SUPREMA – O ROUBO DO INTOCÁVEL

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Thomas é um garoto que vive uma vida normal até se ver diante de uma inexplicável mudança no comportamento de todos ao seu redor. O inimaginável acontece. Ele descobre a existência de um planeta invisível na órbita da Terra e que o roubo de um Intocável está deixando os seres humanos sob a influência do mal. Por alguma razão, só ele pode resgatar o objeto retirado do Reino dos Gentis e evitar que o pior aconteça. Thomas, então, é conduzido a um mundo completamente desconhecido e se vê lançado numa jornada que vai muito além da aventura, que ultrapassa o confronto entre o bem e o mal. Fantasia e realidade se misturam. Uma história fantástica. Um livro que você certamente não conseguirá parar de ler.

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SUPREMAO ROUBO DO INTOCÁVEL

São Paulo 2012

COLEÇÃO NOVOS TaLENTOS Da LITERaTURa BRaSILEIRa

Reginaldo Fazio

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Haverá um dia em que a pureza no coração dos homens dispensará o trabalho realizado pelos Gentis em Suprema.

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CAPÍTULO UM

Quando a tristeza e a felicidade se encontraram

Sabe aqueles dias de outono que antecipam o inverno? Esta história começou num deles.

A temperatura não era nem baixa nem alta. O céu exibia seu tênue azul. O sol aquecia na medida certa. O vento movia-se com delicadeza. Um irrecusável convite para deitar num gramado e simplesmente deixar o dia passar se fazia. Eliza certamente o aceitaria e se jogaria em seu privado, macio e bem cuidado tapete verde, não fosse a inevitável melancolia assentada em seu coração por saber que a notícia que estava prestes a dar ao seu marido o acometeria em profundo sofrimento, apesar desta novidade ser capaz de, naquele momento, enchê-lo de alegria. Por isso pediu que o céu parecesse mais azul; as nuvens, mais brancas e delicadas; a brisa, fresca; e para que as flores do jardim exalassem um per-fume ainda mais intenso. Pediu que o mundo silenciasse, parasse, para apreciar com exclusividade aquele momento de felicidade.

Eliza Schulze Alighieri era uma mulher de vinte e sete anos, magra, alta, cabelos dourados e ondulados, olhos incrivelmente azuis. A simplicidade com que se vestia não ofuscava sua natu-ral elegância. Estava casada há três anos com Daniel Alighieri, dois anos mais velho que ela e alguns centímetros mais alto,

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cabelos castanhos e olhos cor de esmeralda. Os dois possuíam invejável sintonia. Era possível quase tocar o amor que sentiam um pelo outro.

Moravam num bairro nobre da cidade de Curitiba, ao sul do Bra-sil, numa casa construída por Daniel num terreno que Eliza ganhara de seu pai numa época em que ele previa que não duraria muito tempo, pois a solidão lhe afligia a alma depois que a morte havia car-regado sua amada Ester, e Klaus sabia que ela também o espreitava. Ele morreu exatamente oito meses após enterrar sua esposa.

As ruas ao redor do lar construído por Daniel e Eliza eram tranquilas e arborizadas. Em frente ficava um dos parques mais charmosos da cidade, construído em 1996 numa homenagem aos imigrantes alemães. O Bosque Alemão fora entregue pouco após o casamento deles, e, por isso, consideraram como um presente da cidade por suas bodas.

A angústia de Eliza se dava em meados de junho de 1999 e parecia estar em sintonia com a estranheza daquele mês, do qual só se podia deduzir ser um prenúncio de um inverno bem mais rigoroso que o anterior. O relógio da cozinha marcava exatamente cinco horas da tarde quando ela resolveu dar outro rumo às suas aflições. Passou na garagem. Em uma das pratelei-ras havia uma caixa vermelha e, em cima dela, um avental azul--turquesa, com dois grandes bolsos, caprichosamente dobrado. Alcançou-o e colocou por cima do vestido amarelo. Pegou pela alça a caixa vermelha de ferramentas e seguiu em direção ao jardim para aproveitar o aconchego dos últimos raios de sol do dia. Adorava aquele horário, quando tudo ficava em tom alaranjado, dizia sempre. Colocou a caixa ao lado dos arbustos, abriu-a, procurou e retirou uma tesoura de jardinagem. Anali-sou as folhagens cautelosamente antes de começar a podá-las.

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Enquanto ela estivesse entregue aos prazeres da jardinagem, seus pensamentos não percorreriam caminhos perigosos.

Não demorou muito para que o som dos pneus do carro de Daniel a despertasse do quase transe a que se permitira. Ele estacionou na entrada que dava acesso à garagem e desceu ali, sorriu carinhosamente para ela do outro lado, retirou do banco traseiro alguns rolos grandes de papel e foi ao seu encontro. Usava uma calça jeans escura, uma camisa azul-clara e um impecável paletó preto. Ainda que tivesse passado o dia todo trabalhando, parecia ter acabado de se vestir.

