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Sustentabilidade de agroecossistemas com barragens subterrâneas no semiárido brasileiro: a percepção dos agricultores na Paraíba 1 Sustainability of agroecosystems with subsurface dams in Brazilian semiarid: perception of farmers in Paraíba FERREIRA, Gizelia Barbosa 1 ; COSTA, Manoel Baltasar Baptista da 2 ; SILVA, Maria Sonia Lopes da 3 ; MOREIRA, Márcia Moura 4 ; GAVA, Carlos Alberto Tuão 5 ; CHAVES, Vanessa Carine 6 ; MENDONÇA, Cláudio Evangelista Santos 7 . 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Universidade Federal de São Carlos, Centro de Ciências Agrárias, Araras/SP - Brasil; Coordenadora do Projeto Cisternas na COFASPI, Jacobina/BA - Brasil, [email protected]; 2 Docente da Universidade Federal de São Carlos, Centro de Ciências Agrárias, Araras/SP - Brasil, [email protected]; 3 Pesquisadora da Embrapa Solos UEP Nordeste, Recife/PE - Brasil, [email protected]; 4 Engenheira agrônoma, Bolsista do CNPq, Embrapa Solos UEP Nordeste, Recife/PE - Brasil, [email protected]; 5 Pesquisador Embrapa Semiárido, Petrolina/PE - Brasil, [email protected]; 6 Geógrafa, Petrolina/PE - Brasil,[email protected]; 7 Mestre em Ciência do Solo, Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife/PE - Brasil, claudioesmendonç[email protected]. RESUMO A influência das barragens subterrâneas na sustentabilidade dos agroecossistemas do semiárido deve ser estudada a partir da dinâmica social dos agricultores e na relação destes com seu ambiente. Para isso, foram usadas metodologias qualitativas baseadas no Marco para a Avaliação de Sistemas de Manejo Incorporando Indicadores de Sustentabilidade - MESMIS e no Diagnóstico Rural Participativo – DRP, com o objetivo de avaliar a sustentabilidade, a partir de um diálogo que estimule a percepção e participação dos agricultores, em duas propriedades com barragens subterrâneas no semiárido do Estado da Paraíba, Brasil. Os parâmetros variam de insustentável (valor zero) a alta sustentabilidade (valor cinco). As famílias participantes do estudo, apesar de estarem a pouco tempo no processo de transição agroecológica, caminham em direção a um agroecossistema mais sustentável, tendo a barragem subterrânea como uma tecnologia em potencial para aperfeiçoar e equilibrar os processos ecológicos do sistema produtivo da agricultura familiar do semiárido. PALAVRAS-CHAVE: indicadores de sustentabilidade, agricultura familiar, participação, diálogo. ABSTRACT The influence of subsurface dams on the sustainability of semiarid agroecosystems should be studied from the social dynamics of farmers and their relationship with their environment. For this, qualitative methods were used based on the Evaluating the sustainability of Integrated Peasantry Systems – MESMIS Framework it and the Participatory Rural Appraisal - DRP in order to assess sustainability, from the perception of farmers, in two properties with subsurface dams in the semiarid of state of Paraiba, Brazil. The parameters vary from unsustainable (zero) to high sustainability (the value five). The two families in the study, although they are soon in the transition process agroecology, progress toward a more sustainable agroecosystem, and the underground reservoir as a potential technology to improve and balance the production process of family farming in the semiarid . KEY WORDS: indicators of sustainability, farms, participation, dialogue. Revista Brasileira de Agroecologia Rev. Bras. de Agroecologia. 6(1): 19-36(2011) ISSN: 1980-9735 Correspondências para: [email protected]. Aceito para publicação em 01/11/2010

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Sustentabilidade de agroecossistemas com barragens subterrâneasno semiárido brasileiro: a percepção dos agricultores na Paraíba1

Sustainability of agroecosystems with subsurface dams in Brazilian semiarid: perceptionof farmers in Paraíba

FERREIRA, Gizelia Barbosa1; COSTA, Manoel Baltasar Baptista da2; SILVA, Maria Sonia Lopes da3;MOREIRA, Márcia Moura4; GAVA, Carlos Alberto Tuão5; CHAVES, Vanessa Carine6; MENDONÇA,Cláudio Evangelista Santos7.

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Universidade Federal deSão Carlos, Centro de Ciências Agrárias, Araras/SP - Brasil; Coordenadora do Projeto Cisternas na COFASPI,Jacobina/BA - Brasil, [email protected]; 2 Docente da Universidade Federal de São Carlos, Centro deCiências Agrárias, Araras/SP - Brasil, [email protected]; 3 Pesquisadora da Embrapa Solos UEP Nordeste,Recife/PE - Brasil, [email protected]; 4 Engenheira agrônoma, Bolsista do CNPq, Embrapa Solos UEPNordeste, Recife/PE - Brasil, [email protected]; 5 Pesquisador Embrapa Semiárido, Petrolina/PE - Brasil,[email protected]; 6 Geógrafa, Petrolina/PE - Brasil,[email protected]; 7 Mestre em Ciência doSolo, Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife/PE - Brasil, claudioesmendonç[email protected].

RESUMOA influência das barragens subterrâneas na sustentabilidade dos agroecossistemas do semiárido deveser estudada a partir da dinâmica social dos agricultores e na relação destes com seu ambiente. Paraisso, foram usadas metodologias qualitativas baseadas no Marco para a Avaliação de Sistemas deManejo Incorporando Indicadores de Sustentabilidade - MESMIS e no Diagnóstico Rural Participativo –DRP, com o objetivo de avaliar a sustentabilidade, a partir de um diálogo que estimule a percepção eparticipação dos agricultores, em duas propriedades com barragens subterrâneas no semiárido doEstado da Paraíba, Brasil. Os parâmetros variam de insustentável (valor zero) a alta sustentabilidade(valor cinco). As famílias participantes do estudo, apesar de estarem a pouco tempo no processo detransição agroecológica, caminham em direção a um agroecossistema mais sustentável, tendo abarragem subterrânea como uma tecnologia em potencial para aperfeiçoar e equilibrar os processosecológicos do sistema produtivo da agricultura familiar do semiárido.PALAVRAS-CHAVE: indicadores de sustentabilidade, agricultura familiar, participação, diálogo.

