cotidiano: uma análise do bairro Jardim morada do Sol - Presidente Prudente- SP” (Cristina
B. Gross Machado, Fapesp).
Considerando os estereótipos criados acerca das áreas periféricas representadas
quase sempre como lugares “perigosos” é que desenvolvemos essa pesquisa, estudando
um dos bairros periféricos da cidade de Presidente Prudente, o Brasil Novo (ver mapa 1).
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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Mapa 1 – Localização do bairro Brasil Novo
O Bairro Brasil Novo localiza-se na porção norte da cidade, é composto por lotes
urbanizados e pelas unidades residenciais do Conjunto Habitacional. Segundo Silva (2005),
o bairro surgiu no ano de 1990, com a aprovação do Conjunto Habitacional, tendo a
Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), como agente promotor.
Com o intuito de atender ao excedente de pretendentes a moradia, cadastrados na
implantação do Conjunto Habitacional Ana Jacinta, foi encaminhado paralelamente o Projeto
dos Lotes Urbanizados, que tinha originalmente a pretensão de realizar o remanejamento de
antigos moradores de favelas.
Na área destinada ao loteamento urbanizado, alguns lotes foram doados aos
moradores de favelas e a maioria dos lotes foi vendida para famílias de diversas áreas de
Presidente Prudente. Os critérios para obtenção dos lotes comercializados foram os
seguintes: baixa renda, família constituída e não ser proprietário de nenhum outro imóvel.
Segundo a Prefeitura Municipal, a necessidade da implantação do loteamento deu-se
por conta do déficit habitacional e devido ao grande número de áreas públicas ocupadas
irregularmente. Esta tem sido a solução encontrada pelo Poder Executivo Municipal para
amenizar parte do problema de forma compatível com os recursos disponíveis.
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A gleba onde foi implantado o loteamento inicialmente não era da Prefeitura
Municipal, tratava-se de uma propriedade rural não utilizada devido à sua proximidade com
a malha urbana. Desse modo, o Brasil Novo foi implantado fora do perímetro urbano, que foi
ampliado em 1996, com o Plano Diretor. Assim, a origem do bairro se relaciona ao modo
como se deu o crescimento da própria cidade.
Segundo Silva (2005, p. 11), a cidade de Presidente Prudente foi crescendo de forma
descontínua, deixando terrenos vazios em sua malha urbana. A produção do espaço urbano
teria ocorrido apoiada na especulação imobiliária e nas práticas do poder público na escolha
de localizações distantes para a implementação de programas habitacionais. Nos
loteamentos periféricos se instalou uma população bastante desprovida de recursos locais,
às vezes com carência de infra-estrutura. Desse modo, a cidade se caracteriza por uma
separação entre locais de moradia das diferentes camadas sociais, com acesso diferenciado
ao seu espaço urbano, de um modo prejudicial aos menos favorecidos economicamente,
gerando em alguns casos contextos de segregação socioespacial.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Considerando que os aspectos relacionados à insegurança, como a ocorrência de
crimes violentos e a presença do tráfico de drogas costumam influenciar fortemente a
imagem da periferia pobre das cidades, nosso principal objetivo foi caracterizar a imagem do
bairro, com base nos depoimentos de seus moradores, levando em conta tais aspectos.
Além disso, procuramos identificar as relações que os moradores do Brasil Novo
estabelecem com as outras áreas e moradores da cidade.
Isso, sem desconsiderar o papel que a mídia desempenha na propagação das
informações em especial a partir da produção de reportagens de cunho sensacionalista. Daí
a necessidade de se analisar na mídia impressa, as principais notícias referentes à periferia
de Presidente Prudente e em especial ao Bairro Brasil Novo. Para tanto foram utilizados os
seguintes procedimentos metodológicos: levantamento bibliográfico referente às temáticas
abordadas; realização de visitas freqüentes ao bairro; realização de entrevistas junto aos
moradores do bairro (comerciantes e não comerciantes) e também a alguns cobradores e
motoristas que trabalham em linhas de ônibus que atendem ao bairro; registros fotográficos
e consulta ao jornal local O Imparcial no período de 1990 – 2003, atentando para as notícias
sobre o Bairro Brasil Novo, o que proporcionou uma aproximação da visão sobre os
moradores do bairro, elaborada por outros moradores da cidade, além de viabilizar a coleta
de informações sobre a história do bairro e seus problemas.
Para este tipo de pesquisa que leva em conta o papel da mídia na elaboração de
determinadas imagens geradas sobre fatos, pessoas e lugares, mas que valoriza também o
ponto de vista dos entrevistados, sua visão de mundo, suas experiências, adotamos a
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perspectiva das representações sociais que:
Representam por excelência, o espaço do sujeito social, lutando para dar sentido, interpretar e construir o modo em que ele se encontra [...] ela oferece a possibilidade da novidade, da autonomia, daquilo que ainda não existe, mas poderia existir. Elas são nesse sentido uma relação com o ausente e um meio de evocar o possível. É importante ressaltar que não há qualquer tentativa de negar o poder das estruturas sociais. Também não se trata de conferir autonomia à ordem simbólica. Há sim uma relação entre o material e o simbólico. (JOVCHELOVITCH, 2000, p. 41).
A representação social é sempre uma referência de alguém sobre alguma coisa, seu
caráter imaginante e construtivo a faz criativa e autônoma. A autora ressalta também a
importância das representações sociais no estudo da atuação da mídia na produção de
significados e valores de uma sociedade, dadas as formas como a mídia transforma, e de
certa maneira define a circulação de bens simbólicos em sociedades contemporâneas
(JOVCHELOVITCH, 2000, p. 92).
Ao trabalhar com grupos focais, cada grupo constituiu-se de categorias sociais
diferentes, que foram selecionados de acordo com sua relevância para o objeto da
investigação, a autora demonstrou a importância de permitir a expressão de vozes
singulares que, ao falar de suas experiências e debatê-la em público, poderiam revelar a
diversidade da realidade social e sua relação com essa realidade. Nesse sentido, optamos
por escolher cuidadosamente nossos entrevistados e as questões propostas durante a
realização das entrevistas, preocupando-nos assim, com dados qualitativos e não
quantitativos, uma vez que estes atendem mais expressivamente os anseios de nossa
pesquisa.
O BRASIL NOVO NO JORNAL
Tabela 1- Notícias publicadas no jornal O Imparcial 1990-2003
Período Total de noticias publicadas
criminalidade Infra-estrutura
Outras notícias
1990 – 2003 163 79 44 40
Na pesquisa realizada no jornal, chamou a atenção o grande número de notícias
sobre ocorrências violentas, o que contribui decisivamente para conferir ao bairro uma
caracterização violenta, tanto por lá ocorrerem crimes, quanto pelo fato de residirem
pessoas que praticam algum tipo de delito.
Quanto à veiculação de notícias referentes aos problemas de infra-estrutura, não
podemos desconsiderar o aspecto positivo do papel de divulgação desempenhado pela
mídia, que acaba por servir como canal de ligação, tornando possível a interlocução entre
moradores e os responsáveis por propiciar a resolução de tais problemas.
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Atualmente o Brasil Novo apresenta uma boa infra-estrutura, segundo opinião dos
moradores, que atribuem a presença dos equipamentos urbanos às suas constantes
reivindicações , bem registradas no jornal consultado.
Durante a realização das entrevistas, uma das questões abordadas dizia respeito ao
preconceito que os moradores do Brasil Novo enfrentam, por parte dos moradores de outras
áreas da cidade. Assim, quando perguntamos aos entrevistados se eles já ouviram algum
tipo de comentário ruim sobre o bairro, as respostas foram todas afirmativas, prevalecendo a
associação entre violência e pobreza, presente na maioria dos depoimentos. Em seguida,
destacamos alguns trechos das falas dos entrevistados referindo-se aos comentários que
costumam ouvir sobre o bairro:
“que é muito longe do centro, que fica na periferia, minhas irmãs mesmo sempre falam. Falam que eu deveria morar mais perto do centro e não aqui, dizem que não vem me visitar porque eu moro longe.”
“As pessoas falam: Nossa, você mora lá naquele final de mundo!”
“Que é violento, que só tem favelado, essas coisas.”
“Violento era antigamente. Que era muito violento aqui antigamente. Aí manchou um pouco a história do Brasil Novo.”
Neste último caso, o entrevistado afirmou que o bairro tem a fama de ser violento,
porém, que não é, não mais, que fora violento no passado. Por um lado, identificamos uma
certa lamentação na sua fala, quando afirma que “manchou a história”, ou seja, trata-se de
um bairro bom, mas por conta de alguns eventos ocorridos no passado, atualmente ainda
carrega o estigma de ser violento, quando na verdade não o é. Por outro lado, podemos
identificar também um aspecto positivo na “história do Brasil Novo”, de superação de
problemas (ou ao menos de alguns deles) que, no entanto, não é identificado e reconhecido
pelos outros moradores da cidade. Nesse caso, a lamentação tem outro sentido.
Conforme nossas entrevistas indicaram, na percepção de muitos moradores, trata-se
de um bairro tranqüilo, porém, seja em função de sua história, seja do desconhecimento dos
outros moradores da cidade, conforme sugerido em alguns dos depoimentos anteriores, o
bairro continua a ter uma representação social violenta.
ENFRETANDO A VIOLÊNCIA NO BRASIL NOVO: PERCEPÇÕES, REAÇÕES E EXPLICAÇÕES
Um dos principais temas abordados em nossa pesquisa é a violência urbana. Com
base em Adorno (2005), levamos em conta a existência de três dimensões da violência no
cenário brasileiro atual - as percepções (que incluem as reações), os fatos e as explicações
- procurando abordar todas elas em nosso roteiro de entrevista.
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Começando pelos fatos, pudemos identificar nas respostas dos entrevistados alguns
tipos de violência mais freqüentes no Brasil Novo, com destaque para o furto, a violência
inter-pessoal (marido que bate na mulher), roubo em estabelecimentos comerciais e
residências. Em alguns casos a violência inter-pessoal parece associar-se tanto à ingestão
de bebida alcoólica, quanto ao uso de entorpecentes. Em seguida destacamos trechos das
falas de alguns moradores referentes ao fato de já terem presenciado algum tipo de
violência no bairro e sua descrição:
“entre família sim, mulher com o marido, o homem chega em casa bêbado e bate na esposa, nos
filhos” “meu irmão, ele teve desentendimento com a minha cunhada na casa dele e ele tinha bebido, então
ele tava muito violento”
A violência inter-pessoal parece ser banalizada, tratada como um acontecimento
comum presente na vida das pessoas que sofrem essa violência, na verdade, muitas vezes,
não só de quem a sofre, mas de quem a presencia. Quanto aos roubos, tanto em
estabelecimentos comerciais, quanto em residências, as ocorrências parecem estar ligadas
ao consumo de drogas, uma vez que todos os entrevistados disseram saber da ocorrência
do tráfico de drogas no bairro,
Uma entrevistada, relatando que já sofreu violência no bairro, contou-nos:
“Há uns dois meses atrás fui roubada pelas minhas primas, fizeram que foram embora, eu saí e meus primos voltaram e me roubaram porque são usuários de drogas. Levaram som, TV, DVD,
microondas e mais alguns objetos.”
“Problemas com drogas no bairro tem bastante, às vezes a gente vê que é molecadinha nova até.”
A questão das drogas, do tráfico, não só comparece no bairro, como tem os jovens
como seu principais protagonistas, assim como acontece nas periferias das grandes
cidades. Do ponto de vista das suas relações com a violência e do protagonismo dos jovens,
as falas seguintes parecem tentar justificá-los:
“as pessoas não têm perspectiva, os jovens não têm perspectiva, a pessoa termina o segundo grau e
daí não sabe o que fazer, fica sem fazer nada, às vezes se acha incapaz, acha que não consegue fazer nada, que é pobre e não vai conseguir continuar a estudar, essas coisas...”
“Os pais não educam direito e falta muita oportunidade para a juventude.”
Mas expressam também preocupação, já que os jovens fazem parte não apenas do
presente, mas também do futuro do bairro e da cidade. Desse modo, os esforços por
justificar seu comportamento também podem ser esforços para compreendê-los, levando em
conta os problemas sociais que conhecem bem. Entretanto, não é só isso, como não nos
referirmos ao apelo exacerbado do consumo verificado na mídia, através das propagandas?
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Tal apelo também deve influenciar na atração exercida pelo tráfico de drogas, enquanto
comércio ilegal, mas muito lucrativo, sobre esses jovens pobres, como alternativa rápida –
talvez a única - para se ter acesso ao mundo do consumo. Sobre este aspecto, se torna
impossível não falar da identidade marginal que:
Surge por conta das transformações técnico científicas que redefinem as formas de comunicação, o relacionamento e, principalmente, redefinem as relações estruturais entre capital e trabalho, as leituras e as representações do mundo do trabalhador. Tal processo provocou um vácuo entre as gerações mais maduras e as novas gerações, particularmente entre as populações pobres dos grandes centros urbanos brasileiros [...] O fim das promessas de inserção na sociedade de consumo, sobretudo, através de um emprego digno, e a ausência de modelos positivos e inspiradores, são indícios ainda pouco explorados, para os quais começamos a atentar a partir das relações familiares que se dão, sobretudo, em torno da figura materna, ocorrendo uma representação positiva da mãe e outra não muito positiva da figura do pai. (GÓES e ANDRÉ, 2006, p. 56).
Ainda segundo Góes e André (2006), diante deste cenário, a identidade marginal
reelabora os valores presentes no cotidiano da marginalidade, organizando novos sentidos
para a morte e para a violência.
As disputas por pontos de venda de drogas em bairros periféricos (e favelas,
principalmente nas metrópoles) não é casual, nem sequer relaciona-se apenas a própria
origem dos traficantes e a influência que conseguem exercer sobre os seus jovens
moradores, também se relaciona a seu desejo de autonomia. Desse modo, quanto mais
distante, quanto mais isolado, no sentido das dificuldades de acesso, e quanto menos
policiado, mais atraentes e suscetíveis se tornam tais bairros, de forma que algumas das
características inerentes a política habitacional implementada em Presidente Prudente,
assim como em outras cidades, favorecem a presença do tráfico, quando, perversamente,
pretendiam proteger parte de seus moradores. Foi assim que o crime organizado conseguiu,
em algumas áreas pobres, um certo controle político baseado também na força e na
violência (MISSE, 2006, p. 38).
As especificidades das relações estabelecidas no interior de um bairro como o Brasil
Novo, entre traficantes (e consumidores de drogas) e os outros moradores, foram assim
abordadas por alguns entrevistados, quando perguntamos se o bairro é perigoso:
“Depende, para quem vier morar aqui, se for uma pessoa que eles não conhecem, pode até ser [perigoso], mas como a gente já conhece, eu tenho amizade com quase todos os bandidos daqui, assim, então é calmo, eles protegem, eles defendem o seu bairro, entendeu. Então se vier uma
pessoa de fora, é capaz de achar violento.”
A importância dessas relações e de sua duração, de conhecer e ser conhecido, foi
enfatizada, sugerindo que mesmo a presença de bandidos pode gerar proteção, embora,
certamente, não para todos. Mas, contraditoriamente, no decorrer da entrevista, essa
moradora contou que seu estabelecimento comercial foi assaltado muitas vezes, quando
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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ainda era do antigo proprietário, no entanto, mesmo depois que o compraram, ainda
tentaram roubá-lo, o que não se efetivou porque o alarme de segurança foi acionado e os
ladrões fugiram. Desse modo, se evidencia os limites de tais acordos e da proteção deles
decorrentes.
No que se refere às percepções, enfatizamos dois aspectos principais: a percepção
de que está aumentando a violência na cidade de Presidente Prudente e as relações do
bairro com a cidade, no que se refere a tal percepção, quanto ao aumento da violência, a
maioria dos moradores entrevistados concorda com seu aumento, embora, segundo sua
representação social, Presidente Prudente não é uma cidade violenta.
Na elaboração de tal representação, com base em comparações pautadas nas
informações fornecidas pelos meios de comunicação, em especial, pelo rádio e pela TV,
visto que são os meios de comunicação mais utilizados pelos entrevistados. Como a maioria
declarou sempre ter morado na cidade de Presidente Prudente, ou em suas proximidades, a
importância da mídia como fonte quase exclusiva de informações sobre outras realidades
urbanas não pode ser desconsiderada, bem como seu poder de influência. Também é
impossível não falar do papel da mídia na difusão das informações sobre a violência, bem
como do caráter sensacionalista de uma cobertura sempre interessada no excepcional, que,
pela repetição exaustiva, passa a ser representado como um fato constantemente presente.
Segundo Misse (2003), o imaginário que é produzido e reproduzido pela mídia
acerca da violência faz com que ela pareça estar em todo lugar, como um sujeito difuso, daí
decorrendo a necessidade, enfatizada pelo autor, de adotar uma visão crítica da própria
violência, dessa representação social, que nos enclausura numa categoria acusatorial.
Refletirmos sobre a variedade de eventos que enclausuramos nesse sujeito difuso seria
então urgente (MISSE, 2003, p. 20).
No Brasil Novo, as opiniões referentes à representação da violência parecem ir ao
encontro da argumentação dos autores, conforme o conteúdo presente na fala transcrita
abaixo, na qual a entrevistada acredita que a cidade de Presidente Prudente não seja muito
violenta e justifica sua afirmação tomando por base às informações veiculadas pela
televisão:
“Acho que não muito. Em vista do que a gente vê por aí, não. Ah porque a gente vê tanta coisa
na televisão.”
Segundo essa entrevistada, as coisas mudaram na cidade, mas a violência (que a
gente vê na TV) ainda não chegou aqui (referindo-se ao aumento da violência na cidade de
Presidente Prudente).
No que se refere às relações do Brasil Novo com a cidade de Presidente Prudente,
nesse aspecto da insegurança, as opiniões também giram em torno das informações que
são veiculadas pela mídia. Mas ao abordar as percepções, é preciso atentar também para
NOGUEIRA, Ana C.; GÓES, Eda M. Representações sociais do Bairro Brasil Novo ...
556
as reações, como observa Adorno (2005). Nesse sentido, pudemos recolher muitos indícios
sobre diferentes práticas sociais dos entrevistados no enfrentamento dos problemas, com a
presença de traficantes, por exemplo, e seus desdobramentos.
Uma constatação importante, quanto às estratégias de defesa frente à violência, diz
respeito às representações da polícia. Embora boa parte dos entrevistados tenha afirmado
não confiar no trabalho da polícia, contraditoriamente, atribuem a ela a função de garantir a
segurança. Na mesma direção, mesmo aqueles que disseram confiar no trabalho da polícia,
manifestaram uma certa desconfiança, enquanto outros foram categóricos ao afirmar que
não confiam no trabalho da polícia, como sugere o seguinte trecho de entrevista:
“Eu não confio. Ah, hoje em dia os policiais são os piores bandidos. Eu confio mais nos bandidos do
que na polícia. O bandido, ele defende seu bairro, tipo eu sô amiga dele, ele me defende, a polícia, se você é amigo, ele não defende. Eu penso assim.”
Por um lado, a fala da entrevistada sugere uma maior proximidade, no aspecto da
segurança, ao bandido que a polícia, evidenciando uma inversão de papéis sociais, mas,
por outro lado, identifica afinidades entre bandidos e policias, ao afirmar que cada um
defende seus amigos.
Sobre a questionável atuação da polícia no combate a violência, Caldeira (2006, p.
135 – 136) radicaliza, observando, conforme já mencionamos, que em São Paulo, assim
como em outras cidades brasileiras, a polícia é parte do problema da violência. Durante toda
história republicana, o Estado encontrou maneiras, tanto de legalizar formas de abusos e
violação de direitos, como de desenvolver atividades extralegais sem punição. A repressão
ao crime tem tido como alvo, sobretudo, as classes trabalhadoras e freqüentemente esteve
ligada a repressão política. Desse modo, a população e, especialmente os setores mais
pobres, tem sofrido continuamente várias formas de violência policial e injustiça legal,
aprendendo não apenas a desconfiar do sistema judiciário, mas também a ter medo da
polícia. Mas, contraditoriamente, a persistência da violência policial e seu crescimento foi
possível, pelo menos em parte, por causa do apoio popular. Mesmo as classes
trabalhadoras, que são as principais vítimas dessa violência, apóiam algumas de suas
formas.
Outra entrevistada também expôs sua opinião negativa quando se refere à atuação
policial, começando por opinar sobre confiança no trabalho da polícia:
“Muito pouco. Eles são muito falhos. Os policiais hoje em dia, eles são muito falhos. Eles... tem casos
e casos, eles se acham, eles se acham um pouco poderosos, só eles têm razão, só eles. Vamos supor, se tiver uma abordagem, ou alguma coisa assim, coisa que nunca aconteceu comigo, mas que
eu já presenciei, ele não dá a chance de você se defender, eles chegam, eles vem de maneira grosseira, eles fazem a abordagem, eles fazem o que eles querem com você e pronto, fica por isso mesmo, e você não pode se defender. Era o tempo que policial servia de segurança pra gente, hoje
em dia não, hoje em dia ele cresce muito atrás da farda.”
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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A fala apresenta uma visão crítica da polícia: relação de poder, excessivamente
concentrado na farda, além de nova valorização das mudanças – “era o tempo...” - como se
no passado, num tempo não identificado, a polícia exercesse com dignidade o seu papel,
isto é, preocupava-se em promover a segurança dos cidadãos. No entanto, se por um lado
alguns moradores do bairro Brasil Novo não confiam no trabalho da polícia, há aqueles que
confiam e justificam sua resposta, como foi o caso do morador que foi taxativo, sem achar
que precisasse de qualquer justificativa para sua afirmação:
“Eu confio no trabalho da polícia, porque eles são dignos e honestos”
No trecho seguinte, encontramos outros argumentos sobre a atuação da polícia no
bairro:
“É, tem garantido, faz tempo, faz... pra evita que a juventude faça coisa errada, então, o corrigimento
da polícia é uma grande vantagem. Eles fazem... é, é, geralmente a polícia dá segurança pra nós aqui...”
Neste caso, talvez a confiança na polícia esteja ligada a sua idade, pois esse
entrevistado tem mais de 70 anos, parece não assimilar a inversão dos valores presentes na
atuação do papel da polícia. Além disso, sua idade também pode ajudar a entender sua
representação dos jovens moradores do bairro que precisariam ser corrigidos e não
compreendidos, como já identificamos em depoimento anteriormente comentado. Ainda
sobre as rondas policiais no bairro e atuação da polícia observou:
“Faz tempo, isso é rotina, ah porque no bairro tem algumas pessoas que são usuários de drogas,
então, acho que é rotina deles.” Quanto às rondas policiais, alguns entrevistados relataram que isso é recente,
devendo-se tal fato, sobretudo, ao Posto Policial que passou a funcionar recentemente no
bairro. Já outros moradores disseram que as rondas policiais são comuns, realizadas já há
algum tempo. Chamou-nos a atenção o horário de funcionamento do Posto Policial, das
7:00h às 19:00h. Não seria após as 19 horas que ele seria mais necessário? Foi nesse
sentido a crítica de uma moradora:
“o horário mais perigoso que seria depois das sete, no horário mais perigoso vai, tá fechado, não
entendi?! Vai vê tem muito policial e eles estão tentando arrumar um buraquinho pra enfiar.”
Contudo, de um modo geral, os entrevistados valorizam a presença do Posto Policial
no bairro e o identificam como um equipamento de segurança. Durante a realização das
entrevistas, um morador ponderou que a sua construção foi sim importante para o bairro, no
entanto, para ele, há outras prioridades, como o aumento das vagas na creche, que
beneficiaria bem mais os moradores.
NOGUEIRA, Ana C.; GÓES, Eda M. Representações sociais do Bairro Brasil Novo ...
558
Além da presença policial, outras estratégias de defesa contra a insegurança foram
identificadas durante a pesquisa de campo, como a presença dos muros altos, grades,
alarme, e por fim, o silêncio, a opção por não falar a respeito de algumas coisas que se vê
no bairro, como, por exemplo, as questões ligadas ao tráfico de drogas. A fala da
entrevistada explicita bem a relação com a violência e as estratégias defensivas possíveis:
“Não acho o bairro perigoso não. Isso de bairro perigoso vai muito assim de você ser, surdo, cego e
mudo. Então, se você não se envolve nunca com a vida de ninguém, você nunca vê, nunca ouve nada, então não tem problema.”
Quando indagados acerca das prováveis causas que propiciam o aumento da violência,
ou seja, as explicações, ouvimos as seguintes opiniões:
“Eu acho que a estrutura familiar, a estrutura familiar ela conta muito.”
“Ah, eu acho que é um pouco por que o povo, ah, hoje em dia, não tem tanto emprego, as pessoas começam a roubar para ter as coisas, daí elas começam a usar a violência para poder fazer isso”
“Porque os jovens não têm ocupação, se iludem com o que o mundo oferece. Às vezes vai pras
drogas, pára de estudar, deveria ter trabalho e cursos para os jovens”.
“Negligência das autoridades, dos órgãos máximos, da prefeitura, dos prefeitos que não colocam uma lei para... tipo... cometeu um crime, tem que pagar pelo crime. A justiça não é eficiente.”
O conjunto das falas dos entrevistados nos remete a um emaranhado de questões
que devem ser consideradas se quisermos tentar compreender o tema da violência. Misse
(2003) chama atenção para o fato de que a violência é um problema que se agrega à
desigualdade social, uma vez que numa sociedade capitalista de massa, uma parcela
significativa de sua população não encontra possibilidade de inclusão social, como é o caso
do Rio de Janeiro, pesquisado por ele. Para que se possa ser reconhecido como integrante
dessa sociedade, é preciso que se tenha acesso aos meios materiais básicos de existência,
é preciso que se tenha acesso à escola, saúde, direitos civis, sociais e econômicos. Mas
como se pode ter acesso a tudo isso, quando nem ao menos se é reconhecido como
cidadão (MISSE 2003, p. 27)? Nós não podemos imaginar que a polícia vá resolver sozinha
um problema dessa magnitude, a chamada violência urbana, não é um problema
exclusivamente policial, também não é um problema só de segurança pública, ela inclui
inúmeros fatores (MISSE, 2003, p.28). Desse modo, estamos tentando resolver os
problemas de uma modernidade incompleta e, ao mesmo tempo, tendo que enfrentar os
novos problemas postos pelo capitalismo global (MISSE, 2003, p. 30), Daí às menções
variadas de nossos entrevistados: falta de estrutura familiar, falta de trabalho e de acesso a
educação, impunidade, mas também a necessidade de ter as coisas, que, como
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
559
comentamos anteriormente, é cada vez mais imperiosa e exigente, sobretudo para os
jovens, como também lembraram os entrevistados.
CONCLUSÃO
O recurso a duas fontes de pesquisa - entrevistas com moradores (e cobradores de
ônibus) do Brasil Novo e matérias publicadas no Imparcial (1990 – 2003) – nos permitiu
apreender representações sociais do bairro estudado, sempre marcadas pela duplicidade.
Na consulta aos jornais, identificamos uma representação pautada nos problemas de
infra-estrutura, ou seja, na carência, e no caráter violento. Sobre esse aspecto, confirmamos
as constatações de Jovchelovtch (2000, p.83) de que os jornais perpetuam representações
sociais, isto porque, ao longo da História do Brasil, as relações entre violência e pobreza
têm sido reproduzidas, a despeito dos esforços de muitos especialistas no sentido de
demonstrar que a realidade e os dados empíricos desmentem tais relações.
Mas levando em conta os cuidados necessários para não simplificar a atuação da
mídia, também identificamos nas páginas desse jornal a presença dos moradores do Brasil
Novo representados como sujeitos da história do bairro, cujas reivindicações de melhores
condições materiais para o bairro foram amplificadas e justificadas pelo O Imparcial. Nesse
sentido, a atuação do jornal como “construtor de representações sociais”
(JOVCHELOVTCH, 2000, p.83) também foi comprovada.
Nas entrevistas foi possível, entre outros aspectos, verificar que os moradores do
Brasil Novo enfrentam preconceitos de moradores de outros pontos da cidade, seja pela
distância, seja pela ocorrência de violência. De um modo geral, os moradores classificam o
bairro como sendo tranqüilo, embora todos os entrevistados tenham citado, entre outros
fatos, a ocorrência de trafico de drogas no bairro, bem como a ocorrência de pequenos
furtos, geralmente envolvendo jovens.
Quanto às estratégias de defesa contra a insegurança adotados pelos moradores,
identificamos o silêncio, não falar de algumas coisas que acontecem no bairro, além da
presença de muros altos e da polícia, bem representada no bairro pelo recém inaugurado
Posto Policial que, entretanto, a partir das 19 horas, não atende ninguém. Desse modo,
torná-se impossível não questionar: será que o Posto Policial foi construído para levar
segurança aos moradores do Brasil Novo? Ou será para impedir que os moradores do Brasil
Novo levem insegurança ao restante da cidade? No momento ainda não temos elementos
para responder tal questão, no entanto a segunda hipótese parece ser a resposta mais
provável.
NOGUEIRA, Ana C.; GÓES, Eda M. Representações sociais do Bairro Brasil Novo ...
560
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADORNO, S. Conferência Proferida durante o Seminário “As interfaces da Violência” (UNIFESP), em 05 de Agosto de 2005. CALDEIRA, Teresa Pires. Cidade de Muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34-Edusp, 2000.
ENDO, Paulo César. A violência no coração da cidade. São Paulo. Escuta/Fapesp, 2005. GOES, E; ANDRÉ, L. Violência e Fragmentação: dimensões complementares da realidade paulistana. Terra Livre, São Paulo, v.2. n. 27, p. 49-68, Jul-Dez, 2006. JOVCHELOVITCH, Sandra. Representações sociais e esfera Pública: a construção simbólica dos espaços públicos no Brasil. Petrópolis, RJ. Vozes, 2000. MISSE, Michel. A violência como sujeito difuso. FEGHALI, J.; MENDES, C. e LEMGRUBER, J. (orgs.). Reflexões sobre a violência urbana: Insegurança e desesperanças. Rio de Janeiro: Mauad X. 2003. MISSE, Michel. Crime e violência no Brasil contemporâneo. Estudos de sociologia do crime e da violência urbana. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.
SILVA, R. B. Segregação e/ou integração: O programa de desfavelamento e loteamentos urbanizados em Presidente Prudente. 2005...f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente.
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E ALTERAÇÕES NA LOCALIZAÇÃO INDUSTRIAL – UM ESTUDO SOBRE O ORDENAMENTO DAS INDÚSTRIAS CALÇADISTAS NO TECIDO
URBANO DA CIDADE DE FRANCA-SP
Anderson Alberto da Silva [email protected]
Aluno do curso de Geografia Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT-UNESP)
Campus de Presidente Prudente-SP. Bolsista nível I.C. – FAPESP
Resumo: Com o presente trabalho, pretende-se realizar uma discussão relacionando causas e efeitos do processo de reestruturação produtiva e indústria calçadista, mais precisamente sobre sua localização e ordenamento no tecido urbano da cidade de Franca, localizada no interior do Estado de São Paulo. A cidade de Franca constitui-se, hoje, em um dos principais pólos industriais calçadista do país, e possui o título de “capital nacional do calçado masculino” devido a sua alta especialização na produção de produtos desse gênero, bem como ao volume produzido anualmente e a sua capacidade na geração de empregos voltados ao setor. No entanto, com as transformações ocorridas nos processos de trabalho, consumo e o papel do Estado no final do século XX, surge um novo modelo de produção industrial não mais calcado no modelo fordista, mas caracterizado por uma dinâmica do trabalho conhecido como produção flexível, cujas algumas características podem ser identificadas na indústria de calçados de Franca. Diante disso, a proposta desse trabalho é apresentar algumas conseqüências desse processo de reestruturação produtiva na indústria calçadista local, e avaliar seu impacto no ordenamento local das indústrias, buscando discutir se existe ou não relações entre esses fatores. Palavras-chave: reestruturação produtiva; localização industrial; indústria calçadista. APRESENTAÇÃO
O setor calçadista brasileiro é composto, atualmente, por cerca de quatro mil
empresas que comportam, aproximadamente, um total de 260 mil empregos. A capacidade
de produção instalada no setor é de 560 milhões de pares por ano. Deste total, um
percentual de 30% é destinado ao mercado externo e 70% ao mercado interno. Com esses
números o Brasil se coloca como o terceiro maior produtor de calçados do mundo, ficando
atrás apenas da China e da Índia.
A crise que afetou o regime de acumulação no final do século XX e que culminou no
enfraquecimento do sistema fordista de produção fez com que se desenvolvesse e
expandisse um novo sistema de produção caracterizado por formas flexíveis de organização
da produção. Além disso, foi se acentuando o dinamismo tecnológico de aglomerações
industriais localizadas em regiões especificas, como é o caso da região denominada
Terceira Itália e do Vale do Silício, nos Estados Unidos. Essas aglomerações permitem,
além de outros fatores, o surgimento de um forte poder de inovação tecnológico e
organizacional. Além dessa alteração no modo organizacional do chão-da-fábrica, o
processo de reestruturação produtiva contribuiu para a configuração de espaços urbanos
selecionados, que têm apresentado transformações significativas em termos econômicos,
políticos e sociais, além de um esforço de inserir-se nessa dinâmica global.
SILVA, Anderson A. Reestruturação produtiva e alterações na localização industrial ...
562
Diante desse processo, este trabalho tem como propósito apresentar as principais
características do pólo industrial calçadista localizado na cidade de Franca, interior de São
Paulo e verificar como está ocorrendo a dinâmica de produção pós-fordista, buscando
evidenciar se existe relação entre o processo de reestruturação produtiva e as mudanças no
ordenamento industrial sobre o tecido urbano do município, que vêm ocorrendo
recentemente.
É necessário destacar que este trabalho é resultado de um conjunto maior de
investigações, obtidos através de uma pesquisa de iniciação científica em andamento,
intitulada como “Caracterização e especificidades de um pólo industrial calçadista: o
exemplo de Franca-SP”, que recebe apoio financeiro da FAPESP (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo) e está sob orientação do Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito
(FCT-UNESP). Esta pesquisa se encontra diretamente relacionada a um projeto de escopo
maior, denominado “O novo mapa da indústria no início do século XXI”, também financiado
pela FAPESP e coordenado pelo Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito.
Para a formação desse trabalho, além de uma ampla consulta ao referencial teórico
relacionado, considerou-se fundamental a realização de um trabalho de campo à área em
estudo, com o objetivo de investigar diversos segmentos relacionados à indústria calçadista
de Franca. Esse trabalho empírico permitiu um contato direto com diversos agentes da
indústria local, sobretudo com empresários do setor, o que possibilitou um embasamento e
melhor direcionamento para este trabalho.
UMA CONTEXTUALIZAÇÃO DA INDÚSTRIA CALÇADISTA BRASILEIRA
O surgimento da indústria de calçados no Brasil se deu ainda no início do século XIX,
com a chegada dos primeiros imigrantes europeus no Rio Grande do Sul e em São Paulo.
Esses imigrantes, que desempenhavam atividades na agricultura e agropecuária, trouxeram
para o Brasil a cultura do artesanato, principalmente dos artigos derivados de couro. A
princípio a produção era caseira, mais voltada para o uso doméstico e para o uso de arreios
de couro para montaria em cavalos. No entanto, com a Guerra do Paraguai, iniciada em
1864, houve no país uma grande demanda por botas e outros produtos derivados do couro,
o que fez aumentar a produção de artigos de couro. Iniciou-se assim o surgimento das
primeiras fábricas de calçados, que já utilizavam maquinário e equipamentos que
proporcionaram uma expansão progressiva da produção e do consumo no país
(Abicalçados, 2008).
Desde meados do século XX, a indústria calçadista nacional cresceu, e passou a
ocupar posição de destaque no cenário econômico nacional. Hoje a indústria calçadista
brasileira é um importante setor da economia nacional, devido a alguns fatores que
confirmam a complexidade desse segmento industrial para o país. Dentre esses fatores
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”...
563
podemos citar o elevado volume de calçados produzidos anualmente, a expressiva
participação na pauta de exportações do país e sua capacidade na geração de empregos.
Com relação à geração de empregos, o setor calçadista nacional tornou-se essencial
no que diz respeito às relações sociais. Isso pelo fato desse setor industrial, juntamente com
o setor da construção e têxtil serem um dos que mais empregam mão-de-obra no país. O
perfil de pouca exigência de especialização de mão-de-obra e o grande número de
empregos diretos gerados coloca o setor como alternativa de geração de postos de trabalho
para a nação.
Uma importante característica da indústria calçadista brasileira é que, assim como se
verifica em outros países, tais como Itália, Espanha e México, ela apresenta-se concentrada
em algumas regiões específicas. De acordo com Garcia (2001), essa característica das
concentrações industriais é apropriada pelas firmas como incremento em sua capacidade de
competitividade no mercado.
No Brasil, apesar da concentração das empresas calçadistas de grande porte
encontrar-se localizada no Estado do Rio Grande do Sul, sobretudo na região denominada
como Vale dos Sinos, a produção brasileira de calçados está gradualmente distribuída para
outros pólos. Esses estão localizados no interior do Estado de São Paulo (Franca, Jaú e
Birigui), bem como nos estados nordestinos considerados como emergentes, tais como
Paraíba, Ceará e Bahia.
A INDÚSTRIA DE CALÇADOS DA CIDADE DE FRANCA-SP
O município de Franca, localizado no nordeste do Estado de São Paulo, está
circunscrito numa área de 571 km2. A cidade possui uma população próxima a 330 mil
habitantes, o que corresponde a 98% dos munícipes.
Franca tem importância significativa para o setor calçadista brasileiro, pois se
concentra na cidade o segundo maior pólo calçadista do país, ficando atrás apenas da
região denominada Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul. Além disso, o pólo calçadista
francano é o maior empregador do setor no Estado de São Paulo, ficando à frente de
importantes cidades produtoras de calçados como Birigui e Jaú.
Esse pólo é responsável pela produção de cerca de 6% da produção nacional e 3%
do total de exportações do produto no país. A tabela apresentada a seguir mostra algumas
informações referentes à indústria calçadista na cidade de Franca:
Tabela 1: Números da indústria calçadista francana em 2007
Estabelecimentos 766 indústrias Mão-de-obra empregada 27 mil trabalhadores Produção instalada 37,2 milhões de pares
SILVA, Anderson A. Reestruturação produtiva e alterações na localização industrial ...
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Produção utilizada 29 milhões de pares Vendas ao mercado interno 22,8 milhões de pares Vendas ao mercado externo 6,2 milhões de pares
Fonte: RAIS/MTE e MDIC/SECEX.
Embora tenha sua produção especializada em calçados masculinos, e seja
reconhecida nacionalmente como a capital do calçado masculino, a cidade de Franca
produz um relevante número de calçados femininos e infantis. Do total de calçados
produzidos nas indústrias da cidade, 14% são destinados ao mercado feminino e 2% ao
mercado infantil.
A formação da indústria calçadista na cidade de Franca remete-se a meados do
século XIX, sendo dois fatores considerados essenciais para essa formação. O primeiro
refere-se à localização geográfica do município, onde se formou um destacado entreposto
comercial distribuidor de gado, sal e outras mercadorias para os viajantes que se dirigiam de
São Paulo ao Brasil Central por meio da estrada denominada “Goyases”. O segundo fator
refere-se à existência de uma expressiva atividade de criação de gado de corte na região, o
que estimulou o surgimento de atividades voltadas para o aproveitamento dos produtos
derivados do couro, formando no núcleo urbano uma atividade artesanal de selaria e
sapatões utilizados pelos trabalhadores rurais (Tosi, 2003).
Além desses dois fatores apresentados, soma-se ainda a instalação dos trilhos da
Companhia Mogiana em Franca no final do século XIX, o que acarretou uma série de
mudanças nas relações sociais da região. Além disso, a ferrovia possibilitou uma direta
ligação da cidade de Franca com o complexo cafeeiro, o que foi a responsável pela
implantação da lavoura cafeeira na região. A cafeicultura tornou-se um importante núcleo de
acumulação de capital, o que contribuiu para a formação da indústria calçadista na cidade.
Embora existissem pequenas fábricas de calçados em Franca desde meados do
século XIX, apenas em 1921 foi fundada a primeira empresa de calçados com um
maquinário altamente mecanizado, provindo da Alemanha. Esse processo de mecanização
da produção foi seguido por outras empresas na cidade, e contribuiu para a formação do
pólo calçadista local ainda na década de 1940. No entanto, um impulso importante foi dado
na década de 1970 quando ocorreu uma expansão da produção destinada à exportação
graças a uma série de subsídios governamentais (Navarro, 2006).
Assim como em vários outros pólos industriais, o pólo calçadista francano também
vem passando por um processo de reestruturação produtiva. Nesse processo, vem
ocorrendo uma transição da produção em massa para a produção flexível, ou em outras
palavras, do fordismo ao pós-fordismo. Para Castells (1999), um novo modelo de produção
surge como uma resposta para superar a rigidez do sistema fordista, que se tornou
ineficiente para as características da nova economia. Nesse novo modelo de sistema de
produção flexível, as novas tecnologias introduzidas permitem a transformação das linhas
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”...
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de montagem, típicas da grande empresa em unidades de produção de fácil programação
que podem atender as variações do mercado e das transformações tecnológicas.
Dentre as características dessa transformação no sistema de produção e que estão
presentes no pólo industrial de Franca, destaca-se o porte reduzido das empresas e a
prática da subcontratação. O estudo de caso da indústria calçadista de Franca permite-nos
verificar que existe um grande número de empresas de calçado com porte reduzido, que
segundo alguns autores, oferecem a capacidade de uma maior capacidade de inovação
tecnológica. O gráfico apresentado a seguir evidencia essa informação:
Porte das indústrias de calçado da cidade de Franca - 2005
Pequeno10,9%
Micro87,1%
Médio1,7%
Grande0,3%
Fonte: RAIS/MTE, 2005.
Embora exista um predomínio no número de empresas de porte reduzido na cidade
de Franca, a pesquisa empírica junto às empresas permitiu verificar que quase todas elas
externalizam parte da sua produção, indiferentemente do seu porte. Além disso, de acordo
com os empresários do setor, todas estas as práticas desenvolvidas pela empresa são
realizadas com o objetivo de minimizar impactos, nos mais diferentes âmbitos.
UMA DISCUSSÃO SOBRE LOCALIZAÇÃO INDUSTRIAL E SUAS TEORIAS
Os fatores e mecanismos que determinam a localização industrial sempre foi uma
das principais preocupações da Geografia, sobretudo para a Geografia Econômica.
Entretanto, com o desenvolvimento e a utilização de recursos tecnológicos capazes de
difundir grandes quantidades de informações em um tempo cada vez mais reduzido, essa
localização assume dimensões mais particulares.
Benko (1996), ao discorrer sobre a teoria da localização industrial, nos fornece
alguns subsídios para a compreensão dos fatores envolvidos. De acordo com o autor:
O objetivo da teoria da localização é fornecer explicações da organização espacial das empresas, identificar as variáveis que determinam a localização e oferecer soluções analíticas. Deve também trazer respostas detalhadas às numerosas questões relativas à
SILVA, Anderson A. Reestruturação produtiva e alterações na localização industrial ...
566
explosão espacial das empresas, à influência do meio ambiente, etc. Os enfoques mais ambiciosos procuram analisar as leis que presidem ao equilíbrio espacial das empresas. (BENKO, 1996, p. 132).
Nesse sentido, podemos encontrar trabalhos de diversos autores que discutem essa
questão, analisando uma ou mais variáveis que implicam na localização das indústrias.
Carlos (1988) considera que a localização industrial, compreendida como o lugar
ocupado pela indústria no espaço, representa um entendimento mais amplo do que
simplesmente a pontuação ou o endereço das indústrias no mapa. Para a autora, a
localização da indústria insere-se no interior do processo da industrialização que determina,
historicamente, o lugar a ser ocupado por cada indústria.
Firkowski e Sposito (2008) expõem as idéias de André Fischer, abordando que a
indústria se insere necessariamente no espaço institucional, mas é no espaço econômico
(latu sensu) que ela se organiza e funciona. Ainda de acordo com os autores, a indústria não
é mais localizada no “espaço-recipiente” neutro ou diferenciado da teoria neoclássica, ela se
implanta num “meio socioeconômico mais ou menos integrado”, quer dizer um “território”
tornado mais ou menos atrativo graças aos recursos, aos potenciais, às oportunidades que
ele propõe e graças também a sua capacidade de adaptação às flutuações das
necessidades da atividade econômica. Buscando uma explicação para a questão, Benko (1996) destaca que os fatores que
determinam a localização industrial diferenciam-se de acordo com o ramo da atividade
industrial exercida pela empresa e o porte que a mesma apresenta. Após a realização de
estudos sobre complexos industriais existentes, o autor enumerou alguns fatores que podem
ser explicativos para a questão da localização industrial, tais como: a) a força de trabalho; b)
a presença de universidades e institutos de pesquisa; c) o atrativo paisagem; d) a infra-
estrutura do transporte; e) os serviços e o clima político; e f) as economias de
aglomeração.
Ao tentar analisar estes fatores de localização industrial apontados por Benko,
Cícero (2007) considera que estes não são distribuídos de forma eqüitativa pelo território.
De acordo com a autora, pode-se verificar, por exemplo, que a distribuição dos objetos
técnicos ocorre de forma desigual e sua concentração se configura num atrativo para
implementação de atividades econômicas e, por outro lado, sua ausência pode exercer
influência contrária.
O ORDENAMENTO DAS INDÚSTRIAS DE CALÇADO NO TECIDO URBANO DA CIDADE DE FRANCA
Como já discutido anteriormente, o surgimento e formação da indústria calçadista na
cidade de Franca estão fortemente relacionados a fatores endógenos, sobretudo
relacionados à presença de matéria-prima. No entanto, verificou-se que não se pode deixar
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”...
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de considerar nessa análise que os fatores políticos e econômicos, sobretudo a partir da
década de 1950, impulsionaram a consolidação do parque industrial. Associado a isso,
considera-se primordial destacar que a presença de uma série de agentes e instituições que
oferecem serviços voltados ao setor calçadista, contribuiu significamente para o seu
sucesso e desenvolvimento.
Ao discutir a localização e distribuição da indústria em um plano mais local, ou seja,
no interior do tecido urbano, considera-se importante relacionar essa ocorrência à divisão
territorial do trabalho. Essa relação configura-se como importante, pois a divisão territorial do
trabalho acontece no próprio território, fazendo com que cada ramo industrial ou empresa
possua sua própria lógica de organização. Ao discutir sobre esta questão, Santos e Silveira
(2004) consideram que:
Cada empresa, cada atividade necessita de pontos e áreas que constituem a base territorial de sua existência, como dados da circulação e da produção e do consumo: a respectiva divisão do trabalho terá essa manifestação geográfica (SANTOS E SILVEIRA, 2004, p. 290).
De acordo com os autores, pode-se compreender que embora tenha como palco
único de ocorrência o território, a divisão territorial do trabalho pode ser compreendida em
diferentes escalas, como a global, nacional e local. No entanto, o enfoque dependerá do tipo
de atividade ou empresa que ocupam determinado território e a lógica que cada uma delas
tem como parâmetro.
Ao discorrer sobre o assunto, André Fisher considera que a questão da escolha de
uma implantação de uma unidade funcional concerne diretamente, ao menos, a três atores:
a) o gestor da empresa, representado na figura do proprietário ou de algum funcionário com
funções de estratégia; b) a coletividade local que acolhe a fábrica, ou seja, as instituições
públicas, privadas e a sociedade civil em geral; e c) o planejador, que se refere a
profissionais responsáveis por efetuar medidas relacionadas ao planejamento territorial. O
autor destaca que para cada um destes agentes existe um interesse ou propósito diferente
para a localização da empresa. De acordo com o mesmo, para a empresa sua localização
associa-se à minimização de custos, ou seja, maximizar lucros provindos de suas
exigências intrínsecas de funcionamento, como por exemplo, facilidades na obtenção de
mão-de-obra, transportes, e em alguns casos subvenção e ajudas fiscais. Para a
coletividade local a implantação de uma fábrica apresenta duas fases: aplicação de práticas
para tornar o meio local mais atrativo às empresas, e em seguida a geração de um
crescimento econômico, obtido graças aos recursos financeiros e empregos gerados. Por
fim, o autor considera que ao planejador, a questão da implantação da fábrica muda
radicalmente de direção, uma vez que cabe a esse ator avaliar os efeitos diretos e indiretos
sobre o meio, mas também, de otimizar os efeitos espaciais possíveis a médio e longo
prazo, em escalas locais e regionais (FIRKOWSKI e SPÓSITO, 2008).
SILVA, Anderson A. Reestruturação produtiva e alterações na localização industrial ...
568
Na tentativa de compreender melhor a dinâmica de localização e distribuição das
indústrias de calçado da cidade de Franca dentro do tecido urbano, optou-se pela
construção de um mapa (mapa 1), onde pode ser observado a localização do maior número
possível de indústrias calçadista. No entanto, considera-se importante destacar que
infelizmente esse mapa não representa a realidade da distribuição industrial no plano local.
Esta não exata representatividade se dá pelo fato de inexistir um cadastro exato com a
relação de todas as indústrias calçadistas instaladas no município.
Entretanto, para a elaboração deste mapa, foram consultados os cadastros das
empresas associadas ao Sindifranca, além daquelas cadastradas pela Prefeitura Municipal
da cidade. Associado a essas duas fontes, puderam ser identificadas no trabalho realizado a
campo algumas empresas que não constavam nas fontes consultadas. É importante
destacar que essas empresas localizadas no trabalho de campo eram todas de porte
considerado como micro.
Ao todo puderam ser identificadas 479 indústrias de calçado na cidade. Destas, 8
podem ser consideradas como de grande porte, 30 de médio porte, 89 como pequeno porte
e 352 como de micro porte.
Mapa 1
O mapa permite-nos observar uma grande distribuição das indústrias de calçado por
todo o tecido urbano. No entanto, podem ser observadas algumas concentrações, como por
exemplo, a do Jardim Paulistano II, localizado no extremo da Zona Leste da cidade, as do
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Jardim Petráglia e Guanabara, localizados na Zona Norte e o próprio Distrito Industrial (Zona
Oeste), que embora concentre indústrias de diferentes ramos industriais, apresenta uma
forte concentração de indústrias calçadistas. Além destas concentrações citadas, podemos
encontrar também uma forte concentração de indústrias de calçado em uma região mais
central da cidade, sentido à Zona Leste, que é as imediações do bairro Vila Aparecida.
A tabela 2 a seguir apresenta o número de indústrias calçadistas instaladas nestas
principais concentrações da cidade:
Tabela 2 – Principais aglomerados de indústrias calçadistas da cidade de Franca
Bairros Divisão das indústrias por porte
Total Grande Médio Pequeno Micro Jd. Paulistano II 3 10 45 58 Distrito Industrial 5 12 18 18 54 Jd. Petráglia 3 16 31 50 Jd. Guanabara 3 9 30 42 Vila Aparecida 1 7 6 18 32
Fonte: Sindifranca, Prefeitura Municipal de Franca e Pesquisa direta, 2009.
A elaboração do mapa 1, bem como a construção da tabela 2, e a realização do
trabalho de campo e da entrevista junto às empresas, permite-nos fazer algumas
considerações a respeito da localização das indústrias de calçado sobre o tecido urbano de
Franca.
De acordo com a tabela 2, podemos verificar que o Jardim Paulistano II, localizado
na Zona Leste da cidade concentra o maior número de indústrias do ramo, somando 58 do
total. No entanto, cerca de 80% das mesmas são de porte considerado como micro. Essa
mesma característica pode ser verificada nos demais bairros, exceto no Distrito Industrial.
Diferentemente dos demais, esse concentra um número considerável de grandes e médias
empresas (5 e 12 respectivamente), e um certo equilíbrio no número de empresas de
pequeno e micro porte (18 cada), contrapondo-se assim das demais principais
aglomerações industriais intra-urbanas da cidade, que como citado anteriormente, possuem
uma grande concentração de empresas de porte considerado como micro.
Além disso, o bairro Vila Aparecida, que está localizado em uma região mais próxima
do centro da cidade de Franca, concentra empresas mais antigas. Essa ocorrência pôde ser
verificada na pesquisa realizada junto às empresas, que possibilitou constatar que as
indústrias mais antigas da cidade localizam-se em áreas mais centrais, incluindo o centro da
cidade, onde puderam ser identificadas 4 indústrias. Muitas destas indústrias identificadas
na região central da cidade, incluindo as instaladas no bairro Vila Aparecida datam suas
instalações anterior às décadas de 1970 e 1980.
Entretanto, algumas dessas indústrias instaladas em regiões mais centrais da
cidade, ou até mesmo em bairros com perfil residencial, informaram que existe uma
possibilidade ou já está nos planos da empresa de transferir suas instalações para bairros
SILVA, Anderson A. Reestruturação produtiva e alterações na localização industrial ...
570
periféricos e com perfis mais industriais, como por exemplo, o Jardim Paulistano II e Jardim
Petráglia, ou até mesmo para o Distrito Industrial, ou próximo a ele, em uma área nova
denominada como Pólo Industrial Amazonas I, considerada na cidade como bastante
promissora para o recebimento de inúmeros empreendimentos industriais.
Existe na literatura uma discussão relacionada aos efeitos provocados pela
emergência do processo de reestruturação produtiva em âmbito internacional. Toda essa
reestruturação, que se deu pela transferência de um sistema de produção mais rígido para
um sistema considerado mais flexível, contribuiu, em nível nacional, regional e local, para a
configuração de espaços urbanos selecionados. Tais espaços têm apresentado
transformações significativas em termos econômicos, políticos e sociais, além de um esforço
de inserir-se nessa dinâmica global.
Partindo dessa temática, Sposito (2007) considera que a instalação de distritos
industriais, que devem ser, mais propriamente chamados de áreas de localização industrial
com diferenças entre o tamanho das empresas que têm capacidades diversas na
incorporação de novas tecnologias, na participação na produção industrial ou nas diferentes
formas de arrecadação oficial, contempla a complexidade da reestruturação das cidades no
momento atual.
O Distrito Industrial da cidade de Franca, assim como muitos outros distritos
industriais criados no país, foi criado na década de 1980 pelo poder público municipal. Com
dois milhões de metros quadrados inteiramente urbanizados, o Distrito Industrial da cidade
concentra aproximadamente 200 empresas, predominando as indústrias de calçados e
curtumes. Entretanto, além destas, encontram-se instaladas nesta área diversas outras
indústrias consideradas como correlatas ao setor calçadista, como por exemplo, fabricantes
de máquinas e equipamentos, componentes, produtos químicos, entre outros.
Além do Distrito Industrial da cidade de Franca, pode ser constatado que o Jardim
Paulistano II, composto quase que totalmente por indústrias de calçado, foi também loteado
ainda na década de 1980. No entanto, diferencia-se do Distrito Industrial por ter sido criado
pela iniciativa privada. De acordo com informações obtidas junto à Secretaria de
Planejamento Urbano da cidade, o loteador deste bairro teve a iniciativa de dividi-lo em lotes
maiores a fim de atrair para o local, indústrias de médio e pequeno porte, pelo fato da
mesma localizar-se próxima a bairros considerados como operários, ou seja, habitados
predominantemente por trabalhadores das indústrias da cidade. Isso possibilitou que o local
de trabalho de muitos desses trabalhadores fosse próximo de suas residências.
Essa transferência da indústria para áreas mais periféricas da cidade, e em áreas
específicas para o seu funcionamento também foi abordado por Sposito (2007). De acordo
com o autor, no anel periurbano, formado por glebas de terras não loteadas, apareceram
novas áreas urbanas e novas instalações industriais, melhor servidos por infraestrutura
viária, e com diferentes graus de incorporação tecnológica. De acordo com o autor, toda
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”...
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essa transferência está trazendo à periferia da cidade um desenho territorial que não lhe era
característica nas décadas de 1950 e 1960, quando o padrão geral de periferização do
tecido urbano se generalizou.
Considera-se importante destacar que este trabalho não tem como finalidade afirmar,
com absoluta certeza, que a reorganização do espaço urbano da cidade de Franca está
relacionada com as mudanças ocorridas no processo de reestruturação produtiva, até
mesmo porque não foi consultado um arcabouço teórico e nem realizado um trabalho
empírico direcionado unicamente a esse sentido. Entretanto, toda esta discussão realizada
partiu do pressuposto (e que pode ser observado na cidade, sobretudo com o auxilio da
pesquisa empírica realizada junto às empresas) que as indústrias de calçado da cidade
deixaram e continuam deixando de ocupar áreas centrais e periféricas residenciais da
cidade, e estão se direcionando a setores específicos da malha urbana, que apresentam um
perfil industrial.
Do referencial teórico consultado, pode-se verificar que existem de fato relações
entre o processo de reestruturação produtiva e reorganização do espaço, como ocorrido em
algumas localidades. No entanto, necessita-se de uma maior investigação para concluir
quais os efeitos da reestruturação no sistema de produção sobre a estruturação urbana da
cidade de Franca, e se de fato os efeitos da reestruturação produtiva não se restringem
apenas à organização da dinâmica industrial, como verificou esta pesquisa, mas se atinge
também o espaço urbano, provocando nesse espaço transformações econômicas, políticas
e sociais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Para a realização deste trabalho, buscou-se sempre estabelecer relações entre o
referencial teórico consultado (bem como com as discussões geradas a partir deste) e a
realidade do objeto de pesquisa, no caso, a concentração industrial calçadista da cidade de
Franca. Dessa maneira, acredita-se que tenha sido possível a construção de uma
abordagem e discussão que contemplaram os objetivos iniciais deste trabalho, alcançando
em alguns aspectos resultados que vão além daqueles esperados inicialmente.
É possível constatar que a indústria calçadista concentrada na cidade de Franca
apresenta uma importância muito grande para esse município, bem como para sua
população, uma vez que a mesma produz um importante volume de capital, além de ser
grande geradora de postos de trabalho. Entretanto, ao abordar o setor calçadista em um
contexto nacional, verificou-se que a indústria calçadista francana aparece em posição de
destaque no cenário brasileiro, não apenas pela sua capacidade de produção, mas também
pelo fato da mesma apresentar características e especificidades que potencia a cidade
SILVA, Anderson A. Reestruturação produtiva e alterações na localização industrial ...
572
como um pólo industrial, diferenciando de demais concentrações deste setor instaladas em
demais regiões do país.
A realização do trabalho de campo ao local de estudo pode ser considerado como
primordial para o desenvolvimento deste trabalho. Tanto a fase de observação, quanto à
fase de realização de entrevistas junto às empresas permitiram verificar como se estabelece
a produção do calçado a partir do chão-da-fábrica, além de possibilitar analisar como se dá
a relação entre as empresas e diversos agentes que compõem essa aglomeração, muitos
deles identificados a partir dessa ida a campo.
Além disso, esse trabalho empírico, sobretudo o realizado junto às empresas na
forma de entrevistas, associado a todo o referencial teórico analisado, permitiu identificar
uma série de características que comprova que a indústria calçadista de Franca está
passando por um processo de reestruturação produtiva, em diferentes segmentos.
Com relação à localização das indústrias no tecido urbano, tem-se que considerar
que a construção de um mapa contribuiu significamente para esta fase da pesquisa. Além
de simplesmente identificar a localização das indústrias, o mapa permitiu-nos identificar as
principais aglomerações industriais dentro do próprio sítio urbano. Relacionado com
hipóteses levantadas, além do diálogo com agentes do setor local, pode-se considerar que
está ocorrendo no interior do plano urbano uma transferência da localização das indústrias
que ocupam áreas centrais e bairros residências, para áreas mais periféricas designadas às
práticas industriais, o que pode ser característica do processo de transferência do sistema
de produção para um modelo caracterizado como mais flexível.
Para tentativa de uma maior elucidação dessa questão, o conjunto maior de
pesquisa que engloba este trabalho, e que está em fase de andamento, propõe analisar
novos conceitos ligados a ordenamento territorial, localização industrial e reestruturação
urbana. Além disso, considera-se importante consultar o Plano Diretor do município de
Franca, bem como sua Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS). Para tal considera-se
também necessário uma coleta de informações junto a empresários do setor calçadista e
representantes do poder municipal, permitindo identificar se existe na lógica dessa
transferência locacional das indústrias iniciativas da esfera pública e (ou) privada. A partir
desses procedimentos e dos resultados obtidos pelos mesmos, considera-se necessária a
realização de uma pesquisa empírica junto às empresas calçadistas da cidade. Essa
pesquisa permitirá verificar, entre outros fatores, se existe de fato uma relação entre essas
mudanças no ordenamento territorial e as mudanças ocasionadas no sistema de produção.
Por se tratar de uma concentração industrial, o estudo do pólo calçadista da cidade
de Franca pode ser considerado como importante, uma vez que possibilita a construção de
uma série de debates e discussões relacionados a assuntos trabalhados pela Geografia,
sobretudo pela Geografia Industrial. Além disso, pode-se afirmar que este trabalho gerou
novas frentes de pesquisa que ainda possam ser trabalhadas no âmbito da Geografia,
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”...
573
principalmente no que diz respeito a estudos mais particulares, como estudos de caso
específicos dentro da própria escala local.
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A RELAÇÃO ENTRE EXPANSÃO URBANA, DESEMPREGO E OCUPAÇÃO NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE
André Luiz de Araújo [email protected]
Aluno do quinto ano de Geografia UNESP-FCT, campus Presidente Prudente
Resumo: As mudanças nas redes urbanas, no território nacional, podem ser consideradas como uma das conseqüências da globalização. Ao articular diferentes lugares e regiões em torno de um mesmo circuito produtivo, conhecido como divisão territorial do trabalho, e também interligando diferentes ambientes através do consumo, o espaço urbano brasileiro torna-se ao mesmo tempo, homogêneo, numa perspectiva mais generalizada, e também reforça as particularidades regionais existentes no país. O estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, nomeado de “Regiões de Influência das Cidades”, hierarquiza os centros urbanos nacionais. Para verificar como ocorre tal hierarquização e articulação entre regiões distintas, analisamos a configuração da Região Metropolitana de Belo Horizonte, referente principalmente ao trabalho e ao desemprego, e comparamos com outras metrópoles de idêntica hierarquia, de acordo com o IBGE. Palavras-chave: rede urbana; metrópole; ocupação; desemprego.
INTRODUÇÃO O seguinte trabalho visa analisar o fenômeno das redes urbanas no Brasil
contemporâneo, mais precisamente em Belo Horizonte e em sua região metropolitana,
relacionando com a expansão urbana o desemprego e os níveis de ocupação existentes em
tal região.
A elaboração da pesquisa teve como base o estudo feito pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística-IBGE, intitulado de “Regiões de Influência das Cidades – REGIC”,
publicado no ano de 2008, com dados referentes ao ano anterior, 2007, com o objetivo de
“investigar a rede urbana brasileira para subsidiar o planejamento estatal” (REGIC, 2008).
Consideramos relevante também verificar, através de um sucinto levantamento de
dados, como ocorrem as diferenciações dentro de uma mesma classificação feita pelo
IBGE. Por isso pautamos parte do trabalho em comparar a metrópole de Belo Horizonte com
outras três metrópoles de idêntica hierarquização na REGIC, sendo elas Curitiba, Goiânia e
Porto Alegre.
REDES URBANAS NO BRASIL E O PROCESSO DE METROPOLIZAÇÃO DE BELO HORIZONTE Para definirmos as características da rede urbana nacional, temos que,
primeiramente, focar no conceito de rede urbana. George (1983) considera as redes a partir
das relações entre a cidade e a região, bem como entre a cidade e o campo. (GEORGE,
1983, p. 208).
O geógrafo brasileiro Roberto Lobato Corrêa dedicou diversas obras aos estudas das
redes urbanas, tanto para conceituá-la, quanto para verificar as redes existentes no território
ARAÚJO, André L. A relação entre expansão urbana e ocupação na Região Metropolitana ...
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nacional. Para Corrêa (1989), duas categorias – forma e função – devem ser compreendidas
para o delineamento de rede urbana: “a rede urbana pode ser considerada como uma forma
espacial através da qual as funções urbanas se realizam”. (CORRÊA, 1989, p. 70-71).
A rede urbana pode ser considerada, nas palavras de Corrêa (2001), “como um
reflexo e condicionante social, que articula variados centros urbanos”. No Brasil, prossegue
o autor, a rede urbana é extremamente dinâmica, tanto por novos rearranjos das cidades,
quanto pelo surgimento de novos centros urbanos. (CORRÊA, 2001, p. 360).
Belo Horizonte, como veremos a seguir, não é um novo centro urbano. Porém, de
acordo com sua configuração espacial e com os papéis que desempenha para a divisão do
trabalho, em âmbito nacional, articulou diversos municípios de acordo com sua expansão,
produção e consumo de espaço urbano.
Belo Horizonte foi planejada para ser a capital do estado de Minas Gerais, mas
atualmente a cidade é bastante diferente do que os seus idealizadores planejaram. Nesse
sentido, Célio de Castro, um dos que foram prefeito da cidade afirmou que
A capital desenhada por técnicos e engenheiros, estudada e planejada com rigor científico era uma cidade habitada - mais do que o traçado de suas ruas, mais que de prédios construídos, a cidade é feita de pessoas. E é no movimento diário dessa gente, no trabalho, nas escolas, nas lutas do dia-a-dia que ela ganha vida (CÉLIO DE CASTRO, s/d) 1.
Os engenheiros responsáveis pela elaboração do projeto da nova capital tinham
como idéia norteadora projetar uma cidade ordenada e que funcionasse como um
organismo saudável. Com essa idéia a futura cidade deveria ser saneada, livre de doenças,
socialmente higiênica, mas também livre de desordens e revoluções. As áreas verdes e à
arborização em geral também foram prioridades no projeto (SOUZA e RODRIGUES, 2004).
A finalização do projeto ocorreu em 1895, e foi inspirado nos modelos das cidades
consideradas mais modernas na época, como Paris e Washington. No documento a cidade
era dividida em três principais zonas: a área central urbana, a área central suburbana e a
área de sítios2. A cidade comportaria o número máximo de duzentos mil habitantes.
A inauguração da cidade ocorreu em doze de dezembro de 1897. Belo Horizonte
desde seus primeiros anos foi injusta do ponto de vista da cidadania, que deve ser
estendida a todos os cidadãos que habitam a cidade. O preço alto dos terrenos no centro foi
estipulado com a intenção de tornar o centro uma área elitizada onde habitassem os
funcionários do governo, aos operários e aos antigos moradores restaram formar as
primeiras favelas e/ou se mudarem para outros municípios próximos, como Venda Nova.
1 Retirado do domínio na internet da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Disponível em: <http: //www.belohorizonte.gov.mg.br>. Acesso em: 23 de abril de 2009. 2 Essas palavras da divisão feita pelos engenheiros, para a leitura geográfica é estranha, pois no perímetro urbano de uma cidade não há zona rural, quem a possui é o município.
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Da mesma forma que Brasília, em Belo Horizonte, nos seus primeiros anos, a
expansão urbana foi mais expressiva fora da área planejada. Villaça (2001) alerta que,
(...) esse padrão de crescimento nada tem que ver com seu equivalente nas cidades comuns, que apresentam, na periferia taxas de crescimento mais altas que nas partes centrais. Nessas cidades, as partes centrais já estão ocupadas – quando não saturadas – e nelas a população embora crescendo a taxas menores, é maior que na periferia rarefeita. Em Belo Horizonte como nos primórdios de Brasília, deu-se o oposto. (VILLAÇA, 2001, p. 124)
O processo de metropolização da região de Belo Horizonte tem sua gênese nos anos
quarenta do século XX, período marcado por importantes intervenções públicas que
definiriam os futuros liames da expansão da capital e sua conurbação com os municípios
vizinhos, principalmente a oeste e também ao norte.
Em 1946, foi inaugurada a Cidade Industrial de Contagem, cujas basilares fábricas
se alojariam na década seguinte, quando são parceladas amplas extensões de terra no
vetor oeste da região. Já para a região norte, a construção da Avenida Antônio Carlos
consolidou a expansão da metrópole para tal área.
