Suprafragmentação de Causativas

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SUPRAGENERALIZAÇÃO NA AQUISIÇÃO DE CAUSATIVAS: SOB UM OLHAR DA MORFOLOGIA DISTRIBUÍDA ROSA LUCIA PEREIRA VIRGÍLIO NEVES UFRJ/2007

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  • SUPRAGENERALIZAO NA AQUISIO DE CAUSATIVAS: SOB UM OLHAR DA MORFOLOGIA DISTRIBUDA

    ROSA LUCIA PEREIRA VIRGLIO NEVES

    UFRJ/2007

  • SUPRAGENERALIZAO NA AQUISIO DE CAUSATIVAS: SOB UM OLHAR DA MORFOLOGIA DISTRIBUDA

    ROSA LUCIA PEREIRA VIRGLIO NEVES

    Tese de Doutorado em Lingstica apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Lingstica da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

    Orientadora: Professora Doutora Marcia Maria Damaso Vieira

    Rio de Janeiro 2007

  • SUPRAGENERALIZAO NA AQUISIO DE CAUSATIVAS: SOB UM OLHAR DA MORFOLOGIA DISTRIBUDA

    Rosa Lucia Pereira Virglio Neves

    Tese de doutoramento submetida ao Programa de Ps-Graduao em Lingstica da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Doutor. Aprovado por:

    ______________________________________________________________- Orientadora Profa Dra Marcia Maria Damaso Vieira (MN/UFRJ)

    ______________________________________________________________

    Profa Dra Aniela Improta Frana (UFRJ)

    ______________________________________________________________

    Prof. Dr. Marcus Antnio Rezende Maia (UFRJ)

    ______________________________________________________________

    Prof. Dr. Humberto Peixoto Menezes (UFRJ externo)

    ______________________________________________________________

    Profa Dra Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold (UFRJ externo)

    ______________________________________________________________

    Profa Dra Ruth Elisabeth Vasconcelos Lopes (UNICAMP suplente)

    ______________________________________________________________

    Profa Dra Marlia Lopes da Costa Fac Soares (MN/UFRJ suplente)

    Defendida a tese: Conceito: Em 03 de dezembro de 2007

  • Neves, Rosa Lucia Pereira Virglio

    Suprageneralizao na aquisio de causativas: sob um olhar da Morfologia Distribuda/ Rosa Lucia Pereira Virglio Neves Rio de Janeiro: UFRJ/ FL, 2007.

    xi, 189 f: il.

    Tese de Doutorado em Lingstica Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, Faculdade de Letras Departamento de Lingstica, 2007.

    Orientadora: Marcia Maria Damaso Vieira

    1. Aquisio da Linguagem. 2. Teoria da Gramtica. 3. Lingstica. Teses. I. Vieira, Marcia Maria Damaso (Orient.) II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faculdade de Letras. Departamento de Lingstica. III. Suprageneralizao na aquisio de causativas: sob um olhar da Morfologia Distribuda.

  • iv

    Aos meus adorveis pais, Virglio e Onexa.

    Aos meus filhos, Igor e Vtor, por encherem minha vida de amor, paz, alegria e ternura.

  • v

    AGRADECIMENTOS

    A Deus, por ter-me concedido graas durante a trajetria de desenvolvimento deste trabalho.

    Professora Marcia Maria Damaso Vieira, pela sua orientao, apoio e incentivo nos diferentes momentos de elaborao desta pesquisa. Pelas inmeras discusses e elucidaes sobre os diversos tpicos e suas mltiplas sugestes de aperfeioamento do texto que foram fundamentais para a realizao desta tese.

    Aos demais professores do Curso de Doutorado do Departamento de Lingstica da Faculdade de Letras/UFRJ, por tambm terem contribudo para o meu desenvolvimento intelectual.

    Aos meus pais, Virglio e Onexa, pelo apoio incondicional. Sem falar no amor, no carinho, na amizade, no companherismo...

    Ao meu marido Marcio Andr, pelo seu incentivo, amor, pacincia e compreenso dos momentos difceis.

    s minhas irms, Renata e Paula, pelo apoio, carinho e amizade.

    amiga inseparvel, Edna Incio da Silva e Silva. Seu apoio intelectual e emocional so indispensveis e foram fundamentais para eu prosseguir na rdua caminhada.

    amiga Patrcia Botelho Santos pelo carinho, apoio e incentivo.

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    RESUMO

    In: Neves, Rosa Lucia Pereira Virglio. Suprageneralizao na aquisio de causativas: sob um olhar da Morfologia Distribuda. Orientador: Mrcia Maria Damaso Vieira. Rio de Janeiro. Universidade Federal do Rio de Janeiro/ Faculdade de Letras. 2007. Tese de Doutorado em Lingstica.

    Os objetivos desta tese foram: (i) analisar a questo referente suprageneralizao das estruturas causativas, observada na aquisio do PB como L1, luz dos pressupostos tericos da Morfologia Distribuda; e (ii) oferecer um conjunto de dados detalhado e organizado, englobando no s os desvios causativos, mas tambm outras construes j adquiridas pelas crianas em fase de aquisio. Foram trs as fontes de dados infantis aqui utilizados: (i) Figueira (1985) que engloba enunciados de Anamaria entre 2;7 e 5;0 anos; (ii) os dados por ns coletados de Igor e Gabriel que abrangem o perodo de 1;7 at 8;6 meses. Atravs da observao e anlise dos dados referentes suprageneralizao das estruturas causativas, alcanamos as seguintes concluses sobre a aquisio da estrutura argumental dos predicados: (i) o conhecimento da estrutura argumental est dissociado do conhecimento das propriedades especficas dos verbos empregados; (ii) o argumento externo no selecionado pela raiz lexical, mas sim por um morfema funcional; (iii) a raiz lexical seleciona argumentos internos; (iv) atravs do uso suprfluo do verbo fazer para a expresso de causa direta, percebe-se que o morfema funcional Causa o mesmo nas causativas lexicais e nas causativas sintticas; e (v) as crianas tm conhecimento dos morfemas da Lista 1, mas desconhecem as condies de licenciamento das razes na Lista 2.

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    ABSTRACT

    In: Neves, Rosa Lucia Pereira Virglio. Suprageneralizao na aquisio de causativas: sob um olhar da Morfologia Distribuda. Orientador: Mrcia Maria Damaso Vieira. Rio de Janeiro. Universidade Federal do Rio de Janeiro/ Faculdade de Letras. 2007. Tese de Doutorado em Lingstica.

    The aims of this thesis are: (i) to analyze the overgeneralization observed in the acquisition of causative constructions in Brazilian Portuguese as L1, in the light of Distributed Morphology; and (ii) to provide a detailed and organized set of acquisition data, related not only to the overgeneralization of causative structures, but also to all the syntactic constructions acquired by the children so that future investigators of the subject can make use of them. We have observed and analysed three different sets of acquisition data; one collected by Figueira (1985) and (ii) two others collected by us. The ages of the children investigated ranged from 1;7 to 8;6 years old. Through the observation and analysis of the acquisition data, we have come to the following conclusions: (i) the knowledge of the argument structure is dissociated from the knowledge of the specific properties of individual verbs; (ii) the external argument is not selected by lexical verbs, but is licensed by a funcional morpheme, (iii) lexical roots select internal arguments; (iv) through the superfluos usage of the verb fazer (= make) for expression of direct causation, we notice that the functional morpheme Cause is the same employed in lexical and syntactic causatives; and (v) children have knowledge of the morphemes in List 1. What they have to learn in order to stop the causative overgeneralization are the licensing conditions of the lexical roots in List 2.

  • viii

    SUMRIO

    INTRODUO ..............................................................................................................1

    CAPTULO 1 - OS VERBOS INACUSATIVOS, INERGATIVOS E A ALTERNNCIA CAUSATIVA.....................................................................................4

    1.1 Caracterizao dos verbos inacusativos e inergativos ........................................4

    1.1.1 Critrios para a identificao dos verbos inacusativos e inergativos ...................7

    1.2 A caracterizao dos verbos inacusativos em Portugus, segundo Eliseu ......10

    1.3 - A alternncia causativa .......................................................................................14

    1.3.1 - Diferentes vises sobre a alternncia causativa ..................................................16

    1.3.1.1 - A classificao de Figueira (1985) ...................................................................16

    1.3.1.2 - A abordagem de Pinker (1989) ........................................................................18

    1.3.1.2.1 - Verbos que se causativizam ..........................................................................20

    1.3.1.3 Levin e Rappaport-Hovav (1995).....................................................................22

    1.3.1.4 A abordagem de Cabrera & Zubizarreta (2004) ..............................................24

    CAPTULO 2 ESTRUTURA ARGUMENTAL NA MORFOLOGIA DISTRIBUDA ..............................................................................................................28

    2.1 Lexicalismo vs. Morfologia Distribuda ............................................................ 28

    2.2 O lxico segundo a Morfologia Distribuda .......................................................30

    2.3 Os f-nodes e os l-nodes .........................................................................................32

    2.4 As condies de licenciamento dos Itens Vocabulares e a projeo argumental.................................................................................................................... 34

    2.5 A derivao sinttica na Morfologia Distribuda .............................................39

    2.5.1 A insero de Itens Vocabulares ........................................................................39

  • ix

    2.6 As operaes morfolgicas ..................................................................................41

    2.6.1 Morphological merger ........................................................................................41

    2.6.2 Empobrecimento .................................................................................................42

    2.6.3 Fisso ..................................................................................................................43

    2.6.4 Regras de reajustamento .....................................................................................43

    2.7 - A alternncia causativa na Morfologia Distribuda ..........................................44

    2.7.1 Razes selecionam argumentos?..........................................................................45

    2.7.2 A variao do morfema Causa, segundo Pylkknen (2002) ...............................49

    2.7.2.1 O parmetro da posio sinttica .....................................................................51

    2.7.2.2 O parmetro do complemento de Causa (Selection) ........................................53

    2.7.3 As aplicativas.......................................................................................................55

    2.7.4 Dissociao entre Voz e Causa: evidncias.........................................................56

    CAPTULO 3 ESTUDOS SOBRE A SUPRAGENERALIZAO DE ESTRUTURAS CAUSATIVAS...................................................................................59

    3.1 Abordagem semntica: Semantic Bootstrapping ..............................................60

    3.1.1 Bowerman (1974, 1978 ) ....................................................................................61

    3.1.2 Lord (1979) .........................................................................................................61

    3.1.3 Pinker (1989).......................................................................................................62

    3.1.3.1 Os dados e as hipteses explicativas ...............................................................63

    3.1.4 Marcotte (2005) ..................................................................................................68

