SURDEZ E APRENDIZAGEM MATEMÁTICA: UMA REFLEXÃO … · Sara 12 anos Graduação em Matemática e...

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VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X 1638 SURDEZ E APRENDIZAGEM MATEMÁTICA: UMA REFLEXÃO ACERCA DA RESOLUÇÃO DE ATIVIDADES DE RACIOCÍNIO COMBINATÓRIO EM AMBIENTE VIRTUAL DE APRENDIZAGEM SIMONE D`AVILA ALMEIDA 1 (PPGEduc/UFRRJ). ALINE TERRA SALLES 2 (PPGEduc/UFRRJ). Resumo O objetivo deste texto é articular as idéias apresentadas por (BAIRRAL, 2007) acerca da aprendizagem matemática em Ambientes Virtuais de Aprendizagem. Ênfase será dada a utilização do Virtual Math Teams (VMT-Chat) que é um chat peculiar composto de duas partes fundamentais: uma destinada à inserção de mensagens gráficas e a outra a produção e interação entre seus usuários através da utilização da linguagem escrita. Utilizamos como referencial teórico a perspectiva histórico-cultural baseada nos estudos de Vygotsky (1989). O estudo foi realizado em uma escola da rede pública municipal de Duque de Caxias localizada na Baixada Fluminense, no Estado do Rio de Janeiro. Participaram da pesquisa, seis alunos surdos 9º ano de escolaridade. A opção pela utilização de referencial metodológico seguindo os pressupostos da pesquisa qualitativa (MINAYO, 2000; GLAT E PLETSCH, 2009), se deu devido à necessidade de compreender o processo de aprendizagem matemática em ambientes virtuais por alunos surdos. A coleta dos dados foi realizada através da utilização dos seguintes recursos: 1) Utilização de questionário e entrevista semi-estruturados, 2) observação participante (registro em diário de campo), 3) utilização de filmagem (análise de vídeo) com foco na interação entre os alunos e 4) transcrições escritas e gráficas realizadas no próprio ambiente virtual. Os dados coletados foram submetidos à análise de conteúdo que tem como referencial Bardin (1997). Destacamos que os resultados evidenciaram a dificuldade de interpretação de enunciados matemáticos escritos em Língua Portuguesa, o mesmo não ocorrendo quando os problemas foram propostos em Libras, bem como evidenciamos a re- significação dos conceitos matemáticos efetivando, portanto, a aprendizagem significativa através da utilização de ambientes virtuais e da mediação simbólica por parte das pesquisadoras. Palavras-chave: surdez; linguagem; aprendizagem matemática; Virtual Math Teams. 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEduc/UFRRJ). Professora substituta da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ/IM). Tutora do curso de Pós-graduação em D.A da UNIRIO e professora de Sala de Recursos Multifuncional para alunos surdos da rede municipal de Duque de Caxias. E-mail: [email protected] 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEduc/UFRRJ). Professora substituta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ/maracanã). . E-mail: [email protected]

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SURDEZ E APRENDIZAGEM MATEMÁTICA: UMA REFLEXÃO ACERCA DA

RESOLUÇÃO DE ATIVIDADES DE RACIOCÍNIO COMBINATÓRIO EM

AMBIENTE VIRTUAL DE APRENDIZAGEM

SIMONE D`AVILA ALMEIDA1 – (PPGEduc/UFRRJ).

ALINE TERRA SALLES 2 – (PPGEduc/UFRRJ).

Resumo

O objetivo deste texto é articular as idéias apresentadas por (BAIRRAL, 2007) acerca da

aprendizagem matemática em Ambientes Virtuais de Aprendizagem. Ênfase será dada a

utilização do Virtual Math Teams – (VMT-Chat) que é um chat peculiar composto de duas

partes fundamentais: uma destinada à inserção de mensagens gráficas e a outra a produção e

interação entre seus usuários através da utilização da linguagem escrita. Utilizamos como

referencial teórico a perspectiva histórico-cultural baseada nos estudos de Vygotsky (1989). O

estudo foi realizado em uma escola da rede pública municipal de Duque de Caxias localizada

na Baixada Fluminense, no Estado do Rio de Janeiro. Participaram da pesquisa, seis alunos

surdos 9º ano de escolaridade. A opção pela utilização de referencial metodológico seguindo

os pressupostos da pesquisa qualitativa (MINAYO, 2000; GLAT E PLETSCH, 2009), se deu

