Sustentabilidade Ambiental-neide e Luciana

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Modapalavra e-periódico SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL: UM DESAFIO PARA A MODA Environmental sustainability : a challenge for fashion Neide Köhler Schulte 1 e Luciana Lopes 2 Resumo Neste artigo se propõe uma reflexão sobre um paradigma que se estabeleceu no século XXI: ‘o desenvolvimento ambientalmente sustentável’, e sua implicação na criação de produtos para o vestuário. O consumidor, a indústria, o criador de novos produtos, todos têm papéis determinantes na consolidação deste paradigma. Os impactos ambientais devem ser considerados em todas as etapas nos projetos de novos produtos, da origem da matéria-prima até o descarte pelo consumidor. O desenvolvimento sustentável é um grande desafio para a criação de novos produtos para o vestuário de moda, pois o ciclo de vida muito curto destes produtos, e o apelo ao consumismo, representam um entrave. Diante deste contexto, são identificados novos cenários para a moda. Palavras-chave: desenvolvimento sustentável, novos cenários, moda Abstract In this article is proposed a reflection about a paradigm which was established in the XXI century: ‘the sustainable environmental development’ and the implication of that in the creation of clothing products. The costumers, the industry, the creator of new product, all of them have determinant roles in the consolidation of this paradigm. The environmental impacts must be considered in all the steps of the project of new product, from the origin of the raw material to the discard by the costumers. The sustainable development is a big challenge for the creation of new products, and the appeal for consumerism represents a barrier. Observing this context, are identified new scenarios for fashion. Key words: sustainable development, new scenarios, fashion Introdução 1 Mestre em Gestão do Design pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Professora de Desenho de Moda na Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC 2 Especialista em Moda – Criação e Produção pela Universidade Estadual de Santa Catarina – UDESC. Professora de Modelagem Industrial na Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. Ano 1, n.2, ago-dez 2008, pp. 30 - 42. ISSN 1982-615x 31

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    SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL: UM DESAFIO PARA A MODA

    Environmental sustainability : a challenge for fashion

    Neide Khler Schulte1 e Luciana Lopes2

    Resumo

    Neste artigo se prope uma reflexo sobre um paradigma que se estabeleceu no sculo XXI: o desenvolvimento ambientalmente sustentvel, e sua implicao na criao de produtos para o vesturio. O consumidor, a indstria, o criador de novos produtos, todos tm papis determinantes na consolidao deste paradigma. Os impactos ambientais devem ser considerados em todas as etapas nos projetos de novos produtos, da origem da matria-prima at o descarte pelo consumidor. O desenvolvimento sustentvel um grande desafio para a criao de novos produtos para o vesturio de moda, pois o ciclo de vida muito curto destes produtos, e o apelo ao consumismo, representam um entrave. Diante deste contexto, so identificados novos cenrios para a moda.

    Palavras-chave: desenvolvimento sustentvel, novos cenrios, moda

    Abstract

    In this article is proposed a reflection about a paradigm which was established in

    the XXI century: the sustainable environmental development and the implication

    of that in the creation of clothing products. The costumers, the industry, the

    creator of new product, all of them have determinant roles in the consolidation of

    this paradigm. The environmental impacts must be considered in all the steps of

    the project of new product, from the origin of the raw material to the discard by

    the costumers. The sustainable development is a big challenge for the creation of

    new products, and the appeal for consumerism represents a barrier. Observing

    this context, are identified new scenarios for fashion.

    Key words: sustainable development, new scenarios, fashion

    Introduo

    1 Mestre em Gesto do Design pela Universidade Federal de Santa Catarina UFSC. Professora de Desenho de Moda na Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC2 Especialista em Moda Criao e Produo pela Universidade Estadual de Santa Catarina UDESC. Professora de Modelagem Industrial na Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC.