ABSTRACTThe influence of subsurface dams on the sustainability of semiarid agroecosystems should be studiedfrom the social dynamics of farmers and their relationship with their environment. For this, qualitativemethods were used based on the Evaluating the sustainability of Integrated Peasantry Systems –MESMIS Framework it and the Participatory Rural Appraisal - DRP in order to assess sustainability, fromthe perception of farmers, in two properties with subsurface dams in the semiarid of state of Paraiba,Brazil. The parameters vary from unsustainable (zero) to high sustainability (the value five). The twofamilies in the study, although they are soon in the transition process agroecology, progress toward amore sustainable agroecosystem, and the underground reservoir as a potential technology to improve andbalance the production process of family farming in the semiarid .KEY WORDS: indicators of sustainability, farms, participation, dialogue.

Revista Brasileira de AgroecologiaRev. Bras. de Agroecologia. 6(1): 19-36(2011)ISSN: 1980-9735

Correspondências para: [email protected] para publicação em 01/11/2010

IntroduçãoA região semiárida brasileira ocupa uma área

de 969.589,4 km² englobando 1.133 municípios deacordo com o dimensionamento realizado em 2005pelo Ministério da Integração Nacional (BRASIL,2005). Essa região é habitada por mais de 18milhões de pessoas (BRASIL, 2005), queconvivem com índices médios anuais deprecipitações pluviométricas inferiores a 800 mm,concentradas em quatro meses do ano eassociadas a elevadas taxas de evapotranspiração(2000 mm/ano) (MOURA et al. 2007), possuindoassim, características que limitam as práticasagrícolas aos períodos de chuva.

O acesso a água, fator limitante dodesenvolvimento regional, está aumentandonessas regiões através de tecnologias decaptação, armazenamento e conservação da águada chuva, através das políticas públicas, deprojetos de pesquisa e extensão ou da ação deOrganizações Não Governamentais. Essastecnologias têm transformado a vida do agricultorfamiliar do semiárido brasileiro, permitindo que osmesmos cultivem alimentos tanto para o sustentoda família, quanto para animais, produzindo,muitas vezes, excedentes para a comercializaçãolocal.

Dentre as tecnologias disponíveis, as barragenssubterrâneas cumprem um papel importante nademocratização do acesso a água no semiáridonordestino. Essa tecnologia, utilizada há muitosanos por agricultores tradicionais no Nordeste, eestudada desde o início da década de 1980, vemproporcionando mudanças profundas nosagroecossistemas familiares do semiárido atravésda função de manutenção da água no solo,permitindo assim cultivos por um período maislongo.

Segundo Brito et. al. (1989), a barragemsubterrânea é uma técnica de armazenar água dachuva no subsolo, e tem por objetivo “à exploraçãode uma agricultura de vazante e/ou subirrigação”.

A barragem funciona como um barramento deágua subterrânea, proveniente das chuvas, atravésde uma parede/septo impermeável que pode serconstruído com alvenaria ou com uma lonaplástica, ambos eficientes, diferenciandoprincipalmente em relação ao custo (Figura 1). Osolo se mantém úmido por um maior períodoporque a “água proveniente da chuva se infiltralentamente, criando e/ou elevando o nível dolençol freático, que será utilizado posteriormentepelas plantas” (SILVA et al., 2007a).

O forçamento ecológico produzido pelaimplantação da barragem é um fator que influenciana sustentabilidade dos agroecossistemas,podendo ser minimizado pelas práticas de manejoutilizadas. Aqui a sustentabilidade parte doconceito de Sevilla-Guzmán, como “condição paraque um agroecossistema possa manter suaprodução através do tempo, superando um lado astensões e forçamentos ecológicos e, por outro, aspressões socioeconômicas” (SEVILLA-GUZMÁN,1995).

As barragens alteram práticas ecológicas,sociais e econômicas, porém essas mudançaspodem ser positivas ou negativas, uma vez quedependem, dentre outros fatores, da apropriaçãoda tecnologia pela família agricultora, pois são oscomponentes da família que, enquanto atores,promovem as transformações em seusagroecossistemas. Sem a apropriação pela famíliaa tecnologia não funciona, não é utilizada e nãocumpre sua função ecológica, social e econômicadentro da propriedade.

A barragem subterrânea é uma alternativatecnológica que, em conjunto com outrastecnologias de captação e armazenamento deágua da chuva, pode colaborar efetivamente paraque os agricultores e agricultoras do semiáridoconsigam a sustentabilidade de seus sistemasprodutivos, desde que as práticas de manejoadotadas nessas áreas sejam condizentes com

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consigam a sustentabilidade de seus sistemasprodutivos, desde que as práticas de manejoadotadas nessas áreas sejam condizentes comcada realidade.

O uso de adubos químicos solúveis,agrotóxicos, mecanização e monocultivos nasáreas de plantio das barragens subterrâneaspodem acelerar os processos de degradação dossolos, devido ao ambiente artificial criado por essatecnologia, no qual a água fica parada no solo porum período de tempo significativo, o que, aliadoaos altos níveis de evaporação e aos solos combaixos teores de matéria orgânica (características

das áreas do semiárido) e elevadas concentraçõesde sais na área de contribuição da barragem,podem aumentar a possibilidade de processos desalinização, de desestruturação e conseqüenteerosão. A locação de barragem em locaisinadequados também potencializa essesprocessos, sendo o risco de salinização, apontadopor Azevedo et. al. (2008), a principaldesvantagem da barragem subterrânea.