Em meados do século XX até a década de 1960, Belo Horizonte apresentou um
grande crescimento demográfico (PLAMBEL, 1974), configurando-se tal época como
decisiva para o processo de metropolização de Belo Horizonte; os intensos processos de
industrialização e de crescimento populacional das duas décadas subseqüentes
consolidariam a configuração socioespacial metropolitana, pautada em uma divisão do
trabalho relacionada há um eixo industrial, e não apenas na capital mineira, e também
arrolada pela expansão periférica, de baixa renda, nos municípios a norte da região.
Para a consolidação de indústrias na região, os aparatos estatais se mostraram
decisivos. Através da lei estadual 5.261, de 1969, foi concedida para as empresas que se
instalassem na região 32% de isenção no ICMS. Tal lei beneficiou, de acordo com Monte-
Mór (1984), 298 projetos industriais, entre 1970 e 1975.
Nesse mesmo período supracitado, o governo federal promulgava a lei
complementar n.14, que regulamentava as regiões metropolitanas brasileiras. Belo
Horizonte estava inclusa em tal lei, em conjunto com mais sete capitais estaduais, sendo
elas: São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Porto Alegre, Curitiba, Belém e Fortaleza.
De modo geral, a expansão da Região Metropolitana de Belo Horizonte pode ser
compreendida a partir de seis grandes vetores de expansão urbana: Oeste, Norte-Central,
Norte, Leste, Sul e Sudoeste (SOUZA, 2005). A tabela a seguir facilita o entendimento dos
seis vetores, bem como os municípios que o compõem.
ARAÚJO, André L. A relação entre expansão urbana e ocupação na Região Metropolitana ...
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Quadro I. Vetores de expansão da Região Metropolitana de Belo Horizonte e seus respectivos municípios
Vetores Municípios
Oeste
Betim (1974)* Contagem (1974)
Esmeraldas (1989) Ibirité (1974)
Mário de Campos (1995) Sarzedo (1995)
Norte Central Ribeirão das Neves (1974)
Santa Luzia (1974) Vespasiano (1974)
Norte
Baldim (1999) Capim Branco (1999)
Confins (1995) Jaboticatubas (2000) Lagoa Santa (1974) Matozinhos (1999) Nova União (1999)
Pedro Leopoldo (1974) Taquaraçu de Minas (2000)
Sul
Caeté (1974) Sabará (1974)
Nova Lima (1974) Brumadinho (1989)
Raposos (1974) Rio Acima (1974) Rio Manso (1997)
Itaguara (1999)
Sudoeste
Florestal (1997) Igarapé (1989) Juatuba (1993)
Mateus Leme (1989) São Joaquim de Bicas (1995)
Fonte: Souza e Brito, 2006. ( )*: Ano de incorporação à Região Metropolitana de Belo Horizonte.
O consumo e a localização das diferentes classes sociais apresentaram certo padrão
de ocupação da região. Souza e Brito (2008, p. 16) apontam que,
A esse respeito deve-se esclarecer que os indivíduos mais pobres tiveram como destino municípios localizados nos vetores de expansão Norte Central, Sudoeste, Oeste e Leste, onde há uma concentração de loteamentos destinados à população de baixo nível de renda: periferização da pobreza. Já os mais ricos tiveram como destino municípios localizados nos vetores Sul e Norte, destacando-se os municípios de Nova Lima, Brumadinho e Lagoa Santa, respectivamente: periferização da riqueza. (Grifos do autor).
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E ainda,
Esses resultados revelam que a periferização, na RMBH, é segregada: aquela em direção aos vetores Norte e Sul pode ser denominada “periferização da riqueza”, enquanto aquela em direção aos demais Vetores de expansão reflete a “periferização da pobreza”, sendo essa última numericamente mais significativa (Idem, p. 14-15).
Nas últimas décadas do século passado, o padrão de crescimento populacional se
inverte. Se antes o núcleo metropolitano, no caso Belo Horizonte, apresentava os maiores
índices de crescimento, nesse período as cidades do entorno metropolitano sobrepujaram
as taxas populacionais, absorvendo população não apenas de novos migrantes para a
Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), mas também da própria capital do estado.
Tal fator pode ser compreendido tanto pelo elevado preço do solo urbano em Belo Horizonte
quanto pela implantação, cada vez maior, de indústrias e serviços diversos nos outros
municípios componentes da RMBH.
Assim, devemos compreender quais características inerentes à região, relacionadas
tanto com o emprego e o desemprego, que interligam os diferentes municípios.
EMPREGO, DESEMPREGO E EMPREGABILIDADE DA RMBH E DEMAIS METRÓPOLES NÍVEL “C”
Como demonstrado anteriormente, a Região Metropolitana de Belo Horizonte possui
índices demográficos bem contrastantes quando comparado com outros dados das
metrópoles nacionais. Enquanto Belo Horizonte apresenta significativas reduções
populacionais, iniciadas nas décadas de 1960 e 1970, as outras cidades que compõem a
metrópole apresentam aumento no crescimento populacional decenal, como podemos
observar na tabela a seguir:
Tabela I. Região Metropolitana de Belo Horizonte. Crescimento demográfico decenal (%)
1950/1960 1960/1970 1970/1980 1980/1991 1991/2001
Município de
Belo
Horizonte
7,0 6,1 3,7 1,1 1,5
Restante da
RMBH
... 6,2 7,5 4,8 3,89
Total da
RMBH
6,2 6,1 5,0 2,5 2,39
Fonte: IBGE, Censos Demográficos. In www.observatoriodasmetropoles.ufrj.br/como _anda/como_anda_belo_horizonte/pdf
ARAÚJO, André L. A relação entre expansão urbana e ocupação na Região Metropolitana ...
580
A análise dos dados contidos na tabela nos faz atribuir o crescimento populacional
da RMBH tanto a fatores relacionados à “divisão e flexibilização do trabalho na metrópole
mineira, quanto ao preço elevado de ocupação do solo na capital” (SOUZA, 2005, p. 38).
No desenrolar do processo de metropolização de Belo Horizonte, as características
migratórias seguiram uma tendência de acompanhamento dos “surtos de industrialização na
região, gerados pelo capital especulativo imobiliário, ora pelas políticas de incentivo à
industrialização do estado de Minas Gerais” (COSTA e PEIXOTO, 2007, p. 322), e, na
maioria dos casos, com ambos os fatores atuando em sintonia.
As políticas industriais fizeram da RMBH uma área metropolitana de grande
absorção de mão-de-obra. Como o Estado, nas suas diferentes esferas (federal, estadual e
municipal), já vinha dando benefícios para a instalação de parques industriais na região,
agora cabia ao poder público gerir e controlar o grande fluxo pendular de trabalhadores e
desempregados na RMBH.
Tais fluxos se tornaram conseqüência das maiores facilidades de transporte
metropolitano e também pela busca de condições de exercer alguma ocupação ainda no
interior da Região Metropolitana mineira.
Com uma caracterização das ocupações semelhantes, até certo ponto, de outras
metrópoles nacionais, Belo Horizonte tem, ao transcorrer do século XX, a passagem
quantitativa da mão-de-obra industrial para a mão-de-obra no setor de serviços. Assim,
identificar, na área metropolitana, quais municípios possuem as maiores taxas atuais de
empregabilidade, bem como aqueles que possuem um elevado nível de desempregados, é
de suma importância para averiguar a articulação existente na RMBH, bem como verificar a
relevância de Belo Horizonte como centro metropolitano.
Nas últimas décadas do século XX, a variação entre empregados e desempregados
na RMBH foi intensa. Primeiramente, num contexto nacional, na década de 1980, o Brasil
apresenta uma grande queda nos seus índices de produção e produtividade, e, por
conseqüência, um maior índice de desempregados, principalmente nas regiões
metropolitanas e no setor industrial.
Já na década de 1990, com a abertura econômica nacional, o Brasil adquire a
capacidade de “importar crises” (OLIVEIRA e NETO, 2002, p. 5), e, nos momentos de
recuperação econômica da chamada “década perdida”, o desemprego voltava ainda mais
temido, devido também às “crescentes inovações tecnológicas e ao crescimento contínuo do
preço da cesta básica nacional”. (OLIVEIRA e NETO, 2002, p. 13).
O resultado de tais liames econômicos para a RMBH pode ser definido na demanda
por emprego fora do centro metropolitano contrastando com as seguidas taxas de
desemprego em toda região metropolitana, ou seja, a saída para as crises de emprego não
eram uma questão municipal, e sim regional, algo que dificilmente é notado pelo senso
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
581
comum. Rolnik e Somekh (2000) discorrem sobre essa mudança de paradigma nas regiões
metropolitanas,
No caso das metrópoles ou aglomerações urbanas contínuas, a questão é ainda mais grave: a descentralização e o aumento da autonomia municipal acabaram evidenciando a não legitimidade e representatividade dos organismos existentes de gestão metropolitana, contribuindo para esvaziá-los ainda mais, quando não para extinguí-los. (ROLNIK e SOMEKH, 2000, p. 2)
Assim, o que antes ocorria, no Brasil, principalmente entre grandes regiões e entre a
relação dialética campo-cidade, começa a acontecer dentro das regiões metropolitanas, ou
seja, a busca por condições de empregabilidade de acordo com limites territoriais estritos, e
não por condições econômicas sustentáveis.
A RMBH possui índices distintos de ocupação de acordo com a interação com o
núcleo metropolitano. De acordo com Souza (2005), quanto maior a integração com Belo
Horizonte, maior é a tendência de maiores taxas de desocupação, e, quanto menor a
integração com a capital, os índices de empregabilidade apresentam uma elevação
considerável.
O que caracteriza tal dinâmica é que, apesar da Região Metropolitana de Belo
Horizonte possuir 34 municípios, poucos mantêm fluxos constantes com Belo Horizonte.
Tratam-se, principalmente nos vetores de expansão metropolitana norte e sudoeste, de
municípios com baixa densidade de serviços, e, por conseqüência, têm suas riquezas
drenadas pela capital, Belo Horizonte.
Outros fatores elucidativos são as grandes taxas, nos municípios componentes dos
vetores de expansão metropolitana supracitados, de população economicamente ativa que
possui como emprego alguma atividade rural. Graziano (1998) explicita esse fato, de modo
geral,
[...] como a dinamicidade do campo brasileiro, pois enquanto as regiões urbanas, e, sobretudo as metropolitanas, apresentam grandes variações de emprego e desemprego, nas áreas rurais a flutuação é menor, servindo, muitas vezes, de escopo para que a queda nas taxas de desemprego não sejam tão sobrepujadas. (GRAZIANO, 1998, p. 56).
Um último argumento plausível é que esses municípios menores e que possuam
relações esporádicas com Belo Horizonte possuem uma população que se ocupa em
pequenos estabelecimentos comerciais, para servir a população local, e também serviços
variados, com o mesmo intuito. Ou seja, sua dinamicidade econômica, por ser baixa, não é
afetada diretamente pela conjuntura e estrutura geral da Região Metropolitana.
ARAÚJO, André L. A relação entre expansão urbana e ocupação na Região Metropolitana ...
582
Tabela II. Índices de desemprego na Região Metropolitana de Belo Horizonte (PEA,
%)
1991 2000 2009 (até abril)
Município de Belo
Horizonte
12,5 10 7,5
Restante da RMBH 5,8 4,2 3,3
Total da RMBH 18,3 14,2 10,8
Fonte: DIEESE/SEADE. PED- Pesquisa de Emprego e Desemprego. Elaboração própria Para compreender de forma mais elaborada a relevância das taxas de emprego e
desemprego da Região Metropolitana de Belo Horizonte, iremos agora comparar os dados
da RMBH com de outras regiões metropolitanas que constam, no mesmo nível hierárquico,
na REGIC; são elas Curitiba, Goiânia, e Porto Alegre.
Deve-se, num primeiro momento, considerar as particularidades de cada Região
Metropolitana, pois apesar de ocuparem a mesma hierarquia, cada qual possui índices
distintos de alfabetização, de empregados na indústria, no comércio e nas atividades de
serviços.
Trataremos aqui da comparação direta dos dados, para, em seguida, esboçar
algumas considerações acerca de seus números.
A Região Metropolitana de Curitiba (RMC) é composta por 26 municípios, e
apresenta de maneira análoga à Belo Horizonte, uma grande participação da população nos
setores industriais e de serviços. Dados do IBGE, datados do ano de 2000, revelam que
havia, na região metropolitana, havia um percentual de 14,4 de população desocupada.
Já a Região Metropolitana de Goiânia (RMG), que contém 11 municípios, possuía,
em 2000, 12,5 % de desocupados. Vale lembrar que, dentre as metrópoles do nível c, de
acordo com a REGIC, Goiânia apresenta as menores taxas de valor adicionado na indústria,
nos serviços e na administração pública, ou seja, só lidera na taxa de valor adicionado à
agropecuária.
Por fim, a Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) apresentava um percentual
de 15 % de desocupados, no ano de 2000. O diferencial da RMPA, com relação às outras
metrópoles em questão, é a participação dos serviços em sua economia e na participação
da população com emprego nessa área, revelando, dessa forma, uma maior independência
da atividade econômica capitalista típica do século XX, a saber, a instalação de parques
industriais.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
583
CONCLUSÃO Após verificar os processos de consolidação de uma metrópole, e por conseqüência,
de um dos principais “nós” da rede urbana nacional, tanto por ser a terceira maior
aglomeração metropolitana do país, em termos populacionais, quanto por possuir uma gama
de indústrias, serviços e centros de pesquisa encontrada em poucos pontos do território
nacional, podemos afirmar que a Região Metropolitana de Belo Horizonte sofre reflexos
tanto dos interesses inerentes da economia global (o que se refletiu em taxas elevadas de
desemprego no final do século XX), como, em escala local, tem que administrar tais
conseqüências em seu território.
Os diferentes níveis de desemprego entre as metrópoles com a mesma hierarquia
apenas reforçam as características locais como reprodutora do espaço urbano, sempre
articulando interesses regionais e globais, para o crescimento da economia. Ponto negativo
de tal fato é que tal crescimento das áreas metropolitanas, num viés econômico, não agrega
boa parte da população, principalmente a de baixa qualificação, que fica dependente de
surtos de crescimento para conseguir alguma ocupação.
Resolver tal situação não é fácil, pois é de nosso conhecimento que o Brasil é um
país subdesenvolvido, e que por isso se apresenta mundialmente muito mais como reflexo
dos interesses capitalistas mundiais que ator decisivo de suas políticas públicas, inclusive
urbanas. Uma alternativa seria os meios de gestão metropolitana tornarem-se mais
democráticos, transparentes, e ter a concepção de que problemas metropolitanos não
seguem os limites territoriais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CORREA, R. L. Rede urbana. São Paulo: Àtica, 1989. ________, R. L. A rede urbana brasileira e sua dinâmica: algumas reflexões e questões. Urbanização e cidades: perspectivas geográficas. Maria Encarnação Beltrão Sposito (org). Presidente Prudente: UNESP-FCT, 2001. COSTA, H. S. M.; PEIXOTO, M. C. D. Dinâmica imobiliária e regulação ambiental: uma discussão a partir do eixo sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Revista brasileira Est. Pop., São Paulo, v. 24, n. 2, p. 317-336, jul./dez. 2007. GEORGE, Pierre. Geografia Urbana. São Paulo: Difel, 1983. GRAZIANO, José. A nova dinâmica da agricultura brasileira. Campinas/SP: Ed. Da UNICAMP, 1998. ROLNIK, Raquel.;SOMEKH, Nadia. Governar as metrópoles: dilemas de recentralização. São Paulo em perspectiva. São Paulo, 2000. SOUZA, M. L.; RODRIGUES, G. B. Planejamento urbano e ativismos sociais no Brasil. São Paulo, Editora UNESP, 2004.
ARAÚJO, André L. A relação entre expansão urbana e ocupação na Região Metropolitana ...
584
SOUZA, R. G. V. A expansão urbana da Região Metropolitana de Belo Horizonte suas implicações para a redistribuição espacial da população: o caso do município de Nova Lima – 1991/2000. Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG, 2005. (Dissertação de Mestrado). SOUZA, R. G. V.; BRITO, F. R. A. A expansão urbana da Região Metropolitana de Belo Horizonte suas implicações para a redistribuição espacial da população: a migração dos ricos. In. Anais do XV Encontro de Estudos Populacionais, ABEP. Caxambu set. 2006. SPOSITO, E. S. Redes e cidades. São Paulo: Editora UNESP, 2008. SPOSITO, M. E. B. O chão em pedaços: urbanização, economia e cidades no Estado de São Paulo. Tese de Livre Docência, UNESP, 2004. SINGER, P. O uso do solo urbano na economia capitalista. Boletim Paulista de Geografia, São Paulo, n. 57, p. 77-92, dez., 1980. VILLAÇA, F. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel, FAPESP: Lincoln Institute, 2001. SITES CONSULTADOS www.ibge.gov.br. 2009, disponível em www.ibge.gov.br. Acesso em 05 de maio de 2009. www.cedeplar.ufmg.br. 2009, disponível em www.cedeplar.ufmg.br. Acesso em 05 de maio de 2009. www.dieese.org.br 2009, disponível em www.diesse.org.br. Acesso em 08 de junho de 2009. www.observatoriodasmetropoles.net 2009, disponível em www.observatoriodas metropoles.net/como_anda. Acesso em 08 de junho de 2009.
A CENTRALIDADE URBANA NA ZONA NORTE DE LONDRINA – PR1
Andréa Rodrigues dos Santos Beidack [email protected]
Universidade Estadual de Londrina
RESUMO: O objetivo deste trabalho é analisar os diferentes caminhos pelos quais a zona norte de Londrina teve suas funções urbanas realocadas adquirindo intensa centralidade no contexto econômico da cidade. Procurar-se-á focalizar as diferentes articulações entre os agentes responsáveis pela produção do espaço urbano da zona norte, como o Estado, o capital privado e a classe trabalhadora. A zona norte de Londrina começou a ser produzida no final dos anos de 1970, a partir da construção de gigantescos conjuntos habitacionais distantes do centro da cidade e carentes de infra-estrutura, com a dotação de infra-estrutura e a instalação de equipamentos de consumo coletivo, o capital privado encontrou possibilidades de investimento nesta porção da cidade. A rápida expansão físico-territorial e econômico-social que adquiriu a zona norte, levou à necessidade de um subcentro para atender o intenso e exigente mercado consumidor que passou a ocupar esta porção da cidade, adquirindo então a zona norte, uma forte centralidade no contexto econômico da cidade, a partir da atração de uma variedade de atividades ligadas principalmente ao comércio e prestação de serviços.
INTRODUÇÃO
Apresenta-se nesse artigo, uma discussão sobre a centralidade da zona norte de
Londrina, representada pelo subcentro da Avenida Saul Elkind, levando-se em conta os
elementos que contribuíram para a sua consolidação e os motivos que possibilitaram sua
expressividade no contexto econômico da cidade e, em especial, da zona norte.
A formação do subcentro da Avenida Saul Elkind está relacionada ao processo de
produção do espaço urbano da zona norte de Londrina, iniciado nos final da década de 1970
com a atuação do Estado a partir da produção dos conjuntos habitacionais, distantes do
centro da cidade e carentes de infra-estrutura; rapidamente, após a dotação de infra
estrutura, a zona norte passou a ser alvo do capital privado na implantação de loteamentos
e nos investimentos nos setores industrial, comercial e prestador de serviços.
Nos dias atuais, tendo em vista o grande crescimento físico-territorial e econômico-
social que adquiriu esta porção da cidade, é evidente as mudanças no padrão de moradias
nos conjuntos habitacionais e nos loteamentos da iniciativa privada, resultado da mudança
de conteúdo social e do aumento do poder aquisitivo de boa parcela da população da zona
norte, fatores estes apontados como responsáveis pela atração dos investimentos de
capitais em atividades comerciais e prestadoras de serviços nesta porção da cidade. Tendo
em vista o potencial de compra do mercado consumidor, o capital sente-se atraído a investir
nesses locais onde estão concentrados além do mercado consumidor, a mão de obra
necessária ao processo produtivo.
1 Este artigo é parte da Dissertação de Mestrado que está sendo desenvolvida junto ao Programa de Mestrado em Geografia, Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Estadual de Londrina, sob o título: Análise da Produção do Espaço Urbano de Londrina/PR: de cincão à zona norte – 1970 – 2007, sob a orientação da Profa Dra Tânia Maria Fresca..
BEIDACK, Andréa R. S. A centralidade urbana na Zona Norte de Londrina-PR
586
Tendo em vista a grande importância que exerce a centralidade no processo de
produção do espaço urbano da zona norte, tentaremos aqui fazer uma análise sobre a
centralidade na zona norte e a formação do subcentro da Avenida Saul Elkind, inserido no
processo de estruturação urbana do espaço londrinense2.
ABORDAGEM TEÓRICO-CONCEITUAL SOBRE A CENTRALIDADE URBANA
Sendo a centralidade urbana fruto das ações sociais no espaço urbano da cidade,
do espaço entendido enquanto produto, condição e meio para e das ações socialmente
estabelecidas, é importante recorrer-se à formação econômico social e espacial (SANTOS,
1982), para quem esta categoria diz respeito à evolução das sociedades em suas relações
de produção, ou seja, o seu trabalho de transformar o espaço com o qual se confronta.
Segundo Silva (2006), temos o espaço como elemento que atribui nexo às relações
que estruturam a formação sócio espacial que, por sua vez, é inexoravelmente relacionada
às formações econômicas e sociais e que, pela mesma lógica, representam recortes da
totalidade do modo de produção. O espaço realiza e é realizado pelo social, sendo
absolutamente indissociável da sociedade por ser a sua possibilidade de concretude,
condição e variável de existência e resultados das suas ações.
A cidade capitalista é o lugar privilegiado de ocorrência de uma série de processos
sociais, entre os quais a acumulação de capital e a reprodução social têm importância
fundamental. Entre processos sociais, de um lado, e as formas espaciais de outro, aparece
um elemento mediatizador que viabiliza que os processos sociais originem as formas
espaciais. Esse elemento viabilizador constitui-se em um conjunto de forças atuantes ao
longo do tempo, postas em ação pelos diversos agentes modeladores, e que permitem
localizações e relocalizações das atividades e da população na cidade. São os processos
espaciais, responsáveis imediatos pela organização espacial desigual e mutável da cidade
capitalista (CORRÊA, 1989).
De acordo com o autor, trata-se de uma expressão empregada por geógrafos para
tentar dar conta do que ocorre no espaço ao longo do tempo. Visto como um conceito
geográfico, tem sido considerado de modo inadequado: ora é visto como sinônimo de
deslocamento, como a jornada para o trabalho ou fluxos de bens e serviços sobre o espaço
de uma dada região. A verdade é que estes processos espaciais irão gerar, dentre várias
formas, a centralização e a área central e também a descentralização e os núcleos
secundários ou subcentros, processos estes bastante aparentes na cidade de Londrina e na
zona norte.
2 Para um aprofundamento no tema referente à centralidade e estruturação urbana de Londrina, é imprescindível a leitura das obras de Silva (2002) e Silva (2006).
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
587
Centros principais e a estruturação do espaço urbano expressam centralidades em
diferentes níveis e dimensões que muitas vezes extrapolam a escala de seus espaços
urbanos, articulando as cidades, na rede urbana regional, em algumas cidades ocorre a
concentração das atividades urbanas, ligadas à localização dos meios de consumo
coletivos, e em outras, como é o caso de Londrina, ocorre a dispersão dessas atividades
(SILVA, 2006).
O Centro Principal da cidade, considerado um elemento da estrutura urbana, para
Castells (1983), designa ao mesmo tempo um local geográfico e um conteúdo social, é o
espaço que permite além das características de sua ocupação, uma coordenação das
atividades urbanas, uma identificação simbólica e ordenada destas atividades e, daí, a
criação das condições necessárias à comunicação entre os atores.
É o local onde se faz as trocas e de onde se coordena as atividades
descentralizadas, onde se concentra as atividades ligadas ao Central Business District,
como o comércio e a gestão administrativa, financeira e política. Existe, no entanto, uma
troca de bens e serviços, além de coordenação e direção de atividades descentralizadas,
complementou Castells.
O centro é esta parte da cidade onde estão implantados serviços que se endereçam
ao maior número de consumidores ou a usuários específicos, e a proximidade espacial não
intervém absolutamente na utilização dos serviços oferecidos (CASTELLS, 1983, p. 273). A
facilidade na acessibilidade faz com que essa área possa emergir dentro da grande cidade,
dado o esquema centralizador dos meios de transporte.
Para Castells (1983) O que se assiste cada vez de forma mais intensa, é uma perda
do papel propriamente comercial do centro da cidade, à medida que a cidade se estende,
que a mobilidade dos cidadãos aumenta e que se desenvolvem outras formas de compra,
além do contato direto. O centro da cidade mantém uma função de troca altamente
especializado, quando esta função se descentraliza é que o velho centro urbano se define
cada vez mais por seu papel de gestão e de informação.
A desconcentração da função comercial conduz à criação de novos centros de troca,
servindo às áreas urbanas determinadas, ou aproveitando-se de uma situação na rede dos
fluxos cotidianos da metrópole (CASTELLS, 1983, p. 281). É o que se observa em Londrina,
onde a Zona Norte passou a receber a instalação de meios de consumo coletivo e devido à
distância em relação ao Centro Principal, uma concentração de estabelecimentos
comerciais e prestadores de serviços, constituindo aos poucos um subcentro.
Os subcentros são designados por Villaça (2001, p. 293) como “[...] aglomerações
diversificadas e equilibradas de comércio e serviços, que não o centro principal”. Consistem,
portanto, numa réplica em tamanho menor do centro principal, com o qual concorre em
parte, sem, entretanto, a ele se igualar. Atende aos mesmos requisitos de otimização de
acesso apresentados anteriormente para o centro principal. A diferença é que o subcentro
BEIDACK, Andréa R. S. A centralidade urbana na Zona Norte de Londrina-PR
588
apresenta tais requisitos apenas para uma parte da cidade, e o centro principal para toda a
cidade.
A CENTRALIDADE URBANA NA ZONA NORTE DE LONDRINA
Logo após sua gênese, marcada a partir da intensa construção dos conjuntos
habitacionais na segunda metade dos anos de 1970, a zona norte de Londrina lentamente,
por reivindicações populares, passou a receber a instalação de meios de consumo coletivos
e, devido à distância em relação ao centro principal, uma grande concentração de
estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços.
De início, por se tratar de uma área popular e de baixa mobilidade em virtude das
dificuldades de transporte, os estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços que
foram se instalando, eram de propriedade dos moradores locais, que construíam o pequeno
comércio em frente de suas casas ou nos quintais, buscando abastecer a população com
produtos de primeira necessidade.
Em princípio, o comércio era rudimentar, pequenos estabelecimentos, como lojas de
artesanato, bares, depósitos de materiais de construção, chaveiros, mercearias, entre
outros, localizados especialmente na Avenida Saul Elkind. À medida que houve a
implantação de infra-estrutura, a área foi sendo valorizada, e houve a instalação de filiais
dos estabelecimentos do centro principal de Londrina.
É na Avenida Saul Elkind, uma das principais vias da zona norte, que foi criado um
subcentro na cidade de Londrina, resultado da descentralização dos serviços do centro
principal, associada entre vários fatores, ao crescimento da cidade, tanto em termos
demográficos como espaciais, ampliando as distâncias entre a Área Central e as novas
áreas residenciais (CORREA, 1989).
A origem da Saul Elkind se confunde com a origem da zona norte e remonta aos
anos de 1970,
Depois da geada de 1975, decretando o fim da velha cafeicultura, a Região Norte que já tinha seus primeiros conjuntos habitacionais, receberia as grandes levas de migrantes rurais, surgindo a Saul Elkind, predestinada a ser um fenômeno comercial que continua a se firmar com a típica rapidez londrinense (LONDRINA, 2002).
De acordo com Santos (2004) a Avenida Saul Elkind teve sua gênese articulada ao
planejamento realizado pela Cohab-Ld quando do início da produção dos Cinco Conjuntos.
Tratava-se, no entanto, de uma avenida de pequena extensão que tinha por objetivo servir
àqueles primeiros conjuntos habitacionais situados na direção leste dos Cinco Conjuntos.
No mapa a seguir, é possível observar a localização da Saul Elkind e da zona norte de
Londrina.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
589
À medida que novas terras iam sendo incorporadas ao uso urbano,
gradativamente a avenida ia sendo estendida no sentido leste-oeste, até alcançar a
extensão atual. Nos dias atuais, toda a sua extensão é pavimentada e possui 2 pistas,
sendo de uma pista apenas no seu extremo oeste, nas proximidades do jardim São
Jorge, onde o espaço urbano se confunde com o rural.
Conforme dados da Secretaria de Obras e pavimentação da Prefeitura de
Londrina, a avenida começou a ser pavimentada e duplicada no ano de 1979,
coincidindo, quase sempre, com a entrega dos conjuntos habitacionais pela Cohab-Ld. À
medida que a infra-estrutura foi sendo implementada, novas vias públicas de acesso ao
Centro Principal foram sendo construídas, a zona norte e a Avenida Saul Elkind ia sendo
firmadas como importante local de circulação de mercadorias e reprodução do capital,
reforçando sua constituição como área central3 (mapa 1).
Mapa 1: Localização da zona norte de Londrina e da Avenida Saul Elkind
3 Apesar de tratarmos a zona norte toda a área situada ao norte da BR-369, é importante dizer que existem várias áreas em que o comércio se desenvolve intensamente, mas nenhuma delas exerce o grau de centralidade como aquele apresentado pela Avenida Saul Elkind, por este motivo, trataremos mais especificamente da Saul Elkind e suas adjacências.
BEIDACK, Andréa R. S. A centralidade urbana na Zona Norte de Londrina-PR
590
Importante ressaltar também a presença de dois terminais de transportes coletivos,
o Terminal do Vivi Xavier e do Milton Gavetti, elementos importantes no âmbito da análise
da acessibilidade como um dos elementos reestruturadores do espaço urbano, pois o
transporte coletivo urbano contribui para a formação das áreas centrais, pois facilita o
deslocamento e permite que as pessoas morem longe de seus locais de trabalho e de
consumo. A melhoria dos transportes, não só o coletivo como também o individual, reforçam
a formação de novas centralidades.
Vale enfatizar que a descentralização do transporte coletivo em Londrina começou
em 1992, com a construção dos terminais de integração – de bairro. “Temos uma tendência
de formação e reforço da centralidade nas áreas onde estes se instalaram, pois houve a
modificação dos fluxos internos no espaço urbano e modificando a própria estruturação do
espaço urbano” (SILVA, 2002, p. 66).
Pesquisa recente da Companhia Municipal de Transito e urbanização destacou que
aumentou o acesso ao transporte coletivo em Londrina e a zona norte lidera com 43% dos
acessos. Segundo reportagem da Folha Norte (AUMENTA, 2008) os ônibus que fazem o
transporte coletivo urbano de Londrina registraram uma média de 3,53 milhões de acessos
de passageiros por mês em 2007. Com cerca de 150 mil habitantes, a zona norte é a que
mais utiliza o transporte coletivo em londrina, totalizando a média 1.532.670 acessos por
mês em 2007, índice que equivale a 43% do total registrado em toda a cidade no mesmo
período. “Atualmente, 112 ônibus percorrem o itinerário das 27 linhas que cobrem a região e
transportam diariamente cerca de 50 mil passageiros”, revela Wilson Santos de Jesus,
gerente de trânsito da CMTU.
Ainda na década de 1980, a Avenida Saul Elkind já despontava como local de
concentração de bares, restaurantes, festas, etc, para o lazer familiar e pessoal. No final dos
anos de 1980, muita coisa já havia mudado: dotação infra-estrutura, equipamentos coletivos,
ampliação no número de estabelecimentos comerciais e prestação de serviços na Saul
Elkind, preconceituosamente denominada de “Higienópolis dos pobres”4.
A partir da década de 1990, uma nova dinâmica se estabeleceu na zona norte: a
mesma passou a ser alvo de importantes investimentos em comércio e prestação de
serviços, dezenas de empresas situadas no centro da cidade, encontraram na zona norte,
em especial na Saul Elkind, possibilidades de lucros maiores.
Nos anos de 1990, a chegada de duas unidades produtivas, a Dixie Toga e da
Elevadores Atlas, ambas transferidas de São Paulo em 1997 e 1998, acabou favorecendo
novos investimentos em diferentes atividades nesta direção da cidade, uma vez que
provocou alterações no mercado imobiliário, mediante a expectativa de chegada de novos 4 Higienópolis é uma avenida que corta a região central de Londrina, no sentido norte-sul, composta por edifícios residenciais de alto padrão, comércio, serviços e equipamentos urbanos altamente seletivos. Sendo assim, a Saul Elkind passou a receber esta denominação numa alusão preconceituosa à Avenida Higienópolis (THEODORO, 1989).
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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moradores transferidos de São Paulo, geração de empregos e faturamento de tributos. Tem-
se aí a atuação do Estado alterando a produção interna da cidade, à medida que cria área
de expansão, afeta artificialmente os preços do mercado imobiliário e cria infra-estrutura que
valoriza indiretamente áreas ainda não ocupadas (FRESCA, 2002).
Após a chegada dessas unidades produtivas, em seguida, houve a construção do
Hipermercado Muffato, em 2001, além de dezenas de outras unidades ligadas a diferentes
ramos industriais, comerciais e prestadores de serviços.
Segundo Everton Muffato, diretor do grupo, em entrevista ao Jornal Folha Norte
(GRUPO, 2008), quando o grupo abriu a loja da Saul Elkind, todo mundo falava que não
teria mais investimentos nos Cinco Conjuntos. Na época, a cidade passava por um período
turbulento na política. “Mas nós, como sempre fizemos, acreditamos na cidade e,
principalmente na região norte”. Construindo o Muffato da Saul Elkind,
[...] levamos um hipermercado e mais produtos de um completo centro comercial. Com isso, investimos no futuro da região. Hoje, os frutos mostram que estávamos mais do que certos. Nossa loja na região norte é uma das principais do grupo, dá a mesma média de retorno que as outras. Na verdade, os moradores dos Cinco Conjuntos foram os responsáveis por levar o Muffato ao top de marcas (Depoimento de Everton Muffato à Folha Norte EM 2008 (GRUPO, 2008)).
Hoje, quem faz um rápido passeio pela Avenida Saul Elkind não tem dificuldade
para adquirir bem ou contratar serviço. A principal via comercial dos cinco conjuntos, além
de outras ruas oferecem estabelecimentos de comércio, serviços e lazer que suprem todas
as necessidades dos cerca de 150 mil moradores da área.
Confecções, calçados, eletrodomésticos, móveis, materiais de construção, beleza e
cosméticos, serviços de saúde, alimentação, tudo pode ser encontrado na área, facilitando a
vida do consumidor que não precisa se deslocar até o centro da cidade.
De olho nesse mercado consumidor, grandes redes nacionais e regionais como o
Boticário, no setor de cosméticos; no setor de móveis e eletrodomésticos encontram-se o
Magazine Luiza, Lojas Colombo, Móveis Romera, Móveis Brasília; no setor de calçados,
Bolivar Calçados, Casas Ajita, Mocassim Calçados; no ramo de medicamentos, destacam-
se a rede de farmácias Vale Verde, Drogamais e Nissei, entre outros ramos como
alimentício, vestuário, bares e restaurantes, matérias de construção, etc.
Adalberto Bueno, supervisor regional do grupo Colombo disse que a opção pela
Saul deve-se “[...] à importância econômica da região norte, que dispõe de comércio e
parque industrial fortes”. “A região tem economia própria e população maior do que a de
muitas cidades do estado, além disso, muitos dos seus moradores já são nossos clientes”
(REGIÃO, 2008).
No setor de prestação de serviços, destacam-se um posto de serviço da Sercomtel
(Serviço de Telecomunicações de Londrina), da Sanepar (Companhia de Saneamento do
Paraná), da Copel (Companhia Paranaense de Energia Elétrica), laboratórios de análises
BEIDACK, Andréa R. S. A centralidade urbana na Zona Norte de Londrina-PR
592
clínicas, clínicas médicas, odontológicas e veterinárias, escritórios contábeis, advocacia,
cartório, escolas de inglês e informática, oficinas elétricas e mecânicas, eletrônicas, postos
de gasolina, lotéricas, só para citar alguns exemplos. Importante ainda mencionar a
presença de uma emissora de rádio, a Cincão FM, situada no Conjunto Habitacional Violim.
Entre as atividades relacionadas ao lazer, dentre as formas presentes na zona
norte, citam-se alguns clubes como o Primavera e o Maria Cecília, os Lagos Cabrinha e
Lago Norte, dezenas de bares e restaurantes além da presença do Estádio do Café, o
Autódromo Ayrton Senna e o Cartódromo, estes abrangendo uma escala mais regional.
Não se esquecendo do setor bancário, já bastante intenso na zona norte, sendo
marcante a presença de agências como a do Banco Itaú, o Bradesco, a Caixa Econômica
Federal, já quase em fase de inauguração uma agência do Banco do Brasil além de
diversos caixas eletrônicos implantados no Super Muffato e nas proximidades do Terminal
do Vivi Xavier.
O superintendente regional da CEF, Sr Roberto Luiz Bachmann, comentou em
entrevista à Folha Norte (REGIÃO, 2008) que a instituição decidiu instalar uma de suas
unidades após estudar o potencial da área.
Antes de nos instalarmos lá, já tínhamos realizado uma análise do cenário de pujança da região norte, quando a população ainda estava nos 100 mil hab. E, a partir dessa análise, acreditamos na zona norte e fomos o primeiro banco a instalar uma agência lá.
Segundo o arquiteto Fausto Lima da UEL, que estuda o fenômeno do
crescimento econômico da zona norte, o mercado busca áreas com potencial de
consumo. “Só há abertura de bancos, filiais de lojas tradicionais, supermercados e
boutiques, atração de médicos, dentistas, advogados, quando a região é atraente para
esses segmentos” (REGIÃO, 2008). As fotos 1 a 3 mostram algumas das atividades
comercias e prestadoras de serviços presentes na Saul Elkind.
Para Marcelo Cassa, presidente da ACIL (Associação comercial e Industrial de
Londrina), o comércio da cidade é muito diversificado e além das lojas do centro e dos
shoppings, o setor é bastante forte nos bairros. “Entre todos os comércios de bairro,
observamos que a região norte possui o mais desenvolvido de Londrina”. Observou
Cassa ainda, em entrevista à Folha Norte (REGIÃO, 2008), que uma das prioridades no
ano de 2008 era reunir novos associados, entre eles os comerciantes da zona norte.
Aos domingos, a Avenida Saul Elkind transforma-se em local de comércio, serviços
e lazer, através da feira livre (foto 4), a maior em extensão física, volume de mercadorias
e de pessoas da cidade, beneficiando consumidores, feirantes e comerciantes locais, que
abrem seus estabelecimentos em resposta à circulação de pessoas e de capital
impulsionados pela feira.
De acordo com Santos (2004), a feira livre da Saul Elkind surgiu no início da
década de 1980, entre os anos de 1982 e 1983, no bojo do processo de construção de
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
593
vários conjuntos habitacionais no norte da cidade; desempenhando desde o seu início,
um importante papel no abastecimento de produtos hortifrutigranjeiros para a população
residente naquela porção da cidade.
Fotos 1 e 2: Vista da Avenida Saul Elkind em uma tarde de domingo. Observa-se a grande concentração de atividades comercias e prestadoras de serviços típicas da área central, como uma filial do Banco Bradesco, Darom Móveis, Móveis Romera, Magazine Luiza, Banco Itaú,entre outras. Fonte: Beidack (2009)
Fotos 3 e 4: À esquerda, um conjunto de pequenas galerias compõem o Shopping Topázio, situado no subcentro da Avenida Saul Elkind. Destacam-se os ramos de estética e beleza, ótica e relojoaria, serviços odontológicos, vendas de motos, entre outros. À direita, a feira livre é uma opção de compras e lazer. Centenas de barracas se espalham por três diferentes setores: feira do produtor, hortifrutigranjeiros e camelôs. Consumidores, feirantes, vendedores ambulantes e comerciantes locais se beneficiam dessa importante atividade. Fonte: Beidack (2009)
Com a rápida expansão físico-territorial e populacional da zona norte, a feira também
adquiriu maior importância e expandiu-se em número de barracas. Atualmente, comporta
BEIDACK, Andréa R. S. A centralidade urbana na Zona Norte de Londrina-PR
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três setores distintos: hortifrutigranjeiros, camelôs e feira do produtor, dispostos em 11
quarteirões, além dos diversos vendedores ambulantes que percorrem toda a sua extensão,
vendendo produtos diversos, como brinquedos, redes, queijos, castanhas, roupas, calçados,
entre outros.
A feira livre proporciona renda para dezenas de trabalhadores que sobrevivem dessa
atividade, é fonte de abastecimento alimentar para a população, gera empregos informais,
além de contribuir para o desenvolvimento econômico da zona norte.
Segundo Santos (1979, p. 29) as modernizações atuais nos países do Terceiro
Mundo criam um número limitado de empregos, visto que as indústrias instaladas são de
alto coeficiente de capital. Quanto à agricultura, ela também vê diminuir os seus efetivos, ou
porque é atrasada ou porque está se modernizando. Por estes motivos, existe uma
porcentagem elevada de pessoas que não têm atividades nem rendas permanentes. A
existência de uma massa de pessoas com salários muito baixos ou vivendo de atividades
ocasionais, ao lado de uma minoria com rendas muito elevadas, cria na sociedade uma
divisão entre aqueles que podem ter acesso de maneira permanente aos bens e serviços e
aqueles que, tendo as mesmas necessidades, não tem condições de satisfazê-las.
Isso cria diferenças qualitativas e quantitativas no consumo. Essas diferenças são a causa e o efeito da existência, ou seja, da criação ou da manutenção, nessas cidades, de dois circuitos de produção, distribuição e consumo dos bens e serviços.
O circuito superior e o inferior da economia convivem juntos na dinâmica econômica
da zona norte, de um lado, um setor moderno, com alto uso de tecnologia e organização,
constituído pelos bancos, comércio e indústria de exportação, indústria urbana moderna,
serviços modernos, atacadistas e transportadores; e, de outro lado, o circuito inferior,
constituído essencialmente por formas de fabricação não “capital intensivo”, pelos serviços
não modernos fornecidos “a varejo” e pelo comércio não moderno e de pequena dimensão
(SANTOS, 1979, p. 30). Destaque para os numerosos vendedores ambulantes que vendem
uma gama cada vez mais variada de produtos industriais e as diversas outras formas de
trabalho informal que se desenvolvem na zona norte, carrinhos de caldo de cana e barracas
e carrinhos de cachorros quente, entre outros.
Outro importante elemento impulsionador dos investimentos da iniciativa privada na
zona norte, no que se refere à abertura de loteamentos e atividades ligadas aos setores
industrial, comercial e prestadores de serviços, foi a duplicação da Rodovia Carlos João
Strass, que faz a ligação da zona norte com o centro principal da cidade e a zona sul e, no
outro extremo, liga Londrina às cidades vizinhas como Sertanópolis, Primeiro de Maio, entre
outras.
A referida rodovia proporcionou fluidez ao tráfego, facilitou o acesso e o fluxo de
veículos, serviu para atrair novos investimentos e favoreceu a especulação e a conseqüente
valorização imobiliária. Disse o empresário Raul Fulgêncio em entrevista à Folha Norte
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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(REGIÃO, 2008) “[...] uma avenida com toda a infra-estrutura, acelera o processo de
valorização do imóvel”.
O Estado, como responsável pelo provimento de boa parte dos serviços urbanos,
essenciais tanto às empresas como aos moradores, desempenha importante papel na
determinação das demandas pelo uso de cada área específica do solo urbano e, portanto,
de seu preço. Sempre que o poder público dota uma zona qualquer da cidade de um serviço
público, ele desvia para esta zona demandas de empresas e moradores. Estas novas
demandas estão preparadas a pagar pelo uso do solo, em termo de compra ou aluguel, um
preço maior do que quando esta ainda não dispunha do serviço. Daí a valorização do solo
nesta zona (SINGER, 1979).
Segundo o autor, as transformações no preço do solo acarretadas pela ação do
Estado são aproveitadas pelos especuladores, quando estes têm possibilidade de antecipar
os lugares em que as diversas redes de serviços urbanos serão expandidas. Porém, esta
antecipação nem sempre é factível e quando o é a concorrência entre os especuladores
pode forçar a elevação do preço antes que o melhoramento previsto se realize, é o que
Rangel (2004) denomina de Quarta Renda, auferida em virtude da expectativa de
valorização.
Para Villaça (2001) seja no espaço intra-urbano, seja no regional, a estrutura
espacial advém das transformações dos pontos, entre eles, da melhoria da acessibilidade.
Isso ocorre, seja na exploração das terras valorizadas pelas ferrovias através das
companhias de colonização, seja nas grandes obras urbanas que introduzem novas
acessibilidades. Estas, variam de acordo com os veículos utilizados. Continuou o autor:
Sendo os transportes intra-urbanos os maiores determinantes das transformações dos pontos, as vias de transporte têm enorme influência não só no arranjo interno das cidades, mas também sobre os diferenciais de expansão urbana (VILLAÇA, 2001, p. 79 – 80)
Inúmeros barracões industriais começaram a ser instalados às margens da rodovia
Carlos Strass após sua duplicação. Além das iniciativas de pequenos empresários, o acesso
proporcionado pela Strass já rendeu dois grandes empreendimentos à zona norte: o
Londrina Norte Shopping, do grupo Catuaí, além do Maxi atacado, do grupo Wal-Mart. O
modelo de negócio foca as classes C e D e os pequenos comerciantes.
Liderado pelo empresário Alfredo Khouri, o grupo Catuaí planeja construir o
Londrina Norte Shopping (fotos 5 e 6), impulsionando o desenvolvimento da zona norte,
após impulsionar o crescimento da zona sul de Londrina com a construção do Catuaí
Shopping, há 18 anos. Segundo o empresário Alfredo Khouri, o grupo decidiu investir na
zona norte depois de comprovar que esta já estava consolidada como um dos principais
pólos de desenvolvimento dentro do município. Comentou Khouri durante entrevista à Folha
Norte (GRUPO, 2008):
BEIDACK, Andréa R. S. A centralidade urbana na Zona Norte de Londrina-PR
596
Fotos 5 e 6: Área em que será construído o futuro Londrina Norte Shopping do Grupo Catuaí Khouri. O local possui ótima acessibilidade, próximo à Rodovia Carlos Strass e ao Terminal Urbano do Milton Gavetti, tem uma ótima vista do centro da cidade e situa-se em uma das áreas mais valorizadas da zona Norte. Fonte: Beidack (2009)
[...] é uma próspera região da cidade, que tem excelência na qualidade de vida. O povo que mora aqui é extremamente próspero e trabalhador. Por isso, queremos participar do crescimento da região norte, assim como temos participado na região sul (GRUPO, 2008).
O empresário disse ainda que o alto número de cadastros de moradores da zona
norte nas lojas do Catuaí Shopping, foi outro indicador que havia espaço para o
empreendimento.
Sob a influência da duplicação da Carlos Strass, destaca-se ainda a construção do
Planet Shopping, planejado e construído pela Metacom Engenharia. Ocupa uma área nobre
na Avenida Saul Elkind, possuindo 7.400m2 ao lado do Super Muffato, constituindo uma de
suas principais âncoras, juntamente com as Lojas Americanas. Em entrevista à jornalista
Helenida Tauil, ao programa Empresas & Negócios (PLANET, 2008), o empresário Renato
Fogaça, responsável pela criação, desenvolvimento e planejamento do empreendimento,
ressaltou que durante muito tempo, a zona norte ficou caída no esquecimento, “[...] as
pessoas de um modo geral não tinham olhos para ela, agora ela desponta como uma
grande oportunidade de investimento, com crescimento econômico notável”.
Acrescentou Fogaça que sendo uma das áreas mais populares da cidade, tornou-se
um centro de consumo muito intenso, representando, nos dias atuais, em torno de 40% da
economia da cidade. Além do mais, “[...] o shopping está situado em uma posição
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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estratégica, em uma área que possui uma população de aproximadamente 150 mil
habitantes”. “[...] houve um crescimento do poder de compra das comunidades populares,
com o aumento do salário e a expansão do crédito”, além disso, a zona norte é considerada
uma porta de entrada para outros municípios vizinhos por meio da rodovia Carlos Strass e
um pólo industrial da cidade de Londrina5, comentou o empresário Renato Fogaça.
A desconcentração da função comercial conduz à criação de centros de trocas
periféricos, servindo às áreas urbanas determinadas, ou aproveitando-se de uma situação
na rede dos fluxos cotidianos da metrópole. Dependendo destes centros comerciais
periféricos serem puramente funcionais ou se introduzirem no tecido das relações humanas,
eles podem impulsionar o desenvolvimento urbano. Os shopping-centers ao longo de uma
auto-estrada, com facilidades de estacionamento, representam um dos fatores essenciais da
difusão urbana. A desconcentração geográfica da função comercial exprime, muitas vezes,
o desaparecimento do pequeno comércio, sua substituição pelas cadeias de grandes
mercados, com divisão técnica social e espacial da gestão e da venda, padronização dos
produtos e um espaço quadricular em termos de distribuição (CASTELLS, 1983).
O conhecido Mix que almejam os shoppings centers, compreendido como sendo a
variedade equilibrada, significa reduzir o número de deslocamento dos clientes. Quanto
maior a variedade de comércio e serviços existentes em um centro, menor o número de
viagens que o consumidor precisa fazer para ter todas as suas atividades atendidas. O mix
é resultado de várias pesquisas e imposto pelos promotores do empreendimento (capital
imobiliário e financeiro) aos comerciantes (capital mercantil) (VILLAÇA, 2001). O consumidor
que faz suas compras no Super Muffato, utiliza os bancos que aí se encontram, paga suas
dívidas, freqüenta o Planet Shopping para fazer compras e se alimentar, ou seja, ele realiza
diversas atividades em um único local (foto 7).
Por último, é importante também citar a presença do grupo multinacional Wal Mart,
que instalou uma loja na Avenida Saul Elkind, com a bandeira Maxxi (foto 8), em uma área
ao lado do Super Muffato. A unidade disponibiliza cerca de 6 mil itens com preços 5%
abaixo da concorrência no atacado e até 5% menores no varejo. O investimento é de 40
milhões na obra, que terá 5 mil m2 de área de vendas e empregar 200 funcionários.
Sobre este empreendimento na zona norte, o então Prefeito Nedson Micheleti
ressaltou em entrevista à Folha Norte (NOVAS, 2008) que o local apresenta uma grande
infra-estrutura e por isso houve um crescimento econômico nesta direção da cidade. “Uma
das principais obras foi a duplicação da Carlos Strass que, além de melhorar o acesso entre
os bairros e o centro da cidade, ainda atraiu o setor privado para a região”. O prefeito
5 Ressaltou o empresário Renato Fogaça que pesquisas conformaram que o PIB da zona norte é de 1,1 bilhão por ano. Este levantamento é importante para traçar um perfil do mercado e, com base nos dados, definir o porte de um empreendimento e o mix de produtos que serão comercializados nas regiões com mais potencial.
BEIDACK, Andréa R. S. A centralidade urbana na Zona Norte de Londrina-PR
598
acrescentou que as obras de infra-estrutura são fundamentais para que os empresários
possam investir mais no município “[...] o sucesso deles em londrina é o sucesso da cidade”.
Fotos 7 e 8: À esquerda, vista do Planet Shopping, situado na Avenida Saul Elkind. O Planet é um shopping aberto, conta com um diversificado mix de lojas, possui praça de alimentação ampla e coberta e tem como âncoras o Hipermercado Super Muffato e as Lojas Americanas. À direita, vista do Maxxi Atacado da Rede Wal Mart; por ter a característica de comercializar no atacado e no varejo, atrai consumidores e comerciantes de Londrina e cidades vizinhas. Fonte: Beidack (2009)
A produção do consumo coletivo não é assegurada pelo capital, e sim pelo Estado,
mas em conformidade com os interesses específicos e gerais do capital. Esses bens são
necessários à reprodução da força de trabalho e/ou à reprodução das relações sociais,
sem o que eles não seriam produzidos. Enfim, o Estado contribui para aumentar a taxa
de lucro do setor privado (CASTELLS, 1983).
A centralidade expressa o resultado da produção do espaço urbano da zona norte,
que só aconteceu devido a atuação de um grande número de agentes como os proprietários
fundiários, as construtoras, as imobiliárias, os industriais, a população residente e o Estado
que, sem dúvida, exerceu um duplo e contraditório papel de agente e mediador no processo
de gestão do solo urbano, na medida em que se reservou os encargos sociais de
desenvolvimento urbano; portanto, além de ser um mediador, ele foi também um agente
modelador do uso do solo, como executor de políticas públicas no controle de seu uso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para sintetizar o que abordou-se neste artigo, cabe ressaltar que diante de todo
esse processo de transformações econômico sociais e físico-territoriais na zona norte, esta
adquiriu uma forte centralidade no contexto econômico da cidade, sendo esta centralidade a
expressão da importância da dinâmica de produção do espaço urbano da zona norte.
A criação de um subcentro, emergiu diante do processo de transformações que
gradativamente ocorria na zona norte, para suprir as necessidade de um mercado
consumidor crescente e exigente. Como produto e resultado “[...] de um processo social de
organização do espaço urbano, capaz de exprimir as forças sociais em ação e a estrutura
de sua dinâmica interna” (CASTELLS, 1983), foi se consolidando no espaço urbano de
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Londrina, o subcentro da Avenida Saul Elkind, exercendo uma forte centralidade no contexto
econômico, oferecendo uma gama complexa de comércio e serviços, incluindo uma grande
variedade de marcas e preços de produtos.
Estamos nos referindo a um subcentro regional que constitui-se “[...] em uma
miniatura do centro principal” (CORRÊA, 1989, p. 51) pois muitas das lojas situadas na
Avenida Saul Elkind são filiais de empresas da área central e muitas delas são filiais de
grandes empresas nacionais e até mesmo internacionais, sendo ainda um importante foco
irradiador do transporte intra-urbano.
A centralidade exercida pela zona norte apresenta tal magnitude em decorrência de
alguns elementos importantes como a densidade populacional, o nível de renda do mercado
consumidor, a sua área de influência, as melhorias no sistema viário, como a duplicação da
Rodovia João Carlos Strass, que passou a ser nó de integração entre a cidade de Londrina
e alguns municípios do norte paranaense, entre outros.
A presença de um shopping Center na Avenida Saul Elkind, inaugurado em 2008 e a
possibilidade de construção de um novo shopping de proporções maiores, dão mais força à
intensa valorização que adquiriu o solo urbano nesta porção da cidade, reforçado pelas
vantagens locacionais, acessibilidade, status social elevado de seus habitantes, atraindo
poderosos interesses imobiliários e comerciais na produção desses empreendimentos.
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AÇÕES DO PODER LOCAL, LÓGICAS DE LOCALIZAÇÃO INDUSTRIAL E INDUSTRIALIZAÇÃO EM CIDADES MÉDIAS: UM ESTUDO SOBRE O CASO DE SÃO
JOSÉ DO RIO PRETO - SP
Beatriz Zaineldim Bezerra [email protected]
Estudante de graduação em Geografia Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP
Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente Bolsista de iniciação científica – FAPESP
Resumo: Neste trabalho procuramos abordar a importância das ações do poder público local – e eventuais práticas associadas a políticas federais e estaduais – que implicam na atração, implementação e incremento de atividades e plantas industriais, portanto propomo-nos analisar facetas tanto do chamado processo de desconcentração industrial, quanto de processos de origem e capital local. Esta investigação recai sobre a industrialização em Cidades Médias, destacando-se a cidade de São José do Rio Preto – SP, onde verificamos ações do Poder Público Municipal no oferecimento de incentivos à instalação e permanência de indústrias. O texto se organiza apresentando um breve histórico do processo de interiorização da indústria, destacando as políticas desenvolvidas naquele município. Interessa-nos estabelecer alguns parâmetros para o estudo de outras cidades médias do Estado. Palavras chave: Desconcentração industrial; Produção do Espaço Urbano; Cidades Médias; São José do Rio Preto – SP. INTRODUÇÃO ALGUNS ELEMENTOS SOBRE O PROCESSO DE DESCONCENTRAÇÃO INDUSTRIAL E A INTERIORIZAÇÃO DA INDÚSTRIA
(...) a indústria interiorana não é uma novidade, “o novo está na importância industrial que assume o interior paulista e que o coloca como o segundo espaço industrial do país, superado apenas pela Região Metropolitana de São Paulo”. (LENCIONI, 2003, p. 466).
A industrialização do interior do estado não é um fenômeno recente, como evidencia
Lencioni. Já atentando ao censo industrial de 1907 (Cf. NEGRI, 1996, p. 44), podemos
vislumbrar o interior do estado como responsável por 41,8% da produção industrial (indústria
de transformação).
Neste trabalho, quando nos propomos a entender esse processo de industrialização
do interior paulista, retratamos, sobretudo, as mudanças ocorridas a partir da década de 60
do século XX, quando existe uma preocupação acentuada, por parte dos governos federal e
estadual, com os problemas urbanos identificados na metrópole paulista. Como nos
apresenta SPOSITO (2007):
(...) criaram, a partir dos anos 1960, uma série de restrições à instalação de novas plantas industriais na capital e sua região metropolitana, incentivando a migração de indústrias para o interior paulista e outras regiões do país, uma vez que a concentração industrial foi identificada como uma das raízes dos problemas urbanos da metrópole. (p. 18)
BEZERRA, Beatriz Z. Ações do poder local, lógicas de localização industrial ...
602
Assim, aumentam-se as deseconomias de aglomeração na Metrópole, ao mesmo
tempo em que Governo Federal e Estadual promovem programas de incentivo e melhoria de
infra-estrutura, pautando-se, sobretudo, o interesse pelo “desenvolvimento” de novas áreas.
Como nos apresenta NEGRI (1996):
O governo federal participou direta e indiretamente das políticas de interiorização da indústria em São Paulo. Indiretamente através dos investimentos em comunicações, resolvendo questões relativas à telefonia (...). Diretamente, mediante alocação de recursos, a fundo perdido, para o Programa de Cidades Médias, com alocação de recursos de financiamento para a ampliação da malha viária estadual, através do BNDES e de aval para financiamentos internacionais nas áreas de transporte e energia. (NEGRI, Barjas; 1996, p. 184)
Seguindo o exemplo federal, em âmbito estadual são adotados planos e programas,
visando o desenvolvimento urbano e regional de São Paulo. Há grande preocupação,
sobretudo para com a construção, ampliação e melhoramento de rodovias, ligando
determinados pontos do Estado; o que, de certa forma, favorecia a diminuição dos custos de
transportes e, em contrapartida, propiciava novas vantagens para a localização industrial.
Por conseguinte, em busca de melhores condições de produção e melhoramento na
produtividade, fugindo das restrições à Metrópole, empresas passaram a destinar suas
unidades fabris para outras regiões capazes de atender às suas necessidades1.
Complementando esse processo, encontramos em alguns municípios, já em
destaque no Estado de São Paulo, elites e o próprio poder público local dispostos a conferir
facilidades à vinda de empresas, envoltos por ideais desenvolvimentistas, por acreditarem
que a formação de um parque industrial seria sinônimo de emprego, renda e mais
investimentos à localidade. Isso implicou em que alguns grupos empresariais fossem
privilegiados com grande poder decisório, influenciando diretamente ações e políticas
públicas. Estes espaços, na maioria das vezes, são cidades médias2, caracterizadas como
centrais, por sua importância na rede urbana. Esse é o tema do próximo tópico,
desenvolvido antes de entrarmos especificamente no caso de São José do Rio Preto/SP.
CIDADES MÉDIAS E CIDADES MÉDIAS PAULISTAS
Segundo Roberto Lobato Corrêa, apenas a partir da segunda metade do século XIX,
com a fase industrial do Capitalismo, é possível conceber a cidade média. (2007, p. 28).
Considera, ainda, que, o padrão anterior, caracterizado por cidades de diversos
tamanhos e pouco articuladas entre si, é substituído por uma rede urbana mais articulada e 1 Ao nos referirmos ao processo de desconcentração industrial, é preciso deixar claro que estamos fazendo menção, principalmente (embora não exclusivamente), às mudanças nos padrões locacionais das unidades de produção - o chamado “chão da fábrica” - já que ainda é na metrópole que, na maioria das vezes, são produzidas as grandes decisões, dada a presença dos escritórios de gestão. 2 Embora tenhamos registros de filiais de grandes empresas em cidades pequenas.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento
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dotada de centros funcionalmente mais diferenciados entre si. Pode-se, então, falar em
cidades médias. (CORRÊA, 2007, p. 28)
Conceituar cidades médias é ainda um desafio para os pesquisadores. Essa
dificuldade se baseia, sobretudo, no fato de tratar-se de discussões complexas, já que não
estamos falando em espaços homogêneos. Corrêa apresenta três dificuldades principais de
conceituação. A primeira se refere ao tamanho demográfico absoluto:
Duzentos mil habitantes têm sentido diferente quando se consideram, por exemplo, os Estados Unidos, a Finlândia e o Uruguai, países com processo distintos de urbanização, envolvendo, entre outros aspectos, parâmetros distintos em relação às dimensões absolutas de suas cidades e uma relação também distinta entre a maior ou as maiores cidades e as demais. (2007, p. 25)
A segunda dificuldade, segundo o autor, advém da escala de referência. Deste modo,
“a cidade média deve ser pensada segundo uma dada escala espacial, em relação à qual
pode adquirir sentido”. Apresenta, portanto, o seguinte questionamento: Existe uma escala
espacial para qual é possível se pensar em cidades médias? (CORRÊA, 2007, p. 26)
E, como terceira, a dificuldade ao considerar a dimensão temporal.
Dado o rápido e intenso processo de urbanização que se verifica por toda parte é preciso considerar que 100.000 habitantes têm significados diferentes quando referenciamos a 1940, 1960, 1980 e 2000. (CORRÊA, 2007, p. 26)
Partindo dessas dificuldades, alguns autores procuram estabelecer uma “noção” para
cidade média, considerando principalmente a idéia de centralidade; já que essas cidades
seriam concentradoras de uma série de serviços, atendendo às demandas da região onde
se configuram como centro e, até mesmo, das regiões adjacentes. Sendo, como apresenta
Corrêa (2007, p. 29), lugar central na hierarquia urbana,
(...) estas cidades dispõem de expressiva localização relativa, constituindo-se em foco de vias de circulação e efetivo nó de tráfego, envolvendo pessoas, capitais, informações e expressiva variedade e quantidade de mercadorias e serviços. (CORRÊA, 2007; p. 29 - 30).
É possível, apoiando-se nessas características, que algumas indústrias venham a
instalar unidades fabris nessas cidades, onde poderiam dispor de facilidades promovidas
pelo poder público local, encontrar terrenos mais baratos e mão-de-obra qualificada e/ou
adequada, acesso absoluto ou relativo às infra-estruturas de transporte e comunicação etc.
Na outra vertente deste processo, as chamadas deseconomias de aglomeração
compreendem uma série de fatores que podem levar, e efetivamente levam em muitos
casos, a queda na taxa de lucros das empresas, reforçando o vetor que se estabelece entre
a Região Metropolitana de São Paulo e o interior paulista que, no entanto, não pode ser
BEZERRA, Beatriz Z. Ações do poder local, lógicas de localização industrial ...
604
tomado como um espaço homogêneo, justamente o que demonstraria a questão das
cidades médias, desenvolvida nos parágrafos anteriores.
Há, ainda, que se investigar outra dinâmica distinta, quer seja a combinação de dois
processos ou fenômenos: a) esforços autóctones de desenvolvimento e investimentos na
atividade industrial nas cidades médias; b) o que se chama de novas lógicas de localização
industrial que não implicam, apenas, na dinâmica da desconcentração industrial.
UM ESTUDO DE CASO EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO – SP
Figura 1. São José do Rio Preto: Localização em Relação a São Paulo (capital) Fonte: WHITACKER, 2003, p. 18
Em São José do Rio Preto há um discurso preponderante de que este município
seria a “cidade para se investir” ou ainda “uma das melhores cidades para se fazer
negócios”3, caracterizado dessa forma graças às ações do Governo Municipal que tem
concentrado esforços em políticas para a entrada e a permanência de capitais na cidade.
Este governo recebeu, inclusive, em 2004, o “Selo Prefeitura Empreendedora”, criado para
incentivar e estimular ações de empreendedorismo em Prefeituras que apóiam o
desenvolvimento econômico por meio de investimentos no pequeno negócio4. O município
faz parte também do livro “Prêmio Sebrae Prefeito Empreendedor 2001 – 2002”, contendo
experiências de 46 municípios.
3 Como destacado nos documentos da Prefeitura Municipal – Conjuntura Econômica 2008, p. 47. 4 O prêmio existe desde 2001. Dos 166 municípios inscritos no Estado de São Paulo, o prêmio foi dado a 87 cidades – Informações disponíveis no Conjuntura Econômica 2008, p. 57.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento
605
São José do Rio Preto é uma cidade média de pouco mais de 400 mil habitantes
(412.828, segundo estimativas de 20085), situada no Noroeste Paulista, a 452 quilômetros
da Capital (conforme apresentado na figura 1); próximo a outros centros urbanos
importantes, como Catanduva (61 quilômetros), Votuporanga (82 quilômetros), Barretos (96
quilômetros) e Araçatuba (141 quilômetros). O Aeroporto Internacional de Viracopos dista do
município 357 quilômetros, enquanto o Porto de Santos, 529 quilômetros.
AÇÕES LOCAIS PARA A ATRAÇÃO DE INDÚSTRIAS
É possível identificar no governo de São José do Rio Preto ações para a atração de
indústrias, em continuidade às políticas já desenvolvidas pelo governo federal e estadual
conforme descrevemos anteriormente.
Algumas destas políticas são datadas da década de 1970, como por exemplo, a de
Distritos; e 1980 como a de Minidistritos, conforme apresentaremos a seguir, enquanto
outras são identificáveis ao período atual.
Para atrair empreendimentos para os Distritos e Minidistritos industriais do município,
a prefeitura cria linhas de créditos ou financiamentos através de contratos, além de negociar
novos incentivos. Vejamos:
Quadro 1. São José do Rio Preto: Programa de Distritos e Minidistritos DISTRITOS MINIDISTRITOS PROGR
AMA Plano de Geração de
Empregos, Distritos Industriais
"Waldemar de Oliveira Verdi",
"Dr.Carlos Arnaldo e Silva” e
“Dr.Ulysses da Silveira
Guimarães6”.
Plano de Geração de Empregos -
Programa de Minidistritos Industriais e de
Serviços
VOLTADO À
Empresas de médio e
grande porte
Micro e pequenos empreendedores
formais e informais
SOBRE O PROGRAMA
Iniciado na década de 1970
do século XX com a instalação
dos distritos, essa política pública
surge para incentivar a instalação
e ampliação de empresas
industriais, comerciais e de
Trata-se de Programa coordenado
pela Secretaria Municipal de Planejamento
e Gestão Estratégica, voltado à geração de
emprego e renda, através do apoio aos
micro e pequenos empreendedores
formais e informais, para aquisição de lotes
5 Fundação SEADE – Informações Municipais 6 O Programa conta com os seguintes parceiros, organizados através de uma Comissão de Apoio Técnico: Centro Universitário de Apoio ao Pequeno Empreendedor, SEBRAE, Centro Incubador de Empresas, FIESP/CIESP e ACIRP (Conjuntura Econômica 2007, p. 63)
BEZERRA, Beatriz Z. Ações do poder local, lógicas de localização industrial ...
606
serviços, objetivando a geração de
emprego e renda, propiciando
ainda acesso à sede própria da
empresa.
destinados à instalação de seus
empreendimentos. O interessado, pessoa
física ou jurídica, deve inscrever-se através
de formulário específico, onde é feita uma
análise preliminar para verificar a natureza
do empreendimento, buscando
compatibilidade com os aspectos de uso
do solo.
