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    Sustentabilidade lquida: ressignificando as relaes entre Natureza, Capital e Consumo em tempos de fluidez

    FRED TAVARES* MARTA AZEVEDO IRVING**

    Resumo: O objetivo deste trabalho investigar as relaes entre natureza, capital e consumo, na produo do que poderia ser designado como conceito de sustentabilidade lquida. O conceito de sustentabilidade evidencia a integrao entre os parmetros ecolgicos, sociais e a prtica econmica neoliberal de acelerao do desenvolvimento contemporneo. Pelo olhar mercadolgico, a concepo de sustentabilidade parece incorporar novas perspectivas, ampliando as relaes entre sociedade e natureza, atravs da mediao do capital. Como se configuraria a sustentabilidade lquida a partir da lgica do capital? Qual a conexo entre a noo de sustentabilidade lquida, metamorfose do capital e natureza? Este ensaio baseia-se em Zygmunt Bauman, Gilles Deleuze, Flix Guattari e autores que dialogam com o tema analisado. A pesquisa de carter exploratrio e se constri a partir da anlise da bibliografia que orienta esta temtica. As relaes entre natureza, capital e consumo so, em concluso, articuladas dentro da estratgia da sustentabilidade lquida na captura de novos valores e criao de novos mercados que todos os atores sociais envolvidos vendem e consomem.

    Palavras-chave: Consumo verde; Ecopoder; capitalismo, natureza.

    Abstract: The objective of this study is to investigate the relationships between nature, capital and consumption, and the production of what might be termed liquid sustainability. The concept of sustainability highlights the integration between ecological, social and economic parameters and the practice neoliberal towards the acceleration of contemporary development. At a marketing view, design for sustainability seems to incorporate new perspectives, broadening the relations between society and nature, through the mediation of capital. How would be configured the liquid sustainability notion under the logic of capital? What is the connection between the notion of liquid sustainability, capital metamorphosis and nature? This essay is based on Zygmunt Bauman, Gilles Deleuze, Flix Guattari theories and authors that dialogue with the theme discussed. The research is exploratory and is constructed from the analysis of the literature that guides this theme. The relationships between nature, capital and consumption are, in conclusion, articulated within the strategy of "liquid sustainability" to capture new values and creating new markets that all social actors sell and consume.Key words: Green consumption; Ecopower; capitalism, nature.

    * FRED TAVARES Ps- Doutor e Doutor em Psicossociologia / Instituto de psicologia - UFRJ. Professor, pesquisador e vice-coordenador do Programa EICOS - Instituto de Psicologia UFRJ/Professor da Escola de Comunicao UFRJ. ** MARTA AZEVEDO IRVING Ps- doutorado na Escola de Altos Estudos em Cincias Sociais (EHESS) de Paris e no Departamento de Ecologia e Gesto da Biodiversidade do Museu de Histria Natural de Paris e no Departamento Homens, Naturezas e Sociedades sobre a temtica da gesto da biodiversidade e incluso social. Professora e pesquisadora do Programa Eicos de Ps Graduao em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social (IP/UFRJ) e do Programa de Ps Graduao em Politicas Pblicas e Estratgias de Desenvolvimento (PPED/IE/UFRJ e do Instituto Nacional de Cincia e Tecnologia em Polticas Pblicas e Estratgias de Desenvolvimento (UFRJ).

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    Introduo

    O conceito de sustentabilidade evidencia a noo de integrao entre os parmetros ecolgicos, sociais e a prtica econmica neoliberal de acelerao do desenvolvimento contemporneo. E a interface entre economia, ambiente e sociedade rumo ao denominado desenvolvimento sustentvel pressupe certo desequilbrio estrutural. Se a questo ambiental for analisada, tal como expressa no discurso hegemnico da prtica da sustentabilidade, parece sugerir que a estratgia a ser adotada por diferentes atores sociais (sobretudo as corporaes e a mdia) se volta a integrar os ciclos da natureza lgica de produo e acumulao capitalista, na qual a perspectiva econmica tem uma participao estratgica e preponderante na mediao da poltica de sustentabilidade, atravs do olhar do Ethos do mercado.

