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Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural 1 SUSTENTABILIDADE, SEGURANÇA ALIMENTAR E A CONTROVÉRSIA SOBRE A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS X DE BIOENERGIA- EFEITOS SOBRE A POBREZA RURAL NO BRASIL. [email protected] APRESENTAÇÃO ORAL-AGROPECUÁRIA, MEIO-AMBIENTE, E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL LAVÍNIA DAVIS RANGEL PESSANHA 1 ; NEWTON NARCISO GOMES JUNIOR 2 ; RAFAELA COELHO GUERRANTE S. MOREIRA 3 . 1,2.ENCE/IBGE, NITEROI - RJ - BRASIL; 3.FAC. AGRONOMIA E MED. VETERINÁRIA/UNB, BRASILIA - DF - BRASIL. SUSTENTABILIDADE, SEGURANÇA ALIMENTAR E A CONTROVÉRSIA SOBRE A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS X DE BIOENERGIA- EFEITOS SOBRE A POBREZA RURAL NO BRASIL. Grupo de Pesquisa: 6- Agropecuária, meio ambiente e desenvolvimento sustentável Resumo A grande dependência em relação aos combustíveis fósseis e o debate sobre sua efeitos sobre as mudanças climáticas geraram preocupação com a diversificação da matriz energética global e com o desenvolvimento de combustíveis alternativos ao petróleo e ecologicamente limpos, como o etanol e o biodiesel. O aumento nos preços dos alimentos gerou um debate sobre os efeitos da produção de biocombustíveis sobre a insegurança alimentar, particularmente dos países pobres. Evidentemente, o Brasil está no centro do debate e é um país estratégico no processo de tomada de decisões. Neste artigo, analisamos os fundamentos dos diferentes pontos de vista postos em debate, assim como a investigamos os impactos visíveis hoje o caso brasileiro, com base nas estatísticas oficiais disponíveis. Especial atenção é dada ao debate sobre agroenergia e pobreza no Brasil, tentando identificar, a partir da bibliografia especializada e dos dados quantitativos publicados, os impactos da evolução do cultivo da cana de açúcar sobre a intensificação da pobreza rural. Do nosso ponto de vista, buscar o desenvolvimento sustentável implica não somente nos aspectos econômicos e ecológicos do conceito, mas fundamentalmente atingir seu objetivo social. Palavras–chave: segurança alimentar, produção de biocombustíveis, produção de alimentos, pobreza rural, desenvolvimento sustentável Abstract The large dependence on fossil fuels and its contribution to debate on climate change generated concern about the diversification of global energy matrix and alternative fuels to oil and ecologically correct, such as ethanol and biodiesel. But the recent rise in food prices has led to debate the effects of biofuels production on the food (in)security, particularly in poor countries. Of course, Brazil is the focus of debate and is a strategic country before the decision-making, which makes relevant the analysis in this article, the

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Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

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SUSTENTABILIDADE, SEGURANÇA ALIMENTAR E A CONTROVÉR SIA SOBRE A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS X DE BIOENERGIA- EFEI TOS SOBRE

A POBREZA RURAL NO BRASIL. [email protected]

APRESENTAÇÃO ORAL-AGROPECUÁRIA, MEIO-AMBIENTE, E

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL LAVÍNIA DAVIS RANGEL PESSANHA 1; NEWTON NARCISO GOMES

JUNIOR2; RAFAELA COELHO GUERRANTE S. MOREIRA 3. 1,2.ENCE/IBGE, NITEROI - RJ - BRASIL; 3.FAC. AGRONOMIA E MED.

VETERINÁRIA/UNB, BRASILIA - DF - BRASIL. SUSTENTABILIDADE, SEGURANÇA ALIMENTAR E A CONTROVÉR SIA SOBRE A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS X DE BIOENERGIA- EFEI TOS SOBRE A POBREZA RURAL NO BRASIL.