Para facilitar o acesso às
empresas, o pagamento dos lotes
pode ser efetuado à vista ou em
até 30 parcelas e há isenção de
IPTU por quatro anos contados a
partir do início da construção,
sendo a taxa mínima de ocupação
da área adquirida de 30% e a
máxima de 60%.
As obras devem obedecer ao
cronograma de execução pré-estabelecido.
A taxa mínima de ocupação do terreno é
de 40% e a máxima de 66%. O tamanho
dos lotes varia de 200m² a 1.000m². Todos
os minidistritos estão encravados dentro do
perímetro urbano e em regiões
densamente povoadas, próximos às vias
de acesso e equipamentos sociais. O
Programa tem por base também a
descentralização das atividades
econômicas e a promoção do
desenvolvimento ordenado, aproximando o
trabalhador do local de sua moradia.
Fonte: Conjuntura Econômica de São José do Rio Preto 2007 Organização: BEZERRA, B. Z.
Desta forma, em 2008 temos os seguintes dados, sobre Distritos Industriais:
Quadro 2. São José do Rio Preto: Distritos Industriais Distritos Área m² Lotes Empresas
Beneficiadas Empregos (diretos)
Dr. Waldemar de Oliveira Verdi 1.034.022,66 1235 280 5.600
Dr. Carlos Arnaldo e Silva 509.298,27 415 28 560
Dr. Ulysses da Silveira
Guimarães
160.621,27 186 35 700
Total 1.703.942,20 1.836 343 6.860
Fonte: Conjuntura Econômica de São José do Rio Preto 2008, p. 62 Organização: BEZERRA, B. Z.
E, sobre Minidistritos Industriais:
Quadro 3. São José do Rio Preto: Minidistritos Industriais Minidistritos Implantação Área m² Lotes Empresas Empregos
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento
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Beneficiadas (diretos)
Tancredo Neves 27/06/1986 144.826,85 366 129 774
João Paulo II – Mini
1 - Jaguaré
22/06/1987 31.464,00 58 37 222
Solo Sagrado 29/07/1987 66.362,35 123 64 390
Heitor E. Garcia 07/12/1988 9.360,00 26 13 55
João Paulo II – Mini
2
22/05/1989 10.044,67 49 21 45
João Paulo II – Mini
3 – (Ernesto G.
Lopes)
05/05/1992 9.932,58 39 23 54
Ary Attab 10/07/1992 52.335,57 52 48 250
Centenário da
Emancipação
13/04/1994 179.039,50 155 114 570
Edson Pupim e
Anatol Konarski
20/05/1994 8.328,93 18 17 51
José Felipe Antonio 07/10/1994 9.483,08 20 13 52
Jd. Santo Antonio
(comercial)
16/05/1995 9.182,88 48 29 90
Giuliane 02/12/1996 12.852,00 29 15 66
Adail Vetorazzo 16/12/1996 271.196,44 323 220 1320
Total 1.703.942,2
0
1.836 743 6.860
Fonte: Conjuntura Econômica de São José do Rio Preto 2008, p. 63
Organização: BEZERRA, B. Z.
Que podem ser localizados, no município, da seguinte forma:
BEZERRA, Beatriz Z. Ações do poder local, lógicas de localização industrial ...
608
Figura 2. Localização dos Distritos e Minidistritos no Município. Fonte: Conjuntura Econômica de São José do Rio Preto, 2008, p. 58
Além do Programa de Distritos e Minidistritos, encontramos disponíveis no site da
prefeitura (www.riopreto.sp.gov.br) em página específica intitulada como “INCENTIVOS”, 18
programas que, segundo a própria fonte, seriam destinados a empresários que pretendam
ou que já estejam instalados na cidade de São José do Rio Preto. Resumidamente,
apresentamos alguns destes.
Quadro 4. Programas Municipais para Incentivo Industrial Programa Descrição Empréstimo pelo
Banco Paulista
Os microempresários ou cooperativas interessados em adquirir
microfinanciamento destinado à compra de máquinas, mercadorias,
matérias primas, consertos de máquinas e aquisição de
equipamentos de informática poderão solicitar empréstimos pelo
Banco do Povo Paulista.
Enquadramento
em tarifas de água e
esgoto para grandes
consumidores
O interessado poderá ser beneficiado por tarifas diferenciadas,
satisfazendo algumas exigências constantes em decreto. É
considerado "grande consumidor" quando a média de consumo
mensal ultrapassar 100m³ de água.
Inscrição no
Programa de Distrito
Os interessados poderão se inscrever no programa que fornece
lotes adquiridos por meio de concorrência pública, sendo que a
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento
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Industrial forma de pagamento pode ser feita em 30 meses. Há isenção de
IPTU por quatro anos a partir do início da construção.
Inscrição no
Programa de
Minidistrito Industrial e
de serviços
Os interessados poderão se inscrever no programa que fornece lotes de tamanho que variam de 200 m² a 1.000 m², adquiridos por meio de concorrência pública, sendo que o pagamento é feito em 50 meses, com um ano de carência para início do mesmo. A área mínima a ser construída deverá ser de 40% da área total.
Isenção ou não
Incidência de IPTU
O contribuinte poderá solicitar a isenção ou não incidência do
IPTU, de acordo com a lei vigente.
Parcelamento de
débitos de tributos
municipais
O contribuinte pode solicitar o parcelamento de débitos já vencidos, em parcelas mensais, em até 60 meses.
Parcelamento de
débitos por ISSQN por
denúncia esponânea
O contribuinte poderá fazer a denúncia espontânea de sua
irregularidade, permitindo parcelar a dívida e ficar isento da
aplicação de multa em caso de eventual fiscalização, de acordo com
a legislação vigente.
Parcelamento de
débitos referentes a
autos de infração e
imposição de multas
(AIIM)
O contribuinte poderá solicitar o parcelamento do débito
referente a Auto de Infração e Imposição de Multa (AIIM). No
requerimento deverá ser informado o número de parcelas
pretendido.
Prorrogação do
prazo exigido em
notificações lavradas
Os interessados poderão solicitar a prorrogação do prazo
concedido na notificação.
Fonte: Prefeitura Municipal <www.riopreto.sp.gov.br> Organização: BEZERRA, B. Z.
Para finalizar, podemos ainda citar as parcerias com o Sebrae, que fornece serviços
de treinamento, consultoria, palestras, dentre outras – que podemos diferenciar um pouco
das vantagens ditas tradicionais – e a Incubadora de Empresas, inaugurada em janeiro de
1999 e atualmente funciona através de uma parceria formada pelo Sebrae/SP, Prefeitura
Municipal de São José do Rio Preto, ACIRP- Associação Comercial e Industrial de Rio Preto
e diversas outras entidades locais preocupadas com o desenvolvimento regional. Dentre os
principais objetivos encontramos:
I. Proporcionar às empresas módulos individuais e apoio administrativo/operacional,
além de endereço conhecido e respeitado.
II. Fornecer suporte gerencial e tecnológico através de informações, consultorias,
assessorias e cursos na área de gestão tecnológica e empresarial às empresas
incubadas.
BEZERRA, Beatriz Z. Ações do poder local, lógicas de localização industrial ...
610
III. Facilitar a interação sistemática entre as empresas incubadas e instituições de
ensino e pesquisa, possibilitando o acesso de recursos humanos, equipamentos e
laboratórios, inclusive de forma partilhada.
IV. Viabilizar o envolvimento de instituições financeiras (inclusive de capital de risco) e
governamentais, enfatizando a participação dos governos federal, estadual e
municipal.
V. Colaborar com a comercialização dos produtos e serviços oriundos das empresas
incubadas.
Todas essas possibilidades dotam São José do Rio Preto de alegadas vantagens
locacionais que poderiam influenciar tanto a escolha de novas indústrias, quanto a
permanência e ampliação de outras já lá instaladas. Essas informações podem ser
confirmadas ao olharmos alguns dados referentes ao crescimento da participação da
indústria no município.
Destacamos alguns dados importantes nas tabelas que seguem: Tabela 1. São José do Rio Preto: Número de empresas 2005 - 2008 2005 2006 2007 2008 Indústria 2.240 2.489 2.582 2.577 Serviços 6.422 7.076 7.950 8.656 Agribusiness 65 74 110 95 Comércio 11.950 13.304 13.708 13.597 TOTAL 20.677 22.943 24.350 24.925 Fonte: SÃO JOSÉ DO RIO PRETO (município). Secretaria Municipal de Planejamento. Conjuntura Econômica de São José do Rio Preto 2008.
Tabela 2. São José do Rio Preto: Número de empresas por grandes setores econômicos (com empregados registrados) 2000 - 2006 Setores - IBGE 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Indústria 980 1.052 1.101 1.114 1.169 1.204 1.284 Construção Civil 354 291 324 329 362 375 389 Comércio 3.708 4.001 4.292 4.476 4.799 5.059 5.165 Serviços 2.824 2.932 3.165 3.225 3.416 3.515 3.696 Agropecuária 319 299 358 330 335 317 306 Outros/Ignorado 1 0 0 0 0 0 0 TOTAL 8.186 8.575 9.240 9.474 10.081 10.470 10.840 Fonte: SÃO JOSÉ DO RIO PRETO (município). Secretaria Municipal de Planejamento. Conjuntura Econômica de São José do Rio Preto 2008. Com dados da RAIS/TEM.
Tabela 3. São José do Rio Preto: 40 maiores empresas em faturamento – 2000 Divisão por classificação de atividades.RAMO DE ATIVIDADE QUANTIDADE PERCENTUAL Industrial 38 95,0 Comercial e serviços 1 2,5 Serviços 1 2,5 TOTAL 40 100 Fonte: Secretaria Municipal de Indústria e Comércio de São José do Rio Preto – 2000. Organização: Arthur Magon Whitacker.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento
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E, especificamente sobre as empresas industriais, temos as seguintes informações:
Tabela 4. São José do Rio Preto: quarenta maiores empresas em faturamento – 2000. Divisão por classificação de atividades. RAMO DE ATIVIDADE QUANTIDADE PERCENTUAL Fabricação de artigos de borracha e plástico 8 20,0 Fabricação de artigos do mobiliário 8 20,0 Confecções 5 12,5 Construção civil 3 7,5 Fabricação de artefatos de papel 3 7,5 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas 3 7,5 Metalúrgicas 3 7,5 Beneficiamento de grãos 2 5,0 Fabricação de produtos farmacêuticos e hospitalares 2 5,0 Conglomerados comerciais e financeiros locais 1 2,5 Transportes 1 2,5 Fabricação de artefatos de concreto 1 2,5 TOTAL 40 100 Fonte: WHITACKER, 2003, p. 54 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como já discutimos, algumas ações foram importantíssimas ao processo de
desconcentração da Indústria paulista, sendo que podemos diferenciar nesse processo,
políticas criadas pelo Governo Federal, Estadual e Municipal.
Complementarmente, a permanência de empresas industriais de capital local no
município em estudo, pode ser entendida também pelas mesmas ações governamentais,
muito embora, no caso destas, outros fatores ainda não estudados possam ter papel
importante.
Podemos entender que essas ações se complementam, ora diretamente, ora
indiretamente; diretamente quando os interesses são os mesmos como, por exemplo, no
caso das políticas estaduais, em acordo com as federais, na preocupação em diminuir os
problemas da Metrópole e promover o desenvolvimento de outras áreas; e, indiretamente,
quando, por parte de alguns governos municipais algumas estratégias são estabelecidas no
intuito oferecer incentivo à instalação (e posteriormente permanência) de indústrias – que,
embora, por vezes não tendo preocupações diretas com os problemas da Metrópole,
acabam por ajudar no processo.
Compreendemos também que algumas cidades são destacadas como destino às
indústrias. Trata-se de cidades que possuem centralidade, oferecem serviços a municípios
próximos e até mesmo a outras mais distantes do mesmo estado, ou até de outros estados.
Assim, São José do Rio Preto, uma cidade que identificamos como média, de acordo
com algumas características apresentadas, foi se conformando como local de destino a
empreendimentos industriais. A cidade se configura como um nó na rede, possuindo certa
centralidade (principal característica de uma cidade média), oferecendo uma gama de
serviços a cidades da região e, inclusive, a outras cidades do estado e de outros estados.
BEZERRA, Beatriz Z. Ações do poder local, lógicas de localização industrial ...
612
A administração municipal tem se esforçado para promover condições para
instalação e permanência de empreendimentos industriais. Verificamos isso através de
programas de incentivos governamentais (apresentados nos quadros 1 e 4) , sendo que
estamos, nesse momento, mais afeitos a discutir o que consideramos como vantagens
tradicionais, como terreno, isenção ou descontos em impostos, dentre outras; como
pudemos visualizar nos programas de incentivo a empresas da Prefeitura Municipal. No
entanto, podemos vislumbrar, ainda em relação direta com a Prefeitura municipal, algumas
ações que fogem um pouco da classificação de tradicionais.
Vemos, dessa forma, em São José do Rio Preto, parcerias entre centros de
Educação Superior e indústria, como no Plano de Geração de Empregos, Distritos
Industriais "Waldemar de Oliveira Verdi", "Dr.Carlos Arnaldo e Silva” e “Dr.Ulysses da
Silveira Guimarães” (programas do governo municipal), que conta com os seguintes
parceiros, organizados através de uma Comissão de Apoio Técnico: Centro Universitário de
Apoio ao Pequeno Empreendedor, SEBRAE, Centro Incubador de Empresas, FIESP/CIESP
e ACIRP. Assim, pela proximidade de centros de ensino e pesquisa, podemos entender as
instalações de empreendimentos mais sofisticados, como a indústria de fabricação de
produtos farmacêuticos e hospitalares, em nono lugar (tabela 4), em faturamento.
Além disso, percebemos a recente preocupação do Governo Municipal com
condições de uso do solo, como no programa de minidistritos (quadro 1); quando é feita uma
análise preliminar para verificar a natureza do empreendimento, buscando compatibilidade
com os aspectos de uso do solo. Condições que não eram observadas nas décadas
anteriores.
Dessa forma, quando olhamos para os dados de São José do Rio Preto, nos
deparamos com um aumento da inserção de empresas no município (tabela 1 - embora com
pequena oscilação em 2006), bem como a importância destas, entre as principais empresas
em faturamento – dados que nos levam a acreditar na configuração de uma resposta ao
“investimento feito” (quanto às ações) pelo Poder Público Municipal, ao mesmo tempo em
que incentivo à continuação na promoção dessas ações.
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ARTICULAÇÕES E CONSEQUENCIAS DA MODERNIDADE E DA PÓS-MODERNIDADE NA CIDADE CONTEMPORÂNEA
Clayton Ferreira Dal Pozzo [email protected]. br
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Presidente Prudente
Bolsista Fapesp
Resumo: O presente artigo procura articular e relacionar alguns elementos históricos representativos da modernidade e da pós-modernidade com a produção do espaço urbano contemporâneo analisando os processos contraditórios para a constituição da fragmentação socioespacial nas cidades, bem como o seu impacto para os seus respectivos citadinos. Os confrontos e as justaposições entre modernidade e pós-modernidade comparecem, portanto, como possibilidades analíticas para avaliar os efeitos das mudanças desencadeadas sobre as práticas socioespaciais de diferentes grupos sociais como exemplificado pelo não encontro entre as diferenças e a manutenção das disparidades sociais em cidades de diferentes portes, sobretudo, considerando cidades médias e de padrões metropolitanos cujas respectivas morfologias urbanas passaram por transformações significativas a partir da década de 1980. Palavras-chave: Produção do espaço; Modernidade; Pós-modernidade; Fragmentação socioespacial INTRODUÇÃO
O presente texto está estruturado de modo a abordar o tema da modernidade e da
pós-modernidade vinculado à produção social do espaço urbano, sobretudo, considerando
as formas bem como a emergência de novas práticas socioespaciais advindo delas
privilegiando a dimensão histórica dos processos socioespaciais e objetivando identificar
rupturas e justaposições entre a modernidade e a pós-modernidade.
Aspectos vinculados à tradição e o seu confronto com a modernidade se manifestam,
sobretudo, considerando uma rápida análise a partir dos espaços metropolitanos cuja força
do “novo” e da “novidade” e a produção de novos tipos de sociabilidade comparecem de
forma acelerada dentro de uma lógica perversa de reprodução capitalista.
Elementos da pós-modernidade estabelecem-se numa sociedade ocidental sobre o
qual as forças da modernidade e da tradição ainda se fazem presentes não estabelecendo,
de modo claro, possibilidade de superação ainda que seja possível argumentar em direção
de uma crise paradigmática.
O “presente” ou a emergência do atual comparece como expressão de uma vida
cotidiana repressiva e alienante sobre o qual se cogita a possibilidade do “fim da história” e
de ações coletivas fragilizadas frente ao individualismo exacerbado às formas de
governanças urbanas de caráter segmentado e seletivo e, portanto, não integrativas.
Nesse sentido, a noção ou o conceito de fragmentação socioespacial emerge como
possibilidade explicativa das causas, das consequências e das intencionalidades de uma
DAl POZZO, Clayton F. Articulações e conseqüências da modernidade e da pós-modernidade ...
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racionalidade iluminista persistente - essencialmente desigual e predatória - ainda que tenha
sido amplamente criticada pelo advento de uma teoria social crítica difundida durante as
décadas finais do século XX.
Frente a esses aspectos, procuraremos nos posicionar a cerca do temário da
modernidade e da pós-modernidade bem como verificar a pertinência desse debate para o
entendimento e propositura diante do processo de fragmentação socioespacial na
urbanização contemporânea.
A MODERNIDADE E O MÉTODO
O temário da modernidade proposto durante a disciplina “Metodologia Científica em
Geografia: Método, Teoria e Pensamento Geográfico” - oferecida pelo Programa de Pós-
Graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia, UNESP, Campus de
Presidente Prudente e coordenada pelos Professores Eliseu Savério Sposito e Marcos
Aurélio Saquet - suscitou pensar uma concepção de método que objetivasse identificar e
analisar as contradições do objeto estudado estabelecendo possibilidades analíticas
propositivas.
Podemos considerar que o pensamento dialético-materialista, ao analisar o
movimento “modernidade - pós-modernidade” permite identificar contradições, a partir de
bases empíricas, identificando conflitos e produtos dos conflitos com o objetivo de apreender
o próprio movimento da produção do espaço.
A partir de uma concepção de método preliminarmente definida como “marxista-
lefebvriana” ou, em termos lefebvrianos, “regressivo-progressivo”, podemos considerar que
o presente, em perspectiva com o espaço vivido, torna-se a escala de análise privilegiada da
contemporaneidade desde que se considere a contextualização histórica da produção do
espaço estudada em sua gênese. O “presente” assim concebido permite projetar o futuro
como tendência e como possibilidade (LEFEBVRE, 2006).
A espacialidade, como possibilidade, é valorizada enquanto simultaneidade e
sincronização e a historicidade é recolocada em seu lugar não como fim, mas como meio,
do ponto de vista crítico/instrumental, para identificar os movimentos de sucessão e de
encadeamento dos processos socioespaciais ao mesmo tempo em que os processos de
“naturalização” e de um historicismo fixado a uma ideologia são desmascarados.
O “mascaramento” das intencionalidades da modernidade - sob a égide do
capitalismo – projeta-se enquanto objeto de manipulação viabilizada pela difusão dos signos
cujo poder de abstração embaralha a decodificação da historicidade e da espacialidade
(SOJA, 1993, p. 34-41).
Como uma das consequências desse processo, o desligamento entre os “produtos” e
as “obras” do seu necessário trabalho produtivo estimula o fetichismo da mercadoria e,
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
617
como bem salientou Lefebvre (2006), ocultando a significação primeira do objeto: sua
rentabilidade.
Nesse sentido, uma análise espacial do movimento “modernidade - pós-
modernidade” deve passar do pensamento-pensado ao pensamento-pensante evitando
esquemas reducionistas e, portanto, passando do antropológico ou historicista/filosófico à
análise da reprodução do espaço enquanto produto industrial contemplando a gênese e o
sentido do objeto estudado em seus processos e formas (LEFEBVRE, 2006).
A análise espacial também deve perpassar pela representação do espaço ao espaço
da representação ao analisar as contradições do espaço concebido dos cientistas,
sobretudo, àqueles vinculados ao planejamento urbanista (e sua respectiva carga
ideológica) e, por meio das intencionalidades desvendadas da encomenda (programas,
projetos, planos e estratégias) identificar os espaços da dominação bem como os efeitos
(real e potencial) sobre a demanda e sobre o espaço vivido, dominado e, por vezes,
repressivo dos habitantes em sua vida cotidiana (LEFEBVRE, 2006).
A tecnicidade ou a racionalidade das técnicas legitimada pelo poder político e
burocrático passa, portanto, a se constituir como um importante elemento para avaliar as
circunstâncias impositivas do dominante sobre o dominado ao mesmo tempo em que se
engendra uma análise propositiva objetivando a valorização do espaço apropriado em
detrimento do espaço da dominação.
Contudo, as “soluções espaciais” para as crises do modo de produção vigente ou da
transição de um modo de produção para outro permitem, de modo intencional, legitimar
políticas, sobretudo, expansionistas, de intervenção do Estado (e a consolidação dele), ou
de um liberalismo econômico de acordo com cada contexto que, em certa medida, refletem
a influência do Iluminismo sobre práticas sociais na condução da produção do espaço
(BERMAN, 1986, p. 37-39).
Pensar a produção do espaço no capitalismo juntamente com suas contradições e
crises (o que alimenta a possibilidade de uma crise verdadeiramente global desse modo de
produção) suscita pensar formas de promover a equidade e emancipação sociais num
contexto em que a “diferença”, o espaço público, o espaço da apropriação e o valor de uso
perdem cada vez mais espaço para uma cotidianidade programada de uma sociedade dita
“moderna” no qual o potencial revolucionário circunscreve-se num utopismo discriminado
(SOJA, 1993, p. 92-95). O que os geógrafos bem como os outros cientistas sociais têm a
contribuir para a reversão desse aspecto da modernidade? Eis um primeiro desafio.
ENTRE A TRADIÇÃO E A MODERNIDADE NOS ESPAÇOS METROPOLITANOS: ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Carvalho (1998) e Haesbaert e Gomes (2002) trazem importantes subsídios para o
debate sobre a modernidade e sobre a produção da metrópole como espaço síntese da
DAl POZZO, Clayton F. Articulações e conseqüências da modernidade e da pós-modernidade ...
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modernidade na qual estão inseridos modos de vida e sociabilidade urbanos específicos e
representativos desse período.
Do ponto de vista de Haesbaert e Gomes (2002, p. 47-48) a modernidade e sua
produção espacial característica são indissociáveis e contam com uma série de
conceitos/noções para melhor caracterizar as mudanças e permanências de formas
espaciais, funções, valores, significados, bem como as inter-relações dos sujeitos sociais,
sobretudo, para aqueles que vivem em espaços metropolitanos sobre o qual podem
vislumbrar empiricamente a velocidade e o ritmo acelerado de um modo de vida de
características metropolitanas.
Os conceitos empregados pretendem trazer respostas diante da perplexidade de um
mundo em constante mutação que marcam o conflito entre o moderno e o tradicional e entre
a ordem e o caos.
Os espaços da modernidade compreendem diferentes escalas na qual esboçam a
valorização do novo e da novidade e pretendem estabelecer novos tipos de sociabilidade
expressos, de forma mais efetiva, nas metrópoles por se caracterizarem como espaços
urbanos onde estão presentes a máxima concentração populacional e a máxima
diferenciação social.
Carvalho (1998) ressalta a perda da força ou desqualificação do mito e do tempo
mítico que são representativos da atemporalidade, da tradição e da força do atual, na qual
se caracterizam como barreiras para a aceitação do novo partindo do pressuposto que o
novo ou a novidade passaria pelo crivo da tradição para ser aceita e incoporada na
sociedade.
Nesse sentido, tem-se uma queda relativa da tradição e um fortalecimento do
presente subsidiada pelas rápidas transformações tecno-científicas. Esses fatos resultaram
na secularização que estabeleceu uma nítida diferenciação entre o passado, o presente e o
futuro e uma maior racionalidade para um futuro utópico, por vezes contestado, e de um
presente auto-valorativo.
A concepção do conceito de indivíduo pelo processo civilizador baseou-se na
construção de uma identidade que só pode constituir-se a partir da relação com o “outro” e
que se afirma em uma determinada sociabilidade, porém, individualista e fragmentada.
Com a individualidade tem-se um redimensionamento das relações sociais e
transforma a metrópole em fragmentos justapostos, porém, relativamente mascarados pela
atenuação da sensibilidade dos diferentes sujeitos sociais.
A vida cotidiana passa a atuar como um agente repressor pelo controle dos
diferentes tempos e torna as relações entre diferentes segmentos sociais relativamente
tênues permitindo o surgimento de simulacros de bem-estar contíguos às áreas de
marginalização social o que marca o aspecto essencialmente desigual das cidades latino-
americanas, sobretudo considerando as cidades de porte médio a padrões metropolitanos.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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Nesse sentido, os espaços urbanos, sobretudo metropolitanos, difundem, de forma
cada vez mais intensa, uma segmentação socioespacial por meio da consolidação de um
espaço panóptico e disciplinar. Por outro lado, também há a consolidação de pequenas
“revoluções moleculares” como contestadoras dos processos homogeneizantes em escala
planetária.
Essas “revoluções moleculares”, apesar de atuarem na escala local, produzem um
conjunto de identidades coletivas (como aquelas produzidas pela territorialização de tribos
urbanas) que reafirmam a existência de fragmentos da cidade moderna.
Contudo, discutir as características da modernidade na cidade contemporânea,
também se faz necessário abordar o tema da “pós-modernidade” produzindo novas lógicas
de organização do espaço e, portanto, influenciando na maneira de pensá-lo e concebê-lo a
partir das ações dos diversos sujeitos sociais.
É nesse sentido que procuraremos vincular a temática “modernidade - pós-
modernidade” à produção do espaço urbano contemporâneo e a influência desse
movimento para a produção da fragmentação socioespacial.
O vínculo da fragmentação socioespacial em cidades médias do interior paulista com
o debate sobre a modernidade e pós-modernidade justifica-se, sobretudo, por considerar
que, nas últimas décadas, tem-se produzido níveis acentuados de segregação socioespacial
expressando-se pela redução dos diálogos entre os diferentes segmentos sociais
[sobretudo, considerando o não-encontro entre esses segmentos] e a realimentação da
intolerância a partir do conjunto das práticas sociais e espaciais dos citadinos (CALDEIRA,
2003, p. 11-13).
Além disso, o esfacelamento da cidade enquanto unidade territorial se expressa de
modo mais intenso, pela dimensão política e prático-sensível controlado pelos interesses de
uma dimensão econômica sobre o qual se induz um planejamento urbano não orientado
pela equidade territorial e promovido, sobretudo, pelo desconhecimento da cidade enquanto
um bem coletivo o que aponta para uma cidade cada vez mais desigual e, portanto, mais
injusta, sobretudo para os segmentos sociais de baixo poder aquisitivo.
A MODERNIDADE E O ADVENTO DA PÓS-MODERNIDADE
A partir de autores, como Harvey (2003), Soja (1993), Bauman (2007), Jameson
(1996) e Berman (1986) destacamos que o temário da pós-modernidade emergiu sobre o
temário da modernidade indicando possibilidades de rupturas e justaposições, porém, não o
suficiente para consolidar uma superação da modernidade e da tradição o que não impede a
requalificação das diferentes dimensões que envolvem esses termos.
Sobre a requalificação da modernidade, cabe formular algumas perguntas: Qual a
consistência da pós-modernidade e suas implicações sobre a modernidade? Trata-se de
DAl POZZO, Clayton F. Articulações e conseqüências da modernidade e da pós-modernidade ...
620
uma crise paradigmática? Qual a contribuição da Geografia para avaliar o movimento
“modernidade - pós-modernidade”? Podemos utilizar esse padrão de transição para um
possível estudo de caso das cidades.
Mais especificamente, sobre a produção do espaço urbano contemporâneo, como
dimensionar as influências desse movimento de transição/justaposição para a produção da
fragmentação socioespacial em cidades médias, objeto de nossa pesquisa? As respostas a
essas perguntas não impedem o surgimento de outras que aparecerão ao longo do presente
texto.
Embora os primórdios do projeto valorativo da modernidade sejam datados a partir
do século XVI num contexto de práticas mercantilistas, expansionistas e de acumulação
primitiva num regime ainda predominantemente feudal (sobre o qual se data a passagem da
Idade média e o início da Idade Moderna e cujo humanismo do projeto renascentista
recoloca o homem no centro das atenções), será apenas no final do século XVIII, sobretudo,
a partir da Revolução Francesa (década de 1790) e, sob influência do Iluminismo, que a
dicotomia entre o mundo moderno e o mundo não-moderno vai estabelecer-se com força
diante de um cenário em que a idéia de modernismo e de modernização ganha visibilidade e
o “peso” do processo histórico são minimizados (BERMAN, 1986, p. 16).
O “arrefecimento relativo” da modernidade ocorre durante a expansão do próprio
processo de modernização durante o século XX e início do século XXI cujas consequências
produziram uma fragmentação socioespacial em amplo sentido, ou seja, promoveu a perda
da nitidez e da profundidade de seu potencial emancipador dentro de um modo capitalista
de produção essencialmente contraditório e, portanto, desigual e desumano (BERMAN,
1986, p.17-26).
Os saberes metódicos e normativos sob influência da racionalidade das técnicas e
da ciência comparecem como um dos pilares do projeto de emancipação social de cunho
Iluminista/positivista historicamente introjetado, de maneira sintética, pelos lemas “Ordem e
Progresso” (lema nacional da República Federativa do Brasil) e “Liberdade, Igualdade e
Fraternidade” (lema da Revolução Francesa) marcando um período no qual o “reino da
liberdade” (como utopia), por meio de revoluções, poderia ser conquistado em detrimento do
“reino da necessidade” como proposto na e pela obra marxista.
A essência do “modo moderno de ser” está profundamente enraizada no conjunto
das práticas socioespaciais, sobretudo, dos citadinos e manifestam-se, sobretudo, pelas
noções de “aperfeiçoamento”, “avanço”, “desenvolvimento”, “atualização”, “up grade”, etc.
que se sustentam pelos pilares da modernidade, ou seja, o Estado e a ciência vinculados
aos processos de industrialização e globalização.
Diante do processo de “aceleração contemporânea” Harvey (2003, p. 22)
examinando Baudelaire afirma que a modernidade representa o fugidio, o efêmero, o
fragmentado e o contingente que, segundo Berman (1986) vai promover a união da
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
621
humanidade num movimento constante de desintegração e renovação, de luta e
contradição, de ambiguidade e angústia. “Ser moderno é ser parte de um universo em que,
como disse Marx, ‘tudo que é sólido desmancha no ar” (BERMAN, 1986, p. 21).
No meio do turbilhão do efêmero e do fugidio, acelera-se a obsolescência dos
objetos e a preponderância do valor de troca sobre o valor de uso para que o consumo da
mercadoria/signo-mercadoria possa realizar-se ainda mais depressa.
O projeto modernista, mais precisamente a arquitetura modernista e também a arte,
dentro de uma concepção estética que se pretende duradoura, vai emergir como
possibilidade de permanência e de identidade frente a um período de constantes
transformações. A “destruição criativa” passa a ser a essência da modernidade em
detrimento do “eterno” e do “imutável” (HARVEY, 2003, p. 26).
Frente ao conjunto de promessas não cumpridas da modernidade (como a
emancipação social e a igualdade suplantada pela exacerbação da desigualdade) - sobre o
qual, a razão iluminista foi amplamente contestada pelo movimento socialista - a noção ou a
idéia de pós-modernidade começa a ganhar expressividade a partir da década de 1980 com
um papel questionador sobre a própria validade da racionalidade da modernidade
(HARVEY, 2003, p. 112-113).
A pós-modernidade advém, sobretudo, da impossibilidade de planejamentos futuros
ocasionado pelo cenário mundial, do ponto de vista político-econômico, instável (que traduz-
se pela diminuição do poder de intervenção do Estado e a consequente desregulação do
setor imobiliário), provocando uma relativa renúncia aos projetos coletivos e de
transformação social.
Nesse sentido, o niilismo nietzscheano como estrutura de pensamento que se
consolida traduz-se, em certa medida, pelo ceticismo na política, pelo pastiche na estética,
pelo sincretismo cultural, pela superficialidade, pela rejeição de metanarrativas e pelo
descrédito no projeto iluminista traduzido pela contestação da benevolência do capitalismo
que ajudou a legitimar. Esse conjunto de fatores passa a influenciar, sobremaneira, nas
formas de produção e de apropriação do espaço (VATTIMO, 1996).
Ainda que os autores ditos “pós-modernos” estabeleçam críticas contundentes sobre
as contradições do projeto modernista no seio de um modo capitalista de produção que se
emergia diante do feudalismo há que se creditarem os aspectos positivos das conquistas
dos pensadores iluministas como o “Estado moderno e democrático” de Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778), o desenvolvimento do empirismo como metodologia a partir de John
Locke (1632-1704), a liberdade do pensamento e a crítica a intolerância religiosa de Voltaire
(1694-1778) e da promoção do controle das forças naturais e da compreensão do mundo
por Condorcet (1743-1794) entre outros.
De um modo geral, houve um grande esforço intelectual dos pensadores iluministas
para estabelecer as bases de uma crítica ao absolutismo e todo o seu sistema de opressão,
DAl POZZO, Clayton F. Articulações e conseqüências da modernidade e da pós-modernidade ...
622
controle e dominação bem como no sentido de desenvolver uma ciência objetiva
estabelecendo leis universais em busca da emancipação humana. A vitória do Iluminismo,
portanto, pode ser creditada a partir de uma série de acontecimentos que culminou com a
Revolução Francesa (1789-1799).
Além disso, o desenvolvimento de formas racionais de organização social e de
estruturação do pensamento possibilitou a libertação de irracionalidades promovidas pelo
mito, pela religião, pela superstição e pelo combate ao uso arbitrário do poder. Essas
mudanças qualitativas puderam justificar uma concepção inicial do termo “progresso” e suas
possibilidades emancipatórias (HARVEY, 2003, p. 23).
Contudo, a partir da consolidação e da grande visibilidade das contradições do modo
capitalista de produção, grande parte do ideário da racionalidade iluminista foi sendo
desmistificada durante o século XX a partir da sua lógica de dominação e de opressão,
traduzida por militarismos, duas guerras mundiais, campos de concentração e extermínio e
a ameaça de aniquilação pela bomba atômica. O progresso, nesse sentido, mostra sua face
perversa, voraz e sua constante renovação comparece apenas como meio de sobrevivência
do modo capitalista de produção (HARVEY, 2003, p. 24-25).
Esses aspectos refletem a falácia da superação do “reino da necessidade” pelo
“reino da liberdade”, como escreveu Karl Marx, a partir da emergência de uma lógica
classista e repressiva fomentada pelo desenvolvimento capitalista subvertendo a
possibilidade vitoriosa da classe trabalhadora que passaria a ter o controle do seu próprio
destino por meio do reconhecimento do lado progressista da história burguesa que
culminaria na apropriação plena dos resultados positivos da racionalidade iluminista.
Com o advento das forças produtivas o par industrialização-urbanização consolida-se
num processo de co-determinação possibilitando a realização intensa dos fluxos e da
mudança sobre o qual a efemeridade e a fragmentação tornam-se a base material da vida
moderna.
As explosões demográficas após as Revoluções Sociais de 1848 na Europa, a forte
migração para os centros urbanos com o advento da mecanização da agricultura e a
premente necessidade de reorganização dos ambientes construídos que atendesse as
necessidades dos citadinos contribuíram para iniciar um intenso processo de “destruição
criativa” empreendido, inicialmente, por Haussmann na Reforma de Paris durante a década
de 1860 (HARVEY, 2003, p. 33-34).
A partir disso, representar e edificar o eterno e o imutável sobre o caos passou a ser
a palavra de ordem do projeto urbano modernista. Le Corbusier e Howard retrataram bem
essa prática em seus projetos no qual as habitações, para o primeiro, eram vistas como
máquinas para a vida moderna e a linha reta e a uniformidade era privilegiada em
detrimento do ornamento e da personalização para o segundo.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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Na década de 1920 e a partir da escola germânica de arquitetura denominada
“Bauhaus” iniciou-se uma concepção de projeto urbano e artístico que valorizava a
funcionalidade dos objetos/edificações e orientado para a produção em massa objetivando
atingir metas socialmente úteis para a emancipação humana. Pensar o espaço na
perspectiva do espaço social passa a ser a palavra de ordem dos planejadores
progressistas (LEFEBVRE, 2006).
No período em que sucede a primeira guerra mundial boa parte das crenças
iluministas começam a ser questionadas, sobretudo, pela perda do atrativo/potencial
revolucionário e a vitória de um tipo de ideologia reacionária do capitalismo o que permitiu o
surgimento de movimentos antimodernistas e contra-culturais a partir da década de 1960
(HARVEY, 2003, p. 38-44).
Com a implantação de projetos modernistas e da produção racionalizada do espaço
urbano, sobretudo, considerando o zoneamento funcional, a segregação socioespacial
torna-se cada vez mais explícita frente ao processo homogeneizante do conjunto dessas
práticas e, consequentemente, à falácia dos planos grandiosos.
O processo urbano visto relativamente como incontrolável, caótico e anárquico, ao
incorporar o conceito baudelairiano de modernidade - representado pelo efêmero, pelo
fragmentário, pelo descontínuo e pelo caótico – passa efetivamente a incorporar essas
características cujos projetistas modernistas tentavam, a qualquer custo, combater
(HARVEY, 2003, p. 49).
Pensar a pós-modernidade também nos remete a pensar o processo de
esquizofrenia no tempo e no espaço, pois, a produção de simulacros permite estabelecer
“uma série de ‘presentes puros’ e não relacionadas no tempo” (JAMESON, 1996, p. 120).
A partir do processo de desregulamentação do mercado imobiliário, termos como
“cidade-colagem” e a premente necessidade de lançamento contínuo de “novidades”
imobiliárias, por vezes influenciadas por “impulsos nostálgicos” e pela construção de novos
desejos permitem recolocar o conceito de alienação em pauta sobre a análise da produção
do espaço urbano contemporâneo.
Se o espaço urbano modernista foi moldado a partir de propósitos sociais, a cidade
pós-modernista pretende ser vislumbrada como coisa independente, autônoma e com
objetivos estéticos sem uma necessária relação com um projeto social abrangente, ao
contrário, pretende incorporar de forma cada vez mais intensa, a obsolescência e a
especulação. (HARVEY, 2003, p. 69).
A violência, em seu amplo sentido, também contempla a difusão de técnicas que
permitem uma dissociação com a vizinhança imediata traduzindo-se em níveis acentuados
de controle e de separação segundo níveis socioeconômicos como aqueles representados
por loteamentos fechados e por condomínios horizontais voltados para segmentos sociais
de alto poder aquisitivo (BAUMAN, 2007).
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A arquitetura e o urbanismo, nesse sentido, comparecem como uma espécie de
espetáculo que encena um brilho superficial porque não abarca as possibilidades do
encontro e do inusitado entre os diversos grupos sociais do espaço urbano, pelo contrário,
afasta-os por meio de uma segregação imposta. O tecido urbano fragmentado comparece,
portanto, como um palimpsesto de formas passadas e superpostas, por vezes,
intencionalmente, como aquele exemplificado pela difusão do turismo como possibilidade de
auferir rendas.
O niilismo nietzscheano incorporado pela pós-modernidade comparece como um
caminho fácil - inclusive no sentido do “empobrecimento” do discurso científico - porque
pretende a aniquilação dos valores supremos e das metanarrativas ao mesmo tempo em
que o “ser” reduz/sucumbe-se a um valor de troca e a uma série de transformações
indefinidas incorporando uma experiência fabulizada da realidade (VATTIMO, 1996).
Como consequência, tem-se a ampliação da sensação de
insegurança/estranhamento (BILLARD et al, 2005), ao mesmo tempo em que ocorre o
solapamento da solidariedade social como bem salientou Bauman (2007).
A partir desses pressupostos, cabe-se fazer as seguintes questões: Será o fim da
utopia? O fim da possibilidade de emancipação social? Teria a racionalidade completamente
triunfado em detrimento do legado do Iluminismo? Terá ocorrido, em definitivo, a morte da
obra e sobrevivido o sujeito parcelar essencialmente individualista? Terá um subjetivismo
radical dos projetos de curto prazo superado a objetividade dos projetos coletivos de longo
prazo? Somente uma ciência objetiva e séria, incluindo o papel do geógrafo pesquisador,
poderá contribuir com uma análise que não perca de vista a historicidade e a espacialidade
dos processos ao mesmo tempo em que o nexo entre teoria e prática seja simultaneamente
privilegiado possibilitando vislumbrar/implantar proposituras possíveis em benefício do
coletivo e objetivando a emancipação social.
Uma das pistas para avaliar esse processo pode ser creditada pela passagem da
historicidade para a espacialidade, sobretudo hoje porque, segundo Lefebvre (2006), é mais
o espaço do que o tempo que oculta as coisas por meio de uma velada instrumentalização
do poder e do controle social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensar o momento atual a partir do confronto entre modernidade e pós-modernidade
na perspectiva da fragmentação socioespacial permite perspectivar o futuro como
possibilidade equânime das relações de sociabilidade na qual, por meio de projetos
coletivos, seja possível materializar níveis significativos de equidade socioespacial.
Mesmo considerando as críticas contundentes do legado do Iluminismo devemos
nos lembrar das contribuições de seus pensadores para a edificação de uma ciência
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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objetiva conservando importantes bases, como o empirismo e a análise quantitativa mesmo
dentro de uma ciência social crítica.
A passagem da historicidade para a espacialidade permite identificar as
intencionalidades dos espaços de dominação verificando as contradições por meio de
desligaduras como àquelas representadas pela esquizofrenia espacial e temporal na qual o
fetichismo da mercadoria e o processo de alienação estabelecem-se.
A identificação das contradições dos espaços de dominação permite vislumbrar os
espaços da apropriação como possibilidade e utopia para promover processos de
emancipação social por meio da valorização da diferença em detrimento da separação e do
controle social.
Os espaços públicos, do ponto de vista de sua diversidade e de sua pluralidade,
também permitem vislumbrar a superação de uma cotidianidade programada e do consumo
dirigido na qual o valor de uso suplantaria o valor de troca por meio da própria vida cotidiana
no mundo dito moderno.
Enquanto utopia e enquanto possibilidade, o potencial de transformação social
permeada/difundida na e pela vida cotidiana permite caracterizar, por meio das práticas
socioespaciais, possibilidades de confronto com a desigualdade e com a intolerância
orientando concepções de planejamento em benefício da coletividade e orientado pela
equidade territorial superando angústias e sensações de impotências pela exacerbação do
individualismo.
O confronto, mais que a justaposição, entre a modernidade e a pós-modernidade
permite vislumbrar a composição de novos conteúdos qualitativamente superiores desde
que não prevaleça o caráter niilista, dualista e maniqueísta de uma análise que se pretende
científica, pelo contrário, por meio de proposituras orientadas pela justiça social buscar
meios de superação de uma condição essencialmente desigual do modo de produção atual.
Trata-se, no entanto, de avaliar a real possibilidade de uma crise paradigmática entre
modernidade e pós-modernidade bem como de dimensionar os limites e os efeitos dessa
crise a partir do presente no qual o nexo entre historicidade e espacialidade bem como a
projeção de um presente perspectivado (orientado para o futuro) faça parte do instrumental
teórico-metodológico progressista e, neste caso, a Geografia teria muito a contribuir.
Nesse sentido, a valorização/realização de “trabalhos de campo” comparece como
importante instrumento para o levantamento de referenciais empíricos sólidos ao confrontar
diferentes realidades permitindo dotar-se de argumentos que possibilitam, não apenas
explicar e entender a realidade, mas agir sobre ela, transformando-a a partir da
proposição/realização de projetos socialmente úteis.
Como a dimensão espacial ou, mais especificamente, a produção do espaço social é
privilegiada na análise do movimento “modernidade – pós-modernidade”, os estudos de
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caso orientados por esta perspectiva tornam-se possíveis de serem realizados desde que
sejam considerados as influências e determinantes multiescalares do processo de análise.
Um dos focos orientados para superar a fragmentação socioespacial deve ser
creditado à possibilidade de materialização de projetos coletivos de longo prazo ao mesmo
tempo em que se estabeleçam condições viáveis para que o sujeito esquizofrênico,
essencialmente individualista, possa integrar-se promovendo o encontro e o confronto com a
diferença percebendo a cidade enquanto unidade e como obra e não apenas enquanto uma
produção caótica e fragmentada sobre o qual a vida citadina, esvaziada e empobrecida,
modifica seu sentido porque realizada dentro de simulacros e, portanto, desconectada de
uma dimensão social e espacial e de um projeto socioespacial abrangente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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UMA ANÁLISE COMPARATIVA DOS SISTEMAS URBANOS DOS ESTADOS DO PARANÁ E SÃO PAULO
Cleverson Alexsander Reolon [email protected]
Doutorando do Programa de Pós-graduação em Geografia da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Presidente Prudente –
PPGG/FCT-UNESP. Membro do Grupo de Estudos Territoriais (GETERR), do Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais (GAsPERR) e da Rede de Pesquisadores sobre
Cidades Médias (ReCiMe). Bolsista da Fapesp.
Vitor Koiti Miyazaki [email protected]
Professor Assistente da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), campus de Ituiutaba. Doutorando do Programa de Pós-graduação em Geografia da Faculdade de Ciência e Tecnologia da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Presidente Prudente – PPGG/FCT-UNESP. Membro do Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais
(GAsPERR) e da Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias (ReCiMe).
Resumo: O objetivo deste artigo é analisar o sistema urbano dos estados de São Paulo e Paraná, buscando-se enfocar as novas configurações espaciais que têm surgido em função da aceleração do processo de urbanização. As Unidades Federativas analisadas correspondem aos Estados de São Paulo e Paraná. Os dados da pesquisa são provenientes de importantes institutos e universidades situados no país. Destaca-se que, apesar de distintos, os Estados analisados apresentam elementos socioterritoriais análogos. Seus sistemas urbanos manifestam configurações complexas e dinâmicas do ponto de vista socioeconômico, estando articulados, porém, apresentando particularidades marcantes. Conclui-se que a aceleração do processo de urbanização e a maior complexidade que tem caracterizado a atual dinâmica do sistema urbano paulista e paranaense têm gerado muitas transformações no território. A configuração de aglomerações urbanas, inclusive não-metropolitanas, isto é, não polarizadas por metrópoles, é um dos fenômenos resultantes dessas mudanças. Palavras-chave: Produção do espaço; rede urbana; aglomeração urbana.
A COMPARATIVE STUDY OF URBAN SYSTEMS OF THE SÃO PAULO AND PARANÁ
STATES Abstract: The objective of this paper is to analyze the urban system of the São Paulo and Paraná states, focusing the new spatial configurations that have emerged due to increasing of the urbanization process. The Federative Units analysed correspond to São Paulo and Paraná States. The data from the research are coming from important Brazilian institutes and universities. It’s important to say, although they are distinct, the States analyzed have similar socio-territorial elements. Their urban systems reveal complex and dynamic configurations from socioeconomic point of view, being articulated, however, revealing special particularities. It´s possible to conclude that the increasing of the urbanization process and the major complexity that have characterized the actual dynamic of the urban system of São Paulo and Paraná States have generated a lot of territorial transformations. The configurations of the urban agglomerations, including the non-metropolitan ones, is one of the resultant phenomena this changes. Keywords: Space production; urban system; urban agglomerations 1. INTRODUÇÃO
Seguindo a perspectiva de Caiado (1995), considera-se o sistema urbano como
expressão territorial da divisão social do trabalho, logo, constituindo-se no articulador de
todo o território, tanto das cidades quanto de suas hinterlândias (CAIADO, 1995, p.46).
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Sendo assim, a análise da dinâmica do sistema urbano representa uma tarefa importante,
uma vez que permite a compreensão do funcionamento do território a partir do conjunto das
cidades e das suas respectivas áreas de influência.
Nesse sentido, o objetivo deste artigo é analisar o sistema urbano dos estados de São
Paulo e Paraná, buscando-se enfocar as novas configurações espaciais que têm surgido em
função da aceleração do processo de urbanização.
Os dados da pesquisa são provenientes de importantes institutos e universidades
situados no país, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a Universidade de Campinas (Unicamp), a
Universidade Estadual Paulista (Unesp), a Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(Unioeste), dentre outros. Diversos estudos ligados à temática em análise também são
utilizados como embasamento teórico.
2. BREVES CARACTERÍSTICAS SOCIOECONÔMICAS E TERRITORIAIS DOS ESTADOS DE SÃO PAULO E PARANÁ
São Paulo está localizado na Região Sudeste do Brasil e, conforme o IBGE (2004),
possui área territorial de 248.209,43 Km², o que corresponde a 2,92% do território brasileiro.
Segundo dados do Censo Demográfico, o referido Estado abrigava, no ano 2000, cerca de
36.969.476 habitantes, equivalente a 21,8% da população do país (IBGE, 2004). Já o
Paraná, localizado na Região Sul do país, possui área territorial de 199.314,85 Km² (2,34%
do território brasileiro), onde residiam, 9.558.454 habitantes em 2000, ou seja, 5,64% da
população total do Brasil (IBGE, 2004).
Observa-se que, com densidade demográfica de 148,94 habitantes por Km² em
2000, o Estado de São Paulo se mostra mais povoado que o Paraná, que alcança apenas
terço desse valor, com 47,96 habitantes por Km². Este fato possui clara relação com a
estrutura econômica de cada Estado.
Ainda de acordo com o IBGE (2007), o Estado de São Paulo possui o maior Produto
Interno Bruto (PIB) brasileiro, tendo concentrado 33,86% do total nacional em 20051. Deste
montante, 82,62% encontra-se vinculado à produção industrial e ao setor de serviços2.
Embora relativamente semelhante à estrutura setorial do PIB apresentada por São
Paulo, com 80,12% do Valor Adicionado Fiscal (VAF) correspondente às atividades
industrial e de serviços, a participação do setor agropecuário é mais elevada no Paraná.
Enquanto o VAF agropecuário paulista representava 1,55% do montante incorporado ao
1 R$ 727 bilhões, aproximadamente (IBGE, 2007). 2 Baseando-se no Valor Adicionado Fiscal (VAF); segundo Rodrigues (2005, p. 76), VAF trata-se de “um montante de impostos auferidos pelo fisco, cobrado de cada município, relacionado a um setor de atividade”. O IBGE (2005) definiu o VAF como um valor que a atividade agrega aos bens e serviços consumidos no seu processo produtivo, sendo a contribuição ao PIB pelas diversas atividades econômicas, obtidas pela diferença entre o valor de produção e o consumo intermediário absorvido por essas atividades.
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PIB, equivalente a R$ 11,27 bilhões, no Paraná esta taxa era de 7,40%, não obstante em
termos absolutos ser menor, correspondendo a R$ 9,37 bilhões.
A relativamente elevada correspondência estrutural do PIB paranaense com as
atividades situadas à montante da cadeia produtiva agroindustrial possui correlação com a
taxa de urbanização dos municípios deste Estado, conforme se pode observar no Mapa 1.
Mapa 1 – Taxa de urbanização
dos municípios de São Paulo e Paraná
Fonte dos dados: IBGE - Censo Demográfico 2000.
Diferentemente do conjunto dos municípios de São Paulo, onde 86,7% da população
reside em áreas consideradas urbanas, a taxa de urbanização do Estado do Paraná
corresponde a 81,41%, sendo fortemente influenciada por um número limitado de cidades.
Enquanto, em São Paulo, a distribuição dos municípios com menores índices de
urbanização se mostra praticamente restrita ao Vale do Ribeira, na porção sul, no Paraná,
ela abrange uma grande área, espacialmente disposta no centro do Estado.
Portanto, em termos gerais, embora as taxas de urbanização e PIB sugiram
homogeneidade, uma análise mais detalhada logo ressalta as especificidades de cada uma
dessas unidades federativas.
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630
Chama-se atenção, contudo, ao fato de o PIB paulista ser demasiado destoante em
relação ao valor dos demais estados brasileiros, o que pode induzir à falsa impressão de
insignificância ou estagnação da economia paranaense. Assevera-se que o Paraná figura
entre os estados que possuem os maiores PIB do Brasil, representando 5,90% do total
nacional em 2005, ficando atrás apenas de São Paulo (33,86%), Rio de Janeiro (11,50%),
Minas Gerais (8,97%) e Rio Grande do Sul (6,72%).
Destaca-se, ainda, que tanto em São Paulo quanto no Paraná, o crescimento do PIB
tem se mostrado superior ao crescimento populacional, com correspondente elevação do
PIB per capita, embora isso não signifique, necessariamente, melhoria de qualidade de vida
da população.
Estes elementos socioeconômicos e territoriais, característicos de cada Estado,
possuem relação direta e/ou indireta com a configuração do sistema urbano local, regional e
nacional, conforme se procura demonstrar a seguir.
3. CLASSIFICAÇÃO DOS PRINCIPAIS CENTROS URBANOSDOS ESTADOS DE SÃO PAULO E PARANÁ
O sistema urbano composto pelos Estados de São Paulo e Paraná é complexo, e,
pode-se dizer, parcialmente denso, sendo formado por um conjunto de cidades que
desempenham diferentes papéis na rede.
O desenvolvimento da rede urbana do Estado de São Paulo, abrangendo também a
porção norte do território paranaense, foi fortemente influenciado pela economia cafeeira do
século XIX e XX (VERCEZI, 2001; ENDLICH, 2006). Desde o início deste período, a cidade
de São Paulo já exercia papel central, fortalecido ainda mais a partir da década de 1940 em
função do intenso processo de industrialização de sua área metropolitana (CAIADO, 1995)
(Mapa 2).
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Mapa 2 – Classificação dos principais centros urbanos dos Estados de São Paulo e Paraná
Fonte dos dados: IPEA; IBGE; UNICAMP (2001).
A partir da década de 1970, contudo, o ritmo de crescimento econômico da área
metropolitana de São Paulo diminuiu paralelamente à expansão econômica de regiões
situadas no interior do Estado (PERILLO; ARANHA, 1993; CAIADO, 1995; LENCIONI, 1999;
FELDMAN, 2003; SATHLER e MIRANDA, 2006). Concomitantemente, a cidade de São
Paulo passou a vivenciar um gradual aumento da importância das atividades de prestação
de serviços, como as de realização de eventos e de gestão e controle do território
(CORRÊA, 1995; 1999; LENCIONI, 1999; PIQUET, 2002; SANTOS; SILVEIRA, 2003;
ALMEIDA, 2003; BERNARDES, 2003; MOREIRA, 2004).
Neste ponto, cabe ressaltar o papel desempenhado pela agricultura moderna,
integrada a complexos agroindustriais, pelos investimentos em infra-estrutura e também
pelas forças centrífugas resultantes das deseconomias de urbanização da metrópole e de
sua respectiva hinterlândia (CAIADO, 1995; FELDMAN, 2003).
Nesse contexto, não obstante a cidade de São Paulo se manter no topo da
hierarquia da rede urbana paulista e nacional, passando, inclusive, a ser reconhecida como
metrópole global, importantes centros urbanos interioranos passaram a se destacar, como
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Campinas (metrópole regional), Ribeirão Preto, São José dos Campos e Santos (centros
regionais). Algumas dessas cidades são beneficiadas por suas localizações em áreas
próximas à metrópole ou aos eixos de desenvolvimento que seguem em direção ao interior
de São Paulo e Estados adjacentes, incluindo o Paraná.
O processo de desconcentração, como o engendrado a partir da capital do Estado de
São Paulo, inclusive com implicações significativas sobre o adensamento da área
metropolitana de Curitiba, é tímido no Paraná, abrangendo apenas os setores de atividade
que necessitam menor coeficiente tecnológico para serem desempenhadas e privilegiando
poucos pólos regionais, como Ponta Grossa, Londrina, Maringá e Cascavel (REOLON e
SOUZA, 2006).
Curitiba figura no topo da hierarquia da rede urbana paranaense, sendo classificada
como metrópole nacional, compartilhando a dinâmica urbana da cidade de São Paulo.
Destaca-se o fato de Curitiba exercer forte influência sobre os municípios paranaenses e
também sobre a capital do Estado de Santa Catarina, Florianópolis (MOURA e WERNECK,
2001).
Comparativamente, ao passo que se pode observar uma elevada densidade de
cidades de níveis hierárquicos superiores na rede urbana paulista, o Estado do Paraná
carece de uma distribuição homogênea de centros, o que, dentre outros fatores, se deve ao
fato de seu sistema urbano ser composto por cidades jovens, fundadas em meados do
século XX, como as já mencionadas cidades de Londrina (centro regional), Maringá e
Cascavel (centros sub-regionais 1).
Observando-se o Mapa 2, nota-se, ainda, que as metrópoles estão localizadas nas
proximidades da área litorânea, com significativo número de cidades de porte médio
(centros regionais e sub-regionais) distribuídas no interior dos dois estados analisados.
Nota-se que a densidade e complexidade da rede urbana de São Paulo não é
homogênea, uma vez que ainda podem ser observados verdadeiros “vazios ocupacionais”,
tais como na região sudoeste e em algumas áreas localizadas nas porções extremas do
oeste/noroeste. Já o Paraná apresenta uma configuração espacial ainda mais heterogênea,
constituindo-se em um território diverso, concentrado e desigual, compondo espacialidades
com certo grau de homogeneidade [apenas] em seu interior (MOURA et al., 2006).
Decompondo-se os critérios que fundamentaram a classificação da rede urbana
brasileira, observa-se, quanto ao nível de centralidade, que, para além da primazia das
capitais estaduais, existem várias outras cidades, situadas no interior dos estados
analisados, desempenhando papéis importantes no contexto da rede urbana, especialmente
de âmbito regional (Mapa 3).
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Mapa 3 – Nível de centralidade urbana dos Estados de São Paulo e Paraná
Fonte dos dados: IBGE (2000).
Tais cidades possuem porte demográfico expressivo e exercem forte polarização
regional, com nível de centralidade elevado, apresentando, na maioria dos casos,
características de cidades médias16. Para o Estado de São Paulo, Sathler e Miranda (2006)
destacam que:
[...] as cidades médias apresentam tamanho demográfico e funcional suficiente para que possam oferecer um leque diversificado de bens e serviços ao espaço microrregional em que estão inseridas, desempenhando o papel de centros de crescimento econômico regional.
O Estado de São Paulo concentra várias cidades com nível de centralidade 5 e 6.
Em menor número, o Paraná também apresenta muitos centros urbanos dessa natureza.
16 Cabe ressaltar que “cidade média” se difere de “cidade de porte médio”, uma vez que nesta última, a definição do porte se dá a partir de critérios quantitativos, como o tamanho demográfico, por exemplo. Já o conceito de “cidade média” refere-se a uma definição que demanda uma análise mais profunda e complexa, que supera a delimitação quantitativa, pautando-se nas diferentes relações que a cidade mantém no contexto da rede urbana, a situação geográfica, a estruturação urbana e estruturação da cidade, etc., na perspectiva apresentada por Sposito (2004).
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Todavia, quanto às cidades com nível de centralidade 7 e 8, ressalta-se uma concentração
no leste e norte paranaense, contrariamente ao que ocorre no Estado de São Paulo, onde
se presencia uma dispersão homogênea, que abrange grande parte do território.
Por fim, destaca-se que as informações sobre os níveis de centralidade da rede
urbana brasileira, apresentadas pelo IBGE, estão baseadas na Teoria das Localidades
Centrais, de Walter Christaller (1933). Vale ressaltar que, apesar das relações hierárquicas
permanecerem até hoje, o desenvolvimento de novas tecnologias de transportes e
telecomunicações tem alterado essa dinâmica, trazendo maior complexidade à rede por
meio das interações que se processam em diferentes escalas. Sobre esse assunto, Moura e
Werneck (2001, p.27) destacam que:
O progresso técnico e as formas atuais de realização da vida econômica, cada vez mais, tornam as redes globais. A hierarquia urbana se inscreve num contexto econômico internacional que transforma a natureza das relações entre cidades. Esse processo de mundialização não implica que deixe de existir uma estrutura hierarquizada de relações e articulações entre os diversos centros dentro do território nacional, mas torna essas relações cada vez mais mediatizadas por novos determinantes, muitas vezes externos.
Nesse contexto, pequenas cidades, aparentemente locais, que apresentam reduzido
nível de centralidade, podem estabelecer relações intensas com outras cidades e regiões,
assim como com outros países, a partir do momento em que, por exemplo, se instala uma
unidade produtiva de alguma corporação multinacional. As relações hierárquicas, neste
caso, continuarão existindo. A mudança está nas novas e complexas possibilidades de
interação entre diferentes escalas da rede urbana. Como exemplo, cita-se o caso de
pequenas cidades do interior paulista que passaram a receber investimentos internacionais
em função da instalação de usinas sucroalcooleiras.
Ademais, ressalta-se que os dados de níveis de centralidade disponibilizados pelo
IBGE se referem a 1993, portanto, retratam uma realidade de 15 anos atrás. Atualmente,
além das novas possibilidades de interações espaciais, que superam o esquema
hierárquico, muitos outros processos recentes podem ter modificado a dinâmica do sistema
urbano paranaense e paulista.
Além do processo de desconcentração produtiva, já mencionado anteriormente,
verifica-se também uma desconcentração populacional significativa engendrada pelos
grandes centros. Apesar da maior parte dos habitantes de São Paulo ainda se concentrar na
Região Metropolitana da capital (51,84%), muitos estudos vêm mostrando uma queda na
participação da população dessa região em relação ao total estadual.
Porém, a desconcentração não se traduz num processo de reconcentração
populacional homogêneo no âmbito estadual, uma vez que se verifica um adensamento nas
áreas do entorno imediato da área metropolitana de São Paulo. É neste contexto que se
constata, no Mapa 4, grandes eixos que partem da capital paulista no sentido nordeste (São
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José dos Campos/Guaratinguetá) e noroeste (Jundiaí/Campinas), além das manchas
situadas a oeste (Sorocaba) e sul (Santos).
Mapa 4 – População aproximada
das áreas urbanas de São Paulo e Paraná
Fonte dos dados: IBGE - Censo Demográfico 2000.
No Paraná, a macrocefalia urbana (SANTOS, 1993) é menos evidente que em São
Paulo, uma vez que a Região Metropolitana de Curitiba concentra 28,95% da população
estadual. Todavia, o restante desta população, em grande parte urbana, está distribuída
entre outras poucas áreas de concentração no Estado, com destaque para o norte
paranaense, nas regiões de Londrina e Maringá.
4. NOVAS ESPACIALIDADES DA REDE URBANA DE SÃO PAULO E PARANÁ
A aceleração do processo de urbanização e a maior complexidade que tem
caracterizado a atual dinâmica do sistema urbano paulista e paranaense têm gerado muitas
transformações no território. A configuração de aglomerações urbanas, inclusive não-
metropolitanas, isto é, não polarizadas por metrópoles, é um dos fenômenos resultantes
dessas mudanças.
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As aglomerações urbanas dizem respeito a um conjunto de cidades agrupadas, seja
pela continuidade territorial ou pela integração espacial (deslocamentos pendulares)
(MIYAZAKI, 2008). Assim, a aglomeração constitui um espaço regional dotado de intensas e
recíprocas relações sociais e econômicas entre unidades político-administrativas que o
compõem (REOLON, 2007). A aglomeração urbana, enquanto realidade socioespacial, não
carece, necessariamente, da continuidade do tecido urbano, uma vez que a intensidade das
relações interurbanas pode defini-la.
O Mapa 5 apresenta os municípios que configuram aglomerações urbanas paulistas
e paranaenses, com destaque para os setores urbanos. Nas maiores aglomerações,
milionárias17, tais como São Paulo, Curitiba e Campinas, a continuidade territorial das áreas
urbanas é evidente.
Mapa 5 – Aglomerações urbanas de
São Paulo e Paraná e respectivos setores urbanos
Fonte dos dados: Motta; Ajara (2002); Reolon (2007); Miyazaki (2008).
Chama atenção também o número de aglomerações localizadas no interior dos
estados que, apesar de ainda não serem caracterizadas pela complexidade das
17 Em termos populacionais.
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aglomerações urbanas metropolitanas, já apresentam transformações significativas no que
se refere à tendência à continuidade das áreas urbanas e aos processos de
integração/articulação intermunicipal.
A maior parte das aglomerações é caracterizada por uma configuração mononuclear,
na qual uma cidade principal polariza todas as demais, como ocorre nos casos de São
Paulo, São José do Rio Preto, Maringá, Sorocaba, entre outros. Mas também existem
aglomerações polinucleadas, compostas por duas ou mais cidades pólo, tais como
Cascavel/Toledo, Guaratinguetá/Aparecida, Mogi-Guaçu/Moji-Mirim e Araraquara/São
Carlos.
Tal como ressalta Soares (2006, p. 360), pode-se inferir sobre as causas dessas
situações de “polinucleação”. Entende-se que elas podem refletir a territorialidade difusa da
aglomeração, inserindo-a nas novas tendências da urbanização, características de um
território adaptado à fase de acumulação flexível do capital, ou, inversamente, revelar a
fragilidade do processo de integração e a divisão de funções entre as cidades.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os sistemas urbanos dos Estados de São Paulo e Paraná manifestam configurações
complexas e dinâmicas do ponto de vista socioeconômico. Estão articulados, porém,
apresentam particularidades marcantes.
São Paulo possui uma rede urbana mais densa que a do Estado do Paraná, com um
número considerável de cidades que desempenham elevados níveis de centralidade. Além
disso, apresenta um conjunto de variáveis socioeconômicas que se destacam em âmbito
nacional, tais como tamanho populacional total e urbano, PIB e VAF total e, sobretudo,
industrial e de serviços. O Paraná, apesar de, em relação a São Paulo, concentrar um
número inferior de habitantes e apresentar menor dispersão territorial dos centros urbanos
com alto nível de centralidade, possui especificidades que evidenciam a complexidade de
um sistema urbano disposto sobre um território de formação recente, caracterizado pela
diversidade. Em suma, pode-se afirmar que o Paraná possui uma rede urbana incompleta,
ainda em processo de consolidação (MOURA e WERNECK, 2001).
Por fim, ressalta-se que várias cidades médias e de porte médio já haviam sido
apontadas, pelo IBGE (2000), no âmbito do estudo Região de influência das cidades, de
1993, como detentoras de um forte potencial de polarização de amplas áreas de influência.
Todavia, os recentes processos de desconcentração produtiva e populacional podem ter
resultado numa mudança dos padrões de polarização da rede urbana. A insuficiência de
dados, informações ou mesmo pesquisas de fôlego, para o conjunto territorial brasileiro,
dificultam a apreensão de tais mudanças, porém, a formação de novas espacialidades
urbanas no interior dos estados analisados, tais como as aglomerações urbanas, antes
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características das áreas próximas ao litoral do país, sugerem eloqüentes horizontes de
pesquisa para a compreensão dos novos paradigmas de articulação das cidades brasileiras.
