Suplemento especial para pais e professores · espaço necessário para a primeira formação...
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Suplemento especial parapais e professores
O MEDO DA BIA
Ilustracoes: Paulo Masserani
Americana - SP2011
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O medo da Bia
A discussão sobre os medos infantis é algo importante a ser feito por
pais e professores que estão preocupados com a formação da criança no
seu relacionamento consigo e com os outros.
É verdade que os medos infantis retomados pela história de Bia são
elementos presentes na vida da criança em desenvolvimento e que
retraem ou permitem o progresso nas relações entre ela e seu mundo.
Contudo, como nos mostra a história de Bia, os medos infantis não devem
ser pensados apenas sob o ponto de vista da materialização dos monstros,
bruxas, fantasmas ou escuro, dentistas ou injeções, como se fossem “coisas
de crianças”. Os medos infantis são medos humanos e requerem atenção,
pois a criança, do ponto de vista dos afetos, sente como uma pessoa
adulta. Equivocadamente nos esquecemos disso e consequentemente
acabamos acreditando que vergonha, culpa, arrependimento, honra,
sejam apenas sentimentos de quem já cresceu.
A história revelada por Bia, a personagem que construímos nesse
livro, é mais do que uma história de medo. É uma história de identidade
e de reconhecimento de quem se é. A questão da adoção, portanto, é
um dos pontos que podem nos levar a entender o mais importante que é
discutir como e o que leva um menino ou menina a se sentir respeitado
e exigir o respeito a si, que é o foco das histórias da coleção “Falando de
Sentimentos”.
Antes, porém, ainda que esse não seja o ponto central ao qual nos
deteremos, é preciso que falemos um pouco deste medo que é proveniente
das relações de adoção. A adoção é, interessantemente, uma espécie de
reparação que a vida provê. Uma chance de se sentir pertencente a um
berço que acolhe. Mais importante do que saber das razões pelas quais
houve o abandono ou a indicação para a adoção é o reconhecimento de
que se pertence a um berço, a uma (ainda que nova) família. Este é o
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da criança pequena, nos lembram de que é necessário que tenhamos
passado pela experiência de perceber nossas próprias dores, de senti-las,
reconhecê-las para poder sentir a dor do outro. Por esse motivo, crianças
que experimentam vivenciar e expressar emoções como medo, tristeza,
alegria, reconhecendo e aceitando estes sentimentos conseguem ser
mais empáticas aos outros (Roberts & Strayer, 1996).
Bia ensina então a pais e professores que vencer a falta de respeito,
com que muitas vezes nos deparamos entre as crianças e adolescentes,
depende de um processo em que os envolvidos possam falar do que
sentem e o que pensam, para então se sentirem respeitados e exigirem
que se garanta esse respeito a si, ao mesmo tempo em que estejam
sensibilizados, pela própria experiência, com a dor dos outros.
Retomemos que não temos aqui a pretensão de nos aprofundarmos
nas discussões sobre a adoção, visto que o foco que queremos apresentar
é a necessidade de que as crianças possam expressar seus sentimentos
para que seja possível construir uma relação de respeito com o outro que
é par. Claro que haverá o que ensinarmos a pais que têm filhos adotivos:
meninos e meninas como Bia podem ser desrespeitados por serem
“diferentes” daquilo que é considerado o padrão social estabelecido.
Como ajudamos nossos filhos a se a defenderem ou como ajudamos
nossos filhos a respeitarem quem se sente diferente?
A primeira resposta a essas perguntas é uma certeza: a família é um
espaço necessário para a primeira formação social da criança. Como
lembraria Winnicott (1997), a convivência num grupo social em que as
relações são íntimas – a família – contribuirá para a maturidade emocional
das crianças e permitirá que as crianças possam sair para conviver em
agrupamentos maiores na sociedade e voltar a ser dependentes desse
elo menor, de intimidades, a qualquer momento. Diria o autor que esse
é exatamente o fenômeno que chama de segurança que as impulsiona
a viver “uma espécie de desafio que as convida a provar que podem ser
ponto para o qual queremos chamar a atenção. Os medos de não se saber
de onde se vem, de não se sentir querido e de, por isso, ser deixado pelos
pais, os medos de não ser amado e de não ter a quem amar são medos
frequentes que se pode sentir nesse processo de adoção. Mas, o mais
importante e o ponto a que queremos chegar é o fato de que na história,
Bia, ao sentir medo da situação em que se encontra, sendo lembrada de
que não é filha legítima do ponto de vista biológico de seus pais, precisa
superá-lo para enfrentar os desafios cotidianos na relação com os outros.