    Ano 1, n.2, ago-dez 2008, pp. 30 - 42. ISSN 1982-615x 31

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    O artigo prope uma reflexo sobre o paradigma que se estabeleceu no sculo XXI: o

    desenvolvimento ambientalmente sustentvel e sua implicao na criao de produtos para o

    vesturio de moda. A pesquisa Eco fashion: consolidao de uma tendncia ecolgica na moda,

    foi o ponto de partida para as reflexes sobre o sistema da moda diante dos princpios

    estabelecidos para um desenvolvimento sustentvel: economicamente vivel, socialmente justo e

    ecologicamente correto. Conceber novos produtos para o vesturio, de acordo com estes

    princpios, um grande desafio para moda. Os ciclos curtos de vida destes produtos e o apelo ao

    consumismo representam um entrave ao desenvolvimento sustentvel. O consumidor, a

    indstria, o criador de novos produtos, todos tm papis determinantes na consolidao deste

    paradigma. Os impactos ambientais devem ser considerados em todas as etapas nos projetos de

    novos produtos, da origem da matria-prima at o descarte pelo consumidor. Diante deste

    contexto, preciso identificar novos cenrios.

    Para compreender como se configurou o contexto atual, da relao entre o homem e a

    natureza, torna-se necessrio um breve retorno na histria da humanidade. O homem teve

    diferentes percepes da natureza. Inicialmente a respeitava, tinha uma viso sacralizada,

    considerando-a onipotente, imprevisvel e indomvel, um verdadeiro culto natureza. Os Deuses

    eram entendidos como agentes dos fenmenos naturais, o homem aceitava e temia seus

    desgnios, agradecendo a generosidade proporcionada: a chuva, as plantas, os animais. Depois,

    com os fsicos gregos e, mais tarde com o judasmo-cristo, o homem passa a ter uma postura

    interrogativa e contemplativa (CAMARGO, 2002).

    Com o desenvolvimento da cincia, passou a ser fundamental compreender o significado

    das coisas que aconteciam. O que a cincia no explicava, era atribudo ao divino, uma relao

    homem-natureza dentro de princpios metafsicos e divinos. Com a revoluo da cincia no

    sculo XVII e depois com a revoluo industrial, o modelo orgnico de mundo me-terra, foi

    substitudo pelo modelo mecanicista mundo-mquina. Com isso, o universo material, incluindo

    a natureza, passou a ser considerado como uma mquina, que pode ser completamente entendida

    e analisada; a afirmao do homem como sujeito, um ser inteligente, e a realidade, como objeto.

    A natureza e o universo eram compreendidos como coisas mutveis, a serem dominadas,

    exploradas e pesquisadas pelo homem (CAPRA, 1996).

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    Surge no sculo XX, uma viso romntica da natureza como um grande todo harmonioso,

    que levou alguns cientistas a ver a Terra como um todo integrado. A cincia trouxe uma

    perspectiva holstica da natureza, conhecida como pensamento sistmico, surgindo uma nova

    cincia: a Ecologia. A natureza passa a ser vista como uma teia inter-conexa de relaes, cujas

    propriedades essenciais nenhuma das partes possui isoladamente. A viso sistmica reconhece

    que todos os conceitos e teorias so limitados e aproximados, e a cincia no fornece uma

    completa e definitiva compreenso da realidade (CAPRA, 1996).

    Este todo harmonioso, o planeta Terra, est sendo destrudo. Os cientistas tm alertado

    para a necessidade urgente de recuperao e preservao da natureza. Todos sabem dos

    problemas ambientais, porm saber apenas no basta. preciso incorporar tal saber, tornar-se

    sensvel e agir. Atitudes simples na vida cotidiana, como a reciclar o lixo, no desperdiar gua

    e energia, so muito significativas para a preservao ambiental. A escolha mais criteriosa dos

    produtos consumidos, o uso de combustveis alternativos, e principalmente a reduo do

    consumo, entre outras aes, so de grande importncia para a minimizao dos problemas

    ambientais e para a promoo do desenvolvimento sustentvel.