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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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Geografia). Faculdade de Ciências e Tecnologia – Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente. MOREIRA, Ruy. A nova divisão territorial do trabalho e as tendências de configuração do espaço brasileiro. In: LIMONAD, Ester; MOREIRA, Ruy (Org.). Brasil, Século XXI – por uma nova regionalização – agentes, processo e escalas. São Paulo: Max Limonad, 2004. p. 121-152. MOTTA, Diana Meirelles da; AJARA, Cesar. Rede urbana brasileira – hierarquia das cidades. In: Curso de Gestão Urbana e de Cidades, 4.: 2002, Belo Horizonte. Anais... Disponível em: <http://www.eg.fjp.gov.br/gestaourbana/arquivos/modulo01/mod1arq5.html>. Acesso em: 27 mar. 2003. MOURA, Rosa; WERNECK, Débora Zlotnik. Rede, hierarquia e região de influências das cidades: um foco sobre a região Sul. Revista Paranaense de Desenvolvimento. Curitiba, n. 100, p. 27-57, jan./jun. 2001. PERILLO, Sônia Regina; ARANHA, Valmir José. Trajetórias da urbanização paulista. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, n. 7, p. 138-148, 1993. PIQUET, Rosélia. A indústria metropolitana no Brasil muda de lugar e emprega menos. Cadernos IPPUR. Rio de Janeiro, ano XVI, n. 1, p. 249-263, jan./jul. 2002. REOLON, Cleverson Alexsander. A aglomeração urbana da soja: Cascavel e Toledo no contexto da metropolização na Mesorregião Oeste Paranaense. 2007. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional e Agronegócio) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), campus de Toledo. REOLON, Cleverson Alexsander; SOUZA, Edson Belo Clemente de. Reestruturação sócio-espacial: as estratégias espaciais de ação adotadas pelas empresas no Paraná. Terra Livre. Presidente Prudente, ano 22, v. 2, n. 27, p. 197-210, jul./dez. 2006. RODRIGUES, Ana Lúcia. A ocupação urbana da Região Metropolitana de Maringá: uma história de segregação. Revista Paranaense de Desenvolvimento. Curitiba, n. 108, p. 61-86, jan./jun. 2005. SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo: Hucitec, 1993. SANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. 5 ed. Rio de Janeiro: Record, 2003. SATHLER, Douglas; MIRANDA, Vitor F. O. Desconcentração demográfica paulista: novas aglomerações metropolitanas, cidades médias e emergência dos pequenos municípios. Anais. XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Caxambu: ABEP, 2006. SOARES, Paulo Roberto. Cidades médias e aglomerações urbanas: a nova organização do espaço regional no sul do Brasil. In: SPOSITO, Eliseu Savério; SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão; SOBARZO, Oscar. Cidades médias: produção do espaço urbano e regional. São Paulo: Expressão Popular, 2006. p. 347-364. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. O chão em pedaços: urbanização, economia e cidades no Estado de São Paulo. 2004. 508f. Tese (Livre Docência). Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente. VERCEZI, J. T. Gênese e evolução da Região Metropolitana de Maringá. 2001. 196f. Dissertação (mestrado em geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente.
O IMPACTO DA PERDA DA GESTÃO PLENA: “DIAGNÓSTICO DE SITUAÇÃO DA SAÚDE DO MUNICÍPIO DE PRESIDENTE PRUDENTE”
Dayana Aparecida Marques de Oliveira [email protected]
Estudante de graduação em Geografia Universidade Estadual Paulista – UNESP
Resumo: Após a constituição de 88, foi assegurado a todos os municípios do Brasil, a gestão plena, este direito os tornou autônomos no gerenciamento de seus recursos em diversos âmbitos de administração local, dentre eles o da saúde. Em Presidente Prudente este direito não foi valorizado, o que resultou no ano de 2004, a perda da gestão plena por parte do município, resultando a administração estadual sob este setor. Com, isso, não foi apenas a prefeitura local que deixou de participar do processo de remanejamento de seus recursos, mas também os habitantes de Presidente Prudente, já que com a gestão plena a participação popular era garantida, por ser um direito democrático, onde poder público juntamente com a sociedade civil tem autonomia em suas escolhas. Com a ruptura deste direito, foi possível visualizar os diferentes interesses que envolviam os atores políticos inseridos nesta problemática, além de repensar a qualidade dos serviços de saúde e a participação popular como resultado do impacto da perda da gestão plena. Palavras-chave: Gestão-Plena; autonomia; Participação popular; INTRODUÇÃO
No decorrer da história é possível notar a luta de alguns grupos em defesa da
participação popular nas decisões de um país.
No Brasil esse quadro se repete e por isso, desde a década de sessenta, momento
de discussão das “Reformas de Base”, surge à proposta de municipalização de alguns
setores, dentre eles o da saúde. Essa proposta entra em vigor, apenas a partir da década de
oitenta, já que havia caído por terra com o regime militar.
Após a constituição de 1988, a saúde transformou-se em um direito universal do
brasileiro. Com a Lei Orgânica da Saúde, este direito foi compreendido por meio do Sistema
Único de Saúde (SUS) - com ele a municipalização é adotada, há surgimento dos
Conselhos municipais de saúde, possibilitando a divisão de transferências e pagamentos
dos governos federais e estaduais pelo município.
A partir deste aparato legal, a saúde no município de Presidente Prudente sofreu
muitas mudanças, como previa a lei, o município passou a distribuir seus próprios recursos.
Porém, no ano de 2004 a mudança não foi voltada a adaptação do município a fim de
assegurar a autonomia conseguida, já que houve a aprovação da desabilitação da gestão
plena do município por parte do Conselho Estadual de Saúde, ou seja, as verbas estaduais
e federais repassadas ao município não poderiam mais ser distribuídas pelo mesmo.
Como nos aponta WERNECK, nos dois primeiros capítulo de seu trabalho “A análise
geográfica dos gastos municipais de saúde”, no momento de mudança, os meios de
comunicação da cidade traziam as discussões dos distintos atores que estavam envolvidos
na questão da saúde do município, sendo nítida que nesta discussão, a saúde da população
OLIVEIRA, Dayana A. M.O impacto da perda de gestão plena: “Diagnóstico de situação ...
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não era o motivo de maior preocupação, pois a principal pauta a ser discutida era: Quem vai
distribuir? A que interesses essa distribuição será válida? E, além da discussão acerca da
distribuição havia a preocupação quanto à quantidade dos recursos.
Diversos grupos estavam envolvidos na discussão, dentre eles: a Santa Casa (que
parou de atender em seu pronto socorro pelo SUS, alegando impossibilidade em atuar após
atrasos de pagamentos1) e funcionários dos hospitais de saúde mental Allan Kardec e
Bezerra de Menezes (que começaram a dar alta para os pacientes alegando falta de
recurso).
A preocupação com a quantidade de verbas não era comum a todos. O prefeito
Agripino Lima, não se preocupava com a gestão plena, pois para ele o Ministério da Saúde
é quem deveria distribuir as verbas. Quanto ao Conselho Municipal de Saúde, órgão que
representava a população, não possuiu participação significante, estando sempre atrasado
nas discussões.
Mesmo em meio a todas as polêmicas e discussões que surgiram, a discussão
acerca do repasse de verbas à atenção básica parecia não ter espaço (mesmo sendo o
setor que atende na maior parte das vezes, primeiro a população dependendo do seu
estado de saúde, para posteriormente ser atendida nos hospitais de média ou alta
complexidade), já que o eixo principal da polêmicas estava ao redor do repasse de verbas
aos hospitais e como esse repasse seria feito.
O Conselho Municipal de saúde poderia ter modificado o rumo das discussões, pois
tem como competência, representar a população, mas por estar à margem das discussões
não o fez.
Assim, em 2004 a gestão plena do município foi afetada devido o foco dos atores
políticos que se limitou apenas à quantidade de verbas e não a sua distribuição.
A “QUESTÃO DA SAÚDE” EM PRESIDENTE PRUDENTE (2004 A 2006)
Tendo em vista a situação que o município atravessou no ano de 2004,
analisaremos, juntamente com ele, os dois anos seguintes para acompanhar as mudanças
na distribuição e no repasse de verbas e dos recursos destinados a saúde, ressaltando
como a população foi atingida após a perda da “gestão plena”.
1 A partir do fechamento do pronto Socorro da Santa Casa, passou a ser competência do Hospital Universitário o atendimento do Pronto Socorro pelo SUS (ver anexo: LEI Nº 6.142/2004). O HU é vinculado a APEC, mantida pelo prefeito da época Agripino Lima.
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Gráfico 1:
Presidente Prudente: Transferências - Média e alta complexidade e atenção básica em 2004
-
500.000,00
1.000.000,00
1.500.000,00
2.000.000,00
2.500.000,00
Jan
Mar Mai Jul
Set Nov
Meses
Tran
sfer
ênci
as (R
$)
Atenção básica
Média e altacomplexidade
Fonte: Datasus, 2007. Organizadora: Dayana A. M. de Oliveira
Em 2004 (ano em que houve a perda da gestão plena), a distribuição estava
concentrada em média e alta complexidade do que nas Unidades Básicas de Saúde. Esse
fato é ilustrado nas discussões, onde a Santa Casa parou de atender alegando falta de
investimentos e por isso, o Hospital Universitário foi incumbido de realizar os atendimentos
que antes não possuía, a partir da lei n. 6.142 de cinco de janeiro de 2004, que autorizou o convênio da prefeitura municipal com a Associação Prudentina de Educação e Cultura –
APEC, objetivando a permissão de serviços médico-hospitalares de urgência e emergência.
Além disso, houve investimento no hospital do câncer de 4,7 milhões para a construção do
mesmo (RIBEIRO, p. 21).
Como visto no gráfico, a divisão de verbas permaneceu praticamente a mesma
durante todo o ano, sendo alvo principal dos investimentos a média e alta complexidade que
não possuem demanda tão grande como a baixa complexidade, porém o gasto acaba sendo
maior devido aos materiais necessários para o atendimento.
Nos anos seguintes (2005 e 2006), os dados mudaram e a “pseudodistribuição”
(considerando que no ano de 2005, o Estado desde o início do ano, assumiu a
responsabilidade de dividir os recursos) modificou-se, deixando de ser concentrada apenas
à média e alta complexidade. A partir do segundo semestre de 2005 a atenção básica
começou a ser o alvo de maior número de investimentos, como pode ser visto no seguinte
gráfico:
OLIVEIRA, Dayana A. M.O impacto da perda de gestão plena: “Diagnóstico de situação ...
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Gráfico 2:
Presidente Prudente: Transferências - Média e alta complexidade e atenção básica em 2005
-500.000,00
1.000.000,001.500.000,002.000.000,002.500.000,00
Jan
Mar Mai Jul
Set Nov
Meses
Tran
sfer
ênci
as (R
$)
Atenção básica
Média e altacomplexidade
Fonte: Datasus, 2007 Organizadora: Dayana A. M. de Oliveira
Em 2006 a distribuição de verbas quando a atenção básica permaneceu por volta de
R$ 500.000,00, assim como no ano anterior e passou a ser prioridade se levada em
consideração à média e alta complexidade.
Gráfico 3:
Presidente Prudente: Transferências - Média e alta complexidade e atenção básica em 2006
-
200.000,00
400.000,00
600.000,00
Jan
Mar Mai Jul
Set Nov
Meses
Tran
sfer
ênci
as (R
$)
Atenção básica
Média e altacomplexidade
Fonte: Datasus, 2007 Organizadora: Dayana A. M. de Oliveira
Visualizaremos a seguir, um gráfico que se refere à quantidade de investimentos por
habitante do município. Contemplamos o aumento dos investimentos em atenção básica
passando de R$ 18,95 em 2004 para R$ 22,88 em 2006. Enquanto as transferências
direcionadas a média e alta complexidade oscilam de R$ 101,46 em 2004 para R$ 1,38 em
2006.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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Gráfico 4:
Presidente Prudente: Valores de transferência por habitante (R$) - 2004 a 2006
-20,0040,0060,0080,00
100,00120,00140,00
2004 2005 2006
Ano
Tran
sfer
ênci
a (R
$)
Atenção básica
Média e altacomplexidade
Fonte: Datasus, 2007 Organizadora: Dayana A. M. de Oliveira
É importante lembrar que o município não distribui apenas o que recebe do governo
federal e estadual, pois também deve investir em saúde, portanto, não podemos esquecer
que em todos os valores apresentados existe uma parcela das esferas superiores (estadual
e federal – que correspondem aos investimentos do SUS), como também, do município,
mesmo após a perda da gestão plena. Além disso, temos que considerar que o valor
estipulado a ser destinado a saúde é calculado a partir da porcentagem de arrecadação de
impostos, sendo assim, se o valor arrecadado aumentar, os recursos destinados à saúde
também aumentarão.
No período analisado esses valores se apresentavam da seguinte forma:
Gráfico 5:
050
100150200250300350400
2004 2005 2006
Despesa (R$)
Ano
Presidente Prudente: Despesas com saúde por habitante
Despesa Total
Recursos Próprios
Transferência SUS
Fonte: Datasus, 2007 Organizadora: Dayana A. M. de Oliveira
OLIVEIRA, Dayana A. M.O impacto da perda de gestão plena: “Diagnóstico de situação ...
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Os quatro primeiros gráficos nos apresentam como oscilaram a distribuição de
recursos nos níveis de média e alta complexidade e baixa complexidade, mas a partir do
gráfico 5, pode-se perceber que os recursos que contribuíram para que essa mudança
ocorresse, foram principalmente, o aumento nos investimentos por parte do próprio
município. Isso representa o aumento do investimento em UBS, mesmo após a perda da
gestão plena.
Podemos, constatar esses dados, a partir de informações do SUS, que
representadas por meio de tabelas, demonstram como a participação do mesmo em relação
à média e alta complexidade permanece praticamente igual, durante o período tomado
como referência2. Isso comprova mais uma vez que o aumento em verbas para a baixa
complexidade provém do município, já que com as demais categorias, como já dito, o
Estado, tem investido praticamente a mesma verba.
Para essa análise, utilizamos os dois maiores hospitais da cidade que contam com
recursos do Sistema Único de Saúde, são eles: o Hospital Universitário e a Santa Casa.
Além disso, levamos em consideração os anos: 2003 (ano anterior à perda da gestão
plena), 2004 (ano da perda da gestão plena) e 2005 (ano posterior à perda da gestão
plena).
Tabela 1: Investimentos direcionados a Santa Casa de Misericórdia de Presidente Prudente
no período de 2003 a 2005. Meses 2003 2004 2005
Janeiro 101.885,62 101.885,62 101.885,62Fevereiro 101.885,62 101.885,62 101.885,62Março *** 101.885,62 101.885,62Abril 101.885,62 101.885,62 101.885,62Maio 101.885,62 101.885,62 101.885,62Junho 101.885,62 101.885,62 101.885,62Julho 101.885,62 *** 101.885,62Agosto 101.885,62 101.885,62 101.885,62Setembro 101.885,62 101.885,62 101.885,62Outubro 101.885,62 101.885,62 101.885,62Novembro 101.885,62 101.885,62 101.885,62Dezembro 101.885,62 101.885,62 101.885,62Média de investimentos 101.885,62 101.885,62 101.885,62Fonte: Datasus, 2007 Organizadora: Dayana A. M. de Oliveira Tabela 2: Investimentos direcionados ao Hospital Universitário Dr. Domingos Ceravolo de Presidente Prudente no período de 2003 a 2005.
Meses 2003 2004 2005 Janeiro 450.885,26 450.885,26 414.583,28Fevereiro 450.885,26 450.885,26 414.583,28Março 397.500,00 450.885,26 414.583,28Abril 450.885,26 450.885,26 414.583,28
2 As oscilações são pequenas no que diz respeito ao investimento destinado ao Hospital Universitário do município. Quanto a Santa Casa, o valor repassado permanece o mesmo, já que é uma verba fixa.
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Maio 450.885,26 414.583,28 414.583,28Junho 450.885,26 397.500,00 414.583,28Julho 450.885,26 414.583,28 414.583,28Agosto 450.885,26 414.583,28 414.583,28Setembro 450.885,26 414.583,28 414.583,28Outubro 450.885,26 414.583,28 414.583,28Novembro 450.885,26 414.583,28 414.583,28Dezembro 450.885,26 414.583,28 414.583,28Média de investimentos 446.436,49 425.260,33 414.583,28Fonte: Datasus, 2007. Organizadora: Dayana A. M. de Oliveira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao analisar a situação da saúde de Presidente Prudente e o impacto da perda da
gestão plena, percebemos que após o ocorrido em 2004, à prioridade do município
modificou-se, passando a aumentar os recursos destinados à saúde, sendo o principal
responsável pelo aumento de investimentos nas Unidades Básicas de Saúde, as quais
estão voltadas para serviços de atenção básica, como o primeiro diagnóstico, entre outras
funções importantes para prevenção de doenças e atendimento ágil, já que são diversas
unidades localizadas em todo o município.
O aumento dos investimentos em atenção básica foi uma escolha acertada e sábia,
porém a perda da gestão plena, que até o presente momento não foi retomada, é um
aspecto negativo para a autonomia do município e participação da população. Já que, a
municipalização significa liberdade para dividir e distribuir os recursos de acordo com as
necessidades, as quais são apontadas com a colaboração do Conselho municipal de saúde,
que tem como papel representar a população. Com a perda da gestão plena a participação
ativa da população é ignorada, o que é um aspecto terrível para um “país democrático”.
O caso de Presidente Prudente quanto à questão da saúde é um fato político
disputado pelos que não serão atingidos diretamente (com relação ao atendimento e
utilização do serviço de saúde pública) pelas decisões tomadas a partir da distribuição de
investimentos.
Passado quatro anos do ocorrido cabe ao poder local, a tentativa de retomar a
autonomia que foi “perdida”, a fim de atender melhor os interesses da população, pois a
saúde é um direito universal de todos, sendo que no Brasil, a lei assegura que esses todos
podem, além de utilizar os serviços oferecidos, participar das decisões que influenciarão na
distribuição de verbas e investimentos para a saúde.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Banco de Dados do Sistema Único de Saúde. Informações de saúde. Disponível em: www.datasus.gov.br. Consulta em: 14 de abril de 2008
OLIVEIRA, Dayana A. M.O impacto da perda de gestão plena: “Diagnóstico de situação ...
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PRESIDENTE PRUDENTE. Lei n. 6.142 de 5 de janeiro de 2004. Autoriza a Prefeitura Municipal de Presidente Prudente a celebrar convênio com a Associação Prudentina de Educação e Cultura – APEC, objetivando a permissão de serviços médico-hospitalares de urgência e emergência, e dá outras providências. Disponível em: www.presidenteprudente.sp.gov.br. Consulta em 14 de abril de 2008 RIBEIRO, A. E. WERNECK. A análise geográfica dos gastos municipais em saúde. – Presidente Prudente: [s.n.], 2005.
HISTÓRIA ORAL, MEMÓRIA E IDENTIDADE: A FORMAÇÃO DOS LUGARES
Deise Campos Curcino
e-mail: [email protected]
Aluna do Bacharelado em Geografia
Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) UNESP - Campus de Presidente Prudente – SP
Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Orientadora: Profª. Dra. Rosângela Ap. de Medeiros Hespanhol
Resumo: Este trabalho teve como objetivo realizar uma discussão acerca da contribuição da História Oral para a formação dos lugares, já que a mesma é responsável por um conjunto de valores, tradições, conhecimentos e acontecimentos que, por meio da tradição oral, foram transmitidos às gerações. Nesse sentido, a evidência oral é uma forma de apreender o real, assim como o documento escrito também é um meio de representação do real. É realizada também uma discussão sobre a questão da memória como fenômeno socialmente construído e fonte de dados da história oral e sua relação com a identidade na produção dos lugares. Palavras-chave: história oral; memória de idosos; identidade; lugar. INTRODUÇÃO
Considerando que a história da humanidade se constitui em um importante registro
para entendermos as necessidades, os valores e as transformações histórico-geográficas
produzidas pelo Homem, a investigação dos lugares se faz importante ao passo que o
homem, como sujeito social, ao imprimir no espaço geográfico suas marcas/símbolos,
caracteriza e diferencia os espaços, tornando-os territórios e/ou lugares. Foi pensando
nesses espaços específicos que este trabalho se torna relevante.
Para o desenvolvimento deste trabalho objetivou-se realizar uma discussão acerca
da contribuição da História Oral para a formação dos lugares, além da questão da memória
como fenômeno socialmente construído e fonte de dados da história oral; e a relação entre
memória e identidade na produção do espaço.
Sabe-se que a consolidação da história oral no meio acadêmico deu-se somente em
meados da década de 1990. Neste período, foi criada (em 1994) a Associação Brasileira de
História Oral (ABHO), que passa a congregar os estudiosos e pesquisadores das Ciências
Humanas de todas as regiões do país. Isso porque, com o desenvolvimento da escrita, a
tradição documental tornou-se um recurso mais valorizado e confiável para historiadores e
estudiosos.
Assim, a valorização das memórias e das recordações permite a construção de uma
história mais socialmente consciente e democrática. O uso de entrevistas também possibilita
que pessoas ágrafas contribuam para a elaboração de uma leitura dos acontecimentos.
CURCINO, Deise C. História oral, memória e identidade: A formação dos lugares
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HISTÓRIA ORAL, MEMÓRIA E IDENTIDADE: A FORMAÇÃO DOS LUGARES
Bosi (1994) relata que, através da voz, tem-se “a vida e o pensamento de seres que
já trabalharam por seus contemporâneos e por nós. Este registro alcança uma memória
pessoal que é também uma memória social, familiar e grupal” (p.33).
Assim, podemos reconstruir, por meio da memória de idosos, acontecimentos
históricos e paisagens geográficas, além desses atores revelarem em suas falas um modo
de viver, valores e costumes próprios da comunidade a qual pertencem. Por isso, esse
recurso torna-se de grande valor à formação de uma identidade com o seu lugar.
Para Bernardo (1998, p.44), “a memória de diferentes grupos sociais constitui um
bem cujo valor é inestimável”. Esta autora analisa a memória pelo viés da resistência.
Assim,
(...) pelo trabalho das lembranças, reconstrói-se aqui o que se deixou lá. A análise da memória permite captar não só as lembranças, o imaginário, mas também as reconstruções reais. É nesta perspectiva que a memória significa resistência (BERNARDO, 1998, p.44).
Desta forma, nesse trabalho, ao se trabalhar a memória como registro, temos a
possibilidade de compreender a formação dos lugares como um produto social e histórico,
além de se constituir como um importante espaço de vivências.
Para Pollak (1992, p.02),
A priori, a memória parece ser um fenômeno individual, algo relativamente íntimo, próprio da pessoa. Mas Maurice Halbwachs, nos anos 20-30, já havia sublinhado que a memória deve ser entendida também, ou sobretudo, como um fenômeno coletivo e social, ou seja, como um fenômeno construído coletivamente e submetido a flutuações, transformações, mudanças constantes.
Pollak (1992, p. 4-5) fala sobre a memória como um fenômeno construído, que os
modos de construção podem tanto ser conscientes como inconscientes. “O que a memória
individual grava, recalca, exclui, relembra, é evidentemente o resultado de um verdadeiro
trabalho de organização”. A organização em função das preocupações pessoais e políticas
do momento mostra que a memória é seletiva e um fenômeno construído social e
individualmente.
Quando se trata de memória herdada, Pollak (1992, p.5) afirma que “há uma ligação
fenomenológica muito estreita entre a memória e o sentimento de identidade”1. Pollak
1 O sentido de sentimento de identidade empregado é o “o sentido de si, para si e para os outros. Isto é, a imagem que uma pessoa adquire ao longo da vida referente a ela própria, a imagem que ela constrói e apresenta aos outros e a si própria, para acreditar na sua própria representação, mas também para ser percebida como quer ser percebida pelos outros” (POLLAK, 1992, p. 5).
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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recorreu à psicologia social e, em parte, à psicanálise para entender a questão da
identidade e identificou três elementos essenciais:
Há a unidade física, ou seja, o sentimento de ter fronteiras, no caso do corpo da pessoa, ou fronteiras de pertencimento ao grupo, no caso de um coletivo; há a continuidade dentro do tempo, no sentido físico da palavra, mas também no sentido moral e psicológico; finalmente, há o sentimento de coerência, ou seja, de que os diferentes elementos que formam um indivíduo são efetivamente unificados (POLLAK, 1992, p. 05).
Por isso a memória, por muito tempo, foi responsável por um conjunto de valores,
tradições, conhecimentos e acontecimentos que, por meio da tradição oral, foram
transmitidos às gerações. E, após a criação do gravador à fita na Europa, nos EUA e no
México no início da década de 1950, o recurso de gravar o depoimento de testemunhas da
história se difundiu.
A consolidação da história oral no meio acadêmico deu-se somente em meados da
década de 1990. Neste período, foi criada (em 1994) a Associação Brasileira de História
Oral (ABHO), que passa a congregar os estudiosos e pesquisadores das Ciências Humanas
de todas as regiões do país. Os associados fazem uso da história oral em seus estudos e
pesquisas por meio do registro da voz de pessoas que viveram ou testemunharam
acontecimentos, conjunturas, instituições, modos de vida e/ou outros aspectos da história
contemporânea. Além desse marco, em 1996 foi criada a Internacional Oral History
Association (IOHA), que também contribui para a difusão e aprimoramento dos estudos na
área de história oral (www.cpdoc.fgv.br/abho/).
Apesar da expressão “história oral” ser recente, o uso da evidência oral é tão antiga
quanto à história. Nas sociedades pré-letradas, por exemplo, toda história era oral. Essa
tradição oral permitiu que o conhecimento fosse transmitido de geração para geração até o
momento em que este pudesse ser registrado em papéis (THOMPSON, 1998).
Thompson (1998, p.47) destaca que:
Em Ruanda, por exemplo, genealogistas, memorialistas, rapsodos e abiiru, cada um deles era responsável pela preservação de um tipo diferente de tradição. Os genealogistas, abacurabwenge, tinham que se lembrar das listas dos reis e das rainhas-mãe; os memorialistas, abateekerezi, os acontecimentos mais importantes de cada reinado; os rapsodos, abasizi, preservavam os panegírios aos reis; e os abiiru, os segredos da dinastia. ‘Sem nós, os nomes dos reis se desvaneceriam no esquecimento, nós somos a memória da humanidade’, proclamavam com razão os cantores e louvores.
Mas, com o desenvolvimento da escrita, a tradição documental tornou-se um recurso
mais valorizado e confiável para historiadores e estudiosos em geral. Sobre esse fato,
Thompson (1998, p.50) comenta que
CURCINO, Deise C. História oral, memória e identidade: A formação dos lugares
652
A memória foi rebaixada do status de autoridade pública para o de um recurso auxiliar privado. As pessoas ainda se lembram de rituais, nomes, canções, histórias, habilidades; mas agora é o documento que se mantém como autoridade final e como garantia de transmissão para o futuro. Em conseqüência, exatamente aquelas tradições orais públicas e de longo prazo, outrora as de maior prestígio, é que se tem mostrado mais vulneráveis. Em contraposição, a reminiscência pessoal e as tradições particulares das famílias, que raramente são postas no papel [...] é que ser tornaram o tipo padrão de evidência oral.
A tradição documental, neste sentido, tornou-se predominante, sendo a evidencia
oral um recurso visto como “não confiável”. Porém, atualmente existem vários trabalhos
sobre história oral, mas a problemática ainda permanece no meio acadêmico: a
confiabilidade da memória. Essa fidedignidade da tradição oral (valores e momentos que
são transmitidos às gerações) e das reminiscências (experiências vividas) é motivo de
críticas, por estarem embasadas na subjetividade.
No entanto, toda e qualquer experiência ou conhecimento antes de ser documentado
em papéis não resulta de uma leitura subjetiva? Toda e qualquer obra expressa um certo
“olhar do mundo”, pois tanto na elaboração como na sua análise, o homem está carregado
de valores que implicarão na finalidade e no processo do trabalho. O autor pode representar
o espaço geográfico e as relações nele presentes a partir da sua relação com o lugar
(espaço vivido), sendo que o leitor ao apreciar uma obra, também constrói outra forma de
representação da vivência, a partir da sua interpretação do autor da obra. Desta forma, a
evidência oral é uma forma de apreender o real, assim como o documento escrito também é
um meio de representação do real.
Muitos trabalhos foram realizados antes da historia oral tornar-se banco de dados
para as pesquisas contemporâneas através da gravação da voz dos entrevistados.
Thompson (1998) lembra que Jules Michelet, historiador francês de meados do século XIX,
escreveu sua História da Revolução Francesa,
[...] tinha por certo que os documentos escritos deviam ser apenas uma entre muitas outras fontes. Ele podia valer-se da própria memória, pois nascera em Paris em 1798, menos de dez anos depois da queda da Bastilha. Porém, durante dez anos colheu sistematicamente evidência oral fora de Paris. Sua intenção era contrabalançar a evidência dos documentos oficiais com o julgamento político da tradição oral popular (THOMPSON, 1998, P.45).
Segundo Thompson (1998) a valorização das memórias e recordações permite a
construção de uma história mais socialmente consciente e democrática. O uso de
entrevistas também possibilita que pessoas ágrafas contribuam para a elaboração de uma
leitura dos acontecimentos.
A história oral não é necessariamente um instrumento de mudança; isso depende do espírito com que seja utilizada. Não obstante, a história oral pode certamente ser um meio de transformar tanto o conteúdo quanto a finalidade da história. Pode ser usada para alterar o enfoque da própria história e revelar novos campos de investigação;
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
653
pode derrubar barreiras que existam entre professores e alunos, entre gerações, entre instituições educacionais e o mundo exterior; e na produção da história – seja em livros, museus, rádio ou cinema – pode devolver às pessoas que fizeram e vivenciaram a história um lugar fundamental, mediante suas próprias palavras (THOMPSON, 1998, p. 22).
Thompson (19998) contribui para a perspectiva de uma evidência oral que pode
conseguir algo mais penetrante e mais fundamental para a história. Alega que “enquanto os
historiadores estudam os atores da história a distância, a caracterização que fazem de suas
vidas, opiniões e ações sempre estará sujeita a ser descrições defeituosas” (p.137). Isso se
deve ao fato de se pautarem em suas próprias experiências e imaginação, ou seja, uma
forma erudita de ficção.
Além de termos, por meio da história contada, uma representação dos
acontecimentos, da realidade, do espaço geográfico, como uma releitura do mundo, “a
evidência oral transforma os ‘objetos’ de estudo em ‘sujeitos’, contribui para uma história
que não só é mais rica, mais viva e mais comovente, mas também mais verdadeira”
(THOMPSON, 1998, p.137)”.
Sendo assim, as entrevistas, na forma de registro da voz, sem questões pré-
estabelecidas, se constitui em importante procedimento metodológico para conhecermos a
relação desses “velhos” atores sociais com a produção dos lugares.. Essa apreensão esta
ligada ao contexto e ambiente em que viveram e vivem, estando também relacionada às
memórias, que de certa forma, refletem relações de identidade.
Pollak (1992) contribui para o entendimento da identidade dizendo que esta é um
fenômeno que se produz em referência aos outros, em relação aos critérios de
aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por meio da negociação
direta com outros. A memória e a identidade, desta forma, são valores disputados em
conflitos sociais e intergrupais. Por exemplo, a memória e a identidade constituem um ponto
importante na disputa pelos valores familiares (POLLAK, 1992).
Loureiro & Príncipe (2002), por sua vez, trabalham com uma outra dimensão de
identidade: a identidade local. Essas autoras abordam a teoria do processo identitário de
Breakwell2 que propõe que a identidade pode ser conceituada como um organismo que se
desenvolve através dos processos de assimilação, acomodação e avaliação. Esse processo
identitário é regido por quatro princípios que definem a estrutura da identidade: auto-estima,
continuidade, distintividade e controlo.
A auto-estima esta relacionada com avaliação positiva que o sujeito faz do grupo ao
qual pertence e com o sentimento de valor e orgulho social. O sentimento de auto-estima
pode ser impulsionado pelas qualidades de um local. A continuidade está relacionada à
ligação no espaço e no tempo entre o passado e o presente. A distintividade revela-se no
2 BREAKWELL, G. M. Coping with threatened identities. London: Mhetuem & Co, 1986.
CURCINO, Deise C. História oral, memória e identidade: A formação dos lugares
654
desejo e necessidade de os indivíduos se sentirem únicos e especiais, podendo o fato de
habitar um determinado lugar servir para o sujeito se diferenciar dos outros. E o controlo ou
auto-eficácia é definido como a confiança que o individuo tem nas suas capacidades de
resolver as exigências do ambiente em que vive (LOUREIRO & PRÍNCIPE, 2002).
Haesbaert (1996) também discute sobre a questão da identidade, alegando que os
espaços expressam muito mais que a manifestação concreta de seus prédios, estradas e
montanhas. Há uma referência identitária nesses espaços, uma leitura simbólica que
emana, uma apropriação estética específica, capaz de fortalecer uma identidade coletiva
que é também uma identidade territorial. “Assim se formam ou se forjam identidade locais,
regionais, nacionais etc. fortalecidas não apenas pelos territórios ‘de naturalidade’, em seu
sentido concreto, mas também por territórios simbólicos” (HAESBAERT, p. 149, 1996).
Essas dimensões de identidade revelam que o processo de ocupação, apropriação e
produção do espaço geográfico, além de ser econômico, é também cultural. Esse último
está associado a um conjunto de elementos identitários. Conforme os grupos sociais se
deslocam, estabelecem novas relações com o território; incorporam costumes, valores e
expressões lingüísticas, estabelecendo novas territorialidades e relações de identidade.
Essas relações de identidade se expressam nos lugares por meio da dimensão simbólica e
do cotidiano dos atores sociais em seu meio de convívio.
Desta forma, pode-se mencionar que cada lugar possui seu “jeito”, que é singular e
sentido de forma diferenciada por cada indivíduo. Segundo Carlos (1996, p.20), “o lugar é a
porção do espaço apropriável para a vida – apropriada através do corpo – dos sentidos –
dos passos de seus moradores [...]”. Diante de tal assertiva, podemos entender o lugar
como “espaço vivido” ou como diz Tuan (1980, p.107), “[...] o lugar ou o meio ambiente é o
veículo de acontecimentos emocionalmente fortes ou é percebido como um símbolo”.
Desta forma, o lugar nos revela experiências do ser, flashes históricos e
transformações sociais, econômicas e culturais. Mas, qual porção do espaço pode ser
conceituada como lugar? Na perspectiva de Carlos (1996, p.20):
São os lugares que o homem habita dentro da cidade que dizem respeito a seu cotidiano e a seu modo de vida [...] isto é, pelas formas através das quais o homem se apropria e que vão ganhando o significado dado pelo seu uso.
Assim, o lugar na Ciência Geográfica pode ser entendido como a relação que se dá
entre o homem e seu meio vivido. É a partir desse entendimento que a investigação dos
“lugares” se faz importante, e a partir da história contada pelos idosos é possível identificar
os momentos e os diferentes usos do espaço cotidiano.
A dimensão lugar, como categoria de análise, nos faz pensar nas particularidades
do espaço vivido, que diante da tendência à mundialização, ou seja, um processo unificador
de valores, modos de vida e espaços, tem, cada vez mais, espaços homogêneos que
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
655
colocarão fim as particularidades dos lugares. Ferreira (1999, p.30) aponta que:
[...] o processo da mundialidade em constituição e da instantaneidade dos fluxos de comunicação que a sustentam, da dessimbolização do mundo em benefício dos signos, da ‘metáfora do globo terrestre’, difundido em larga medida pela profusão das mensagens publicitárias na atualidade, parecem contribuir de modo decisivo para um desenraizamento generalizado: das gentes, culturas, lugares, espaços.
Ferreira (1999) se refere aos desdobramentos de uma revolução científico-
tecnológica e nas comunicações que deu origem a uma concepção de tempo/espaço
hegemônicos e que se define por uma sociedade mundializada. Esse processo resulta no
enfraquecimento dos laços homem/lugar.
Não obstante, esse distanciamento homem-lugar é um, entre tantos processos de separação (homem-natureza, campo-cidade, trabalho-lazer, obra-produto, etc.) promovidos pelo capitalismo, que no seu curso, estende as relações de troca ao espaço inteiro, constituindo a ‘sociedade global’ tal como hoje a conhecemos (FERREIRA, 1999, p. 36).
Desta forma, é pensando na sociedade mundializada que tende a homogeneizar os
conteúdos sociais localizados e torná-los simples espaços de consumo, que esse trabalho
pretende analisar o registro da voz dos atores sociais que participaram do processo de
formação e consolidação dos lugares se faz importante. Isso porque, a partir das histórias
contatas, pode-se identificar o processo histórico, assim como o valor de uso, a apropriação
como prática social.
Como afirma Carlos (1996, p.15-16),
[...] o lugar se produz na articulação entre o mundial que se anuncia e a especificidade histórica do particular. Deste modo o lugar se apresentaria como o ponto de articulação entre a mundialidade em constituição e o local enquanto especificidade concreta, enquanto momento.
Portanto, conhecer a história dos lugares é um desafio em busca de elementos que
possam ser articulados de forma a nos mostrar um cenário geográfico em que as dimensões
culturais e sociais, além das políticas e econômicas, se constituem em “peças” de um
mosaico. Este, por sua vez, possibilita diferentes leituras do todo e das partes (“as peças”).
Bastos (1993, p. 55) ao fazer uma análise da literatura como forma de representação
do real, nos dá margem para pensar, no caso específico proposto neste trabalho sobre a
memória de idosos, que a história contada por estes também se constitui em uma forma de
representação do real, “uma forma específica de representação do espaço geográfico (...),
de acordo com a ótica e as vivências” do narrador.
Bosi (1994, p. 85) salienta que hoje a comunicabilidade da experiência diminuiu, “não
há mais conselhos, nem para nós nem para os outros. Na época da informação, a busca da
sabedoria perde as forças, foi substituída pela opinião”. Assim, este trabalho voltou-se para
CURCINO, Deise C. História oral, memória e identidade: A formação dos lugares
656
a memória de idosos, de forma a valorizar a riqueza de acontecimentos históricos e
paisagens geográficas contadas a partir da lembrança dos mesmos. As lembranças podem
ser investigadas como “um meio de representação do real no qual os processos de
estruturação do simbólico estão presentes” (BASTOS, 1993, p.57).
Benjamin (1994, p.224) contribui para essa perspectiva ao destacar que:
Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo ‘como ele de fato foi’. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo.
Deste modo, deve-se considerar como “peça” importante deste mosaico, as
reminiscências registradas pela voz dos entrevistados, no nosso caso, os idosos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo sobre a história oral como recurso metodológico para compreendermos a
formação dos lugares e a identidade dos atores sociais revelou nesse trabalho um conjunto
de elementos que nos permite pensar as particularidades dos lugares em relação à
tendência a homogeneização dos padrões de produção e das relações sociais.
Foi possível também estabelecer conexões entre o registro da voz e a memória a
partir da relação do homem com o espaço vivido. A memória nesse aspecto tem papel
importante, pois é a partir dela que se articulam os acontecimentos, os personagens e os
lugares vividos ou herdados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BASTOS, Ana Regina Ribeiro. Espaço e Literatura: algumas reflexões teóricas. Espaço e Cultura, nº5, jan/jun de 1998, p. 55-66. BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito da História. In: BENJAMIN, Walter (org.). Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da cultura. SP: Brasiliense, 1994, p. 222-232. BERNARDO, Teresinha. Memória como Resistência: O migrante. Travessia, setembro-dezembro/1998, p. 44-45. BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembrança de velhos. SP: Companhia das Letras, 1994. CARLOS, Ana Fani Alessandri. O Lugar no/do Mundo. São Paulo: Hucitec, 1996. FERREIRA, Genovan P. de Moraes. A Praça, A Rua... A TV de Rua: Usos do Espaço, Permanências do Lugar. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, Programa de Pós-graduação em Geografia,
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
657
HAESBAERT, Rogério. Território e Identidade: raízes do gauchismo e da nordestinidade. In: Des-territorialização e identidade: a rede gaúcha no nordeste. RS: Ed. da Universidade Federal Fluminense, 1997. ___________Território, poesia e identidade. In: Territórios Alternativos. RJ: Espaço e Cultura, p.20 a 32, 1996. LOUREIRO, Ana; PRINCIPE, Ana Pilipa. Identidade local e Identidade social: estudo comparativo das populações de Ponta Delgada e Lisboa. 1º Colóquio Psicologia Espaço e Ambiente. Universidade de Évora 9-10 Maio, 2002. POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos. RJ, vol.5, n.10, 1992, p. 200-212. THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. SP: Paz e Terra, 1998. TUAN, Yi-Fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. (Trad. Lívia de Oliveira) São Paulo: Difel, 1980. Associação Brasileira de História Oral. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/abho/>. Acesso em: 20 jan. de 2009.
CIDADES MÉDIAS, CRESCIMENTO ECONÔMICO E EXPORTAÇÕES: UMA ANÁLISE DE PRESIDENTE PRUDENTE E SÃO JOSÉ DO RIO PRETO – SP
Denise Marini Pereira [email protected]
Estudante de Graduação em Geografia Universidade Estadual Paulista – FCT Campus de Presidente Prudente
Bolsista FAPESP (Iniciação Científica)
Resumo: Este artigo é resultado de pesquisa de iniciação científica em desenvolvimento, sob orientação do Professor Doutor Arthur Magon Whitacker do Departamento de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista – campus de Presidente Prudente -, financiada pela FAPESP e vinculada ao Grupo de Pesquisa Produção do Espaço Urbano e Redefinições Regionais (GAsPERR) da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Presidente Prudente. O objetivo deste trabalho foi o de compreender a relação entre o crescimento econômico e o mercado de trabalho de cidades médias com a participação destas no comércio exterior. Este recorte analítico será desenvolvido tomando-se como recorte territorial os municípios de Presidente Prudente e São José do Rio Preto, respectivamente, na porção Oeste e Noroeste do Estado de São Paulo. Palavras-chave: Crescimento Econômico; Mercado de Trabalho; Comércio Exterior; Cidades Médias. INTRODUÇÃO
A acumulação flexível do capital tem provocado mudanças significativas no espaço
geográfico. O nível de intersecção das economias mundiais cresce constantemente e
provoca transformações nas lógicas de estruturação de países e regiões. No Brasil isto
também é verdadeiro, mas não ocorre de forma homogênea e apresenta particularidades
que não podem ser apreciadas genericamente.
Embora o Brasil esteja envolvido com o comércio internacional desde o início de sua
colonização, sua intensificação ocorreu tardiamente, no final do século XX com a
acumulação flexível do capital citada acima. Esta implica numa produção não mais em
massa, como no chamado período fordista, mas segmentada e definida a cada momento
pelas demandas do mercado. Devido às limitações estruturais e diferenças geográficas
existentes, tal flexibilização incrementou de forma desigual as relações econômicas entre
países.
Para tanto, governos de países e regiões, atrelados ao capital financeiro e industrial,
organizaram alianças estratégicas de caráter mundial, de forma que suas atividades
produtivas estivessem integradas e resultassem numa crescente interdependência entre os
sistemas produtivos nacionais e internacionais, por meio da intensificação de fluxos
financeiros (capital-dinheiro), fluxos comerciais (capital-mercadoria) e fluxos de inversão
direta (capital produtivo). Mediante essa estratégia, as produções são orientadas para
PEREIRA, Denise M. Cidades médias, crescimento econômico e exportações: uma análise ...
660
consumo interno e também para exportar na busca de obter divisas1 que serão utilizadas,
dentre outras finalidades, para comprar aquilo que é necessário e não foi produzido.
A atual integração dos mercados financeiros mundiais e o crescimento do comércio
internacional foram possíveis e facilitados com o desenvolvimento acelerado das
telecomunicações, da informática e dos transportes. Tem-se o “meio técnico-científico e
informacional” (SANTOS, 2005) como expressão geográfica da globalização, reduzindo
distâncias e propiciando o crescimento econômico de países e regiões. Como contraponto,
deve-se reconhecer a fragilização de muitas economias nacionais, em decorrência de uma
grande dependência de capital externo, mercados globais e empresas transnacionais, numa
contramão das lógicas desenvolvimentistas de algumas décadas passadas que apregoavam
um modelo de fortalecimento de parques industriais e mercados nacionais.
No documento do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comercio Exterior
denominado Balança Comercial Brasileira – Dados Consolidados 2006 há um
depoimento do Ministro Luis Fernando Furlan que afirma que o crescimento mais que
dobrado das exportações dos últimos quatro anos (anteriores a 2006) permitiu o saldo
acumulado, no mesmo período, de US$149,2 bilhões, contribuindo para a melhoria das
contas externas brasileiras e a estabilidade econômica. Em tal documento também é
possível averiguar a relevância do crescimento das exportações brasileiras expressa
não só no aumento de sua participação nas exportações mundiais, que vem superando
a marca de 1% (Gráfico 1), como também o seu crescimento na participação percentual
no PIB do Brasil ultrapassando os 14% (Gráfico 2).
Gráfico 1: Participação percentual das exportações brasileiras nas exportações mundiais. Fonte: Balança Comercial Brasileira – Dados Consolidados 2006.
1 Divisas são moedas fortes que os países precisam obter para pagar suas importações e outros compromissos internacionais.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
661
Gráfico 2: Participação percentual das exportações brasileiras no PIB do Brasil. Fonte: Balança Comercial Brasileira – Dados Consolidados 2006.
O setor que mais tem contribuído para este crescimento é o Agronegócio2, que
vem recebendo destaque mundial nas exportações. Segundo o Ministério da
Agricultura, Pecuária e do Abastecimento, na publicação AGRONEGÓCIO BRASILEIRO
- Desempenho do Comércio Exterior referente ao ano de 2005, o agronegócio brasileiro foi
o maior detentor de saldo comercial agrícola do mundo em 2005, sendo responsável por
36,9% das exportações totais (Gráfico 3) e 27,9% do Produto Interno Bruto (PIB).
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U S
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B i
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EXP TOTAL IMP TOTAL EXP AGRONEGÓCIO IMP AGRONEGÓCIO
Fonte: AgroStat Brasil a partir de dados da SECEX/MDICElaboração: CGOE / DPIA / SRI / MAPA
Gráfico 3 – Desempenho da balança comercial brasileira e do agronegócio (em US$ bilhões), 1989 - 2006. Fonte: AgroStat Brasil a partir de dados da SECEX/MDIC.
As exportações em nível nacional, estadual e municipal, apresentam-se para os
governos como uma fonte de acúmulo de reservas para enfrentamento de possíveis crises
2 Cabe aqui a distinção entre agronegócio e agropecuária. Bacha (2007) define agronegócio como a tradução de agribusiness e se refere ao conjunto de atividades realizadas pela agropecuária e pelos setores a ela vinculadas. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), envolve as atividades dos setores primário, secundário e terciário da economia. A agropecuária esta ligada ao setor primário da economia.
PEREIRA, Denise M. Cidades médias, crescimento econômico e exportações: uma análise ...
662
em sua economia. Assim explicam-se os incentivos do governo nacional, através da
concessão de créditos e incentivos fiscais, para que as empresas brasileiras insiram-se no
comércio internacional e justifica-se o fato deste ser um importante motivador ao se
vislumbrar o desenvolvimento econômico.
Para a compreensão deste quadro, estabelecendo-se elementos que permitam
verificar a validade, ou não, destes argumentos para diferentes recortes regionais
brasileiros, é imprescindível considerar a importância dos diversos agentes econômicos no
desenvolvimento ou no crescimento econômico de países e regiões, compreendendo seus
papéis na consolidação de diferentes territórios e as modificações que eles exercem na
forma de organização das sociedades.
Segundo Whitacker:
[...] Territorialmente, passamos a ter uma maior mobilidade das indústrias, dos centros de pesquisa e de marketing, por exemplo, permanecendo, porém, centralizado o nível de gestão decisória. (WHITACKER, 2007, p.9).
Esta dinâmica, em relação ao Brasil, pode ser destacada ao se observar as recentes
mudanças na lógica de estruturação de sua rede urbana, ocasionadas pelas transformações
na divisão regional do trabalho do país e de seus novos papéis desempenhados na divisão
internacional do trabalho.
Os fluxos internos no território brasileiro ampliaram-se, de forma que as cidades se
tornaram mais integradas pelo seu modo de produção e, consequentemente, aumentaram
em número e importância. Ou seja, a dinâmica da globalização expressa nas novas formas
de internacionalização, implicou na desconcentração de parte das atividades industriais e de
outras correlatas e associadas, aumentando os papéis de cidades grandes e médias. Alguns
autores como Santos explicam esse processo da seguinte forma:
[...] A relação entre a internacionalização e as cidades ganha nova dimensão com o processo de globalização por que passa, hoje, todos os continentes. Pelos objetos em que se apóia e pelas relações que cria, a nova divisão do trabalho leva a uma verdadeira mundialização dos lugares. [...] Essa mundialização dos lugares permite a criação de lugares especializados e de lugares complexos. [...] No caso brasileiro, a região privilegiada é o Sudeste e os lugares privilegiados são as metrópoles, às quais recentemente também vem juntar-se um grande número de cidades médias, graças ao desenvolvimento agrícola e industrial. (SANTOS, 1994, p.17.19).
Em busca compreender a relação entre o crescimento econômico e o mercado de
trabalho de cidades médias com a participação destas no comércio exterior, a análise
proposta se faz sobre Presidente Prudente (situado na porção oeste do Estado de São
Paulo, com extensão territorial de 562 Km² e aproximadamente 203 mil habitantes) e São
José do Rio Preto (localizado na porção noroeste do Estado de São Paulo, com 431 Km² de
extensão territorial e aproximadamente 403 mil habitantes). A escolha deste recorte de
análise se justifica pelo interesse em compreender as diferentes formas de organização
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
663
territorial de duas cidades médias, sedes de Região Administrativas do Estado, que
desenvolveram diferentes importâncias econômicas locais, nacionais e internacionais com a
intensa participação no comércio internacional.
DESENVOLVIMENTO DA TEMÁTICA
Nos últimos oito anos consecutivos Presidente Prudente mantêm-se entre os três
maiores exportadores de couro do país3. São José do Rio Preto, apesar de não apresentar
exportações tão expressivas quantitativamente, aderiu em 2003 á Rede Mercocidades4, o
que demonstra uma potencialização das atividades já produzidas e um forte atrativo para
investimentos públicos e privados, também expressos com a inclusão do município em 2008
no Sistema Paulista de Parques Tecnológicos, organizado pela Secretaria de
Desenvolvimento que objetiva incentivar e promover o desenvolvimento econômico do
estado.
Sob uma análise histórica, de 1997 a 2006, da Balança Comercial dos dois
municípios, notável se faz os expressivos valores de Presidente Prudente com a exportação
total neste período de US$ 841.899.746 e os crescentes saldos positivos. Em São José do
Rio Preto, o mesmo não ocorre. Suas exportações são de baixo valor, totalizando no mesmo
período de análise US$ 110.680.664 e com saldos positivos somente a partir de 2003,
porém, sem apresentar crescimento regular. Se ainda as exportações dos dois municípios
forem comparadas com as do Estado de São Paulo e do país, é possível observar que
enquanto as exportações do Estado variaram 154% no período de análise, as de Presidente
Prudente variam 1.544% e as de São José do Rio Preto 296%.
TABELA 1 – Evolução e variação das exportações de Presidente Prudente, São José do Rio Preto, Estado de São Paulo e Brasil (US$F.B.O).
Ano P.PTE Var. (%) SJRP
Var.(%)
Estado de São Paulo
Var. (%) BRASIL
Var.(%)
1997 13.004.743 - 6.575.664 - 18.090.991.000 - 52.982.726.000 - 1998 22.351.192 72 5.234.973 -20 18.226.059.000 1 51.139.862.000 -3 1999 35.278.911 58 6.053.488 16 17.541.838.000 -4 48.011.444.000 -6 2000 32.130.155 -9 7.388.014 22 19.787.863.000 13 55.085.595.000 15 2001 62.743.437 95 6.654.405 -10 20.623.858.000 4 58.222.642.000 6
3 Com base em dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e o Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil, a maior empresa exportadora de couro de Presidente Prudente, Vitapelli, recebeu nos últimos oito anos consecutivos a premiação da Feira Internacional de Couros, Produtos Químicos, Equipamentos e Máquinas para Calçados e Curtumes com o Troféu Desempenho Exportação, que lhe concede a classificação entre as maiores empresas exportadoras de couro do país. 4 De acordo com a Conjuntura Econômica 2006 de São José do Rio Preto, Mercocidades é uma rede de cooperação horizontal integrada atualmente por 140 cidades do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) e de países associados (Bolívia, Chile e Peru), que proporciona a inserção de cidades no processo de integração regional do Mercosul. Os principais objetivos da Rede Mercocidades são fortalecer a participação dos Municípios no Mercosul e impulsionar, ao mesmo tempo, o intercâmbio e a cooperação entre os governos locais.
PEREIRA, Denise M. Cidades médias, crescimento econômico e exportações: uma análise ...
664
2002 75.383.782 20 6.586.991 -1 20.105.998.000 -3 60.361.786.000 4 2003 83.819.242 11 11.857.546 80 23.074.439.000 15 73.084.140.000 21 2004 142.863.310 70 17.074.197 44 31.038.788.000 35 96.475.244.000 32 2005 160.519.961 12 17.188.633 1 38.007.693.000 22 118.308.387.000 23 2006 213.805.013 33 26.066.753 52 45.929.528.000 21 137.469.700.000 16 Total 841.899.746 1544 110.680.664 296 252.427.055.000 154 751.141.526.000 159
Fonte: SECEX/MIDIC – ALICE (www.desenvolvimento.gov.br - Acesso em maio de 2009). Organização: PEREIRA, Denise Marini.
Ao analisar as empresas que compõem o mercado internacional dos municípios,
seus ramos de atividades e a faixa de valor que exportam5, identificou-se que estas estão
concentradas majoritariamente no setor da Indústria de Transformação,
secundariamente no Comércio e de modo não muito significativo nos setores de
Construção e Agricultura. Tanto em Presidente Prudente, quanto em São José do Rio
Preto, as empresas de maior faixa de valor exportado pertencem ao setor do
agronegócio. Porém Rio Preto, além de possuir maior número de empresas
exportadoras também apresenta empresas do setor moveleiro e outros (confecções,
metalurgia, implementos rodoviários, equipamentos biomédicos, equipamentos
hidráulicos, máquinas etc.) que exportam significativos valores variando em quantidade
e setor conforme os anos, ou seja, há uma diversificação mesmo que pequena.
Para compreender os elevados valores das exportações de Presidente Prudente
e sua intensificação ao longo dos anos foram analisadas suas pautas de exportações
referentes aos anos de 2005 e 20066. Nelas foi identificada a constante liderança de
produtos semi-manufaturados do setor agrícola. No ano de 2006, o couro, foi
responsável por 80% das exportações, a carne por 8% e o açúcar 5%. Sendo assim, os
dados comprovam que, apesar do município possuir uma balança comercial expressiva,
favorável e em evolução, sua economia é bastante dependente de um único setor do
agronegócio.
São José do Rio Preto apresenta maior distribuição dos produtos na participação da
pauta de exportações, o que pode ser exemplificado na pauta referente ao ano de 2006,
onde segundo a tipologia da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) têm-
se: a) outras miudezas comestíveis de bovinos congeladas (23,36%); b) outros reboques e
semi-reboques para transporte de mercadorias (12,84%); c) painéis de madeira para
assoalho (11,18%). Tais dados sinalizam que São José do Rio Preto não é dependente de
apenas uma atividade produtiva, como a priori parece ser Presidente Prudente. Ou seja,
suas exportações não estão totalmente condicionadas a único tipo de demanda, o que pode
afirmar e justificar o potencial produtivo das atividades desenvolvidas no município e, de
modo parcial, sua relevância internacional. 5 Dados extraídos no site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, disponibilizados e analisados anualmente no período de 2002 a 2008. 6 As pautas de exportações foram obtidas no site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
665
Com relação à desenvoltura econômica dos municípios, foi utilizado como indicador
inicial seus respectivos PIBs7 e calculado a participação percentual de cada setor no PIB
total (Tabela 2 e 3).
Tabela 2: Valor adicionado total, por setores de atividade econômica, Produto Interno Bruto total, percentual e per capita a preços correntes – Presidente Prudente (SP).
Valor Adicionado Total, por Setores de Atividade Econômica, Produto Interno Bruto Total, percentual e per capita a Preços Correntes.
Município de Presidente Prudente (SP)
Ano Valor Adicionado (em milhões de reais) PIB (2) PIB per
Capita (reais) Agropecuária % Indústria % Serviços
(1) % Total
2002 19,74
1,17
333,74
19,71
1.339,61
79,12
1.693,09
1.920,75
9.800,10
2003 15,39
0,83
350,24
18,92
1.485,75
70,89
1.851,39
2.095,80
10.549,11
2004 17,00
0,85
381,51
19,06
1.603,56
80,10
2.002,06
2.258,98
11.219,34
2005 22,57
1,01
410,11
18,29
1.809,52
80,70
2.242,20
2.530,52
12.402,34
2006 28,28
1,15
457,04
18,50
1.984,71
80,35
2.470,04
2.796,17
13.527,40 (1) Inclui o VA da Administração Pública. (2) O PIB do Município é estimado somando os impostos ao VA total. Fonte: Fundação Seade; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Organização: PEREIRA, Denise Marini. Tabela 3: Valor Adicionado Total, por Setores de Atividade Econômica, Produto Interno Bruto Total, percentual e per capita a Preços Correntes – São José do Rio Preto (SP).
Valor Adicionado Total, por Setores de Atividade Econômica, Produto Interno Bruto Total, percentual e per capita a Preços Correntes.
Município de São José do Rio Preto (SP)
Ano Valor Adicionado (em milhões de reais) PIB (2) PIB per
Capita (reais) Agropecuária % Indústria % Serviços
(1) % Total
2002 18,88
0,54
543,62
15,67
2.906,58
83,79
3.469,07
3.908,05
10.266,33
2003 16,50
0,46
563,00
15,53
3.045,85
84,02
3.625,35
4.077,37
10.471,57
2004 17,68
0,44
656,46
16,40
3.329,74
83,16
4.003,88
4.482,52
11.260,37
2005 16,20
0,35
710,77
15,23
3.941,38
84,43
4.668,35
5.245,32
12.893,28
2006 17,41
0,34
722,62
14,16
4.362,88
85,50
5.102,91
5.732,01
13.795,18 (1) Inclui o VA da Administração Pública. (2) O PIB do Município é estimado somando os impostos ao VA total. Fonte: Fundação Seade; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Organização: PEREIRA, Denise Marini.
Quando comparados o PIBs totais dos municípios de 2002 a 2006, nota-se que São
José do Rio Preto possui um PIB equivalente a pouco mais que o dobro do de Presidente
Prudente em todos os anos. No entanto, os dados podem ser relativizados uma vez que os 7 Os PIBs apresentados seguem a periodicidade de 2002 a 2006 por serem referentes ao novo cálculo estabelecido pelo IBGE, sendo que os novos valores não estão disponibilizados para anos anteriores ou posteriores a este período.
PEREIRA, Denise M. Cidades médias, crescimento econômico e exportações: uma análise ...
666
dois municípios se assemelham no PIB per capta, embora São José do Rio Preto tenha o
tamanho populacional quase que o dobro de Presidente Prudente.
Com os valores percentuais de cada setor é possível verificar, em ambas cidades, a
grande relevância do setor de Serviços na composição total do PIB, e a importância
secundária do setor da Indústria. Porém, se análises isoladas fossem feitas a tais variáveis
percentuais, seria possível supor um crescimento mais qualitativo do ponto de vista de
investimentos em infra-estruturas e desenvolvimento técnico-industrial de Presidente
Prudente em relação a São José do Rio Preto, pela Indústria apresentar percentuais
crescentes e superiores de participação no PIB. Mas esta não é a realidade quando se
verificam as atividades econômicas e os empregos desenvolvidos nos municípios.
Como já demonstrado, as exportações das cidades em estudo estão concentradas
no setor da Indústria de Transformação e seus PIBs Industriais apresentam relevante
importância na geração das riquezas municipais. Por tanto, para analisar o mercado de
trabalho deste setor, foram coletados dados8 dos empregos (Gráfico 4 e 5) apenas de 2006,
devido à extensa tipologia da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2.0):
Gráfico 4: Empregos da Indústria de Transformação (CNAE 2.0): Presidente Prudente, 2006. Fonte: RAIS/MTE – Ministério do Trabalho e do Emprego. Organização: PEREIRA, Denise Marini.
8 Os dados referentes aos empregos foram coletados no site do Ministério do Trabalho e do Emprego através da Relação Anual de Informações (RAIS).
EMPREGOS DA INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO (CNAE 2.0): PRESIDENTE PRUDENTE, 2006.
DI V I SAO 10 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS ALI M E NT Í CI OS ( 36%)
DI V I SAO 11 - FABRI CAÇÃO DE BE BI DAS ( 5%)
DI V I SAO 12 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS DO FUM O ( 0%)
DI V I SAO 13 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS T Ê X T E I S ( 0 , 3%)
DI V I SAO 14 - CONFE CÇÃO DE ART I GOS DO V E ST UÁRI O E ACE SSÓRI OS ( 3%)
DI V I SAO 15 - P RE P ARAÇÃO DE COUROS E FABRI CAÇÃO DE ART E FAT OS DE COURO,ART I GOS P ARA V I AGE M E CALÇADOS ( 31%)DI V I SAO 16 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS DE M ADE I RA ( 0, 1%)
DI V I SAO 17 - FABRI CAÇÃO DE CE LULOSE , P AP E L E P RODUT OS DE P AP E L ( 5%)
DI V I SAO 18 - I M P RE SSÃO E RE P RODUÇÃO DE GRAV AÇÕE S ( 2%)
DI V I SAO 19 - FABRI CAÇÃO DE COQUE , DE P RODUT OS DE RI V ADOS DO P E T RÓLE O EDE BI OCOM BUST Í V E I S ( 0%)DI V I SAO 20 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS QUÍ M I COS ( 0, 6%)
DI V I SAO 21 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS FARM OQUÍ M I COS EFARM ACÊ UT I COS( 0, 4%)DI V I SAO 22 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS DE BORRACHA E DE M AT E RI AL P LÁST I CO( 0, 2%)DI V I SAO 23 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS DE M I NE RAI S NÃO M E T ÁLI COS ( 1%)
DI V I SAO 24 - M E T ALURGI A ( 2%)
DI V I SAO 25 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS DE M E T AL, E X CE T O M ÁQUI NAS EE QUI P AM E NT OS ( 2%)DI V I SAO 26 - FABRI CAÇÃO DE E QUI P AM E NT OS DE I NFORM ÁT I CA, P RODUT OSE LE T RÔNI COS E ÓP T I COS ( 2%)DI V I SAO 27 - FABRI CAÇÃO DE M ÁQUI NAS, AP ARE LHOS E M AT E RI AI S E LÉ T RI COS( 1%)DI V I SAO 28 - FABRI CAÇÃO DE M ÁQUI NAS E E QUI P AM E NT OS ( 2%)
DI V I SAO 29 - FABRI CAÇÃO DE V E Í CULOS AUT OM OT ORE S, RE BOQUE S ECARROCE RI AS ( 3%)DI V I SAO 30 - FABRI CAÇÃO DE OUT ROS E QUI P AM E NT OS DE T RANSP ORT E , E X CE T OV E Í CULOS AUT OM OT ORE S ( 0 , 1%)DI V I SAO 31 - FABRI CAÇÃO DE M ÓV E I S ( 1%)
DI V I SAO 32 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS DI V E RSOS ( 0, 7%)
DI V I SAO 33 - M ANUT E NÇÃO, RE P ARAÇÃO E I NST ALAÇÃO DE M ÁQUI NAS EE QUI P AM E NT OS ( 0, 2%)
Fabricação de Produtos Alimentícios
Preparação de Couros e Fabricação de Artefatos de Couro, Artigos para
Viagem e Calçados
31%
5%
Fabricação de Bebidas
Fabricação de Celulose, Papel e Produtos de Papel
5%
36%
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
667
Gráfico 5: Empregos da Indústrias de Transformação (CNAE 2.0): São José do Rio Preto, 2006. Fonte: RAIS/MTE – Ministério do Trabalho e do Emprego. Organização: PEREIRA, Denise Marini.
Em relação a Presidente Prudente, o gráfico deixa claro a desproporcionalidade da
distribuição dos empregos. Estão concentrados em apenas duas atividades, fabricação de
produtos alimentícios (36%) e preparação de couros e artigos para viagem e calçados
(31%), 67% dos empregos totais da Indústria de Transformação, o que é favorável para a
formação de monopólios e oligopólios das atividades desenvolvidas e, consequentemente,
para a fragilização da economia do município ao depender de demandas específicas.
No entanto, constata-se em São José do Rio Preto uma maior dispersão dos
empregos ao verificar que 15% estão na fabricação de móveis, 14% na fabricação de
produtos de metal (exceto máquinas e equipamentos), 13% na confecção de artigos do
vestuário e acessórios e o restante com percentuais inferiores a 10% nos demais setores da
Indústria de Transformação. Faz-se relevante observar que o setor que mais exporta no
município, fabricação de produtos alimentícios, não é o que mais emprega, ao contrário de
Presidente Prudente. Tal fato pode apontar para certa estabilidade da economia de Rio
Preto perante as crises internacionais por possuir uma produção mais diversificada e pode
indicar que seu potencial produtivo é o motivo de sua participação na Rede Mercocidades.
CONCLUSÃO
Sendo assim, com os dados e análises apresentadas até o presente momento, é
possível concluir que ambas as economias municipais ganharam importância internacional
com exportações de produtos pertencentes ao setor da Indústria de Transformação, porém,
EMPREGOS DA INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO (CNAE 2.0): SÃO JOSÉ DO RIO PRETO, 2006.
DI V I SAO 10 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS ALI M E NT Í CI OS ( 9%)
DI V I SAO 11 - FABRI CAÇÃO DE BE BI DAS ( 1, 5%)
DI V I SAO 12 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS DO FUM O ( 0%)
DI V I SAO 13 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS T Ê X T E I S ( 0 , 6%)
DI V I SAO 14 - CONFE CÇÃO DE ART I GOS DO V E ST UÁRI O E ACE SSÓRI OS ( 13%)
DI V I SAO 15 - P RE P ARAÇÃO DE COUROS E FABRI CAÇÃO DE ART E FAT OS DE COURO,ART I GOS P ARA V I AGE M E CALÇADOS ( 2%)DI V I SAO 16 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS DE M ADE I RA ( 0 , 7%)
DI V I SAO 17 - FABRI CAÇÃO DE CE LULOSE , P AP E L E P RODUT OS DE P AP E L ( 1, 5%)
DI V I SAO 18 - I M P RE SSÃO E RE P RODUÇÃO DE GRAV AÇÕE S ( 2%)
DI V I SAO 19 - FABRI CAÇÃO DE COQUE , DE P RODUT OS DE RI V ADOS DO P E T RÓLE O EDE BI OCOM BUST Í V E I S ( 0%)DI V I SAO 20 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS QUÍ M I COS ( 2%)
DI V I SAO 21 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS FARM OQUÍ M I COS E FARM ACÊ UT I COS( 2%)
DI V I SAO 22 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS DE BORRACHA E DE M AT E RI AL P LÁST I CO( 3%)DI V I SAO 23 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS DE M I NE RAI S NÃO M E T ÁLI COS ( 5%)
DI V I SAO 24 - M E T ALURGI A ( 2%)
DI V I SAO 25 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS DE M E T AL, E X CE T O M ÁQUI NAS EE QUI P AM E NT OS ( 14%)DI V I SAO 26 - FABRI CAÇÃO DE E QUI P AM E NT OS DE I NFORM ÁT I CA, P RODUT OSE LE T RÔNI COS E ÓP T I COS ( 0 , 5%)DI V I SAO 27 - FABRI CAÇÃO DE M ÁQUI NAS, AP ARE LHOS E M AT E RI AI S E LÉ T RI COS( 5%)DI V I SAO 28 - FABRI CAÇÃO DE M ÁQUI NAS E E QUI P AM E NT OS ( 3%)
DI V I SAO 29 - FABRI CAÇÃO DE V E Í CULOS AUT OM OT ORE S, RE BOQUE S ECARROCE RI AS ( 8%)DI V I SAO 30 - FABRI CAÇÃO DE OUT ROS E QUI P AM E NT OS DE T RANSP ORT E , E X CE T OV E Í CULOS AUT OM OT ORE S ( 0, 3%)DI V I SAO 31 - FABRI CAÇÃO DE M ÓV E I S ( 15%)
DI V I SAO 32 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS DI V E RSOS ( 9%)
DI V I SAO 33 - M ANUT E NÇÃO, RE P ARAÇÃO E I NST ALAÇÃO DE M ÁQUI NAS EE QUI P AM E NT OS ( 0, 8%)
Fabricação de Móveis
15%
Fabricação de Produtos de Metal, Exceto Máquinas e Equipamentos
14%
Confecção de Artigos do Vestuário e
Acessórios
13%
Fabricação de Produtos Alimentícios9% Fabricação de
Produtos Diversos 9%
Fabricação de Veículos
Automotores, Reboques e Carrocerias
8%
PEREIRA, Denise M. Cidades médias, crescimento econômico e exportações: uma análise ...