O enfrentamento que Bia precisa fazer é, na verdade, reconhecer-se como
alguém de valor, alguém importante que precisa ser respeitado. Para isso,
Bia precisa encontrar-se com seus próprios medos e se conhecer.
Agora convenhamos que, para isso, não foi preciso Bia vivenciar
momentos de investigação sobre suas origens, de especulações sobre
quem foram seus pais verdadeiros. Conhecer-se e saber “quem se é”
não significa necessariamente saber “filho de quem”, “vindo de onde”.
É preciso sim saber “como eu me sinto?”, “o que me deixa triste?”, “o
que me deixa feliz?”. O que fez Bia superar seu medo foi um cotidiano de
ações que a impulsiona a se descobrir, a se respeitar e a incorporar formas
de respeito ao outro. Por essa razão temos insistido na necessidade de
que as crianças possam expressar o que sentem. Há uma pesquisa citada
por Barnett (1992), realizada com crianças em idade pré-escolar, que
comprova que a empatia ou a sensibilidade que uma criança sente para
com um colega infeliz aumenta quando ela mesma teve uma experiência
anterior desagradável. Isso não significa necessariamente que para se
sensibilizar com a dor de uma pessoa que perdeu um ente familiar, por
exemplo, seja preciso ter passado por essa experiência. Tugendhat (1996)
bem teria lembrado que essa experiência é representação, pois se não,
um homem nunca poderia ser solidário à dor do parto de uma mulher. Os
estudos de Barnett (1992), anos depois das discussões trazidas por Piaget
nos anos de 1932 e 1952, sobre o sentimento de empatia característico
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angustiada, pois acreditava que sua filha era autora de bullying na escola
onde estudava. Tal exemplo demonstra bem o quanto é verdade que os
pais sofrem por não saberem como ajudar seus filhos a se regularem, a
agir bem, fato que contradiz muitos educadores que acreditam que todos
os pais de meninos e meninas, autores de bullying ou de outras formas
de violência contra os colegas ou professores, não educam seus filhos por
serem coniventes com essas violências.
A mãe da menina autora de bullying não sabia como agir, já que sentia
certo ar de desprezo por parte de sua filha para com as companheiras.
Diríamos nós que esse já é um grande passo: notar que seu filho tem
ações destituídas de valor moral, desaprovando tais ações. A angústia da
mãe pode e deve ser transformada em palavras com sua filha; é preciso
assegurar o princípio – não se bate, não se maltrata, não se desrespeita
os outros –, mas é preciso mais do que isso: a mãe precisa se utilizar de
uma linguagem que permita à criança pensar e se colocar no lugar da
outra a quem ataca e ainda antecipar o que pode fazer para corrigir suas
ações. Por isso insistimos com a mãe na necessidade de fazer perguntas
do tipo “você gostaria de ouvir isso de uma amiga sua?”, “o que você pode
fazer para que sua amiga se sinta melhor?”, ou ainda “como você pode
fazer para que isso não aconteça mais?”. Será preciso firmeza para cobrar
as respostas e as ações. Ternura para entender que sua filha também
erra e que seus pais estarão a seu lado, no acerto ou no erro, mas não
concordando com este último.
Na altura de nossas discussões, poderia pensar o leitor: então, estão
corretas as afirmações encontradas nas respostas de inúmeros educadores
quando interrogados sobre a responsabilidade de educar moralmente
– é da família tal função. Tal constatação apressada é completamente
equivocada. Educar moralmente para formar pessoas de caráter, assim
como educar para que meninos e meninas se sintam fortalecidos para
enfrentar as diferenças e os desafios da vida, não é tarefa apenas da
livres” (Winnicott, 1997, p. 43).