devido à necessidade de compreender o processo de aprendizagem matemática em ambientes

virtuais por alunos surdos. A coleta dos dados foi realizada através da utilização dos seguintes

recursos: 1) Utilização de questionário e entrevista semi-estruturados, 2) observação

participante (registro em diário de campo), 3) utilização de filmagem (análise de vídeo) com

foco na interação entre os alunos e 4) transcrições escritas e gráficas realizadas no próprio

ambiente virtual. Os dados coletados foram submetidos à análise de conteúdo que tem como

referencial Bardin (1997). Destacamos que os resultados evidenciaram a dificuldade de

interpretação de enunciados matemáticos escritos em Língua Portuguesa, o mesmo não

ocorrendo quando os problemas foram propostos em Libras, bem como evidenciamos a re-

significação dos conceitos matemáticos efetivando, portanto, a aprendizagem significativa

através da utilização de ambientes virtuais e da mediação simbólica por parte das

pesquisadoras.

Palavras-chave: surdez; linguagem; aprendizagem matemática; Virtual Math Teams.

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares

(PPGEduc/UFRRJ). Professora substituta da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ/IM). Tutora

do curso de Pós-graduação em D.A da UNIRIO e professora de Sala de Recursos Multifuncional para alunos

surdos da rede municipal de Duque de Caxias.

E-mail: [email protected]

2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares

(PPGEduc/UFRRJ). Professora substituta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ/maracanã). .

E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO

Ser surdo predispõe a percepção do mundo através de experiências sensoriais diferenciada das

que a maioria de nós ouvintes estamos habituados, pois além de dificultar ou muitas vezes

impossibilitar a compreensão da fala humana dificulta também o aprendizado através de

situações de oralidade as quais a comunidade ouvinte está constantemente exposta.

Em meio a esta constatação, surge a internet que se bem utilizados pode vir a contribuir para a

inserção desses indivíduos em condições favoráveis em nossa sociedade de forma a auxiliá-

los no processo de construção de sua autonomia e cidadania plena, através da modificação das

formas de comunicação entre as pessoas (Brand apud Harasim, 2005 p. 337).

A internet oferece uma diversidade de ferramentas direcionadas ao acesso de informação e

conhecimento bem como de possibilidades reais de comunicação com o mundo. No entanto,

todas as possíveis vantagens atribuídas a utilização da internet estão ainda pouco acessíveis ao

surdo.

Esta afirmação tem como base a constatação de que é comum as mídias possuírem uma

interface que não contempla as especificidades lingüísticas atribuídas a comunidade surda

usuária da Libras, justamente por estarem fundamentadas no paradigma ouvinte.

Vale destacar, que as pesquisas direcionadas a aprendizagem desses indivíduos tendo como

prática pedagógica a utilização de mídias educativas ainda são muito incipientes no que

tangem a sua abordagem em estudos em nível de doutorado ou mestrado.

Almeida (2013) relata a análise de 158 pesquisas em nível de doutorado e mestrado, dispostas

no Banco de Teses da CAPES no período de 2008 a 2013, abordando a temática surdez. Os

resultados evidenciaram dentre outro que embora tenha havido crescimento significativo,

apenas quatro pesquisas, ou seja, 2,53% encontram-se diretamente relacionadas à utilização

das mídias no processo de ensino aprendizagem de alunos surdos.

No que concerne a realização de pesquisas tendo como foco a utilização de ambientes virtuais

para a aprendizagem matemática, tema de nossa pesquisa, Salles (2013) apresenta os dados de

um estudo utilizando o mesmo banco de dados no período de 2002 a 2011, para investigar os

ambientes virtuais de aprendizagem (AVA) utilizados e seus principais contextos. Dentre os

estudos realizados nesse período, nenhum deles apresentava como sujeitos os surdos. Em

outro levantamento bibliográfico realizado por Salles (op. cit.) neste mesmo local de busca

foram encontrados apenas dois trabalhos em nível de doutorado abordando a temática ensino

de análise combinatória – ramo da matemática pouco explorado no ensino da disciplina e com

grande potencial inerentes a esses problemas – que possibilita a engenhosidade e criatividade

dos envolvidos através de múltiplas formas de resolução.