    3.2 Abordagem sinttica: Syntactic Bootstrapping .................................................69

    3.2.1 - Naigles et al (1993) ............................................................................................70

    3.2.2 Borer (2004) .......................................................................................................71

    3.2.3 Murasugi et al (2002) .........................................................................................76

  • x

    3.3 A aquisio de causativas em L2 ........................................................................79

    3.3.1 Montrul (1997, 1999, 2001) Cabrera e Zubizarreta (2003) ...............................79

    3.3.2 Okamoto (2005) ..................................................................................................81

    CAPTULO 4 - A AQUISIO DE CAUSATIVAS EM PB COMO L1................86

    4.1 Metodologia ..........................................................................................................86

    4.2 Figueira (1985) .....................................................................................................87

    4.3 - A proposta de Franchi..........................................................................................91

    4.4 Observaes sobre os dados.................................................................................94

    4.4.1 - Os dados de Anamaria ........................................................................................96

    4.4.2 Os dados do Igor .................................................................................................98

    4.4.3 Os dados do Gabriel ...........................................................................................98

    4.5 Comparao com dados de aquisio de causativas de outras lnguas ........100

    CAPTULO 5 - A SUPRAGENERALIZAO DE CAUSATIVAS, SOB O OLHAR DA MORFOLOGIA DISTRIBUDA........................................................103

    5.1 A aquisio da linguagem na MD ....................................................................103

    5.2 Sobre o conhecimento sinttico da criana......................................................107

    5.3 Causativa lexical vs causativa sinttica............................................................111

    5.3.1 A representao dos dois tipos de causativas....................................................112

    5.4 Conhecimento dos morfemas da Lista 1...........................................................117

    5.4.1 A projeo de estruturas argumentais................................................................119

    5.4.2 Evidncias de outras lnguas..............................................................................123

    5.5 As construes desviantes em PB......................................................................125

    5.6 - O estatuto do verbo fazer nas causativas perifrsticas................................128

    5.6.1 - As causativas perifrsticas iniciais.....................................................................129

  • xi

    5.6.1.1. - Fazer como expresso do morfema Causa................................................131

    5.6.1.2 - A expresso de causa indireta.........................................................................133

    5.6.2 - Os dois tipos de Causa.......................................................................................134

    5.7 - As causativas lexicais.........................................................................................137

    5.8 - O problema com a Lista 2..................................................................................142

    6 CONCLUSO .......................................................................................................144 7 BIBLIOGRAFIA...................................................................................................149

    8 ANEXOS ................................................................................................................161

  • INTRODUO

    Em Portugus Brasileiro (PB), certos verbos intransitivos inacusativos podem ser causativizados lexicalmente, ocorrendo ento em estruturas transitivas como em (1b): (1) a - A porta abriu. b - Joo abriu a porta.

    Nos estgios iniciais de aquisio do PB como L1, observa-se que as crianas suprageneralizam as estruturas causativas. Isto , elas empregam todos os tipos de verbos intransitivos (inacusativos que ocorrem no par transitivo/intransitivo, inacusativos que no ocorrem no par transitivo/intransitivo e inergativos) como causativos, produzindo enunciados como em (2) e (3), considerados desviantes do ponto de vista da gramtica do adulto: (2) Me, anda o boneco pra mim. (Igor - 3;7) (3) Eu vou morrer voc, mame. (Gabriel - 3;11)

    No s verbos intransitivos so empregados como causativos, mas tambm verbos transitivos causativos ocorrem em contexto intransitivo, conforme indica o exemplo (4): (4) Mame, o lenol tirou todo da cama. (= saiu) (Igor - 3;4)

    Nesta mesma fase de suprageneralizao de estruturas causativas, percebe-se ainda que as crianas j produzem construes causativas com o verbo fazer. Porm, o uso deste verbo causativo pelas crianas nem sempre corresponde ao do adulto. Este o caso do exemplo (5) em que a criana segura um ovo na mo e pede para me quebr-lo, adquirindo a estrutura o sentido de causativa direta: (5) Faz quebrar o ovo, mame. (Gabriel - 2;9)

    O emprego de fazer no exemplo (5) parece desnecessrio, uma vez que o verbo quebrar por si s pode expressar causao direta na gramtica do adulto. Isto , o agente causador pode atuar diretamente no causee provocando a mudana de estado.

  • 2

    Com base nas observaes aqui expostas, traamos dois objetivos para o presente estudo: (i) analisar as suprageneralizaes causativas, sob o olhar dos pressupostos tericos da Morfologia Distribuda (MD) (Marantz, (1997); Harley e Noyer (1999 e 2000); Embick e Noyer (2005); Lemle (2005); Harley (2006); e (ii) oferecer um conjunto de dados detalhado e organizado em termos cronolgicos, englobando no s os desvios causativos, mas tambm outros tipos de construes dominadas pelas crianas nas fases dos desvios, como interrogativas, passivas, subordinadas, e que so relevantes para o tipo de pesquisa aqui proposta. Para a realizao dos objetivos aqui delineados, nos valemos de trs fontes de dados: (i) Os dados de Igor coletados por mim durante o perodo de 1;7 at 8;6 meses; (ii) Os dados de Gabriel registrados pela orientadora, que abrangem o perodo de 2;7 at 7;0 anos; (iii) Os dados de Figueira (1985) que coletou enunciados de Anamaria entre 2;7 e 5;0 anos. Esta pesquisadora realizou um estudo sobre a suprageneralizao de causativas em PB, tendo como base as Teorias Interacionista- Construtivista e outras abordagens. Na MD, conforme afirmam Harley & Noyer (1999), as palavras so o output da sintaxe e no o input para a sintaxe, conforme prope a Hiptese Lexicalista. Na Lista 1,

    existem apenas posies ocas e traos formais que se combinam na sintaxe atravs da operao de merge e move para formar as palavras: verbos, nomes e adjetivos.

    As categorias lexicais das palavras so produtos dessas operaes sintticas de combinao de razes e traos formais. Se uma raiz se combina com um elemento verbal, torna-se um verbo. Se uma raiz se combina com um elemento nominal, torna-se um nome.

    Segundo Arad (1999), as estruturas argumentais dos verbos so tambm determinadas sintaticamente. Uma raiz lexical torna-se um verbo de um determinado tipo, dependendo do ncleo funcional vezinho (v) com o qual co-ocorre. Assume-se que vezinho um ncleo verbal que pode ser de diferentes tipos: causativo, incoativo ou estativo. Assim, um vezinho do tipo causativo um ncleo com propriedades transitivas e, conseqentemente, introduz um argumento externo. J um vezinho do tipo incoativo, traduzido como become, no licencia um argumento externo. Para Arad, ento, na derivao de qualquer verbo, h um vezinho que, dependendo do tipo, seleciona ou no um argumento externo.

  • 3

    Os casos de alternncia verbal (par transitivo/intransitivo) so vistos como casos em que uma mesma raiz ora se combina com um ncleo verbal causativo (cause) ora se combina com um ncleo verbal incoativo (become). Ento, segundo a MD, a estrutura argumental de um predicado est sujeita ao tipo de vezinho que est presente na representao. A determinao do vezinho para a estrutura argumental depende das condies de licenciamento dos Itens Vocabulares. De acordo com Harley & Noyer, se um Item Vocabular listado como [+ Causa], a estrutura ser bem formada se o Item for inserido no contexto de v Causa, tendo necessariamente um argumento externo no Spec v. J se o Item Vocabular listado como [- Causa], ele no vai co-ocorrer com argumento externo no Spec v. A estrutura ser mal formada se o Item ocorrer com Causa e conseqentemente, com um argumento externo.

    Verificamos, com base na MD, que os desvios causativos infantis parecem revelar que, apesar de a criana conhecer a sintaxe da estrutura argumental dos predicados, ela ainda no domina as condies de licenciamento dos Itens de

    Vocabulrio. Estes parecem subespecificados para [ Causa]. Sendo assim, ora ocorrem com argumentos externos ora ocorrem sem argumentos externos.

    Atravs da MD, queremos mostrar que o conhecimento sobre a estrutura argumental dos predicados est dissociado do conhecimento das entradas lexicais de verbos especficos. Nesse caso, a tarefa da criana no processo de aquisio determinar os traos referentes a cada verbo. Ela tem de aprender a entrada de vocabulrio para cada verbo, pois o conhecimento das propriedades gramaticais dos verbos adquirido um por um.

    Nesta pesquisa, alm dos objetivos aqui j delineados, tambm confrontamos diferentes propostas existentes na literatura sobre: (i) a caracterizao e a diferenciao dos verbos intransitivos (inergativos e inacusativos) e sobre a alternncia causativa; (ii) o processo de aquisio da estrutura argumental em L1 e L2. Sendo assim, a tese est dividida em cinco captulos. Os captulos 1 e 2 apresentam a reviso bibliogrfica sobre os verbos inacusativos e inergativos e sobre a alternncia causativa, segundo o Lexicalismo e a Morfologia Distribuda. O captulo 3 aborda os estudos sobre aquisio de causativas em L1 e L2. O captulo 4 dedicado apresentao dos dados de suprageneralizao de causativas, verificados na aquisio do PB como L1. Por fim, o captulo 5 traz a nossa anlise sobre a questo da suprageneralizao das estruturas causativas.

  • 4

    CAPTULO 1

    OS VERBOS INACUSATIVOS, INERGATIVOS E A ALTERNNCIA CAUSATIVA

    Nesta seo, objetivamos descrever alguns critrios de diferenciao entre os verbos inacusativos e inergativos. Essa no uma tarefa fcil, pois, existem na literatura diferentes abordagens sobre este tema. Dependendo da proposta, ora enfatiza-se o aspecto semntico,

    ora o aspecto sinttico ou procura-se o equilbrio entre os dois aspectos. De acordo com Alexiadou et al (2004), para alguns autores, como (Perlmutter 1978,

    Pinker 1989, Pustejovsky 1995 e outros), a agentividade a noo que determina o tipo de verbo: o argumento nico dos verbos inergativos tende a ser agentivo, enquanto o argumento nico dos inacusativos tende a ser um tema, um paciente ou um alvo.

    Para autores como Tenny (1987) e outros o aspecto semntico da telicidade o fator de diferenciao entre as classes verbais: verbos inacusativos tendem a ser tlicos, enquanto

    verbos inergativos tendem a ser atlicos. Levin e Rappaport Hovav (1995) procuram estabelecer uma correlao entre

    diagnsticos sintticos e propriedades semnticas dos verbos inacusativos e inergativos: certos verbos quando aparecem em contextos sintticos inacusativos, impem leituras de realizao e causao externa, j outros verbos quando ocorrem em ambientes sintticos inergativos, impem leituras de atividade e causao interna.