Entretanto, como se define essa responsabilidade da família? A
resposta a essa pergunta é outra certeza da qual partilhamos: os pais
são responsáveis pela formação do caráter de seus filhos e não por sua
felicidade (Ginot, 1989). Desta certeza decorrem algumas explicações. A
primeira delas e não menos importante é o fato de que constantemente
acreditamos que precisamos juntar todos os esforços possíveis para não
permitir que nossos filhos sofram. Vão sofrer da mesma forma porque
viverão conflitos interpessoais e internos em que se sentirão inseguros,
amargurados, tristes, ameaçados e só assim estarão cada vez mais
fortalecidos para enfrentar o que é normal e necessário ao seu próprio
desenvolvimento. Vão passar por situações difíceis e terão que enfrentá-
las. Mais do que retirar as pedras do caminho de nossos filhos, será preciso
ajudá-los, fortalecê-los a passar por elas, a suportá-las, a vencê-las. Uma
criança adotiva terá frustrações, medos, angústias e não teremos como
impedir que os tenha, mas podemos ajudá-la a passar por elas.
Por isso a necessidade de, como pais, reconhecermos os sentimentos
das crianças quando estão nervosas, agitadas, entristecidas e permitirmos
que manifestem aquilo que sentem, dizendo com palavras as suas dores.
Por outro lado, se não somos responsáveis pela felicidade dos nossos
filhos, o somos pelo caráter deles. A família é o berço do caráter, diria
Lèvinas (1991/1997), e é onde se estabelecem as primeiras noções de
certo e errado, de bem e de mal. São os pais que precisarão interditar, no
sentido psicanalítico, as ações da criança quando essa desrespeita, bate,
agride um colega ou mesmo seus pais. Essa é sem dúvida uma tarefa
difícil e muitas vezes incompreendida por muitos pais que não sabem,
se não pela força física, assegurar os princípios que validam uma relação
entre pessoas.
Temos um exemplo interessante para mostrar o quanto se tem dúvidas
sobre como educar: o fato vivido por uma mãe que nos procurou certo dia,
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estrutura e organização da aula, de que ultimamente esses “perdem de
20 a 30 minutos de sua aula para resolver conflitos”. Mas convenhamos:
se ética é um conteúdo da escola e se educar moralmente é nossa
responsabilidade, compartilhada com a família (como já esperamos ter
esclarecido, cuja responsabilidade a transcende, pois na escola a criança
experimenta relações públicas) não seria dispor de tempo e não perder
tempo para se trabalhar esse conteúdo que é ética?
Vejamos o que está implícito quando um educador não reconhece
um momento de conflito como uma situação em que se manifesta a falta
de ética e a oportunidade de se construí-la: há uma crença de que ética
se ensina com modelos ou com moralismos. Por isso, comumente se
elege uma ou duas crianças que estão envolvidas no conflito para serem
castigadas visando que os demais tomem como exemplo a consequência
de seus atos. Ou então, se faz da aula um momento de se transmitir
valores.
Está provado desde 1932, quando Piaget fez os primeiros experimentos
para entender os mecanismos psicológicos que uma pessoa utiliza para
construir um valor moral, que ética depende da capacidade de pensar
e de se sentir reconhecido. Isso significa que para educar moralmente
é preciso que as crianças pensem sobre os fatos – reconstituindo-os
em plano mental, antecipando suas consequências e comparando as
possibilidades de solução dos problemas que normalmente se tem. E mais,
é preciso que as crianças se sintam reconhecidas como pessoas de valor:
podem participar, podem dizer o que sentem num conflito entre pares ou
com sua autoridade e podem, assim, transformar suas raivas, angústias,
tristezas em palavras (Tognetta, 2009a; 2009b). Essas são notadamente
as capacidades do homem – pensar e sentir – que o fazem ser o único
animal moral. Em outras palavras, é responsabilidade da escola educar
moralmente seus alunos e ajudá-los sim a respeitar os outros. Mas,
essa responsabilidade depende de um olhar atento ao desenvolvimento
família. É primeiro da família, mas não esgotada nessa instância. Por
certo, uma criança que está sofrendo maus tratos, que sofre a negligência
familiar ou que sofre a fragilidade de uma família que não lhe diz até
onde pode ir, não deixa os problemas no portão da escola. Ao contrário,
carrega-os consigo impregnados nas suas ações dentro dessa instituição.