    Desenvolvimento sustentvel

    Existem definies de vrios autores e organizaes ambientais para desenvolvimento

    sustentvel. Segundo a Comisso Mundial sobre o Meio Ambiente (1987) a explorao

    equilibrada dos recursos naturais, nos limites da satisfao das necessidades e do bem-estar da

    presente gerao, assim como de sua conservao no interesse das geraes futuras. o

    desenvolvimento que atende s necessidades do presente sem comprometer a capacidade das

    geraes futuras de atenderem as suas necessidades CMMAD - Comisso mundial de Meio

    Ambiente e Desenvolvimento Comisso Brundtlant (1987). Para estabelecer as diretrizes do

    desenvolvimento sustentvel foi criada a Agenda 21. Programa para o sculo XXI adotado em

    1992, na Reunio da Cpula da Terra, por 170 chefes de Estado e de Governo. Define os grandes

    princpios de ao desejveis para traar o caminho em direo ao desenvolvimento sustentvel,

    em setores to diversos quanto economia, gesto de recursos naturais, a educao e a situao

    das mulheres3.

    3 Tnia Mara Tavares Gasi Curso Produo + Limpa So Bento do Sul SC, novembro de 2006.

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    Na verdade, praticar a sustentabilidade ambiental significa cuidar das coisas. Do menor

    de todos os produtos, at o planeta inteiro e vice-versa. A transio para a sustentabilidade pode

    acontecer por caminhos traumticos, uma transio forada por efeitos catastrficos, que de fato

    obrigam a uma reorganizao do sistema, a mais indolores, uma transio por escolha, isto ,

    como efeitos de mudanas culturais, econmicas e polticas voluntrias que reorientem as

    atividades de produo e consumo (VEZZOLI, 2005).

    Dentro deste escopo, desde a dcada de 90, com a ISO 14000, algumas empresas txteis

    brasileiras e demais setores, passaram a incorporar a questo ambiental. Alm de rever todo

    processo produtivo e tratar os efluentes, para minimizar os prejuzos ambientais, passaram a

    desenvolver projetos ambientais e sociais. No entanto, ainda so poucas as empresas txteis que

    procuram se adequar aos princpios da sustentabilidade ambiental.

    Gradativamente, a preocupao com a preservao do meio ambiente, no processo de

    desenvolvimento de produtos, passa a fazer parte do sistema da moda. J possvel encontrar no

    mercado brasileiro algumas marcas que trabalham com este valor agregado a seus produtos e este

    nmero est crescendo. Entre os produtos j disponveis no mercado, pode-se citar o tecido

    ecovogt, 100% ecolgico, que foi criado pelo estilista brasileiro Caio Von Vogt. uma inovao

    na indstria mundial da moda, que pode ser utilizado em qualquer tipo de roupa ou acessrio (na

    confeco de camisetas, vestidos, calas, bolsas, cintos ou calados). Ao contrrio de outros

    produtos do mercado, o ecovogt, que uma fibra de origem vegetal, se decompe em dois anos,

    enquanto o algodo, que tambm uma fibra de origem vegetal, demora 10 anos, e o polister

    leva um sculo4.

    Outro exemplo de produtos para o vesturio com vis ecolgico e tambm social, a marca

    para vesturio infantil Pistache & Banana. Uma empresa de Santa Brbara do Oeste, So Paulo,

    que apresentou em 2006 ao mercado brasileiro, sua primeira coleo com peas produzidas em

    algodo orgnico. Todo o processo de produo do algodo foi desenvolvido em Goioer,

    Paran, por famlias de produtores da Coagel (Cooperativa Agroindustrial). O algodo vira fio,

    tecido, cortado e acabado, em Santa Brbara do Oeste, nas linhas de produo da Pistache &

    Banana5. A costura e bordados das peas so realizados por pequenos grupos e cooperativas de

    44 www.folha.uol.com.br/folha/dimenstein/comunidade 03/11/20065 www.pistachebanana.com.br

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    costureiras e bordadeiras. A empresa procura seguir todas as etapas do processo de comrcio

    justo, do fornecedor do algodo at o produto final, disseminando a responsabilidade e incluso

    social e tambm conscincia ecolgica entre parceiros e clientes.