Para avaliar a sustentabilidade deagroecossistemas com barragens subterrâneas nosemiárido acredita-se que o primeiro passo éestudar a dinâmica social dos agricultores, em

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Figura 1: Desenho esquemático do funcionamento da barragem subterrânea. Adaptado dewww.irpaa.org (Desenho: Jhones Gomes Lopes). Fonte: SILVA et al., 2007b.

propriedades individuais e nas comunidades,podendo abranger também o território, sendo esseum estudo mais aprofundado e demorado. Taisestudos são essenciais para entender a relaçãodos agricultores com o ambiente, assim como suaspráticas de manejo. Em razão do fator tempo, nopresente estudo optou-se por estudar aspropriedades de forma individualizada.

A sustentabilidade dos agroecossistemas,avaliada através dos princípios da Agroecologia,deve partir de uma observação aprofundada dadinâmica e das interações bióticas que ocorrem nosistema em questão, levando em conta trêsdimensões básicas que compõem um sistema:social, econômica e ambiental, podendo haversubdimensões ligadas a estas, como a cultural e aética. Na dimensão social e na ambiental, serãoobservados os componentes dosagroecossistemas e suas interações, assim comotrajetórias de vida, relações de trabalho,comercialização, organização social, autonomia,geração de renda, solos, diversidade faunística eflorística, variedades cultivadas, condiçõesclimáticas, adaptabilidade das plantas aoecossistema, acesso a água entre outros.

A avaliação das interações entre oscomponentes de um agroecossistema deve serfeita através de um processo participativo,envolvendo os agricultores locais e principalmente,sendo um processo cíclico, no qual o fim de umaetapa retroalimentará a etapa seguinte,promovendo mudanças significativas e gerando umnovo nível de organização ecológica, social eeconômica.

Diante do exposto, o presente trabalho tem porobjetivo avaliar a sustentabilidade deagroecossistemas com barragens subterrâneas nosemiárido brasileiro, a partir da percepção dosagricultores, utilizando indicadores desustentabilidade baseados nos sete atributosgerais sugerido por Masera et al. (1999).

Material e métodos

O estudo foi realizado em duas propriedadesuma na mesorregião Agreste do Estado daParaíba e outra, na microrregião do CurimataúOcidental, ambas sob clima semiárido. A escolhadas propriedades se deu através de dois critérios:mesmo tempo de implantação, e por ambaspertencerem a assentamentos rurais, esta última,definiu o estudo comparativo para apenas duas,porque no período da pesquisa, não existiamoutros assentados próximos, com acesso atecnologia, para que possibilitassem acomparação dos sistemas. Ressalta-se que esseestudo vem sendo feito em três Estados da regiãoNordeste com agricultores tradicionais.

A propriedade 01, localizada na cidade deRemígio, no Assentamento Oziel Pereira (latitude06° 89’ 67” S, longitude 35° 80’ 09” W), pertenceà Família Pereira. A Senhora A. P., cônjuge e filhosorganizaram-se em 10 hectares de área deprodução e uma área de 500 metros na agrovila,onde ficam a casa e a “faxina”2, tendo como forçade trabalho principalmente a família, composta porsete pessoas (duas crianças, três adolescentes, opai e a mãe). Possui três tanques, o maior comcapacidade para nove mil litros de água, umacisterna, uma barragem subterrânea (1ha) e otanque coletivo.

A propriedade 02, localizada na cidade deSolânea, no Assentamento Pedro Henrique(latitude 06° 78’ 56” S, longitude 35° 76’ 074” W),Sítio Ramada, pertence à Família Santos.Organizada em 18 hectares de área de produção,duas cisternas, uma barragem subterrânea (1ha),um barreiro coletivo e um tanque coletivo. Afamília é composta por cinco pessoas, sendo doisadultos (pai e mãe), dois adolescentes e umacriança.

As metodologias utilizadas foram baseadas emparte no Marco para la Evaluación de Sistemas deManejo Incorporando Indicadores deSustentabilidad - MESMIS (MASERA et al., 1999)

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e no Diagnóstico Rural Participativo –DRP(VERDEJO, 2006), onde optou-se por uma análisecomparativa e qualitativa entre os doisagroecossistemas citados, estabelecendoparâmetros máximos e mínimos para osindicadores de sustentabilidade sugeridos.

Nas atividades com os agricultores e seusfamiliares foram utilizadas dinâmicas de grupo,buscando-se estimular a participação da famílianas atividades e na construção coletiva dasferramentas propostas, chegando-se assim a umavisão mais ampla da propriedade e daspercepções que cada indivíduo (mulher, homem,adolescente e/ou criança) tem de seu ambiente edas transformações que ocorreram e ocorrem apartir do momento que são implantadas astecnologias apropriadas para a realidade dosemiárido.

A pesquisa foi dividida em duas etapas:A primeira etapa consistiu no diagnóstico

baseado no Diagnóstico Rural Participativo – DRP,utilizando as seguintes ferramentas: Observaçãoparticipante, entrevista semi-estruturada,construção de mapas de recursos naturais dapropriedade, construção de calendário deatividades (homens, mulheres e crianças),calendário sazonal, calendário de culturas e diáriode campo (agricultores). Todos os diálogos foramgravados (áudio) com o consentimento dosagricultores.

Foi coletado solo, em conjunto com osagricultores, em três ambientes (área doroçado/sistema convencional, barragemsubterrânea e mata nativa) de cada propriedadepara determinação do carbono da biomassamicrobiana e da respiração basal do solo, valoresesses analisados segundo a metodologia de De-Polli e Guerra (1997), e os resultadosapresentados aos agricultores na segunda etapa,para avaliação das propriedades biológicas dosolo.

A primeira etapa visou criar uma relação inicial

com os agricultores e um melhor entendimentodos agroecossistemas buscando a compreensãodas dinâmicas sociais, ambientais e econômicasexistentes, definindo assim os pontos críticos quesão a base para a construção dos indicadores (aterceira fase do MESMIS), os quais não foramconstruídos de forma participativa, por questão detempo. Participaram ativamente da pesquisa, seispessoas da Família Pereira (exceto o marido, porestar viajando) e quatro da Família Santos (excetoa criança, por ter menos de dois anos de idade).