    Passaremos agora a descrever algumas das propostas existentes na literatura que tratam das diferenas entre os verbos inacusativos e inergativos.

    1.1 - Caracterizao dos verbos inacusativos e inergativos

    A descrio tradicional costuma classificar os verbos em Portugus em apenas dois

    tipos bsicos: transitivos e intransitivos. Segundo Eliseu (1984), h basicamente dois tipos de critrios para distinguir as classes verbais: o critrio semntico e o critrio sinttico.

    Segundo o critrio semntico, a diferena entre formas transitivas e intransitivas ocorre, considerando-se a identificao do nmero e do tipo de argumentos selecionados pelos

  • 5

    verbos. Deste modo, um verbo transitivo se caracteriza por possuir dois argumentos. Um desses argumentos o Tema e o outro o Agente. J um verbo intransitivo se caracteriza por possuir um nico argumento, o Agente. Logo, a existncia ou no de um argumento Tema critrio suficiente para distinguir os dois tipos de verbos. No critrio sinttico, leva-se em conta as configuraes estruturais definidas pelos verbos. Assim, a

    distino entre classes verbais se verifica nas diferentes configuraes estruturais do VP, definidas pelo verbo. So transitivos os verbos que subcategorizam um constituinte

    nominal1. No entanto, conforme aponta Eliseu, com base em tais critrios, como classificar, por exemplo, estruturas do tipo (1) e (2)?

    (1) a - O motorista acelerou o carro. b - O carro acelerou. (2) a - O ndio afundou o barco. b - O barco afundou.

    Tanto em (1b) como em (2b), o constituinte nominal em posio de sujeito um elemento subcategorizado pelo verbo com papel temtico Tema. A classificao

    tradicional no d conta desse tipo de verbo intransitivo cujo nico argumento, realizado como sujeito, um Tema. Tais verbos no se enquadram nem na classe dos verbos transitivos, nem na classe dos intransitivos. Na descrio tradicional, os verbos em (1b) e em (2b) so considerados apenas verbos intransitivos. No entanto, nessas estruturas, o elemento nominal na funo de sujeito , subjacentemente, um complemento com papel semntico de tema. Na derivao de (1b) e (2b) ocorre o movimento do NP gerado na posio de complemento para a posio de sujeito. Com base na existncia de verbos desse tipo, Eliseu, mostra ento, que se pode considerar, pelo menos, trs classes verbais bsicas:

    transitivos, intransitivos e ergativos2 (= inacusativos). A classe dos verbos ergativos acrescentada tipologia tradicional.

    1 A anlise em termos sintticos e a anlise segundo um ponto de vista semntico identifica como elemento

    crucial o mesmo fator: a presena de um elemento subcategorizado pelo verbo, correspondendo a um argumento Tema. (Eliseu, p. ii) 2 Os verbos aqui denominados de inacusativos so chamados por Eliseu de ergativos. Neste trabalho,

    adotaremos os termos inacusativos e inergativos para distinguir as duas classes de verbos intransitivos.

  • 6

    O estudo dos verbos inacusativos nas lnguas acusativas teve impulso a partir dos trabalhos de Perlmutter (1978), no mbito da Gramtica Relacional, e de Burzio (1981) que analisou os verbos inacusativos no Ingls e no Italiano dentro do quadro da Gramtica Gerativa3. Perlmutter (1978) props a chamada Hiptese Inacusativa que postula que a classe de verbos intransitivos no homognea e consiste de duas subclasses que apresentam diferentes configuraes sintticas: a dos verbos intransitivos inacusativos e a

    dos verbos intransitivos inergativos4 tal como representados abaixo:

    (3) a - Verbo intransitivo inergativo: DP [ vp V]

    b - Verbo intransitivo inacusativo : ___ [ VP V DP/CP]

    Tais configuraes mostram que em (3a) um verbo intransitivo inergativo, como por exemplo, correr, apresenta um argumento: o externo. Tais verbos selecionam apenas um sujeito. J em (3b), um verbo intransitivo inacusativo, como, por exemplo, o verbo cair, apresenta um nico argumento: o interno. Nesse caso, os verbos s selecionam um complemento como argumento.

    Burzio (1986), baseado nesta proposta de Perlmutter (1978), percebeu que, em Italiano, os verbos tradicionalmente classificados como intransitivos tambm no constituem uma classe homognea e ainda apresentam importantes diferenas estruturais entre si. O autor fez uma anlise sinttica desses verbos. Deste modo, denominou as estruturas do tipo (3b) de ergativas, postulando a Hiptese Ergativa, segundo a qual o tal tipo de verbo se caracteriza por:

    (4) (i) conter apenas um argumento, que interno ao VP; (ii) no atribuir caso Acusativo a esse argumento; (iii) por no atribuir Caso Acusativo, no atribui tampouco papel temtico a um

    argumento externo. Tal proposta ficou conhecida na literatura como a Generalizao de Burzio.

    3 Segundo Eliseu, a obra de Raposo (1981) abordou este problema para o Portugus, pela primeira vez no

    mbito da Gramtica Gerativa. 4 Estes termos so a nossa adaptao da proposta de Perlmutter.

  • 7

    Nessa proposta, o autor postula uma correlao direta entre o papel temtico do sujeito e o caso do objeto. Tal hiptese foi criticada por diferentes autores. Em relao ao Portugus Brasileiro (PB), Figueiredo Silva (1996) (cf. Palmiere, 1997) considera que a afirmao (ii), citada acima, parece no se confirmar. Assim, em sentenas como: Sujou os vidros de novo, a autora demonstra que mesmo no havendo sujeito temtico, o argumento nico recebe caso Acusativo, devido ausncia de concordncia entre este e o verbo. Dados como esses mostram a no existncia de caso Nominativo nas construes

    ergativas/inacusativas. Palmiere cita tambm o trabalho de Duarte (1993) referente a essa questo:

    As mesmas consideraes tambm so feitas por Duarte (1993), a partir da anlise de dados do Portugus Brasileiro e de evidncias translingsticas, que conclui que nem todos os verbos ditos inacusativos so incapazes de atribuir Acusativo a seus objetos, seja esse caso abstrato ou morfologicamente manifesto, quer atribudo estruturalmente, ou inerentemente. Examinando vrias construes com sujeito posposto, a autora demonstra que verbos inacusativos podem atribuir caso Acusativo ao NP ps-verbal, uma vez que o caso Nominativo no atribudo a esse NP dada a ausncia de concordncia. (: 2-3)

    Para Palmiere, apenas a propriedade (i) (o verbo inacusativo contm apenas um argumento que interno ao VP) pode ser considerada como definidora de um verbo inacusativo. Deste modo, de acordo com a autora, o que caracteriza um verbo inacusativo que o mesmo seleciona apenas um argumento interno e no seleciona argumento externo.

    No entanto, tal propriedade no assegura a diferenciao entre verbos inacusativos que apresentam argumento nico e interno dos verbos inergativos que apresentam argumento nico e externo. Muitas vezes, o argumento dos verbos inacusativos pode realizar-se na sentena como sujeito.

    Diante de tal constatao, alguns autores estabeleceram alguns critrios de natureza estrutural que ajudam a determinar as diferenas entre os verbos inacusativos e inergativos.

    1.1.1 Critrios para a identificao dos verbos inacusativos e inergativos

    Os critrios para a identificao desses dois tipos de verbos intransitivos varia de

    lngua para lngua. Eliseu (1984), avaliando dados do portugus europeu, estabeleceu critrios de identificao para os dois tipos de verbos intransitivos, conforme verificaremos

    na prxima seo.

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    Alexiadou et al. (2004) propem alguns testes para o diagnstico de inacusatividade verbal em diversos tipos de lnguas: seleo de auxiliar; possibilidade de aparecer em construes resultativas; em formas participiais; clitizao com ne e possibilidade de ocorrncia em passiva impessoal. Descreveremos a seguir esses testes para a identificao dos verbos inacusativos nas lnguas examinadas.

    (i) Seleo de auxiliar

    De acordo com Alexiadou et al., em muitas lnguas romnicas e germnicas, com exceo do Ingls e do Espanhol, verbos inacusativos, como arriver do Francs, selecionam BE como verbo auxiliar. Contudo os verbos inergativos, como rougir do Francs, selecionam HAVE.

    (5) a - Marie est arrive en retard. Marie arrived late.`

    b - Marie a rougi de honte. Marie became red with shame.` (Alexiadou et al.: 5)

    (ii) Ocorrncia em construes resultativas

    Segundo os autores, uma sentena resultativa expressa o resultado da ao verbal no DP. A ao afeta somente o objeto de um verbo transitivo e nunca o sujeito. Logo, as sentenas resultativas podem aparecer com verbos inacusativos, mas no com inergativos, conforme ilustra o exemplo (6c) a seguir:

    (6) a - She licked the peanut butter clean. b - * Dora shouted hoarse.

    c - The bottle broke open. (Alexiadou et al.: 5)

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    (iii) Ocorrncia em forma de particpio

    Outro diagnstico proposto por Alexiadou et al. diz respeito ao emprego da forma de particpio dos verbos transitivos. Segundo os investigadores, tais particpios podem ocorrer como predicados atributivos do objeto direto, conforme ilustra (7a). Os verbos inergativos no podem produzir tal forma participial porque no subcategorizam um complemento como indica a agramaticalidade de (7b). J os verbos inacusativos podem ser usados como particpio em funo atributiva ou predicativa (7c) porque tambm selecionam um argumento interno, assim como os verbos transitivos:

    (7) a - der gekte Student the kissed student

    b - *der gearbeitete Student the worked student c - der eingeschlafene Student the fallen asleep student (Alexiadou et al.: 6 )

    (iv) Cliticizao com ne-

    Segundo os pesquisadores, o fenmeno da clitizao com ne- um diagnstico para

    a inacusatividade, pois em lnguas como o Italiano, a cliticizao da sentena partitiva pelo cltico ne s ocorre com argumentos internos, como ilustra (8a). Sendo assim, alguns verbos inacusativos permitem este tipo de clitizao conforme mostra (8b). J os verbos inergativos no permitem (9):

    (8) a - Giovanni ne ha insultati due. John of them has insulted two.

    b - Ne arrivano molti. of them arrive many

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    (9) * ne telefonano molti of them telephone many (Alexiadou et al.: 6)

    (v) Ocorrncia em passiva impessoal

    De acordo com Alexiadou et al., os verbos inacusativos no podem passivizar, como indica (10b), enquanto os inergativos permitem a passiva impessoal, conforme ilustra (10a):

    (10) a - Er werd hier door de jongelui veel gedanst. It was here by the yong people a lot danced

    b - * Er werd door de kinderen in Amsterdam gebleven. It was by the children in Amsterdam remained

    Os pesquisadores ressaltam que os testes acima descritos, se aplicam somente a certas lnguas ou grupos de lnguas. Sendo assim, encontram-se na literatura muitos autores

    que propem diagnsticos para lnguas particulares.5 Em Portugus, podemos citar Eliseu (1984), conforme ilustraremos a seguir.