2. OBJETIVOS

Este trabalho tem como objetivo contribuir com essa demanda investigando a aprendizagem

matemática de alunos surdos mediados por um ambiente virtual específico: o Virtual Math

Teams – VMT-Chat na resolução de problemas com atividades de introdução a combinatória.

3. METODOLOGIA

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O presente texto apresenta os resultados de um estudo que aborda o processo de

aprendizagem matemática em um ambiente virtual através da resolução de problemas de

análise combinatória por alunos surdos em uma escola pública da Baixada Fluminense.

Nessa direção, a análise está pautada em três aspectos que consideramos fundamentais no

processo de aprendizagem virtual por alunos surdos, a saber: 1) interação aluno/aluno e a

mediação do pesquisador, e 2) utilização da Língua Portuguesa escrita e da Libras aliada a

pedagogia visual em ambientes virtuais.

Visando contemplar os objetivos propostos adotamos os referenciais da pesquisa qualitativa,

tendo como base os pressupostos etnográficos (PLETSCH & GLAT, 2007). Desta forma,

foram empregados como instrumentos de coleta de dados: 1) Utilização de questionário e

entrevista semi-estruturados, 2) observação participante (registro em diário de campo), 3)

utilização de filmagem (análise de vídeo) com foco na interação entre os alunos e 4)

transcrições escritas e gráficas realizadas no próprio ambiente virtual. Para a análise dos

dados optou-se pelo método de “análise de conteúdo3”.

Conforme já mencionado anteriormente, a pesquisa4 foi desenvolvida em uma escola pública

localizada no município de Duque de Caxias, Estado do Rio de Janeiro, ao longo de

aproximadamente quatro encontros de coleta de dados. Participaram da investigação: cinco

alunos surdos do 8º e 9º ano de escolaridade atendidos no AEE (Atendimento Educacional

Especializado) e uma professora da sala de recursos multifuncionais.

Quadro nº1. Caracterização dos alunos surdos participantes da pesquisa.

Identificação

(nome fictício)

Idade Ano de

escolaridade Breve descrição dos

alunos/diagnóstico5

Cunha 14 9º Aluna com surdez neurossensorial,

bilateral severa. Usuária apenas da Libras.

Silva 19 8º Aluno com surdez neurossensorial,

bilateral profunda. Usuário apenas da

Libras.

Linda

17 9º Aluna com surdez neurossensorial,

bilateral severa. Usuária da Libras e da Língua Portuguesa na modalidade oral.

Santos

17 9º Aluna com surdez neurossensorial,

bilateral severa. Usuária da Libras e da

Língua Portuguesa na modalidade oral.

Souza 20 9º Aluno com surdez neurossensorial,

bilateral severa. Usuário apenas da

Libras.

3 Método de interpretação dos dados utilizado seguindo a proposição de Laurence Bardin (1977). 4 A pesquisa foi realizada entre os dias 02 de agosto a 16 de agosto de 2013.

5 Os alunos surdos apresentados no quadro apresentam diferentes graus de competência linguística em função da

subjetividade de cada um como, por exemplo, o grau e o tipo de surdez, a época em que a surdez foi adquirida e

também e a estimulação recebida por intermédio de seus familiares.

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Quadro 2. Caracterização do professor do AEE participantes da pesquisa.

Identificação

(nome fictício)

Experiência na

área de surdez

Formação/Especialização Área de atuação

Sara 12 anos Graduação em Matemática e

especialização em Educação

Especial com ênfase em

surdez e certificado de proficiência no ensino da

Libras6 em nível médio.

Classe especial

para alunos

surdos, AEE para

alunos surdos e aula de Libras

para turmas de

alunos ouvintes. do 5º ano de

escolaridade.

3.1. O ambiente virtual de matemática: VMT-Chat

The Math Forum @ Drexel7 é um espaço destinado a Educação e Educação Matemática na

Internet que é administrado pela Faculdade de Educação da Drexel University, Philadelphia -

USA, e tem como objetivo fornecer recursos, produtos e serviços para o ensino e

aprendizagem de matemática. Fundado em 1992, inicialmente era apenas um fórum de

geometria que foi ampliado em 1996 se tornando esse espaço de qualidade que é reconhecido

pelos diversos serviços prestados como suporte na aprendizagem de alunos, professores em

formação inicial e em desenvolvimento profissional, pesquisadores, pais e educadores

interessados em matemática e educação matemática integrada com as tecnologias.