A segunda etapa consistiu de uma avaliaçãodos indicadores, a partir das observaçõesrealizadas na primeira etapa e nos seis meses deobservação (monitoramento dosagroecossistemas), como a quarta fase doMESMIS.

Os indicadores foram divididos em trêsdimensões: ambiental, social e econômica, econstruídos segundo o MESMIS (Tabela 1)buscando congregar os elementos que compõemo agroecossistema e que sofreram influênciaantrópica e da implantação da barragemsubterrânea.

Estas dimensões podem ser avaliadas,segundo Masera et al. (1999), a partir de seteatributos gerais: produtividade, equidade,estabilidade, resiliência, confiabilidade,adaptabilidade/flexibilidade e autonomia. Osautores sugerem também que para avaliar estesatributos, devem ser construídos critérios dediagnóstico e indicadores. Deponti et al. (2002)acrescenta a necessidade do uso de parâmetrospara determinar o nível de sustentabilidade dosagroecossistemas.

O objetivo dessa segunda etapa foi discutir eavaliar os indicadores com os agricultores,construindo gráficos de radar para cada dimensão.Nesse processo de diálogo o agricultor avalioucada indicador, ressaltando as potenciais causasdos problemas detectados e a influência dabarragem subterrânea e das outras tecnologias de

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captação de água da chuva nestes. E dentro dessediálogo surgiram questionamentos e propostaspara melhor adequar os valores de cada indicador.Os parâmetros utilizados para cada indicadorsugerem níveis de sustentabilidade maiores oumenores, sendo 5 - nível alto de sustentabilidade, 4- nível bom, 3 - nível razoável, 2 - nível baixo, 1-nível muito baixo e 0- insustentável.

Resultados e discussão

Na primeira etapa da pesquisa, foi constatadoque os pontos críticos dos agricultores eram aprodução durante o período seco, problema essedecorrente da sazonalidade das chuvas nosemiárido nordestino, e a comercialização dosprodutos agrícolas. Nesta etapa constou umdiagnóstico e a sensibilização dos agricultores

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Tabela 1: Atributos, descritores, critérios de diagnóstico para a construção de indicadores desustentabilidade em agroecossistemas com barragens subterrâneas no semiárido brasileiro. Remígio eSolânea, Paraíba, 2009.

para a realização do monitoramento nas duaspropriedades. Na construção dos mapas elesperceberam a organização de suas propriedades eo que poderia ser modificado, ou melhorado, essemesmo fato ocorreu na elaboração do calendáriode atividades, de distribuição de tarefas e decultivos, onde organizaram o que produziam,quando produziam, e as responsabilidades decada um dentro da propriedade. Essa primeira fasefacilitou a compreensão dos agricultores sobre aimportância do monitoramento, para quepudessem melhor identificar as limitações e aspotencialidades de seu ambiente.

A segunda etapa consistiu na avaliação dosindicadores de sustentabilidade ambiental, social eeconômica, pré-estabelecidos quando darealização do diagnóstico da primeira fase. Osagricultores avaliaram suas propriedades e suas

realidades, a partir de 49 indicadores construídoscom base no MESMIS (Tabela 1). Esse processodurou em torno de quatro a cinco horas, entreavaliação e construção dos gráficos de radar,cujas pontuações ocorreram segundo osparâmetros pré-estabelecidos.

Ao finalizar as avaliações dos indicadores, osgráficos foram apresentados a família (Figura 2)para que avaliassem em quais dimensões estavamcom mais limitações e o porquê, sugerindotambém possíveis soluções. Buscou-se estimular aidéia de interação entre um gráfico e outro, entreuma dimensão e outra, ressaltando que osproblemas ambientais podem estar relacionadosaos problemas sociais e econômicos e vice-versa.

A interpretação dos resultados foi feitaposteriormente, de forma comparativa, observandoas duas propriedades e a avaliação individual de

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Fontes: Masera et al. (1999), e Pesquisa de campo, 2009.

cada família.Os 49 indicadores ficaram divididos em: 17

ambientais e técnico-agronômicos, 16 sociais e 16econômicos, inicialmente com parâmetros variandode 1 a 5, mas para alguns indicadores osagricultores atribuíram o valor 0, revelando que arealidade é muito pior do que o parâmetro 1sugerido.

A Propriedade 01 obteve nível razoável desustentabilidade (3,1), a partir das médias 3,4; 2,8;e 3,0 obtidas para as dimensões ambiental, sociale econômica, respectivamente. Enquanto que aPropriedade 02 alcançou nível bom, com médiageral 4,1, obtida através das médias, 4,1; 4,2 e 4,3,para dimensão ambiental, social e econômica,respectivamente.

Os três gráficos (Figuras 3, 4 e 5), mostram osvalores atribuídos pelos agricultores a partir dosparâmetros sugeridos, observando que aPropriedade 01, mesmo tendo a área da barrageme o roçado com policultivos (mais de 30 espéciesentre olerícolas, frutíferas, tubérculos, forrageiras,entre outras), teve a dimensão ambiental aindacomo razoável na média geral. Enquanto que a

dimensão ambiental na propriedade 02 foi avaliadacomo boa (média 4,1), apesar de ter policultivosapenas na área da barragem subterrânea, e noroçado monocultivos de feijão, fava ou milho(embora muitas vezes estes tenham sidocultivados em consórcio).

A diferença entre as duas propriedades deve-sea diversidade das outras áreas de cultivo, fora dasbarragens subterrâneas. A propriedade 01demonstrou uma maior diversidade, fato esse queinterfere positivamente em todas as dimensões dasustentabilidade, apesar da família ainda avaliarcomo razoável.