    1.2 - A caracterizao dos verbos inacusativos em Portugus, segundo Eliseu

    Eliseu (1984) divide os verbos inacusativos basicamente em dois tipos: (i) os que podem ocorrer nos pares transitivo/intransitivo, como quebrar e aumentar; e (ii) os que no podem aparecer nos pares transitivo/intransitivo, como naufragar e morrer. A partir de testes especficos, ilustrados abaixo, o autor procura identificar os verbos inacusativos do Portugus Europeu (PE)6:

    5 Alexiadou et al., (6) citam alguns desses autores: para o Francs, Legendre (1989), Ruwet (1991); para o

    alemo, Fanselow (1985), Grewendorf (1989); para o Holands, Hoekstra (1984); para o Russo, Neidle (1989), Pesetsky (1982); para o Espanhol, Torrego (1989); para o Grego, Alexiadou e Anagnostopoulou (1997). 6 Exemplos de Eliseu com adaptaes (10 e 21-22)

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    (i) Os verbos inacusativos ocorrem em construes intransitivas cujo constituinte nominal o sujeito superficial das oraes7:

    (11) a - Fugiu o ladro. b - O ladro fugiu.

    (ii) O sujeito superficial dos verbos inacusativos pode participar de determinados processos que afetam tipicamente o objeto direto dos verbos transitivos, como na formao do Particpio Absoluto, como ilustram (12b) e (13b). J o sujeito do verbo intransitivo inergativo (14b), bem como o sujeito do verbo transitivo (12c), que so argumentos externos, no podem ocorrer nesse tipo de construo:

    (12) Verbo Transitivo a - A Ana arrumou o quarto.

    b - Arrumado o quarto, ...

    c - * Arrumada a Ana

    (13) Verbo Inacusativo a - O navio naufragou

    b - Naufragado o navio,...

    (14) Verbo Intransitivo a - O comboio apitou. b - * Apitado o comboio,...

    (iii) As formas participais dos verbos inacusativos tm propriedades comuns s dos particpios dos verbos transitivos (como a ocorrncia no Particpio Absoluto em posio predicativa (15 e 16) e atributiva (18 e 19)) que diferem das propriedades dos verbos inergativos porque estes no possuem argumento interno. Da resulta a agramaticalidade dos exemplos (17 e 20).

    7 O sujeito deste verbos, ao contrrio do sujeito dos inergativos, partilha de algumas propriedades dos objetos

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    (15) Verbos transitivos a - A soluo est encontrada. b - O suspeito foi detido.

    (16) Verbos inacusativos a - A Maria est crescida. b - A empresa est falida.

    (17) Verbos inergativos a - * Os atletas esto corridos. b - * O co est ladrado.

    (18) Verbos transitivos a - As solues encontradas no so satisfatrias. b - O juiz libertou os suspeitos detidos.

    (19) Verbos inacusativos a - As meninas crescidas no choram. b - O nmero de empresas falidas aumentou assustadoramente.

    (20) Verbos inergativos a - * Os atletas corridos foram homenageados pelo governo. b - * O co ladrado perseguiu os gatos.

    (iv) O sujeito superficial dos verbos inacusativos no um argumento externo agente e assim, no pode ser nominalizado com o sufixo -dor. Este sufixo seleciona verbos com argumentos externos:

    diretos dos verbos transitivos, como por exemplo, ocorrer em posio ps-verbal.

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    (21) inacusativos (22) transitivos (23) inergativos a - * cador a - agressor a - corredor b - * crescedor b - matador b - nadador8

    (v) No caso dos verbos inacusativos que ocorrem em pares de construes transitiva/ intransitiva, a relao semntica entre o verbo e o sujeito superficial da forma intransitiva a mesma que existe entre o verbo e o objeto direto da forma transitiva:

    (24) a - O governo aumentou os impostos. (os impostos = tema) b - Os impostos aumentaram. (Os impostos = tema)

    (25) a - Os desgostos envelheceram a Maria. (a Maria = tema) b - A Maria envelheceu. (a Maria = tema)

    A partir dos exemplos acima, percebemos a existncia de um tipo de verbo

    intransitivo que determina construes com um nico argumento interno, diferente da classe dos verbos inergativos. Estes ltimos tm algumas propriedades comuns com os verbos transitivos porque ambos selecionam um argumento externo. A caracterizao dos verbos inacusativos no simples, pois tais verbos tm afinidades com os transitivos, mas tambm com os inergativos. Por exemplo, as construes definidas por verbos inacusativos no admitem a forma passiva nem a formao de adjetivos em -vel que so possveis a partir de verbos transitivos, mas no a partir de verbos inergativos, como ilustram os exemplos a seguir:

    (26) Verbos inacusativos a - * A Maria foi crescida.

    8 De acordo com Eliseu (p. 14 e 43), as nominalizaes que envolvem o sufixo agentivo -dor so

    sistematicamente impossveis a partir de verbos inacusativos, observando-se algumas impossibilidades no caso dos transitivos (*encontrador) e intransitivos (*mentidor). Esta derivio envolve obrigatoriamente o argumento externo (...) se a estrutura argumental dos verbos inacusativos no contiver nenhum argumento externo, a formao de nominais em -dor a partir deste tipo previsivelmente, impossvel.

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    (27) Verbos transitivos a - A soluo foi encontrada.

    (28) Verbos inergativos a - * Os atletas foram corridos.

    (29) inacusativos (30) transitivos (31) inergativos a - * crescvel a - reparvel a - * corrvel b - * falvel b - resolvel b - * soluavel9

    A partir dos fatos aqui apresentados, constatamos que os critrios estabelecidos para fazer a diferenciao entre os verbos inacusativos e inergativos podem variar, dependendo da proposta terica. Passamos agora a descrever e a discutir a alternncia causativa, conforme abordagens tericas divergentes.

    1.3 A alternncia causativa

    Neste seo, objetivamos definir os conceitos de causativa lexical e de transitividade. Nem sempre existe um consenso entre os diferentes autores e correntes

    tericas para a definio destes conceitos. Apresentamos aqui as propostas de Figueira (1985), Pinker (1989), Levin e Rappaport-Hovav (1995) e Cabrera e Zubizareta (2004) para a alternncia causativa.

    Em Portugus, alguns tipos de verbos inacusativos, como, por exemplo, aumentar, envelhecer, quebrar, afundar e abrir, admitem alternncia causativa, ou seja, ocorrem no par transitivo/intransitivo:

    9 Segundo Eliseu (p. 41-42), a semelhana entre os verbos inacusativos e intransitivos (= inergativos), quanto

    impossibilidade de formao de adjetivos em -vel, deve-se ao fato de ambos os tipos de verbos possurem um nico argumento nuclear. Em (ii) o argumento externo do adjetivo corresponde necessariamente ao argumento interno da estrutura transitiva. Assim, a derivao das formas adjetivais deste tipo implica uma operao sobre as estruturas argumentais iniciais. (i) O Pedro resolveu o problema. (ii) O problema resolvel.

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    (32) a - O governo aumentou os impostos. b Os impostos aumentaram.

    (33) a - Os desgostos envelheceram a Maria. b - A Maria envelheceu.

    (34) a - Maria quebrou o copo. b - O copo quebrou.

    (35) a - O pirata afundou o navio. b - O navio afundou.

    (36) a - Paulo abriu a porta. b - A porta abriu.

    Nesses exemplos, percebemos que a relao semntica entre o sujeito da contraparte intransitiva e o objeto da transitiva a mesma: ambos so o tema. Do ponto de vista sinttico, as estruturas do tipo (a), consideradas isoladamente, so tipicamente transitivas, apresentando caractersticas prprias para este tipo de construo como: poderem ser passivizadas e substiturem o DP complemento por um cltico acusativo.

    (37) a - Maria quebrou o copo. b - O copo foi quebrado. c - Maria o quebrou.

    J as estruturas do tipo (b), consideradas isoladamente, so construes intransitivas apresentando propriedades inacusativas. O sujeito destes verbos, ao contrrio do sujeito dos intransitivos inergativos, compartilha de algumas propriedades dos objetos diretos dos verbos transitivos, como, por exemplo, ocorrer em posio ps-verbal:

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    (38) a - Os impostos aumentaram. b - Aumentaram os impostos.

    (39) a - O navio afundou. b - Afundou o navio.

    (40) a - A porta abriu. b - Abriu a porta.

    Tanto a anlise em termos sintticos quanto a anlise semntica identificam, como elemento principal, o mesmo fator: a presena de um elemento subcategorizado pelo verbo, correspondendo a um argumento tema. Na literatura existem vrias propostas sobre a representao destes verbos e a derivao da alternncia causativa. A seguir, apresentamos algumas delas.

    1.3.1 Diferentes vises sobre a alternncia causativa

    1.3.1.1 - A classificao de Figueira (1985)

    Figueira, que segue a linha interacionista-construtivista, considera como causativo lexical os pares de verbos supletivos. Verbos em que o item causativo no tem nenhuma relao morfolgica com o item no-causativo apesar de compartilharem propriedades semnticas. Deste modo, verbos totalmente diferentes integram as classes dos causativos lexicalizados.10

    (41) a No-causativo b Causativo morrer matar

    sair tirar, expulsar

    nascer parir

    aprender ensinar

    10 Exemplos retirados de Figueira (: 21).

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    ver mostrar

    conhecer apresentar

    cair derrubar

    sumir, desaparecer esconder, guardar

    acabar consumir

    vir, chegar trazer

    acreditar convencer

    De acordo com a autora, a delimitao destes verbos no se faz a partir de uma regra morfolgica ou sinttica. A criana tem de aprender cada item separadamente, j que no h regras que produzem os itens causativos a partir de sua contraparte no causativa. Assim, para Figueira (:22) uma questo de estrutura lexical que faz que se diga Pedro matou Maria e no Pedro morreu Maria. Figueira considera os verbos que apresentam a alternncia transitivo/intransitivo como causativos sintticos (= causativa lexical). Para a investigadora, as sentenas intransitivas (42a)11 expressam uma mudana de estado e as sentenas transitivas (42b) expressam a ao que provoca a alterao de estado:

    (42) a - Intransitivos (no-causativos) b - Transitivos (causativos) A porta abriu. Maria abriu a porta.