668
ambas vem se desenvolvendo por caminhos opostos: Presidente Prudente pela
especialização e Rio Preto pela diversificação.
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669
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A CIDADE COMO UMA OBRA: PROPOSTA PARA A “CARTA DE PRESIDENTE PRUDENTE: POR UM URBANISMO MAIS HUMANO”
Fernando de Oliveira Amorim [email protected]
Mestrando em Geografia – Produção do Espaço Urbano Faculdade de Ciências e Tecnologia – Universidade Estadual Paulista
Bolsista CAPES
Resumo: A imagem da cidade, seus marcos e sinais, exercem influência sobre o cotidiano, e este, influencia sua imagem. Contumaz, o imaginário constrói o retrato da cidade e o retrato de uma cidade é seu imaginário. Há uma dinâmica nas relações existentes entre a cidade e seus cidadãos que são seus contempladores e seus guardiões. Mas olhar a cidade nesta sociedade do instantâneo requer do indivíduo consciência de sua existência nesta mesma cidade. Ao refletir sobre o conceito de Cidade Educadora na Carta das Cidades Educadoras proposto pela Declaração de Barcelona, em 1990, busca-se apreender seu caráter inovador propondo a “Carta de Presidente Prudente: por um urbanismo mais humano” como possibilidade de interação e incentivo à observância dos princípios da Carta das Cidades Educadoras em busca de uma vida mais saudável. Palavras-chave: Urbanismo; Cidades Educadoras; Direito à Cidade.
INTRODUÇÃO
Almejar uma cidade educadora é almejar uma cidade onde seu espaço urbano atua
como uma escola. Rua, parque, rio, favela, shopping, escolas, universidades, i.é, tanto
espaços públicos quanto privados, são espaços para a educação formal e informal
difundindo todo tipo de conhecimento a todos os cidadãos.
A Carta das Cidades Educadoras foi uma iniciativa lançada na Espanha, em 1990,
durante o 1º Congresso Internacional de Cidades Educadoras. Deste congresso formou-se a
Associação Internacional de Cidades Educadoras, reunião de municípios que se
comprometeram a transformar locais públicos em espaços educativos para a população,
sem excluir faixa etária ou classe social.
A cidade educadora deve desenvolver esta função paralelamente às suas funções
tradicionais, como econômica, social, prestação de serviços, etc., tendo em vista a
formação, promoção e o desenvolvimento de seus habitantes. Deve observar
prioritariamente crianças e jovens, mas incorporando pessoas de todas as idades, numa
formação contínua ao longo da vida. Alvorada (RS), Belo Horizonte (MG), Campo Novo do
Parecis (MT), Caxias do Sul (RS), Cuiabá (MT), Dourados (MS), Gravataí (RS), Jequié (BA),
Montes Claros (MG), Pilar (PB), Piracicaba (SP), Porto Alegre (RS), Santo André (SP),
Santos (SP), São Bernardo do Campo (SP), São Carlos (SP), São Paulo (SP), Sorocaba
(SP), etc. são alguns exemplos de cidades brasileiras que pertencem à Associação
Internacional de Cidades Educadoras.
Em entrevista concedida a Küchler (2004), a educadora Alicia Cabezudo diz que
para ser uma cidade educadora, é preciso ter um governo eleito democraticamente e o
compromisso do prefeito e da Câmara Municipal de incentivar novos projetos em educação.
AMORIM, Fernando O. A cidade como uma obra: Proposta para a “Carta de Presidente ...
672
Os experimentos mais bem-sucedidos são apresentados anualmente no Congresso
Internacional das Cidades Educadoras.
O DESENVOLVIMENTO LOCAL DO MUNICÍPIO: PLANEJAMENTO E POSSIBILIDADES DA CIDADE EDUCADORA
Conforme Romão (2004), a cidade (ainda que a trajetória da civilização tenha
iniciado no campo) fascina o humano. “As grandes transformações da vida coletiva somente
foram possíveis quando homens e mulheres concentraram-se em espaços contíguos,
trocando serviços e sentimentos”, por exemplo, a polis grega e a urbs (civitas) romana na
urbanização ocidental.
Ressalta-se que polis é idéia fundamental de cidade. A polis grega implica
naturalmente em política e, conseqüentemente, em comunidade. Para o filósofo Aristóteles
(384/383-322 a.C.), o mais alto bem alcançado por uma ação envolta em raciocínio é a
política. O objetivo da vida política é o melhor dos fins, pois permite aos homens se
tornarem capazes de nobres ações. O filósofo coloca as relações políticas como único meio
de alcançar a eudaimonia – suprema felicidade. Descarta a possibilidade de uma realização
puramente individual, pois a felicidade só é possível para os cidadãos no âmbito da polis: ou
o homem é capaz de viver socialmente ou é um deus ou um animal. A natureza o faz um ser
social por excelência. Aristóteles nega a possibilidade aos homens de serem felizes onde
impera o individualismo desregrado, pois a relação ética-justiça se desenvolve tendo como
paradigma o ideal do bem comum do cidadão.
A busca por cidades ideais como locais onde o humano possa desenvolver
atividades em comunidades é um ideal perseguido desde a Antiguidade Clássica e
acompanha as ações humanas. Na Renascença, por exemplo, os humanistas retomam as
idéias urbanísticas da Antiguidade Clássica ao pensar a cidade medieval renascentista.
Thomaz Morus (1478-1535), na obra Utopia, início do século XVI, arquiteta idealmente como
deve ser a cidade, onde a igualdade entre seus habitantes está presente em todos os
seguimentos da vida em sociedade:
As ruas e as praças são convenientemente dispostas, seja para o transporte, seja para abrigar-se do vento. Os edifícios são construídos confortavelmente; brilham de elegância e de conforto e formam duas fileiras contíguas, acompanhado de longo as ruas, cuja largura é de vinte pés. Atrás, e entre as casas, abrem-se vastos jardins. Em cada casa há uma porta que dá para a rua e outra para o jardim. [...] Os habitantes da Utopia aplicam aqui o princípio da posse comum. Para abolir a idéia da propriedade individual e absoluta, trocam de casa todos os dez anos e tiram a sorte da que lhes deve caber na partilha. [...] Os utopianos atribuem a Utopus o plano geral de suas cidades. Este grande legislador não teve tempo de concluir as construções e embelezamentos que tinha projetado; isso demandava o trabalho de muitas gerações. Assim, legou à posteridade o cuidado de continuar e aperfeiçoar sua obra (MORUS, ed. 1972, PP. 220-1).
Este ideal de cidade foi superada, “pelos que nela viviam, pelos que se instalavam
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nos ‘bourgs’ e eram espoliados pelas elites rurais da nobreza feudal: a burguesia” (ROMÃO,
2004). Os habitantes dos aglomerados urbanos negaram a primazia deste aglomerado em
benefício de um Estado mais amplo dando lugar à Cidade-Estado. Para este autor,
a Cidade-Estado dará lugar ao Estado Nacional, como realização da utopia burguesa. Nos dias atuais, ele tem sido desgastado pelos seus próprios criadores, que tiram o tapete da governabilidade estatal nacional, especialmente nos países da periferia do Capitalismo. Como dizem os cientistas sociais da atualidade “desterritorializaram-se” as identidades específicas.
Neste contexto, Munford (1998) afirma que a cidade apresenta transformações e
desenvolvimentos paralelos às transformações e desenvolvimentos econômicos e políticos.
A cidade, desde o princípio do século XIX, apresenta um processo de desenvolvimento
comercial privado e deixa de ser tratada como uma instituição pública conforme os moldes
da Antigüidade Clássica e do humanismo renascentista. Passa a ser “afeiçoada de qualquer
modo que pudesse aumentar a rotatividade e fazer subirem mais ainda os valores dos
terrenos” (MUNFORD, 1998, p. 461), e mediante o crescimento urbano que apresenta,
proporciona uma densa e especulativa atividade imobiliária. Esse autor afirma que o
crescimento urbano, mediante a economia capitalista, significa a destruição de
características naturais que deleitam e fortificam a alma humana em suas atividades
cotidianas.
Os rios eram transformados em esgotos [...], árvores antigas podiam ser sacrificadas e edifícios veneráveis postos abaixo em favor da velocidade do tráfego [...] a rua ou avenida larga era estimada como um símbolo de progresso: a tal ponto que era traçada com uma amplitude que não tinha relação funcional com o seu uso presente ou potencial (MUNFORD, 1998, p. 462).
Neste contexto de profundas alterações no modo de vida urbano, as transformações
antrópicas na cidade passam a exigir cada vez mais uma nova vocação para si mesma, uma
“vocação de potencializadora de identidades”. Tendo em vista as prerrogativas da Carta das
Cidades Educadoras, defende-se que a cidade, mais precisamente o ente município, deve
tornar-se antes de tudo uma cidade educadora, dado que é, pelo projeto pedagógico que as
pessoas filiam-se, historicamente, a um projeto político e, portanto, a uma identidade; uma
identidade humana edificada e confirmada sobre uma cultura específica, mas aberta à
construção de uma cidadania planetária.
Para sua efetivação é necessário refletir acerca dos processos históricos que
modificam a cidade. Com a crise do padrão de acumulação fordista, dentre outros fatores, o
processo de reestruturação econômica rompe com as integrações regionais. Neste cenário,
o município passa a ter papel importante no plano do desenvolvimento econômico e a busca
por mecanismos de desenvolvimento extravasa a esfera federal e estadual. Nesta nova fase
de integração global, cabe aos municípios, construir redes de integração também local.
Deve ele, o município, ser útero fecundo da articulação local de fornecedores e de fluxo de
AMORIM, Fernando O. A cidade como uma obra: Proposta para a “Carta de Presidente ...
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informação, pois a abordagem regional e do planejamento desenvolve-se não mais sob a
ótica da integração territorial, mas da construção de redes entendida como “fluxos de
informação, logísticas técnico-científicas, a verticalização enxuta de setores industriais, que
nos levam à idéia do lugar como espaço autônomo capaz de se interligar a outros pontos no
espaço através de uma ação empreendedora de atores locais” (COELHO, 1996, pp. 09-10).
A descentralização, antes encarada como negação do local e do município, reafirma
o papel do município no processo de desenvolvimento fortalecendo o local como promotor e
facilitador da participação da comunidade. O desenvolvimento local é entendido como um
plano de ação coordenado, descentralizado e focalizado, e visa melhorar as condições de
vida dos habitantes de uma localidade.
Esta busca deve gerar e conceber uma nova visão de gestão municipal na qual o
prefeito, além de administrador, transforma-se em empreendedor capaz de gerar parcerias,
captar recursos e promover o desenvolvimento. Porém, este projeto de desenvolvimento
deve atentar para o risco da disputa por atratividades locacionais ou de marketing da cidade,
muitas vezes impulsionados pela onda neoliberal disfarçada de apelo ao desenvolvimento. É
extremamente importante ter em mente que essa busca em potencializar a economia local
deve partir da necessidade de resolver, principalmente, o problema da fragmentação e
exclusão social.
No entanto, o que se observa é uma guerra nefasta de atratividades ou marketing da
cidade compreendida como encontro glamoroso entre cultura (urbana ou não) e capital.
Observa-se uma revitalização e/ou recapitulação como presença contínua da isca cultural,
pois atualmente quando se fala de cidade, fala-se em requalificação e cada vez menos em
racionalidade, funcionalidade, zoneamento, plano diretor etc. Requalificação, “em termos
tais que a ênfase deixa de estar predominantemente na ordem técnica do Plano [...] para
cair no vasto domínio passe-partout [chave mestra, panacéia] do assim chamado ‘cultural’ e
sua imensa gama de produtos derivados” (ARANTES, 2000, p. 15 - grifo nosso).
O cenário econômico e financeiro tem como pano de fundo o debate do projeto
neoliberal para a construção de novas relações público-privadas no âmbito do processo de
descentralização e de reforma do Estado. Atenta-se para o fato de que estas ações nas
áreas de infra-estrutura e de políticas públicas, como saúde, habitação, educação,
transporte, cultura, orçamento não comprometa a garantia da dimensão pública dos
serviços, garantindo meios para seu desenvolvimento e constituição da cidade educadora.
A CIDADE COMO UMA OBRA
Como expressa a Carta das Cidades Educadoras, a cidade por si mesma possui
elementos para uma formação integral de seus habitantes. A cidade educadora possui uma
identidade própria, mas integrada no país onde se situa, ou melhor, integrada à situação
histórica, política, econômica e cultural da qual é parte integrante. A cidade educadora não
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está fechada sobre si mesma – está em constante evolução.
Esta cidade deve apresentar algumas prioridades, além das funções tradicionais,
como econômica, social, política, prestação de serviços, ou seja, deve priorizar o
investimento cultural e a formação permanente de sua população, a começar pelas crianças
e pelos jovens. Isto é necessário para desenvolver o potencial humano, pois as crianças, e
os jovens, ao deixarem uma condição de passividade protagonizarão papéis ativos de
atores na construção do perfil da cidade que busca ser educadora. Para que isso ocorra, a
cidade educadora deve oferecer instrumentos norteadores da educação de seus habitantes.
Deve deixar-se envolver por todos os habitantes, configurando assim o papel educador da
cidade como um todo.
Lefebvre (1991) acredita que a própria cidade é uma obra e contrasta com a
orientação diretiva do dinheiro, do comércio, das trocas, dos produtos. Argumenta que a
obra é valor de uso e o produto é valor de troca, e que a cidade e a realidade urbana
dependem do valor de uso. “O valor de troca e a generalização da mercadoria pela
industrialização tendem a destruir, ao subordiná-las a si, a cidade e a realidade urbana,
‘refúgios do valor de uso, embriões de uma virtual predominância e de uma revalorização do
uso’” (LEFEBVRE, 1991, p. 06).
Porém, o autor atesta que há ainda um caminho que se abre, “o da sociedade
urbana e do humano como obra nessa sociedade que seria obra e não produto”
(LEFEBVRE, 1991, p. 106). A cidade é uma obra de cidadãos. Para ele, quando se pensa
na cidade como uma obra, se pensa na insurreição do uso nesta era marcada pelo valor de
troca. Ao pensar na cidade como uma obra pensar-se-á também na cidade como ato
insurreto de apropriação desta mesma cidade. Não é só o capital que deve determinar o
desenvolvimento da cidade, seus habitantes encontrarão meios de sobreviver neste
ambiente, muitas vezes hostil, mesmo que não sejam detentores do capital. O que se
observa é que a idéia de cidade como produto social pauta-se sobre a esfera da produção e
do valor de troca mediado pelas regras do mercado (poder de compra). Porém, o que se
entende, e se busca, no tocante à cidade enquanto obra de cidadãos é uma verdadeira
insurreição – uma apropriação do uso frente ao mercado e sua lógica de valores de troca.
Logo, pensar a cidade como uma obra de cidadãos é pensar a cidade como um
sistema aberto, como desequilíbrio permanente que instaura o equilíbrio. Dito posto, vale a
pena retomar os fragmentos do filósofo pré-socrático Heráclito de Éfeso (aprox. 540a.C. -
470a.C.) ao afirmar que a verdade é universal e única, não existem duas verdades, mas a
verdade consistirá sempre no equilíbrio de opiniões contrárias. Na natureza o “não-ser” ou o
“ser” não é o mais importante; o importante é o “vir-a-ser”, o devir (HERÁCLITO DE ÉFESO,
1996, p. 97). Para o contexto urbano, este “devir” seria a cidade enquanto uma obra de
cidadãos.
Tudo está em mudança, em movimento, nada é sempre a mesma coisa, há um ciclo
AMORIM, Fernando O. A cidade como uma obra: Proposta para a “Carta de Presidente ...
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de mudanças onde tudo muda e isto é por toda a eternidade conforme atesta o fragmento
91 que “em rio não de pode entrar duas vezes no mesmo” (HERACLITO DE ÉFESO, 1996,
p. 97). Ora, o curso da água é o mesmo. A pessoa como um corpo, pode ser a mesma. Mas
o mesmo curso de água, naquele local em que entrou, já não possui as mesmas águas, elas
se foram com a correnteza do rio, pois, “aos que entram nos mesmos rios outras águas
afluem; almas exalam do úmido” (HERÁCLITO DE ÉFESO, 1996, fragm. 12, p. 88). Apesar
de ser o mesmo corpo, também passou por mudanças, pois só o fato de ter entrado e saído
do rio, já faz com que não seja o mesmo de antes; antes de ter entrado pela primeira vez no
rio. Portanto, tudo muda, a única coisa que não muda é a mudança. Tudo no universo está
em constante movimento dentro de um ciclo eterno englobando todos os seres que pode ser
representado por uma espiral, pelo infinito movimento. Esta espiral e sua lógica instauram
na cidade um sistema lúdico, um sistema aberto que permite a apropriação da cidade como
uma obra de cidadãos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: APONTAMENTOS PARA A “CARTA DE PRESIDENTE PRUDENTE: POR UM URBANISMO MAIS HUMANO”
Partindo do exposto, aponta-se reflexões sobre possíveis intervenções tendo em
vista o resgate e/ou construção de locais que possibilitem a interação dos habitantes e,
conseqüentemente, sua educação mediante o convívio dentro da cidade.
A cidade de Presidente Prudente origina-se de uma lógica de produção do espaço
urbano voltado à especulação de terras. Os loteadores, desde o surgimento da cidade,
deixam o mínimo exigido para o uso público, corriqueiramente muitas dessas áreas são as
mais desvalorizadas do loteamento, como fundo de vales – áreas protegidas por lei e que
não deveriam ser incluídas na porção destinada ao uso público. O mesmo se refere à
estrutura urbana como ruas, passeios públicos, canteiro central etc.
Devido esta estruturação urbana, o espaço de convivência e circulação não foi
concebido visando o fortalecimento da interação entre seus habitantes. Conforme Abreu
(1972), na gênese do sítio urbano, serviços de conservação de estradas, de ruas,
iluminação pública, água e outros melhoramentos eram realizados pelos próprios moradores
ou por Goulart ou Marcondes, responsáveis pela colonização. Deste modo, faz-se
necessário intervir para que os habitantes assimilem e participem nesta cidade para torná-la
uma cidade educadora.
Como proposta inicial, conforme o princípio 16, “o ordenamento do espaço físico
urbano deverá realçar o reconhecimento das necessidades de recreio e de lazer e propiciar
a abertura a outras cidades e à natureza, tendo em conta a interação entre elas e o resto do
território”. Este princípio resgata propostas do urbanismo romano. Conforme Harouel (1990),
os urbanistas romanos utilizam o conceito de orientatio ao planejar e fundar uma nova
cidade. Orientatio consiste em determinar os dois grandes eixos da cidade, suas duas ruas
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principais, que se cruza em ângulo reto: o decumanus (leste – oeste) e o cardo (norte – sul).
Para os romanos isso simboliza a integração da cidade à ordem geral do Universo.
A cidade típica dos romanos, resultante das numerosas fundações urbanas do final
do período republicano e do Alto Império, adquire a forma de um quadrado ou um retângulo
do qual o decumanus e o cardo constituem as medianas. As ruas secundárias, traçadas
paralelamente a esses dois eixos, cortam as ilhas quadradas ou retangulares. Essa
operação leva o nome de limitação interna, e os grandes tratados de agrimensura da época
imperial, tais como os de Frontino e Higino, consideram-na parte integrante do ritual de
fundação das cidades. Eles admitem, na verdade, a necessidade de se adaptar à natureza
do lugar (HAROUEL, 1990, p. 23).
Dito posto, em Presidente Prudente esta proposta inicial pauta-se sobre a ligação,
via resgate da linha férrea existente, utilizando o conceito do decumanus romano, ao
interligar as cidades de Martinópolis (leste) e Álvares Machado (oeste), e de cardo,
interligando as cidades de Pirapozinho (sul) com Floresta do Sul (norte). As vias deste trem
de superfície se cruzam na Praça das Bandeiras, na região central. Além da interação entre
as cidades, este traçado permitirá a revitalização da Praça das Bandeiras – marco histórico
e cultural da fundação da cidade. Quanto ao cruzamento da via férrea, a proposta é que no
cruzamento das vias se construa uma estação central de transporte público no subsolo da
praça com vias de acesso ao sistema rodoviário e férreo. Atualmente, a Praça das
Bandeiras serve como espaço de comércio ambulante e de vendedores informais – camelôs
(ressalta-se que refletir sobre a legitimidade, ou não, da presença de trabalhadores
informais em praças foge do escopo desta reflexão).
Na tentativa de restabelecer a praça aos fins primários e essenciais pela qual ela, a
praça, existe, propõe-se transferência destes trabalhadores informais para o espaço físico
dos depósitos e barracões não utilizados da desativada Estação Ferroviária. Propomos
instaurar neste local o “Mercado Municipal”, que não só acolherá os trabalhadores
realocados da praça, mas também oferecerá à população um mercado que ofereça diversos
gêneros, desde o alimentício até opções de criação de pequenos animais passando pela
jardinagem. Resgatar-se-á estes galpões, que pertencem à memória do município, com a
instauração deste “Mercado Municipal” que será dividido em seções múltiplas: alimentos,
produtos importados, artesanato, jardinagem, rações para pequenos animais domésticos,
etc.
Conforme Scocuglia (2004), nas duas últimas décadas do século XX, em várias
cidades do mundo, foram desencadeados processos de reutilização de áreas urbanas
degradadas promovendo a proteção do patrimônio cultural, bem como dos recursos
ambientais e paisagísticos. Para a autora,
nestas experiências recorrem aos símbolos representativos dos primórdios da formação das cidades ou de um saber fazer, de práticas ligadas à tradição e à memória
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coletiva. Destacam-se fábricas desativadas e centros históricos, bem como atuações no sentido da terceirização dos usos. Em geral, são processos que procuram atrair novos usos dos espaços na tentativa de viabilizar o sistema econômico utilizando como recurso o dinamismo cultural e turístico destes sítios históricos. [...] São intervenções urbanísticas que pressupõem um processo no qual ações integradas se desenvolvam mediante um planejamento estratégico entre poder público, iniciativa privada e usuários (SCOCUGLIA, 2003).
Vale ressaltar, o forte apelo comunitário que o patrimônio cultural apresenta quando
associado à identidade cultural das pessoas, aos direitos sociais e culturais reconhecidos
pela Constituição Federal de 1988 no Brasil, inseridos também no Estatuto da Cidade – Lei
nº 10.257, de 10 de julho de 20011. Busca-se com estas intervenções devolver à
comunidade dois espaços importantes e que compõem o patrimônio histórico cultural da
cidade em acordo com o princípio 16 da Carta das Cidades Educadoras ao expor que a
transformação/crescimento de uma cidade deverá ser harmônico entre novas necessidades
e perpetuação de construções e símbolos referentes ao seu passado e da sua existência. O
planejamento urbano deverá ter em conta o impacto das alterações no desenvolvimento de
todos os indivíduos, a integração das suas aspirações pessoais e sociais e deverá agir
contra a segregação de gerações.
Ainda na região central da cidade, a rua Tenente Nicolau Maffey, o “calçadão” é uma
rua que, por ser do primeiro traçado urbano – da década de 20, apresenta um casario
representativo da memória da cidade. No entanto, os comerciantes ocultam as fachadas das
edificações com placas publicitárias. Estas placas constituem verdadeiros ruídos aos olhos
de quem as observa. Os comerciantes primam pela disputa da atenção do passante
mediante o tamanho das placas e “impõem” uma lógica de que “quanto maior a placa, maior
as possibilidades de o indivíduo ver meu comércio”. Mas os comerciantes não conseguem
ver que quanto mais a região central se torna desagradável e não aprazível ao passante,
mais este tende a se distanciar.
A proposta é realizar uma “limpeza” das fachadas arquitetônicas e devolvê-las ao
público mediante uma reestruturação e reordenamento das dimensões das placas de
publicidades. Com esta “limpeza”, as fachadas dos casarios ficarão à mostra revelando
traços das construções históricas da gênese da cidade. Conseqüentemente, atuará como
atrativo aos passantes, intencionando que de passantes se tornem visitantes da região
central, pois conforme afirma Scocuglia (2004), há o forte apelo comunitário apresentado
1 CAPÍTULO I, DIRETRIZES GERAIS - Art. 1º - Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal [1988], será aplicado o previsto nesta Lei. Parágrafo único - Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. Art. 2º - A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: [...] XII) proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico.
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pelo patrimônio cultural associado à identidade cultural das pessoas, aos direitos sociais e
culturais.
Ainda na região central, outra proposta é realizar um estudo de restauro pictográfico,
no interior da Catedral de São Sebastião, pois atualmente o interior da Catedral está coberto
por imagens que confundem o espectador. As pinturas são excessivas e se auto-anulam. E
“uma vez que o desenvolvimento da imagem é um processo interativo entre observador e
coisa observada, é possível reforçar a imagem tanto através de artifícios simbólicos e do
reaprendizado de quem a percebe como através da reformulação do seu entorno” (LYNCH,
1997, p. 12).
Retomando as intervenções na via férrea, paralela à integração proposta na Praça
da Bandeira e Mercado Municipal, esta via será restabelecida como uma via para condução
de “bondinhos” que percorrerão um itinerário cultural. Este itinerário passará ao lado da
praça da matriz – Igreja Nossa Senhora de Aparecida, na vila Marcondes. Defronte à praça
encontra-se uma edificação - a antiga sede da Dias Martins S/A, uma empresa paulista
sediada na cidade de Araraquara, importadora e distribuidora de gêneros alimentícios que
veio a se instalar em Presidente Prudente na década de 1940, interligando a parte oeste do
estado paulista com as grandes metrópoles da época.
A edificação situa-se à frente do primeiro viaduto que interliga a Vila Marcondes
(zona leste) com a Vila Goulart (centro). A antiga sede da empresa é um enorme barracão,
situado em uma topografia irregular. Sua monumentalidade confere grande amplitude ao
lugar. Uma típica edificação no molde da revolução industrial, com grandes vãos internos,
estruturas em tijolinhos e telhado do tipo Shed para facilitar a iluminação. Atualmente, o
barracão está abandonado, um enorme “fantasma” no centro da cidade. A proposta é
resgatar este espaço transformando-o no “Teatro Sorocabano” - um teatro e sala de
apresentações de danças de rua, rap, e tudo o mais que venha a ser manifestação cultural.
A linha do bondinho percorrerá um trajeto cultural com início no Parque Alexandrina
(norte), passando pelo “Mercado Municipal”, já proposto nos barracões da Estação
Ferroviária, para posteriormente, continuar seu trajeto passando pelo “Teatro Sorocabano”
chegando à Cidade da Criança, percorrendo assim um itinerário entre o norte (Parque
Alexandrina) ao Recinto de Exposições e à Vila Nova Prudente, no sudeste da cidade. Vale
ressaltar que, nos dias de espetáculos e/ou apresentações culturais, e também sábados,
domingos e feriados, o itinerário será gratuito proporcionando, aos moradores dos bairros,
acesso às atividades culturais em acordo com os princípios da Carta das Cidades
Educadoras, como, por exemplo, os princípios 1, 3 e 7, dentre outros:
Princípio 1. Todos os habitantes de uma cidade terão o direito de usufruir, em condições de liberdade e igualdade, dos meios e oportunidades de formação, desenvolvimento pessoal e entretenimento que a cidade oferece. Para que isso seja possível, devem ter-se em conta todas as categorias, cada uma delas com as suas necessidades particulares. No planejamento e governo da cidade tomar-se-ão todas as
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medidas necessárias para eliminar os obstáculos (incluindo as barreiras físicas) que impeçam o exercício do direito da igualdade. Serão responsáveis por este empreendimento, para além da administração municipal, outros organismos da administração que nela entrevêem. Os habitantes envolver-se-ão tanto pessoalmente como através dos vários tipos de associação a que pertençam. Princípio 3. A cidade deverá encarar as oportunidades de formação de modo global. O exercício das competências em matéria educativa será levado a cabo dentro de um contexto mais amplo de qualidade de vida, de justiça social e de promoção dos seus habitantes. Princípio 7. A satisfação das necessidades das crianças e dos jovens, no âmbito das competências do município, pressupõe uma oferta de espaços, equipamentos e serviços adequados ao desenvolvimento social, moral e cultural, a serem partilhados com outras gerações. O município, no processo de tomada de decisões, deverá ter em conta o impacto das mesmas.
No itinerário do bondinho cultural, defronte à Rodoviária, na Avenida Brasil, encontra-
se barracões do antigo entreposto de sementes – o Expurgo. Neste local, a proposta será
estudar a arquitetura da edificação, desmontá-la e reconstruí-la sobre pilotis para que se
possa visualizar o vale e os limites do urbano-rural até cidades vizinhas como Regente Feijó
e Martinópolis.
Esta intervenção ainda proporcionará melhorias no conforto térmico ao permitir
melhor fluxo de ar, já que Presidente Prudente-SP apresenta vento montante leste.
Conforme Monteiro (1976), a análise do sistema clima urbano é realizada a partir dos canais
de percepção humana, e os resultados visam principalmente o planejamento da cidade.
Para Conforme Frota e Schiffer (2000), nas regiões que apresentam clima quente e úmido,
como é o caso de Presidente Prudente. Dentre outras coisas, as edificações devem estar
dispostas perpendicularmente ao vento dominante, a largura das ruas deve apresentar
dimensões maiores e impedir que edificações em lados opostos funcionem como obstáculos
aos ventos.
Neste local será estruturado o NICE – Núcleo de Integração Cultural e Educacional,
espécie de “quartel general” para auxiliar na concepção e manutenção da Cidade
Educadora. Será um espaço para oferta de cursos e oficinas culturais, worshop diversos,
local de manifestações culturais populares, como dança de rua (street dance), forró, samba,
pagode, capoeira, e demais manifestações culturais e artísticas. Este espaço privilegiará as
crianças e os jovens – aspecto essencial das cidades educadoras. Desta forma,
presentifica-se o princípio 18, que diz que a cidade “favorecerá a liberdade e a diversidade
cultural. Acolherá tanto as iniciativas de vanguarda como a cultura popular. Contribuirá para
corrigir as desigualdades que surjam na promoção cultural, resultantes de critérios
exclusivamente comerciais”. Portanto, o NICE cumprirá um papel de propiciador de cultura e
integração social e, além de visualizar a planície verde nos limites da zona leste, mediante
os pilotis permitirá maior circulação de ar com benefícios para a saúde da população.
Concluindo, outra proposta se faz necessária. Em bairros distantes e que
apresentam maioria de habitantes de baixa renda: Ana Jacinta (sul), Morada do Sol (norte),
Chácara Mariza (leste) e Parque dos Pinheiros (oeste) serão instalados núcleos interligados
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ao NICE visando inclusão digital. Serão oferecidos cursos de informática para potencializar
a inclusão das crianças e dos jovens no mercado de trabalho, além de permitir acesso
responsável à Internet. De certa forma, seria uma expansão do eficiente serviço que a
Biblioteca Municipal de Presidente Prudente executa ao oferecer acesso gratuito à Internet à
população. Este sistema de inclusão social contará com terminais espalhados ao longo de
toda a cidade nos pontos de maior fluxo de pedestres. O habitante poderá acessar a
programação cultural, pauta das sessões da Câmara Municipal e demais assuntos de
interesse publico que estarão ocorrendo na cidade naquele dia e/ou semana. Porém,
conforme salienta Dimenstein (2004),
erguer uma cidade educadora implica, em poucas palavras, derrubar os muros das escolas e fazer da cidade um aglomerado de salas de aula, convidando o aluno a trilhar pelas mais diversas experiências. Teatros, cinemas, praças, parques de diversões, exposições, bibliotecas, concertos - empresas passam a compor roteiro permanente de aprendizado.
Portanto, o objetivo é apresentar propostas para que a “Carta de Presidente
Prudente: por um urbanismo mais humano” seja uma possibilidade de interação entre outras
cidades e cultivar o apreço pelos princípios da Carta das Cidades Educadoras
proporcionando aos seus habitantes uma vida mais saudável.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Dióres Santos. Formação histórica de uma cidade pioneira paulista: Presidente Prudente. Presidente Prudente: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Presidente Prudente, 1972. ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Uma estratégia fatal: a cultura nas novas gestões urbanas. In: ARANTES, Otília Beatriz Fiori; VAINER, Carlos B; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000. (Zero à Esquerda). ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE CIDADES EDUCADORAS. Carta das Cidades Educadoras. Declaração de Barcelona (1990) - ampliada em novembro de 1994. Disponível em: <http://www.deb.min-edu.pt/revista/revista1/carta_das_cidades_educadoras.htm>. Acesso em: 02 de julho de 2009. ______. Ciudades Educadoras. Disponível em: <http://www.bcn.es/edcities/aice/estatiques/espanyol/sec_charter.html>. Acesso em: 02 de julho de 2009. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto por Juarez de Oliveira. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. (Série Legislação Brasileira). COELHO, Franklin Dias. (org). Desenvolvimento econômico local: temas e abordagens. Rio de Janeiro: IBAM, SERE/FES, 1996.
AMORIM, Fernando O. A cidade como uma obra: Proposta para a “Carta de Presidente ...
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SEGREGAÇÃO URBANA EM TRÊS LAGOAS-MS: A VILA ZUQUE NO CONTEXTO SOCIOAMBIENTAL URBANO
Greisse Quintino Leal Bolsista PET – Geografia
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus de Três Lagoas [email protected]
INTRODUÇÃO
Este trabalho está inserido em uma pesquisa maior intitulada “Tratamento e
destinação dos resíduos sólidos urbanos em Três Lagoas” promovida pelo Grupo PET-
Geografia, visando compreender como os moradores da Vila Zuque se relacionam com as
mazelas ambientais e sociais que lhes acometem.
O município de Três Lagoas desponta no Estado de Mato Grosso do Sul pelas suas
características de pólo industrial e pelo sistema de transporte multimodal que maximiza seu
potencial econômico.
A expansão da malha urbana se dá pelo considerável aumento demográfico
proveniente da migração de trabalhadores oriundos de outras regiões do país, fato este que
redefiniu e re-caracterizou a sociedade três-lagoense. Nesse ínterim, novos bairros e
conjuntos habitacionais – COHABs – foram criados para atender a essa demanda, assim
como requereu ampliação da infra-estrutura urbana. Porém a melhoria da infra-estrutura não
contemplou de modo igual todos os micro-espaços da cidade de Três Lagoas, resultando
assim na existência de bairros que permanecem no obscurantismo, de modo segregado. É
válido ressaltar que cada cidade possui uma ideologia e um conjunto de signos,
temporalidades e dimensões diferentes, que designarão o habitat de cada cidadão e a
representação simbólica que cada espaço habitado terá (LEFEBVRE, 1991),
Bairros mais empobrecidos e/ou de pouca expressão na economia continuam à
margem do processo de reestruturação urbana e do tão propalado crescimento econômico.
Nesse contexto destaca-se a Vila Zuque, criada em 1990 por um vereador e proprietário
fundiário que doou suas terras para algumas famílias sem casa própria e com baixa renda.
O então político e proprietário fundiário no ato da doação da terra impôs uma condição: de
que todos os agraciados com os lotes teriam que comprar o material da construção das
suas respectivas casas, como telhas e tijolos, na cerâmica da família.
O referido bairro apresenta as quadras irregulares, pois são menores do que as do
plano original da cidade, ou seja, medem 50mX100m, sendo que o padrão é de 100mx100m
(Ver Figura 01). Ainda hoje, o bairro apresenta deficiências estruturais e problemas sociais
que o caracteriza como um espaço segregado, opaco (SANTOS, 1996). Ademais, o Córrego
da Onça, que margeia o bairro, como mostra a Figura 01, corre a céu aberto a partir do
referido bairro e recebe parte do esgoto urbano, funcionando como uma vala negra que
LEAL, Greisse Q. Segregação urbana em Três Lagoas - MS: A Vila Zuque ...
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exala mau cheiro, atraindo insetos e roedores, afetando, principalmente, os moradores do
seu entorno, os quais se tornam mais vulneráveis a doenças e risco de inundações no
período de chuvas.
Figura 01: Localização da Vila Zuque na cidade de Três Lagoas/MS
O BAIRRO
Localizado na porção sudeste da cidade, não possui pavimentação nas ruas nem
coleta de esgoto, utilizam-se as fossas do tipo sumidouros. Da mesma forma, ao contrário
do que ocorre em outros bairros, inexiste a presença de equipamentos urbanos estratégicos,
tais como unidade de saúde, farmácia e Centro de Educação Infantil. O pequeno comércio
no local dispõe apenas de bares que vendem desde bebidas alcoólicas a produtos
alimentícios e a preços sempre majorados.
Planejou-se e construiu-se uma escola municipal, com oferta de vagas apenas para
o ensino fundamental, na margem direita do córrego, o que suscita também a
vulnerabilidade da construção do prédio e a segurança das crianças, professores e demais
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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funcionários, pelos mesmos motivos que afetam os moradores da Vila Zuque. Na temporada
chuvosa o nível do córrego se eleva podendo causar danos à estrutura física da escola, pois
não há cobertura de vegetação para evitar e desagregação do solo e o transporte de
sedimentos pela água pluvial. Outro fator agravante é o fato do local onde a escola foi
edificada ter sido, há 10 anos, um lixão, conforme pode ser observado pela coloração
escura do solo com fragmentos residuais ainda não decompostos, ou seja, o local era
inadequado para se construir uma escola.
Desse modo, constata-se que os moradores como os usuários da escola sofrem
diretamente o impacto da proximidade do esgoto a céu aberto. Porém não há projeto e
nenhuma ação para tratar/recuperar o córrego e para melhorar as condições de vida neste
recorte espacial. Não há clareza na forma da gestão da cidade, pois não existem políticas
públicas com vistas a sanear o meio e melhorar a qualidade de vida dos moradores.
CORRÉGO DA ONÇA: SUA FUNCIONALIDADE
Três Lagoas possui corpos hídricos em abundância, tais como as lagoas que
originaram o nome do município, os rios Paraná e Sucuriú, e córregos próximos. O Córrego
da Onça é um recurso hídrico que “cortava” a cidade, mas a expansão urbana o suprimiu:
grande parte de sua extensão está canalizada subterraneamente, e quando ressurge, em
uma parte topograficamente mais rebaixada, o despejo do esgoto doméstico lhe acomete. O
descarte de resíduos sólidos pelos moradores urbanos, em específico os da Vila Zuque,
também o polui e o contamina.
A falta de tratamento e de cuidado com este córrego é preocupante, pois não há
conscientização dos moradores e o poder público demonstra inépcia quanto ao saneamento
ambiental. Faz-se necessário a sensibilização da população, pois se entende que a
educação ambiental, assim como a educação, é um instrumento ideológico de reprodução
social, é um veículo por onde atravessa a disputa pela conservação ou transformação das
condições sociais (LOUREIRO; LAYRARGUES; CASTRO, 2006). A mudança ambiental
está intrinsecamente relacionada com a mudança cultural e social e com a forma de
perceber a natureza.
DEPAUPERAÇÃO SOCIAL E MEDO DA PAISAGEM
Na sociedade capitalista estratificada, caracterizada pela diferenciação econômica
e social, as parcelas menos favorecidas apropriam-se dos recortes territoriais mais
segregados e sem infra-estrutura e ali se reproduzem em quanto indivíduo e no coletivo -
socialmente, sujeitando-se a uma forma de morar e viver improvisada.
LEAL, Greisse Q. Segregação urbana em Três Lagoas - MS: A Vila Zuque ...
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A maior parte dos moradores da Vila Zuque é empobrecida, desempregada ou sub-
empregada. A pobreza do lugar se materializa nas moradias, nas ruas e no esgoto que o
avizinha. Esses moradores corporificam o que Santos (2006) denomina nação passiva:
(...) é constituída pela grossa maior parte da população e economia, aqueles que apenas participam de modo residual do mercado global ou cujas atividades conseguem sobreviver à sua margem, sem, todavia, entrar cabalmente na contabilidade pública ou nas estatísticas oficiais (p. 157).
A condição social dos moradores e o aspecto empobrecido da vila a torna
paisagisticamente aversiva, e este repúdio se agudiza mediante os elevados índices de
delitos existentes na vila. Muitos destes moradores praticam atos politicamente incorretos,
todavia não os efetuam porque são pobres, mas sim por uma questão cultural. A maioria
dos praticantes de ações ilícitas está habituada a violência e a reproduz com normalidade.
Ao Estado cabe o papel de mantê-los na escola, qualificá-los para o trabalho e promover
sua inclusão social. Há que resgatar sua identidade pessoal, que segundo Pereira (2008,
p.213) “A construção da identidade é relacional, contrastiva, dialética, ou seja, ter uma
identidade pressupõe não apenas o conhecimento próprio, mas também o reconhecimento
alheio”. Essa precariedade estrutural, a agudeza da pobreza e a recorrência da violência
geram o medo, o temor de muitos moradores dos não residentes no bairro. Desperta-se o
sentimento de topofobia (TUAN, 2005).
A violência e a paisagem urbana quebradiça e embrutecida criam o medo no restante
da sociedade, homogeneízam o território e condenam seus moradores á pobreza
econômica e territorial (SANTOS, 1987), resultando, inevitavelmente, em preconceito e
desprezo para com aqueles menos afortunados e que vivem socioespacialmente
segregados nas periferias das cidades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo apresentado da Vila Zuque, bairro da cidade de Três Lagoas-MS, cuja
estrutura física e conteúdo social se apresentam esgarçados, que se reflete na forma como
moram e vivem, e com agravos da falta de saneamento ambiental. Constatou-se a
fragilidade econômica e social que esses moradores estão submetidos assim como a
violência urbana sofrida e reproduzida pelos mesmos.
De um lado há o crescimento econômico que cria oportunidades de melhoria de vida
para alguns e de outro, a insalubridade do meio e a pobreza visual/econômica associadas
aos pré-conceitos estabelecidos pela sociedade três-lagoense que tornam a vila
assustadora e repulsiva, aprofundando ainda mais as desigualdades socioespaciais
urbanas.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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OS LIMITES E AS POTENCIALIDADES DO ESTATUTO DA CIDADE: UM OLHAR SOBRE O IPTU PROGRESSIVO NO TEMPO
Jovelino José da Silva Junior [email protected]
Resumo: Este artigo visa apresentar algumas reflexões sobre as potencialidades e os obstáculos que se apresentam na utilização do Imposto Predial e Territorial Urbano Progressivo no Tempo como instrumento da política urbana municipal para contribuir com a almejada Reforma Urbana. As reflexões se originaram da experiência que tivemos compondo a equipe de planejamento da prefeitura do município de Álvares Machado - SP, a qual teve como uma de suas principais atribuições nos anos de 2005 e 2006 a elaboração do Plano Diretor. O amadurecimento de tais reflexões nos motivou a escrever este artigo com o propósito de compartilhar tais reflexões sobre esse instrumento da política urbana. No sentido de contribuir com a discussão, abordamos o planejamento urbano por meio de uma perspectiva geográfica, ou seja, resolvemos tratar do instrumento não apenas a partir de suas potencialidades urbanísticas e características jurídicas, mas levando em consideração alguns aspectos relativos à lógica de produção do espaço urbano que permitem a compreensão da urbanização imprescindível para intervenção pública.
INTRODUÇÃO Este artigo visa apresentar algumas reflexões sobre as potencialidades e os
obstáculos que se apresentam na utilização do Imposto Predial e Territorial Urbano
Progressivo no Tempo1 como instrumento da política urbana municipal para contribuir com a
almejada Reforma Urbana.
As reflexões se originaram da experiência que tivemos compondo a equipe de
planejamento da prefeitura do município de Álvares Machado, a qual teve como uma de
suas principais atribuições nos anos de 2005 e 2006 a elaboração do Plano Diretor -
contudo, este artigo não se constitui no relato de uma experiência nem mesmo num estudo
de caso, mas sim numa discussão teórica sobre a aplicação desse instrumento.
O amadurecimento de tais reflexões nos motivou a escrever este artigo com o
propósito de compartilhar tais reflexões e questionamentos sobre esse importante
instrumento da política urbana, o qual se apresenta como um dos instrumentos legais
disponíveis para o poder público não se limitar à apenas planejar e estabelecer normas
sobre o espaço urbano, mas para nele intervir inclusive sobre a propriedade privada por
meio de sanções para que esta cumpra com sua função social.
Com isso, nos propomos a discutir Geografia a partir da interface que esta
estabelece com o Planejamento Urbano, se constituindo dessa forma numa ciência que tem
uma contribuição científica, técnica e política a ser explorada ainda mais profundamente na
concepção e implementação de políticas de planejamento urbano territorial – em especial
por meio da compreensão do processo sócio-espacial de urbanização do território.
1 Instrumento previsto na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Cidade - Lei Federal nº. 10.257 de julho de 2001 que define a política nacional de Desenvolvimento Urbano.
SILVA JR, Jovelino J. S. Os limites e as potencialidades do Estatuto da Cidade ...
690
O texto está estruturado a seguir em três partes, conforme segue: (1ª) O desafio
urbano, tratando da questão urbana que se faz presente de forma desafiadora tanto para
compreensão como para intervenção; (2ª) A construção de uma política nacional de
desenvolvimento urbano, que surge com o objetivo de fornecer meios para a reforma
urbana; e, (3ª) O IPTU Progressivo no Tempo, sobre o qual voltamos nossa atenção
apresentando alguns aspectos e tecendo algumas considerações para basear nossas
reflexões sobre as potencialidades e os obstáculos relativos à utilização desse instrumento
na política urbana.
Por fim, encerramos este artigo com as Considerações Finais, as quais antes de
encerrar o assunto iniciam a discussão.
O DESAFIO URBANO
O processo de urbanização no Brasil ocorrido no século XX certamente é uma das
marcas imprescindíveis para a compreensão de diversas questões de cunho sócio-espacial
que nos afligem diariamente, seja na condição de pesquisadores, agentes públicos ou
simplesmente na condição de cidadão que usufrui a cidade.
Essa urbanização foi presidida pelo desenvolvimento do modo capitalista de
produção e caracterizada por ter sido acelerada (no tempo) e desigual (no espaço) - a
aceleração ocorreu a partir da década de 1930 e em poucas décadas significou uma
inversão dos percentuais de população residente no campo e na cidade, algo que ocorreu
sincronicamente com o crescimento populacional; já a desigualdade no espaço ocorreu em
suas diversas escalas, desde a macro-regional até a intra-urbana, afetando diretamente
algumas áreas e indiretamente outras, positivamente algumas e negativamente outras.
Essas características explicitaram a lógica predatória e excludente subjacente ao
processo, ou seja, tornaram evidentes a voracidade do processo de degradação do meio
ambiente e a intensificação dos processos de exclusão social, os quais foram refletidos na
dimensão espacial e concomitantemente reforçados por ela.
A conotação negativa atribuído ao processo de urbanização deriva desse processo
que, antes de ser uma característica exclusiva do período de urbanização acelerada e
desigual, é inerente a lógica que ainda preside a produção do espaço (urbano).
A voracidade do processo de degradação do meio ambiente e a intensificação dos
processos de exclusão social levaram as cidades a uma situação na qual o discurso
ideológico pró desenvolvimentismo já não se faz suficiente para legitimar a continuidade do
processo submetido a tal lógica, fazendo-se necessário pensar e repensar as práticas a
serem adotadas no sentido de restabelecer o equilíbrio ambiental e garantir a inclusão
sócio-espacial no espaço urbano.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
691
A compreensão desse processo, antes de ser de cunho meramente especulativo
para desvendar as origens do fenômeno urbano, é acima de tudo questão crucial colocada
pelo desafio de compreensão do espaço urbano, o qual é imprescindível para uma
intervenção consciente no espaço urbano que, antes de corroborar com os processos
excludentes e de degradação possam ao menos amenizar tais situações.
Cabe salientar que o insurgimento de tais questões não é ‘privilégio’ exclusivo das
grandes cidades como comumente apregoado pelo senso comum e reforçado pela mídia.
As diversas escalas na quais os processos de urbanização se manifestam nos chama a
atenção para a presença de uma série de problemas “urbanos”2 em cidades de diferentes
portes, desde as pequenas cidades dos rincões do Brasil até os ‘monstros urbanos’ das
nossas regiões metropolitanas.
A distinção relativa ao porte populacional das aglomerações urbanas reside na
intensidade e visibilidade dos problemas, uma vez que os fluxos e os processos
socioeconômicos tendem a ser mais acentuados conforme o porte e a centralidade dessas
aglomerações.
Por esse motivo, os malefícios relativos à especulação imobiliária no espaço urbano,
como a precariedade de infra-estrutura em algumas áreas se comparado às outras,
degradação do meio ambiente em detrimento da qualidade de vida e o acesso restrito a
bens e serviços por parte significativa da população, dentre outros, são alguns dos
problemas que assombram nossas cidades como um todo e, mais exatamente, alguns dos
grupos sociais que dela fazem parte.
Neste sentido, há de se ressaltar que temos tanto uma apropriação desigual da
riqueza produzida coletivamente no espaço urbano, quanto uma incidência diferenciada do
ônus decorrente da voracidade do processo de urbanização, recaindo de forma mais incisiva
sobre alguns grupos sociais específicos os encargos sociais decorrentes da lógica que
preside o processo de urbanização e de atuação dos agentes sociais.
Essa presença de vários grupos sociais na cidade motivados por interesses diversos
e distintamente afetados, explica a existência dos conflitos que se apresentam e aqueles
que se mantêm latentes – tanto na sociedade quanto no espaço urbano. Diante dessa
realidade, aparentemente caótica, se apresentam o planejamento e a gestão urbana como
“antídotos” para a “crônica” situação vivenciada nas cidades brasileiras.
Cabe apontar que muitas vezes a dissociação entre aquilo que é planejado é a
gestão propriamente dita tem comprometido a eficácia dos planos. Contudo, se faz
necessário dizer que isso não significa que uma gestão articulada com planejamento é
significado de uma efetiva reforma das cidades, isso ocorre por que a situação das cidades
2 Conforme Souza (2003a) é mais coerente tratarmos de problemas que se manifestam no espaço urbano ao invés dos problemas como se fossem urbanos propriamente ditos.
SILVA JR, Jovelino J. S. Os limites e as potencialidades do Estatuto da Cidade ...
692
não decorre sempre da ‘falta de planejamento’, mas sim em muitos casos das opções
políticas em prol do avanço das relações capitalistas de mercado sobre o espaço urbano.
Neste sentido, a falta de legislação urbanística como instrumento de planejamento
pode contribuir com a compreensão da (caótica) realidade urbana, no entanto a existência
de leis não significa o seu cumprimento e o seu cumprimento não significa a prática de
ações reformadoras3.
Com isso chegamos ao ponto de partida para a análise e compreensão da complexa
e problemática realidade urbana – a produção do espaço urbano se dá pela ação de
múltiplos agentes sociais, os quais agem de acordo com interesses próprios, no qual a
compreensão do posicionamento e das práticas do Estado se constitui em elemento
essencial.
A CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO URBANO
A Constituição Federal de 1988 (CF 1988) inaugurou um capítulo ímpar no âmbito do
direito urbanístico brasileiro, uma vez que pela primeira vez foi incluído um capítulo
específico que trata da política urbana – Cap. II do Tit. VI – assegurando um sólido amparo
constitucional para a efetiva ação do Estado.
Os artigos relativos à Política Urbana (182 e 183) expressavam uma demanda social
dos movimentos sociais, demanda essa que estava presente nas cidades brasileiras
clamando pela Reforma Urbana, isto é, por uma intervenção nas cidades que revertesse o
quadro “caótico” do qual tratamos anteriormente, de forma que as tornassem socialmente
justas e ambientalmente saudáveis.
Para tanto, foi definido que a propriedade urbana deveria cumprir com sua função
social estabelecida no Plano Diretor (municipal), ou seja, a propriedade urbana não
possuiria um status absoluto para atendimento exclusivo dos interesses de seu proprietário,
devendo atender também aos interesses coletivos na construção das cidades justas e
saudáveis.
No entanto, a competência da União, conforme previsto no inciso IV do art. 3º do
Estatuto da Cidade (EC - Lei Federal 10.257/01) é relativa à legislação de diretrizes gerais,
neste caso estabelecendo normas gerais passiveis de suplementação por parte dos
Estados, sem, contudo contrariar ou flexibilizar as normas gerais.
Essas normas gerais da política urbana foram definidas no Estatuto da Cidade, o
qual se constituiu num importante avanço tanto por regulamentar os instrumentos
urbanísticos previstos na Constituição Federal quanto por obrigar um conjunto de
municípios4 a elaborarem seus planos diretores em prazo5 definido em lei.
3 Referência, Marisco, 2003. 4 Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades: I – com mais de vinte mil
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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Com isso, o Estatuto da Cidade regulamentou uma série de instrumentos jurídicos
que poderão a critério dos municípios serem utilizados para coibir o desenvolvimento
desigual e corrigir as distorções do passado que se constituíram num legado para as nossas
cidades.
No entanto, cabe frisar que a aplicabilidade desses instrumentos carece em grande
medida primeiramente da aprovação do Plano Diretor municipal, ou seja, a intervenção
propriamente dita para efetivar a ainda necessária reforma urbana foi remetida aos
municípios, os quais devem inclusive definir os preceitos para que a propriedade urbana
cumpra com a função social conforme previsto na Constituição Federal e no Estatuto da
Cidade.
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
(art. 182º da Constituição Federal de 1988)
Essa atitude permitiu maior liberdade aos municípios para eles adequarem tais
instrumentos à sua realidade urbana, ou seja, a União limita-se a sua prerrogativa de legislar
diretrizes para a política urbana, cabendo aos municípios a sua execução de acordo com
suas peculiaridades.
No entanto, a definição legal de função social da propriedade urbana se manteve
restrita ao “cumprimento das exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas
no Plano Diretor”, a qual ficou dependente dos municípios que aguardavam o esgotamento
dos prazos legais para definir as exigências fundamentais e fazer valer suas obrigações.
Com isso, a Nova República se constitui num marco não somente da
redemocratização política do Brasil, mas também da construção de uma política nacional de
desenvolvimento urbano e da reedição dos Planos Diretores como instrumento da política
urbana.
O IPTU PROGRESSIVO NO TEMPO Um dos instrumentos previstos no capítulo da Política Urbana da Constituição
Federal e regulamentados pelo Estatuto da Cidade é o Imposto Predial e Territorial Urbano
habitantes; II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4o do art. 182 da Constituição Federal; IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico; V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.
5 Cinco anos contados a partir de outubro de 2001 prorrogado em maio de 2008 para junho desse mesmo ano.
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Progressivo no Tempo (IPTU-PT), o qual é facultativo aos municípios adotarem para orientar
o crescimento e a ocupação, e coibir a especulação imobiliária no espaço urbano.
O IPTU-PT se constitui num instrumento de natureza urbanística e não tributário,
uma vez que o seu objetivo não deve ser a ampliação da arrecadação de tributos, mas sim a
ordenação da ocupação e do uso, podendo ser utilizado como sanção6 subseqüente ao
descumprimento das obrigações previstas em lei específica de parcelamento, ocupação e
utilização do solo urbano de área definida no Plano Diretor.
A previsão da utilização do IPTU-PT no Plano Diretor não reserva o direito aos
municípios de cobrá-lo indiscriminadamente, uma vez que o Estatuto da Cidade estabelece
normas gerais para sua regulamentação e posterior aplicação.
Porém, conforme já esclarecido anteriormente, a adoção do IPTU-PT é uma
prerrogativa dos municípios que, para ter aplicabilidade, deve ser previsto no Plano Diretor.
Com isso, a decisão por utilizar esse instrumento é uma decisão local que transpassa tanto
pela dimensão técnica quanto pela dimensão política.
A dimensão técnica diz respeito à conveniência de sua utilização frente à realidade
urbana local e as estratégias de intervenção definidas no Plano Diretor, enquanto que a
dimensão política é relativa à correlação de forças políticas para legitimar ou depreciar o
IPTU-PT como importante instrumento da política urbana municipal.
Com isso, uma vez decidido pela pertinência da utilização do IPTU-PT legitimada
pelas forçar políticas, cabe o atendimentos dos requisitos para sua aplicação, sendo o
primeiro deles a delimitação no Plano Diretor da área urbana na qual o mesmo poderá ser
aplicado.
O segundo requisito para a aplicação do IPTU-PT é a prévia determinação do
parcelamento, edificação ou utilização compulsórios por meio de medidas administrativas
exigidas nos termos da lei, ou seja, antes de punir deve-se dar ciência e impor os prazos
para o proprietário cumprir com suas obrigações inerentes a propriedade do imóvel urbano.
Dito isso, que nos fornece uma visão geral sobre esse instrumento, seguimos com
uma análise que visa explicitar algumas das potencialidades e dos obstáculos para a
aplicação desse instrumento, tomando como referência tanto a dimensão técnica quanto
política que são intrínsecas à reforma urbana.
AS POTENCIALIDADES
A previsão do IPTU-PT no Plano Diretor é de fundamental importância para garantir
a implementação de uma política urbana coerente com a realidade das cidades brasileiras e
com o propósito de reforma urbana. 6 A desapropriação fundiária é uma outra sanção facultativa aos municípios de impor sobre os
imóveis urbanos que descumprirem com a função social, a qual poderá ser aplicada cinco anos após a cobrança do IPTU-PT nos termos da lei.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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A inclusão desse instrumento e a regulamentação de sua aplicação é a primeira
potencialidade a ser explorada, ou seja, a sua previsão se constitui em reserva de direito e
criação de meios para que o poder público possa intervir na propriedade urbana de forma
que esta cumpra com sua função social7 - tornando o Plano Diretor um instrumento que
tenha eficácia e não se reduza a um simples conjunto de princípios norteadores de objetivos
sem meios para alcançá-los.
A previsão de sua aplicação subseqüente ao descumprimento do parcelamento,
edificação e utilização compulsórios atribuem credibilidade a esta determinação, ou seja,
não incorre no erro clássico de prever a obrigação sem prever a sanção – tornando-se
assim uma medida administrativa coercitiva a ser seguida para induzir uma determinada
prática social no espaço urbano.
Dessa forma, reforça-se a coerção para induzir a ocupação de parcelas territoriais da
cidade e garantir um aumento da densidade e, com isso o melhor aproveitamento da infra-
estrutura urbana e dos equipamentos públicos. Além desse objetivo urbanístico temos o
objetivo de ordem econômica e social de contenção das práticas de especulação imobiliária.
Por meio da utilização do IPTU-PT a prática de especulação imobiliária via retenção
da propriedade urbana como ativo de valor tende a ser economicamente desestimulada,
uma vez que há um ônus econômico maior sobre a propriedade que não cumpre função
social alguma, ou seja, fica retido ociosamente para fins de valorização decorrente dos
investimentos públicos e privados.
Com isso, o beneficio decorrente da contenção da especulação imobiliária é a
desmobilização do capital (terra urbana) improdutivo e a ampliação dos bens imóveis no
mercado imobiliário com sua tendenciosa redução de valores - algo que deve contribuir para
a facilitação do acesso à terra urbana (em especial para fins de moradia).
Por fim, somados a esses dois objetivos e potenciais benefícios visados comumente,
apontamos a possibilidade de, mesmo cientes do seu caráter extra-fiscal citado
anteriormente, criar-se um fundo municipal com fins urbanísticos específicos para captar e
direcionar esses recursos.
Neste caso, nos atrevemos a ir mais além e propor que tais fundos se relacionem
com outros princípios norteadores da política de desenvolvimento urbano presente no
Estatuto da Cidade e seja gerido por meio da participação da população e direcionado para
as ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social).
Com isso, fortalece-se a ainda precária gestão participativa, experimenta-se o ainda
desconhecido ‘orçamento participativo’ e garante um mínimo de recursos para viabilizar os
projetos de intervenção para recuperação das ZEIS – integrando-o a aplicação desse
7 Neste caso usamos o conceito de função social nos referindo ao intrínseco valor de uso da
propriedade urbana para a coletividade, seja por acesso livre seja por uso particular para fins, em especial, de moradia – divergindo da definição formal apregoada pelo Estatuto da Cidade que a reduz ao cumprimento das determinações estabelecidas no Plano Diretor.
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instrumento com outros instrumentos que possuem princípios e objetivos comuns conforme
definido pelo Plano Diretor.
OS OBSTÁCULOS As potencialidades são poucas em número, mas expressivas em termos de
benefícios que podem gerar. Por outro lado alguns obstáculos podem impossibilitar a
utilização do IPTU-PT, comprometer a sua eficácia ou se constituírem apenas em questões
merecedoras de maior atenção, tais como: os entraves políticos, a delimitação das áreas e a
definição de alíquotas.
O início do processo e as forças política contrárias:
A lógica de produção do espaço urbano não se constitui num processo desordenado,
mas sim num jogo de interesses sobre a captação da renda fundiária e de incorporação das
áreas, muitas vezes por meio de práticas especulativas.
Com isso, a simples previsão e, ainda mais a regulamentação e cobrança do IPTU-
PT, esbarram em obstáculos políticos característicos do nosso sistema político, as quais se
manifestam de antemão frente a decisão política de prever e implementar tal instrumento na
política urbana.
Dentre esses obstáculos, que comumente se manifestam presentes na decisão do
prefeito e no processo de aprovação dos projetos de lei na câmara dos vereadores,
apontamos: (1) os interesses conservadores dos proprietários fundiários; (2) a
‘representação sem representatividade’; e (3) a defesa dos direitos difusos – os quais na
prática se mesclam.
A necessária coerção do poder público sobre o proprietário do imóvel urbano para
que este garanta o cumprimento da função social do imóvel urbano é considerado pelos
conservadores proprietários fundiária como uma afronta ao direito de propriedade. Tal
concepção é pautada pelo direito absoluto sobre a propriedade, negando deliberadamente a
mudança de concepção no direito que instituiu que o imóvel urbano possui uma função
social a ser cumprida.
Somando-se a isso, na maioria das vezes no sistema político brasileiro os
representantes ocupam os cargos de representantes, mas não representam os interesses
“públicos”, da maioria da população ou das parcelas mais carentes. O que ocorre
comumente é a representação daqueles que mesmo não dispondo do poder político, por
conta do poder econômico que possuem, fazem valer seus direitos – neste caso me refiro
aos proprietários fundiários, incorporadores e corretores imobiliários.
Com isso há uma representação sem representatividade em termos, uma vez que
esta se faz, contudo, em beneficio de um grupo politicamente influente. Essa situação expõe
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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a precariedade da suposta neutralidade do Estado na produção do espaço urbano, o qual se
constitui numa estrutura política movida pela disputa de distintas forças políticas no seu
interior – onde comumente se sobressai o interesse particular em prejuízo do interesse
“público”.
Por fim, com relação aos obstáculos políticos que se formam para impedir ou ao
menos dificultar a utilização do IPTU-PT, temos que o direito às cidades socialmente justa e
ambientalmente saudáveis se constitui num direito difuso, ou seja, por ser de natureza
indivisível não afeta á um grupo de pessoas facilmente identificadas.
Neste caso há uma proteção legal, contudo a correlação de forças se torna precária
caso não haja a atuação de movimentos sociais e organizações não governamentais no
sentido de efetivar uma gestão mais justa do espaço urbano e transpor esse obstáculo
político – assumindo a responsabilidade de lutar pela reforma urbana.
O passo seguinte: a delimitação da área no Plano Diretor:
A delimitação no Plano Diretor de área passível de aplicação do instrumento é etapa
sincrônica a tomada da decisão política. Esse procedimento de delimitar a área no Plano
Diretor se constitui no primeiro requisito legal (no âmbito municipal) para aplicação do IPTU-
PT – eis onde residem outros obstáculos:
As terras devolutas:
A instituição da Lei de Terras de 1850 marca o início de um capítulo de conflitos e
litígios fundiários no Brasil que ainda não chegou ao fim, isso tem suas maiores implicações
sobre os imóveis rurais, no entanto os imóveis urbanos não estão isentos de tais
complicações.
As terras devolutas que antes se constituíam em áreas não apropriadas pelos
aventureiros e colonizadores foram griladas pelos especuladores e sobre elas cidades foram
edificadas8 e se consolidaram frente à omissão do Estado.
A atualidade dessa questão diz respeito as suas diversas implicações, dentre elas (e
do nosso interesse neste momento) temos a aplicabilidade do IPTU-PT nessas áreas.
Considerando os objetivos urbanísticos do IPTU-PT se faz coerente a sua aplicação, no
entanto, se considerarmos a base legal que autoriza tal prática temos que:
§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
8 Esta situação esteve presente da elaboração do Plano Diretor de Álvares Machado, a qual possui uma área urbana expressiva em terras devolutas.
SILVA JR, Jovelino J. S. Os limites e as potencialidades do Estatuto da Cidade ...
698
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
(Art. 182 da Constituição Federal) Art. 5o Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação. § 2o O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o cumprimento da obrigação, devendo a notificação ser averbada no cartório de registro de imóveis.
(Estatuto da Cidade)
Nesses termos, o IPTU-PT poderá ser aplicado em áreas que descumprirem a
determinação de parcelamento ou edificação no solo urbano não edificado, subutilizado ou
não utilizado, no entanto diz que a notificação se dará ao proprietário.
Neste caso, a terminologia traz implicações significativas, uma vez que as terras
devolutas, sejam elas de domínio estadual ou municipal, se constituem em ‘propriedade’ do
Estado - conforme sua própria definição.
O IPTU convencional é previsto no art. 156 da Constituição Federal e regulamentado
pelo Código Tributário Nacional (CTN - Lei Federal 5.172/66), o qual diz que:
Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município. Art. 34. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.
(Código Tributário Nacional)
Dessa forma, diferentemente do IPTU com fins fiscais, a Constituição Federal e a lei
federal que institui a política nacional de desenvolvimento urbano não trataram como
deveriam da questão sobre quem deveria recair a responsabilidade sobre o cumprimento
das normas urbanísticas - algo que desconhecemos se ocorreu por omissão ou
deliberadamente, mas que independente disso nos legou questionamentos tais como: e nas
terras devolutas, não podemos notificar ninguém?
No nosso entendimento, tomando o IPTU-PT no tempo como espécie do IPTU, o
possuidor do solo urbano a qualquer título deve ser responsabilizado pelas implicações
legais do solo urbano naquelas condições, haja vista que isso diz respeito ao uso do imóvel
urbano - contudo, a lei não diz isso expressamente, logo, não autoriza tal medida que pode
impedir o uso de tal instrumento em muitas cidades de suas parcelas julgadas devolutas.
A área de ocupação prioritária:
A delimitação da área passível de aplicação do IPTU-PT no Plano Diretor, a qual
denominamos aqui de ‘Área de Ocupação Prioritária’, deve ter em vista os objetivos relativos
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
699
à aplicação do IPTU-PT, ou seja, a ocupação adequada e a contenção da especulação
imobiliária.
Com relação ao primeiro objetivo, o caminho a seguir é relacionar espacialmente as
áreas que acumulam em maior quantidade e intensidade infra-estrutura de equipamentos
ociosos ou sub-utilizados, baixa densidade de ocupação construtiva (se se tratar de área
urbanizada), e proximidade física e acessibilidade às áreas centrais ou urbanizadas (se se
tratar de área urbanizável) – não havendo maiores problemas de ordem teórica.
Já com relação ao segundo, comumente os urbanistas cometem o equivoco de
equiparar propriedade urbana ociosa com especulação imobiliária, sendo que a ociosidade é
na verdade um indicador e não a constatação por si só – haja vista que tais áreas, sejam
lotes ou glebas, podem se encontrar nessa situação em razão da condição socioeconômica
de seus proprietários ou conjuntura do mercado imobiliário local.