É sim também tarefa da escola a formação moral das crianças. E, por
que não dizer, a formação para a convivência humana, ainda que esta
tarefa não tenha sido reconhecida em nossos currículos ocidentais. Duas
ideias decorrem dessa afirmação. A primeira delas é a convicção de que
nenhum projeto pedagógico se exime de educar moralmente, ainda que
não tenhamos clareza disso. Como nos lembraria Gorgen (2007) mesmo
que, quiséssemos nós, defender a ideia de que a educação não deveria
se ocupar da formação moral de seus alunos, “seria impossível negar que,
de uma forma ou de outra, no contexto escolar das relações professor/
aluno, dos livros didáticos, das avaliações, estariam sendo transmitidos
ideais e imagens de homem, de mundo, de relacionamento, de normas e
valores” (p.746).
A segunda ideia é que se estamos falando de respeito ao outro, ao
diferente, estamos falando de ética, que é conteúdo fundamental que
perpassa as matérias de nosso currículo. Contudo, ainda que seja tratada
como um eixo norteador das ações de nossos educadores, parece-nos
esquecida muitas vezes nas práticas cotidianas. Como diria Gorgen
(2005), “certamente não há diretor, nem orientador ou professor que não
se digam comprometidos com a relevância da ética para o agir educativo”.
Mesmo assim, continuaria o autor, “ao primeiro olhar sobre a estrutura
curricular e o cotidiano escolar, constatamos que a ética ocupa um lugar
bastante singelo, muitas vezes restrito a um recorte disciplinar ou, quando
muito a uma atividade transversal” (p. 984-985). Interessantemente, é
comum encontrarmos uma fala entre professores, desgastados pelo
cotidiano de conflitos naturais vistos como desafiadores e perigosos à
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esses dois conceitos (Conte-Sponville & Ferry, 1999; Blondel, 2000; La
Taille, 2006; Tognetta & La Taille, 2008; Tognetta, 2009b) – a palavra moral
chega ao ocidente, advinda dos romanos, e se destaca como a ideia de
dever, de obrigação para agir bem. Já a palavra ética, do grego, lembra-
nos a vida boa assegurada por Aristóteles para viver na polis – uma vida
digna, diria ele, e que nos leva a pensar “como viver?”, ou “que vida eu
quero ter?”. Está implícito outro verbo – querer. Resumindo, então, temos
a seguinte equação: de um lado a ideia de dever nos parece ser dada pela
tomada de consciência de quais são as regras que regulam a convivência
humana. Quem nos garante, quando ainda não sabemos o que fazer,
essas regras? Quem nos recorda a necessidade dessa regulação? Aquele
que chamamos de autoridade. Isso porque, no inicio da vida moral,
todo sujeito heterônomo vê a regra em função de quem a apresenta e,
portanto, obedece quem a faz e não a própria regra.
Há algo importante a dizer antes que passemos a tratar da palavra
ética. A autoridade dos pais é dada naturalmente na convivência familiar:
a criança ama e admira aquela pessoa que é boa para ela porque a veste,
sabe a hora certa de dormir, cuida dela, dá remédios, ou seja, está para
ela e por isso, egocentricamente, a tem como autoridade. Os educadores
podem perfeitamente ocupar esse lugar. Contudo, há algo a lembrar:
esse lugar não lhe é dado gratuitamente como no caso dos pais, ele é
fruto de uma construção só possível na relação que se tem entre criança
e professor. É, portanto, conquista por um processo de se tornar um
sujeito também admirável, que reconhece os sentimentos da criança,
que sabe cobrar-lhe até onde pode ir, que não se impõe pela força, mas
pelo convencimento. Como lembraria La Taille (1999), a autoridade do
educador é, portanto, uma relação de obediência voluntária. Essa é a
diferença e muitas vezes a explicação para o fato de tantos educadores
não serem respeitados por seus alunos...
Ditas tais considerações, passemos agora para nossa última discussão,
infantil e requer muito estudo daqueles que se dispõem a educar.