    A janela fechou. Maria fechou a janela. A vidraa quebrou. O menino quebrou a vidraa.

    O pano rasgou. Maria rasgou o pano. A canoa virou. O homem virou a canoa.

    Segundo a autora, um item verbal idntico quando ocorre na estrutura NV adquire sentido no-causativo, mas quando aparece na configurao NVN veicula sentido causativo.

    Vejamos, a seguir, propostas de anlise diferentes das de Figueira que seguem a Hiptese Lexicalista dentro da abordagem gerativa.

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    1.3.1.2 - A abordagem de Pinker (1989)

    Pinker (1989) segue a Hiptese Lexicalista. Para o autor, as palavras so armazenadas no lxico mental com um conjunto de suas propriedades, denominado de entrada lexical. A entrada lexical contm os seguintes tipos de informao: (a) morfolgica; (b) fonolgica; (c) categoria sinttica (Nome, Verbo, Adjetivo); (d) estrutura argumental; e (e) estrutura semntica. A estrutura semntica ou lxico-semntica impe restries em aspectos determinados de um evento. Os verbos que alternam so aqueles relacionados a duas entradas lexicais diferentes que compartilham a mesma raiz e componentes da estrutura lxico-semntica. Atravs de uma regra lexical uma entrada lexical associada a outra. Segundo Pinker, causativa lexical um verbo transitivo, significando causao. Tal verbo tem uma forma idntica a de um verbo intransitivo, significando o evento causado. De acordo com o autor, as causativas lexicais se aplicam a casos de causao direta

    ou contato fsico. Causas indiretas so expressas por uma causativa perisfrstica em que um verbo intransitivo ou transitivo encaixado como um complemento de make ou outro verbo

    como cause ou let. Assim, na anlise de Pinker, as causativas lexicais so incompatveis para a expresso de causaes mediadas por aes voluntrias ou por processos psicolgicos do causador. Este fato denominado directness effect, conforme ilustram os exemplos a seguir:

    (43) Sally made the ball bounce/ the puck slide/ the baby burp/ the children laugh/ the Red Sox triumph (by her enthusiastic cheers).

    (44) Sally bounced the ball/ slid the puck/ burped the baby/ *laughed the children/ *triumphed the Red Sox.

    (45) John made the glass break by startling the carpenter, who was installing it.

    11 Exemplos retirados de Figueira (p. 22)

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    (46) *John broke the glass by starling the carpenter, who was installing it. (Pinker: 49)

    No que se refere alternncia causativa, o autor, como j mencionado, sugere que tal tipo de fenmeno envolve duas estruturas argumentais: uma intransitiva e outra

    transitiva.

    Pinker considera que o ncleo principal expresso por verbos de ao de uma

    estrutura argumental transitiva X acts on Y. Nesta estrutura, o segundo argumento, Y, tradicionalmente chamado de paciente. O autor faz uma diferenciao para os conceitos de paciente e tema que implicar na determinao do verbo causativo.

    Para Pinker, o papel temtico de paciente deve estar inerentemente envolvido em uma ao realizada por um agente, mas no acarreta necessariamente uma mudana especfica.

    Por outro lado, um tema previsto para estar em um lugar ou estado ou para sofrer uma mudana de lugar ou estado, independentemente se ele ou no causado por um

    agente. O autor ilustra tal afirmao com o seguinte exemplo: if a bug dies (bug = theme), it is definitely dead, but it could have become so at the hands of an exterminator or because of old age. (: 85). De acordo com Pinker, h verbos que especificam argumentos que so ao mesmo tempo paciente e tema: when I cut an apple, the apple must have a cut in it, and the cut must have been effected by my acting on it in a certain way. (: 85).

    Segundo o autor, um verbo que especifica um argumento que pode ser tanto um paciente quanto um tema, tal como cut, chip, shatter, ou kill um verbo causativo. Essa diferena semntica tem, por sua vez, diferenas gramaticais associadas. Em relao estrutura argumental dos verbos intransitivos, Pinker considera que h

    pelo menos dois ncleos temticos distintos: um formando a base dos verbos intransitivos, em que X realiza alguma ao ou atividade, como por exemplo, os verbos run, walk, sleep,

    eat, breathe, cry e dance. O outro forma a base dos verbos inacusativos em que X passa por alguma mudana de lugar ou estado, como, por exemplo, bouce, slide, melt e open. De acordo com o autor, os sujeitos dos verbos intransitivos so agentes, ao passo que os sujeitos dos verbos inacusativos so, geralmente, temas.

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    1.3.1.2.1 - Verbos que se causativizam

    Pinker afirma que nem todos os verbos intransitivos podem se transformar em transitivos causativos e nem todos os transitivos causativos podem se transformar em intransitivos. Para o autor, h trs classes principais de verbos intransitivos que podem se

    causativizar12:

    (i) Verbos de mudana de estado fsico:

    Pinker observa que na forma intransitiva, a mudana no causada por um agente externo identificado.

    (47) The box opened/ closed/ melted/ shrank/ shattered. I opened / closed/ melted/ shrank / shattered the box.

    (ii) Verbos de movimento em que a ao precisa ser internamente causada voluntariamente ou involuntariamente:

    (48) The log slid/ skidded/ floated/ rolled/ hounced. Brian slid/ skidded/ floated/ rolled/ bounced the log.

    (iii) Verbos que envolvem modos de movimento que na forma transitiva, o sentido de coao ou encorajamento do movimento:

    (49) The horse walked/ galloped/ trotted/ raced/ ran/ jumped/ past the barn. I walked/ galloped/ trotted/ raced/ ran/ jumped/ jogged the horse past the barn.

    O autor menciona tambm outras subclasses de verbos que parecem apresentar uma alternncia causativa, mas que, na verdade, no alternam:

    12 Os exemplos de (47 a 58) foram retirados de Pinker (: 130-132)

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    (iv) Verbos de movimento com uma direo lexical especfica. Tais verbos definem o tema como a dimensionless point undergoing a translation in space.

    (50) a - My son went to school. b -* I went my son to school.

    (51) a - His sister came home from the hospital. b - * He came his sister home from the hospital.

    (v) Verbos de volio ou aes causadas internamente:

    (52) a - Sally ate. b - * Bert ate [= fed] Sally.

    (vi) Verbos que denotam existncia ou no existncia

    (53) a - Bobby died. b -* Catherine died Bobby.

    (54) a- The bird vanished. b -* The pin vanished the bubble.

    (vii) Verbos que expressam emoo:

    (55) a - The audience smiled. b - * Irv smiled his audience.

    (viii) Verbos de emisso de luzes, sons e substncias:

    (56) a- The light glowed. b - * Barbara glowed the light.

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    (57) a -The saw howled. * Billy howled the saw.

    (58) a - The sauce bubbled. b - * Hazel bubbled the sauce.

    Segundo Pinker, h motivaes para a ocorrncia das classes de verbos possveis de

    causativizao:

    (i) Algumas lnguas no fornecem nenhum verbo transitivo que permita expressar a noo de que X age em Y, fazendo Y mudar, agir ou mover. No h verbos que signifiquem a causa de algum to rejoice, cry, shout, drink, talk, ou sleep. Para Pinker, como se tais eventos fossem inerentemente no causados por um agente externo, pois eles envolvem uma causa interna inerente que deve mediar qualquer efeito de um agente externo. (ii) O outro tipo de motivao completamente diferente: For some kinds of events, both inchoative intransitive and causative transitive meanings exists, but they are not

    allowed to share the same verb root, such as kill and die, bring and come, or take and go (: 133). Para o autor, isso se deve no por causa da existncia ou inexistncia de possveis conflitos de significaes, mas devido existncia ou no de uma pequena srie de regras lexicais que os mapeie.

    Passaremos agora para a abordagem de Levin e Rappaport-Hovav (1995).

    1.3.1.3 Levin e Rappapot-Hovav (1995)

    Levin e Rappapot-Hovav observaram a tendncia nas lnguas naturais de certos

    argumentos com um determinado papel semntico ocuparem posies sintticas especficas. Tal fato seria indicativo de que as propriedades sintticas dos verbos so

    determinadas por seus significados. Dentro do quadro da Semntica Lexical, as autoras adotaram a noo de Estrutura Conceptual Lexical onde o significado verbal decomposto em primitivos semnticos,

    como ilustra a representao do verbo quebrar em (59):

  • 23

    (59) a - Break: [x DO something] Cause [y Become broken]

    De acordo com tal proposta, os verbos tm dois nveis de representao: a representao lxico-semntica, como (59a), e a representao sinttica (chamada de estrutura argumental) que vai determinar os argumentos projetados na sintaxe, como (59b) Verbos com alternncia causativa apresentam uma nica representao lxico-semntica, mas duas estruturas argumentais distintas: uma didica em que Causa externa

    projetada na estrutura argumental e outra em que s o segundo componente (Become) da representao lexical projetado na estrutura argumental. A diferena de transitividade , pois, tratada como um processo derivacional e no como uma conseqncia de entradas lexicais distintas. Assim, a contraparte intransitiva de break derivada por uma regra lexical, linking rule que suprime o argumento externo antes do mapeamento para a estrutura argumental, conforme indica (59b): Derivao de break intransitivo: (59) b - Break: [x DO something] Cause [y Become broken] Ligao lexical Regras Linking

    Estrutura argumental

    Segundo as autoras, verbos como break tm uma semntica causativa mesmo na sua contraparte intransitiva. Break intransitivo descreve um evento que necessita de uma fora

    externa. Os verbos causados externamente so os de mudana de estado e os de movimento: mover, rolar, etc.

    H verbos internamente causados que descrevem eventos decorridos de caractersticas internas do participante, tais como: vontade, caractersticas fsicas, reaes emocionais, tais como: rir, brincar, falar, tremer, etc. A estrutura lxico-semntica de um verbo internamente causado como (59c):

    (59) c - Laugh [x laugh]

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    Com base na representao lxico-semntica e na estrutura argumental, Levin e Rappaport estabelecem uma diviso dos verbos intransitivos em trs classes: (i) Os inacusativos com Causa externa (didicos) que alternam, como: quebrar, abrir, afundar, etc. (ii) Os inacusativos sem Causa externa (mondicos), que so causados internamente e no participam da alternncia, como: morrer, nascer, desaparecer, etc. (iii) Os inergativos tambm causados internamente, mas com argumento externo, como: rir, cantar, gritar, etc.