    Alm das iniciativas de algumas marcas de produtos para o vesturio, eventos importantes

    de moda como a 22 SPFW (So Paulo Fashion Week), maior evento de passarela de moda do

    Brasil e quarta passarela de moda mundial, ao eleger o tema sustentabilidade ambiental,

    contribuem para sensibilizao da indstria de produtos de moda, bem como o consumidor, a fim

    de que esses incorporem uma realidade imperativa: o desenvolvimento de produtos

    ambientalmente sustentveis. O objetivo do discurso ecolgico da SPFW tornar a indstria da

    moda mais consciente. A proposta criar mais com menos, fazendo um evento e uma moda

    economicamente viveis, socialmente justos e ambientalmente corretos. Estes so os trs

    princpios da sustentabilidade, idia que comea a tomar forma nessa edio e que pretende ser

    levada risca pela organizao nos prximos anos6.

    O respeito pelo meio ambiente, a utilizao de fibras e tintas naturais e a reciclagem de

    roupas e objetos usados, so a base da moda ecolgica, que pouco a pouco tem conquistado os

    consumidores e estilistas na Itlia e em outros pases. Na chamada ecomoda, tambm se

    confecciona roupa orgnica. Essas roupas so elaboradas com tecidos em cuja produo no so

    usados produtos qumicos, nem fertilizantes, nem pesticidas. E, embora a moda de baixo impacto

    ambiental esteja mais desenvolvida em mercados como o ingls e o alemo, at gigantes do

    ramo, como Giorgio Armani, esto dispostos a aderir tendncia. Armani cria jeans

    ecologicamente corretos, feitos com algodo orgnico. Outras grifes famosas internacionais

    vendidas na Itlia, como Levi Strauss, Gap, Nike ou Marks & Spencer, tambm uniram-se

    moda ecolgica. Ponchos feitos com fibra de soja, trajes elaborados com embalagens de ovos ou

    calas fabricadas a partir de algas so alguns exemplos desta moda alternativa que combina

    criatividade com materiais inslitos. Muitos estilistas tambm reutilizam vestidos velhos ou que

    j no servem mais, chamada de vintage, como uma forma de conservar os recursos naturais. A

    ecomoda esteve em voga nos anos 80, mas era um estilo pobre ou hippie. Atualmente,

    entretanto, uma tendncia, com exibies especiais em capitais da moda como Londres, Nova

    York ou Milo. Porm, o repentino interesse de marcas importantes em confeccionar roupas que

    respeitem o homem e a natureza gera reparos de alguns ecologistas. A experincia de Armani

    6 www.g1.com.br 30/01/07

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    interessante, mas nem todas as empresas esto dispostas a se renovar para reduzir o impacto

    ambiental, disse Gabriella Foglio, representante da Legambiente, a maior organizao no-

    governamental da Itlia. Afirma ainda, que no existe um mercado forte na Itlia para vender

    ecomoda, nem consumidores que possam pagar mais caro por roupas ecolgicos7.

    Um dos materiais mais usados na indstria txtil e do vesturio o algodo, e tambm

    um dos mais controvertidos. Segundo estimativas da Organizao Mundial da Sade, no mundo

    existem entre 500 mil e dois milhes de vtimas de intoxicaes agroqumicas, e um tero delas

    de cultivadores de algodo. Assim, a reciclagem outro componente importante da moda

    ecolgica, no s para proteger o meio ambiente, como tambm para promover a economia nas

    grandes empresas e recuperar materiais nos pases em desenvolvimento. Em Milo, o IED

    (Instituto Europeu de Desenho) reutiliza materiais e consegue criar saias de peas de ao,

    vestidos de fio eltrico ou de papel de embalagem, e calas de metal de bicicleta, por exemplo.