Isso tudo para dizer que a turma de Bia precisa de ajuda também da
escola para superar suas desavenças. Precisa da intervenção de seus
educadores que consigam fazer aqueles que agem mal, que desrespeitam,
que magoam os colegas, se colocarem no lugar de suas vítimas, se
sensibilizarem com a dor do outro. Este é um exercício necessário àqueles
que são autores de bullying, já que carecem do que chamamos de
sensibilidade moral e precisam, tanto quanto suas vítimas, de nossa ajuda
(Tognetta & Vinha, 2009; 2010). Da mesma forma, educar moralmente
significa também um olhar atento a quem sofre os desrespeitos e as
injustiças. Assim como o que dissemos, sobre o trabalho da família, – cuja
tarefa é fortalecer o alvo de bullying para que possa superar seus medos
como o fez Bia –, a tarefa da escola deve caminhar nessa mesma direção,
Bia nos mostra o quanto é grande o esforço pessoal para superação de
suas dificuldades de convivência. Mas, diferentemente do que muitos têm
entendido, não se trata de dizer que uma criança que é alvo de bullying é
culpada ou é responsável sozinha por superar sua condição. A tarefa de
quem educa é valiosa para, no cotidiano, insistir que a criança sofredora
de tais perseguições e violência possa se fortalecer e se indignar e, assim,
não permitir que seja mal tratada. Como isso se dará? Batendo de volta,
violentando também? Não, mas se defendendo. Ajudamos as crianças
a expressar com palavras o que sentem. E se é verdade, como temos
defendido, que a vítima de bullying, por se ver fragilizada, é alvo fácil, ao
se ver fortalecida, não mais estará na mira de seus algozes.
Há ainda uma questão extremamente importante lembrada pela
história de Bia que nos parece relevante para pensar na tarefa de educar
moralmente. Para explicar tal questão é preciso lembrar que estamos até
aqui tratando dois conceitos, moral e ética, como sinônimos. Façamos
agora um exercício que nos é proposto pela filosofia contemporânea (e
que dicotomicamente, retoma essa ideia da filosofia anciã) que é separar
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não menos importante: dada a formação moral de nossas crianças pela
autoridade, é preciso lembrar que temos mais um aliado nessa tarefa – os
pares, que são o outro lado da história quando pensamos na ideia de moral
e ética. Já refizemos o caminho para a construção da primeira. Falemos
agora da segunda: se ética depende do querer, não é pela autoridade
que pode ser conseguida. Entendamos algo que é de difícil compreensão:
na consigna querer está implícito que se está sensível a alguma coisa.
Então, como se sensibilizar com alguém sem conviver com ele? É bem
por isso que a definição de ética de Ricoeur (1993) pode ser dada como
precisa: ética é a busca de uma vida boa com e para o outro. Com e para
o outro significa convivência com iguais. Então, em outras palavras, é
preciso que entendamos, como educadores, que quem pode ajudar na
tarefa de formar pessoas melhores são também as próprias crianças,
quando podem conviver com as diferenças, dizer o que sentem, chegar
conjuntamente a decisões de como resolver seus próprios conflitos. É pela
empatia que se pode construir a virtude da generosidade, por exemplo.
Várias pesquisas demonstram que as crianças tendem a responder de
maneira mais sensível aos seus pares que são semelhantes, visto que
não detêm um peso sentido por elas na relação com pais e professores
que são vistos com o poder de autoridade. Por isso a necessidade dessa
convivência com os iguais.
Assim, quando dizem uns para os outros sobre seus sentimentos,
quando podem pensar juntos a solução de um problema, as crianças
exercitam essa sensibilidade ao outro e podem então desejar serem vistas
como generosas, justas, compassivas... Nesta grande tarefa, educar para
a moral ou para a ética, agora as trazendo novamente como sinônimos,
é partilhar responsabilidades. Até porque, muitas vezes, pouco sabemos
dos problemas que as crianças têm entre si, como no caso da história de
Bia, em que ela parece resolver sozinha seu conflito. Sozinha, sim, mas
por trás de suas ações, com certeza, estiveram adultos que em algum
momento a ajudaram ser uma criança melhor. Sejamos, então, esses
adultos!
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