Desde a sua criação seus idealizadores trabalham por atualizações e melhorias no espaço

virtual. Uma de suas novidades foi criado em 2003, o Virtual Math Teams (VMT-Chat), que é

o ambiente virtual de aprendizagem utilizado neste estudo

Esse ambiente foi criado para que os alunos trabalhem e façam matemática online além de

fazer parte de projetos de pesquisa educacional que investiga temas como: a aprendizagem

colaborativa, a interação dos alunos, problemas que podem ser propostos no ambiente.

O VMT-Chat é o ambiente utilizado para a resolução do problema pelos alunos e para acessá-

lo8 é necessária a realização de um cadastro para gerar nome e senha de acesso ou através de

um cadastro previamente criado pelo pesquisador através das ferramentas do administrador.

6 De acordo com o decreto 5.626/2005, o PROLIBRAS (exame de proficiência em Libras) é promovido

anualmente pelo Ministério da Educação em parceria com o INES (Instituto Nacional de Surdos). Devendo ser

realizado por banca examinadora de amplo conhecimento em Libras, constituída por docentes surdos e linguistas

de forma a avaliar a fluência no uso, o conhecimento e a competência para o ensino dessa língua, habilitando

aquele que aprovado exercerá a função de intérprete, instrutor ou o professor de Libras.

7Veja a história do The Math Forum acessando o link: http://mathforum.org/about.forum.html 8 http://vmt.mathforum.org/VMTLobby/

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Figura 1 – Página para log in

Fonte: Print screen da página inicial

Com a obtenção do nome e senha de acesso é possível ingressar no site do VMT Lobby e em

seguida escolher a atividade a participar.

Figura 2 – Salas virtuais

Fonte: Print screen da página inicial

Localizado o problema a ser trabalhado é preciso clicar sobre o mesmo e fazer o download da

sala virtual.

O VMT é um ambiente virtual de aprendizagem singular, com diversas ferramentas

interativas, a seguir apresento a sua interface:

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Figura 3 - Tela do VMT-Chat

Fonte: Print screen da tela do ambiente virtual

Constituído de duas partes fundamentais e irrestritas aos participantes em sua funcionalidade:

o quadro branco (whiteboard), espaço para desenhar, inserir figuras, responder, etc. isto é,

para representações gráficas e área de chat para representações textuais. Nesses dois espaços

tudo o que é feito estará disponível a todos os participantes.

Após o momento para conhecer o ambiente (chamamos de ambientação) é proposto uma

tarefa para ser resolvida com o grupo no chat. Terminada a sessão é possível gerar um

documento com toda a transcrição escrita de todos os participantes, inclusive de seus feitos no

quadro branco (whiteboard). Além disso, é possível gerar um “real player” de toda a

manipulação feita no quadro branco pelos participantes em ordem cronológica.

É importante dizer que nesse ambiente as mensagens do chat e as ilustrações no quadro

branco acontecem no processo interativo constantemente, não havendo predominância nem

importância de um espaço em relação ao outro como sublinhado em Salles e Bairral (2010).

Em razão disso, entendo que o processo interativo deve ser visto como uma conjunção

(BAIRRAL; POWELL, 2008) e a inter-relação dos espaços e a natureza dual do ambiente é

importante para o desenvolvimento do raciocínio matemático como sublinhou Çakir et al.

(2009).

A análise dete trabalho utiliza os dados da implementação realizada com cinco alunos surdos

da Escola Municipal Santa Luzia, localizada em Duque de Caxias, baixada fluminense do Rio

de Janeiro. Aproveitamos o laboratório de informática da própria escola para realizar as

atividades. Os participantes não conheciam o ambiente virtual. Eles interagiram (no mês de

agosto de 2013) em atividades de combinatória através dos bate-papos com duração total

aproximada de 2h, divididas em três sessões.

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4. DESENVOLVIMENTO: DIÁLOGO ENTRE O REFERENCIAL TEÓRICO E OS

RESULTADOS DA PESQUISA

Os resultados encontrados serão gradativamente apresentados de acordo com os seguintes

eixos apresentados anteriormente: (1) Interação aluno/aluno e a mediação do pesquisador

através da utilização da pedagogia visual em ambientes virtuais.