Nesse mesmo sentido, a especulação imobiliária pode estar presente em áreas
pouco valorizadas, as quais se encontram retidas na expectativa de investimentos públicos
que as valorizem em proveito de seus proprietários – nesse aspecto a concentração
fundiária passa a ser um outro indicador importante de especulação.
Dessa forma, o primeiro passo para posterior utilização do IPTU-PT deve ser
cauteloso para evitar o equivoco de se tentar coibir um comportamento social e, na verdade,
punir os sujeitos sociais injustamente.
Para exemplificar o que estamos tentando expressar, basta citar uma hipotética
aplicação do instrumento em área onde uma família numerosa havia adquirido um segundo
e necessário lote, com o passar dos anos a área se desenvolveu e se valorizou9, mas a
família não teve condições econômicas de ocupá-lo.
Essa situação, antes de ser uma hipótese irreal, expõe uma situação comum que é a
limitação das políticas habitacionais que muitas vezes se limitam à construção de conjuntos
habitacionais e relega a um segundo plano o apoio financeiro na construção nos lotes
desocupados.
Portanto, a definição da área passível de aplicação do IPTU-PT se constitui numa
tarefa complexa que requer uma reflexão teórica antes da aplicação de procedimentos
técnicos de técnicas que comumente ignoram tal complexidade - para não transformá-lo em
mais um instrumento de promoção da segregação social.
A regulamentação do instrumento:
Neste momento de regulamentação do instrumento, ou seja, de proposição da lei
específica para aplicação do instrumento, algumas das indagações presentes anteriormente
9 Valorização e especulação imobiliária são dois conceitos distintos, o primeiro diz respeito à
incorporação de valor de troca devido a realização de investimentos, enquanto que o segundo se refere à uma estratégia dos agentes privados de maximizarem seus ganhos imobiliários, seja antecipando valorizações reais seja supervalorizando os valores existentes.
SILVA JR, Jovelino J. S. Os limites e as potencialidades do Estatuto da Cidade ...
700
durante a fase inicial do processo e da delimitação da área de ocupação prioritária no Plano
Diretor podem ressurgir, dentre outras que se não surgirão de imediato na fase de
elaboração do Plano Diretor, certamente surgirão neste momento.
A principal indagação diz respeito às implicações negativas de se formar maiores
densidades construtivas no espaço urbano. Essa questão, por um lado, mantém uma
interface com o necessário aproveitamento da infra-estrutura e dos equipamentos públicos,
por outro lado, contudo, resta a indagação se a médio e longo prazo não irá implicar num
engessamento das redefinições de formas e usos.
Por esse motivo, é fundamental que as alíquotas sejam indutoras - seja para a
ampliação da densidade construtiva seja para a comercialização de tais áreas – e não
caracterize a imposição de um ideal urbanístico de ocupação ótima do espaço urbano.
Faz-se tão importante que a lei específica seja referendada por uma base cadastral
consistente e atualizada, contendo os indicadores que eventualmente determinarão a
cessão de tal imposição sobre a área, de forma que isto não implique no engessamento que
nos referimos anteriormente caso surta um efeito expressivo e nem fique a mercê de
interesses políticos presentes na obrigatória revisão do Plano Diretor.
No seguir dessa orientação que reside o obstáculo relativo à definição das alíquotas,
as prefeituras municipais na maioria dos casos não possuem informações consistentes e
atuais sobre o mercado imobiliário e isso gera uma complicação para nele intervir com
propriedade.
Dessa forma, cabe salientar que as diretrizes fixadas pelo Estatuto da Cidade
relativas à majoração do IPTU-PT e o limite estabelecido se constituem somente em limites
legais, sendo que a aplicação em condições idênticas pode não surtir efeito algum em razão
da defasagem dos valores venais dos imóveis ou pode significar uma expropriação dos
imóveis – cabendo aos técnicos e legisladores arbitrar sobre isso caso a caso com base nas
informações disponíveis para que possa cumprir com o importante objetivo proposto.
CONCLUSÃO
A geografia possui uma importante função no âmbito do planejamento urbano de
estabelecer um diálogo entre a compreensão da lógica de produção do espaço urbano e a
lógica de intervenção pública e seus instrumentos.
Esse diálogo passa necessariamente por uma discussão interdisciplinar que envolve
a construção política e jurídica da política nacional de desenvolvimento urbano e a execução
da política urbana no âmbito municipal.
A construção da política nacional de desenvolvimento urbano trouxe importante
contribuição que amplia o campo de ação dos municípios, tendo o IPTU-PT como um
importante instrumento sobre o qual procuramos discorrer neste trabalho.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
701
Contudo, a efetividade desse instrumento transpassa necessariamente por uma série
de obstáculos de diversas ordens, os quais devem ser superados em prol dos potenciais
benefícios de sua utilização.
De qualquer maneira, é fundamental ter consciência desses obstáculos derivados da
complexidade social para que evitemos um fracasso na sua utilização, ou que tal fato venha
a ser atribuído ao instrumento em si – sendo fundamental a sua articulação com outros
objetivos e instrumentos disponíveis.
Com isso, concluímos que apesar dos obstáculos, se faz necessário abrir mão de tal
instrumento para que possamos ampliar a discussão e construir (não apenas a política
nacional de desenvolvimento urbano, mas) o próprio desenvolvimento urbano.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTILHO, José Roberto Fernandes, MANCINI, Marcelo Tadeu (org). Coletânea de Legislação Urbanística Básica. Presidente Prudente, 2008. GARCIA, Paulo Sérgio. Por que tributar as áreas urbanas edificáveis ociosas progressivamente? : algumas considerações sobre a realidade urbana de Presidente Prudente. Trabalho de conclusão (especialização - Planejamento e Gestão Municipal) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente. Presidente Prudente: [s.n.], 1999. INSTITUTO PÓLIS. Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Brasília, 2005. MARISCO, Luciane Maranha de Oliveira. A Norma e o fato: abordagem analítica da segregação sócioespacial e exclusão social a partir dos instrumentos urbanísticos. Presidente Prudente: [s.n.], 2003 MELAZZO, Everaldo Santos. Mercado imobiliário, expansão territorial e transformações intra-urbanas: o caso de Presidente Prudente – SP. 1993. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. Presidente Prudente, 1993. SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo: Hucitec, 1993. SOUZA, Marcelo Lopes de. ABC do Desenvolvimento Urbano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003a. __________. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao Planejamento e à Gestão Urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand, 2003b. VILLAÇA, Flavio. As ilusões do Plano Diretor. São Paulo, 2005.
O PAPEL DO SHOPPING CENTER NA REDEFINIÇÃO DA CENTRALIDADE URBANA. CATUAÍ SHOPPING E ROYAL PLAZA SHOPPING – LONDRINA (PR)1
Autor: Luis Eduardo Devai Email: [email protected]
Aluno de Graduação Universidade Estadual Paulista
Bolsista de Iniciação Cientifica – FAPESP Geografia Urbana
Resumo: A atuação do shopping center, resultado do encontro de interesses dos agentes comerciais e imobiliários, torna uma cidade mais complexa no que diz respeito à estruturação urbana e nas diferentes expressões de centralidades. A inauguração de dois shopping centers em Londrina (PR) – Catuaí Shopping e Royal Plaza Shopping - redefiniu a expressão da centralidade urbana e interurbana, reforçando seu papel centralizador na rede urbana. Através da literatura, de dados recolhidos em campo e de levantamentos históricos, pretendemos comprovar o papel centralizador do shopping center em uma cidade média como Londrina (PR). Palavras-chave: Produção do espaço; cidades médias; centralidade; shopping center.
INTRODUÇÃO
A modernização do capitalismo, no sentido que Santos (1979) atribui para esse
conceito, tem criado um novo espaço para o consumo de bens e serviços. O shopping
center se apresentou como um espaço não só de consumo, mas onde se consome o
espaço. Resultado da aliança entre diferentes agentes produtores do espaço urbano o
shopping center representa um papel de expressividade de nova centralidade e/ou de
refuncionalização de Áreas Centrais onde participa decisivamente da produção do espaço
urbano em uma cidade média.
Com base na literatura sobre o espaço urbano e sobre o fenômeno de centralidade
os estudos abordam as mais diferentes áreas de pesquisa devido à complexidade das
relações que ocorrem dentro da cidade. Assim como a cidade, o shopping center é um
objeto de estudo que permite as mais diferentes abordagens metodológicas e os objetivos
mais variados.
Em Londrina (PR) existem dois shopping centers que expressam uma centralidade
múltipla e complexa (Lefebvre,1999) onde o Catuaí Shopping Center representa um centro
regional por si só e o Royal Plaza Shopping apresentou na Área Central a revitalização de
uma área degrada e reestruturou os fluxos do Centro Principal. Atualmente existem outros
dois shopping centers, o Planet Shopping – da Metacon Construtora - e o Londrina Norte
1 Este trabalho está vinculado ao projeto maior “Cidades médias brasileiras: agentes econômicos, reestruturação urbana e regional”, com financiamento do Ministério da Ciência e Tecnologia - CNPq, conforme o Edital Casadinho. Nossa pesquisa, em estágio final, com pedido de renovação, é orientada pelos Profs. Maria Encarnação Beltrão Sposito e William Ribeiro da Silva e financiada pela FAPESP, através de Bolsa de Iniciação Científica.
DEVAI, Luis Eduardo. O papel do Shopping Center na redefinição da centralidade urbana ...
704
Shopping - da Construtora Khouri – atualmente implantado e em construção,
respectivamente, que serão analisados em nossa pesquisa mais adiante.
DESENVOLVIMENTO
A base teórica da Geografia urbana é bem ampla e trata de diversos aspectos
assumidos pela cidade e pela rede urbana. Para a elaboração desta pesquisa trabalhamos,
principalmente, com os textos de Bienenstein (2001), Castells (1975), Corrêa (1995, 2000),
Garrefa (2002), Haesbaert (2004), Lefebvre (1999; 1991), Padilha (2006), Pintaudi (1989),
Ribeiro (2006; 2005) e Sposito (2001; 1999). Esses autores tratam especialmente das
relações urbanas, dos shopping centers e das expressões da centralidade urbana e da rede
urbana. A produção do espaço urbano vai se basear nas relações entre os fluxos que
trafegam e os fixos que compõe o urbano. Essas relações criam espaços da cidade que
recebem uma maior confluência de fluxos e constroem fixos especializados para atender
essa demanda. Esses espaços são denominados de centros. Um centro pode assumir
diferentes características, como tratadas por Castells (1975), mas é uma área que possui
uma oferta de bens e serviços heterogênea para uma demanda igualmente heterogênea.[...]
o centro é um lugar multifuncional, cujas funções são, em comparação com as de outros
lugares, muito mais amplas (CASTELLS, 1975, p. 189).
Quando essa centralidade assume um caráter inter-regional, recorremos ao conceito
de multi(poli)centralidade, tratado pro Lefebvre (1991) e rediscutido por Sposito (1991).
Dentro dos elementos responsáveis pela evolução de novas centralidades está a difusão do
automóvel, das comunicações que permitiram a descentralização produtiva e o interesse
das classes econômicas mais altas em morar nas periferias (Ribeiro, 2006). No caso de
Londrina (PR), temos ambos os casos já que a cidade apresenta diferentes centralidades,
discutidas por Ribeiro (2006), e o papel inter-regional que essas centralidades têm. Um
equipamento de forte importância para a expressão de centralidade é o shopping center.
Equipamento comercial e imobiliário que resulta da aliança entre os comerciantes, os
incorporadores imobiliários e os proprietários fundiários. Foi definido por diversos autores
segundo a orientação de suas áreas e pesquisas. Adotamos a definição de Grassiotto
(2005), que incorpora as definições de diversos autores, entre eles, Pintaudi (1987):
[...] um empreendimento planejado, multifacetado espaço comercial de serviços e entretenimento, com administração única e centralizada, contendo características de marketing, propaganda e de distribuição varejista especiais, localização espacial privilegiada, estacionamento, cenário arquitetônico de indução ao consumo e a socialização. (GRASSIOTTO, 2005, p. 26).
A partir dessa definição identificamos como objetos de estudo, dois shopping centers
– o Catuaí Shopping Center e o Royal Plaza Shopping. Temos como objetivo avaliar o papel
centralizador que esses equipamentos expressam na cidade e na região e refletir sobre os
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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arredores e as respectivas interações espaciais. Os shopping centers, são resultado das
alianças entre os produtores do espaço urbano – alianças essas citadas por Corrêa (2005).
Assim o shopping center é uma ferramenta dos produtores do espaço urbano que tem uma
atuação significativa na produção do espaço urbano por meio das estratégias adotadas
pelos produtores do espaço urbano. Adotamos como metodologia, inicialmente, uma abordagem histórica dos processos
de produção do espaço urbano, um levantamento dos equipamentos ao redor do shopping
center e, finalmente, um levantamento em campo de dados sobre os shopping centers,
dados do município e atividades econômicas e entrevistas com freqüentadores e
levantamento dos veículos encontrados no Catuaí Shopping, segundo sua procedência.
Um estudo histórico da evolução dos fixos e fluxos em uma cidade permite
compreender o papel de equipamentos na estruturação de um município e a sua influência
em uma rede urbana.
Londrina (PR) foi fundada em 1934 e a partir dessa data consolidou sua área central
já definida na planta original da cidade. Até a década de 50 o município tinha um caráter
agrícola, representado pelo plantio do café pelos imigrantes, mas também, e despontava
como importante comercializadora do café regionalmente produzido. Um conjunto de fatores
– climáticos, econômicos e políticos – fizeram com que a cidade aumentasse o ritmo da sua
urbanização e industrialização, ampliando sua população, expandindo sua mancha urbana e
cristalizando o centro principal dentro da dinâmica da cidade e consolidando a influência da
cidade na sua região. Em 1980 a inauguração do Calçadão da Rua Paraná fortaleceu o
papel da Área Central e a característica comercial e financeira desse centro, atendendo as
diferentes classes sociais e pessoas oriundas de todo o município e região. Em novembro
de 1990 é inaugurado na borda sul da mancha urbana, às margens da PR-445, o Catuaí
Shopping Center e nove anos depois, em novembro de 1999, é inaugurado no lote da antiga
garagem da Viação Garcia o Royal Plaza Shopping.
CATUAÍ SHOPPING CENTER
Com um investimento de 55 milhões de Reais de diversos fundos, públicos e
privados, o Catuaí Shopping possui a maior ABL (Área Bruta Locável) da região sul do Brasil
- 85 mil metros quadrados com um estacionamento com mais de 5000 vagas. Atrai
aproximadamente 800 mil pessoas por mês que gastam, em média, R$ 90,00. Trata-se de
um shopping center que tem uma orientação explícita de atrair um público das classes A e
B. Assim sendo, sua arquitetura reflete um padrão que se encontra em diversos shopping
centers do Brasil – iluminação natural e diversos elementos naturais como plantas, cascatas
e árvores – segmento do shopping center que tem sido constantemente revitalizado. Os
corredores amplos diminuem a velocidade dos fluxos internos tornando a estadia no
DEVAI, Luis Eduardo. O papel do Shopping Center na redefinição da centralidade urbana ...
706
shopping center mais longa, o que gera mais consumo (seja nas lojas ou no
estacionamento). Seu mix também reflete um padrão elitizado, com lojas de grife e produtos
especializados e sofisticados.
Sua construção, realizada pela Construtora Khouri e Construtora Catuaí, incluiu uma
importante participação do poder público. O acesso ao shopping center só poderia ser feito
através de uma prolongação da Av. Madre Leonina Milito que cruza a PR-445, e para isso,
foram utilizados fundos municipais e estaduais, confirmando o texto de Corrêa (2005), sobre
a participação do Estado como intermediário dos interesses privados em contrapartida aos
interesses públicos. Seus arredores, que compreendem a Gleba Palhano e a Gleba Cafezal,
foram intensamente ocupados por diferentes estabelecimentos especialmente depois do ano
de 2000. Isso devido ao fato do Catuaí Shopping ter passado por algumas dificuldades
administrativas nos primeiros dez anos. Encontramos duas universidades – UNOPAR e
Pitágoras – que oferecem aproximadamente dez mil vagas por ano; dois hotéis – Comfort
Suítes e Villalba Hotel – com mais de 200 suítes; posto de gasolina da bandeira Texaco, um
bar universitário; uma casa noturna sofisticada; e trinta e quatro loteamentos fechados de
alto padrão cujas datas de aprovação se iniciam em 1992 e se intensificam a partir de 2001.
Verificamos o papel do shopping center na expressão de uma nova centralidade pela
sua polarização de pessoas através do transporte coletivo. Obtivemos os dados junto a
CMTU – Companhia Municipal e Transportes Urbanos verificamos um aumento significante
do fluxo em janeiro de 2009, época referente á expansão interna ocorrida no Catuaí
Shopping Center (Gráfico 1).
Gráfico 1: Passageiros no Terminal Catuaí - 2006 – 2009
Org.: Luis Eduardo Devai, 2009
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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Com forte influência da ampliação da complexidade de ações do Catuaí Shopping
Center, a Gleba Palhano apresentou nos últimos 10 anos uma intensificação do processo de
verticalização pela atuação das empresas incorporadoras, como Plaenge e A. Yoshi, ambas
londrinenses. Através de uma série de mapeamentos da oferta de bens e serviços na cidade
de Londrina (PR) – empreendimentos imobiliários, magazines, lotéricas e um mapa extraído
de Ribeiro (2006), que fez um mapeamento geral de todo a cidade, pudemos notar uma
concentração evidente na Área Central e o surgimento de uma centralidade múltipla e
complexa no setor sudoeste, onde se localiza o Catuaí Shopping (Mapa 1).
Mapa 1: Distribuição dos empreendimentos na Gleba Palhano e Cafezal.
Org: Luis Eduardo Devai, 2009.
DEVAI, Luis Eduardo. O papel do Shopping Center na redefinição da centralidade urbana ...
708
Regionalmente, o Catuaí Shopping exerce uma influência sobre diversos municípios, em
diferentes escalas urbanas. Essa influência é também efeito do papel de Londrina (PR)
como cidade de grande especialização no agronegócio e na oferta regional de bens e
serviços especializados. Através de um levantamento da procedência dos veículos no
estacionamento do Catuaí Shopping pudemos elaborar um mapa que mostra a intensidade
e distância desses fluxos (Mapa 2). Notamos a intensa relação existente entre o norte do
Paraná e o Estado e São Paulo.
Mapa 2: Procedência dos veículos encontrados no Catuaí Shopping.
Org: Luis Eduardo Devai
ROYAL PLAZA SHOPPING
Inaugurado em 1999, o Royal Plaza Shopping é um empreendimento realizado pela
construtora Metacon, de Londrina, e teve um investimento total de 22 milhões de reais, onde
30% pertenciam à Viação Garcia, proprietária do lote na Área Central de Londrina (PR).
Com uma ABL de nove mil metros quadrados atrai um fluxo mensal de 500 mil pessoas,
com um ticket médio de R$ 60.00. Em trabalho de campo, aplicamos um questionário com
os freqüentadores do Royal obtivemos os seguintes resultados referentes ao gasto médio,
idade, renda, sexo, escolaridade, procedência, meio de transporte, gasto médio por visita e
a preferência entre o centro e o shopping center. Notamos que há um predomínio de
pessoas entre 20 e 29 anos que são em geral indivíduos que trabalham nas redondezas,
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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enquanto que a faixa de segunda maior expressividade, indivíduos de até 19 anos, reflete os
estudantes que freqüentam o shopping center nos períodos de folga. São jovens que
consomem freneticamente e são facilmente influenciados por estratégias mercadológicas,
sendo assim, alvos das campanhas publicitárias das lojas. A renda da maioria dos
consumidores do Royal Plaza fica entre R$ 479,00 e R$ 1.035,00, o que representa a
parcela “D” da sociedade, seguida pela parcela “C”, o que significa ser esse o perfil
socioeconômico do consumidor. Um pouco diferente da proposta da administração do
shopping center que almeja atrair indivíduos da classe B e C.
Na sua maioria, o público do Royal Plaza é feminino, o que se relaciona ao mix do
Royal Plaza, que possui grande número de lojas de vestuário feminino. O público é bem
variado quanto à sua escolaridade devido a vasta gama de indivíduos que freqüentam o
centro principal com diferentes finalidades. Pessoas de baixa escolaridade procuram a Área
Central em busca de empregos, em função do número de ofertas. As pessoas com o ensino
fundamental e médio encontram no Centro Principal emprego no setor de comércio e
serviços, enquanto que os formados no ensino superior são absorvidos pelas empresas de
alto nível de especialização que se encontram na Área Central – bancos, assessorias,
advocacias etc. A grande maioria dos entrevistados reside em Londrina (PR), o que
descarta o papel regional exercido pelo Royal Plaza, sendo sua influência mais notável
dentro da Área Central da cidade. A procedência do indivíduo está relacionada ao fato deste
possuir ou não um veiculo e como este vem ao shopping center. Muitos indivíduos sem
veículo próprio são forçados à utilizar o transporte coletivo. O fato de todos shopping centers
possuírem estacionamentos faz com que os freqüentadores que são donos de carros se
sintam seguros em freqüentar um shopping center localizado no Centro Principal, marcado
pelo congestionamento, falta de vagas e insegurança. Podemos inferir que a maioria dos
indivíduos que freqüentam o Royal Plaza utiliza seus próprios veículos. No caso daqueles
que utilizam o serviço de transporte coletivo existe uma divisão sobre onde estes
desembarcam. Isso se deve ao fato de existirem linhas que passam fora do Terminal
Central, vindas de municípios vizinhos – Cambé, por exemplo - que fazem com que os
passageiros desçam na Rua Sergipe e não no Terminal Central.
O usuário do Royal Plaza tem uma oferta de bens e serviços variada segundo seu
mix o que permite uma diversidade de propósitos para os freqüentadores. Assim, eles
utilizam o shopping center como um local de consumo e lazer reforçando a noção de espaço
de consumo e consumo do espaço. Usuários mais novos freqüentam o shopping center com
mais freqüência enquanto que usuários mais velhos ou mais distantes tendem a ir com
menos periodicidade ao Royal Plaza. No entanto, o intervalo entre uma visita e outra, em
poucas vezes ultrapassa trinta dias. Em muitos dos casos, as pessoas acabam
freqüentando o shopping center durantes os finais de semana, o que faz com que o período
de visita seja, em sua maioria, de uma vez por semana.
DEVAI, Luis Eduardo. O papel do Shopping Center na redefinição da centralidade urbana ...
710
Esse público consumidor gasta, segundo a administração do Royal Plaza, um ticket
médio de R$ 60,00. Por ser um valor médio ele está sujeito à discrepâncias onde alguns
usuários freqüentem o shopping center sem gastar mais de R$ 5,00 como existem usuários
que gastem valor acima dos R$ 300,00. Podemos notar que o gasto médio dos
consumidores está bem abaixo do ticket médio comprovando que este possui dados
discrepantes que não condizem com a realidade. Também notamos para o alto volume de
indivíduos que não souberam responder sobre seu gasto, o que levanta a questão de como
o planejamento do shopping center está voltado para que o consumidor gaste sem ter
consciência do seu gasto e continue a consumir. Lembramos que a estrutura dos corredores
– estreitos que aceleram o fluxo dentro do shopping center – também atua sobre os
consumidores diminuindo o tempo que eles tem de processar os estímulos publicitários
garantindo assim um alto volume de vendas de impacto. Ainda referente à estrutura física de
um shopping Center, sabemos que um dos principais atrativos utilizados para o publico é a
sensação de segurança e de isolamento com o mundo externo. No caso do Royal Plaza
oferta-se um ambiente climatizado e com segurança, que se diferencia da Área Central,
conhecida pela sua ordem supostamente “caótica”, conforme senso comum.
No que diz respeito à estrutura física do shopping center, este apresenta sete
andares, sendo que em quatro deles estão as lojas. Possui corredores estreitos que
aumentam a velocidade dos fluxos internos tornando o consumo algo pontual, ou seja, as
pessoas entram no shopping center sabendo o que vão comprar, ou já programando passar
pouco tempo dentro do shopping center. O Royal Plaza, segundo a administração, tem sua
principal âncora na praça de alimentação e no último ano de pesquisa pudemos notar que
este foi o espaço que recebeu maior investimento. O perfil do freqüentador do shopping
center é bem variado e inclui indivíduos das mais diversas faixas etárias, renda e
escolaridade. A variável que apresentou a maior homogeneidade foi a procedência dos
indivíduos – 84% são de Londrina (PR).
Sua participação no entorno foi fundamental no que diz respeito à revalorização do
Centro Principal. Localizado próximo ao Terminal de Transportes Urbanos Municipal e de
uma área com concentração do comércio informal, o Royal Plaza Shopping tem um papel
centralizador na escala interna da cidade, atuando também sobre a expansão dos fluxos do
Calçadão da Rua Paraná. Em conversa com os lojistas foi levantada a questão do mercado
consumidor específico do shopping center e do mercado informal. Grande parte dos
freqüentadores do Centro, segundo questionário aplicado, prefere o shopping center ao
Centro Principal. Isso se deve à sensação de segurança que é passada dentro desse
espaço – segurança antes de tudo social, segurança de ser abordado por moradores de rua
que são, muitas vezes, violentamente afastados das imediações do shopping center. A sua
localização em relação ao Terminal Municipal e ao Camelódromo atraem para o shopping
center uma clientela diferenciada daquela que freqüentaria o Catuaí Shopping Center. O
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
711
consumo de pessoas socialmente menos privilegiadas é favorecido pelo tenant mix do
shopping center, pelos preços oferecidos e pela própria estratégia do Royal Plaza Shopping
de atrair essa população que freqüenta o Centro Principal – conforme nos foi informado pelo
diretor de Marketing do shopping center.
A área ocupada hoje pelo Royal Plaza Shopping esteve até 1999 em uma situação
de degradação do seu espaço. Essa degradação é resultado da falta de uma
refuncionalização da Área Central em função das modificações do uso do solo. O Centro
Principal de uma cidade está em constante transformação já que é a máxima expressão das
relações que ocorrem no seu interior. Espaços que não acompanham essa mudança não
recebem investimentos e tendem a se deteriorar pelo desgaste físico e pelo desgaste social
resultado da ocupação desses espaços pela criminalidade e outras atividade. Assim a (re)
territorialização desse espaço permite ao comercio retomar áreas de interesse. O papel
expresso por estes dois shopping centers permite compreender o processo de
especialização dos setores comerciais e imobiliários e verificar a sua atuação em um espaço
urbano. Essa degradação é resultado da visão ideológica da sociedade capitalista que
marginaliza aqueles que não estão em condições de serem inseridos no modelo de
sociedade consumida retirando estes do espaço para dar lugar aos mecanismos de
reprodução do capital. A degradação social é então transportada para outros espaços onde
não se tem o interesse de revitalizar.
CONCLUSÕES
Concluímos que o shopping center se apresenta como um elemento do espaço
urbano que, fruto de uma aliança entre os capitais público e privado, com benefícios apenas
para o último, altera toda a morfologia urbana e, em cidades médias, provoca alterações
tanto urbanas como interurbanas. Assim, aceitamos que um estudo desses espaços
contraditórios permite compreender melhor as dinâmicas capitalistas nas suas mais diversas
atuações.
Com base na literatura discutida e nos resultados obtidos e apresentados verificamos
o papel centralizador que é expresso pelo Catuaí Shopping Center em sua escala regional
devido á concentração de bens e serviços, seu alcance interurbano e urbano e sua
capacidade de alteração do espaço no seu entorno. O Royal Plaza Shopping apresentou
uma forte influência centralizadora na Área Central de Londrina (PR) revitalizando uma
região degradada e desvalorizada desse espaço e modificando significantemente os fluxos
internos desse espaço.
DEVAI, Luis Eduardo. O papel do Shopping Center na redefinição da centralidade urbana ...
712
A presença de novos empreendimentos desse tipo foi verificada em Londrina (PR)2 e
permite a continuação desse estudo e a integração da pesquisa sobre centralidades internas
das cidades com um estudo da rede urbana ao qual Londrina está integrada em uma escala
regional.
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2 Desde 2008 foram verificados 2 empreendimentos de shopping centers – Planet Shopping e Londrina Norte Shopping – e o projeto de outro shopping center ainda sem nome.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
713
RIBEIRO, William da Silva. Centralidade e produção de loteamentos fechados na cidade de Londrina-PR. In: Cidades médias: dinâmica econômica e produção do espaço. 1ª. ed.São Paulo : Expressão Popular, 2006, v.1, p. 215-234. SANTOS, Milton. O espaço Dividido. Os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. Tradução de Myrna T. Rego Viana. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. As Cidades Médias e os contextos econômicos contemporâneos. In: ___. (Org.) Urbanização e Cidades: Perspectivas geográficas. Presidente Prudente: UNESP/GAsPERR, 2001. ________. Centro e as formas de expressão da centralidade urbana. Revista de Geografia. Universidade Estadual Paulista/UNESP. São Paulo, 1991 v.10.
REGIÃO METROPOLITANA DE FLORIANÓPOLIS: O TRANSPORTE COLETIVO INTRAMETROPOLITANO: ANÁLISE E DISCUSSÕES E O
TRATAMENTO DA TEMÁTICA SOBRE O TRANSPORTE MARÍTIMO
Rafael Gotardi Brússolo
[email protected] Aluno do terceiro ano do curso de
Geografia. UNESP – FCT campus de Presidente
Prudente. Resumo: O estudo de caso focaliza o município de Florianópolis, abrangendo sua Região Metropolitana, criada pela lei complementar estadual n° 162 de 1998. Será dada ênfase à categoria transporte coletivo intrametropolitano, citando os principais meios deste tipo de transporte (Sistema Integrado de Transportes [SIT], Transporte Executivo e Transporte Marítimo) e destacando os problemas em relação ao planejamento, á gestão e á prestação do serviço do SIT. A má espacialização dos terminias, as zonas de baldeação pouco estruturadas, a ausência do cartão de integração, o que proporciona a cobrança de mais de uma tarifa, deixando o transporte mais caro, propiciam a baixa qualidade na prestação do serviço. Associa-se a isto o fato da excessiva demanda por este serviço.Entrelaçando esses argumentos com a peculiaridade geográfica de Florianópolis, que està localizada em grande parte numa ilha, e onde as vias de acesso se dão por duas pontes, nota-se um grande problema em se tratando da mobilidade espacial urbana. Para dar maiores subsídios para a discussão, será tratado a temática sobre o transporte marítimo, como meio de “amenização” do problema do “estrangulamento” das vias. Palavras-chave: rede urbana; região metropolitana; transporte coletivo; mobilidade espacial urbana. INTRODUÇÃO
Realizando uma abordagem analítica sobre o processo de urbanização brasileira, é
perceptível a prevalência da metropolização e o crescimento das grandes cidades. O
suposto rompimento das fronteiras com o advento da mundialização da economia, a
globalização e a constituição de uma sociedade em rede favorece o engrandecimento deste
processo. A divisão internacional do trabalho, com a consequente especialização produtiva
proporciona a diferenciação da organização espacial, sendo a força motriz a circulação
(bens, serviços, pessoas, etc).
Em se tratando de uma interação urbana (relações), a tendência crescente à
diferenciação e à especialização, associado ao advento da urbanização, acompanhada da
divisão interurbana do trabalho, é vinculada diretamente ás possibilidades de articulação
que a dinâmica da circulação promove.
Este texto exploratório focará o município de Florianópolis, mas precisamente a sua
região metropolitana. Será dada ênfase à categoria transporte coletivo (Sistema Integrado
de Transporte Rodoviário Intermunicipal), penetrando na discussão sobre o transporte
hidroviário, sendo este uma das vias de solução da grande demanda de transporte.
Florianópolis é a capital do estado de Santa Catarina e uma das três ilhas-capitais do
Brasil. Destaca-se por ser a capital brasileira com o melhor índice de desenvolvimento
humano (IDH), da ordem de 0,875, segundo relatório divulgado pela ONU em 2000. Esse
índice também a torna a quarta cidade brasileira com a melhor qualidade de vida, atrás
BRÚSSOLO, Rafael G. Região Metropolitana de Florianópolis: O transporte coletivo...
716
apenas de São Caetano do Sul e Águas de São Pedro, no estado de São Paulo e Niterói, no
estado do Rio de Janeiro. Possui, segundo o IBGE, no ano de 2008, uma população de
402.346 habitantes, sendo o segundo município mais populoso do estado, atrás apenas do
município de Joinville.
A Região Metropolitana de Florianópolis (RMF) é uma região metropolitana brasileira,
criada pela lei complementar estadual n° 162 de 1998 e extinta pela lei complementar
estadual n° 381 de 2007. Era constituída por um único município que possuía continuidade
de mancha urbana, que no caso é o município de São José, e mais outros do entorno. As
cidades que apresentam maior interação espacial, ou seja, tem maior número de relações,
são Biguaçu, Palhoça e São José. Águas Mornas, Gov. Celso Ramos, Antonio Carlos, Santo
Amaro da Imperatriz e São Pedro de Alcântara, formam a Região Metropolitana. A
população desta Região Metropolitana apresenta elevada concentração no município sede,
onde a população de desta corresponde à cerca de 48% do montante populacional da
região. Agregando-se os municípios que apresentam maior interatividade, pode-se observar
a concentração de 46% da população da RMF nos municípios de São José, Palhoça e
Biguaçu. Estes dados são importantes indicativos do grau de polarização exercido por este
conjunto de quatro municípios na dinâmica deste circuito da rede urbana catarinense. Segue
o mapa repesentando a RMF, para facilitar a visualização e interpretação.
Figura 1 – Municípios que compõem a RMF. Fonte: Alves e Baeninger s/d.
A partir da base cartográfica IBGE 2001.
A Região Metropolitana de Florianópolis se caracteriza como um conjunto urbano
polarizado, onde esta aglomeração de municípios apresenta elevado grau de dependência
econômica do entorno em relação ao município sede. Como agravante este município
apresenta a peculiaridade geográfica de que a maior porção de seu território está localizada
em uma ilha, cujas únicas ligações rodoviárias, em funcionamento, são duas pontes.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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O transporte coletivo na Grande Florianópolis, assim denominada, é composto
basicamente por ônibus, sendo utilizado largamente para deslocamento da população
residente nos municípios de Florianópolis, São José, Palhoça, Biguaçu, Santo Amaro da
Imperatriz e São Pedro de Alcântara, que integram a região metropolitana.
O crescimento da RMF, relacionado com as alternativas de soluções físico-
rodoviárias se esgotando, e o elevado custo de implantação de outras alternativas de
transporte de massa de tecnologia avançada, proporcionam a carência deste serviço e o
questionamento sobre a implantação de sistemas alternativos de transportes de massa de
baixo custo, como é o caso do sistema marítimo. A tabela a seguir representa a população e
taxa de crescimento geométrico anual dos municípios que compõe a RMF.
Tabela 1 – População e Taxa de Crescimento Geométrico Anual, Região
Metropolitana de Florianópolis, 1980, 1990 e 2000.
Fonte: Alves e Baeninger s/d. FIBGE, Censos Demográficos 1980, 1991 e 2000.
Sendo assim, esse texto exploratório visa ao estudo do transporte coletivo
intrametropolitano na Grande Florianópolis, dando ênfase para a atual “crise” do sistema,
proporcionando indagações e questionamentos sobre o tema, e colocando em pauta de
discussões a problemática da instalação do sistema de transporte hidroviário. Deste modo, é
necessário, primeiramente, realizar uma abordagem analítica sobre o conceito de rede
urbana, sendo este elemento preponderante para se compreender as interações espaciais
da atualidade.
DESENVOLVIMENTO DO TEMA
Para se abarcar as contemporâneas interações espaciais, é imprescindível o
entendimento da rede urbana. Em princípios geográficos, para interpretar a rede urbana é
fundamental ter em mente as categorias de análise, como espaço, território, região, escala,
BRÚSSOLO, Rafael G. Região Metropolitana de Florianópolis: O transporte coletivo...
718
lugar, paisagem, etc. Partindo desse pressuposto, a rede urbana é entendida sobre duas
constituintes, a material (concretas) e a social (abstratas).
Segundo Sposito (2008) a divisão do trabalho é um dos principais elementos para a
compreensão da rede urbana. É essa separação de atividades que proporciona a
especialização da produção, originando os papéis que cada localidade desempenha na
rede. Neste sentido, Siebert (1997, p.15) afirma:
“É sabido que as cidades não existem de forma isolada. Elas se articulam entre si, formando redes urbanas organizadas hierarquicamente em função da divisão territorial do trabalho, e se articulam também com sua região, o espaço rural que as circunda e alimenta”.
Em se tratando da especialização da produção, “(...) haverá, assim, tipos de cidades
correspondentes às economias agrícolas e tipos de cidades correspondentes às economias
industriais” (Geiger, 1963, p. 13).
No Brasil, nota-se que São Paulo e sua região metropolitana concentram grande
parte das atividades econômico-financeiro do país, sendo acompanhada pela região
metropolitana do Rio de Janeiro, que não reune metade das funções paulistanas.
Entretanto, com a dinamização do capital e a maior mobilidade e flexibilidade de
bens, serviços, etc, a rede urbana adquire novos (re) arranjos, o que concretiza o alto grau
de complexidade do tema.
O foco da discussão é a Região Metropolitana de Florianópolis, que segundo a
REGIC é caracterizada como capital – regional nível A. Para se entender as interações
espaciais na (RMF), é de suma importância analisar brevemente como se deu a formação
da rede urbana de Santa Catarina. Esta articulou-se no sentido leste-oste, porque as
primeiras cidades surgiram no litoral, desdobrando-se para o interior, avançando para a
fronteiras agrícola do Oeste do estado. O que desperta atenção para a rede urbana
catarinense é a ausência da denominada macrocefalia urbana (concentração de papéis
numa única cidade), verificando-se uma distribuição multipolarizada de núcleos urbanos de
médio porte. A capital estadual não é a mais populosa, fugindo à regra das demais capitais.
Um outro elemento que propicia o destaque da capital é sua posição geográfica, estando o
sítio urbano localizado numa ilha, onde a acessibilidade se dá por duas pontes ou balsa.
As cidades de Joinville (mais populosa), Blumenau, Itajaí, Criciúma, Lages e
Chapecó, localizadas no interior do estado, dividem a prioridade urbana com Florianópolis,
porém caracterizadas por níveis de dominância diferenciados.
Em se tratando de transporte coletivo, a cidade de Florianópolis apresenta três tipos
de transporte urbano: o Sistema Integrado de Transporte, o Transporte Executivo e o
Transporte Marítimo. O Sistema Integrado de Transporte é formado pelos nove Terminais de
Integração da cidade e pelas linhas de ônibus convencionais. Porém muitos problemas já
foram identificados neste sistema, inclusive evidenciados em manifestações populares
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
719
ocorridas no ano de 2004, devido ao descontentamento dos cidadãos em relação à
prestação desse serviço.
A proximidade entre os terminais associados à ausência de atrelamento imediato
torna o sistema mais lento e menos confiável. A má localização de alguns terminais acaba
tornando-os pouco utilizados, demonstrando a falta de planejamento e o gasto equivocado
do dinheiro público. A baldeação, quando ocorre a troca de zona tarifária, não é direta,
sendo muitas vezes necessária a passagem por diversas vezes em “catracas”, tornando o
sistema lento e dificultoso. Outro elemento importante é a ausência do cartão integração
desenvolvido para o novo sistema, o que faz necessário o pagamento de duas passagens.
O mapa que segue demonstra a espacialização dos terminais de integração no município de
Florianópolis.
Figura 2 – Localização dos Terminais de Iintegração. Fonte: Neto, 1998. Núcleo de
Transportes da PMF, 1996. LEGENDA
. Terminal de Integração de Canasvieiras - TICAN
. Terminal de Integração de Capoeiras - TICAP
. Terminal de Integração do Centro - TICEN
. Terminal de Integração do Jardim Atlântico - TIJAR
. Terminal de Integração da Lagoa - TILAG
. Terminal de Integração do Rio Tavares - TIRIO
BRÚSSOLO, Rafael G. Região Metropolitana de Florianópolis: O transporte coletivo...
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. Terminal de Integração do Saco dos Limões - TISAC
. Terminal de Integração de Santo Antônio - TISAN
O Transporte Executivo é realizado por micro-ônibus com ar-condicionado que
param em qualquer ponto do percurso que o passageiro escolher. Entretanto, a tarifa não é
acessível para grande parte da população, sendo um serviço de caráter segregador. Foi
criado com o objetivo de diminuir o número de veículos nas ruas, tentando viabilizar o
mesmo, ou quase o mesmo, conforto de utilizar um automóvel.
O Transporte Marítimo é realizado por balsas. Entretanto é desenvolvido em uma
escala muito reduzida em relação às características que as Baías, Lagoas, Rios e regiões
marítimas navegáveis proporcionam.
Os problemas verificados no setor de transporte coletivo, resultado de mudanças
realizadas no sistema em 2004, levaram a Prefeitura de Florianópolis a criar a Secretaria
Municipal de Transportes e Terminais, específica para tratar desse assunto, de forma a
propor soluções para as dificuldades verificadas após a adoção do Sistema Integrado de
Transportes, que resultou na criação de seis terminais de integração. Em 2005, foram feitos
354 ajustes de horário-241 inclusões e 74 exclusões-, de forma a dar mais racionalidade ao
sistema (Secretaria Municipal de transporte e Terminais, 2007).
O transporte coletivo urbano, da forma como é hoje planejado e produzido, funciona como indutor, nem sempre involuntário, da ocupação desordenada das cidades. Isso porque não prevê acessibilidade aos que habitam longe dos centros urbanos. “Independente das causas do crescimento descontrolado das cidades brasileiras, nelas se instalou uma crise de mobilidade sem precedentes; somando-se a isso temos ainda hoje desenvolvido projetos com conceitos ultrapassados, nada inteligentes de transporte público (Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável – Princípios e Diretrizes).
É perceptível que o Sistema Integrado de Transportes apresenta muitos problemas
em relação à estrutura e ao planejamento. O transporte Executivo é acessível para pequena
parcela mais favorecida da população, sendo que a grande maioria depende do Sistema
Integrado de Transportes. Agravando esse fato, vale destacar os movimentos de caráter
quotidiano, que propiciam o aumento da demanda desses serviços. A seguir virá uma
sequência de tabelas que ajudará a relacionar o fluxo migratório dentro da RMF, com os
movimentos pendulares e o intenso “vai e vem” de veículos particulares.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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Tabela 2 – Proporção da População Economicamente Ativa de Migrantes Intrametropolitanos, que Emigram de Florianópolis para o entorno metropolitano, segundo
Classes de Renda, Municípios da RMF, Censo 2000.
Fonte: Alves e Baeninger s/d. A partir de dados da FIBGE. Microdados Censo Demográfico 2000.
Tabela 3 – Proporção de População Economicamente Ativa de Migrantes Intrametropolitanos, que emigram do entorno metropolitano para o município de
Florianópolis, segundo Classes de Renda, Municípios da RMF, Censo 2000.
Fonte: Alves e Baeninger s/d. A partir de dados da FIBGE. Microdados Censo Demográfico 2000.
BRÚSSOLO, Rafael G. Região Metropolitana de Florianópolis: O transporte coletivo...
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Tabela 4 – Proporção de Movimentos Pendulares da População em Idade Ativa (maior de 14 anos) segundo Classes de Rendimento. RMF, Censo Demográfico 2000.
Fonte: Alves e Baeninger s/d. A partir de dados da FIBGE. Microdados Censo Demográfico 2000.
Tabela 5 – Habitantes x Veículos na Região da Grande Florianópolis.
Fonte: Lima, 2004. IBGE
Sendo breve na análise, verifica-se que há um grande fluxo de pessoas do entorno
metropolitano em direção ao município sede, e que recebem de 2 à 5 salários,
acrescentando que grande parte dessa população não possuem transporte individual,
dependendo assim do transporte coletivo. É perceptível que há uma dinâmica muito
complexa em relação ao fluxo de pessoas e à prestação de serviço relacionado ao
transporte. Cabe destacar que a posição geográfica de Florianópolis proporciona um caráter
de análise específico, porque está inserida, em grande parte, numa ilha, onde a maioria das
vias de acesso são por duas pontes. Destaca-se também o relevo que impossibilita a
materialização de obras direcionadas às vias.
A má situação estrutural em que se encontra o Sistema Integrado de Transportes,
associado ao estrangulamento das vias de circulação intrametropolitana, que dizem respeito
à posição, em termos geográficos, do município sede e ao intenso fluxo de veículos
particulares, proporcionam a grande problermática dos fluxos pendulares na RMF.
Como “amenizar” esse problema?
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Transporte alternativo sustentável, dando ênfase para o transporte marítimo.
Especificar exatamente qual seriam os tipos de veículos e meios de transporte mais adequados à situação de Florianópolis seria tarefa de uma equipe de profissionais de diversas áreas, que com suas devidas qualificações técnicas decidiriam em equipe, segundo premissas como a sustentabilidade, na mais vasta significação possível da palavra, que inclui durabilidade, relações de custo-benefício, utilização de combustíveis renováveis, atendimento à demanda de cada região da cidade (Lima, 2004, p. 15).
Primeiramente é necessário ressaltar os fatores que favorecem esse tipo de
transporte:
1. A explosão do crescimento populacional impulsionado pelo turismo;
2. a Interdição da Ponte Hercílio Luz em 22/01/1982, pela primeira vez, e definitivamente em 04/07/1991;
3. o retardamento da construção da terceira ligação ( Ponte Pedro Ivo Campos);
4. o retardamento da duplicação da BR-101;
5. os elevados índices de automóveis percapita;
6. o potencial das vias naturais de navegação.
A considerar:
1. A terceira ponte e a duplicação da BR-101 foram concluídas e já está em curso a
duplicação da Br-101 Sul;
2. os elevados do CIC e do Rita Maria estão em plena operação;
3. a Av. Beira-Mar Sul de São José estão operação;
4. a Avenida das Torres em São José já é uma realidade;
5. o Transporte Integrado de Florianópolis está implantado.
A análise do que vem ocorrendo ao longo do tempo revela que o crescimento da
RMF sempre ocorre à frente das soluções; as alternativas de soluções para o
estabelecimento das vias estão se esgotando; elevado custo de implantação de alternativas
de transporte de massa de tecnologia avançada. Sendo assim, é necessária a implantação
de um sistema alternativo de transporte de massa de baixo custo, que no caso seria o
transporte marítimo.
Para a implantação desse sistema é fundamental um estudo de viabilidade técnica e
econômico-financeira. Neste sentido, a Secretaria de Estado de Infra-Estrutura –
Departamento de Transportes e Terminais elaborou uma pesquisa para averiguar o possível
BRÚSSOLO, Rafael G. Região Metropolitana de Florianópolis: O transporte coletivo...
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projeto. Nessa pesquisa foi dada ênfase para os gastos para a implantação do projeto, o
número de usuários, viagens, relação custo-benefício, etc. As tabelas 6 e 7 ajudam a
compreender a relação custo/ rentabilidade
Tabela 6 – Custo de implantação do sistema.
Fonte: Secretária de Estado de Infra-Estrutura – Departamento de Transportes e Terminais.
Tabela 7 – Pesquisa de Preferência Declarada – Resultado.
Fonte: Secretária de Estado de Infra-Estrutura – Departamento de Transportes e Terminais.
Em relação à avaliação financeira, num primeiro momento o poder público não
participaria, sendo que o operador assumiria todos os custos do problema. Num segundo
momento, o poder público assume a implantação da infra-estrutura (vias e terminais) e o
operador assumiria a aquisição das embarcações e os custos do sistema Em se tratando da
embarcação, poderia ser utilizado o HoverCraft, uma embarcação que se desloca em meios
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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aquáticos, mas também faz pequenos deslocamentos em meios terrestres, o que facilitaria
sua adaptação á um sistema multi-modal com terminais de integração entre os meios.
Atualmente o que se verifica é a contratação de empresa de consultoria para o
desenvolvimento dos projetos das ligações piloto (São José e Biguaçu), sem o que a
licitação do sistema não é possível. A acrescentar que a contratação será realizada
conforme os seguintes grupos de desenvolvimento: Projeto Ambiental, que avaliaria os
possíveis impactos ambientais; Infra-Estrutura terrestre, que projetaria os terminais de
passageiros, incluindo os estacionamentos e sistemas viários; Infra-Estrutura Marítima, que
viabilizaria os atracadores, molhes de abrigo e sinalização marítima.
Para concluir, é imperativo a instituição de um fórum permanente de discussão em
que participem todos os agentes envolvidos. Devido ao estágio da situação, não haverá
solução sem investimento pesado dos Governos (Políticas Públicas). O problema é a
continuidade territorial urbana, a centralização das áreas de interesse. É preciso trabalhar
uma melhor distribuição das atividades.
CONCLUSÃO
O Sistema Integrado de Transportes passa por uma crise no que se refere à
prestação do serviço. A espacialização dos terminais, as baldeações mal planejadas, a
ausência do cartão de integração, acarretando o pagamento de duas ou mais passagens,
associado aos problemas de estrutura urbana (poucas vias de acesso, aumento de
transporte individual, carência de planejamento de tráfico, etc.), propiciam grandes
problemas à qualidade de vida urbana. O trânsito, o estresse, a demora para deslocar-se,
estão presentes no quotidiano do morador da RMF.
O transporte sustentável marítimo seria um meio de desafogar as vias de circulação
e proporcionar melhorias na qualidade de vida na cidade, porque diminuiria a emissão de
poluentes, melhoraria o trânsito, aceleraria e facilitaria a mobilidade espacial urbana, etc.
Para concretizar esse projeto é imprescindível a união dos agentes envolvidos,
principalmente o poder público e o privado. Nesse sentido “(...) valoriza-se a construção de um
capital social que permita o estabelecimento de uma governança urbana, esta última entendida como
um processo de gestão que supera o âmbito restrito ao poder público e que envolve os diversos
atores de forma compartilhada”. (Rolnik, Somech, s/d). Em se tratando da “sustentabilidade”,
Lima (2004, p. 01) afirma que:
Falar de transporte Sustentável é uma tarefa complicada, inicialmente talvez o termo ‘sustentabilidade’ tenha vindo, como em muitos casos de projetos que se dizem Sustentáveis, no intuito de legitimá-lo, mas após leituras para aprofundar toda a base teórica da idéia vimos a complexidade da temática.
BRÚSSOLO, Rafael G. Região Metropolitana de Florianópolis: O transporte coletivo...
726
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alves, P. Assumpção, Baeninger, R. Aparecida. Região Metropolitana de Florianópolis: migração e dinâmica da expansão urbana. Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambú- MG – Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008. CECCA - Centro de Estudos Cultura e Cidadania (SC), Uma cidade numa ilha: relatório sobre os problemas sócio-ambientais da Ilha de Santa Catarina. Florianópolis: Insular,1996.
CDROM Bacias Hidrográficas do Estado de Santa Catarina - Diagnóstico Geral. SDM (Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente). Governo de Santa Catarina. CORREA, R. L. Rede Urbana. São Paulo: Àtica, 1989. CRUZ, Jorge A. (coord.). Sistema integrado de transporte coletivo de Florianópolis. Florianópolis, 1997. Pedido de financiamento ao BNDES. NT/IPUF/STO/SF - Prefeitura Municipal de Florianópolis. GEIGER, P. Pinchas. Evolução da rêde urbana brasileira. Rio de Janeiro, 1963. (p. 13-31). LIMA, Maria, R,T,R. TRANSPORTE SUSTENTÁVEL PARA A FLORIANÓPOLIS DO FUTURO. UFSC. 2004. (p. 2-17). NETO, Arnoldo Debatin. Política de Planejamento de Transportes e Desenvolvimento Urbano: Considerações para a Cidade de Florianópolis, UFSC, Florianópolis, 1998. Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável – Texto Base para discussão - Princípios e Diretrizes – Ministério das Cidades. REGIC (Regiões de Influência das Cidades). ROLNIK, Raquel; SOMEKH,N. Governar as metrópoles: dilemas da recentralização. SIEBERT, C. Freitas. Rede Urbana do Vale do Itajaí. Editora da Furb, Blumenau, 1997.(p. 15-21).
CONDOMÍNIOS EMPRESARIAIS EM ÁREAS METROPOLITANAS DO ESTADO DE SÃO PAULO: UMA NOVA ESTRATÉGIA IMOBILIÁRIA
Rodolfo Finatti [email protected]
Programa de pós-graduação em Geografia Humana Universidade de São Paulo (USP)
Auxílio financeiro: FAPESP INTRODUÇÃO Este trabalho examina os recentes condomínios empresariais instalados nas áreas
metropolitanas do Estado de São Paulo, que começaram a surgir a partir da metade da
década de 1990. Este tipo de empreendimento é promovido por agentes imobiliários que
visam a mercantilização do espaço urbano, e já é possível identificar 60 condomínios em
funcionamento.
Trata-se de uma atuação do mercado imobiliário para obtenção da renda da terra,
dessa vez junto a outro grupo de possíveis negociadores, em que há promoção de uma
lógica comum e bem definida: configuram-se como condomínios horizontais para o
funcionamento empresarial. A instalação das mais diversas infra-estruturas nesses espaços,
bem como a tendência de localização próxima a importantes eixos rodoviários expressam a
estratégia dos incorporadores imobiliários para a diferenciação de seu produto. Dessa
maneira, podemos ressaltar que, diferentemente dos tradicionais e já consolidados
condomínios residenciais (SPOSITO, 2006), estamos diante de espaços que são
preparados pelo mercado imobiliário para receber empresas.
Para a consecução deste trabalho, investigamos agências que oferecem esses
espaços e também importantes incorporadores imobiliários que atuam nas áreas
metropolitanas de São Paulo. Concomitantemente foram consideradas matérias de jornal,
revista e consultas na Internet para composição dos dados aqui apresentados.
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, CIRCULAÇÃO E PRODUÇÃO DE LOCALIZAÇÕES
Um aspecto que nos parece relevante sobre os condomínios empresariais é que
supõem a produção de localizações para a atividade econômica e, assim, podem ser vistos
como resultado do processo de preparação do território metropolitano para que seja
escolhido como ponto de atuação das empresas para uso industrial ou de serviços.
Isso expressa uma associação de novas tendências decorrentes da reestruturação
produtiva com a maneira de atuação dos agentes imobiliários. A partir da década de 1970,
alterações significativas acontecem na organização produtiva e também na maneira como
esta se manifesta geograficamente. Ao considerar o chamado sistema flexível de produção
(HARVEY, 1992; BENKO, 1996), os diferentes processos do circuito produtivo continuam
FINATTI, Rodolfo. Condomínios empresariais em áreas metropolitanas do Estado de São Paulo...
728
articulados, mas suas unidades passam a estar geograficamente dispersas, o que engendra
diferentes relações entre as empresas e os territórios nos quais optam por instalarem-se.
A inserção nessa lógica pós-fordista não é, evidentemente, um dado absoluto nem
uma tendência única, mas parece ser uma compreensão válida se realizamos uma análise
para diferentes etapas segmentadas de um circuito maior. Como a produção dos
condomínios empresariais é resultado da estratégia dos agentes imobiliários que ponderam
as nuances resultantes da reestruturação produtiva, são preparados para tipos específicos
de empresas, que compram ou alugam os espaços destes condomínios. Isso se dá
conforme o processo descrito por Singer:
O uso do solo na economia capitalista é regulado pelo mecanismo de mercado, no qual se forma o preço desta mercadoria “sui-generis” que é o acesso à utilização do espaço. Este acesso pode ser ganho mediante a compra de um direito de propriedade ou mediante o pagamento de um aluguel periódico (1980, p.78).
Há condomínios onde a empresa pode adquirir uma porção do espaço interno a
partir da compra de seu direito de propriedade, mas há também condomínios que
disponibilizam estruturas prontas – como escritórios ou galpões modulares – e que podem
ser ocupados por meio do aluguel. A idéia de uma produção de localizações é assim
justificada se pensarmos na preparação de um espaço cujas características deverão
influenciá-las. Isso é expresso pelos diferentes tipos de condomínios empresariais que
surgem para atender essa demanda (Quadro 1).
Quadro 1.
Classificação dos condomínios e área total 2009 Classificação Ocorrências m2
Condomínios Empresariais
Mistos 12 10.236.412
Condomínios de Escritórios 12 770.983 Condomínios Logísticos 36 2.470.348
Fonte: Pesquisa Direta
Foram encontrados nas áreas metropolitanas do Estado de São Paulo, conforme
demonstra o quadro 1, condomínios empresariais preparados para receber escritórios e
também para receber operadores logísticos – estes dois tipos possuem menor área
construída –, e também condomínios empresariais aos quais chamamos “mistos”, e que são
convenientes a escritórios, operadores logísticos e até mesmo unidades de transformação,
tradicionais ou sofisticadas (como pesquisa e desenvolvimento). Apesar do número reduzido
de ocorrências em relação aos demais, os condomínios empresariais mistos possuem a
maior metragem construída, o que pode ser um argumento inicial para apontá-los como os
mais complexos e relevantes.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
729
Para analisar a ocupação desses condomínios estaremos nos pautando em
informações secundárias para apontar uma procura que é significativa: segundo pesquisa
realizada em 2007, pela CB Richard Ellis, há uma taxa de vacância na ordem de 12% na
Grande São Paulo, 9% no município de Campinas e ainda 8% ao considerarmos os
condomínios empresariais apenas na região de Barueri (GAZETA MERCANTIL, 2008).
Apesar destes dados não levarem em conta possíveis efeitos da crise financeira
decorrida por influência do mercado imobiliário no final de 2008, há notícia recente que
afirma o seguinte:
Que a crise atingiu em cheio o setor imobiliário é sabido e já reflete nos resultados de muitas empresas. Mas um segmento está conseguindo sentir menos os efeitos da turbulência: os condomínios logísticos. A escassa infraestrutura do país, o transporte ainda muito concentrado nas rodovias e as novas necessidades das empresas [...] garantem procura por esse tipo de empreendimento em plena crise [...] as empresas de consultoria consultadas pelo Valor confirmam que é o único setor onde a demanda ainda supera a oferta (VALOR ECONÔMICO, 2009).
Segundo a notícia é possível aferir a elevada procura por esse tipo de
empreendimento. Isso é reforçado justamente pela demanda crescente apesar da crise
econômica e, também por isso, podemos afirmar que esses empreendimentos promovem a
produção de novas localizações.
Outro aspecto destacado na matéria jornalística, e diretamente relacionado à opção
das empresas instalarem-se nos condomínios refere-se ao papel que os eixos de circulação
desempenham na instalação desses empreendimentos. Uma vez que o transporte no Brasil
está muito articulado ao modal rodoviário e, como os agentes que os promovem objetivam
satisfazer os principais requerimentos da atividade produtiva moderna, sua associação com
as rodovias, no momento da incorporação imobiliária, é muito forte. Estamos aqui afirmando
que a grande maioria dos condomínios empresariais, já investigados, localiza-se de maneira
muito expressiva – isso quando não já os margeia – em proximidade aos eixos rodoviários
estaduais mais importantes, como as Rodovias Anhanguera, Bandeirantes e Castello
Branco no sentido interior e também Presidente Dutra no sentido litoral.
Nesse âmbito, lembramos justamente que é por meio dos elementos fixos que se
realizam os fluxos (SANTOS, 1988), e o estabelecimento de fluidez territorial é exatamente
um parâmetro indispensável para a atividade produtiva. É muito importante a idéia de que
“Hoje, vivemos um mundo da rapidez e da fluidez” (SANTOS, 2002, p.83) mas cuja condição
é, em verdade, um privilégio de poucos:
A fluidez potencial aparece no imaginário e na ideologia como se fosse um bem comum, uma fluidez para todos, quando, na verdade, apenas alguns agentes têm a possibilidade de utilizá-la, tornando-se, desse modo, os detentores efetivos da velocidade (SANTOS, 2002, p.83).
FINATTI, Rodolfo. Condomínios empresariais em áreas metropolitanas do Estado de São Paulo...
730
Se restringirmos este pensamento apenas aos agentes produtivos, é provável que a
lógica mantenha-se, uma vez que os mais poderosos e irão buscar para si as melhores
localizações, e isso ocorre porque, entre outras coisas, “a eficácia das ações está
estreitamente relacionada com a sua localização” (SANTOS, 2002, p.79).
A localização sempre foi importante e, no período atual, parece associar-se de
maneira mais forte com a lógica dos fluxos de longo alcance, pois se antes importava
estabelecer uma relação com a região mais próxima, com fluxos restritos ao âmbito local,
atualmente os agentes operam em múltiplas escalas. Para esses, o deslocamento cada vez
mais veloz das mercadorias torna-se imprescindível, mas também o rápido deslocamento
das informações para redefinirem sua estratégia a cada momento e realizarem suas ordens.
Nesse sentido, é também um dado bastante explícito a preocupação dos
condomínios adequarem, em sua infra-estrutura, equipamentos que disponibilizem a
realização de telecomunicações; os agentes que os produzem também os adequam para a
rápida circulação de informações por meio da construção de centrais telefônicas e de
Internet com servidores locais e também a presença de fibra ótica já instalada junto à rede
de fiação do empreendimento.
Outros elementos foram identificados como constituintes dos condomínios
empresariais em termos de infra-estrutura, conforme demonstra o quadro 2, os quais
acreditamos que possam fornecer uma visão geral sobre o fenômeno.
Quadro 2. Principais elementos de infra-estrutura nos condomínios empresariais 2009
Elemento da infra-estrutura Ocorrências %
Segurança 52 88 Restaurante 33 56
Central telefônica 27 46 Internet 16 27
Ambulatório 11 19 Auditório 11 19
Fibra ótica 9 15
Fonte: Pesquisa Direta
A segurança foi revelada como aspecto de maior ênfase na constituição dos
condomínios, seguido por facilidades de serviços como restaurante, ambulatório e auditório
e pelo conjunto de parâmetros que facilitam as telecomunicações: centrais telefônicas
próprias, Internet com servidores locais e também a instalação de fibra ótica já articulada às
dependências. Entre os aparatos de segurança, que são os mais enfáticos nesse tipo de
empreendimento, foram encontrados alguns bastante sofisticados como câmeras térmicas,
leitoras de íris e também scanner biométrico.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
731
Em certa medida, podemos afirmar que essas adequações configuram os
condomínios empresariais como parte do meio técnico-científico-informacional, no qual “a
ciência e a tecnologia, junto com a informação, estão na própria base da produção, da
utilização e do funcionamento do espaço” (SANTOS, 2004, p.238).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da tentativa de estabelecer uma visão geral sobre esse tipo de
empreendimentos imobiliários, uma constatação interessante é a de que produzem
localizações no sentido de serem espaços adequados para a atividade produtiva, mesmo
para diferentes ramos de atuação. O fato de possibilitar a fluidez territorial é um aspecto
proeminente que direciona a instalação desses empreendimentos, e para isso são
produzidos com as exigências que o meio técnico-científico-informacional expressa. Além
disso, a adaptação segundo outros requisitos modernos da atividade industrial pode ser
considerada como uma estratégia de mercado, e assim servem também como atração para
as empresas.
Na realização de tais estratégias, os agentes imobiliários envolvidos produzem
também espaço urbano, o que ressalta mais uma vez o vínculo urbanização-industrialização
segundo nosso objeto de atenção, e permite questionar se tais agentes imobiliários
poderiam influenciar objetivamente na localização industrial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENKO, G. Economia, espaço e globalização na aurora do século XXI. São Paulo: Hucitec, 1996. GAZETA MERCANTIL. Imóvel industrial seduz investidor. São Paulo: 18, 19 e 20 de janeiro de 2008. HARVEY, D. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1993. SANTOS, M. Metamorfoses do espaço habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da geografia. São Paulo: Hucitec, 1988. __________. A natureza do espaço: Técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo: EDUSP, 2004. __________. Por uma outra globalização. Rio de Janeiro: Record, 2002. SINGER, P. O uso do solo urbano na economia capitalista. Boletim Paulista de Geografia. São Paulo, AGB, n. 57, 1980, p.77-92 SPOSITO, M. E. B. “Loteamentos fechados em cidades médias paulistas”, in: Sposito E., Sposito M. E. B e Sobarzo, O. (orgs.). Cidades médias: produção do espaço urbano e regional, São Paulo: Expressão Popular, 2006, p.175-197. VALOR ECONÔMICO. Condomínios logísticos driblam a crise. São Paulo: 16 de março de 2009.
CONTRIBUIÇÃO PARA O ESTUDO DA TEMPERATURA E DA UMIDADE RELATIVA DO AR NA CIDADE DE TEODORO SAMPAIO/SP
Simone Scatolon Menotti Viana [email protected]
Aluna do curso de pós-graduação Doutorado em Geografia Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Presidente Prudente
Margarete Cristiane de Costa Trindade Amorim
[email protected] Professora Doutora do Departamento de Geografia
Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Presidente Prudente
Resumo: Este estudo teve como objetivo principal investigar as características da temperatura e umidade relativa da cidade de Teodoro Sampaio/SP e da zona rural próxima. A cidade de Teodoro Sampaio é considerada de pequeno porte e está localizada a 22° 53' 25" S e 52° 16' 75" W, no extremo Oeste do Estado de São Paulo/Brasil. Para a coleta de dados foram utilizados miniabrigos meteorológicos e transectos móveis. Os miniabrigos meteorológicos foram equipados com psicrômetros e distribuídos em sete pontos, sendo seis na área urbana e um na área rural e as coletas de dados foram realizadas às 21h. Com relação ao transecto móvel foi utilizado um termômetro digital, com o sensor preso a uma haste de madeira e acoplado na lateral de um veículo, totalizando 16 pontos de coleta entre as 20h30min e 21h. As coletas de dados aconteceram em dias representativos de janeiro de 2005 – verão; e em julho de 2005 – inverno. Esse estudo concluiu que Teodoro Sampaio, cidade de pequeno porte com aproximadamente 16.000 habitantes, já possui um clima urbano específico, consequência da ocupação do solo e das funcionalidades urbanas, o que acabou gerando para a cidade ilhas de calor e de frescor. Palavras chaves: Clima urbano, ilhas de calor, ilhas de frescor, Teodoro Sampaio. INTRODUÇÃO
No Brasil, o processo de urbanização se tornou mais acelerado a partir da década
de 1960, a partir de um intenso êxodo rural, ocasionado por mudanças no meio rural e pela
busca de melhores condições de vida no meio urbano. Entretanto, o processo de
urbanização, sem um planejamento adequado começou a provocar modificações profundas
na qualidade do ambiente e, principalmente, às que se referem à qualidade de vida das
pessoas.
A cidade de Teodoro Sampaio, como muitas no Brasil, também se expandiu sem
levar em consideração o contexto ambiental e as condições necessárias para uma boa
qualidade de vida das pessoas.
Assim, ao se desenvolver, a cidade de Teodoro Sampaio não levou em
consideração as mudanças que o seu crescimento poderia ocasionar nas condições
climáticas locais. As mudanças climáticas locais estão relacionadas a alterações de
temperatura e umidade no interior da cidade, que são ocasionadas pelo aumento do
processo de urbanização.
Teodoro Sampaio está localizado a 22° 53’ 25’’ S e a 52°16’75’’W, distante 112 km
de Presidente Prudente e 672 km da capital São Paulo. O município de Teodoro Sampaio
VIANA, Simone S. M.; AMORIM, Margarete C. C. T. Contribuição para o estudo da temperatura ...
734
encontra-se no extremo oeste do Estado de São Paulo (Figura 1). Teodoro Sampaio é
considerada cidade de pequeno porte com aproximadamente 16000 habitantes.
Sede do MunicípioTeodoro Sampaio
Figura 1 – Localização do Município de Teodoro Sampaio/SP
As modificações ocorridas nos elementos climáticos fazem com que a cidade gere
um clima próprio, resultante da interferência das indústrias, circulação de veículos, retirada
da vegetação, pavimentação asfáltica e concreto, que agem de maneira direta alterando o
clima em escala local. Seus efeitos são sentidos pela população através do conforto térmico,
qualidade do ar, alterações nos impactos pluviais (MONTEIRO, 1976).