    So projetos dos estudantes que manipulam materiais como as meias de nylon ou as solas dos

    sapatos e os transformam em vestidos originais e ecolgicos. Apenas experimentam e do

    alternativas a materiais que, de outro modo, iriam para o lixo. Annika Saunders e Kerry Seage,

    fundadoras da Junky Styling, que produz jias e vestidos com material reciclado, compartilham

    da filosofia de no jogar nada no lixo. A produo destas criadoras, das mais conhecidas no

    ambiente da ecomoda, vendida com facilidade, apesar de serem elaboradas com base em peas

    usadas e fora de moda8.

    As iniciativas apresentadas anteriormente precisam ser aceitas pelo consumidor, passando a

    considerar o impacto ambiental dos produtos que consome. uma forma de pressionar as

    indstrias, seja de moda ou de outros produtos, para diminurem o prejuzo que causam

    natureza. A lgica dos lucros rpidos e cada vez maiores, sem considerar o que est em risco,

    tem sido a causa de muitos problemas ambientais.

    Em alguns pases j existe uma legislao rgida obrigando as indstrias a se adequarem

    para diminuir os danos ao meio ambiente, tambm h consumidores conscientes que procuram

    por produtos ecologicamente concebidos, que se preocupam com a natureza e com as geraes

    futuras. Na Frana, j representam 15% da populao e vm crescendo acentuadamente. Diante

    7 http://www.envolverde.com.br em 08/05/20068 http://www.envolverde.com.br em 08/05/2006

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    deste contexto, as empresas no podem mais ignorar este fenmeno, bem como no devem

    esquecer de divulgar sua preocupao com o meio ambiente ao desenvolverem seus produtos9.

    Novos cenrios

    O filsofo francs, Lipovetsky, na sua obra, Imprio do Efmero, diz que moda o

    espelho da sociedade. Diante desta definio, como conciliar a moda com o desenvolvimento

    sustentvel se os indivduos atomizados, absorvidos consigo mesmos, esto pouco dispostos a

    considerar o interesse geral, a renunciar aos privilgios adquiridos; a construo do futuro tende

    a ser sacrificada s satisfaes das categorias e dos indivduos do presente

    (LIPOVETSKY,1989, 13). Indubitavelmente se est diante de um grande desafio.

    Se as mudanas na moda dependem da cultura estabelecida e dos ideais sociais que a

    compem, complexo pensar a moda inserida no contexto do desenvolvimento sustentvel. No

    entanto, sob a aparentemente tranqila superfcie da cultura esto intensas correntes psicolgicas,

    das quais a moda rapidamente capta a direo. Ento, se em uma sociedade democrtica, onde

    existem diversas iniciativas e movimentos para estabelecer o desenvolvimento sustentvel, a

    moda rapidamente ir incorpor-lo.

    A roupa envolve o corpo, protege, comunica. Lurie (1997) diz que, embora ocasionalmente

    consideraes prticas como: conforto, durabilidade, viabilidade e preo interferem na escolha,

    escolher roupas, em casa ou na loja, nos definir e descrever. Para Eco (1989) o hbito fala pelo

    monge, assim, o vesturio comunicao, o vesturio fala. Portanto, se o vesturio de moda

    agregar o desenvolvimento sustentvel, o usurio poder comunicar que um sujeito consciente,

    sensvel mudana de paradigma e que se preocupa com as futuras geraes e a preservao do

    planeta.

    inerente ao ser humano a necessidade de se expressar, se comunicar. Atravs do

    vesturio expressam-se desejos, sentimentos, convices, crenas, ideais, entre outros, e a

    prpria personalidade. Coelho (1995) diz que a roupa nos fala de quem a veste, ela uma

    linguagem, um sintoma individual e social: diga-me o que vestes e eu te direi como ests,

    9 www.cdra.asso.fr 27/09/05

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    quanto tens, a que grupo pertences. Pode-se dizer, ento, que uma das funes do vesturio a

    de comunicar e expressar caractersticas dos indivduos e do contexto social.