(1) Interação aluno/aluno e a mediação do pesquisador através da utilização da

pedagogia visual em ambientes virtuais

Como relatado anteriormente, os encontros foram realizados na sala de informática da escola,

pois acreditávamos ser este o ambiente mais propício para a realização da pesquisa. O

primeiro encontro foi marcado por muita curiosidade por parte dos alunos e de uma das

pesquisadoras, que se encontrava pela primeira vez imersa no universo da surdez.

Estavam presentes também, mais uma pesquisadora e a professora da sala de recursos

multifuncional. Ambas funcionavam como intérpretes para garantir a comunicação entre os

envolvidos na pesquisa.

Inicialmente a proposta foi o reconhecimento do AVA pelos alunos surdos, de forma que

pudessem conhecer o espaço e as funções possíveis dispostas em cada ícone. Os alunos

demonstraram estar surpresos com a possibilidade de interação apresentada pelo ambiente,

pois assim que começaram a desenhar perceberam que todos estavam compartilhando o que

era exposto individualmente, vantagem ressaltada por Bolite Frant e Kindel (2013) sobre este

ambiente. Outro momento interessante foi a descoberta do chat, pois já estavam habituados a

estabelecer este tipo de comunicação on-line. A figura abaixo ilustra um momento de

interação propiciado pelo AVA ao utilizarem o quadro branco e o chat.

Figura 4 - Tela do VMT-Chat na ambientação

Fonte: Print screen da tela com os alunos interagindo

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Como atividade inicial foi proposto uma tarefa visando explorar o raciocínio combinatório.

Essa atividade tem como referência os estudos de Della Nina, Menegassi e Silva (2009).

Problema 1:

Bruna participará da festa que está sendo organizada por uma turma da escola, mas ainda não decidiu

como irá vestida. Ela retirou do seu armário 3 calças, 5 blusas, 3 vestidos e 2 pares de sapatos. De quantas maneiras diferentes ela poderá se vestir para ir à festa?

Selecionamos primeiro este problema que pode ser resolvido com o princípio fundamental da

contagem para observar quais estratégias (matemáticas, comunicativas, etc..) os alunos

utilizariam. Para resolver o problema eles precisariam dividí-lo em duas partes: (1) quantas

maneiras podemos arrumar 3 calças, 5 blusas e 2 pares de sapato para adicionar a (2)

quantidade de maneiras de arrumar 3 vestidos e 2 pares de sapato. Para a primeira situação

temos: 3 opções de calças x 5 opções de blusas x 2 opções de pares de sapatos = 30 maneiras

diferentes de se vestir e para o segunda situação temos: 3 opções de vestido x 2 opções de

pares de sapato = 6 maneiras diferentes de se vestir. Logo, 30 maneiras de se vestir

adicionados a 6 maneiras é igual a 36 looks diferentes.

Contudo, uma das pesquisadoras em diálogo com a professora do AEE percebeu que para

iniciar as tarefas esta atividade seria um tanto complexa, pois exigiria maior conhecimento da

Língua Portuguesa, já que a atividade não seria interpretada em LIBRAS. Decidimos em

comum acordo propor então uma outra atividade correlata inicial que está descrita a seguir:

Problema 2:

Rafaela participará da festa da Escola Municipal Santa Luzia, mas ainda não decidiu como irá vestida.

Ela retirou do seu armário 3 calças e 5 blusas. De quantas maneiras diferentes ela poderá se vestir para

ir à festa?

Este problema também pode ser resolvido com o Princípio Fundamental da Contagem. Com a

possibilidade de 3 calças e 5 blusas, temos: 3opções de calças x 5 opções de blusas = 15

maneiras diferentes de se vestir.

Os alunos começaram então o processo de decodificação da situação problema. Novamente

percebemos uma barreira inicial devido ao pouco domínio da Língua Portuguesa por um dos

alunos. Neste momento uma das pesquisadoras iniciou um processo de mediação utilizando

recursos visuais como prática cotidiana educacional (LACERDA, SANTOS & CAETANO,

2011).

É fundamental que as experiências visuais façam parte também do desenvolvimento

de ferramentas digitais, de forma que favoreçam a ampliação das possibilidades de interação.

Silva (1999: p. 34), propugna que:

Ao trazer a epistemologia visual para o campo pedagógico, os surdos, ao

mesmo tempo, que evidenciam as limitações do processo pedagógico

centrado no som também apresentam a sua experiência visual como uma

das alternativas possíveis para sua inserção e permanência no sistema de

ensino brasileiro.