– Liz, querida, eu ajudo você a fazer isso amanhã – disse ele aproximando-se. – Sabe o trabalho que dá esses arbustos. Além do mais, lá no alto vai precisar de uma escada.

– Não, eu adoro isso. Estou cuidando da parte de baixo – respondeu dando-lhe um leve beijo nos lábios. – Como foi lá? – perguntou interessada.

Ele suspirou, olhou para cima, crispou os lábios, balançou os ombros e disse sem ânimo:

– Mostrei os projetos para eles – fez uma pausa, respirou profundamente. – Discutiram, discutiram, discutiram mais, discutiram ainda mais... Discutiram até a exaustão.

A expressão grave, o rosto todo contraído potencializava a agonia que Eliza tentava dispersar. Sabia também o quão importante era aquele projeto para ele. Não gostaria de vê-lo decepcionado depois de tanto trabalho para elaborar e desenhar tudo aquilo. Ele quebrou a cabeça até achar soluções para as ideias mais escabrosas que tinham aqueles burocratas que tenta-vam, com louvor até, reurbanizar um dos bairros mais afastados da cidade. E o rosto dele cada vez mais sério a deixava bastante nervosa. Até que, por fim, ele soltou:

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– Pediram para eu manter exatamente como visualizei, sem alterar absolutamente nada. Nadinha. Adoraram!

– Você vai fazer o projeto todo? Completo? – ela perguntou eufórica.

– Sim. Conseguiram orçamento para tudo – abraçaram-se demoradamente. – Nem acredito que finalmente vai sair do papel... E melhor – ele disse, segurando-a pelos ombros –, sabe a galeria no centro do bairro?

– Claro. Aquela gigantesca...– Confiaram a mim a contratação do decorador.Não precisou de mais uma única palavra para ela entender o

que aquela frase significava. O olhar travesso dele só confirmou.– Não, não, não, não. Se estiver pensando... De maneira

alguma... Daniel, pode esquecer – disse gesticulando com a tesoura na mão.

– Posso? – perguntou retirando a arma da mão dela. – Só por precaução – sorriu.

– Amor, sabe que nunca levei muito a sério meus projetos. Faço coisas pequenas, para amigos.

– Que diferença há no tamanho do projeto? Preciso de alguém habilidoso, talentoso e sensível: Você! O projeto é seu, trabalharemos juntos – sentenciou.

– Amor, é melhor trabalhar com um decorador experiente. O projeto é muito grande. Tem o Jonas, você adora o trabalho dele.

– Ele tem pelos saindo por tudo quanto é orifício, narinas, orelhas... eca! Trocar minha esposa? Hum! – terminou com um olhar brejeiro.

– Não seja maldoso.Lançando-lhe um olhar malicioso, ele colocou a tesoura

na caixa vermelha, deu-lhe um ligeiro beijo nos lábios e seguiu

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com um largo sorriso no rosto em direção à porta principal da casa. Eliza meteu as mãos nos bolsos do avental e acompa-nhou-o com o olhar até ele finalmente entrar. A felicidade que Daniel sentia se transformaria em júbilo, logo que alcançasse a mesa da sala de jantar.

Ela guardou as ferramentas espalhadas ao redor da caixa, fechou-a vagarosamente, pegou-a pela alça e seguiu em direção à garagem. Colocou-a no mesmo lugar de onde havia retirado, despiu-se do avental, dobrou-o com cuidado e acomodou-o em cima da caixa vermelha. Lavou suas mãos na área de ser-viço. Passou pela ampla cozinha toda branca e parou na porta que dava acesso à sala. Ali, grandes janelas permitiam a entrada da luz natural e, naquele horário, os raios solares alaranjados batiam na parede de cor barbante, deixando-a ainda mais acon-chegante. Daniel já estava diante da mesa de jantar, de cos-tas para ela, com os rolos ainda debaixo do braço, lendo um papel que segurava com a mão direita. Ela estava encostada no batente da porta quando o viu derrubar no chão seus projetos e segurar firmemente aquele papel com as duas mãos, lendo pela terceira vez, a fim de ter a certeza de não se tratar de um delírio. Ele olhou para trás, encarou Eliza com os olhos úmidos e assim ficou por alguns segundos. As lágrimas trilharam um caminho pela sua face.

– É sério?Ela balançou a cabeça concordando.– De verdade?– De verdade.– Teremos um filho?– Teremos um filho.– Ou uma filha.

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Em prantos ele a abraçou com força. Eliza impediu que seus olhos azuis denunciassem a inoportuna melancolia que sentia.