    Outra funo do vesturio pode ser da expresso esttica. Para De Masi (2000) o terceiro

    milnio ser o imprio da esttica. Esta proposio no se refere especificamente moda, mas a

    todos os produtos. A funo esttica pode ter maior importncia do que a funcionalidade do

    produto. Ou ento, na deciso de compra o consumidor opta pelo produto de maior valor

    esttico. No caso do produto de moda o valor da funo esttica ainda maior. Quanto maior

    valor esttico agregado, mais atraente se torna o produto. O consumidor compra por impulso e

    desejo e no por necessidade. As roupas so trocadas e/ou descartadas com muita freqncia,

    geralmente antes do fim de sua vida til, apesar de terem alta durabilidade.

    Este consumo sem necessidade do vesturio motivo de crtica ao sistema de moda. No

    entanto, no o nico produto consumido sem necessidade. Automveis, mobilirio, entre

    outros produtos tambm so trocados com freqncia sem que apresentem qualquer dano.

    Apenas porque surgiu um novo produto, com maior valor esttico ou com novas funes e novas

    tecnologias.

    Este comportamento do consumidor foi construdo a partir da Revoluo Industrial e tem

    sido mantido pela publicidade e pelo sistema da moda, devido o interesse das indstrias, lojas,

    em vender cada vez mais. Portanto, trata-se de uma questo rdua. O consumismo desenfreado

    uma realidade. Reverter isto uma misso quase utpica. preciso identificar mecanismos para

    lidar com este cenrio que se configurou e se consolidou no sculo XX.

    No que se refere aos produtos do vesturio de moda, o pesquisador italiano Carlo Vezzoli,

    do Instituto Politcnico de Milo, prope quatro cenrios para um consumo mais consciente10.

    Vezzoli desenvolve atividades didticas e de pesquisa no mbito dos mtodos, das estratgias e

    instrumentos para o desenvolvimento sustentvel.

    Os quatro cenrios so propostos para que o ciclo de vida dos produtos do vesturio de

    moda seja relativamente mais longo. Nos dois primeiros cenrios os consumidores

    compartilhariam os produtos de moda. Primeiro cenrio os consumidores compartilhariam as

    10 Palestra apresentada por Vezzoli no Politcnico em 16/02/2006, Milo

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    roupas com outras pessoas. Como exemplo, uma rouparia coletiva num condomnio residencial,

    onde pessoas cuidariam da manuteno e limpeza das roupas, sem que cada morador tivesse a

    necessidade de ter mquina de lavar e demais produtos. No segundo cenrio um sistema de

    aluguel de roupas para o dia-a-dia. O consumidor compraria apenas peas bsicas e as demais

    alugaria, sem ter a necessidade de lav-las, passar e consertar. Assim poderia estar vestindo

    sempre roupas diferentes, sem repetir.

    Nestes dois primeiros cenrios a proposta compartilhar. Para outros dois cenrios, os

    consumidores comprariam os produtos do vesturio de moda, mas teriam uma relao mais

    apaixonada com os mesmos, e ficariam mais tempo com o produto. Terceiro cenrio o

    consumidor participaria da criao e produo, personalizando as peas; e no quarto cenrio as

    empresas/lojas ofereceriam servios de manuteno, restaurao e roupas sob-medida. Nestes

    dois ltimos cenrios, a proposta a maior durabilidade dos produtos e uma identificao do

    consumidor com as mesmas, de forma que ele mantenha satisfatoriamente as peas por mais

    tempo. Pressupe um consumidor que investe no que veste.