    Ampliando este debate e sob a gide do olhar mercadolgico, a concepo de sustentabilidade passa a incorporar novos valores e perspectivas, ampliando as relaes entre sociedade e natureza, atravs da mediao do capitalismo conexionista, imaterial, natural e parasitrio. Assim, parece haver um movimento de plasticidade na noo de sustentabilidade, tanto pela sua apropriao estratgico-mercadolgica por parte de atores sociais que apoderam-se da temtica da sustentabilidade quanto pela desterritorializao deste movimento em direo produo de consumo.

    Uma pista para se investigar este movimento compreender o que poderia ser denominado de liquefao da sustentabilidade, que se sustenta na metamorfose do capitalismo contemporneo, sobretudo pela incorporao de valores imateriais e

    parasitrios voltados produo de desejos e modos de ser como identidades de consumo e tambm pela desmaterializao da natureza.

    Dessa forma, a natureza vem adquirindo valor de mercado sendo significada e ressignificada como mercadoria por outros atores sociais, incluindo-se as ONGs e o Estado. E tudo indica que essa mercantilizao ocorre atravs do olhar de um consumo qualificado como verde, que legitima (e amplia) a noo de sustentabilidade como diferencial e estratgia de Ecopoder.

    Com esta leitura, o objetivo deste trabalho investigar as relaes entre natureza, capital e consumo, sob o olhar desta fluidez, na produo da ideia do que poderia ser designado como estratgia de sustentabilidade lquida.

    Para tanto, so delineadas as seguintes questes: como se configura esta sustentabilidade lquida a partir da lgica do capital? Qual a conexo entre a noo de sustentabilidade lquida, metamorfose do capital e natureza, no contexto do movimento do consumo?

    As pistas tericas trilhadas neste ensaio so baseadas em Zygmunt Bauman, Gilles Deleuze e Flix Guattari e em autores que consubstanciam e dialogam com o tema analisado. A pesquisa de carter exploratrio e se constri a partir da leitura e anlise da bibliografia que orienta esta temtica.

    Do desenvolvimento (in) sustentvel sustentabilidade lquida

    A noo de sustentabilidade vem sendo objeto de crtica por parte de alguns ambientalistas marxistas (GONALVES, 2001; LOUREIRO, 2003), que a interpretam como um modelo expansionista de mercado a servio de uma lgica capitalista, na

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    qual o ambiente representa um ativo estratgico para o crescimento macroeconmico dos pases desenvolvidos (ricos), porm travestido em um discurso politicamente correto a favor do meio ambiente, cuja preocupao est pautada na integrao do bem-estar social, econmico e ecolgico do planeta, em especial dos pases menos desenvolvidos (pobres), politizando globalmente as questes relacionadas concepo de sustentabilidade.

    A expresso desenvolvimento sustentvel emerge no centro de um debate: como conciliar atividade econmica e conservao ambiental? Tese dominante na Conferncia da ONU em Estocolmo, em 1972, que sustentava a idia de que desenvolvimento e proteo ambiental no eram incompatveis; poca se delineou um crescente movimento com objetivo de compatibilizar e racionalizar interesses e recursos, respectivamente, em prol do futuro e do bem-estar da humanidade.

    Essa Conferncia serve de inspirao formao da Comisso Brundtland, que formaliza a Comisso Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela ONU, em dezembro de 1983, para estudar e propor uma agenda global, com o objetivo de investigar os problemas ambientais do planeta.

    O trabalho dessa comisso fez por recomendar Assemblia Geral da ONU, em 1987, o contedo do relatrio Nosso Futuro Comum, que se tornou um marco da discusso ambiental centrado em um esprito solidrio, supra-ideolgico, atravs de valores homogneos orientados ao bem-estar da humanidade e como uma soluo possvel para as desigualdades sociais, a conservao de recursos naturais e da diversidade cultural, da integridade

    ecolgica e do crescimento econmico; sendo este entendido como o principal alicerce da sustentabilidade.