    Segundo Levin e Rappaport-Hovav, somente os verbos inacusativos causados externamente (os didicos) podem participar da alternncia causativa. A representao lxico-semntica desses verbos j contm um elemento causador externo. Passamos agora para a abordagem de Cabrera e Zubizarreta (2004).

    1.3.1.4 - A abordagem de Cabrera e Zubizarreta (2004)

    Cabrera e Zubizarreta13 propem que os verbos que entram no par transitivo/intransitivo so classificados como causativos lexicais. De acordo com as

    pesquisadoras, os verbos tpicos da alternncia causativa esto associados mudana de estado, como os verbos inacusativos break/romper, conforme os exemplos (60) abaixo. Tambm os verbos inacusativos que expressam mudana de lugar, como os do espanhol subir go up bajar go down, como nos exemplos (61)14, participam dessa alternncia:

    (60) a - Peter broke the window. / Pedro rompi la ventana. b - The window broke. / La ventana se rompi.

    (61) a - Pedro subi al nio a la mesa. b - El nio se subi a la mesa.

    13 Cabrera e Zubizarreta realizaram um estudo que investigou se as propriedades das causativas lexicais de L1

    se refletiam na aquisio de Ingls e de Espanhol como L2 por falantes nativos do Ingls e do Espanhol. O foco do estudo das autoras foi o fenmeno da suprageneralizao das causativas (*Peter laughed the girl. Peter caused the girl to laugh. / * Peter arrived the girl at school late. Peter caused the girl to arrive at school late.). 14

    Os exemplos (60) e (61) foram retirados de Cabrera e Zubizarreta (: 1)

  • 25

    Segundo as autoras, a forma transitiva assume a seguinte estrutura sinttico-semntica:

    (62) CAUSE [Change of State/ Location]

    As autoras afirmam que a forma transitiva das causativas lexicais so estruturas que contm um objeto direto afetado pela mudana de estado ou locao. De acordo com as pesquisadoras, os verbos inergativos, como, por exemplo, laugh/reir, no apresentam alternncia causativa por no acarretarem mudana de estado ou de locao. Sendo assim, no podem participar da alternncia causativa, conforme ilustra a agramaticalidade dos exemplos a seguir:

    (63) a - * Peter laughed Mary. Mary laughed.

    b - * Pedro ri a Maria. Maria se ri.

    Peter caused Mary to laugh. (Cabrera e Zubizarreta: 2)

    Cabrera e Zubizarreta mencionam o fato de que nem todos os verbos inacusativos em Ingls e Espanhol que acarretam mudana de estado ou lugar ocorrem como causativo lexical. Os verbos inacusativos que no entram no par transitivo/intransitivo incluem os verbos de apario occur/ocurrir e verbos de movimento arrive/ llegar e tambm os verbos de mudana de estado, como morrer, nascer, etc., conforme mostram os exemplos

    abaixo: (64) a - * Peter occurred an accident. / * Pedro ocurri un accidente. Peter caused an accident to occur. b - An accident occurred./ Un accidente ocurri.

  • 26

    (65) a - * Peter arrived Mary at school late. / * Pedro lleg a Mara tarde a la escuela.

    * Pedro caused Mary to arrive at school late. b - Mary arrived at school late. /Mara lleg a la escuela tarde.

    A no manifestao desses verbos na alternncia transitivo/intransitivo no se deve a uma restrio gramatical, mas sim a uma idiossincrassia lexical, conforme sugerem as

    autoras.

    As investigadoras observam que, embora, os verbos inergativos no possam participar da alternncia causativa, em Ingls os que indicam mudana de lugar, quando admitem um sintagma preposicional, tornam-se inacusativos e podem ocorrer em uma estrutura transitiva.

    Quanto tais verbos no envolvem um PP, impossvel causativiz-los, como ilustram os exemplos (b) abaixo:

    (66) a - The soldiers marched./ Los soldados marcharon. b - * The general marched the soldiers/ * El general march los soldados

    (67) a - John danced/ Juan bail. b - * John danced Mary/ * Juan bail Maria.

    (Cabrera e Zubizarreta: 3)

    No entanto, em Ingls, se esses verbos so acompanhados por um PP com o papel temtico de meta, eles compartilham das propriedades dos verbos inacusativos, como a de poder participar no par transitivo/intransitivo. O mesmo no ocorre em Espanhol, j que inexiste a possibilidade de licenciamento de PP com esse tipo de verbo. Os exemplos abaixo ilustram esse fato:

    (68) a - The soldiers marched to the camp. b - John danced to the other side of the room.

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    (69) a - The general marched the soldiers to the camp. b - John danced Mary across the room.

    (70) a - * Los soldados marcharon al campamento. b - * Juan bail al outro lado del saln.

    (71) a - * El general march a los soldados al campamento. b - * Juan bail a Mara al outro lado del saln. (Cabrera e Zubizarreta: 3)

    Em Portugus, os verbos inergativos de movimento compartilham das caractersticas dos verbos inergativos em Espanhol e, deste modo, no apresentam uma contraparte causativa, como podemos observar em (72):

    (72) a - * O general marchou os soldados para o acampamento. b - * Joo danou a Maria para o outro lado do salo.

    Neste captulo, oferecemos um breve resumo sobre a diferenciao feita por alguns investigadores entre verbos inergativos e inacusativos. A questo da alternncia transitivo/intransitivo foi revista aqui tendo como base os seguidores do Lexicalismo, como Pinker (1989), Levin e Rappaport-Hovav (1995) e Cabrera e Zubizaretta (2004) . No captulo 2, apresentamos esses mesmos temas, diferenas entre classes verbais e alternncia de valncia, a partir do olhar de outra Teoria: a Morfologia Distribuda, elaborada por Halle e Marantz (1993).

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    CAPTULO 2

    ESTRUTURA ARGUMENTAL NA MORFOLOGIA DISTRIBUDA

    Nesta captulo, objetivamos descrever alguns dos pressupostos tericos da Morfologia Distribuda (MD) com base nos textos de Marantz (1997), Harley e Noyer (1999 e 2000) Embick e Noyer (2005) e Lemle (2005). Tambm apresentaremos as idias principais sobre causativizao, com base em Harley e Noyer (1998), Folli e Harley (2002) e Pylkknen (1999 e 2002).

    2.1 Lexicalismo vs. Morfologia Distribuda

    Na literatura, h muitas teorias que procuram explicar o processo de formao das palavras, embora de formas bastante diferenciadas. Dentre tais teorias, destacam-se as Teorias Lexicalistas e a Morfologia Distribuda (MD). Lieber (1992, apud Pfau (2000)) , por exemplo, adepta da abordagem lexicalista. De acordo com a investigadora, os afixos e as razes so itens lexicais que contm tanto os traos fonolgicos quanto os morfossintticos e relacionam a forma

    fonolgica com o significado e a funo. Nesta abordagem, primordial que os morfemas se combinem para criar as palavras.

    Segundo Marantz (1997), nas teorias lexicalistas, as palavras so criadas no lxico atravs de processos que se diferenciam dos processos sintticos. Existem morfemas que se combinam no lxico para formar as palavras que so os tomos da sintaxe. Assim, dentro desta abordagem, as operaes sintticas no enxergam e no manipulam os morfemas dentro das palavras. As palavras so armazenadas no lxico junto com as suas propriedades idiossincrticas, em entradas lexicais, conforme vimos no captulo anterior.

    No lexicalismo, so as informaes contidas na entrada lexical que determinam a configurao sinttica.

    Lemle (2005: 6) considera assim a diferena entre as teorias lexicalistas e a MD:

    A diferena crucial entre a teoria da Morfologia Distribuda (MD) e as teorias lexicalistas esta: na MD os traos sinttico-semnticos que entram na computao sinttica no so acoplados desde o incio com traos fonolgicos, ao passo que nas teorias lexicalistas as unidade lexicais que so

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    o input da sintaxe so dotadas de traos fonolgicos, traos semnticos e traos formais desde o incio da derivao (desde a numerao, na Teoria Minimalista).

    Segundo apontam Folli e Harley (2002), para a maioria dos seguidores do lexicalismo o significado verbal, estabelecido em sua entrada lexical, que determina o mapeamento de seus argumentos em posies sintticas especficas. Essa idia pode ser vista em alguns princpios postulados por lexicalistas, como o Princpio da Projeo, segundo o qual a informao lexical deve ser sintaticamente representada em todos os nveis.

    Como vimos no captulo anterior, Levin e Rappaport-Hovav (1995) assumem a existncia de um nvel de representao lexical Lexical Conceptual Structure onde a estrutura interna do significado verbal decomposta em predicados. Os seguidores de uma outra corrente, o construcionismo, como Borer (2004), Kratzer (1996) e Marantz (1997) assumem, todavia, a postura de que a estrutura funcional/aspectual em que o verbo inserido que determina a interpretao verbal. Essa a posio assumida pela Morfologia Distribuda. A decomposio do significado feita, pois, na sintaxe.

    A MD pois, uma teoria muito diferente do Lexicalismo. Na MD no h um lxico, no sentido tradicional. Os morfemas so traos de representaes morfossintticas. A sintaxe no opera com itens lexicais, ao invs disso, ela gera as estruturas, combinando traos morfossintticos com razes ocas atravs de operaes como mover e concatenar. Tais combinaes de traos com razes so subseqentemente enviadas aos componentes morfolgico e fonolgico de um lado, e Forma Lgica e Enciclopdica, de outro. Harley e Noyer (1999) descrevem trs propriedades que distinguem a MD de outras teorias morfolgicas: a Insero Tardia (Late Insertion), a Subespecificao de Itens Vocabulares (Underspecification of Vocabulary Itens) e a Estrutura Sinttica Hierrquica o Caminho Todo (Syntactic Hierarchical Structure All the Way Down). A Insero Tardia refere-se hiptese de que os ns terminais so feixes de traos sem contedo fonolgico. Apenas depois da sintaxe que as expresses fonolgicas (Itens de Vocabulrio) so inseridas na estrutura. Sendo assim, os ns terminais contm apenas traos abstratos, sem contedo fonolgico. Devido a esta caracterstica, a MD considerada separacionista, j que considera que os mecanismos

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    responsveis pela produo sinttica so separados dos mecanismos que produzem a expresso morfofonolgica.

    Por Subespecificao de Itens de Vocabulrio, entende-se que as expresses fonolgicas no possuem categorias pr-determinadas. Isso significa que elas no precisam estar totalmente especificadas para as posies sintticas em que iro ser inseridas.

    A ltima propriedade, Estrutura Sinttica Hierrquica o Caminho Todo, significa que as mesmas operaes (merge e move) determinam a combinao dos elementos na formao de sintagmas e de palavras. Harley e Noyer (1999: 3) afirmam que DM is piece-based in the sense that the elements of both syntax and of morphology are understood as discrete constituents instead of as (the results of) morphophonological processes.