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Neste momento os alunos perceberam que uma das pesquisadoras estava mediando a

atividade através do AVA.

Figura 5 - Tela do VMT-Chat inserção de recursos visuais

Fonte: Print screen da tela

Foi introduzido então a imagem das 3 calças e 5 camisas de forma a auxiliar na compreensão

do enunciado. Após esta intervenção, uma das alunas imediatamente apresentou pelo chat o

resultado da tarefa. A aluna então foi inquirida pela pesquisadora acerca de como teria

chegado a tal resultado. Onde foi estabelecido o seguinte diálogo:

‒ Porque você acha isso Linda?(pesquisadora)

‒ Explique para seus colegas. (pesquisadora)

‒ Me ajuda não entendi. (Souza)

Nesse momento a aluna Linda começou a explicar aos seus colegas através da LIBRAS como

chegou ao resultado, que escrevera previamente no chat:

Eu acho tb 5x3=15 mas sei lá (Linda)

O ocorrido destaca o fato de que o domínio básico da Língua Portuguesa atribuído a este

grupo, atuou como agente dificultador da realização da tarefa apresentada pela pesquisadora,

de forma que a aluna abandonou o AVA neste momento, como garantia de que sua explicação

seria compreendida também por Souza, que demonstrava menor conhecimento da Língua

Portuguesa que os demais alunos.

Simões, Zava, Silva e Kelman (2011, p.3609) destacam que é necessário que o ensino de

alunos surdos se apóie em duas vertentes, o bilinguismo e o uso de recursos, baseados na

experiência visual, o que nos faz compreender o fato descrito acima.

Após as intervenções da aluna, a pesquisadora inseriu um esquema de árvore de

possibilidades (uma estratégia matemática para solucionar atividades de combinatória) e

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apresentou aos alunos. Eles não conheciam esse esquema e puderam conferir visualmente o

resultado por eles obtido.

Figura 6 - Tela do VMT-Chat resolvendo tarefa 1

Fonte: Print screen da tela com alunos interagindo

Para o segundo encontro foi proposto então a seguinte atividade:

Destacamos que este enunciado, por sugestão da professora da sala de recursos, não foi

apresentado em Língua Portuguesa, mas através da utilização de um vídeo anteriormente

gravado com o auxílio de um dos intérpretes da instituição. Esta proposta se deve a

constatação anterior de que um dos alunos apresentou dificuldades quanto à compreensão do

enunciado apresentado apenas em Língua Portuguesa.

Desta vez os alunos presentes rapidamente conseguiram encontrar o resultado correto e

explicar aos outros o processo de resolução através de desenhos ou da multiplicação de um

fator pelo outro.

Este episódio ilustra que o processo de ensino/aprendizagem de alunos surdos mesmo em

ambientes virtuais, precisa ser mediado pela utilização da LIBRAS, de forma a garantir a total

compreensão dos enunciados, favorecendo a aquisição e desenvolvimento de conceitos

matemáticos fundamentais na aprendizagem também de alunos surdos.

(2) Apropriação de terminologias e utilização das mídias por alunos surdos.

Problema 3: “Em uma festa na casa de Wellington estavam presentes 4 meninas e 2

meninos. A regra criada para que todos dançassem é que os pares não poderiam se

repetir. Quantos pares foram formados?”

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nos resultados apresentados, identificamos como as mídias não possuem interfaces

que contemplem as especificidades lingüísticas atribuídas a comunidade surda usuária da

Libras, justamente por estarem fundamentadas no paradigma ouvinte como destacado por

Salles e Almeida (2013) e o quanto isto pode ser um fator dificultador para apropriação e uso.

Percebemos que quanto à utilização do ambiente virtual apresentado houve interação entre os

alunos e que o espaço de inserção das mensagens gráficas foi importante para a promoção da

aprendizagem matemática, através da utilização de recursos visuais.

Ressaltamos que a resolução de problemas é um campo fértil para o ensino e a aprendizagem

da matemática em cenários virtuais, até mesmo quando é proposto antes de uma formalização

do conteúdo matemático relacionado. Em sintonia com as investigações elencadas,

percebemos que atividades de combinatória podem ser exploradas nesse tipo de ambiente,

pois elas estimulam a criatividade mediante as diferentes possibilidades de representação para

solucionar um problema envolvendo raciocínio combinatório, conforme ilustrado na análise

em Salles (2013).

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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