Segundo Sabourin (2002),

“os agroecossistemas tradicionais efamiliares do semiárido, em sua grande maioriasão policultivos. A partir de 1988, amicrorregião do Curimataú paraibano aumentouas áreas de milho/feijão, saindo de ciclos demonocultivos de mamona, algodão e sisal, epossuindo em torno de seis subsistemas decultivos em cada agroecossistema”,

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Figura 2: Avaliação dos indicadores de sustentabilidade em agroecossistemas com barragenssubterrâneas na Paraíba. Propriedade 01- Sra. A. P. e família, Propriedade 02- F.A.L.S. e família.Municípios Remígio e Solânea, Paraíba, 2009. Fotos: Márcia Moura Moreira.

mas sem muita interação entre os mesmos,sendo esse um ponto crítico dessesagroecossistemas.Na avaliação da sustentabilidade ambiental e

técnico-agronômica (Figura 3), os indicadores de12 a 15 tiveram valores muitos baixos naPropriedade 01, sugerindo uma vulnerabilidade dosistema produtivo à pragas, doenças e, ainda, aosfenômenos climatológicos, sendo o principal a secaprolongada.

As duas famílias afirmam que apesar das

tecnologias de captação e armazenamento deágua da chuva terem proporcionado melhorias napropriedade elas ainda sofrem, em menorproporção, com os períodos de seca. Ressaltamque a barragem proporcionou mudanças noshábitos alimentares, permitindo uma maiordiversificação de cultivos (Indicador 9, Figura 2), econsequentemente uma maior variedade dealimentos disponíveis.

Nas duas propriedades a avaliação dasustentabilidade ambiental (Figura 3) demonstra

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Figura 3: Avaliação de sustentabilidade ambiental e técnico-agronômica em duas propriedades combarragens subterrâneas no semiárido da Paraíba. Municípios Remígio e Solânea, Paraíba, 2009. Obs: 5- nível alto de sustentabilidade; 4 - nível bom; 3 - nível razoável; 2 - nível baixo; 1- nível muito baixo e 0-nível insustentável.

que muito dos problemas detectados sãoprovenientes do manejo do agroecossistemas e danecessidade de mais tecnologias apropriadas.Confirmando o que afirma Fernandez e Garcia(2001):

“a falta de sustentabilidade ambiental em umagroecossistema pode ter origem na destruiçãodos recursos renováveis, mas pode, também,ser conseqüência da utilização de tecnologias

inadequadas ou da inexistência de tecnologiasadequadas”.

As duas propriedades construíram suasbarragens subterrâneas há dois anos, e o manejoagroecológico é uma realidade que vem sendoconstruída sob a orientação de ONGs que vêmtrabalhando com agroecologia e desenvolvimentorural no agreste paraibano desde a década denoventa, seguindo princípios estabelecidos por

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Figura 4: Avaliação de sustentabilidade social em duas propriedades com barragens subterrâneas nosemiárido da Paraíba. Municípios Remígio e Solânea, Paraíba, 2009. Obs: 5 - nível alto desustentabilidade; 4 - nível bom; 3 - nível razoável; 2 - nível baixo; 1- nível muito baixo e 0- nívelinsustentável.

Altieri (2002), que norteiam agroecossistemasmais resilientes, a exemplo de manejos quepromovam mecanismos de regulação biológica(antagonismo, alelopatia, etc), bem como odesenvolvimento e utilização de variedades ouespécies resistentes a pragas e doenças(fitopatológicas ou zoonoses).

Dentro deste contexto, ressalta-se aimportância do manejo das plantas espontâneas,visando proporcionar ou desfavorecer

microhabitats que possam beneficiar ou não oaparecimento de pragas e doenças, aspecto este,discutido amplamente com os agricultores.

Na área de plantio da barragem subterrânea écomum a utilização da prática agrícola de roçar asplantas espontâneas e deixar tal biomassa nasuperfície como cobertura do solo. O mesmo nemsempre acontece nos roçados fora das barragenssubterrâneas, nos quais às espontâneas sãoretiradas da área de cultivo, deixando o solo

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Figura 5. Avaliação de sustentabilidade econômica em duas propriedades com barragens subterrâneasno semiárido da Paraíba. Municípios Remígio e Solânea, Paraíba, 2009. Obs: 5 - nível alto desustentabilidade; 4 - nível bom; 3 - nível razoável; 2 - nível baixo; 1- nível muito baixo e 0- nívelinsustentável.

descoberto, exposto a intempéries. Os agricultoresparticiparam de vários cursos e sensibilizaçõessobre a Agroecologia, estas, organizadas pororganizações não governamentais e pelo PóloSindical da Borborema, mas ainda estão emprocesso de transição agroecológica, sendo queiniciaram em uma parte da propriedade (barragemsubterrânea) e um deles ainda não ampliou para oroçado de milho e feijão.

Apesar de realizarem muitas práticas positivas,as famílias ainda estão caminhando em busca demais práticas sustentáveis. Vale ressaltar que ouso de agrotóxicos não é feito em nenhuma daspropriedades, fruto de um direcionamento domovimento social do qual fazem parte na luta pelareforma agrária.

A dimensão social (Figura 4) foi avaliada naPropriedade 01 (Família Pereira) com valoresmenores do que a propriedade 02 (FamíliaSantos), devido ao fato de que a família ainda éconstituída por uma maioria de crianças, o queimpossibilita uma realização de trabalhos maispesados.

