Surrectio e Tu (1)

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SURRECTIO A destinação social da boa-fé decorre da necessidade de se guardar o princípio da confiança em detrimento do abuso do direito, o qual se estabelece quando há violação de direitos subjetivos, isto é, quando um interesse se sobrepuja ao interesse reciprocamente contraposto na relação jurídica. E essa necessidade de estabilidade social faz com que da relação confiança frente ao abuso de direito, surjam os efeitos da boa-fé nos contratos. Tais efeitos são, segundo lição de Menezes Cordeiro, apud Mezzomo , subdivididos em oito modalidades, quais sejam: supressio, surrectio, venire contra factum proprium, exceptio non adimplente contractus (ou tu quoque), a exceptio doli (desdobrada em exceptio doli generalis e exceptio doli specialis), a inalegabilidade das nulidades formais e o equilíbrio no exercício jurídico. Dentre esses, serão aprofundados apenas a supressio e surrectio. Para a doutrina alemã, Surrectio é “erwirkung” e consiste exatamente no fenômeno inverso ao da supressio, haja vista decorrer da ampliação do conteúdo obrigacional

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SURRECTIOA destinao social da boa-f decorre da necessidade de se guardar o princpio da confiana em detrimento do abuso do direito, o qual se estabelece quando h violao de direitos subjetivos, isto , quando um interesse se sobrepuja ao interesse reciprocamente contraposto na relao jurdica.E essa necessidade de estabilidade social faz com que da relao confiana frente ao abuso de direito, surjam os efeitos da boa-f nos contratos.Tais efeitos so, segundo lio de Menezes Cordeiro, apud Mezzomo , subdivididos em oito modalidades, quais sejam: supressio, surrectio, venire contra factum proprium, exceptio non adimplente contractus (ou tu quoque), a exceptio doli (desdobrada em exceptio doli generalis e exceptio doli specialis), a inalegabilidade das nulidades formais e o equilbrio no exerccio jurdico. Dentre esses, sero aprofundados apenas a supressio e surrectio.Para a doutrina alem, Surrectio erwirkung e consiste exatamente no fenmeno inverso ao da supressio, haja vista decorrer da ampliao do contedo obrigacional mediante surgimento de prtica de usos e costumes locais. Na surrectio, a atitude de uma parte faz surgir para a outra um direito no pactuado.Nas lies de Rosenvald, surrectio o exerccio continuado de uma situao jurdica em contradio ao que foi convencionado ou ao ordenamento jurdico, de modo a implicar nova fonte de direito subjetivo, estabilizando-se para o futuro.

Analisando-se os conceitos de supressio e surrectio, pode-se concluir que tais institutos consagram formas de perda e aquisio de direito pelo decurso do tempo, sem que, com isso, no possa a surrectio vir desacompanhada da supressio.No nosso Codex encontram-se, por exemplo, os fenmenos da supressio e surrectio no artigo 330 , como bem exemplifica a doutrinadora Diniz, ao comentar que h presuno juris tantum de que o credor renunciou (supressio) ao lugar da prestao quando reiteradamente o devedor o realiza em lugar diverso do pactuado, fato que faz surgir, com igual validade, o direito subjetivo do devedor em continuar a fazer o pagamento em local diverso do contratado (surrectio), no podendo o credor a isso se opor, pois houve a perda do direito pelo decurso do tempo.Assim, a supressio implicar o surgimento da surrectio desde que se mantenha a coerncia entre o que foi suprimido e o que surgiu em decorrncia.Asurrectio, ao contrrio dasupressio, representa uma ampliao do contedo obrigacional. Aqui, a atitude de uma das partes gera na outra a expectativa de direito ou faculdade no pactuada. Ordinaraimente, a doutrina tem apontado para a necessidade da presena de trs requisitos, conforme lembramAntnio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro:."Exige-se um certo lapso de tempo, por excelncia varivel, durante o qual se atua uma situao jurdica em tudo semelhante ao direito subjetivo que vai surgir; requer-se uma conjuno objectiva de factores que concitem, em nome do Direito, a constituio do novo direito; impe-se a ausncia de previses negativas que impeam a surrectio"

Asurrectiopode ou no vir acompanhada dasupressio.

TU QUOQUEA locuo significa "tu tambm" e representa as situaes nas quais a parte vem a exigir algo que tambm foi por ela descumprido ou negligenciado.Em sntese, a parte no pode exigir de outrem comportamento que ela prpria no observou. Exemplo do instituto est no artigo 150 do Cdigo Civil.Se a parte "a" descumpre determinada clusula bilateral, est legitimando a parte "b" pressupor que tal clusula no essencial ou que seu descumprimento ser tolerado. Gerada expectativa por fato prprio, no ressoa tico aquele que anteriormente no observou um comportamento exigi-lo de outrem.A exceo de contrato no cumprido (exceptio non adimpleti contractus) exemplotu quoque.Segundo o art. 476, nos contratos bilaterais, antes de cumprida a sua obrigao, uma parte no pode exigir o implemento da obrigao do outro. Imagine-se um contrato de empreitada, segundo o qual uma pessoa se obriga a entregar materiais para que outrem realize certa obra. Nesse caso, o contratante interpe uma ao, exigindo que o contrato entregue a obra, sem ao menos ter entregado os materiais. Fica clara a possibilidade de a outra parte apresentar contestao, contendo a exceo do contrato no cumprido. Quando o dono da obra entrega os materiais defeituosos ou insuficientes, a defesa ser aexceptio rite adimpleti contractus.Tu quoque uma expresso latina que refere-se a quebra de confiana, ofensa a boa-f objetiva, um elemento surpresa. Essa expresso utilizada antes de Cristo, tem origem da clebre frase dita pelo imperador Julio Csar ao seu filho adotivo Marcus Brutus: "tu quoque Brutus filie mi",que significa, literalmente, voc tambm Brutus meu filho. (At tu Brutus?) Significando indignidade! No Direito Civil, tem como figura representativa a exceo do contrato no cumprido prevista no art. 476 do Cdigo Civil:Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigao, pode exigir o implemento da do outro.A pretenso desse dispositivo evitar que aquele que no cumpre a sua obrigao , violando uma norma jurdica, venha a invocar essa mesma norma em seu favor, com isso atentando contra o princpio da boa-f objetiva.Na prtica, muito utilizado em questes contratuais, como por exemplo: quando nenhuma das partes cumprem com a obrigao estipulada, e depois uma delas aciona a outra judicialmente para cumprir. Ofato de um cobrar o outro sem ter cumprido com a prpria obrigao caracteriza ato abusivo, ilcito, vedado peloart. 187 CC segundo o qual todo aquele que ao exercer o seu direito extrapolar os limites, prtica ato ilcito. Dentre as modalidades dos atos ilcitos, insere-se o "tu quoque".