Súmula 587-STJ · O ônibus passou pelo Estado de Goiás e, quando chegou no Distrito Federal,...

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Súmula 587-STJ – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Súmula 587-STJ Márcio André Lopes Cavalcante DIREITO PENAL LEI DE DROGAS Para a configuração do tráfico interestadual de drogas (art. 40, V, da Lei nº 11.343/2006), não se exige a efetiva transposição da fronteira Súmula 587-STJ: Para a incidência da majorante prevista no artigo 40, V, da Lei 11.343/06, é desnecessária a efetiva transposição de fronteiras entre estados da federação, sendo suficiente a demonstração inequívoca da intenção de realizar o tráfico interestadual. STJ. 3ª Seção. Aprovada em 13/09/2017, DJe 18/09/2017. Imagine a seguinte situação hipotética: João pegou um ônibus em Campo Grande (MS) com destino a São Paulo (SP). Ocorre que algumas horas depois, antes que o ônibus cruzasse a fronteira entre os dois Estados, houve uma blitz da polícia no interior do coletivo, tendo sido encontrados 10kg de cocaína na mochila de João, que confessou que iria levá-la para um traficante de São Paulo. O agente foi denunciado pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006), com a incidência de duas causas de aumento previstas no art. 40, III e V: Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: (...) III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos; (...) V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal; Quando caracterizado o tráfico entre estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal, o réu deverá sofrer uma sanção maior do que aquele que, por exemplo, vende entorpecente a um usuário local. Isso está de acordo como princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI, da CF/88). A defesa alegou que o agente não chegou a atravessar a fronteira de nenhum Estado, de forma que não houve tráfico "entre Estados da Federação". Logo, não deveria incidir a causa de aumento do inciso V. Essa tese é aceita pela jurisprudência? Para incidir essa causa de aumento, é necessário que o agente atravesse as fronteiras? NÃO. Para que incida a causa de aumento de pena prevista no inciso V do art. 40, não se exige a efetiva transposição da fronteira interestadual pelo agente, sendo suficiente a comprovação de que a substância tinha como destino localidade em outro Estado da Federação. STF. 1ª Turma. HC 122791/MS, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 17/11/2015 (Info 808). STJ. 6ª Turma. REsp 1370391/MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 03/11/2015. Esse era o entendimento pacificado no STJ e STF e agora foi sumulado.

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Súmula 587-STJ Márcio André Lopes Cavalcante

DIREITO PENAL

LEI DE DROGAS Para a configuração do tráfico interestadual de drogas (art. 40, V, da Lei nº 11.343/2006), não se exige a efetiva transposição da fronteira

Súmula 587-STJ: Para a incidência da majorante prevista no artigo 40, V, da Lei 11.343/06, é desnecessária a efetiva transposição de fronteiras entre estados da federação, sendo suficiente a demonstração inequívoca da intenção de realizar o tráfico interestadual.

STJ. 3ª Seção. Aprovada em 13/09/2017, DJe 18/09/2017.

Imagine a seguinte situação hipotética: João pegou um ônibus em Campo Grande (MS) com destino a São Paulo (SP). Ocorre que algumas horas depois, antes que o ônibus cruzasse a fronteira entre os dois Estados, houve uma blitz da polícia no interior do coletivo, tendo sido encontrados 10kg de cocaína na mochila de João, que confessou que iria levá-la para um traficante de São Paulo. O agente foi denunciado pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006), com a incidência de duas causas de aumento previstas no art. 40, III e V:

Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: (...) III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos; (...) V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;

Quando caracterizado o tráfico entre estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal, o réu deverá sofrer uma sanção maior do que aquele que, por exemplo, vende entorpecente a um usuário local. Isso está de acordo como princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI, da CF/88). A defesa alegou que o agente não chegou a atravessar a fronteira de nenhum Estado, de forma que não houve tráfico "entre Estados da Federação". Logo, não deveria incidir a causa de aumento do inciso V. Essa tese é aceita pela jurisprudência? Para incidir essa causa de aumento, é necessário que o agente atravesse as fronteiras? NÃO.

Para que incida a causa de aumento de pena prevista no inciso V do art. 40, não se exige a efetiva transposição da fronteira interestadual pelo agente, sendo suficiente a comprovação de que a substância tinha como destino localidade em outro Estado da Federação. STF. 1ª Turma. HC 122791/MS, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 17/11/2015 (Info 808). STJ. 6ª Turma. REsp 1370391/MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 03/11/2015.