    Analisando o documento, observa-se um contedo que associa desenvolvimento a crescimento e expanso do mercado, desde que o pensamento desenvolvimentista paute pelos princpios solidrios idealmente concebidos, garantindo, hipoteticamente, a compatibilidade entre preservao da natureza e justia social. Isto vazio de sentido terico, uma vez que a estratgia do capitalismo opera na criao e transformao da questo ambiental em oportunidade de negcio (PELBART, 2003)

    A releitura entre capital e ambiente, em uma perspectiva mundial ao longo da dcada de 1980, assim marcada por um debate acerca de uma pauta de conciliao entre crescimento econmico e conservao ambiental, que pe em circulao a expresso desenvolvimento sustentvel, cujo conceito se baseia na noo de capital ambiental ou natural (HAWKEN et al, 2002), conforme tambm discutido por Almeida (2002, pp.55-56): Para comear a construir o conceito de desenvolvimento sustentvel, a Comisso recorreu noo de capital ambiental. Denunciou a dilapidao dos recursos ambientais do planeta por seus habitantes atuais custa dos interesses de seus descendentes.Ampliando a discusso sobre o conceito de desenvolvimento sustentvel, o autor neoliberal Almeida (2002) destaca que possvel conciliar interesses econmicos, ambientais e sociais em uma mesma agenda e introduzir a ideia de ecoeficincia pela qual o controle ambiental estratgico e deve ser visto como uma vantagem competitiva (p.62). Essa ideia foi adotada como um conceito de negcio pelo Conselho de

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    Negcios para Desenvolvimento Sustentvel, na Rio-92, como a combinao da eficincia ecolgica e econmica (MICHAELIS, 2003).

    Atravs da concepo positivista de Almeida (2002), observa-se, na dcada de 1990, a entrada em cena do que se poderia denominar de ecologismo dos setores econmicos e produtivos, assim como a influncia estratgica da temtica econmica, em detrimento das questes ambientais e sociais, atravs da lgica do mercado. Entretanto, Veiga (2010. p.50) salienta que o desenvolvimento ter pernas curtas se a natureza for demasiadamente agredida pela expanso da economia.

    Por outro lado, gesto ambiental, marketing verde, produtos e marcas ecologicamente corretos, greenwashing, selos verdes, certificaes ambientais e responsabilidade socioambiental massificam o aforismo da ideia de sustentabilidade, tornando o tema ambiental um atrativo, uma mercadoria espetacular a ser consumida, na contemporaneidade. O uso do termo verde, apropriado pelo marketing, um problema reconhecido na literatura ecolgica, conforme polemiza o artigo Green Advertising: salvation or oxymoron? (BANERJEE et al, 1995), e contribui decisivamente no cenrio da globalizao produo do consumo verde. Ou seja, dominada por essa lgica, a natureza publicizada e se molda cultura do consumo (TAVARES; IRVING, 2009).

    A predominncia dos interesses econmicos (sem nenhum cunho ideolgico) , possivelmente, um poderoso fator de influncia estratgica na produo de insustentabilidade. Tendo em vista que o pensamento dominante do modelo de desenvolvimento, se apoiou e se apoia na estratgia neoliberal de mercado, o

    que contribui para que a noo da estratgia de sustentabilidade se torne tambm um movimento poltico-mercadolgico para abarcar, inclusive, as novas demandas sociais, luz do consumo (KOTLER, 2010).