Os meses seguintes foram delineados por uma crescente e galopante felicidade. Daniel começou a crer que essa boa sorte toda tinha uma eficiente capacidade de atrapalhar. Sua concen-tração no trabalho só era alcançada após muito esforço, pois seu pensamento insistia em permanecer junto de sua esposa e, agora, de seu filho.

Eliza, como sempre, mantinha um maior controle sobre suas emoções. Desfrutava com seu marido um contentamento que parecia não ter fim, ainda que ela soubesse a dor que o futuro traria.

Daniel, sempre debruçado em sua prancha de desenho no escritório que ficava do lado de fora da casa, próximo à piscina, espiava através do janelão de vidro minuto a minuto a vene-ziana entreaberta de seu quarto no segundo andar, pois sabia que lá estava Eliza com seu barrigão carregando um filho seu. Maldito trabalho que o escravizava naquele cubículo longe dos dois! E foi em uma dessas olhadelas que viu um clarão vindo da janela de seu quarto. Atirou longe sua prancheta, seu lápis, seu compasso e correu rumo a casa.

– Eliza! – gritou subindo as escadas, pulando vários degraus de uma só vez. – Eliza! Liz!

Abriu a porta do quarto abruptamente, assustando Eliza, que colocava uma caixa cor violeta na parte de cima do guarda-roupa.

– Que susto! Que houve? – ela exclamou, levando a mão ao peito.

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– Eliza! – soltou ofegante. – Eu vi... Estava no escritório e a janela...

– O que foi, amor? – ela insistiu com a calma restabelecida.– Eu vi... Está tudo bem? – Daniel perguntou confuso ao

observar a expressão de tranquilidade no rosto dela.– Eu que pergunto – disse ela, fechando a porta do guarda-

-roupa. – Você entra no quarto dessa forma, quase me mata de susto e...

– Eu vi um clarão vindo daqui do quarto, achei que pode-ria ter sido alguma explosão. Sei lá.

– Clarão? – ajeitou o cabelo atrás da orelha e olhou para a porta branca do guarda-roupa a fim de certificar-se de tê-la fechado. – Que explosão? Daniel, você está delirando.

– Sim, eu juro que vi.– Pode ter sido reflexo do sol na janela, só isso. Ou preo-

cupação demais comigo. Amor, estou bem, não há motivo para tanta inquietação. Nosso bebê está bem.

Ele a encarou por alguns instantes, tentando se convencer daquela alucinação. Olhou para a barriga de sete meses. Real-mente não via nada ali fora da normalidade. Talvez ela tivesse razão e fosse coisa da sua cabeça, ou uma peça que o sol lhe pre-gara. Imaginou.

– Posso? – perguntou Daniel pedindo para sentir a barriga.– Claro.Daniel tocou na barriga dela. Aguardou alguns segundos.– Ele se mexeu! – disse abrindo um largo sorriso.– Não faz ideia o quanto!Sentaram-se na cama. Assim ele ficou, em silêncio, com a mão

no barrigão dela, por uns dez minutos, tempo que para Daniel durou menos que um suspiro. O relógio na cabeceira da cama era

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ingrato. Não havia saída, tinha de voltar ao trabalho e assim o fez; contrariado, é claro. Sua vontade era de permanecer o resto do dia contemplando e dando atenção a ela, mas tinha responsabilidade e precisava produzir. Deixou-a sozinha novamente no quarto.

Ela abriu o guarda-roupa, pegou embaixo uma caixa branca e colocou-a na cama. Voltou e pegou a caixa cor violeta que aca-bara de colocar numa prateleira no alto. Pronto, as duas caixas estavam agora lado a lado em cima da cama. Olhou-as com ternura por alguns instantes.

– Seus maiores presentes, meu amor.O quarto de Thomas já estava todo decorado aguardando seu

nascimento. Havia um berço no meio, uma cômoda ao lado e um guarda-roupa encostado na parede, todos inteiramente brancos, com exceção da cômoda, que apresentava alguns detalhes em azul, e uma poltrona bege em um dos cantos. Uma cortina de voal azul bem claro com fitas de cetim cobria a janela. Ela entrou com as duas caixas na mão e, antes de qualquer coisa, olhou demoradamente aquele cantinho, abençoou cada pedacinho daquele quarto. Abriu uma das portas do guarda-roupa e acondicionou as duas caixas, uma ao lado da outra, na parte de cima. Admirou o quarto de seu filho por mais alguns instantes. Uma lágrima escorreu por seu rosto.

– Seja muito feliz aqui, meu filho. Seja muito feliz.

Os dias avançavam. Daniel se desdobrava entre o trabalho e os mimos a Eliza, por mais que ela tentasse evitar. Thomas estava pronto para nascer.

Vinte e nove de fevereiro de 2000, aquela que foi a melhor e pior terça-feira, para Daniel, começou tranquila. Tudo estava preparado para o nascimento. Eliza poderia gritar de dor a qual-quer momento, e seria uma correria em direção ao hospital.