A família ressaltou também, que gostaria dediminuir o endividamento, fato esse procedente deum empréstimo bancário para promover melhoriasna propriedade. Outro indicador que osagricultores avaliaram diferentemente foi o direitosobre a propriedade. Ambas são assentadas dereforma agrária e não possuem o título da terra, aoque um dos agricultores (Propriedade 02) afirma:

“Eu ainda não entendi que direito eu tenhonessa propriedade. Porque até hoje eu nãorecebi nenhum papel. A gente recebeu só umtermo, um termo de compromisso, eu sei queduas testemunhas assinaram e só isso. Aí eufico com medo de lutar, de investir. Eu investimuito. No início eu gastei muito, aumentei acasa e fiz a cocheira, cerquei a terra toda,quanto de serviços que eu paguei. Se você

compra uma terra e não veste ela, é igual auma loja, se não colocar mercadoria nãoconsegue viver. Eu queria que alguém dogoverno fosse lá e desse uma palestraexplicando o direito que a gente tem. Porque aterra é minha, mas tem gente que diz que nãoé.” F.A.L.S., Assentamento Pedro Henrique,Solânea, Paraíba, 2009.

Outra agricultora (Propriedade 01) completa,afirmando que:

“A gente só vai ter direito ao titulo da terradepois de 15 anos. Por enquanto eu não queroo título, enquanto eu estiver aqui produzindo aterra é minha.” A. P., Assentamento OzielPereira, Remígio, Paraíba, 2009.

Mesmo os dois afirmando o direito sobre apropriedade, a Sra. A.P. avaliou o indicador comoainda irregular, pois ainda não tem o título.Enquanto Sr. F.A.L.S. preferiu avaliar com o valormáximo.

Quanto à pluriatividade, o indicador 15 (Figura4), referente ao tempo gasto com atividades forada propriedade, mostrou que nas duas famíliasexistem indivíduos pluriativos. Um exemplo é o Sr.F.A.L.S. (Propriedade 01) que exerce funções deagricultor, criador, apicultor e pedreiro, mas queem 2009 teve 70% do seu tempo investido ematividades de pedreiro (construção de cisternas naregião de Arara, Paraíba). Função essa que exercejunto com a filha. O restante do tempo foi utilizadoem outras atividades, sendo que boa parte foi nabarragem subterrânea, com a indispensável ajudado filho mais velho. O Sr. F.A.L.S. explica essadiversificação de suas atividades:

“Até setembro (2009) eu vou ficar maisdireto nas cisternas, porque tem meta, tem quecumprir, até setembro tem que entregar essas

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42 cisternas. Depois é que vou ficar mais tempona propriedade. Tem que dividir o tempo, maseu não to pudendo passar mais tempo lá porcausa desse trabalho que eu to fazendo.”F.A.L.S., Assentamento Pedro Henrique,Solânea, Paraíba, 2009.

Na família da Sra. A. P. (Propriedade 02), omarido dela, também agricultor, criador e pedreiro,optou por passar o ano de 2009 viajando com umaempresa de construção, com o objetivo deconseguir recursos para melhorar a propriedade.Segundo ela:

“A gente já sentou e discutiu isso, porque eleestá saindo agora que é uma forma de melhorara propriedade pra não ser preciso ele sair mais.Ele teve que trabalhar fora porque o ganho queele conseguir lá é bom, e o ganho que eleconseguir não vai precisar investir na gente, vaiser só pra o roçado. Vai ser só para investir embenfeitorias. O sonho dele é ficar só até junho(2010) e depois ele vai ficar direto em casa. Eleestá em Tocantins, vai pra São Paulo e depoispara Maceió. Quando ele sai de um Estado elevem em casa, passa uns 15 dias. Mas ele temque ficar uns tempos assim pra juntar recursospra gente fazer benefícios pra gente nãoprecisar se separar.” Sra. A. P., AssentamentoOziel Pereira, Remígio, Paraíba, 2009.

As famílias optaram pela pluriatividade comouma estratégia de aumentar a renda doméstica,porque a propriedade não gerava a quantianecessária (em dinheiro ou alimento) paramanutenção da família, principalmente no períodode seca. Nesse aspecto, os agricultoressalientaram a importância das tecnologias decaptação e armazenamento de água no processode geração de alimentos para o autoconsumo,promovendo, desta forma, a manutenção dasfamílias na propriedade. Destacando que, no

passado, os (as) agricultores (as) não teriam comoproduzir em determinados meses do ano,dedicando-se a outras atividades agrícolas e não-agrícolas.

A pluriatividade, nesta realidade, também podeser atribuída à intensa participação social dosagricultores da Paraíba, nos sindicatos, nas ONGse nas associações, onde alguns exercematividades remuneradas relacionadas a projetosligados a convivência com o semiárido, comopedreiros ou coordenadores de obras, como é ocaso do Sr. F.A.L.S. e de sua filha (Propriedade02).

A diversificação de atividades, segundoSchneider (2003), é uma estratégia (consciente ouinconsciente) que os agricultores familiarescriaram para garantir a sua reprodução social,econômica, cultural e de práticas agrícolas,levando os homens e mulheres do campo abuscarem novas formas de gerar renda para apropriedade.

Outro indicador que chama a atenção é aperspectiva dos jovens continuarem na terra.Apenas um dos filhos em cada propriedadepretende continuar, fato preocupante para areprodução dos conhecimentos da agriculturafamiliar daquele território. O rural hoje não ofereceà juventude estímulos para aí continuarem.Formados com uma visão urbana (todos estudamna cidade), a juventude desse rural valoriza mais acidade, sua visão de desenvolvimento e o padrãode “conforto urbano” (WANDERLEY, 2000).

As duas famílias não têm acesso a lazer ecultura. O espaço “sociocultural profano” relatadopor Sabourin (2001) e que “corresponde às festasdo ciclo familiar (matrimônios e funerais, escola eformatura) e às festas locais (jogos de futebol,corridas, vaquejadas, São João e festas do santopadroeiro)” não existe no cotidiano das duasfamílias. Na família Pereira, a mãe ressalta que asduas filhas mais velhas não são muito ligadas areligião e as crianças brincam somente no quintal

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da casa, limitando a socialização ao ambienteescolar urbano. Na Propriedade 02, o filho maisvelho pretende continuar no campo, enquanto afilha do meio prefere a cidade.