Esse era o entendimento pacificado no STJ e STF e agora foi sumulado.

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APROFUNDANDO O que você estudou acima é o suficiente para entender a súmula 587 do STJ. No entanto, acho importante para alertar sobre um tema correlato: a necessidade de demonstração da intenção do agente de pulverizar a droga em mais de um Estado para que se caracterize a causa de aumento de pena do art. 40, V, da Lei de Drogas. Veja abaixo: Imagine a seguinte situação hipotética: Pablo comprou cocaína na Bolívia e a trouxe para o Brasil, entrando em nosso país por meio do Município de Corumbá, em Mato Grosso do Sul. De Corumbá, Pablo pegou um ônibus com destino a Brasília, onde iria comercializar a droga. O ônibus passou pelo Estado de Goiás e, quando chegou no Distrito Federal, Pablo foi preso em uma fiscalização de rotina da Polícia Rodoviária Federal. Pablo confessou a prática do crime relatando que adquiriu o entorpecente na Bolívia e que pretendia vendê-lo para um cliente em Brasília. De quem é a competência para julgar este delito? Justiça Federal, considerando que ficou provado o caráter transnacional do delito, nos termos do art. 109, V, da CF/88 e art. 70 da Lei nº 11.343/2006:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

Art. 70. O processo e o julgamento dos crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, se caracterizado ilícito transnacional, são da competência da Justiça Federal.

Voltando ao exemplo Pablo foi denunciado e condenado pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006) com as causas de aumento da transnacionalidade (art. 40, I) e da interestadualidade (art. 40, V):

Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito; (...) V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;

A defesa recorreu alegando que não restou provada a interestadualidade prevista no art. 40, V. O STJ concordou com a tese da defesa? SIM. O magistrado fez incidir a causa de aumento do art. 40, V, sob o argumento de que a droga atravessou mais de um Estado da Federação, considerando que entrou no Brasil no Estado do Mato Grosso do Sul, passou pelo Estado de Goiás e chegou até o Distrito Federal. Ocorre que não existe nenhum indício de que a intenção do agente fosse difundir o entorpecente em mais de um Estado da Federação. A droga, adquirida na Bolívia, atravessou a fronteira com o MS e perpassou outro Estado rumo ao DF (destino final), por imperativos de ordem geográfica e pela própria lógica da importação, de modo que, sem a existência de elementos concretos acerca da intenção do paciente de pulverizar a droga em outros Estados do território nacional, não há como condenar o réu pela majorante do inciso V do art. 40 da Lei

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nº 11.343/2006 em concomitância com a causa especial de aumento relativa à transnacionalidade do delito, sob pena de bis in idem. Veja precedente do STJ neste sentido:

Embora possível a cumulação das causas de aumento referente a internacionalidade e interestadualidade do tráfico ilícito de entorpecentes, esta última poderá incidir somente quando houver, pelo menos, a comprovação do interesse em difusão da droga em mais de um Estado da Federação. Assim, não se revela admissível sua incidência em hipóteses de mero transporte terrestre da mercadoria proveniente do exterior com destino final certo em localidade estranha ao Estado fronteiriço pelo qual ingressou. STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1273754/MS, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 23/10/2014.

Resumindo:

As causas especiais de aumento da pena relativas à transnacionalidade e à interestadualidade do delito, previstas, respectivamente, nos incisos I e V do art. 40 da Lei de Drogas, até podem ser aplicadas simultaneamente, desde que demonstrada que a intenção do acusado que importou a substância era a de pulverizar a droga em mais de um Estado do território nacional. Se isso não ficar provado, incide apenas a transnacionalidade. Assim, é inadmissível a aplicação simultânea das causas de aumento da transnacionalidade (art. 40, I) e da interestadualidade (art. 40, V) quando não ficar comprovada a intenção do importador da droga de difundi-la em mais de um Estado-membro. O fato de o agente, por motivos de ordem geográfica, ter que passar por mais de um Estado para chegar ao seu destino final não é suficiente para caracterizar a interestadualidade. STJ. 6ª Turma. HC 214.942-MT, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 16/6/2016 (Info 586).