    2.2 O lxico segundo a Morfologia Distribuda

    A Morfologia Distribuda, conforme proposta por Marantz (1997) e Harley e Noyer (1999 e 2000) uma abordagem sobre a arquitetura da gramtica que postula uma relao direta entre a sintaxe e a morfologia, propondo que um nico sistema gerativo, a sintaxe, responsvel tanto pela estrutura interna das palavras quanto pela estrutura dos sintagmas. Nesse modelo, a palavra, no incio da derivao, formada por operaes sintticas (Merge e Move) e depois, no curso da derivao, ela submetida a dois outros mdulos independentes, a morfologia (do ingls morphological structure MS) e a fonologia ou forma fonolgica (do ingls Phonological Form PF). O lxico da viso tradicional distribudo em vrios outros componentes. A derivao sinttica na MD acessa separadamente trs listas diferentes: Lista Um, Lista Dois e Lista Trs, conforme descrevemos a seguir.

    A Lista Um fornece as unidades com as quais a sintaxe opera: os morfemas abstratos ou traos de natureza sinttico-semntica1, como, por exemplo, [past], [pl] , [cause], etc. Lemle e Frana (2004) propem, tambm, como traos abstratos os morfemas: verbalizador, nominalizador, adjetivador, relacionador, pessoa, nmero, tempo, complementizador, agentivizador, aplicativo dentre outros. A outra unidade da

    1 A nomenclatura traos de natureza sinttico-semntica, ao invs de morfemas abstratos e posies ocas

    aos invs de Raiz para a Lista Um proposta por Lemle (2005).

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    Lista Um so as posies ocas que, segundo Lemle, so previstas para receberem posteriormente a insero de razes. As duas unidades so destitudas de traos fonolgicos.

    A Lista Dois a lista de Itens Vocabulares (do ingls Vocabulary Itens - VI) ou Peas do Vocabulrio2 que, de acordo com Lemle, correspondem s razes e s peas funcionais como, por exemplo, os prefixos, sufixos e as marcas de concordncia. Lemle considera que as Peas do Vocabulrio so segmentos dotados de traos semntico-sintticos e de substncia fnica. Sendo assim, as Peas correspondem relao entre segmento fonolgico e informao sobre o contexto gramatical (i.e. sinttico-semntico e morfolgico) em que sero inseridas, isto , sobre as suas condies de licenciamento. Para ilustrar essa relao, utilizaremos alguns exemplos de Harley e Noyer (1999: 4): (1) Esquema do Item de Vocabulrio signal context of insertion Exemplo de Itens de Vocabulrio

    a - /i/ [__, + plural] Afixo do Russo (Halle 1997) b - /n/ [__, + participante e falante, plural] Um cltico em Catalo (Harris 1997a)

    Neste esquema, segundo Harley e Noyer, todos os Itens de Vocabulrio devem conter contedo fonolgico, que pode ser any phonological string, including zero or

    (: 4). Por exemplo, o tempo passado de certos verbos do Ingls . Nesse caso, o sufixo zero bloqueia o /-d/ default desse tempo. Desse modo, encontra-se drove, mas no drive-d ou drove-d. O sistema temporal do Ingls determina tambm que, para a terminao [-passado, - particpio], quando o sujeito no o singular de 3a pessoa, o sufixo igualmente . Mas, nesse caso, o sufixo um trao default para o [-passado] no n temporal como um todo. A Lista 3 ou Enciclopdia a lista da informao semntica que associa as expresses fonolgicas com os significados.

    A estrutura da gramtica assumida na MD est ilustrada abaixo, tal como proposta por Harley e Noyer (1999):

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    (2) Lista A Traos morfossintticos

    ( [Det] [1st] [cause] [+past] [raiz] [pl] etc...) Operaes sintticas (Merge, Move)

    Operaes morfolgicas Forma Lgica (Estrutura morfolgica) (e.g. morpheme merge, fission)

    Lista B: Phonological Form Interface Conceptual Enciclopdia Lista C

    (Meaning) (conhecimento no lingstico) (Insero de Itens de Vocabulrio (Spell-Out), Regras de Reajustamento, Regras fonolgicas)

    Passaremos agora a descrever como so inseridos os Itens de Vocabulrio nos ns terminais derivados na sintaxe.

    2.3 Os f-nodes e os l-nodes

    Para a MD, o termo morfema designa um n terminal sinttico (ou morfolgico) abstrato sem contedo fonolgico. De acordo com Harley e Noyer (1999), nos trabalhos recentes em MD, Halle (1992) props uma distino entre morfemas concretos, com expresso fonolgica fixa e morfemas abstratos, cuja a expresso fonolgica era postergada para depois da sintaxe. No entanto, os trabalhos mais recentes em MD admitem a Insero Tardia de todas as expresses fonolgicas, abandonando-se a proposta inicial de Halle de se distinguir os morfemas em concretos e abstratos. Sendo assim, Harley e Noyer (1998), apud Harley e Noyer 1999), propem uma anlise alternativa para a distino entre morfemas concretos vs morfemas abstratos. Segundo os autores, os morfemas so de dois tipos bsicos: f-morphemes (f-nodes) e l-morphemes (l-nodes)3. O contedo dos f-nodes consiste em um feixe de traos sinttico-semntico disponibilizado pela Gramtica Universal. O falante no tem escolha para a insero vocabular que determinstica. Os f-nodes so tradicionalmente conhecidos como morfemas funcionais, formando uma classe de categorias fechadas.

    2 Lemle denomina os Itens de Vocabulrio de Peas do Vocabulrio.

    3 f = formal e l= lexical.

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    Por outro lado, os l-nodes so definidos tradicionalmente como os morfemas lexicais, formando uma classe de categorias abertas. Eles constituem em uma classe que denota conceitos especficos da lngua, em que h escolha por parte do falante para a insero vocabular. O contedo fonolgico de um l-node no pode ser pr-determinado.

    Sendo assim, a forma fonolgica de um morfema-raiz ( ) pode ser livremente inserida, porm sujeita s condies de licenciamento (Licensing conditions) de que trataremos mais detalhadamente a seguir.

    Sobre essa relao entre os morfemas, Pfau (2000: 86) fornece o seguinte exemplo:

    (3) a - The cat chase-d a mouse b - Die Frau hr-te ein Gerusch the.f.NOM woman hear-PAST a. n. ACC sound The woman heard a sound.

    No exemplo acima, os Itens Vocabulares the, -d, e a em (a) e die, -te, e ein em (b) so inseridos de forma determinstica. Tais Itens so sujeitos estrutura sinttica, contendo os ns terminais com os traos compatveis com os deles, como [definite], [past] e [indefinite]. Por outro lado, na escolha de Itens Vocabulares como cat ou Frau woman, o falante no encontra restries de natureza gramatical e poderia, por exemplo, ter escolhido os itens dog ou man. Harley e Noyer postulam tambm a hiptese de que os l-nodes so acategoriais e tm sua categoria definida apenas no contexto sinttico pela combinao com morfemas categoriais como vezinho, enezinho, azinho. Tal hiptese denominada de The l-node hypothesis, conforme descrevemos a seguir:

    The l-node hypothesis: Categories for which spell-out is not deterministic are not distinguished in syntax. Corollary: Syntax does not manipulate categories such as N, V or A. (Harley e Noyer, 2000: 8)4

    A Hiptese do l-node defende a idia de que as razes lexicais so neutras em termos categoriais. Um l-node ou Root se encontra em certas relaes locais com os morfemas doadores de categorias, os f-nodes, logo, os l-nodes adquirem o estatuto

    4 A Hiptese do l-node: Categorias em que o spell-out no determinstico no so distinguidas na

    sintaxe. Resultado: A sintaxe no manipula categorias tais como N, V ou A.

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    categorial no contexto sinttico em que ocorrem, ao invs de terem especificaes categoriais inerentes. Desse modo, um mesmo Item Vocabular pode aparecer em diferentes categorias, dependendo do contexto sinttico em a raiz aparece, conforme apontam Harley e Noyer (1999: 4):

    (...) the Vocabulary Item destroy is realized as a noun destruct-(ion) when its nearest licenser is a Determiner, but the same Vocabulary Item is realized as a participle destroy-(ing) when its nearest licensers are Aspect and v; if Tense appears immediately above Aspect, then the participle becomes a verb such as destroy-(s)5.

    De acordo com a afirmativa acima, nessa abordagem, no h, por exemplo, um l-node verbal ou nominal, pois um nico l-node pode aparecer em qualquer contexto sinttico que a derivao criar para ele, ou seja, a sintaxe gera as estruturas livremente. Considerando-se tal perspectiva, surge uma questo: como restringir a insero de Itens Vocabulares para que eles no ocorram em contextos sintticos inapropriados? Para responder a essa questo, a MD prope que cada Item Vocabular seja listado com um conjunto de condies de licenciamento. A seguir, explicitaremos melhor tais condies.

    2.4 As condies de licenciamento dos Itens Vocabulares e a projeo argumental

    Na MD, as razes lexicais so inseridas em uma estrutura j formada pela sintaxe. Elas devem ser licenciadas ou no para ocorrem em certas posies. Nesta abordagem, a noo tradicional de categoria substituda pelas Condies de Licenciamento dos Itens Vocabulares. A insero dos itens lexicais em uma determinada estrutura sinttica depende das condies de licenciamento que eles possuem. No s a categoria sinttica, mas tambm as suas propriedades de seleo so determinadas pelas condies de licenciamento. Segundo Harley e Noyer, as restries de insero dos Itens Vocabulares ocorrem porque cada item listado com um conjunto de condies para o licenciamento. Ento, se um Item listado como [+ v] a estrutura s ser bem formada se o Item ocorrer no contexto de verbinho. Mas se o Item for listado como [- v], ele no poder ocorrer no contexto de verbinho.

    5 (...) o Item Vocasbular destroy realizado como um nome destruct-(ion) quando seu licenciador um

    Determinante, mas o mesmo Item Vocabular realizado como um particpio destroy-(ing) quando os licenciadores so Aspecto e v; se tempo aparece imediatamente acima de Aspecto, o particpio torna-se um verbo como destroy (s).