Grupo de Pesquisa: 6- Agropecuária, meio ambiente e desenvolvimento sustentável

Resumo A grande dependência em relação aos combustíveis fósseis e o debate sobre sua efeitos sobre as mudanças climáticas geraram preocupação com a diversificação da matriz energética global e com o desenvolvimento de combustíveis alternativos ao petróleo e ecologicamente limpos, como o etanol e o biodiesel. O aumento nos preços dos alimentos gerou um debate sobre os efeitos da produção de biocombustíveis sobre a insegurança alimentar, particularmente dos países pobres. Evidentemente, o Brasil está no centro do debate e é um país estratégico no processo de tomada de decisões. Neste artigo, analisamos os fundamentos dos diferentes pontos de vista postos em debate, assim como a investigamos os impactos visíveis hoje o caso brasileiro, com base nas estatísticas oficiais disponíveis. Especial atenção é dada ao debate sobre agroenergia e pobreza no Brasil, tentando identificar, a partir da bibliografia especializada e dos dados quantitativos publicados, os impactos da evolução do cultivo da cana de açúcar sobre a intensificação da pobreza rural. Do nosso ponto de vista, buscar o desenvolvimento sustentável implica não somente nos aspectos econômicos e ecológicos do conceito, mas fundamentalmente atingir seu objetivo social. Palavras–chave: segurança alimentar, produção de biocombustíveis, produção de alimentos, pobreza rural, desenvolvimento sustentável Abstract The large dependence on fossil fuels and its contribution to debate on climate change generated concern about the diversification of global energy matrix and alternative fuels to oil and ecologically correct, such as ethanol and biodiesel. But the recent rise in food prices has led to debate the effects of biofuels production on the food (in)security, particularly in poor countries. Of course, Brazil is the focus of debate and is a strategic country before the decision-making, which makes relevant the analysis in this article, the

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grounds of the views into the debate, as well as investigating the effects on the Brazilian case, based on official statistics available. From our point of view seek sustainable development means not only the economic and ecological aspects of the concept, but basically achieve its social objective. Keywords: Food (in)security, production of biofuels, production of food, rural poverty, sustainable development. Introdução

A grande dependência em relação aos combustíveis fósseis, assim como a crescente preocupação com o meio ambiente, levou ao surgimento de fontes alternativas de energia. Porém, dado o aumento nos preços dos alimentos nestes últimos anos, muitos estudos têm sido elaborados acerca dos biocombustíveis. De um lado, autores como, por exemplo, Banco Mundial (2008) e Alexander & Hurt (2008), argumentam que o aumento nos preços dos alimentos é provocado pelo crescente aumento na produção de biocombustíveis, que, no longo prazo, agravaria a insegurança alimentar, principalmente dos países mais pobres da África. Por outro lado, existem autores, como, por exemplo, Flexor (2007; 2008) e Perrin (2008), que argumentam que apenas uma pequena parcela da elevação nos preços dos alimentos é provocada pela demanda por biocombustíveis, o que não justifica todo o alarde feito em relação à (in) segurança alimentar. Diante deste cenário o mundo se vê frente a decisões complexas: Produzir biocombustíveis ou alimentos? Utilizar sem restrições ou não os recursos resultantes da revolução biotecnológica, dentre eles a transgenia, ainda questionados? Ampliar as áreas produtivas à custa da redução de áreas florestadas?

Evidentemente, o Brasil está no foco do debate e é um país estratégico diante do processo de tomada de decisões. Diante deste cenário, a reflexão a seguir tenta a partir da situação particular do Brasil, principal produtor de combustíveis a partir da cana-de-açúcar e um dos três maiores produtores de alimentos do mundo, explorar alguns aspectos do problema com vistas a oferecer ao debate pontos de vista sobre os possíveis impactos da produção de combustíveis renováveis sobre a pobreza, a fome e a segurança alimentar no país.

Cabe pontuar que tais aproximações não têm como objetivo esgotar a questão ou apontar possíveis caminhos para solucioná-la. Nosso objetivo se resume, de fato, na tentativa de contribuir para “limpar” o problema de seus aspectos menos relevantes brotados de percepções tão ambíguas quanto o próprio objeto a que estão ligadas. 1. PRODUÇÃO DA BIOENERGIA COMO CAUSA DO AUMENTO DE PREÇOS DOS ALIMENTOS

Os biocombustíveis são uma fonte de energia renovável, constituindo-se em novos mercados para produtores agrícolas. Os benefícios ambientais e sociais da produção, incluindo a redução da emissão dos gases do efeito estufa, e a contribuição para a segurança energética são citados como as principais razões para o setor público apoiar a indústria de biocombustíveis. Contudo, poucos programas de biocombustíveis são economicamente viáveis, além dos custos sociais e ambientais: pressão crescente sobre os

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preços dos alimentos, competição intensa por terra e água e, possivelmente, desflorestação (Banco Mundial, 2008).