    Nesse sentido, as relaes entre as variveis ambiental, social e econmica ganham novos contornos e nuances. Atravs da politizao da sustentabilidade, os movimentos socioambientais tornam-se mediados pela lgica do capital. E a noo de sustentabilidade plastificada para incorporar diferentes perspectivas (social, cultural, ecolgica, territorial, poltica, econmica). Diferentes atores sociais como empresas, organizaes no-governamentais, mdia, governos, partidos, populaes tradicionais e consumidores se apropriam do discurso da sustentabilidade para justificar o consumo e a necessidade de uma melhoria da qualidade de vida da sociedade, atravs da liquefao e capitalizao da temtica ambiental (Natureza)

    A incorporao de novas prticas e polticas no processo da sustentabilidade se baseia na mesma lgica que a forjou: a do capital. Outrora, com base em um vis ambiental ou natural, agora em condies imateriais e parasitrias. E no contexto de um capitalismo imaterial e parasitrio, se configura a noo de sustentabilidade lquida, que flexibiliza as relaes entre sociedade e natureza, mediadas pelo consumo (capital) como estratgia de construo de um mundo (vida) melhor, tornando capitalizvel o que no era capital (PELBART, 2003), segundo a metamorfose da concepo de um capitalismo turbinado.

    Giselle TorresHighlight

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    A metamorfose na leitura do capital: natural, conexionista, imaterial e parasitrio

    A desterritorializao do capital e sua mobilidade ampliam os territrios e domnios das estratgias econmicas e conferem uma nova leitura do capitalismo contemporneo. De um capital particularmente local e verticalizado a partir do desmanche das estruturas mecanicistas, rgidas, hierrquicas originadas no fordismo e no taylorismo de uma concepo moderna (KUMAR, 1997) para um capitalismo malevel, aberto, flexvel, transnacional, conexionista e em rede, ou leve, segundo a lgica da modernidade lquida (BAUMAN, 2001). Pelbart contribui para essa discusso:

    (...) o mundo conexionista inteiramente rizomtico, no finalista, no identitrio, favorece os hibridismos, a migrao, as mltiplas interfaces, metamorfoses etc. Claro que o objetivo final do capitalismo permanece o mesmo, visa o lucro, mas o modo pelo qual ele agora tende a realiz-lo (...) prioritariamente atravs da rede. Capitalismo em rede, conexionista, rizomtico (...) um funcionamento mais flexvel, ondulante, aberto, com contornos bem definidos, conexes mais mltiplas, em suma (...) rizomticas. Que o capitalismo tenha se apropriado desse esprito, dessa lgica, desse funcionamento, no poderia deixar-nos indiferentes. (PELBART, 2003, p.97).

    Esse novo capitalismo rizomtico ou imaterial passa a ocupar todos os espaos, flexibilizando sua ao no mercado, transformando a natureza em capital, atravs da estratgia de mobilidade em rede.

    Atravs dessa perspectiva de rede, surge uma nova qualificao de capitalismo: o Capitalismo Natural (HAWKEN et al, 2002), que expressa as relaes entre o natural (conservao e fornecimento), a produo e o uso do capital produzido pelo homem. O autor, defende a ideia de no apenas proteger a biosfera mas contribuir para o aumento de lucros e competitividade das empresas, e refere casos de sucesso de empresas que lucraram com essa mudana. Ou seja, a sinergia entre o capital natural e o capital tradicionalmente conhecido entendida por Hawken et al (2002) como a prxima Revoluo Industrial. Contudo, Gonalves (2001) destaca que, na contemporaneidade, o capital subjuga a natureza, posto ser ela to somente entendida como um recurso natural. O autor esclarece que: (...) fica evidente, portanto, que o capital no pode ficar na dependncia dos tempos da natureza, mas requer, ao contrrio, a subordinao a si. (GONALVES, 2001, p.122).

    Entretanto, a nova perspectiva da lgica do Capitalismo Natural (HAWKEN et al, 2002) reflete a vida como uma questo estratgica de consumo, e a natureza configurada tanto pelo olhar de responsabilidade socioambiental quanto pela noo de ecoeficincia, produo de imagem e gesto de novos produtos.

    Essa ordem capitalstica projetada de forma rizomtica, na realidade do mundo e no campo psicossocial e na cultura. Alm disso, se relaciona em diferentes espaos e contextos, produzindo movimentos e fabricando a relao do homem com o mundo e consigo mesmo.