    Vezzoli (2006) ressalta que so propostas de cenrios que precisam ser implementadas e

    testadas, para serem difundidas e aceitas pelos consumidores. A partir destas propostas podem

    surgir desdobramentos que resultem num ciclo de vida mais longo para os produtos do vesturio

    de moda. Trata-se de um grande desafio, pois a indstria da moda como est estabelecida

    atualmente, prope um cenrio muito diferente. Trocar os produtos a cada estao ou, a cada

    coleo. Este comportamento precisa ser revisto. Vezzoli questiona sobre o porqu necessita-se

    de tantas coisas, de que coisas tm-se realmente necessidade, e o que melhor fazer para

    aumentar o bem-estar enquanto se reduzem os consumos?

    Enquanto se busca respostas para tais questionamentos, vale ressaltar que iniciativas no

    campo da moda, como da 22 SPFW, das marcas que trabalham com uma produo mais limpa

    com menos impacto no meio ambiente e de trabalhos como da CoopaRoca no Rio de Janeiro11,

    so indcios da consolidao de do novo paradigma no sculo XXI: o desenvolvimento

    sustentvel.

    11 COOPA-ROCA - Cooperativa de Trabalho Artesanal e de Costura da Rocinha www.coopa-roca.org.br

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    No Rio de Janeiro, associados da Coopa-Roca - Cooperativa de Trabalho Artesanal e de

    Costura da Rocinha, desenvolvem produtos do vesturio de moda a partir de materiais reciclados

    e sobras de tecidos, doadas por empresas de confeco, utilizando tcnicas artesanais como

    fuxico, patchwork, bordado, croch, tric e outros. Estilistas brasileiros reconhecidos utilizaram

    os trabalhos da cooperativa em grandes desfiles nas passarelas brasileiras e internacionais. Ao

    mesmo tempo o trabalho tem grande importncia social, pois gera emprego e renda para muitas

    pessoas da comunidade, e tambm difusor da importncia de preservao do meio ambiente. A

    reutilizao de materiais, a transformao em produtos com valor agregado e com qualidade

    esttica, desenvolve gradativamente a conscincia ecolgica de quem produz e de quem consome

    os produtos.

    Nas universidades brasileiras, este conceito tambm vem sendo aplicado em projetos de

    novos produtos do vesturio de moda. Nas apresentaes dos estudantes da UDESC de Santa

    Catarina e marcas de produtos do vesturio de todo Brasil, no I Veg Fashion (evento de moda

    com desfiles e exposies), que aconteceu durante o 36 Congresso Mundial de Vegetarianismo,

    de 08 a 14 de novembro, em 2004, em Florianpolis, o tema que norteou os trabalhos foi Moda

    sem crueldade. Nos produtos apresentados no havia nenhuma matria-prima de origem animal,

    e se trabalhou com a reutilizao de tecidos, arrecadados em campanhas de doao. Em agosto

    2006, outro trabalho foi apresentado durante o I Congresso Brasileiro e Latino-americano, em

    So Paulo, no Museu da Amrica Latina. O desfile modaCOMpaixo, com o mesmo conceito

    do I Veg Fashion, despertou a ateno da mdia e foi apresentado no programa de televiso

    Alternativa Sade no GNT- Brasil.

    Os trabalhos apresentados apontam para um novo tipo de consumidor que vem crescendo

    nos ltimos anos, os vegetarianos. Este consumidor tem a preocupao em disseminar os valores

    que esto relacionados ao que se pode chamar de filosofia da preservao: no matar animais

    para alimentao e para elaborao de quaisquer produtos de uso geral, tais como: roupas,

    calados, cosmticos, e demais produtos utilizados no cotidiano das pessoas; bem como no usar

    os animais em quaisquer atividades, para trabalho e como cobaias em pesquisas, entre outros.