Uma hipótese sobre este êxodo da juventuderural para o urbano é um rural sem políticaspúblicas que estimulem sua reprodução social.Como sugere Abramovay (2005),

“uma verdadeira política de desenvolvimentorural deve associar a atribuição de ativos aosjovens - dos quais o mais importante é umaeducação de qualidade - com o estímulo a umambiente que estimule a formulação de projetosinovadores que façam do meio rural, para eles,não uma fatalidade, mas uma opção de vida".

Assim, as mudanças que vem ocorrendo nasduas propriedades podem mudar a pretensãodesses jovens futuramente, desde que tenha oacesso à qualidade de vida, no campo.

Outro fato que se observou a partir dosindicadores é que as duas famílias têm umaparticipação social efetiva na comunidade local,em ONG`s, Associações, Cooperativas, Sindicatos,entre outros, facilitando seu acesso a informações.Esta participação ativa possibilita intercâmbios queproporcionam capacitações e geração deconhecimentos, resultando na assimilação dasinovações que geralmente são utilizadas napropriedade e nas relações familiares, desde adivisão de trabalho que a família tem napropriedade, até a organização, o respeito e aunião. Esta participação social é estimulada pelasredes locais, entre elas as atividades do PóloSindical da Borborema, que é composto poragricultores de 10 cidades, entre elas estão osmunicípios Remígio e Solânea, e é hoje o motor demuitas mudanças na agricultura familiar do agresteParaibano.

Em relação à dimensão econômica Altieri(2004) afirma que a agricultura sustentável

encontra-se ancorada na manutenção daprodutividade e lucratividade das unidades deprodução agrícola, minimizando ao mesmo tempoimpactos ambientais, buscando através daatividade econômica, suprir as necessidadespresentes, sem restringir as opções futuras. Masalerta que, ao abordar isoladamente a dimensãoeconômica, podem surgir dados que ameacem asustentabilidade agrícola, pois não foram levadosem consideração os aspectos sociais eambientais.

Nesse estudo, a dimensão econômica interageintrinsecamente com as outras dimensões,mostrando que as avaliações feitas pelosagricultores mantêm a mesma lógica em todo oprocesso. Observando a figura 5, a propriedade 01continuou obtendo valores razoáveis desustentabilidade (3,0), e a propriedade 02 avaliadacom uma média boa (4,0). Mas apesar deseguirem os mesmos indicadores de avaliação, arealidade não se mostra como avaliada, pois, porexemplo, apesar do prejuízo que o Sr. F.A.L.S.(Propriedade 01) disse que teve em 2009, eleavaliou o indicador 4 (Figura 4) como bom (4,0).Enquanto que a Sra. A. P. (Propriedade 02) disseque o custo/benefício desse ano foi “bom demais”,mas deu uma nota próximo do razoável (3,0). Essefato pode indicar que as duas famílias têmdiferentes compreensões e percepções sobre oque é sustentabilidade e sobre cada realidadeobservada.

A figura 05 também mostra diferentesabordagens em relação a alguns indicadores, porexemplo, mesmo querendo reduzir o grau deendividamento, as famílias questionam o nãoacesso a créditos e financiamentos bancários,avaliando como baixo a muito baixo, sugerindoque o acesso deveria ser melhor. Um aspecto quea Família Pereira observou foi:

“A gente já fez crédito. Tem acesso, tem oacesso fácil, mas quando chega a burocracia

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do banco, não é essas coisas não... Elesexigem muitas coisas e eles trabalham com oagricultor de uma forma que no futuro, depoisdo projeto implantado é que a gente vai ver quese fizesse do nosso jeito tinham maiorcapacidade de desenvolvimento do que com osprojetos deles”. Sra. A. P., Assentamento OzielPereira, Remígio, Paraíba, 2009.

Um dos principais indicadores econômicos é adiversificação de mercados e produtos, pois asduas famílias possuem mais de um meio decomercialização. Para a propriedade 01, o principalcanal é a Feira Agroecológica semanal (sexta-feira), em conjunto com a Feira comum da cidadede Remígio, também semanal (domingo). Essesdois canais de comercialização direta com oconsumidor mostram que há autonomia noprocesso de comercialização dos produtos. Outrocanal de comercialização é a Companhia Nacionalde Abastecimento- CONAB. A família Pereiraressalta que “tudo que é produzido, é consumido etambém vendido”, resultando também em umaautonomia, ou seja, na “capacidade do sistemapara regular e controlar suas interações com oexterior” (MASERA et al., 1999).

Nos sistemas tradicionais da região os produtoscomercializados variam de acordo com as chuvas.

A barragem subterrânea permitiu que houvesseuma produção mais contínua mesmo nos períodossecos e uma diversificação dos produtos duranteum maior período do ano, gerando renda ealimento para o auto-aprovisionamento (Figura 6).

Na propriedade 02 os alimentos produzidos nabarragem subterrânea, apesar de diversificados,ainda não tem um canal de comercializaçãodefinido, sendo utilizados principalmente para oauto-aprovisionamento. A venda geralmente é feitaaos atravessadores, que estabelecem um preçomuito abaixo dos custos de produção do produto,ou diretamente aos consumidores que frequentama propriedade. O mel é o produto principal dapropriedade, sendo comercializado através de umaCooperativa diretamente com a CONAB e outros.Eles ressaltam que:

“Só faz um ano que eu botei o mel praCONAB, antes eu vendia tudo para as pessoas.Hoje a gente não pode, tem que tercompromisso com a cooperativa. Mas eu aindavendo assim, direto, mas é pouco. Mas nacooperativa tem outros compradores que não éa CONAB. Esse ano foi 30 mil quilos para aCONAB. O mel de estoque não foi vendidopara a CONAB, foi para outras pessoas. Ofeijão e o milho eu vendo a atravessador. “Esse

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Figura 6: Produção contínua e diversificação de produtos proporcionados pelo uso da barragemsubterrânea (a- período seco; b- período chuvoso). Fotos: Gizelia Barbosa Ferreira.