    O capitalismo rizomtico produz subjetividades que so reguladas pelo desejo e pelo consumo. Para Hardt e Negri (2001), esse capitalismo se

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    configura sob o regime de um Biopoder, que articula a vida social de forma rizomtica. Esse poder, engendrado por esse capitalismo conexionista (PELBART, 2003), expresso como um controle, que se estende e se amplia por todas as dimenses psquicas, sociais, polticas e culturais.

    E assim o lucro produzido por essa nova forma de operao do capital, no decorre do sentido tradicional de mais-valia, mas, fundamentalmente, da sua expanso desterritorializada, da produtividade, do lobby, da estratgia de terceirizao, e tambm da nfase na gesto de inovao tecnolgica. Isto se complementa na responsabilidade socioambiental, na presso por patentes, na ampliao global das marcas, na criao de novos mercados de consumo e em outros movimentos possveis que possam ser produzidos.

    Nesta tendncia, o capitalismo contemporneo produz subjetividades e modos de ser cada vez mais comprometidos em uma incontrolvel e vertiginosa expanso (GUATTARI, 1981). No cerne da ampliao encontram-se novos dispositivos de controle e participao social, principalmente atravs da mquina de consumo, que no pra de criar e produzir desejos, na perspectiva conexionista e rizomtica (PELBART, 2003).

    Este capitalismo conexionista ou rizomtico imaterial e integrado porque, alm de operar em redes flexveis, se expressa de forma desterritorializada, simbitica e sinergtica (GUATTARI, 1981), de maneira que nenhuma atividade humana fique fora do seu controle, visto que a funo desse novo capitalismo a recomposio de produo e da vida social, a partir de sua prpria fluidez.

    Neste caso, o poder desse novo capitalismo metaboliza a vida e produz novas subjetividades. E tem mltiplas interfaces, prioritariamente atravs do sentido de rede (de forma conexionista), operando segundo a lgica de uma mquina de guerra (PELBART, 2003), no como uma toupeira, mas como uma serpente (DELEUZE & GUATTARI, 1997), flexvel, ondulante, aberta, de alta mobilidade. O capital ganha novos contornos e dimenses para reafirmar sua esfera rizomtica: ele social, simblico, natural, econmico, especulativo, individual, tecnolgico, cultural, poltico e ambiental. corporativo, intelectual, e, at mesmo, humano; ilimitado e, cada vez, mais sinergtico.

    A endogeneizao do movimento do capital contemporneo, atravs de uma nova ordem mundial sociedade de controle (DELEUZE, 1992) , se reflete atravs do marketing do consumo verde, que transforma a natureza em objeto de consumo (PELBART, 2003), na esfera do que Bauman denomina de modernidade lquida. Uma pista para compreender esse movimento a noo de capitalismo natural apresentada por Hawken et al (2002), que afirmam que: (...) O Capitalismo Natural reconhece a interdependncia fundamental entre a produo e o uso do capital produzido pelo homem, por um lado, e a conservao e o fornecimento do capital natural, por outro (HAWKEN et al, op.cit., pp.2-3).

    Segundo Hawken et al (op.cit.), o capital se constitui como a riqueza acumulada por meio de investimentos, unidades industriais e equipamentos. Entretanto, os autores sugerem que so necessrios quatro tipos de capital para o funcionamento da engrenagem: (...) o capital humano (...), o capital financeiro (...), o capital manufaturado

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    (...), o capital natural, constitudo de recursos, sistemas vivos e os servios do ecossistema (HAWKEN et al, op.cit., p.4).

    Nesse sentido, o pensamento econmico com relao natureza na forma do capitalismo natural (DASGUPTA, 2007), transforma o no-capitalizvel em valor de mercado, na concepo de uma cultura capitalstica (GUATTARI; ROLNIK, 2000). O seu objetivo fomentar as relaes produtivo-econmico-subjetivo de forma integrada e ecoeficiente. Dessa forma, partindo-se da noo de capital natural, a natureza passa a ter valores econmico e competitivo.