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Mas não foi como ele imaginou.– Daniel – ela chamou calmamente deitada na cama com

a voz macia.– Diga – ele estava saindo do banho enrolado numa toalha.– Promete que dará uma vida plena ao nosso Thomas?– Que pergunta sem cabimento. Claro que vamos, nunca

faltou amor e carinho nesta casa...– Promete que não vai se desesperar? Está tudo bem...– Que conversa é essa agora?– A bolsa estourou, ele vai nascer.– Nascer?! – gritou sobressaltado. – Agora? Já?Ela deu um sorrisinho e balançou a cabeça.– Meu Deus!Foi uma sequência cômica. Daniel surtou! Todo atrapa-

lhado, ele correu para se vestir. Tropeçou. Colocou a camisa pelo avesso. Eliza riu. Ele vestiu-a de novo. Pegou a calça mais próxima de dentro do armário e percebeu que não combinava em nada com a camisa que estava vestindo, mas quem repa-raria em um homem correndo com uma mulher em trabalho de parto só porque ele usava uma calça de moletom vermelha e uma camisa social verde? Calçou o tênis sem meia. Passou a mão no cabelo molhado e despenteado. Pegou a mala já pronta no canto e olhou para ela sem reação.

– Acho melhor você levar a mala para o carro primeiro e depois vir me ajudar a descer – disse Eliza calmamente.

– Sim – respondeu Daniel olhando de um lado para o outro.

Assim ele fez. Saiu aos tropeços com a mala na mão. Segun-dos após, estava de volta ajudando-a a se levantar. Seguiram para o hospital.

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Eliza já usava um avental branco e estava deitada na maca sendo levada por duas enfermeiras para a sala de parto quando segurou na mão de seu marido, que corria ao lado, e disse:

– Daniel, preste atenção – aquelas palavras foram ditas com tanta firmeza que ele olhou imediatamente direto em seus olhos balançando a cabeça para cima e para baixo.

– Sim.– Quero que você pegue duas caixas que estão no armário

do Thomas. Em uma delas, na branca, há um abajur. Na outra, a violeta, há uma pedra. Tire-os de lá. Quero que deixe ao lado da caminha dele. Foi um presente da minha mãe e quero que fique com ele.

As enfermeiras empurraram-na para dentro de uma grande porta, deixando Daniel para trás sem ao menos dar tempo de questionar aquele estranho pedido.

– Senhor, por favor – disse uma das enfermeiras, impe-dindo-o de segurar a maca.

– Eliza.– Senhor, por favor, precisa aguardar no saguão.Só lhe restou obedecer.Horas agonizantes se passaram. Só lhe restou andar de um

lado ao outro na sala de espera. Olhava insistentemente no relógio grudado no alto da parede pálida. Os minutos pare-ciam horas, as horas se tornavam dias. Aquele relógio definiti-vamente era seu inimigo.

Quatro histórias, uma após a outra, passaram ali. Um pai com o filho de uns dez anos, que o encarava sem tirar o dedo do nariz nem por um segundo, aguardando sua esposa fazer alguns exames. Uma mulher extremamente elegante tentando disfar-çar a profunda tristeza que sentia por ter seu pai há dias naquele

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hospital. Um senhor repetindo: “um pai não pode internar seu filho, é contrário à ordem natural”. Por fim, uma garota de não mais que vinte anos acompanhando seu namorado que fratu-rara a perna numa queda de motocicleta.

Todos se foram. Estava sozinho quando o médico, carre-gando no rosto uma expressão grave, séria, aproximou-se dele.

– Doutor?– Senhor Daniel. Por favor, acompanhe-me.O médico o conduziu até uma sala reservada. À medida

que caminhava, sentia as paredes o comprimirem. Sufocante! O suor brotou de sua epiderme. As pálpebras desceram com mais rapidez e frequência. Seu coração acelerou a ponto de escutá-lo no fim do corredor. Os passos estavam cada vez mais pesados.

Em segundos, desejaria nunca ter encontrado aquela sala envidraçada. Daniel recebeu ali a pior notícia de toda sua vida e só conseguia pensar que não deveria ser permitido a nenhum ser humano viver dois sentimentos tão contrários ao mesmo tempo; eles não deveriam nunca se encontrar. O nascimento de um filho é sagrado. A felicidade daquele momento não pode-ria ser ofuscada por nenhum tipo de perturbação, principal-mente uma daquela grandeza. Ganhou um filho, mas Deus levou consigo sua amada esposa. A confusão se estabeleceu no coração daquele homem. Os olhos fixos no médico aguardaram alguma palavra que desmentisse aquela tragédia. Não vieram. As lágrimas jorraram em abundância. A tristeza, infelizmente, se encontrou com a alegria.