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    Harley e Noyer exemplicam os l-nodes (ndulos lexicais), considerando a abordagem do VP cindido para a formao verbal, conforme proposta por Travis (1994), Kratzer (1996), Harley (1995), Hale e Keyser (1993). Tais autores argumentam que o argumento externo, o agente, gerado no especificador de um verbo leve (light verb v) ou VOICE6, sendo projetado separadamente acima de VP, conforme ilustra a representao abaixo: (4) destroy CAUSE = destroyed (resultant state)

    vP

    agentDP v`

    v VP (LP)7

    (= CAUSE) V DP

    (= l-node)

    (Harley e Noyer: 9)

    O verbo destroy transitivo, ento o vezinho (v) que seleciona o argumento externo Causa. O verbo mais baixo, V, o ndulo lexical que denota o estado resultado da ao. Assim, a combinao de um ndulo lexical com uma projeo funcional de v Causa gera o sentido do verbo. Harley e Noyer (:10) fornecem outros exemplos:

    (5) a - John grows tomatoes. [vP [DP John] [v` CAUSE [LP grown [DP tomatoes ] ] ] ]

    b - The demolition team exploded the casino [vP [DP The demolition team] [v` CAUSE [LP exploded [DP the casino] ] ] ]

    6 De acordo com Harley e Noyer, o ncleo de vP uma projeo funcional de significados, como por

    exemplo: BE (estativo) e CAUSE e BECOME (eventivos), mas no est necessariamente limitada a estes sentidos. Kratzer que postula que o argumento externo introduzido por Voice. Marantz (1997), assim como Pylkknen assumem essa posio. 7 Harley e Noyer substituem o termo VP por LP para enfatizar que o VP deriva a sua categorizao verbal

    de um contexto vP, ao invs de especificaes categoriais inerentes.

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    Nos exemplos acima, os verbos grow e explode para produzirem sua verso transitiva, devem ter ndulos lexicais, denotando algo como estado resultado (resultant state), combinando-se com o morfema Causa. J na verso intransitiva inacusativa, como nos exemplos a seguir, o vezinho deve ser HAPPEN ou BECOME, sem agente em seu especificador.

    (6) a - Tomatoes grow. [vP BECOME [LP grown [DP tomatoes] ] ]

    b - The balloon exploded. [vP BECOME [LP exploded [DP the balloon] ] ]

    Apesar de a sintaxe gerar as estruturas livremente, a insero dos Itens Vocabulares em um n terminal apropriado determinada pelas informaes listadas nas condies de licenciamento de cada item. Assim, de acordo com Harley e Noyer, se um Item Vocabular listado como [+Causa], a estrutura ser bem formado se este for inserido no contexto de v Causa, tendo necessariamente um argumento externo no Spec, v. J se o Item Vocabular listado como [-Causa], a estrutura ser mal formada se o Item ocorrer em contexto Causa. Os autores consideram que o Item Vocabular no especifica diretamente que ele requer um Spec v. O Item especifica somente que ele requer um determinado tipo de vezinho (v).

    O Item de Vocabulrio pode ser subespecificado para ocorrer em um

    determinado ambiente sinttico. Ele pode, por exemplo, ser subespecificado para [ v], [ Be], [ DP], [ Causa]. Se um Item especificado para [- v], obviamente ele no pode ser especificado para [+ Causa]. Harley e Noyer (:13-14) propem o esquema a seguir, fornecendo exemplos de Itens Vocabulares com as condies de licenciamento, associadas com o contedo enciclopdico: Fonologia Condies de Licenciamento Enciclopdia (7) a. sink [ v], [+ DP], [ cause] what we mean by sink b. big [-v], [+DP] what we mean by big c. open [ v], [+ DP], [ cause] what we mean by open

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    d. destroy [+ v], [+ DP], [+ cause] what we mean by destroy e. arrive [+ v], [+ DP], [- cause] what we mean by arrive f. grow [+ v], [+DP], [ cause] what we mean by grow

    O esquema acima ilustra, dentre outras coisas, que a alternncia de estrutura argumental ocorre quando os Itens Vocabulares podem ser licenciados para mais de uma estrutura sinttica, ou seja, quando as condies de licenciamento so subespecificadas. Conforme verificamos os verbos sink, open, grow so licenciados para ocorrerem tanto em uma estrutura transitiva quanto em uma estrutura intransitiva

    inacusativa. Sendo assim, a insero dos Itens no n terminal apropriado condicionada pelas informaes listada nas condies de licenciamento de cada Item.

    Ento, por exemplo, o Item Lexical abrir apresenta como condies de

    licenciamento [+ v], [+DP],[ Causa] e pode ento ser licenciado tanto para uma estrutura causativa quanto para uma estrutura inacusativa, conforme ilustram as

    estruturas abaixo:

    (8) abrir V causativo = [+ v], [+DP], [+Causa] V inacusativo = [+ v], [+DP], [-Causa]

    (9) Contraparte Causativa vP

    Spec, vp v`

    Eu

    v LP

    Causa Spec,LP L`

    L DP

    ABRIR a porta

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    (10) Contraparte Inacusativa

    vP

    v

    v LP

    Become L

    L DP

    ABRIR a porta

    Esta proposta permite que tanto a contraparte causativa quanto a inacusativa se

    derivem de uma raiz comum. Existem lnguas, como, por exemplo, o Hebraico, em que uma nica raiz pode ser combinada aos diferentes tipos de vezinhos, tornando-se um verbo transitivo, estativo ou incoativo, como ilustram os dados abaixo, retirados de Arad (1999:3):

    (11) a - ysv + CaCaC = yasav (estar sentado: estativo)

    b - ysv + hiCCiC = hosiv (fazer algum sentar: causativo)

    c - ysv + hitCaCeC = hityasev (sentar-se, incoativo)

    Os casos de alternncia verbal (par transitivo/intransitivo) so vistos como casos em que uma mesma raiz ora se combina com um ncleo verbal causativo ora se combina com um ncleo verbal incoativo (become). Vemos, ento, que a estrutura argumental de um predicado, depende do vezinho que est presente na representao e das condies de licenciamento dos Itens de Vocabulrio. Uma raiz, quando

    subespecificada para [ Causa] pode ocorrer na alternncia transitiva/intransitiva. No se faz necessrio, ento, determinar vrias entradas lexicais para uma

    mesma palavra, conforme sugerem propostas de natureza lexicalista.

  • 39

    2.5 - A derivao sinttica na Morfologia Distribuda

    As unidades que compem a Lista Um, os traos de natureza sinttico-semntica e as posies ocas, so as unidades submetidas s operaes sintticas de Mover (move) e Juntar (merge) morfemas. Esta ltima operao forma os diagramas arbreos que constituem a estrutura sinttica. J a primeira, responsvel por mover os morfemas

    para junto de outros, resultando na montagem de feixe de traos gramaticais (no-fonolgicos). Essas operaes se aplicam fase a fase e, de acordo com Lemle (2005), so demarcadas por traos categorizadores8, sendo cada nova fase iniciada pelo merge de um novo trao categorizador. Ao final de cada fase, os traos computados so enviados ao componente morfofonolgico e Forma Lgica. Vejamos como funcionam esses dois componentes.

    2.5.1 A insero de Itens Vocabulares

    Os Itens de Vocabulrio constituem uma relao entre expresso fonolgica e informao sobre onde deve ser inserido; isto , sobre as suas condies de licenciamento.

    No componente morfolgico ocorre, fase a fase, a insero dos Itens Vocabulares (Itens Lexicais ou Peas de Vocabulrio), os quais possuem substncia fnica e podem ser razes acategoriais e peas funcionais. Segundo Lemle (: 7):

    A operao de preenchimento dos traos semntico-sintticos com Peas do Vocabulrio compatveis denominada Insero Lexical ou Insero de Vocabulrio. Assim, neste modelo, a Insero Lexical separada da computao sinttica, e tardia, pois posterior sintaxe.

    A Insero Vocabular, tambm denominada de Spell-Out9, fornece os traos fonolgicos aos ns terminais sintticos desde que as condies de licenciamento sejam satisfeitas. Pode ser que, no processo de Insero Vocabular, um conjunto de Itens

    8 Conforme Lemle (p. 8), Entende-se por traos ou morfemas categorizadores os que, juntados a uma

    RAIZ, so os responsveis por criarem um verbo (vir), um nome (desventura), ou um adjetivo (eventual), denominados no jargo, respectivamente, vezinho, (little-v), enezinho (little-n), azinho (little-a). 9 Lemle (: 8-9) chama ateno para o fato de que: A insero de Peas de Vocabulrio e a remessa para a

    Enciclopdia o estgio da derivao mais semelhante ao que chamado de Spell-Out na terminologia do minimalismo lexicalista de Chomsky. No entanto, em face da diferente arquitetura deste modelo, convm aposentar o termo spell-out e chamar este estgio da derivao de insero vocabular` e remessa para a enciclopdia`.

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    Vocabulares de natureza funcional entre em competio para a insero. Sendo assim, os Itens Lexicais so sujeitos ao Princpio do Subconjunto (cf. Halle, 1997, apud Harley e Noyer, 1999), conforme descrito abaixo:

    Subset Principle The phonological exponent of a Vocabulary item is inserted into a morpheme in the terminal string if the item matches all or a subset of the grammaticqal features specified in the terminal morpheme. Insertion does not take place if the Vocabulary item contains features not present in the morpheme. Where several Vocabulary items meet the conditions for insertion, the item matching the greatest number of features specified in the terminal morpheme must be chosen.10

    Em linhas gerais, o Princpio do Subconjunto significa que a condio que licencia a insero de um Item Vocabular de natureza funcional que ele combine com todos ou com um subconjunto dos traos gramaticais (traos sinttico-semnticos) provenientes da estrutura sinttica. A insero no ocorrer se o Item Vocabular contiver traos ausentes ou que no se combinem com os traos da estrutura sinttica. Se diversos Itens encontrarem as condies para insero, o Item que contiver o maior nmero de traos especificados que correspondem com os do morfema terminal tem de ser o escolhido. Depois de feita a insero vocabular, a estrutura enviada de um lado para o componente fonolgico que derivar a representao fontica e, de outro lado para a Lista Trs, a Enciclopdia, onde ocorrer a leitura idiomtica. Ou seja, a Enciclopdia consultada depois do output de PF/ LF, fornecendo a parte convencionada da leitura semntica (cf. Lemle: 8). o lugar onde se d a negociao semntica da palavra entre a raiz e o morfema categorizador. Na Forma Lgica, as outras camadas sintticas da palavra recebem uma leitura composicional, de acordo com os traos abstratos existentes. Uma das propostas centrais da MD identificar e explicar em que condies ocorrem as operaes (morfolgicas e fonolgicas) da Forma Fonolgica. importante destacar que as operaes que se aplicam na Morfologia so motivadas por caractersticas particulares de cada lngua.

    10 Princpio do Subconjunto: O exponente fonolgico de um Item Vocabular inserido em um morfema

    no n terminal se o Item combina com tod