    Mas que relao se pode estabelecer entre a noo de capitalismo natural e os conceitos de capitalismos parasitrio e imaterial?

    O capitalismo parasitrio, como adverte Bauman (2010), opera na capacidade de se buscar e descobrir novas oportunidades de mercado e tambm no oportunismo e na rapidez, dignos de um vrus, com que se adapta s idiossincrasias de seus novos pastos (p. 10). O percurso desse novo capitalismo como um parasita, pode gerar um efeito de prosperidade em alguns casos e destruio em outros. Sobretudo porque ao explorar o organismo (natureza) ao mximo, tende a prejudicar o hospedeiro, destruindo assim, cedo ou tarde, as condies de sua prosperidade ou mesmo de sua sobrevivncia (BAUMAN, 2010, p.9).

    Nessa dinmica, a mobilidade do capitalismo parasitrio se articula por meio da conquista e produo de novos mercados, atravs da criao de desejos, parasitando sonhos e desenvolvendo, continuamente, valores de (e para o) consumo, conforme salienta Bauman (2008).

    Um desses valores a produtilizao da natureza. Embalada por este sentido liquefeito de sustentabilidade, a natureza, via as prticas do denominado consumo verde, tambm se torna uma importante mercadoria na perspectiva do capitalismo imaterial.

    A lgica do capitalismo imaterial opera na transformao do no-capitalizvel em valor de mercado. Assim, o capitalismo contemporneo transforma o no-capital em capital, no s paisagens, ritmos, mas tambm maneiras de ser, de fazer, de ter prazer (...), na intuio de antecipar os desejos do pblico (PELBART, 2003, p. 104).

    E alm da criao de desejos, se constri o sentido de mercantilizao da diferena, da originalidade. A partir do conceito desta sustentabilidade lquida, emergem novos valores associados natureza como estratgia de mercantilizao da autenticidade. Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que ocorre a espetacularizao da natureza como produto de consumo estetizado pela diferena, a prpria concepo de natureza-mercadoria se fragiliza.

    Pelbart (op.cit.) discute esta afirmao: o exemplo dos produtos ecolgicos gritante, na medida em que eles foram incorporados ao mercado, a passo que uma suspeita crescente derrubou sua lucratividade, dada essa dinmica prpria ao desgaste inerente mercantilizao da autenticidade. (PELBART, 2003, p.104).

    E na analogia do parasita-hospedeiro, a imaterialidade do capital, ao mesmo tempo em que gera uma liberdade de mercantilizao da vida e de todas as esferas da existncia, se configura tambm de maneira parasitria, destruindo o prprio hospedeiro. Todavia, o movimento no se encerra,

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    ou seja, novas bolhas de mercado e de consumo surgiro na busca conexionista de novos apelos (pastos) de autenticidade.

    E mais, segundo a lgica do capitalismo imaterial e tambm parasitrio, qual a conexo entre a concepo de sustentabilidade lquida e a natureza no contexto do movimento do consumo?

    A produtilizao da natureza: consumo verde e Ecopoder

    Segundo Guattari e Rolnik (2000) s h uma cultura: a capitalstica, cuja referncia estabelecida de acordo com a cultura-valor praticada pelo mercado, que atualmente semiotiza a natureza como valor de consumo.

    Assim, ideias e produtos com apelos ecolgicos e/ou vinculados denominada responsabilidade socioambiental vm ganhando prestgio no mercado, e sendo politizados como valores de mercado por diferentes atores sociais, tema central no debate da Comisso de Consumo Sustentvel de Oxford, em abril de 1999 (MICHAELIS, 2003).

    O crescimento do consumo desses produtos e servios no mercado, segundo Holliday (2002), est baseado tanto nos esforos de marketing e comunicao, quanto na imagem criada para os mesmos, a partir da lgica de um espetculo. (PELBART, 2003).Consubstanciando o pensamento de Pelbart (op.cit.), Debord (1997, p.25) afirma se o (...) espetculo o capital em tal grau de acumulao que se torna imagem mister considerar que o marketing ecolgico (propaganda e publicidade) produz as subjetividades dos consumidores e o verde se impe no s como um produto fsico, mas

    como uma marca com alma, cuja imagem singular atravs da lgica de um consumo, fabrica a vida e as relaes sociais (PELBART, 2003).