O clima próprio gerado pelo meio urbano é fruto das modificações no balanço de
energia, que acabam por gerar as “ilhas de calor”. A ilha de calor representa o fenômeno
mais significativo do clima urbano e sua intensidade depende das condições micro e
mesoclimáticas locais de cada cidade. (BRANDÃO, 2003).
Nesse sentido, este estudo teve como objetivo principal investigar as características
térmicas e higrométricas da cidade de Teodoro Sampaio e da zona rural próxima, a fim de
identificar a geração de diferenças térmicas e higrométricas no período noturno, em dias
representativos das duas estações extremas, o verão e o inverno.
Para tal, o trabalho foi realizado a partir de coletas de dados de temperatura do ar,
umidade relativa do ar, direção e velocidade do vento em pontos fixos e móveis. Os pontos
fixos e móveis foram selecionados a partir da análise conjunta das características do relevo,
declividade e hidrologia associados ao uso e ocupação do solo.
Para as coletas de dados fixos foi utilizada a proposta de Monteiro 1990c, que
consiste na utilização de miniabrigos meteorológicos. Os miniabrigos meteorológicos foram
constituídos de psicrômetros, ou seja, pares de termômetros (bulbo seco e bulbo úmido)
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
735
para medidas de temperatura e estimativas de umidade relativa do ar e fita de cetim fixada
na parte inferior do miniabrigo utilizada para indicar a direção do vento. A velocidade do
vento foi estimada a partir da “Escala de Beaufort”, o que possibilitou que a velocidade do
vento fosse avaliada sem auxílio instrumental. Os miniabrigos foram construídos de madeira
com paredes duplas perfuradas para permitir a livre circulação do ar, foram encaixados em
uma haste com 1,50m do solo para que os termômetros não sofressem influência direta da
radiação terrestre e suporte de madeira para encaixar os termômetros no interior do
miniabrigo. Essa metodologia foi utilizada por Sezerino e Monteiro (1990).
O transecto móvel foi realizado a partir da escolha de um itinerário urbano. Esse
itinerário atravessou a malha urbana em 30 minutos e o carro se deslocou com velocidade
aproximada de 30 km/h. O transecto foi realizado entre as 20h30min e 21h, juntamente com
a leitura noturna dos pontos fixos. Esse método permitiu traçar perfis noturnos de
temperatura. Para o transecto móvel foram escolhidos 14 pontos no meio urbano e dois no
meio rural para a coleta dos dados de temperatura do ar.
Nos pontos fixos foram feitas observações - mensurações simultâneas da
temperatura, umidade relativa e direção do vento – em sete pontos, sendo seis urbanos e
um rural às 21h, por 13 dias de janeiro de 2005 (17/01 a 29/01), dias representativos do
verão – quente e chuvoso - e por oito dias de julho de 2005 (06/07 a 13/07), dias
representativos do inverno – com temperatura mais baixa e seco.
DESENVOLVIMENTO
Caracterização dos elementos climáticos às 21h no verão
Às 21h, as áreas que apresentaram temperaturas mais altas são representadas
pelos pontos Odilon Ferreira e Prefeitura. O ponto que apresentou as maiores temperaturas
(Odilon Ferreira), possui alta densidade de construções, as ruas são pavimentadas e as
árvores são de grande porte com copas que impedem a visão do céu e dificultam a
dispersão do calor. O outro ponto (Prefeitura), também com temperaturas elevadas, é
densamente construído, com menor densidade de arborização e mesmo ausência de
vegetação (Figuras 2 e 3).
VIANA, Simone S. M.; AMORIM, Margarete C. C. T. Contribuição para o estudo da temperatura ...
736
378000 378500 379000 379500 380000 380500 381000 381500 3820007506000
7506500
7507000
7507500
7508000
7508500
7509000
Vila São Paulo
Odilon Ferreira
Rio Paranapanema
Vila Minas Gerais
Vila Furlan Prefeitura
Estação
378000 378500 379000 379500 380000 380500 381000 381500 382000UTM (m)
TEMPERATURA DO AR - 17/01/05 - 21H00
7506000
7506500
7507000
7507500
7508000
7508500
7509000
UTM
(m)
22.5°C22.7°C22.9°C23.1°C23.3°C23.5°C23.7°C23.9°C24.1°C24.3°C24.5°C24.7°C24.9°C25.1°C25.3°C25.5°C25.7°C25.9°C26.1°C26.3°C26.5°C26.7°C26.9°C27.1°C27.3°C27.5°C27.7°C27.9°C
0 500 1000 1500 2000
Figura 2 – Isotermas representativas – verão
378000 378500 379000 379500 380000 380500 381000 381500 3820007506000
7506500
7507000
7507500
7508000
7508500
7509000
Vila São Paulo
Odilon Ferreira
Rio Paranapanema
Vila Minas Gerais
Vila Furlan Prefeitura
Estação
378000 378500 379000 379500 380000 380500 381000 381500 382000UTM (m)
UMIDADE RELATIVA DO AR - 17/01/05 - 21H00
7506000
7506500
7507000
7507500
7508000
7508500
7509000
UTM
(m)
78%
80%
82%
84%
86%
88%
90%
0 500 1000 1500 2000
Figura 3 – Isoígras representativas– verão
Cabe salientar que em alguns dias em específico 17, 21, 24 e 25 o ponto Vila São
Paulo apresentou elevadas temperaturas, embora apresente construções esparsas,
gramados e vegetação de grande porte em abundância. Essa elevação na temperatura
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
737
pode ser atribuída à presença da Cerâmica Vera Cruz que nesses dias estava com as suas
fornalhas acessas, desde o entardecer.
O maior gradiente térmico entre os pontos foi encontrado no dia 17 de janeiro,
sendo de 4°C (Tabela 1). O ponto mais quente foi a Vila São Paulo. A temperatura do ar
observada foi de 28°C, com 90% de umidade relativa, vento de leste com velocidade de 3,4
a 5,2 m/s e céu totalmente coberto por nuvens. Nesse dia houve a entrada de uma frente
fria, o que provocou muitas nuvens e chuva.
Tabela 1 – Gradientes térmicos e higrométricos das 21h associados à velocidade do vento e sistemas atmosféricos atuantes em janeiro de 2005
Dias Gradiente térmico
Gradiente higrométrico
Velocidade do vento1
Sistemas atmosféricos
17/01 4°C 12,2% 0,6 - 1,7 m/s Frente Fria 18/01 1,6°C 17,9% 0 - 1,7 m/s (ZCAS)2 19/01 2°C 9,2% 1,8 - 5,2 m/s (ZCAS) 20/01 1,8°C 12,4% 0 - 0,5 m/s (ZCAS) 21/01 1,5°C 15,1% 0 - 1,7 m/s (ZCAS) 22/01 1°C 6,8% 1,8 - 3,3 m/s Sistema de baixa pressão 23/01 1,7°C 8,4% 0 - 0,5 m/s Sistema de baixa pressão 24/01 1,6°C 13,8% 0,6 - 3,3 m/s Sistema de baixa pressão 25/01 1,8°C 18,0% 1,8 - 3,3 m/s Frente Fria 26/01 0,5°C 8,1% 3,4 - 5,2 m/s Frente Fria 27/01 2,8°C 15,6% 7,5 - 9,8 m/s Polar Atlântica 28/01 1,6°C 10,9% 0,6 - 1,7 m/s Polar Atlântica 29/01 1,4°C 12,2% 0 - 0,5 m/s Polar Atlântica
Fonte: pesquisa de campo: 17 a 29 de janeiro de 2005. Imagens de satélite Goes.
No geral, no restante dos dias pesquisados, os gradientes térmicos entre os pontos
ficaram entre 1,5°C e 2°C. Os gradientes higrométricos ficaram entre 10% a 20% (Tabela 1),
e os pontos Odilon Ferreira e Prefeitura apresentaram as maiores temperaturas e menores
taxas de umidade relativa. As magnitudes encontradas podem ser classificadas como sendo
de fraca a moderada intensidade.
As menores temperaturas, na maioria dos dias pesquisados, foram observadas nos
pontos Estação e Vila São Paulo, sendo que possuem em comum, menor densidade de
construções. Cabe salientar que na Estação, as menores temperaturas podem ser
atribuídas à inexistência de pavimentação nas ruas associada à presença de vegetação e
na Vila São Paulo, à grande presença de vegetação, já que as ruas são pavimentadas.
No ambiente rural, as temperaturas mostraram-se em condições intermediárias
(entre os pontos mais quentes e mais frios), devido à proximidade com o Rio
Paranapanema. A umidade presente no ar permitiu situações de “abafamento”, comuns em
noites de verão com umidade do ar relativamente elevada, em torno dos 90%. 1 Valor observado no Rio Paranapanema local desprovido de construções e obstáculos. Alguns dias o vento se apresentou em rajadas. 2 ZCAS – Zona de Convergência do Atlântico Sul.
VIANA, Simone S. M.; AMORIM, Margarete C. C. T. Contribuição para o estudo da temperatura ...
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As condições térmicas e higrométricas encontradas às 21h são frutos das
modificações no balanço energético entre a cidade e o campo, ou seja, o armazenamento
de calor pelos materiais utilizados nas construções (concreto e asfalto) que após o anoitecer
continuam emitindo calor para atmosfera, ao passo que nas áreas com menor número de
construções e presença de vegetação há um resfriamento mais rápido.
E ainda, consequência do calor antropogênico, que foi gerado pela influência do
calor das fornalhas da Cerâmica Vera Cruz num dos bairros mais planejados na cidade
(construções bem espaçadas, arborização, gramados e áreas livres) e do intenso tráfego de
veículos na área central, maximizando o calor que está sendo devolvido pelos materiais
utilizados nas construções (concreto e asfalto) para a atmosfera urbana.
No verão, o transecto móvel comprovou a caracterização apresentado pelos pontos
fixos durante a noite, embora em algumas noites, devido à precipitação, houve
homogeneização da temperatura, principalmente entre os pontos móveis, como pode ser
observado na tabela 2.
Tabela 2 – Transecto móvel: gradientes térmicos às 20h30min associados aos sistemas atmosféricos atuantes em janeiro de 2005.
Dias Gradiente térmico °C
Sistemas atmosféricos
17/01 1,4 Frente Fria 18/01 0,8 (ZCAS) 19/01 0,8 (ZCAS) 21/01 0,6 (ZCAS) 22/01 1,8 Sistema de baixa pressão 23/01 1,2 Sistema de baixa pressão 24/01 1,1 Sistema de baixa pressão 25/01 0,8 Frente Fria 26/01 0,6 Frente Fria 27/01 0,8 Polar Atlântica 28/01 0,9 Polar Atlântica 29/01 1,3 Polar Atlântica
Fonte: pesquisa de campo: 17 a 29 de janeiro de 2005. Imagens de satélite Goes.
O perfil noturno de temperatura demonstrou que as áreas centrais da cidade mais
edificadas, ruas asfaltadas e intenso tráfego de veículos e com menor quantidade de
vegetação apresentaram maior elevação na temperatura. Assim se comprovou que os
materiais constituintes do meio urbano como concreto e asfalto têm a capacidade de
conservar energia, que é liberada para a atmosfera na forma de calor sensível depois do
pôr-do-sol, dificultando o resfriamento noturno (Figura 4). As áreas com menor densidade de
construções, com vegetação arbórea e gramados, ruas parcialmente ou sem pavimentação
apresentaram diminuição na temperatura do ar (Figura 4).
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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26,5
27
27,5
28
28,5
29
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Valo
res
em °C
Temperatura do ar
Figura 4 - Teodoro Sampaio: Temperatura do ar a partir de transecto móvel – 22/01/2005 –
20h30min. Fonte: pesquisa de campo
24,4
24,6
24,8
25
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25,4
25,6
25,8
26
26,2
26,4
Valo
res
em °C
Temperatura do ar
Figura 5 - Teodoro Sampaio: Temperatura do ar a partir de transecto móvel – 17/01/2005 –
20h30min. Fonte: pesquisa de campo
Em alguns dias, em especial o ponto rural (Rio Paranapanema) apresentou ligeira
elevação na temperatura, principalmente em dias de perturbações frontais, associadas à
precipitação que provocou homogeneização entre a temperatura urbana e a rural (Figura 5).
Nos dias em que houve a atuação da massa de ar Polar, esse comportamento se desfez e a
área rural passou a apresentar a menor temperatura do perfil noturno, como ocorreu no
inverno.
VIANA, Simone S. M.; AMORIM, Margarete C. C. T. Contribuição para o estudo da temperatura ...
740
Caracterização dos elementos climáticos às 21h no inverno
No inverno as áreas urbanas densamente construídas, ruas pavimentadas e com
vegetação apresentaram-se mais aquecidas e com menor índice de umidade relativa. As
áreas urbanas mais adjacentes, com menor densidade de construções, ruas parcialmente
e/ou sem pavimentação e vegetação significativa, e a área rural mostraram-se mais frescas
e úmidas (Figuras 6 e 7).
378000 378500 379000 379500 380000 380500 381000 381500 3820007506000
7506500
7507000
7507500
7508000
7508500
7509000
13.4°C13.6°C13.8°C14°C14.2°C14.4°C14.6°C14.8°C15°C15.2°C15.4°C15.6°C15.8°C16°C16.2°C16.4°C16.6°C16.8°C
Vila São Paulo
Odilon Ferreira
Rio Paranapanema
Vila Minas Gerais
Vila Furlan Prefeitura
Estação
378000 378500 379000 379500 380000 380500 381000 381500 382000UTM (m)
TEMPERATURA DO AR - 10/07/05 - 21H00
7506000
7506500
7507000
7507500
7508000
7508500
7509000
UTM
(m)
0 500 1000 1500 2000Figura 6 – Isotermas representativas – inverno.
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378000 378500 379000 379500 380000 380500 381000 381500 3820007506000
7506500
7507000
7507500
7508000
7508500
7509000
Vila São Paulo
Odilon Ferreira
Rio Paranapanema
Vila Minas Gerais
Vila Furlan Prefeitura
Estação
378000 378500 379000 379500 380000 380500 381000 381500 382000UTM (m)
UMIDADE RELATIVA DO AR - 10/07/05 - 21H00
7506000
7506500
7507000
7507500
7508000
7508500
7509000
UTM
(m)
66%
68%
70%
72%
74%
76%
78%
80%
82%
84%
86%
88%
90%
92%
0 500 1000 1500 2000Figura 7 – Isoígras representativas – inverno.
O eixo que se estende da Vila Furlan, passando pela Prefeitura até a Vila São
Paulo se mostrou com as maiores temperaturas. Ele compreende as áreas mais
densamente construídas e com ruas pavimentadas da cidade, e ainda, principalmente na
prefeitura, intenso tráfego de veículos - caminhões depois do anoitecer. Esse
comportamento ficou evidenciado nos dias 7, 8, 9, 10, 11 e 13 de julho. As maiores
magnitudes foram observadas nos dias 9 (3,4°C) e 10 de julho (3,5°C) (Figura 6). Nos
demais dias de pesquisa, as magnitudes foram de 2°C entre os pontos. (Tabela 3).
No dia 9 de julho, o gradiente térmico entre os pontos foi de 3,4°C; o mais aquecido
foi a Vila furlan. Este ponto tem como características alta densidade de construções, embora
apresente alguns terrenos baldios e casas de madeira e vegetação arbórea de médio porte,
esparsa e alguns gramados nos quintais das casas. Neste dia as condições dos elementos
climáticos foram as seguintes: 16,7°C de temperatura do ar, com 77,9% de umidade relativa,
em situação de calmaria e céu sem nebulosidade (Tabela 3).
Tabela 3 – Gradientes térmicos e higrométricos das 21h associados à velocidade do vento e sistemas atmosféricos atuantes em julho de 2005.
Dias Gradiente térmico
Gradiente higrométrico
Velocidade do vento3
Sistemas atmosféricos
06/07 1,8°C 9,0% 0 - 0,5 m/s Frente Fria 07/07 1,7°C 18,3% 1,8 - 3,3 m/s MPA4
3 Valor observado no Rio Paranapanema local desprovido de construções e obstáculos. (*) rajadas de vento mais fortes. 4 MPA – Massa Polar Atlântica.
VIANA, Simone S. M.; AMORIM, Margarete C. C. T. Contribuição para o estudo da temperatura ...
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08/07 1,5°C 21,3% 1,8 - 3,3 m/s MPA 09/07 3,4°C 23,1% Calmaria MPV5 10/07 3,5°C 26,2% Calmaria MPV 11/07 2°C 15,3% 2 - 1,7 m/s Sistema de Baixa Pressão6 12/07 2,1°C 11,6% Calmaria Sistema de Baixa Pressão 13/07 2,1°C 48,3% Calmaria Sistema de Baixa Pressão
Fonte: Pesquisa de campo: 06 a 13 de julho de 2005 Imagens de satélite Goes.
No dia 10 de julho foi observado o maior gradiente térmico (3,5°C) para o horário
(Figura 6). A ilha de calor abrangeu os três pontos: Vila São Paulo, Prefeitura e Vila Furlan
que apresentaram 17°C de temperatura do ar, com 72,4 % de umidade relativa do ar na Vila
Furlan e Prefeitura e 68,7% da Vila São Paulo. Com relação ao vento havia um pouco na
Prefeitura, sem direção definida com velocidade de 3,4 a 5,2 m/s; nos demais pontos,
calmaria. O céu estava totalmente limpo.
Nos dois dias, 9 e 10 de julho, os pontos apresentaram condições ideais para a
configuração de ilhas de calor, ou seja, baixa velocidade dos ventos ou calmaria com céu
sem nebulosidade.
A ilha de frescor se formou no eixo Vila Minas Gerais, Estação e Rio
Paranapanema. A maior intensidade foi observada na Estação, a temperatura do ar esteve
entre 13°C e 20°C (em ascensão durante os dias da pesquisa), com umidade relativa entre
80% e 90%, vento predominante do quadrante Oeste com velocidade 5,3 a 7,2 m/s, o que
favoreceu a dispersão do calor para a atmosfera e pouca nebulosidade. Assim, a Estação
apresentou condições climáticas inversas aos pontos Vila São Paulo, Prefeitura e Vila
Furlan, que apresentaram elevação na temperatura do ar e queda na umidade relativa.
Os gradientes higrométricos também foram significativos, variando entre 20 a 40%.
Os maiores gradientes foram observados nos dias 8 (21,3%), 9 (23,1%), 10 (26,2%) e 13 de
julho (48,3%).
As ilhas secas formaram-se na Vila São Paulo (6, 11 e 12), Odilon Ferreira (7, 9 e
10) e Prefeitura (8 e 13), evidenciando assim, o comportamento inversamente proporcional
da umidade relativa em relação à temperatura do ar, com ressalvas para Odilon Ferreira que
apresentou temperaturas intermediárias - entre o ponto mais quente e o mais fresco - e
baixa umidade relativa do ar.
As ilhas de umidade configuram-se no eixo Vila Minas Gerais, Estação e Rio
Paranapanema. A Estação apresentou-se mais úmida nos dias (7, 8, 10, 11 e 13). O Rio
Paranapanema nos dias (6 e 11) e a Vila Minas Gerais no dia 12. As ilhas de umidade
desses pontos são consequência da presença de vegetação que favoreceu a umidade e da
velocidade do vento auxiliando na dispersão do calor.
5 MPV – Massa Polar Velha ou enfraquecida. 6 O sistema de baixa pressão que atuou no continente estava associado a uma Frente Fria que se deslocou pelo Oceano Atlântico.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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No inverno, o comportamento apresentado pelos pontos fixos durante a noite foi
comprovado pelo transecto móvel.
Conforme a tabela 4 o maior gradiente térmico foi observado no dia 10 de julho,
com 4,8°C de diferença entre o ponto mais aquecido na área central da cidade e o de menor
valor de temperatura no ponto rural, próximo ao Rio Paranapanema. Como se observa na
Tabela 4, o maior gradiente térmico aconteceu sob a atuação de Massa de ar Polar Velha,
que tem como característica principal elevação na temperatura do ar. Nesse dia, também,
foi observado o maior gradiente térmico (3,5°C) entre os pontos fixos.
Os demais gradientes térmicos encontradas pelo transecto móvel podem ser
observados na tabela 4.
Tabela 4 – Transecto móvel: gradientes térmicos das 20h30min associados aos sistemas atmosféricos atuantes em julho de 2005.
Dias Gradiente térmico °C
Sistemas atmosféricos
06/07 1,2°C Frente Fria 07/07 1,8°C MPA 08/07 0,6°C MPA 09/07 1,8°C MPV 10/07 4,8°C MPV 11/07 2,4°C Sistema de Baixa Pressão 12/07 2,7°C Sistema de Baixa Pressão 13/07 2°C Sistema de Baixa Pressão
Fonte: Pesquisa de campo: 06 a 13 de julho de 2005 Imagens de satélite Goes.
O perfil térmico (Figuras 8 e 9) demonstrou que as áreas com menor densidade
de construções com vegetação arbórea e gramados presentes apresentaram as menores
temperaturas, enquanto que, na área central, densamente construída, ruas pavimentadas e
intenso tráfego de veículos, principalmente no início da noite, a temperatura do ar
apresentou elevação.
O transecto evidenciou o papel importante da vegetação no interior da malha
urbana (árvores e gramados) na diminuição da temperatura do ar. E ainda, demonstrou a
capacidade que o asfalto tem em armazenar calor, pois nas áreas onde as ruas não
possuem pavimentação a temperatura foi menor.
VIANA, Simone S. M.; AMORIM, Margarete C. C. T. Contribuição para o estudo da temperatura ...
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10
10,5
11
11,5
12
12,5
13
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Valo
res
em °C
Temperatura do ar
Figura 8 - Teodoro Sampaio: Temperatura do ar a partir de transecto móvel – 10/07/2005 –
20h30min.
15,5
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17
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18
18,5
19
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20
Valo
res
em °C
Temperatura do ar
Figura 9 - Teodoro Sampaio: Temperatura do ar a partir de transecto móvel – 12/07/2005 –
20h30min.
CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS
As observações - mensurações atmosféricas nos pontos fixos e móveis, com
levantamentos noturnos dos elementos climáticos, permitiram detectar algumas anomalias
térmicas e higrométricas, em dias representativos das duas estações extremas, verão e
inverno, numa cidade de pequeno porte.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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A ocupação do solo associada à presença de vegetação foram decisivas na
geração e identificação das anomalias térmicas e higrométricas encontradas na cidade de
Teodoro Sampaio. A altitude e exposição de vertentes se mostraram com pouca ou
nenhuma influência, devido à pequena diferença altimétrica entre os pontos e a cidade estar
praticamente implantada na mesma vertente.
Às 21h, no verão, em muitos dias, houve homogeneização nos valores de
temperatura entre os pontos e diminuição da magnitude da ilha de calor, consequência da
precipitação dos fins de tarde ou mesmo durante o horário da coleta dos dados. No inverno,
sem a presença da precipitação, não houve homogeneização da temperatura e as áreas
urbanas continuaram devolvendo calor para a atmosfera e as áreas menos urbanizadas
juntamente com o ponto rural apresentaram diminuição na temperatura.
Com o pôr-do-sol, há o início do resfriamento noturno, nas duas estações
estudadas e as áreas mais urbanizadas, com muitas construções, ruas pavimentadas e com
vegetação apresentaram-se mais aquecidas e com menor índice de umidade relativa. As
áreas urbanas mais adjacentes, com menor densidade de construções, ruas parcialmente
e/ou sem pavimentação e vegetação significativa, e a área rural mostraram-se mais frescas
e úmidas.
Nesse horário 21h, durante o verão, a ilha de calor se formou no ponto Odilon
Ferreira e, em alguns dias, em específico na Vila São Paulo. A maior magnitude foi
observada na Vila São Paulo e pode ser classificada como de forte intensidade. No inverno,
a ilha de calor não se configurou em uma área e sim em um eixo. A ilha de calor abrangeu
os três pontos, Vila São Paulo, Prefeitura e Vila Furlan. A magnitude observada pode ser
classificada como sendo de moderada intensidade. (Tabela 5)
Tabela 5 - Magnitudes máximas das ilhas de calor às 21h VERÃO INVERNO
Dia Magnitude Sistema atmosférico Dia Magnitude Sistema atmosférico
17/jan 4°C Frente Fria 10/jul 3,5°C MPV
A ilha de calor formada durante o verão, às 21h, nas imediações da Rua Odilon
Ferreira evidenciou a capacidade da conservação de energia depois do pôr-do-sol nas áreas
mais edificadas, principalmente no centro da cidade. As propriedades térmicas do meio
urbano, com capacidade calorífica e condutividade dos materiais de construção,
possibilitaram uma grande estocagem de energia que, liberadas para a atmosfera urbana
sob a forma de calor sensível, impedem seu rápido resfriamento noturno. Associado a este
fator está o calor antropogênico, gerado pelo intenso tráfego de veículos (caminhões) na
área central, principalmente à noite, assim maximizando o calor que está sendo devolvido
pelos materiais utilizados nas construções (concreto e asfalto) para a atmosfera urbana.
VIANA, Simone S. M.; AMORIM, Margarete C. C. T. Contribuição para o estudo da temperatura ...
746
No caso da Vila São Paulo, a formação da ilha de calor está vinculada ao
funcionamento de uma cerâmica, que nos dias em que a ilha de delineou estava com suas
fornalhas acessas, desde o entardecer.
Às 21h, as ilhas de frescor formaram-se na Vila São Paulo e no Bairro da Estação
com mais persistência. Na Vila São Paulo o que auxiliou na formação da ilha de frescor foi a
ocupação do solo, vegetação arbórea e rasteira em quantidade significativa associada ao
sistema atmosférico atuante que favoreceu o aumento da temperatura nas demais áreas da
cidade. Na Estação, a ocupação do solo foi a principal responsável pela ilha de frescor.
Cabe salientar que, em muitos dias, houve chuva ou garoa no final da tarde e antes
das leituras noturnas, fato que contribuiu para a homogeneização e ou diminuição da
temperatura, principalmente nos primeiros dias do experimento que estavam sob a atuação
de uma Frente Fria estacionária associada à Zona de Convergência do Atlântico Sul.
As ilhas de umidade se formaram nas proximidades do Rio Paranapanema e no
Bairro da Estação. E as ilhas secas se formaram nas imediações da Rua Odilon Ferreira e
em dias específicos na Vila São Paulo associada à ilha de calor.
No inverno, houve uma mudança na definição da área central da ilha de calor. No
verão, as ilhas de calor se formaram nas proximidades de Odilon Ferreira e na Vila São
Paulo. No inverno, as ilhas se delinearam na Prefeitura e Vila Furlan; em muitos dias, ambos
os pontos apresentaram os mesmos valores de temperatura.
A ilha de calor formada na área central da cidade (Prefeitura) evidencia a
capacidade dos materiais tipicamente do meio urbano (concreto e asfalto) de armazenarem
e devolverem radiação por mais tempo.
A grande evidência nesse horário, com certeza, é a formação da ilha de calor na
Vila Furlan, local com menor densidade de construções, ruas sem pavimentação e
vegetação arbórea e rasteira (gramados e jardins), demonstrando que durante o inverno a
vegetação rasteira estando seca e sem umidade não contribuiu para a diminuição da ilha de
calor e configuração da ilhas de frescor e umidade.
A ilha de frescor se formou na Estação, como no verão. As ilhas de umidade
estiveram mais presentes na Estação e no Rio Paranapanema com pequeno aparecimento
durante as perturbações frontais que elevaram os índices de nebulosidade. As ilhas secas
se formaram na Vila São Paulo e Odilon Ferreira e as ilhas de calor se delinearam na
Prefeitura e Vila Furlan.
No verão, os fatores que favoreceram as diferenças térmicas e higrométricas foram:
a precipitação abundante, a densidade de construções e os índices de vegetação arbórea e
rasteira. A chuva proporcionou dois padrões de distribuição da temperatura e umidade, ou
seja, em dias de precipitação mais abundante havia homogeneização dos elementos
climáticos entre os pontos, e em dias com ausência de precipitação aparecia à diferença
entre os pontos. A densidade de construções favoreceu na determinação das magnitudes
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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térmicas e higrométricas, entre os pontos. A vegetação rasteira (gramados e jardins)
associada ao orvalho e à chuva foi um fator decisivo no comportamento térmico e
higrométrico, principalmente, no início da noite.
No inverno, os fatores que influenciaram na distribuição térmica e higrométrica
foram: densidade de construções, os índices de vegetação arbórea (grande porte) e a baixa
velocidade do vento associada à pouca nebulosidade. Cabe dizer que, durante o inverno,
não houve precipitação e a vegetação rasteira não apresentou a mesma contribuição na
diminuição térmica e elevação da umidade relativa, como no verão. E ainda, as formações
das ilhas de calor tiveram contribuição mais evidente dos sistemas atmosféricos que
proporcionaram céu limpo com baixa velocidade do vento.
Assim, o estudo demonstrou que a inércia calórica dos materiais constituintes do
meio urbano (asfalto, concreto), a vegetação (arbórea e rasteira), o calor antropogênico, os
sistemas atmosféricos atuantes foram fatores decisivos para a configuração das diferenças
térmica e higrométrica intra-urbana em Teodoro Sampaio.
A caracterização climática associada aos elementos relevo, hidrografia, uso e
ocupação do solo demonstraram que Teodoro Sampaio, cidade de pequeno porte, já possui
um clima urbano específico. Assim, evidenciou-se que as condições climáticas intra-urbanas
geradas na cidade estão ligadas diretamente à heterogeneidade da ocupação do solo e das
funcionalidades urbanas, o que acabou gerando para a cidade ilhas de calor e de frescor,
bem como as ilhas úmidas e secas.
Nesse sentido, a cidade cresceu sem levar em consideração um planejamento
adequado, o que acarretou prejuízos ambientais e de qualidade de vida para a população. É
necessário, portanto, um planejamento ambiental que leve em consideração as condições
climáticas apresentadas pela cidade.
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ANÁLISE DA PAISAGEM: UMA VISÃO INTEGRADA DOS ELEMENTOS DA “CIDADE DA CRIANÇA” – PRESIDENTE PRUDENTE/SP
Tais Scheel Rodrigues [email protected]
Aluna de graduação de Bacharelado em Geografia Faculdade de Ciências e Tecnolgia – Unesp de Presidente Prudente
Maria Clara Piai da Silva [email protected]
Aluna de graduação de Bacharelado em Geografia Faculdade de Ciências e Tecnolgia – Unesp de Presidente Prudente
Resumo: Este trabalho tem por objetivo realizar um estudo do Parque Ecológico Cidade da Criança com base na análise da paisagem, enquanto categoria geográfica. Considerou-se para esta abordagem a paisagem como resultante das relações entre os elementos naturais e a atuação antrópica. Nesse sentido, foi realizada revisão bibliográfica para fundamentar a concepção de paisagem utilizada para o desenvolvimento da análise, embasada principalmente na abordagem geossistêmica. A seguir, resgatamos os elementos naturais constituintes (Geologia, Geomorgologia, Pedologia, Hidrografia, Vegetação, Fauna e Flora) e integramos a análise de transformação da área em questão. Além disso, identificamos questões referentes à Legislação Ambiental no que tange a formação e preservação da área. Palavras-chave: Paisagem, abordagem geossistêmica, Parque Ecológico Cidade da Criança. INTRODUÇÃO
A ação humana sobre os elementos que compõem a paisagem tem transformado de
diversas maneiras seus componentes, modificando, muitas vezes, sua estrutura, função e
forma. Assim, torna-se imprescindível que sejam realizadas análises que possam
caracterizar a paisagem como um todo, verificando seus vários aspectos e as modificações
que ocorreram ao longo do tempo, que podem ser mais ou menos intensas, dependendo do
grau da ação antrópica sobre a paisagem e dos seus aspectos naturais, que interagem e
reagem de distintas formas.
A paisagem é um instrumento de análise de significativa importância, pois apresenta
distintas características, naturais ou artificiais, que lhe são impostas, tanto pela ação
antrópica como pelos elementos naturais, podendo apresentar a junção destes. Entretanto,
sua constituição ocorre de acordo com o movimento da sociedade, sendo que cada cultura
tem a sua visão de mundo e se expressa de diferentes maneiras na transformação da
paisagem.
Sendo assim, a paisagem não é dada para todo o sempre, é objeto de mudança. É um resultado de adições e subtrações sucessivas. É uma espécie de marca da história do trabalho, das técnicas. Por isto, ela própria é parcialmente trabalho morto, já que é formada de elementos naturais e artificiais (SANTOS, 1996 apud ROSS, 2006).
Isso se deve também ao fato de que ao longo da história humana, principalmente
nos últimos dois séculos, a relação sociedade-natureza tem intensificado a exploração dos
RODRIGUES, Tais S.; SILVA, Maria C. P. Análise da paisagem: Uma visão integrada dos ...
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recursos naturais, em decorrência do avanço tecnológico e do desenvolvimento econômico
das sociedades. Em função disso, há um grande desperdício dos recursos naturais e uma
degradação ambiental cada vez maior, o que requer a implementação de planejamentos
integrados que contemplem tanto perspectivas econômicas e sociais, como ambientais.
Para tanto, é necessário que se realizem estudos que compreendam a paisagem
como um todo indissociado, pois “os estudos integrados de um determinado território
pressupõem o entendimento da dinâmica de funcionamento do ambiente natural, com ou
sem intervenções humanas” (ROSS, 2006, p. 53), abarcando as distinções existentes entre
os ambientes naturais que decorrem das relações de trocas de energia e matéria entre os
componentes.
O conhecimento sobre determinados locais da superfície terrestre tem sido adquirido
por meio dos estudos relacionados à paisagem, que permite a compreensão da conexão
existente entre as esferas da sociedade e da natureza numa perspectiva dinâmica,
integrando diversos fatores, como o físico, o biológico e o antrópico.
Essa visão dinâmica faz parte de uma nova era dos estudos da paisagem, que até
então eram meramente descritivos, herança dos geógrafos naturalistas do século XIX.
Nessa nova perspectiva, busca-se a relação entre todos os elementos da paisagem,
colocando a natureza e a sociedade como componentes fundamentais para a compreensão
da dinâmica espacial que se dá em determinadas porções do espaço geográfico, pois,
segundo Leme (1999, p.23), “a paisagem pressupõe a interferência humana ao longo do
tempo, ou seja, uma construção social que vai adaptar a base natural às necessidades da
sociedade”. Isto porque, o homem ao longo de sua existência tem usufruído a natureza de
diversas maneiras, apropriando-se desta e modificando-a conforme o aumento do seu
conhecimento e do desenvolvimento de técnicas. Sendo o modo como o homem se
relaciona com a natureza, de acordo com Casseti (1991a), dependente do modo como os
homens se relacionam entre si, em um determinado sistema social, as culturas
desempenham um papel fundamental na determinação do comportamento das pessoas em
relação ao ambiente.
Diante disso, a abordagem da paisagem é feita com base no tempo humano, ou seja,
histórico, porque por mais que o tempo geológico seja essencial para entender o espaço
geográfico, para o homem ele é praticamente imperceptível, pois sua ação ocorre numa
escala de tempo muito longa para o tempo humano, sendo a ação antrópica preponderante
na transformação do espaço e, conseqüentemente, da paisagem. Porém, segundo Faria
A paisagem é concretização da ação social que, uma vez estabelecida, comanda a dinâmica dos processos naturais. Contudo, a constituição da paisagem não está somente vinculada e passível à ação humana, ela está intimamente relacionada à estrutura natural já estabelecida no local (FARIA, 2001, p.12).
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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Assim, “todo conjunto pertence a um sistema, cujas ações e reações estão
condicionadas pela matéria (em seus três estados) e pelas fontes energéticas (internas e
externas)” (CASSETI, 1991b, p. 20). Deste modo, a apropriação da natureza pelo homem
responde por intervenções que muitas vezes afetam de maneira significativa a atividade do
sistema, podendo surgir conseqüências ambientais.
Isto demonstra que o conceito de paisagem se distingue enormemente do de
natureza, sendo que muitas vezes são usados como sinônimos. No entanto, a natureza é
algo maior, que existe independentemente da interferência do homem em sua constituição,
pois segundo Leme,
A natureza é compreendida como o conjunto de elementos que possuem um comportamento regido por leis próprias e que correspondem dialeticamente às atividades exercidas pela sociedade, quando esta busca a satisfação de suas necessidades materiais. Portanto, a natureza pode ser entendida como um conjunto de elementos com uma dinâmica muito particular e atuante, desenvolvendo-se, adaptando-se ou impondo o seu ritmo à sociedade nela estabelecida (LEME, 1999, p.23).
Assim, a interferência humana pode afetar a dinâmica da natureza de diversas
maneiras, causando “danos” muitas vezes irreversíveis, sendo que os impactos provocados
podem intensificar os processos naturais. Além disso, o caráter de “dominação” é
disperdiçante, tirando da natureza os recursos indispensáveis à manutenção do capitalismo
global, mesmo num tempo em que as questões ambientais passaram a ser foco de
discussão numa escala mundial.
Contudo,
O equilíbrio de um sistema representa o ajustamento completo das suas variáveis internas às condições externas. Isso significa que as formas e os seus atributos apresentam valores dimensionais de acordo com as influências exercidas pelo ambiente, que controla a qualidade e a quantidade de matéria e energia a fluir pelo sistema (ALMEIDA e TERTULIANO, 2000, p. 116).
Neste caso, o homem ao modificar diretamente a natureza desvirtua as
características naturais do sistema, alterando o padrão e qualidade de entrada recebida e o
padrão de qualidade de saída. Isto porque,
Ao contrário do que foi considerado por vários anos, a natureza como um todo funciona como um organismo vivo, onde todos os elementos e partes possuem uma função bastante definida e importante para o equilíbrio geral. Esta analogia conduz à percepção que, se ocorre uma alteração em um elemento natural, todo o conjunto é transformado, surtindo efeitos que repercutem – na grande maioria das vezes de forma negativa – também para o homem, muitas vezes penalizando-o (LEME, 1999, p. 16).
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Na verdade, o homem está na natureza, assim como a natureza está no homem, o
que faz com que a existência humana dependa da natureza e de seus recursos, pois esta
lhe proporciona a matéria destinada a ser convertida em riqueza pelo trabalho. No entanto,
As inserções humanas, por mais tecnificadas que possam ser, não criam natureza, não modificam as leis da natureza, apenas interferem nos fluxos de energia e matéria alterando suas intensidades, forçando a natureza a encontrar novos pontos de equilíbrio funcional (ROSS, 2006, p. 56).
Sendo assim, segundo Sotchava (1977), os estudos da Geografia Física visam não
só os componentes da natureza em si, mas também as conexões a eles inerentes.
Nesta perspectiva, entender a complexidade dos sistemas dinâmicos que compõem a natureza ou, melhor, a paisagem, com toda a sua dinâmica de evolução e transformação imposta pela sociedade ao longo dos anos, constitui-se em um grande desafio (GUERRA e MARÇAL, 2006, p. 100).
Além disso, as alterações realizadas pelo homem nos sistemas naturais ocorrem de
distintas maneiras, dependendo das atividades econômicas que prevalecem nos locais,
constituindo-se assim, em reflexos de produção agrícola, urbano-industrial, de mineração
etc. A evolução da sociedade e o desenvolvimento socioeconômico apresentam
características marcantes no que tange ao estabelecimento da paisagem atual, o que varia
de acordo com as etapas de desenvolvimento, ou ainda, da influência que recebe de
padrões de exploração externos.
Porém, “a hostilidade atribuída à natureza com o intuito de permitir a ‘dominação’ é
convertida em virtuosidade, não só como forma de se instigar a ocupação de novos
espaços, como o de procurar, através da aparência, resgatar o significado político da
natureza” (CASSETI, 1993, p. 6). Isto faz parte de uma herança de séculos atrás, em que a
exploração dos recursos naturais de forma predatória foi essencial para o desenvolvimento
de técnicas e tecnologias, que surtiram efeitos para o que temos na atualidade. Entretanto,
segundo Bastos e Freitas (2000, p. 18),
Desde os primórdios de sua existência, o homem, como qualquer outra espécie habitante do planeta, interage com o ambiente à sua volta, modificando-o e transformando-o de acordo com as suas necessidades. Os resultados são todos perceptíveis ao longo de toda a biosfera. Esta interferência, que se dá em diversos níveis, age de diferentes maneiras sobre os componentes do meio: ar, solo, água e seres vivos. (...) As interferências, suas causas e conseqüências, trazem uma série de relações entre si. (...) De uma maneira ou de outra, o homem está sempre aumentando a sua influência sobre o ambiente.
Com o aumento de tecnologias e do conhecimento humano sobre a natureza e seus
sistemas, ciclos e funcionamento, o homem passa a possuir instrumentos para que a
degradação e deterioração do ambiente sejam evitadas ou ocorra em proporções menores e
sejam de seu conhecimento (imagens de satélite, fotografias aéreas, geração dos mapas,
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
753
etc.), podendo utilizar os recursos naturais de forma racional e manter resquícios de áreas
naturais em meio à urbanização, por exemplo, para que os recursos possam ser
preservados e haja uma manutenção da vida com qualidade.
Em função disso, o estudo das paisagens é fundamental para o conhecimento das
mudanças ocorridas ao longo do tempo na natureza, compreendendo vários aspectos
significativos para o entendimento da dinâmica dos sistemas e como os diversos fatores,
geológicos, pedológicos, geomorfológicos, climáticos, hidrológicos e hidrográficos, são
afetados e se relacionam numa unidade de paisagem. Sendo assim, conforme Guerra e
Marçal (p. 2006, 101),
A identificação de uma unidade ambiental, ou unidade de paisagem, com suas respectivas intervenções sofridas ao longo dos anos pela sociedade, permite a aplicação de métodos e técnicas, necessários à sua análise, proporcionando a sua identificação, classificação, diagnóstico da paisagem.
Isso tem um significado especial para os estudos geográficos físicos, pois estes
procuram entender a relação sociedade-natureza para alcançar seus objetivos no que tange
à caracterização do espaço geográfico, que compreende a sociedade e a natureza como
integrantes do espaço.
Nesta perspectiva, realizamos uma análise da paisagem da Cidade da Criança, um “Parque
Ecológico” localizado no município de Presidente Prudente. Esse local possui mata nativa,
cursos d’água e espaços construídos, que foram obra da Prefeitura Municipal. Para que
estas obras se tornassem possíveis foram necessárias desapropriações, mudanças na
paisagem natural etc., configurando aspectos normativos, paisagísticos e culturais. Em face
disso, buscamos caracterizar os seus aspectos naturais e as modificações realizadas para a
implantação do parque, considerando a paisagem como instrumento de análise geográfica.
CIDADE DA CRIANÇA: ANÁLISE INTEGRADA DOS ELEMETOS DA PAISAGEM
A Cidade da Criança está localizada nas margens da rodovia SP 270 no Km 561,5
do município de Presidente Prudente/SP e foi planejada no início da década de 1990, tendo
como principal objetivo a implementação de uma área verde e de lazer para a população
prudentina, devido as poucas opções existentes, principalmente no que tange às classes
sociais de mais baixa renda, que não têm a opção dos clubes privados. A sua localização e
seus aspectos naturais contribuíram para a sua projeção, pois a área é próxima ao
perímetro urbano e possui mancha de vegetação natural e presença de cursos d’água.
Na execução do Projeto Cidade da Criança, a Prefeitura Municipal de Presidente
Prudente elaborou um documento estabelecendo a “Caracterização do Empreendimento”,
com o intuito de demonstrar os vários aspectos da área em questão e as medidas que
RODRIGUES, Tais S.; SILVA, Maria C. P. Análise da paisagem: Uma visão integrada dos ...
754
seriam tomadas para a minimização dos impactos ambientais. A Prefeitura começou a
solicitar as autorizações necessárias junto aos diferentes órgãos responsáveis em novembro
de 1993.
A Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo, através do Parecer Técnico
CPLA/DAIA1 nº 121/94, dispensou a realização do EIA – RIMA (Estudo de Impacto
Ambiental – Relatório de Impacto Ambiental). Porém, até então, não faziam parte do projeto
as obras do kartódromo, planetário, teleférico, parque aquático, aquário e restaurante.
Para o projeto aprovado pela SMA estava previsto um grande número de
equipamentos: hotel; centro cultural; hospital; prefeitura (para as crianças); igreja e coreto;
estação ferroviária (cópia da estação original do município); museu histórico e científico;
praça de alimentação; lagos de souvenires; espaço cultural (dividido em circo, concha
acústica, teatro de arena, vilas estrangeiras); esportes; estação ciência; parque; sistema
viário; esgoto doméstico; abastecimento interno; infra-estrutura; acantonamento (Sales,
1999). Parte desses equipamentos não foi construído, entretanto, outros que não estavam
previstos foram, provocando grande polêmica. No caso do kartódromo, por exemplo, seria
necessário se fazer um estudo de EIA – RIMA, devido aos efeitos sonoros que causa,
prejudicando os animais da mata.
Outros aspectos relevantes foram as desapropriações feitas para a implementação
do parque, tanto da Escola Técnica Agrícola Estadual de 2º Grau “Professor Dr. Antonio
Eufrásio de Toledo”, como numa área da Fazenda Monte Alto, propriedade da Família Rosa.
Ambas possuíam mata nativa.
Entretanto, já no início das obras foram encontradas muitas irregularidades, tornando
necessário se fazer uma vistoria da área, em decorrência da denúncia feita pela família
desapropriada. A Prefeitura alegou que a finalidade do projeto era a preservação ambiental,
ou seja, manter inalterado o ecossistema original, preservando uma mostra significativa do
ambiente típico da região, proteger os mananciais, conservar a fauna e a flora como banco
genético para fins científicos e, que o projeto foi precedido de levantamentos técnicos
(Sales, 1999).
Mas com a execução da vistoria foi verificada diversas irregularidades, que, para a
Prefeitura de Presidente Prudente continuar as obras, se tornou necessário suspender
algumas e tomar medidas para que alguns danos que estavam sendo causados fossem
sanados.
As obras continuaram para garantir infra-estrutura, facilidade de acesso e atrativos
para os visitantes, que atualmente são numerosos. O Parque oferece trenzinho com passeio
panorâmico, kartódromo, zoológico, pesca (destinada a 3ª idade), quadras poliesportivas,
áreas de descanso, teleférico, campo de futebol, gramado e areia, planetário, aviário,
1 Coordenadoria de Planejamento Ambiental e Departamento de Avaliação de Impacto Ambiental.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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parque de diversões, praça de alimentação e o Centro de Educação Alberico Marques
Caiado.
Embora o trânsito de pessoas e veículos seja agressivo ao estado natural desses
ecossistemas, os defensores de sua prática argumentam que, complementarmente, o
ecoturismo contribui para a preservação dos mesmos e para o desenvolvimento sustentável
das populações locais, melhorando a qualidade de vida das mesmas. Isto porque a Cidade
da Criança é um parque ecológico que busca um turismo sustentável, preocupando-se com
a preservação do meio ambiente, patrimônio natural e cultural diferenciando-se do turismo
predatório.
A Cidade da Criança é um complexo paisagístico composto por matas, lagos,
bosques e demais elementos naturais ou construídos destinados ao lazer, recreação,
atividades científicas e educativas. São 127 hectares, dos quais 46 são do tipo mata
Atlântica do interior, remanescentes do ecossistema original que recobria a região oeste do
Estado de São Paulo. A Figura 1 apresenta a localização e as características gerais da área
em questão.
Assim, constitui-se em uma área de Proteção Ambiental, ou seja, um Parque Ecológico
Municipal, possibilitando a preservação da área, com proibição de utilzação de recursos sem
devida autorização. Isto porque, de acordo com o IBAMA (Decreto 99.574),
Área de Proteção Ambiental é uma área em geral extensa, constituída por áreas públicas e/ou privadas, tem como objetivo disciplinar o processo de ocupação das terras e promover a proteção dos recursos abióticos e bióticos dentro de seus limites, de modo a assegurar o bem-estar das populações humanas que aí vivem; resguardar e conciliar ações humanas com a preservação da vida silvestre, proteção dos recursos naturais e melhoria da qualidade de vida da população. Nas Áreas de Proteção Ambiental, a atividade humana pode e deve existir, desde que orientada e regulada de forma a evitar a degradação ambiental e permitir o uso racional e sustentado do patrimônio natural.
Para tanto, a Lei nº 6.902, de 27 de abril de 1981, que diz respeito às APAs, proibe o
funcionamento de indústrias potencialmente poluidoras, capazes de afetar mananciais; a
realização de obras de terraplanagem e a altura de canais, quando essas iniciativas
importarem em sensível alteração das condições ecológicas locais; o exercício de atividades
capazes de provocar uma acelerada erosão das terras e/ou um acentuado assoreamento
das coleções hídricas; o exercício de atividade que ameacem extinguir na área protegida as
espécies raras da biota original.
Sendo assim, o objetivo principal desse meio de proteção é preservar tanto o
ambiente como a ocupação existente, sendo que é possível o início de um trabalho visando
o planejamento que contemple a possibilidade de se utilizar de forma adequada os recursos
naturais existentes na área.
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A Cidade da Criança desempenha então um papel importante com relação à
preservação ambiental, pois por mais que apresente alguns espaços construídos, procura-
se preservar o que restou das riquezas natrurais da área em que está situada. Além disso, a
área tem sido utilizada para fins de educação ambiental, já que o complexo é sede de
visitas, excursões, encontros, eventos e passeios, orientados por guias com algum tipo de
especialização, apresentando maneiras de como se comportar em ambientes naturais e
promovendo atividades de divulgação para a preservação do meio ambiente.
Figura1: Parque Ecológico Cidade da Criança (2008).
Fonte: Rodrigues, 2008
O conhecimento dos elementos da paisagem, ou seja, as características físicas e
naturais da Cidade da Criança, se faz necessário para compreender a interação existente
entre estes. Isto porque,
O ambiente é constituído de um conjunto de elementos que tendem para um estado de equilíbrio, sendo que, alteração em qualquer um desses elementos reflete-se em todo o conjunto, denunciando sua fragilidade. O rompimento de equilíbrio dos ecossistemas ocorre, principalmente, devido a natureza do solo, condições litológicas, estruturais, pode ocorrer, também devido a outras alterações de suas condições naturais tais como: contruções de aterros, barragens, estradas e expansão urbana, dentre outros (BORDIGNON, 2004, p. 21).
Dessa forma, temos que a princípio caracterizar os elementos da paisagem in loco,
para assim traçar as relações que permeiam esta paisagem.
Quanto a aspectos referentes a Geologia e Pedologia, a Cidade da Criança
encontra-se numa área em que as formações rochosas são pertencentes ao Grupo Bauru
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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(Cretácio Superior), e mais especificamente na Formação Adamantina. Ainda na área em
questão, há o afloramento do arenito Bauru, o que caracteriza os solos existentes na área.
O estudo dos solos é fundamental, visto que “o solo é o meio natural para o
crescimento e desenvolvimento dos vegetais na superfície da terra e, assim, constitui um
elemento do ambiente de maior importância” (BORDIGNON, 2004, p. 21).
A Cidade da Criança apresenta, de modo geral, baixa saturação de bases e alta
saturação de alumínio, com características nítidas de latossolização. Há predominância dos
argissolos existindo uma grande ocorrência de neossolos do Arenito Bauru, com grande
limitação, em relação à profundidade. Ainda há a ocorrência, em menor proporção, de solos
hidromórficos.
Existem, segundo Silva (1999), quatro unidades de solos na área da Cidade da Criança:
• Unidade Flamboyant: Argissolo Vermelho Eutrófico, textura arenosa, fase de relevo
ondulado; • Unidade Biológico: Argissolo Vermelho-Amarelo Eutrófico, textura arenosa, fase
relevo ondulado; • Unidade Pirapozinho: Neossolos Eutróficos, textura arenosa, fase relevo ondulado
substrato arenito, com alta suscetibilidade à erosão laminar e ravinas rasas; • Afloramento Bauru: afloramento de arenito formação Adamantina.
Em relação a Geomorfolgia, a área em questão possui apenas dois compartimentos
de relevo, de topo suavemente ondulado de Colinas Convexizadas e de Domínio das
Vertentes Côncavo-Convexo.
A declividade do local varia de 6 a 12%, caracterizando, segundo o EMBRAPA
(Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), as fases do relevo da área como:
(...) suave ondulado – superfície de topografia pouco movimentada, constituída por conjunto de colinas ou outeiros (elevações de altitudes relativa até 50m e de 50 a 100m), apresentando declives suaves, predominantemente variáveis de 3 a 8%. Ondulado - superfície de topografia pouco movimentada, constituída por conjunto de colinas ou outeiros, apresentando declives moderados, predominantemente variáveis de 8 a 20% (EMBRAPA, 1999 p.307).
Quanto a Hidrografia, a área de estudo possui nascentes do Córrego da Pindaíba
que é afluente da bacia do Rio Santo Anastácio. O córrego encontra-se à montante da área
de captação da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo),
destinado para o abastecimento de uma paralela do município de Presidente Prudente. À jusante das nascentes (aproximadamente 100 m) existem duas barragens (lagos),
sendo a que se encontra mais à montante construída em 1965, e a outra foi construída
devido ao Parque. A represa mais antiga drena o córrego da Pindaíba e seu excedente
hídrico é canalizado para a outra represa, que drena também uma nascente do córrego
Pindaíba. Esta área situa-se dentro do perímetro da área de manancial (Lei 1.172 de
17/11/76).
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A vegetação da área é caracterizada como resquício de Mata Atlântica, classificada
como estacionária semi-decidual. A mata abrange cerca de 23,5 alqueires (56,9 hectares),
sendo que ocupa 44,5% da área total do parque.
Em relação às unidades fisionômicas de vegetação foram identificadas quatro, com
base em seu porte, densidade e estado de conservação:
• Unidade 1: vegetação herbácea – graminóide, arbustos esparsos, com degradação
acentuada; • Unidade 2: vegetação arbórea, de porte médio, contínua, conservada; • Unidade 3: vegetação arbustiva, com árvores esparsas e sinais de degradação evidentes; • Unidade 4: vegetação exuberante, conservada, apesar de sinais de degradação, alta
densidade, com árvores de até 20 metros de altura, formando um estrato contínuo, com sub- bosque arbustivo (SALES, 1999, p.20)
A vegetação encontra-se protegida legalmente, através do Decreto 99.574 do IBAMA e
do Decreto Federal nº 750 d 10/02/93.
A fauna local é característica de todo oeste paulista, sendo os principais exemplares
de espécies a siriema, cutia, tatu, quati, codorna, perdiz, caxinguelê, lontra, capivara, jacaré,
preguiça, veado, cateto e macaco-prego.
A flora é constituída por algumas espécies comuns de árvores para a região, como
peroba-rosa, cedro, ipê, angico, figueira, pau d’alho, guarucaia etc.
Esta breve caracterização da área é necessária para a compreensão da
transformação da paisagem, posto que
Toda paisagem é composta de elementos geográficos que se articulam uns em relação aos outros, sendo que alguns pertencem ao domínio natural abiótico, como substrato geológico, clima e as águas e outros ao domínio vivo, a biosfera formada pelo conjunto de comunidades vegetais e animais que utilizam-se do domínio natural abiótico e os grupos humanos, que instalados no domínio natural, transformam o domínio vivo e modelam partes da paisagem terrestre (PASSOS, 2003 apud BORDIGNOM, 2004, p. 34).
Dessa maneira, a paisagem local já vinha sofrendo alterações antes da criação do
parque, visto que a represa mais próxima às nascentes existe desde meados da década de
1960. Além disto, quando a área foi apropriada pela Prefeitura Municipal vários conflitos de
interesse ocorreram, no local havia extração de palmito e caça de alguns animais, conforme
nos afirmou o funcionário da Cidade da Criança, Olivar Momentel Filho.
De acordo com Torres, o Projeto de Recuperação e Conservação do Solo e da Água
da Microbacia da Cidade da Criança (1997), detectou vários pontos críticos:
- as águas das represas apresentam-se turvas e na cabeceira da primeira represa há acúmulo de areia e processo de assoreamento; - erosões nas áreas adjacentes a estrada que circunda a mata suprimida para a construção da mesma; - erosões em sulcos nos pontos de convergência das águas, e nas trilhas dentro da mata;
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- diversos aterros, principalmente do Planetário e da segunda represa, com problemas de contenção, riscos de perda total; - terraceamentos deficientes e quebrados na área pertencente ao Colégio Agrícola de Presidente Prudente, causando erosões e assoreamento, além de ruptura dos terrenos das represas de contenção desta área; - erosão laminar e em sulcos em áreas sem cobertura vegetal pertencentes à microbacia (TORRES, 1998, p. 34-36).
Ao analisar esse excerto, concluímos que as principais fisionomias da paisagem que
sofreram os maiores impactos com a criação do Parque foram: o solo, a hidrografia e a
vegetação.
Os solos que formam a microbacia do rio Pindaíba, neossolos e argissolos vermelho-
amarelo, possuem dificuldade em infiltrar a água para os horizontes abaixo da superfície
(Torres, 1998). Desse modo, o escoamento superficial nos períodos de chuvas intensas leva
a formação de erosões em diversos graus, principalmente nas cotas entre 425 e 450 metros.
Os terraços têm a função de reduzir a velocidade e a quantidade de água que escoa
superficialmente, pois áreas que apresentam grande suscetibilidade à erosão, necessitam
desse recurso, como o caso Cidade da Criança, que precisa de medidas mitigadoras que
reduzam os impactos sobre sua unidade de conservação.
A construção da estrada causou inúmeras discussões, pois desmataram uma área
da mata de extensão de 7 metros de largura por 72 metros de comprimento, sem a
autorização do DEPRN (Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais) ou
IBAMA. Além disso, ela corta toda a microbacia do córrego da Pindaíba, acarretando no
assoreamento deste, mesmo com a construção de bacias de contenções, outros materiais
como solo, asfalto e concreto. As bacias de contenção apenas trocam o lugar da erosão.
Devido a fragilidade dos solos em erodir, as lagoas, assim como a microbacia do
córrego da Pindaíba, ficam suscetível ao assoreamento, comprometendo o grau de volume
e escoamento deste. Com prejuízo na disponibilidade hídrica à jusante da área.
A mata também sofreu impactos, pois para a abertura da estrada alguns exemplares
de espécies de árvores foram retiradas, além da paralela considerável de mata que foi
derrubada para a construção da segunda represa (Figuras 2 e 3). A área em que está
situada apresenta baixa altitude, ficando entre 425 e 400 metros, o que possibilitou sua
execução.
Algumas trilhas para visitação foram abertas na mata, retirando algumas árvores, no
entanto, técnicos do IBAMA embargaram a utilização dessas trilhas. No local onde os
picadões foram abertos se deu a ação de processos erosivos e atualmente as trilhas não
são mais usadas como meio de regeneração da vegetação nativa.
RODRIGUES, Tais S.; SILVA, Maria C. P. Análise da paisagem: Uma visão integrada dos ...
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Figuras 2 e 3: Parque Ecológico Cidade da Criança: Antes e após a construção da segunda
lagoa
Constatamos através de trabalhos, depoimentos e das figuras acima, que dentre as
várias modificações da paisagem da Cidade da Criança, a principal foi a construção da
segunda lagoa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao se implantar algum tipo de empreendimento em determinada área natural, mesmo
com vista à sua preservação, provoca-se algum tipo de alteração ou impacto, pois requer
modificações para a implementação de alguns instrumentos. Por meio de dados técnicos,
fotografias, mapas, cartas e imagens de satélite, isso pode ser demonstrado, colocando em
questão até que ponto torna-se interessante e viáveis tais transformações.
Assim, o estudo da paisagem passa a ser um método de grande utilidade para a
caracterização e verificação das modificações e dos impactos causados em decorrência da
ação antrópica, tornando interessante se fazer um EIA-RIMA para a implantação de
qualquer empreendimento que possa afetar ou degradar áreas de preservação. Sendo que
impacto ambiental é, segundo a Resolução CONAMA 001, de 23/01/1986,
Qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetem: a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas, a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; qualidade dos recursos ambientais.
Neste sentido, a elaboração de EIA-RIMA, regulamentada pela referida resolução,
avaliam as condições da área projetada para o empreendimento e tomam decisões sobre o
que se pode realizar nesta, já que, segundo Bastos e Almeida (2000, p.81),
A avaliação de impactos ambientais é um instrumento de política ambiental formado por um conjunto de procedimentos capaz de assegurar, desde o início do processo, que se faça um exame sistemático dos impactos ambientais de uma ação proposta
Fonte: Sales, 1999. Fonte: Sales, 1993.
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(projeto, programa, plano ou política) e de suas alternativas, que os resultados sejam apresentados de forma adequada ao público e aos responsáveis pela tomada de decisão, por eles devidamente considerados.
No entanto, na projeção da Cidade da Criança houve dispensa de tal estudo por
parte da Secretaria do Meio Ambiente, sendo posteriormente verificados alguns impactos
que poderiam ser previstos em uma análise mais detalhada da área, colocando em
desvantagem a preservação de alguns pontos danificados ou erodidos em decorrência das
alterações realizadas. Sendo assim, é imprescindível que estudos sejam elaborados e que o
plano seja executado seguindo as normas de preservação das características naturais da
área para que o empreendimento não venha a causar danos irreversíveis.
Atualmente a Cidade da Criança, considerada uma Área de Preservação Ambiental,
tem tido um tratamento mais adequado para evitar os impactos ambientais, sendo a trilha,
por exemplo, deixada de ser usada pelos visitantes do parque. Dessa forma, os danos
causados no início da obra foram amenizados e o parque tem preservado suas matas,
fauna, hidrografia etc., sendo uma área importante para Presidente Prudente e sua
população, devido às características que apresenta e ao contato com a vegetação
remanescente do tipo mata atlântica do oeste paulista.
Assim, as decisões tomadas por parte do poder público tiveram algumas
conseqüências negativas e positivas, pois a área da Cidade da Criança proporciona lazer e
área verde para a população, ao mesmo tempo em que causou alguns impactos ambientais.
No entanto, o seu empreendimento é fundamental para a preservação da flora e da fauna,
exercendo papel fundamental para a compreensão sobre o meio ambiente e importância de
preservá-lo.
Neste sentido, sempre há que se tomar decisões com relação ao que fazer para a
preservação de áreas naturais e que apresentam algum tipo de riqueza ambiental. Por isso,
alternativas como a implementação de um parque ecológico, que não danifique as
características físicas e naturais podem ser viáveis do ponto de vista ecológico e ambiental,
principalmente no que diz respeito ao risco de serem destruídas quando não se tem uma
fiscalização adequada ou suficiente para a preservação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Josimar Ribeiro de Almeida; TERTULIANO, Marcos Faria. Diagnose dos sistemas ambientais: métodos e indicadores. In: CUNHA, Sandra Baptista da; GUERRA, Antonio José Teixeira (org). Avaliação e perícia ambiental. São Paulo: Bertrand Brasil, 2000. BASTOS, Anna Christina Saramago; FREITAS, Antonio Carlos de. Agentes e processos de interferência, degradação e dano ambiental. In: CUNHA, Sandra Baptista da; GUERRA, Antonio José Teixeira (orgs.). Avaliação e perícia ambiental. São Paulo: Bertrand Brasil, 2000.
RODRIGUES, Tais S.; SILVA, Maria C. P. Análise da paisagem: Uma visão integrada dos ...
762
BRASIL, Resolução CONAMA 001 de 23 de janeiro de 1986. Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res86/res0186.html. Data do acesso: 28 de outubro de 2008. CASSETI, Valter. Ambiente e apropriação do relevo. São Paulo: Contexto, 1991a.
CASSETI, Valter. A essência da questão ambiental. Boletim Goiano de Geografia, v.11, n.1, 1991b. CASSETI, Valter. Ciência e ambiente. Boletim Goiano de Geografia, v.13, n.1, 1993. DREW, David. Processos interativos homem-meio ambiente. São Paulo: DIFEL, 1986. FARIA, Gislaine Garcia de. Transformações históricas e a dinâmica atual da paisagem na microbacia hidrgráfica do Ribeirão Cambé – Londrina – PR. 2001. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Faculdade de Ciencias e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente. GUERRA, Antonio José Teixeira; MARÇAL, Mônica dos Santos. Geomorfologia ambiental. São Paulo: Bertrand, 2006. LEME, Rosana Cristina Biral. Transformações históricas da paisagem na microbacia hidrgráfica do Ribeirão dos Guachos – Oeste Paulista. 2001. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Faculdade de Ciencias e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente. ROSS, Jurandir Luciando Sanches. Ecogeografia do Brasil: subsídios para planejamento ambiental. São Paulo: Oficina de Textos, 2006. SALES, Vivian Renata. Impactos ambientais na Cidade da Criança – Presidente Prudente/SP. 1999. 78f. Trabalho de conclusão de curso – Faculadade de Ciencias e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente. SILVA, Lucimara Ribas de Souza. A Cidade da Criança (Presidente Prudente, SP) e meio ambiente: do projeto à realidade. 1998. 56f. Trabalho de conclusão de curso – Faculdade de Ciencias e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente. SOTCHAVA, V. B. O estudo de geossistemas. Métodos em Questão, n.16, São Paulo: Instituto de Geografia, 1977.
GEOPROCESSAMENTO E EXPANSÃO URBANA: UMA EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO
Thais Helena dos Santos
[email protected] 4° ano de Geografia
FCT/UNESP Campus Presidente Prudente
O presente trabalho pretende relatar a experiência de estágio, ainda em curso, na
Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano – EMPLASA. Essa atividade se faz
possível em decorrência de nosso aceite à vaga disponibilizada por meio do concurso de
Programa de Estágios promovido pela Fundação do Desenvolvimento Administrativo –
FUNDAP.
SOBRE O ESTÁGIO
Integrando a equipe de estagiários da Unidade de Instrumentos para o Planejamento
– UIP/EMPLASA, desde janeiro deste ano, exercemos a função básica de alimentação do
banco de dados cartográficos através da vetorização de polígonos, assim como a análise de
imagens e ortofotos para diversos trabalhos em andamento com enfoque nas Regiões
Metropolitanas do Estado de SP.
Para tanto, recebemos treinamento sobre funcionamento do software utilizado pela
empresa, o Geomedia Professional.
Apesar de ser a EMPLASA um órgão vinculado à Secretaria de Economia e
Planejamento do Estado de São Paulo – SEP; Informamos que é detentora dos direitos de
seus produtos cartográficos e, em decorrência deste fato, não será possível a
exemplificação das situações discorridas neste texto através de cartas ou mapas prontos,
uma vez que, a obtenção dos mesmos requer sua compra.
SOBRE A ATIVIDADE DE ESTÁGIO
Podemos dizer que não é de longa data a incorporação de técnicas de
Geoprocessamento como recurso principal para o mapeamento. Essa adesão remonta um
período de 10 ou 15 anos aproximadamente.
A EMPLASA é ainda hoje a unidade de referência cartográfica do Estado de São
Paulo para a elaboração e confecção de mapas que visem, sobretudo, compreender a
dinâmica de uso e ocupação do solo no território estadual, mas, em maior intensidade, nas
áreas que compõem as Regiões Metropolitanas – RM’s – de São Paulo, Campinas e
Baixada Santista. Tal ênfase se deve ao fato de que, entre outras características, essas
regiões compõem extensas áreas dentro do território estadual e, consequentemente, um
adensamento populacional, conforme tabela abaixo:
SANTOS, Thais H. Geoprocessamento e expansão urbana: Uma experiência de estágio
764
Regiões Metropolitanas e Estado de São Paulo
Área e População: 2006
Área (248.209) População 2006
Local Km2 Estado (%) Habitantes Estado (%)Regiões Metropolitanas 14.097 5,68 24.031.058 58,54
São Paulo 8.051 3,24 19.677.506 47,93 Baixada Santista 2.373 0,96 1.666.453 4,06
Campinas 3.673 1,48 2.687.099 6,55 Fonte: Emplasa, 2007
Organização: Thais Helena dos Santos, 2009
A atividade de produção mais contínua nesta unidade é a vetorização das áreas de
expansão urbana da RMSP, prática essa, pelo trabalho de outras equipes de estagiários,
obteve como produto o mapa de uso e ocupação do solo da RMSP de 2002. Este por sua
vez, subsidiará como base à atual confecção do mapa da de uso e ocupação do solo da
RMSP 2007.