    No que se refere alimentao, j possvel encontrar muitos itens que atendem a esse

    pblico. Mas, quanto ao vesturio, so poucos os produtos que tm como pblico alvo este tipo

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    de consumidor, que mais consciente quanto ao material empregado e ao processo de elaborao

    dos produtos que consome.

    Contudo, existem vrias matrias-primas disponveis para produo do vesturio, como o

    couro vegetal, produzido na Amaznia, os tecidos naturais como o algodo orgnico, os tecidos

    sintticos produzidos com materiais como o pet das garrafas de refrigerantes, evitando que sejam

    jogados na natureza onde levaria muito tempo para se degradar. vivel desenvolver produtos

    para este consumidor ecolgico, seja vegetariano ou no, mas com preocupao pela

    preservao do planeta. Porm, h um problema cultural, razo pela qual, muitos fabricantes, em

    vrios segmentos, tm receio em prejudicar as vendas, ao divulgar a existncia do Pet ou outros

    materiais reciclados. Este problema ocorre, por exemplo, na confeco de calados

    (CAVALCANTE, 2002).

    Mais do que um dever, cuidar do meio ambiente uma questo de sobrevivncia para os

    humanos, animais e de todo planeta. Estilistas e empresas sabem que moda pode, sim, conciliar o

    desenvolvimento de produtos com a preservao da natureza. At o Oscar 2007 apostou na causa

    e, pela primeira vez, integrou prticas ecolgicas sua produo, como a diminuio dos gastos

    de energia e da emisso de carbono. Est cada vez mais fcil aderir moda verde12.

    Consideraes Finais

    Tornou-se imperativo a preservao ambiental. No mais uma luta apenas para

    ambientalistas e ecologistas, mas para todos os seres humanos. Embora tenham ocorrido diversas

    iniciativas na ltima dcada, esta-se chegando a um ponto crtico. Se no forem intensificadas as

    aes para promover a preservao ambiental, a vida no planeta Terra estar cada vez mais

    comprometida, seja das geraes futuras de humanos e ou dos demais seres vivos.

    O antropocentrismo deve dar lugar ao biocentrismo, em que se valoriza todas as formas de

    vida existentes no planeta Terra, considerando um que cada vida tem um valor inerente, portanto

    deve ser respeitada pelos humanos.

    12 www.manequim.abril.com.br/blog 18/03/2007.

    Ano 1, n.2, ago-dez 2008, pp. 30 - 42. ISSN 1982-615x 41

  • Modapalavra e-peridico

    O produto do vesturio de moda exerce forte influncia sobre as pessoas. Assim, propor

    produtos desenvolvidos com um apelo ecolgico um meio de estimular e consolidar o

    desenvolvimento sustentvel e o consumo consciente.

    Referncias Bibliogrficas

    CAMARGO, Ana Luiza de Brasil. O desenvolvimento sustentvel e os principais entraves sua

    implementao em mbito mundial. Dissertao de Mestrado apresentada no Programa de ps-

    graduao em Engenharia de Produo. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianpolis,

    2002.

    CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreenso cientfica dos sistemas vivos. So Paulo:

    Coltrix, 1996.

    COELHO, Maria Jos de Souza. Moda: um enfoque psicanaltico. Rio de Janeiro: Diadorim,

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    DE MASI, Domenico. O cio criativo. Rio de Janeiro, Ed. Sextante, 2000.

    ECO, Humberto et al. Psicologia do vestir. 3.ed. Lisboa: Assirio e Alvim, 1989.

    LIPOVETSKY, Gilles. O imprio do efmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas.

    So Paulo, Cia das Letras, 1989.

    LURIE, Alison. A linguagem das roupas. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

    MANZINI, E; VEZZOLI, C. O desenvolvimento de produtos sustentveis. Os requisitos

    ambientais dos produtos industriais. So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 2005.

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    Novos cenrios