    Lazzarato e Negri (2001) complementam esse olhar e afirmam:

    Mais precisamente ainda: a publicidade no serve somente para informar sobre o mercado, mas para constitu-lo. Entra em relao interativa com o consumidor, voltando-se no s s suas necessidades, mas, sobretudo aos seus desejos. No se volta somente s suas paixes e s suas emoes, mas interpela diretamente a razo poltica. No produz somente o consumidor, mas o indivduo do capitalismo imaterial. (LAZZARATO; NEGRI, 2001, p.63).

    Em se tratando de mercado, e do consumo da natureza, o prprio consumo verde est na esfera do espetculo, seja, na mdia, atravs de fortes apelos publicitrios, e/ou pela criao de uma imagem poderosa, por meio de diferentes agenciamentos coletivos. Nesse sentido, a natureza, atravs do desejo de autenticidade, vem se transformando em uma nova mercadoria. A espetacularizao da natureza vem provocando uma estratgia de produtilizao do verde, como forma de mercantilizao de autenticidade, na condio de uma grife diferenciada (PELBART, 2003), para a qual todos os atores sociais convergem e se empoderam.

    Nesse cenrio de transformao da natureza em mercadoria, o capitalismo corporativo tem papel estratgico. O mercado do consumo verde, graas aos macios investimentos realizados pelas empresas, em campanhas de comunicao de marketing, vem se destacando pela criao e oferta de produtos verdes, que passam a

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    incorporar novos enfoques, tais como: qualidade do processo de fabricao de forma sustentvel; produtos fabricados com a quantidade mnima de materiais; acondicionamento em embalagens leves e reciclveis; mltiplos propsitos (xampus com condicionador, por exemplo); utilizao de matrias-primas reciclveis; conservao de recursos naturais; eficincia em termos energticos; maximizao da segurana ambiental do consumidor; durabilidade; reutilizao e substituio por refis; reciclagem e refabricao; e fcil conserto e caractersticas compostveis e degradveis (TAVARES; IRVING, 2009). Dessa forma, o marketing ambiental e suas premissas ecolgicas passam a fazer parte das estratgias empresariais, atravs de abordagens que enfatizam o olhar da sustentabilidade lquida.

    Os apelos utilizados nos produtos ecolgicos so desenvolvidos, a partir das premissas do marketing, como uma ferramenta empresarial na alavancagem do negcio verde, no mundo. Atravs do conhecimento do mercado, o marketing verde investe na criao de novas demandas e desejos de mercado, atravs do olhar do capitalismo imaterial, de produtos com promessas ecolgicas.

    A lgica do capitalismo - natural, conexionista, imaterial e parasitrio - passa tambm a ser incorporada por diferentes atores sociais no processo do consumo verde, tendo a discusso da sustentabilidade como ponto de partida. Dessa forma, com base em uma sustentabilidade que tambm lquida, todos os atores se empoderam da idia verde, no sentido de um Ecopoder (TAVARES; IRVING, 2009).

    O Ecopoder transforma em capital a prpria natureza por meio da interseo dos fatores polticos, culturais,

    econmicos, sociais e ambientais, que se tornam questes reguladas pela lgica desse capitalismo cada vez mais turbinado e metamorfoseado.

    A noo de natureza como capitalizvel remete idia de uma vida melhor, atravs do diferencial de imagem construda pelo denominado consumo verde, como atitude de fazer o bem, de um agir politicamente e ecologicamente corretos. E, neste caso, todos os atores sociais envolvidos no processo desse consumo legitimam a produo do Ecopoder, um poder circulante e capital em que todos, com todos e atravs de todos, se influenciam, se controlam, se produzem e se consomem.