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ano, feijão eu não vendi muito não, porque ofeijão eu deixo para comer.” Sr. F.A.L.S.,Assentamento Pedro Henrique, Solânea,Paraíba, 2009.

Apesar das possibilidades que a Cooperativaoferece esse canal ainda não é utilizado paraoutros produtos, demonstrando que aindadependem dos atravessadores no processo decomercialização, o que se reflete negativamente nabusca pela autonomia.

A partir da diversificação promovida pelabarragem subterrânea estão ocorrendo mudançasna adaptabilidade e autonomia do sistemaprodutivo da Família Pereira (Propriedade 01),principalmente na comercialização, pois prioriza osmercados locais, feiras, e tem uma organização daprodução que visa principalmente à alimentaçãoda família.

Fato também semelhante entre as propriedadesé a contratação de mão-de-obra. Isso ocorreporque as famílias possuem poucos membros(Propriedade 02) ou porque os membros não têmidade para realizar trabalhos pesados (Propriedade01). Os produtos da Família Pereira estão emprocesso de certificação agroecológica através doPólo sindical, que reuniu as Feiras Agroecológicasdas dez cidades em que atua, e criou a marcaEcoborborema. Por enquanto, a Família Santosconseguiu que, através da cooperativa, o meltenha marca própria.

O indicador 14 - Participação e operaçõeseconômicas realizadas em grupos (associações,cooperativas, sindicatos) - (Figura 5), é traduzidonessa região por Fundos Rotativos Solidários, quesegundo a Sra. A. P., mostra a organização dosagricultores da região e potencialmente acapacidade de auto-gestão desses agricultores.

Através dessa avaliação é possível perceberque as três dimensões interagem. A dimensãoambiental e técnico-agronômica, assim como asdemais dimensões ainda em transição para uma

agricultura de base ecológica, atua como umlimitante para as dimensões social e econômica, eestas, muitas vezes, como limitantes da dimensãoambiental, principalmente em relação aconhecimento e recursos para que o processo detransição ocorra.

As tecnologias de captação, armazenamento econservação de água da chuva são as propulsorasdesses processos de mudanças, pois é a partirdelas que começa a superação das limitaçõesclimáticas. E as paisagens do semiárido, antesexclusivamente compostas por milho e feijão noperíodo das chuvas, agora ficam coloridas pelasfruteiras, hortaliças, forrageiras, tubérculos, alémdas fitoterápicas e dos animais. Tudo issoproporcionado pelo acesso a água.

As avaliações dos agricultores das trêsdimensões básicas da sustentabilidadedemonstraram que eles, apesar de usarem abarragem há apenas dois anos, já observarammudanças benéficas nas dimensões ambiental,social e econômica.

ConclusõesOs sistemas de produção baseados na

agroecologia podem transformar as limitações dosemiárido em potencialidades, partindo delas, paraentender e promover uma convivência produtiva esustentável. Isso, as duas famílias jácompreenderam, e compreenderam também queas tecnologias de captação, armazenamento econservação da água da chuva são essenciaisnesse processo de mudança, garantindoprodutividade, estabilidade, confiabilidade,superação, adaptação e equidade dosagroecossistemas do semiárido brasileiro.

No decorrer do estudo, a pesquisa participativaofereceu não só a possibilidade deaprofundamento dos conhecimentos em campo,como também o aprofundamento da relação entrepesquisador-sujeito e agricultor-sujeito no âmbitogeral do tema pesquisado. Observa-se também

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que as metodologias participativas facilitaram umaavaliação sistêmica das interações ecológicas,sociais e econômicas que ocorrem nosagroecossistemas estudados e que são capazesde gerar um diálogo profundo entre os agricultorese pesquisadores. E desse diálogo, cheio decontradições e antagonismos, surgiram novosconhecimentos para o diagnóstico e avaliação dosagroecossistemas no semiárido observando aslimitações do tempo e das atividades agrícolas enão-agrícolas da família.

A participação social efetiva dos componentesda unidade familiar favorece a construção deconhecimento através de metodologiasparticipativas, mas não havendo essacaracterística, a equipe deve estar preparada paratrabalhar com um processo de sensibilização doagricultor em relação a sua atuação enquantosujeito do processo de investigação.

Os participantes dessa pesquisa mostraramque, apesar de exercerem atividades não-agrícolas, essas não tiram a sua essência deagricultores, atividade que exercem buscandogerar mais renda para a família, e assimpossibilitar a reprodução social, econômica eambiental dessa. Para isso, ressaltaram que asalternativas de convivência com a seca, entre elasas tecnologias de captação e armazenamento deágua, cumprem um importante papel para manteras famílias no campo, pois demanda trabalho egera produtos e/ou renda durante o ano tododentro da propriedade.

As duas propriedades estudadas estão a poucotempo no processo de transição agroecológica,mas já caminham em direção a umagroecossistema mais sustentável, superando aslimitações sociais, econômicas e ambientais daregião semiárida brasileira, colocando a barragemsubterrânea como uma tecnologia com potencialpara aperfeiçoar e equilibrar o processo produtivo,promovendo uma maior estabilidade doagroecossistema familiar do semiárido, e se

constituindo em mais uma opção para se atingir asustentabilidade nessas áreas.

AgradecimentosAs famílias agricultoras participantes do estudo

pela receptividade e colaboração; a UFSCar,Embrapa Solos, Embrapa Semiárido, AS-PTA ePATAC pelo apoio logístico; ao CNPq pelaconcessão de bolsa e apoio financeiro ao projeto;ao BNB por custear o deslocamento da equipe ascomunidades.

Notas1 Parte da Dissertação de Mestrado em

Agroecologia e Desenvolvimento rural da primeiraautora, a ser apresentada à PPGADR-UFSCar.

2 Horta de espécies medicinais, condimentarese aromáticas, semelhante aos quintais produtivos,tendo como diferença a não utilização de espéciesfrutíferas ou hortaliças.

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