Os polígonos de vetorização componentes de tais produtos são: áreas de vegetação
(matas, capoeiras e campos), áreas industriais, áreas urbanizadas (de alto ou baixo padrão),
áreas de favelas, equipamentos urbanos (redes de distribuição de águas, áreas de lazer,
etc.).
Outras atividades, que não a vetorização para o mapeamento da expansão urbana,
esporadicamente nos são solicitadas. Citamos como exemplo dessa migração funcional, a
análise de imagens de satélites com o objetivo de verificarmos a quantidade de nuvens
presentes em suas composições e a análise de ortofotos, tendo como objetivo verificar se as
mesmas apresentam distorções, manchas ou diferenças de tonalidades, fatores esses que
são determinantes (caso sejam muito grosseiros) para a vetorização de polígonos que serão
utilizados para a representação de novos mapas.
SOBRE A METODOLOGIA
Para a confecção dos mapas são utilizadas bases cartográficas de anos anteriores,
porém, a comparação visual para identificarmos o uso atual da área em questão é efetuada
através de uma carta ortorretificada, ou seja, uma ortofoto. Trata-se de uma imagem a qual
tem sua área o mais plana possível, eliminando as diferenças angulares que uma fotografia
aérea, por registrar as ondas e gerar um produto com base no elipsóide, ainda armazena.
O traçado dos vetores é feito com a escala padrão de 1: 1000, sob o sistema de
coordenadas geográficas UTM, latitude 23° Sul, utilizando na maioria dos casos o DATUM
SAD 69 e em alguns mapas específicos o DATUM Córrego Alegre.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
765
FUNCIONALIDADE DOS PRODUTOS É sabido que a cartografia desde o período das grandes navegações é um meio
muito utilizado para orientação em relação a algum ponto do globo ou a busca de
determinado local ou objeto. Durante o desenvolvimento das técnicas da humanidade ela
veio sofrendo diversas modificações. Entre tais podemos destacar a utilização de satélites
para captar ondas e registrar imagens e equipamentos e ferramentas computacionais para a
representação de pequenas ou extensas áreas que compõem o planeta Terra.
O Geoprocessamento é justamente a ferramenta síntese entre as diretrizes
cartográficas clássicas como latitude e longitude com a junção de dados proporcionados por
meio de órbitas de satélites (FITZ, 2008).
Atualmente, os produtos cartográficos desenvolvidos pela EMPLASA têm como base
informações e imagens produzidas por satélite como, por exemplo, a imagem Ikonos –
imagens do satélite lançado em 1999 pela empresa norte-americana Space Imaging. Assim
como a interpretação de áreas através de ortofotos e sua vetorização em imagens de
satélites.
É através destes resultados cartográficos que os poderes públicos que constituem as
RM’s do Estado de São Paulo organizam o planejamento urbano de seus territórios.
É de praxe que, mensalmente, seja promovida nas intermediações da EMPLASA
entre esses representantes municipais, uma reunião para troca de informações das
respectivas gestões, assim como um debate acerca dos produtos desenvolvidos pela
empresa e que servem como auxiliares a essas práticas. Tal evento é denominado
Encontros Metropolitanos, e tem como objetivo promover a interlocução a respeito de
problemas urbanos e possíveis soluções e também a troca de informações e metodologias
as quais os municípios lançam mão para melhor gerenciar e planejar as áreas que os
compõem.
A TEORIA E A PRÁTICA A possibilidade de verificar a prática que algumas teorias explicitam é muito
interessante. É comum, por exemplo, nos depararmos e, necessariamente vetorizar, áreas
de favelas ao lado de grandes condomínios de luxo. O nada mais é que produção e
manutenção da pobreza em detrimento da ostentação de poucos, claro que condições
possíveis em decorrência do atual modelo de sociedade por nós vivenciado.
Possível é também, observarmos áreas de mananciais enforcadas pelo
adensamento populacional presente em seus limites ou então áreas de matas densas
prestes a serem derrubadas em decorrência de áreas industriais em expansão.
SANTOS, Thais H. Geoprocessamento e expansão urbana: Uma experiência de estágio
766
CONSIDERAÇÕES FINAIS Até o presente momento, podemos avaliar a experiência por nos vivenciada como
uma ótima oportunidade de aprendizado auxiliar à nossa formação acadêmica, pois,
conseguimos associar alguns conceitos teóricos por nós aprendidos com uma
funcionalidade.
Cremos, portanto, que a Geografia encontra-se justamente neste limiar entre a
interpretação de imagens resultantes de ondas sensoriadas e espectros de coloração e a
realidade concreta das áreas observadas, cabendo aos pesquisadores envolvidos, um maior
atentamento às possíveis soluções dos problemas posto.
BIBLIOGRAFIA FITZ, Paulo Roberto. Geoprocessamento sem complicação. São Paulo: Oficina de
Textos, 2008.
www.emplasa.sp.gov.br
DINÂMICAS ESPACIAIS URBANAS A PARTIR DA GLOBALIZAÇÃO: O CASO DE MOGI-GUAÇU – SP1
Ulysses Melo Carvalho [email protected] Graduado em Geografia
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Resumo: O trabalho teve por objetivo discutir brevemente o objeto sujeito cidade, que é o espaço da realização humana através da técnica, ou seja, uma totalidade. A partir desta compreensão, a discussão se dá a partir da hierarquia urbana com um enfoque para as cidades médias, que apresentam uma complexidade conceitual e vem adquirindo maior relevância e se tornando alvo de estudos de geógrafos e cientistas nos últimos anos. Esta complexidade é resultado das características singulares que elas vêm apresentando, destacando-se um salto econômico e social, além da melhoria da qualidade de vida dos citadinos. Assim, a área objeto necessária para a realização deste estudo foi o município paulista de Mogi-Guaçu, partindo de dados censitários e estudos de campo para compreender sua dinâmica, o que tornou possível inseri-lo nesta nova ótica de cidades médias, que está muito além de quantidade populacional, mas relevando a fluidez e a técnica neste período técnico-científico e informacional. Palavras-chave: cidade; cidade média; Mogi-Guaçu; dinâmica espacial; fluidez. INTRODUÇÃO
Há cidades de diferentes dimensões, funções e articulações com os conjuntos ou
sistemas urbanos que fazem parte. Abordar este movimento complexo de materialidade e
condições locais e, ao mesmo tempo, de expressão de dinâmicas do mundo é um desafio
para a análise geográfica, ou seja, como este objeto de estudo é intenso e determinante na
sociedade. É algo que diante da história do homem, obteve sua importância em um passado
não muito distante, porém a partir de seu surgimento e até hoje, foram sendo inseridas
características que a tornaram um objeto relevante e intrigante.
Mas qual o significado das cidades?
[...] será necessário considerar a cidade não como uma entidade fixa propriamente dita, mas como um instrumento que conserva e propaga determinada forma de civilização, caracterizada por um conjunto de traços possíveis de difusão mais ou menos global, mais ou menos perfeita?” (BEUJEU-GARNIER. 1997, p. 6)
Esta pergunta introdutória nos remete a refletir o significado e o advento das cidades
na atualidade. O surgimento delas é compreendido por Rolnik (1995) como “A origem da
cidade se confunde, portanto com a origem do binômio diferenciação social/centralização do
poder” (p. 07). Com o advento da globalização, a cidade torna-se ainda mais intricada,
resguardando a maioria da população mundial e que, por conseqüência, constrói e
reconstrói o seu espaço de acordo com sua lógica econômica, social e política. Jacqueline
Beaujeu-Garnier destaca a complexidade conceitual da cidade “[...] o importante é
1 Artigo feito à partir do trabalho de conclusão de curso (TCC) apresentado na Pontifícia Universidade Católica de Campinas no final de 2008 sob a orientação da Profa. Dra. Juleusa Maria Theodoro Turra. [email protected].
CARVALHO, Ulysses M. Dinâmicas espaciais urbanas a partir da globalização ...
768
considerar que a cidade, concentração de homens, de necessidades, de possibilidades de
toda a espécie (trabalho, informação ...), com uma capacidade de organização e
transmissão, e ao mesmo tempo sujeito e objecto” (1997, p. 11).
A partir dos estudos de geógrafos e urbanistas, que tanto contribuem para desvendar
a urbe, é que nos voltamos ao sujeito e objeto cidade, que desafia cada vez mais a
geografia e outras ciências urbanas. Porém, este desafio torna-se imprescindível para a sua
compreensão neste novo tempo em que as transformações espaciais evidenciam-se cada
vez mais rápidas, devido principalmente à globalização que se impõe sobre o espaço de
diferentes maneiras, a partir das exigências do lugar. (SANTOS, 2006)
Além desta complexidade que permeia o conceito cidade, há outros que a seguem,
como entender as redes urbanas, cada vez mais atreladas umas as outras e a hierarquia
que se constrói a partir delas, destacando as cidades globais, as metrópoles nacionais e
regionais tão estudadas atualmente e as pequenas médias cidades; estas últimas,
atualmente têm sido mais discutidas. Destacando-se o RECIME (Rede de Pesquisadores
sobre Cidades Médias), composto por pesquisadores da América Latina, do GAsPER
(Grupo de pesquisa: Produção do Espaço e Redefinições Regionais), da Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Campus de Presidente Prudente e pelos últimos
estudos do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão do governo federal.
Em um conceito clássico, as cidades médias são caracterizadas por possuírem uma
população entre 100 e 500 mil habitantes. Analisando a rede urbana, com toda a sua
hierarquização, observa-se o papel fundamental destas cidades neste contexto, ou seja, a
importância que desempenham como articuladoras das grandes e pequenas cidades, isto é,
apresentam um atributo intermediário na rede urbana e/ou também exercem um papel
regional, dependendo de sua localização. No entanto, não se pode elucidar apenas esta
intermediação hierárquica como arcabouço para inseri-la neste conceito, diante do período
globalizado do século XXI; esta inserção ocorre porque elas apresentam muitas outras
características em suas funções.
A compreensão desta dinâmica urbana, focada principalmente no valor que estas
cidades médias passam a deter, ressalta a importância à geografia, que vem aprimorando o
seu estudo e desvendando a sua importância.
Para uma melhor compreensão destas novas relações e dinâmicas urbanas, a área
objeto da análise foi o município brasileiro de Mogi-Guaçu, localizado na porção leste do
estado de São Paulo, com a proposta de observar os principais indicadores econômicos e
sociais e as estruturas do município.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
769
O MUNICÍPIO DE MOGI-GUAÇU
Mogi-Guaçu (mapa 1 e 2) está situada na Depressão Periférica Paulista2, com alturas
médias de 500 a 700 metros de altitude, entre as terras altas do leste pertencentes ao
Planalto Cristalino Atlântico e ao Planalto Arenito-Basáltico, a oeste. O relevo plano é o traço
dominante da topografia da área, exceto em suas extremidades onde há traços da Serra da
Mantiqueira. Na composição do solo, é encontrada uma quantidade elevada de argila,
podendo se compreender a instalação de indústrias cerâmicas na região.
MAPA 1 – Mogi-Guaçu no estado de São Paulo Fonte: IBGE, elaboração: o autor.
2 De acordo com o Mapa Geomorfológico do Estado de São Paulo.
CARVALHO, Ulysses M. Dinâmicas espaciais urbanas a partir da globalização ...
770
Mapa 2 – Municípios circunvizinhos de Mogi-guaçu Fonte: IBGE, elaboração: o autor.
Na há a presença de recursos minerais consideráveis na Depressão Periférica
Paulista, assim o povoamento da área se deu pela passagem de bandeirantes em direção à
região das minas, de Goiás e Cuiabá, o que propiciou uma pequena fixação de pessoas,
inicialmente. Assim3, ao longo da passagem foram surgindo povoados, tanto para a
fiscalização das riquezas retiradas de outras regiões, como também de beneficiários das
passagens dos rios. Nela, existe a presença de um rio de mesmo nome, que foi o principal
ensejo da povoação.
3 Trecho elaborado a partir de dados do Museu Histórico de Mogi-Guaçu e Mogi-Mirim.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
771
No século XIX, com o surgimento do café e o seu avanço no estado de São
Paulo, esta antiga vila, agora município, acaba obtendo vantagens, mesmo não produzindo
o produto, pois com a necessidade de escoação da produção, a elite cafeeira vê a
necessidade da implantação de ramais ferroviários; deste modo, a ferrovia corta o
município, incluindo a construção de uma ponte ligando as margens. E, posteriormente,
inicia-se a fabricação de telhas4 para as novas estações ferroviárias que foram sendo
construídas ao longo do interior paulista. Negri afirma:
A expansão e reprodução do ‘complexo cafeeiro’ não significou apenas o aumento físico da produção de café, mas sobretudo um processo de criação de novos ‘espaços’ para a acumulação, que se fez acompanhar de efeitos multiplicadores ao nível da urbanização. (1996, p. 34)
A partir de meados do século XX, após a abertura econômica promovida pelo
presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, instalam-se no município grandes indústrias
como a International Paper5 e a Corns do Brasil6; posteriormente a Maizena7 e a Mahle8.
Esta implantação de indústrias merece destaque: afinal, embora tenha havido esta abertura,
a maioria das indústrias de grande porte se instalaram em grandes cidades e só após o
início da desconcentração da cidade de São Paulo, é que elas foram se interiorizando;
porém, este município contrasta com isto e começa a se industrializar anteriormente, uma
característica muito atípica.
Outro segmento importante da economia guaçuana é a agricultura, com uma
produção muito significativa no estado, destacando-se como lavoura permanente a laranja,
com cerca de 413,317 toneladas por ano, uma das maiores produções do estado; e a cana-
de-açúcar como lavoura temporária, cerca de 640,000 toneladas por ano (IBGE, 2006).
O município está localizado na microrregião de Mogi-Mirim e na mesorregião de
Campinas pela classificação do IBGE no estado de São Paulo. Apresenta características
diferenciadas de outros municípios de mesmo porte; por possuir um terreno basicamente
plano, a cidade se expandiu horizontalmente e construções verticais são presenças
pontuais. Sua população é de 131.870 habitantes, de acordo com o IBGE (2006), com um
crescimento geométrico populacional elevado em relação a outros locais (observar figura 1).
4 Estas cerâmicas surgem com o estabelecimento de imigrantes, principalmente italianos, vindos com o fim da escravidão. 5 Antiga Champion Papel e Celulose. 6 Comprada pela Bunge. Esta indústria processa a matéria-prima, o milho, para a obtenção do amido que será vendido a Unilever onde é embalado e vendido. 7 Marca do amido de milho embalado pela Unilever. 8 Indústria automotiva alemã.
CARVALHO, Ulysses M. Dinâmicas espaciais urbanas a partir da globalização ...
772
Taxa geométrica de crescimento anual da população 2000 - 2008 (% a. a.)
0
0,5
1
1,5
2
2,5
Estado de São Paulo Região de governo deCampinas
Mogi-Guaçu
Figura 1 - Taxa geométrica de crescimento anual da população 2000 – 2008
Fonte: IBGE e Fundação SEADE. Elaboração: o autor.
De acordo com o site do município e com o Atlas do Mercado Brasileiro da Gazeta
Mercantil9, Mogi-Guaçu é considerado um dos 300 municípios brasileiros mais dinâmicos e
seu potencial de consumo é inclusive superior à sua população.
Os incentivos10 para a implantação de indústrias vão desde a isenção de IPTU por
dez anos, isenção de ISS (Imposto sobre Serviços) em sua totalidade, na construção de
unidade territorial, além da doação de bens imóveis municipais para a implantação de novas
indústrias.
A seguir, apresentar-se-ão dados comparando certos aspectos econômicos do
município com a região de governo de Campinas e o estado de São Paulo (Figuras 2, 3, 4 e
5).
Partipação nas exportações do estado de São Paulo (%) - 2007
100
11,4346780,967106
0
20
40
60
80
100
120
Estado de São Paulo Região de governo deCampinas
Mogi-Guaçu
Figura 2 - Participação nas exportações do Estado de São Paulo
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Fundação SEADE. Elaboração: o autor.
9 Atlas do Mercado Brasileiro, Gazeta Mercantil – Edição maio de 2007. 10 Lei Nº 3.493 de 28 de outubro de 1997 de Incentivo ao Desenvolvimento Industrial.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
773
Participação da Agropecuária no total do valor adicionado (%) - 2005
1,84
5,04
0
1
2
3
4
5
6
Estado de São Paulo Mogi-Guaçu
Figura 3 – Participação da agropecuária no total do valor adicionado
Fonte: IBGE e Fundação SEADE. Elaboração: o autor.
Participação da Indústria no total do valor adicionado (%) - 2005
31,7
39,57
05
1015202530354045
Estado de São Paulo Mogi-Guaçu
Figura 4 - Participação da indústria no total do valor adicionado
Fonte: IBGE e Fundação SEADE. Elaboração: o autor.
Participação dso Serviços no total do valor adicionado (%) - 2005
66,46
55,39
4850525456586062646668
Estado de São Paulo Mogi-Guaçu
Figura 5 – Participação dos serviços no total do valor adicionado
Fonte: IBGE e Fundação SEADE. Elaboração: o autor.
CARVALHO, Ulysses M. Dinâmicas espaciais urbanas a partir da globalização ...
774
A partir destes gráficos, fica visível a participação do município nas exportações do
estado e no total de valor adicionado na agropecuária11, no total do valor adicionado na
indústria12 e finalmente, o total de valor adicionado nos serviços13. Assim, é possível
compreender que Mogi-Guaçu possui uma relevância econômica no estado de São Paulo e
estes gráficos comprovam, mais uma vez, a dinamização de sua economia e o papel que
desempenha como município intermediário.
AS CIDADES MÉDIAS
As cidades médias podem ser introduzidas num plano superior em relação às
cidades pequenas e num nível inferior em relação às grandes cidades e metrópoles, pelos
fluxos “materiais e imateriais, de transportes e telecomunicações – uma vez que eles não
estão justapostos nem apenas sobrepostos, mas articulados entre si” (SPOSITO. et al.
2007, p. 38). Como a própria autora afirma, é uma relação de “contigüidade como
conectividade” (Ibdem. p. 38) na rede urbana, juntamente com os fluxos já mencionados.
Embora não haja um consenso de conceituação sobre cidades médias, Sposito
(2006) diz:
O que se denomina como ‘cidades de porte médio’ são aquelas que têm entre 50 mil e 500 mil habitantes. Entretanto, nem todas as ‘cidades de porte médio’ são, de fato, cidades médias, pois para serem assim conceituadas há que se verificar mais elementos que os indicadores demográficos e se analisar a magnitude e diversidade dos papéis desempenhados por uma cidade no conjunto da rede urbana. Assim, atribui-se a denominação “cidades médias” àquelas que desempenham papéis regionais ou de intermediação no âmbito de uma rede urbana, considerando-se, no período atual, as relações internacionais e nacionais que têm influência no conformação de um sistema urbano. (2006, p. 175)
Assim, há a tentativa de compreensão das dinâmicas de produção e reprodução do
espaço urbano, de modo geral, entre as hierarquias urbanas e se há especificidades nessas
cidades, diante desse novo olhar que as cidades médias adquiriram.
Atualmente, as metrópoles ainda concentram as principais atividades econômicas e
também os nós das redes urbanas, entretanto as cidades médias estão adquirindo uma
11 Percentual do valor adicionado do setor agropecuário no total do valor adicionado da agregação geográfica. Valor adicionado do setor agropecuário é o valor que a atividade agropecuária agrega aos bens e serviços consumidos no seu processo produtivo. Fonte: Fundação SEADE/ Perfil Municipal 12 Percentual do valor adicionado do setor industrial no total do valor adicionado da agregação geográfica. Valor adicionado do setor industrial é o valor que a atividade das indústrias agrega aos bens e serviços consumidos no seu processo produtivo. Fonte: Fundação SEADE/ Perfil Municipal 13 Percentual do valor adicionado do setor serviços no total do valor adicionado da agregação geográfica. Valor adicionado do setor serviços é o valor que a atividade das empresas de serviços agregam aos bens e serviços consumidos no seu processo produtivo. Fonte: Fundação SEADE/ Perfil Municipal.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
775
importância significativa, podendo ser representada inclusive pelo seu aumento populacional
nos últimos tempos. Egler (2001) afirma:
[...] o processo de concentração populacional nos grandes centros urbanos é mais relevante que o fenômeno de difusão espacial da urbanização. Mas, ao mesmo tempo, a relação entre crescimento populacional/crescimento do número de cidades é bem mais importante para as cidades intermediárias, o que demonstra o dinamismo desta categoria de centros urbanos. (p. 11)
Este dinamismo entre as diferentes formas de cidade aparece com o próprio
surgimento de um mercado nacional, e conseqüentemente, da rede urbana,
[...] a formação desse mercado que fortaleceu as relações entre as cidades brasileiras, possibilitando que se vislumbrasse um sistema urbano, conformando, de fato, uma rede urbana, processo que não havia ainda se completado desde que se iniciara a passagem do Brasil agrário-exportador para o Brasil urbano-industrial, já na década de 1930. (SPOSITO, M. E. B. et al. 2007, p. 39).
Nesta alteração da economia global, com sistema fordista sendo alterado para outro
modo de produção, o toyotismo, distinguido por uma estrutura flexível, toda a economia do
planeta e logicamente a brasileira se transformam também, “[...] e mudou, simultaneamente,
a participação do país na divisão internacional do trabalho e a divisão regional do trabalho,
em termos técnico-econômicos e territoriais”. (SPOSITO, M. E. B.. et al. 2007, p. 39)
Diante destas mudanças, as cidades médias surgem e adquirem uma relevância
maior, desde então. Os grandes centros urbanos e metrópoles começam a sofrer um
decréscimo de sua população (observar figura 6), além da descentralização industrial que
também vai ocorrendo.
População Total Brasileira
Municípios de Regiões Metropolitanas
Aglomerações Urbanas
Centros Urbanos (inseridas as Cidades Médias)
1,63
1,99
2
2
Crescimento Populacional entre 1980 a 2000 (%)
Figura 6 – Crescimento Populacional entre 1980 a 2000. Fonte: BOENINGER (2003) apud SPOSITO, M. E. B. et al. (2007, p. 40).
Elaboração: o autor.
CARVALHO, Ulysses M. Dinâmicas espaciais urbanas a partir da globalização ...
776
Estas cidades, de acordo com Diana Motta e Daniel da Mata (IPEA, 200814),
apresentam:
a importância das cidades médias reside no fato de que elas possuem uma dinâmica econômica e demográfica próprias, permitindo atender às expectativas de empreendedores e cidadãos, manifestadas na qualidade de equipamentos urbanos e na prestação de serviços públicos, evitando as deseconomias das grandes cidades e metrópoles. Dessa forma, as cidades médias se revelam como locais privilegiados pela oferta de serviços qualificados e bem-estar.
É necessário compreender a rede urbana, num conceito geral, como as relações
entre o fixo e o fluxo. O fixo é o espaço objeto, as formas, e os fluxos são toda a dinâmica
espacial, material ou virtual, ou seja, espaço ação. Se há uma relação de fluxos entre as
cidades, há uma rede urbana. Assim, a rede urbana são as ligações entre as cidades
(SANTOS, 2006). Pensando as cidades a partir das redes, podemos pensar na grande
cidade ou metrópole como o lócus da inovação e da globalização, onde a velocidade dos
fluxos é intensa, sendo o exemplo mais claro do período técnico científico e informacional.
Contrariando estes locais, existe a pequena cidade, caracterizada pela lentidão dos fluxos e
pela presença pontual da globalização sobre o espaço. Por fim, as cidades médias, que são
o local intermediário entre esses dois lócus já mencionados, apresentando tanto
características da pequena, como da grande cidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir destas concepções apresentadas anteriormente e considerando a cidade
como um lugar singular, ou como diz Santos, a respeito de lugar, “Quanto mais os lugares
se mundializam, mais se tornam singulares e específicos, isto é, ‘únicos”. (1997, p. 32), a
cidade, desde a sua formação, vai se afeiçoando de uma maneira única e com o decorrer do
seu desenvolvimento e com a ação do tempo, esta unicidade vai aumentando e fortalecendo
o desafio do geógrafo em compreendê-la. Doreen Massey (2008) afirma que
O espaço é tão desafiador quanto o tempo. Nem o espaço nem o lugar podem fornecer podem fornecer um refúgio em relação ao mundo. Se o tempo nos apresenta as oportunidade de mudança [...], então o espaço nos apresenta o social em seu mais amplo sentido: o desafio de nossa inter-relacionalidade constitutiva – e, assim, a nossa implicação coletiva nos resultados dessa interrelacionalidade, a contemporaneidade radical de uma multiplicidade de outros, humanos e não humanos, em processo, e o projeto sempre específico e em processo das prática e em processo das práticas através das quais essa sociabilidade está sendo configurada. (2008, p. 274)
Nesta heterogeneidade que o espaço apresenta, principalmente devido a sua
relação com o tempo e inserindo a urbe nesta complexidade, podemos compreendê-la como
“elemento fundamental da organização do espaço” (BEAUJEU-GARNIER, 1995 p. 07).
14 Texto retirado do site do IPEA, sem paginação. (Observar bibliografia)
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
777
O município estudado vem apresentando um processo de evolução de suas
características urbanas, destacando-se o nível elevado dos serviços urbanos básicos (coleta
de lixo, água tratada, luz elétrica, esgoto e pavimentação de ruas) atingindo todas as regiões
da cidade, inclusive áreas mais desprovidas. Além disso, ainda possui uma grande
porcentagem de tratamento de esgoto, o que é algo relevante para uma cidade que é
cortada por um rio. Além destas características, vem atraindo investimentos por parte de
indústrias, afinal possui distritos industriais capazes de atender à demanda.
Diante destas características apresentadas, além da observação feita em campo,
percebe-se a presença de uma melhor estrutura urbana, novas instalações industriais e a
fixação de representantes do setor de serviços, característicos da nova economia
globalizada, principalmente bancos e grandes franquias. Também a busca de informações
nos órgãos públicos é possível incluir Mogi-Guaçu neste novo conceito de categoria de
cidades médias.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BEAUJEU-GUARNIER, Jacqueline. Geografia Urbana. 2. Edição. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1995. EGLER, Cláudio Antonio Gonçalves. Subsídios à caracterização e tendências da rede urbana do Brasil. Configuração e dinâmica da rede urbana. Disponível em http:// http://www.laget.igeo.ufrj.br/egler/pdf/Redeur.pdf - Acesso em 12 de janeiro de 2008. IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Disponível em http:// http://www.ipea.gov.br/default.jsp - Acesso em 30/07/2008. NEGRI, Barjas, Concentração e Desconcentração Industrial em São Paulo (1880-1990). Campinas: Editora da Unicamp, 1996. MASSEY, Doreen B. Pelo espaço: uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. ROLNIK, Raquel. O que é cidade. São Paulo: Brasiliense, 1989. SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da geografia. São Paulo: HUCITEC. 1997. SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. Brasil Território e Sociedade no início do século 21. São Paulo, Record, 2003. SANTOS, Milton. A natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 4. Edição. 2006. SPOSITO, Eliseu Savério; SPOSITO, Maria Encarnação; SOBARZO, Oscar.(Orgs). Cidades médias: produção do espaço. São Paulo: Expressão popular, 2006. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão (Org). Cidades Médias: Espaços em transição. São Paulo: Expressão Popular, 2007.
A REDE URBANA E A TEORIA DAS LOCALIDADES CENTRAIS: CONTRIBUIÇÕES PARA ANÁLISE
Wagner Vinicius Amorim [email protected]
Aluno do Programa de Pós-Graduação em Geografia - Mestrado UNESP – FCT – Presidente Prudente – SP
Bolsista CNPq Resumo: O presente estudo objetiva concatenar leituras e discussões de alguns autores que contribuíram ao estudo da rede urbana, sobretudo, daqueles que, de uma forma ou de outra, fizeram uso da teoria das localidades centrais formulada pelo geógrafo alemão Walter Christaller em 1933, e desenvolvida por tantos outros geógrafos sucessivamente, demonstrando potencialidades, mas também limitações e restrições ao uso do que se pretendia uma teoria de equilíbrio geral. Num primeiro momento discorrer-se-á a respeito da rede e da rede urbana. Na seqüência, a partir de um referencial teórico eclético, a análise será desenvolvida em torno das potencialidades, da relativa validade da teoria e de seus limites e restrições impostas pela própria complexificação do objeto. Por fim, uma breve consideração a respeito da rede urbana norte-paranaense, geneticamente reconhecida nos moldes christallerianos, com base em alguns autores que contribuíram a partir de estudos neste sentido. Palavras-chave: Rede; rede urbana; teoria das localidades centrais; rede urbana norte-paranaense.
INTRODUÇÃO
O conteúdo de um conceito é a sua história. A apreensão do conteúdo do conceito
exige o acompanhamento de seu desenrolar e de seu movimento. É histórico e evidente o
papel da rede na organização do território, seja de um ponto de vista econômico, técnico,
cultural e/ou político ou de todos indissociavelmente. Tamanha importância atribui-se ao
papel desempenhado pela rede que é possível encontrá-la associada à produção do
espaço, pois, como bem reconheceu Lefebvre (1991, p. 5):
[…] a sociedade no seu conjunto, compreendendo a cidade, o campo e as instituições que regulamentam suas relações, tende a se constituir em rede de cidades, com uma certa divisão do trabalho (tecnicamente, socialmente, politicamente) feita entre essas cidades ligadas por estradas, por vias fluviais e marítimas, por relações comerciais e bancárias.
Os fluxos, conexões e interações de todos os tipos pressupõem a existência das
redes. Por meio das redes, mecanismos econômicos, sociais e políticos tanto incluem como
excluem qualquer outro ponto da mesma. Portanto, a rede nunca é neutra, porque seu
sujeito não o é (DIAS, 1995, p. 148). Nesse sentido, afirma Dias (1995, p. 148), que “[...]
nunca lidamos com uma rede máxima, definida pela totalidade de relações mais diretas,
mas com a rede resultante da manifestação das coações técnicas, econômicas, políticas e
sociais.”. A seletividade espacial como lógica estratégica de localização geográfica pode ser
ampliada por meio do uso que se faz das redes num determinado território. É assim que os
principais centros de gestão e controle da economia e da produção nacional ou mesmo
AMORIM, Wagner V. A rede urbana e a teoria das localidades centrais: Contribuições para ...
780
internacional comandam suas ações por diferentes territórios ou sobre o globo, mesmo que
atualmente a produção stricto senso se dê da maneira mais desconcentrada possível.
Toma-se como exemplo a questão do setor financeiro, que, de acordo com Dias (1995, p.
151), no quadro de uma economia global e informatizada põe em curso estratégias de
seletividade espacial em amplitudes jamais cogitadas anteriormente.
Dias (1995, p. 154), coloca que múltiplos conflitos e desigualdades sócioespaciais
vem sendo ampliados, em função da divisão territorial do trabalho e da diferenciação da
localização, a partir da mobilidade crescente dos capitais, que reorganizam o sistema
urbano e favorecem a concentração espacialmente seletiva dos potenciais de crescimento.
Nesse contexto, as redes podem tanto ser viabilizadoras da ordem quanto da desordem, a
primeira condição em relação aos interesses das grandes corporações, e a segunda em
relação a escala local, engendrando processos de exclusão social ao marginalizar centros
urbanos ao alterar seu mercado de trabalho, destituindo-os dos benefícios da proximidade
geográfica da qual antes tiravam suas forças.
Em trabalho recente a mesma autora (DIAS, 2005, p. 21) exemplifica o uso da rede
no sentido exposto anteriormente ao descrever como que a política espacial implementada
no Brasil na década de 1990 pelo governo Fernando Henrique Cardoso, por meio da
concepção subjacente à proposta dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento
(ENID), levou à cabo a constituição de uma eficiente rede logística para o escoamento da
produção agrícola ao integrar cada eixo aos mercados internacionais de commodities.
Assim, como coloca a autora, a rede faz jus à sua etimologia, ao servir para capturar
pequenos espaços nas tramas das redes financeiras do sistema capitalista global (DIAS,
2005, p. 23).
Na acepção de Haesbaert (2006, p. 114), nenhum espaço regional ou nacional é
estanque, muito menos se dispõe numa hierarquia perfeita, ao contrário, muitos dos
fenômenos que os acometem participam de redes locais ou regionais, outros de redes
nacionais e/ou mundiais e não são poucas as descontinuidades e os entrelaçamentos. É
nesse sentido que a sociedade moderna foi se tornando, ao contrário da tradicional, cada
vez mais reticulada, transformada por fluxos cada vez mais dinâmicos e velozes,
globalizados e extrovertidos (HAESBAERT, 2006, p. 122). Contudo, não se pode perder de
vista que, “[...] como uma das características das redes é que elas formam apenas linhas
(fluxos) que ligam pontos (pólos), jamais preenchendo o espaço no seu conjunto, muitos são
os interstícios que se oferecem para outras formas de organização do espaço”, por vezes,
alternativas à hegemônica (HAESBAERT, 2006, p. 123).
A despeito da gigantesca massa de excluídos e de marginalidade em relação às
redes dominantes, é fato que “[...] o mundo hoje é marcado por processos de globalização,
onde quem comanda são as redes construídas pelas grandes corporações financeiras e do
comércio transnacional.” (HAESBAERT, 2006, p. 124). Numa proposta didática e não
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
781
simplificadora, Haesbaert (2006, p. 126) afirma que atualmente, numa escala planetária,
convivem duas lógicas, uma mais tradicional calcada no domínio territorial dos Estados-
Nações, e uma lógica das redes, a principal delas assumindo um caráter de “oligopólio
mundial”, fundando pela tríade Japão – Estados Unidos – União Européia, cada um desses
núcleos estendendo suas redes prioritariamente sobre determinados espaços do planeta.
A proposta desse texto é discutir e analisar a rede urbana de um ponto de vista
puramente teórico, a partir de algumas contribuições ao conceito. Corrêa (1989, p. 87 e 89),
em um de seus célebres estudos da rede urbana, explica que ela consiste num
[...] conjunto funcionalmente articulado de centros, que se constituem na estrutura territorial onde se verifica a criação, apropriação e circulação do valor excedente. A compreensão da singularidade de cada uma das redes urbanas – comandada pelas metrópoles ou capitais regionais, no processo de criação, apropriação e circulação do valor excedente – deve ser o objetivo mais geral dos estudos de casos: tais estudos não são senão a procura do entendimento de uma singularidade enquanto especificação da totalidade, e uma fonte de compreensão desta mesma totalidade social.
Tais redes urbanas, comandadas tanto por metrópoles como por capitais regionais,
“são indicadas com base nas características internas de cada uma em termos de épocas e
processos distintos de valorização econômica. Admite-se que expressem diferentes padrões
de participação no processo de criação, apropriação e circulação do valor excedente”
(CORRÊA, 1989, p. 89). Por essa razão, o presente estudo se propõe a discutir a rede
urbana em sua multidimensionalidade, seja no que se refere ao seu caráter dinâmico e
processual; estático, inerte e cristalizado; condição e reflexo da divisão territorial e
internacional do trabalho, e articuladora de funções de circulação e de fluxos entre cidades,
regiões e países.
A REDE URBANA: UM OLHAR MULTIDIMENSIONAL A PARTIR DA TEORIA DAS LOCALIDADES CENTRAIS
O objetivo central deste texto consiste num esforço de síntese a respeito da rede
urbana a partir dos desdobramentos da proposta de Walter Christaller e a evolução desses
estudos para além da proposição christalleriana, sem por isso, prescindir de algumas de
suas premissas e sua relativa vitalidade que persiste até hoje e que vem sendo debatida por
determinadas áreas da pesquisa urbana e regional. Camagni1 (2005, p. 97 e 98), afirma
que a observação da realidade empírica nos ajuda a perguntar-nos se dita realidade
nos mostra de fato não só a coexistência de diversas dimensões urbanas, mas também
como a estas últimas correspondem funções econômicas, diferentes e como existem
distâncias geográficas diferentes entre cidades de diferentes dimensões. Neste sentido,
1 A tradução para o português das citações extraídas de Camagni (2005), publicado em idioma espanhol, é de inteira responsabilidade do autor.
AMORIM, Wagner V. A rede urbana e a teoria das localidades centrais: Contribuições para ...
782
mutatis mutandis, acredita-se reforçada a tese de que com uma limitada quantidade de
suposições, o modelo de Christaller, prevalecentemente qualitativo e não formalizado, com
poucas hipóteses explicitamente formuladas, pôde explicar o papel, a dimensão e
distribuição espacial dos centros urbanos numa hierarquia ordenada e coerente, daí sua
relevante coerência interna historicamente datada2 (CAMAGNI, 2005, p. 100 e 101).
De acordo com Corrêa (1997, p. 17), a recuperação da teoria das localidades
centrais de Christaller é importante, porque ela “[...] trata de um tema relevante que é o da
organização espacial da distribuição de bens e serviços, portanto, de um aspecto da
produção e de sua projeção espacial, sendo assim, uma faceta da totalidade social”. Trata-
se de uma forma de organização espacial vinculada ao capitalismo, de natureza histórica,
materialmente cristalizada no espaço por meio de processos de distribuição varejista e de
serviços, articulando, predominantemente a produção e o consumo, portanto, uma estrutura
territorial necessária ao processo de acumulação capitalista (CORRÊA, 1997, p. 20).
No processo de organização espacial engendrado a partir da integração dos
processos de produção, consumo e distribuição capitalista, fundamentado na divisão
territorial e social do trabalho, com evidências factíveis na articulação entre diferentes áreas
produtoras, interligadas por meio do comércio varejista e dos serviços, a articulação e a
integração crescentemente diversificada confirmam a existência de mecanismos
econômicos de alcance espacial máximo e mínimo e de economias de aglomeração, e
adquirem um significado novo que é o da própria acumulação capitalista, gerando uma
diferenciação hierárquica entre todos os centros de uma rede de distribuição (CORRÊA,
1997, p. 19).
O arranjo estrutural e espacial da rede de localidades centrais é influenciado pela
herança do passado no sentido de ser reestruturado a partir de uma base já implantada
parcialmente ou totalmente recuperada, isto é, a partir da necessidade de se reestruturar
progressivamente, à medida que a ocupação do espaço progredisse, corroborando na
conformação de uma rede urbana a partir de pontos estrategicamente localizados em face
de necessidades diversas (CORRÊA, 1997, p. 28).
Tal como propôs Rochefort (1998, p. 20), pode-se chamar de rede urbana a
organização dos centros urbanos – complexos e múltiplos – e de suas zonas de influência
no interior de uma região controlada por um centro regional. Essa organização, bem como
essa influência, se exercem por meio das atividades e dos serviços, constituem, assim, a
rede urbana. O autor (ROCHEFORT, 1998, p. 22), atenta para o fato de que as redes
urbanas se configuraram, grosso modo, a partir do momento em que os transportes
modernos facilitaram os deslocamentos de relações, sofrendo uma evolução complexa
2 “[...] o domínio das localizações centrais no século XIX [e início do XX] pode ser explicado pelo fato de que era muito mais caro transportar mercadorias do que pessoas, especialmente a uma certa distância das facilidades centrais do comércio.” (RICHARDSON, H.W. Economia Urbana. São Paulo: Interciência, 1978, p. 23).
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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desde a sua criação: “[...] tiveram de registrar a própria evolução das atividades de serviços
de que as cidades são o suporte: modificação das estruturas administrativas, concentração
financeira das atividades econômicas, desenvolvimento das necessidades em serviços [...]”.
Em suma, “os aspectos atuais das redes traduzem não apenas as necessidades presentes,
variadas, das regiões e dos países, mas também fenômenos de sobrevivência das fases
anteriores da implantação das cidades.” (ROCHEFORT, 1998, p. 23).
É tão certa a realidade – de estrutura e organização espacial – da noção de rede
urbana, contanto que se tenha em conta de que as redes e as estruturas são sempre
afetadas por fenômenos de sobrevivência devido à permanência de qualquer cidade,
mesmo depois de terem desaparecidos os fatores que estiveram presentes na formação
dessas cidades (ROCHEFORT, 1998, p. 27).
Neste sentido, acredita-se válido um retorno às idéias de Christaller, todavia é mister
acrescentar que ele partiu “[...] da hipótese de um espaço isotrópico, homogêneo em todas
as direções [...], afirma Camagni (2005, p. 98), “[...] tanto em termos de densidade
demográfica como de características físicas e de infra-estrutura, afirmando a valorização
sobre a eficiência espacial de estrutura de concentrações produtivas eqüidistantes e de
áreas de mercado hexagonais para cada bem”, propondo-se a examinar como “[...] produtos
e funções diferentes, em particulares funções de serviços, se articulam no território dando
origem a uma hierarquia urbana.” (CAMAGNI, 2005, p. 98 e 99).
Segundo Corrêa (1997, p. 31), nos desdobramentos da perspectiva christalleriana:
[...] a correlação locacional hierárquica deriva da coesão de interesses, ainda que possa haver certos conflitos internos, da classe dominante ou de suas diversas frações [...] bem como de interesses do capital estrangeiro, que encontram na centralidade diferencial das localidades centrais, uma diferenciação proporcional para melhor realizar sua continuidade, quer dizer, realizar-se e reproduzir-se, bem como, por meio da acumulação de recursos, poder e controle sobre a sociedade, poder reproduzi-la.
Assim, a rede de localidades centrais constitui-se em uma verdadeira cristalização
material necessária a limitada produção industrial – no caso de países em vias de
industrialização, ou onde ela se verifica espacialmente concentrada –, “[...] para onde
convergem fluxos vinculados a excedentes diversos que alimentam o processo produtivo
global, onde se concretiza parcela ponderável do consumo final, e de onde se exerce o
controle da sociedade.” (CORRÊA, 1997, p. 32).
Corrêa (1997, p. 34 e 35), argumenta que a teoria das localidades centrais,
historicamente concebida numa fase concorrencial do capitalismo encontrou limitações na
ascensão e predomínio das formas monopolísticas do capitalismo, porém,
contraditoriamente, verifica-se, sobretudo, no caso da realidade brasileira em meados da
década de 1960, que, arranjos estruturais e espaciais provenientes de uma fase
concorrencial do capitalismo puderam emergir sob as condições de capitalismo
AMORIM, Wagner V. A rede urbana e a teoria das localidades centrais: Contribuições para ...
784
monopolístico, ao reproduzir a forma básica da rede de localidades centrais, a despeito das
mudanças atinentes às novas demandas.
Na proposição de Christaller, a diferenciação entre as localidades centrais traduz-se
em uma região economicamente homogênea e desenvolvida, e numa nítida hierarquia
espacial definida simultaneamente pelo conjunto de bens e serviços oferecidos pelos
estabelecimentos do setor terciário. Essa hierarquia caracteriza-se pela existência de níveis
estratificados de localidades centrais, nos quais os centros de um mesmo nível hierárquico
oferecem um conjunto semelhante de bens e serviços e atuam sobre áreas semelhantes no
que diz respeito à dimensão territorial e ao contingente de população. Os mecanismos
fundamentais que atuam gerando essa hierarquia de centros são, de um lado, o alcance
espacial máximo e, de outro, o alcance espacial mínimo (CORRÊA, 1997, p. 41).
Segundo o modelo de Christaller, bem adaptado para descrever e interpretar uma
estrutura de centros baseadas na produção de serviços, os centros maiores desenvolvem
todas as funções inferiores além das superiores, nas quais são especializados, nesse
aspecto encontra grande respaldo empírico (CAMAGNI, 2005, p. 107). Para o caso do setor
de serviços, a diferenciação por produtos em mercados mutuamente excludentes, como é o
caso na produção industrial, sucede com menor freqüência;
[...] neste caso, a diferenciação relevante do produto ou bem deriva da presença do espaço físico que torna diferente dois serviços fornecidos em duas localizações diferentes [...] ou a bem das características ‘qualitativas’ dos produtos [...] e isto o modelo pode ter em conta considerando como serviços distintos os serviços diferenciados no sentido qualitativo e distintas as respectivas áreas de mercado (CAMAGNI, 2005, p. 107).
Na presença de uma restrição superior na adição de novas funções e de novos
postos de trabalho – imposta por centros hierarquicamente superiores –, restrição dada pela
escassa flexibilidade da taxa de atividade da população, cada cidade busca uma
especialização nos setores nos quais se manifesta uma vantagem comparativa (CAMAGNI,
2005, p. 108). Assim, seu modelo está construído sobre a hipótese da otimização:
minimização dos custos de transportes, minimização dos custos de centros para alcançar
economias de aglomeração e reduzir os investimentos em redes de transporte, e maximizar
os benefícios para os produtores. Deste modo, as soluções espaciais que se podem obter
respondem, em tom normativo, pois, a critérios de racionalidade. Dada a coerência entre os
níveis teórico e empírico, o lado normativo do modelo foi amplamente utilizado com fins de
planificação territorial na França, com a política das metrópoles de equilíbrio e cidades
médias; na Suécia, com a criação de novas regiões administrativas e a planificação
interurbana de muitos serviços públicos; e no Brasil, para localização das novas cidades
(CAMAGNI, 2005, p. 108).
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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O modelo de Christaller se coloca como um modelo de equilíbrio geral, no entanto,
afirma Camagni (2005, p. 109), os resultados a que chega não permitem considerá-lo
satisfatoriamente como tal, sendo assim, a necessidade de alguns limites ao modelo impõe-
se:
Falta-lhe uma análise do lado da demanda do consumidor, que segue sendo
em grande medida exógena e não vinculada particularmente a renda e a densidade
residencial. Assim, o modelo é, eminentemente, um modelo de produção;
A função de custos é independente da localização e, portanto, não leva em
consideração a variabilidade espacial do preço e da produtividade dos fatores de
produção. Esta variabilidade é, todavia, mais evidente, para uma teoria da
localização, na – não – consideração da variabilidade do custo do solo urbano nas
distintas classes de cidade em função de sua dimensão e das possíveis economias
de aglomeração;
“As distintas produções estão simplesmente justapostas e agregadas sobre o
território, mas não existe nenhum mecanismo de interdependência, nem pelo que
faz referência aos possíveis efeitos de complementaridade/substituição na
demanda, nem pelo que faz referência aos possíveis vínculos input/output na
oferta; principalmente estes últimos, que através da redução dos custos de
transporte, podem ter um impacto importante sobre as localizações.” (CAMAGNI,
2005, p. 109).
Outras limitações impostas à teoria dos lugares centrais, para além dessas três
considerações anteriores, esclarecem o caminho de uma crítica ao modelo em si ao se
colocar em evidência algumas contradições presentes na sua lógica interna. Essas
contradições se evidenciam nas amplitudes tendenciais na demanda que podem induzir a
um estado não homogêneo de distribuição da população sobre um determinado território e
vice-versa, desconsiderando-se, portanto, o resultado do modelo que indica uma
concentração tendencial de atividades nos centros urbanos de crescente nível hierárquico.
Em conseqüência dessa fragilidade, “[...] as mais modernas contribuições a teoria do lugar
central tomam diretamente em consideração a distinta dimensão dos centros, ainda que seja
perdendo a possibilidade de apresentar uma representação geométrica dos
correspondentes modelos analíticos.” (CAMAGNI, 2005, p. 110). Outro problema consiste na
não consideração da concentração residencial somada a inexistência, no modelo, de
qualquer tipo de economia de localização e de urbanização, ou seja, de vantagem
aglomerativa para produtores pertencentes ao mesmo setor. Em suma, poder-se-ía dizer
que o modelo indica a presença/ausência das distintas funções nos distintos centros, mas
AMORIM, Wagner V. A rede urbana e a teoria das localidades centrais: Contribuições para ...
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não a dimensão econômica de ditas funções nos centros de distintas dimensões
(CAMAGNI, 2005, p. 111).
Em síntese, o modelo somente considera as forças mais simples e originais da
aglomeração. Se isto, de um lado, limita a complexidade analítica do modelo, de outro,
aumenta sua elegância e sua força explicativa. Porém, estas forças por si só não estariam
em condições de criar uma hierarquia de centros operantes numa pluralidade de setores,
sem o aporte de ulteriores hipóteses, as quais, não obstante, seriam estranhas a lógica
estrita do modelo, também porque sua consideração destruiria os simples supostos iniciais.
Nesse sentido, nas palavras de Camagni (2005, p. 111):
Se a cidade é uma concentração de atividades residenciais, um grande mercado de trabalho e um modo eficiente de organização da produção social, o modelo de lugar central na formulação de seus fundadores cria, desde um ponto de vista analítico, uma hierarquia de cidades sem cidades.
Mas, de qualquer forma, “[...] o fato de que o modelo constitua a primeira e, em
muitos sentidos, todavia, não superada formulação, econômica e territorial ao mesmo
tempo, do princípio de hierarquia, lhe garantiria uma posição central na história do
pensamento economicoespacial.” (CAMAGNI, 2005, p. 112).
A VALIDADE HISTÓRICA: DA INERTE E ESTÁTICA À DINÂMICA E ECLÉTICA REDE URBANA
Rochefort (1998, p. 22), atenta para o fato de que as redes urbanas se configuraram,
grosso modo, a partir do momento em que os transportes modernos facilitaram os
deslocamentos de relações, sofrendo uma evolução complexa desde a sua criação: “[...]
tiveram de registrar a própria evolução das atividades de serviços de que as cidades são o
suporte: modificação das estruturas administrativas, concentração financeira das atividades
econômicas, desenvolvimento das necessidades em serviços [...]”, etc. Em suma, “os
aspectos atuais das redes traduzem não apenas as necessidades presentes, variadas, das
regiões e dos países, mas, também fenômenos de sobrevivência das fases anteriores da
implantação das cidades.” (ROCHEFORT, 1998, p. 23).
É tão certa a realidade – de estrutura e organização espacial – da noção de rede
urbana, contanto que se tenha em conta de que as redes e as estruturas são sempre
afetadas por fenômenos de sobrevivência devido à permanência de qualquer cidade,
mesmo depois de terem desaparecidos os fatores que estiveram presentes na formação
dessas cidades (ROCHEFORT, 1998, p. 27).
Nos últimos 20 anos tem se verificado, de acordo com Camagni (2005, p. 121), o
forte desenvolvimento relativo de cidades de dimensão intermediária (cidades de porte
médio e/ou cidades médias, com população entre 40.000 a 200.000 habitantes), vinculando
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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ao fenômeno uma mudança qualitativa nas relações hierárquicas urbanas, formando uma
rede estreitamente interconexa de centros intermediários. Dentre outros, os seguintes
elementos são explicadores deste fenômeno:
A aparição prepotente de uma propensão localizativa não metropolitana da
indústria, a partir de finais dos anos 1950, criando uma estrutura territorial de
centros tendencialmente especializada e menos hierárquica em comparação com o
que ocorre nos serviços (CAMAGNI, 2005, p. 122);
O abandono do princípio “areal” e a menor importância dos custos de
transportes, a consolidação de relações em rede: redes de informação, redes de
relações de sub-fornecimento, redes financeiras, redes multiescalares, etc.
(CAMAGNI, 2005, p. 123);
A interpretação dessa nova tendência exposta anteriormente deixa claro que a
tradicional estrutura urbana herdada da sociedade agrícola precedente, caracterizada por
uma hierarquia christalleriana estreitamente alinhada de centros, organizados diretamente a
partir da estrutura hierárquica dos mercados agrícolas e da estrutura, também estreitamente
hierarquizada, das funções burocráticas e administrativas públicas, vem sendo substituídas
por uma estrutura híbrida christalleriana-loschiana de diferentes variáveis caracterizada por
(CAMAGNI, 2005, p. 123 e 124):
Permanência de relações hierárquicas nos níveis elevados da estrutura
urbana, organizadas ao redor dos mercados das funções terciárias avançadas e de
controle e gestão;
A permanência em alguns territórios de uma estrutura hierárquica de tipo
“areal” organizada em termos de áreas de mercado para os inputs de produção,
tendo sua explicação consolidada na relativa imobilidade dos ditos inputs e no
relevante custo de transporte que os caracteriza;
“A presença de centros especializados, pertencentes aos níveis médio-alto e
médio-baixo da estrutura urbana, caracterizados por uma densa rede de relações
horizontais e organizados sobre a base de “vocações” de tipo industrial, as mais
freqüentes, mas também do tipo terciário [...]” (CAMAGNI, 2005, p. 124).
Camagni (2005, p. 124 a 126) põe acento na dimensão da organização em redes de
cidades, que, ao estabelecerem entre si um conjunto de relações, do tipo horizontais e não
hierárquicas, de complementaridade, tendo seus centros dotados de vantagens advindas da
especialização e da divisão territorial do trabalho, realizáveis mediante economias de
integração horizontal e vertical. Além das redes de complementaridade, destaca-se mais
AMORIM, Wagner V. A rede urbana e a teoria das localidades centrais: Contribuições para ...
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atualmente a atuação de redes de sinergia, que promovem e se promovem por meio de
redes de inovação e de inovações territoriais. São aquelas “[...] redes de centros financeiros
internacionais na qual, graças a integração telemática, é possível, de qualquer centro,
operar diretamente no mais vasto mercado internacional, desfrutando das correspondentes
economias de escala.” (CAMAGNI, 2005, p. 125). O modelo em rede não é um modelo de
integração total do território, mas tal modelo se adapta bem para representar o
comportamento espacial da indústria e do terciário superior, ainda que outros setores atuem
de acordo com o modelo tradicional, a saber, no comércio e em geral no setor terciário. Não
obstante, o modelo hierárquico “[...] persiste fortemente como uma “memória territorial” dos
tempos nos quais estes últimos setores representavam a quase totalidade da economia e
organizavam, em conseqüência, a paisagem urbana nas formas que sucessivamente temos
herdado”. O modelo global que emerge atualmente é, pois, necessariamente um modelo
eclético (CAMAGNI, 2005, p. 125).
Uma hierarquia de redes pode ser percebida, porém partindo-se de outros vieses
analíticos, são as redes de “cidades mundiais”, caracterizadas por processos sinérgicos na
gestão das relações financeiras, diplomáticas, de informação e de controle. Num outro nível,
tem-se cidades especializadas de caráter nacional atuantes de um ponto de vista da
especialização por setores e das relações de complementaridade; e em nível mais baixo, as
cidades especializadas de caráter regional atuantes de acordo com a mesma lógica anterior
(CAMAGNI, 2005, p. 125 e 126). Desse modo, é lícito falar que as redes de cidades
constituem-se num conjunto de relações horizontais e não hierárquicas que se estabelecem
entre centros complementares ou similares, relações que realizam a formação de
economias ou externalidades de, respectivamente, especialização/divisão do trabalho e de
sinergia/cooperação/inovação (CAMAGNI, 2005, p. 126).
Este modelo exposto assume, pois, que a força criadora que organiza a evolução
histórica da estrutura urbana é a constituição de ”postos avançados” em novos territórios
sob o empuxe de interesses comerciais, sinalizando um modelo histórico de
desenvolvimento por etapas e de um modelo geográfico de organização por “alinhamentos
territoriais”. A lógica implícita no modelo merece ser recordada pelo fato de por o acento
sobre um elemento relevante da natureza da cidade: o de ser a cidade um nó de relações
de longa distância na rede, além de ser um elemento organizador do espaço geográfico que
a circunda (CAMAGNI, 2005, p. 127 e 128).
De fato, as funções estratégicas, mais elevadas, da hierarquia urbana se relacionam
diretamente com as atividades diretivas e gerenciais indo mais além das puras relações
econômicas incorporando elementos de controle financeiro, organizativo e liderança política
(CAMAGNI, 2005, p. 132).
Camagni (2005, p. 132) propõe a questão da dominação do grande centro sobre o
centro menor, numa interação hierárquica que vai além da relação econômicofuncional de
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
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assimilação ótima dos recursos territoriais. A partir da recuperação do enfoque clássico da
economia política, Camagni (2005, p. 132), traz para o bojo da discussão a análise dos
preços relativos dos produtos/funções e daqueles elementos que permitem ao produtor
apropriar-se da mais-valia; evoca ainda a teoria da distribuição da renda, a qual incorpora as
divergências, isto é, as remunerações diferenciais dos fatores produtivos urbanos. Por fim,
mostrando as formas através das quais as classes que tomam as decisões estratégicas de
inversão de capital, escolha das técnicas, das localizações e, em geral, as decisões de
utilização econômica e territorial dos recursos, contribui a orientar a distribuição funcional e
territorial da renda (CAMAGNI, 2005, p. 132 e 133). A análise da teoria econômica a
respeito do último ponto ainda é muito pouco satisfatória, afirma Camagni (2005, p. 133),
mas, permite a reflexão a respeito da tendência imposta de se otimizar trabalho (labour
saving) levada a termo pelo progresso tecnológico; da tendência a hipersofisticação
tecnológica do conteúdo e design/marketing dos produtos; da proposição dos modelos de
vida e de consumo tipicamente metropolitanos, os quais impõem de forma cumulativa um
processo de utilização cada vez maior de fatores produtivos urbanos (trabalho qualificado,
informação e, portanto, solo central) e penalizam a demanda de fatores mais abundantes
nas áreas periféricas (CAMAGNI, 2005, p. 133).
A reflexão a cerca da teoria econômica das relações de domínio no interior da
hierarquia urbana está baseada sobre elementos que remetem a alguns aspectos, dentre
eles: a dependência comercial christalleriana de áreas de mercado, entre as quais as
funções inferiores estão inscritas, ainda que parcialmente, no interior das áreas das funções
superiores e na qual os centros de ranque mais elevado desenvolvem suas funções
inferiores. Neste caso, “[...] as relações de intercâmbio ou de transação são unidirecionais
ao longo da hierarquia: a grande cidade vende produtos e serviços a cidade média, e esta a
pequena, sem adquirir nada em troca [...]”, fazendo, pois, com surja entre as cidades de
distinta dimensão uma relação desequilibrada de dependência comercial (CAMAGNI, 2005,
p. 133).
Ainda, de acordo com a reflexão anterior, Camagni (2005, p. 133 e 134) argumenta
que os bens e serviços sofisticados, produzidos num ambiente urbano de nível elevado,
incorporam em cascata os sobrepreços dos inputs intermédios e dos fatores produtivos que
nascem das imperfeições dos respectivos mercados. Essas imperfeições são engendradas
pelo crescimento do nível das funções desenvolvidas e dos serviços produzidos, que
reduzem a elasticidade-preço, posto que elas implicam uma menor sensibilidade da
demanda face ao preço em relação aos bens e serviços de uso comum. Em síntese, esses
mercados são os da formação superior, do trabalho qualificado, da informação, da direção e
gestão, sendo cada mercado distinto o produtor do input estratégico do mercado sucessivo.
No caso da liderança político/governamental se trata do nível mais elevado da
hierarquia das funções, que estão desenvolvidas pelas elites do poder econômico, mas,
AMORIM, Wagner V. A rede urbana e a teoria das localidades centrais: Contribuições para ...
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sobretudo, do poder político. Essas “[...] relações hierárquicas se fundamentam e tem sua
legitimação em relações de tipo funcional, isto é, na eficiência dos processos produtivos e
da conseguinte divisão do trabalho, das quais representam a necessária e ineliminável
contraparte distributiva.” (CAMAGNI, 2005, p. 135). Neste caso, a hierarquia dos centros
urbanos impõe-se com vital validade, estruturada sobre a base de princípios tipicamente
funcionais de otimização no uso do espaço físico, e, sobretudo, estabelecida na divisão
territorial do trabalho, da qual emergem elementos de domínio geopolítico, econômico,
institucional, e de poder territorial.
PARA NÃO CONCLUIR: APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS: O EXEMPLO DO NORTE DO PARANÁ
A rede urbana é um produto social, historicamente situado, cujo papel principal é o
de, por meio de interações sócioespaciais, articular toda a sociedade numa dada porção do
espaço, garantindo a sua existência e reprodução (CORRÊA, 1997, p. 93).
Em cada uma das inúmeras redes urbanas os centros urbanos a ela
correspondentes desempenham um poderoso papel em sua (re)definição funcional e na
natureza e intensidade da integração de cada rede na economia na global que possui
poucos centros de gestão do território, isto é, cabeças de redes urbanas de abrangência
mundial (CORRÊA, 1997, p. 95).
A integração da rede urbana brasileira se deu, sobretudo, em meados da década de
1950, por meio da crescente divisão territorial do trabalho, da industrialização e da
necessária ampliação das articulações inter-regionais. Essa integração é complexa e
intensa, não mais limitada exclusivamente por interações do tipo descrito pela teoria das
localidades centrais, mas inclui relações de complementaridade em meio a especializações
funcionais que definem inúmeros centros urbanos (CORRÊA, 1997, p. 101 e 102).
Muitos estudos se debruçaram sobre a formação da rede urbana no Norte do Estado
do Paraná, chegaram a resultados conclusivos de que a gênese desta rede remete ao
padrão christalleriano. Essa rede urbana, resultante das estratégias da Companhia de
Terras Norte do Paraná (CTNP) – subsidiária da firma inglesa Paraná Plantations Company
–, além da disposição dos núcleos urbanos, planejou um comportamento espacial das
relações sociais interurbanas e entre campo-cidade, conforme se encontra registrado nos
documentos da empresa sucessora, a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná
(CMNP):
A Companhia de Terras Norte do Paraná adotou diretrizes bem definidas. As cidades destinadas a se tornarem núcleos econômicos de maior importância seriam demarcados de cem em cem quilômetros, aproximadamente. Entre estas, distanciados de 10 a 15 quilômetros um do outro, seriam fundados os patrimônios, centros comerciais e abastecedores intermediários. Tanto nas cidades como nos patrimônios a área urbana apresentaria uma divisão em datas residenciais e comerciais. Ao redor das
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áreas urbanas se situariam cinturões verdes, isto é, uma faixa dividida em chácaras que pudessem servir para a produção de gêneros alimentícios de consumo local, como aves, ovos, frutas, hortaliças e legumes. A área rural seria cortada de estradas vicinais, abertas de preferência ao longo dos espigões, de maneira a permitir a divisão da terra da seguinte maneira: pequenos lotes de 10, 15 ou 20 alqueires, com frente para a estrada [...]. Esse pequeno proprietário não agiria como o grande fazendeiro de café, que produzia grandes safras e as comercializava nos grandes centros, diretamente em São Paulo ou em Santos. Ele venderia seu pequeno lote de sacas de café nos patrimônios, aos pequenos maquinistas, que por sua vez comercializavam a sua produção nas cidades maiores, já com representantes das casas exportadoras. Por outro lado, esse pequeno proprietário não gastaria o dinheiro recebido como o grande fazendeiro, nas grandes cidades. Ele o gastaria ali mesmo, no comércio estabelecido nos patrimônios, gerando assim uma distribuição de interesses e uma circulação local de dinheiro que constituíram um salutar fator de progresso local e regional. (CMNP, 1977 apud ENDLICH, 2006, p. 80)
Deste modo, a fundação das pequenas localidades explica a origem da rede urbana
local e regional e suas respectivas relações interurbanas primordiais, sua função de fornecer
à população rural e a sua produção agrícola, a base material a uma necessária trama de
relações sociais, econômicas e políticas, sobretudo, presentes no período da economia
cafeeira. “Enfim, produziu-se, em poucas décadas, uma ampla rede urbana, com diversas
localidades centrais nos padrões christallerianos. Entre as diversas localidades criadas
algumas cresceram, enquanto outras praticamente desapareceram.” (ENDLICH, 2006, p.
80).
A teoria das localidades centrais desenvolvida por Walter Christaller, explicativa da
rede urbana, resultou da procura de uma teoria do equilíbrio geral para o número, tamanho
e distribuição das cidades, a partir de suas funções terciárias, principalmente comércio e
serviços. No entanto, novos elementos tornaram-se obrigatórios para se compreender a
complexificação e a estruturação dessas redes, tendo em vista que nas cidades a produção,
e não apenas o consumo, impunha-se também como um elemento estruturador. Daí, a
insuficiência da teoria ao tratar da rede urbana atual, a qual não se explica somente pelas
alterações no papel das necessidades e na racionalidade do suprimento da demanda, mas
também na injunção de inserir novos elementos na análise, como a distribuição das
atividades industriais, e suas interações resultantes (ENDLICH, 2006, p. 175). Deste modo,
de acordo com a análise de Endlich (2006, p. 175), “observa-se tanto na literatura como na
realidade analisada que a redefinição da rede urbana não está restrita ao seu
funcionamento como um conjunto articulado de localidades centrais, como centros de
comércio e de serviços [...]”, mesmo que as transformações nesse âmbito também tenham
sido substanciais e historicamente fundamentais para o entendimento dessa estrutura até os
dias de hoje. A importância histórica do uso da teoria no caso aqui analisado é reconhecida
também por Fresca (2007, p. 2), ao colocar que:
De uma maneira geral a compreensão da rede urbana em 1960 pode ser pautada nas formulações gerais de Christaller e nas contribuições a ela efetuadas por Corrêa (1982). O uso deste referencial se tornou possível tendo em vista que a rede urbana
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apresentava-se naquele momento como sendo do tipo Christalleriano, significando que a inserção da rede junto à divisão territorial do trabalho apresentava relativa fraca heterogeneidade produtiva, caracterizada fundamentalmente pela produção agrícola destinada ao mercado externo e interno. Com tal inserção, as cidades apresentavam-se como localidades centrais cuja essência era a distribuição de bens e serviços – correlacionadas à produção, circulação e consumo – além daquelas funções como coleta, transformação, comercialização e transporte da produção agrícola. Do desempenho destas funções emergia uma diferenciação hierárquica entre as cidades muito mais pautada na quantidade do que na qualidade das funções desempenhadas.
Na esteira de novos elementos necessários à análise e ao entendimento da
estruturação atual da rede urbana brasileira, sobretudo, no caso específico do Norte do
Paraná, Fresca (2007 e 2008) traz importantes contribuições à análise, ao afirmar que um
dos aspectos da complexidade funcional dos centros urbanos é o fato de cada um situar-se
em pelo menos duas redes, sendo que uma destas redes é aquela das localidades centrais.
“Evidentemente que esta ampliação se faz em outros patamares quantitativos e qualitativos,
correlacionados às transformações nas estruturas de consumo e com níveis de demanda
mais diferenciados, já que vinculada à maior estratificação social”. (FRESCA, 2007, p. 5).
Por isso, tal como propôs Fresca (2007, p. 5), “uma segunda rede de inserção dos
centros é menos sistemática e irregular porque envolve inúmeras relações de integração
interna e externa e ao mesmo tempo manifesta novos padrões de desigualdade vinculada
aos processos sociais”. Neste aspecto, as diferentes participações na divisão territorial do
trabalho; a dimensão produtiva das cidades da rede; a diversidade de processos de
expansão da produção industrial – gerando inclusive especializações produtivas em
determinados ramos para várias cidades –, para além da distribuição de bens e serviços,
sobretudo, no caso paranaense, resulta aos núcleos urbanos interações espaciais bastante
complexas que os inserem em redes diversas, cujas escalas alcançam o mercado nacional
e por vezes o internacional, inserido-os assim numa multifacetada rede muito mais ampla e
complexa (FRESCA, 2007, p. 5 a 10).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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ENDLICH, Ângela Maria. Pensando os papéis e significados das pequenas cidades do Noroeste do Paraná. Presidente Prudente: Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Tese (doutorado), 2006. FRESCA, Tânia M. Rede urbana paranaense e produção industrial: uma análise necessária. Florianópolis: X SIMPURB, Anais, 2007. ______ Análise da dinâmica da produção industrial no interior paranaense. Ponta Grossa: Terr@Plural, 2 (2): 227-239 , jul./dez., 2008. HAESBAERT, Rogério. Territórios alternativos. São Paulo: Contexto, 2006. LEFEBVRE, Henri. O Direito à cidade. 1ª ed. São Paulo: Ed. Moraes, 1991. RICHARDSON, H. W. Economia Urbana. São Paulo: Interciência, 1978. ROCHEFORT, Michel. Redes e Sistemas. São Paulo: Hucitec, 1998.