    O Ecopoder tambm se expressa como lucro com tica e lucro perdoado, por intermdio de um Ethos ambiental mercadolgico, que aproxima, e ao mesmo tempo amplia, e enverniza as questes econmicas e sociais, sob a grife da sustentabilidade lquida.

    Por intermdio do olhar da noo de sustentabilidade que tambm se configura lquida, a vida objeto de poder, o capital se apropria da vida e a natureza incorpora valor.

    Consideraes finais Assim, esta noo de uma sustentabilidade que lquida passa a constituir uma grife a ser apropriada por diferentes atores sociais, independente de seu status poltico, econmico, cultural, social ou tnico. Nas tessituras de um capitalismo natural, conexionista, parasitrio e imaterial, esta noo de sustentabilidade liquefeita se desterritorializa como um discurso vazio: soluo para um mundo melhor para tudo e todos, atravs da perversa relao ente consumo e capital, sendo que este se torna liquefeito e metamorfoseado nas redes do mercado.

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    O capitalismo imaterial conduz mercantilizao da vida e de todas as esferas da existncia, sobretudo pela ideia da transformao da natureza em valor de mercado. Entretanto, a sua voracidade tambm parasitria. E como ento, no s-la? Eis o desafio: a mobilidade do capital e a produo de novos desejos, de forma imaterial e rizomtica, implicam na utopia de sua reinveno, renovao e reinstrumentalizao como poltica de devir, na produo incessante de novos valores e desejos, na busca de novos hospedeiros, na criao contnua de mercados autnticos e na produo de novos modos de ser como forma para sua sobrevivncia. Se a natureza a bolha da vez, o seu movimento deve estar permanentemente oxigenado, atualizado e capitalizvel.

    E a noo de natureza como um conceito capitalizvel (Natureza S/A) remete ideia de uma vida melhor, atravs do diferencial que vem sendo internalizado pela imagem do consumo verde como atitude de fazer o bem em sociedade. Assim, todos os atores sociais envolvidos no processo desse consumo legitimam a produo de Ecopoder, um poder circulante e capital em que todos, com todos e atravs de todos se influenciam, se controlam, se produzem e se consomem, mutuamente.

    luz dessa estratgia, so produzidos desejos, imagens, atitudes, modos de ser e subjetividades. Principalmente, na tenso construda a partir da noo de responsabilidade cidad, da produo de uma conscincia ambiental, do parecer ecologicamente correto, das temticas de gesto ambiental e negcios verdes, das polticas de consumo responsvel dos recursos naturais e de um conjunto complexo de temas sobre questes sociais e ambientais estetizados atravs da iluso

    de uma vida melhor, veiculados de forma espetacularizada, por diferentes atores sociais, segundo os conceitos de Ecopoder e de sustentabilidade lquida, mediados pelo discurso do capital e do consumo.

    Assim, o consumo (e sua condio verde) se desenvolve na lgica da cultura capitalstica criao de imagem de marcas, produtos, servios e aes socioambientalmente responsveis voltados qualidade de vida e ao bem-estar dos indivduos e da sociedade, mas produzindo um modo de ser verde que v a natureza de forma secundria.

    As relaes entre natureza, capital e consumo so articuladas dentro da estratgia da sustentabilidade lquida na captura de novos valores e criao de novos mercados, como ecobusiness, na produo fluida e imaterial de ideias que todos os atores sociais vendem e consomem.

    Referncias

    ALMEIDA, Fernando. O bom negcio da sustentabilidade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.

    BAUMAN, Zygmunt. Modernidade lquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.

    _____________. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.

    __________________. Vida para consumo: a transformao das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.

    __________________. Capitalismo parasitrio: e outros temas contemporneos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2010.

    BANERJEE, Subhabrata. et al. Green advertising: salvation or oxymoron? Journal of Advertising, Summer 1995: 7+. Academic OneFile. Web. 24 June 2012.

    DASGUPTA, Partha. Nature in Economics. Springer Science + Business Media B. V.

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    Recebido em 2013-10-17 Publicado em 2013-12-11