Assim, os governos dão apoio substancial para os biocombustíveis, para que possam competir com a gasolina e o diesel convencional, incluindo incentivos ao consumo (redução de taxas de combustível); incentivos à produção (incentivos fiscais, garantias em empréstimos e pagamento direto de subsídios); e obrigatoriedade de consumo. Globalmente, esses subsídios nos países industrializados serão essenciais para a obtenção de uma distribuição eficiente da produção de biocombustíveis e para garantir benefícios sociais para os pequenos produtores em países em desenvolvimento (Banco Mundial, 2008).

De acordo com Alexander & Hurt (2008), a crescente utilização de algumas culturas para biocombustível provocou o aumento dos custos dos alimentos para a população americana. Nesse quadro, os preços crescentes dos grãos (culturas básicas) podem causar perdas de bem-estar social para os pobres, na sua maioria compradores desses grãos. Porém, segundo o Banco Mundial (2008), os produtores pobres (produção familiar), vendedores desses grãos, teriam benefícios com os preços mais altos dos alimentos, gerando emprego e aumentando a renda no meio rural. No entanto, o escopo desses benefícios irá provavelmente permanecer limitado, visto que a produção de etanol requer economias de escala relativamente grandes e a produção de cana-de-açúcar é geralmente de grande escala.

Além disso, segundo o Banco Mundial (2008), mesmo que a tecnologia futura de biocombustíveis - dependente de resíduos agrícolas ao invés de culturas alimentares, o que reduz potencialmente a pressão sobre os preços dos grãos - seja viável, ainda haverá alguma competição por terra e água entre a produção dedicada à energia e a dedicada à produção alimentar. Porém, essa tecnologia ainda não é comercialmente viável – e não será por vários anos (Banco Mundial, 2008).

Cabe ressaltar que, até o presente, segundo o Banco Mundial, (2008), a produção de biocombustíveis em países industrializados desenvolveu-se graças a altas tarifas protecionistas em conjugação com os subsídios pagos aos produtores. Essas políticas geram altos custos para os países em desenvolvimento que são produtores eficientes em novos mercados exportadores. Os consumidores pobres também pagam preços mais altos por alimentos básicos devido ao aumento dos preços dos grãos nos mercados internacionais, largamente induzido por estas políticas distorcidas.

Ainda de acordo com o Banco Mundial (2008), os governos dos países em desenvolvimento devem evitar que o apoio aos biocombustíveis, através de incentivos distorcidos, elimine atividades alternativas que trariam maiores retornos. Além disso, esses governos devem regular e criar sistemas de certificação com o intuito de reduzir os riscos ambientais e de segurança alimentar na produção de biocombustíveis.

No EUA o milho e o óleo de soja são os ingredientes utilizados para biocombustíveis, desse modo, a tendência é que haja aumento dos preços de outras culturas que competem pela mesma terra (Alexander & Hurt, 2008). É claro, segundo Alexander & Hurt (2008), que a taxa e a velocidade com que os preços aumentam irá variar de acordo com o produto alimentar, pois os preços de produtos agrícolas se elevam mais rapidamente, mas pode demorar vários anos para o pleno impacto em outros produtos alimentares como a carne de porco e a bovina. Este setor pode, no curto prazo, suportar a elevação dos preços, mas ao longo do tempo, reduções no abastecimento de alguns

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produtos animais podem ser necessários, o que acabará por resultar num aumento dos preços agrícolas e de varejo. Assim, os custos mais elevados acabarão passando aos consumidores (Alexander & Hurt, 2008).

Devido à sua importância no comércio global de grãos, as mudanças de preço nos EUA têm impacto no mercado mundial, situação que gera receio nos países em desenvolvimento, onde as pessoas despendem mais de 50% do orçamento familiar em alimentos (Brown, 2007). Se os preços continuam a aumentar, a insegurança alimentar pode exacerbar-se em alguns destes países. No entanto, vale à pena notar que existem resultados positivos do aumento dos preços de milho nos EUA, como, por exemplo, espera-se que caiam em 2007 os subsídios atribuídos aos agricultores, devido ao aumento dos preços (Business Week, 2007). Também se espera que os agricultores plantem mais culturas de milho, podendo compensar, em parte, a quantidade que vai para os biocombustíveis.

No caso brasileiro, especificamente, segundo Flexor (2007), o aumento das áreas de produção de cana para produzir etanol, além de beneficiar alguns cultivos em detrimento de outros, eleva os preços da terra e desloca a fronteira agrícola para áreas virgens, como, por exemplo, a floresta amazônica. Logo, o aumento dessas áreas de cultivo de cana pode agravar o problema de insegurança alimentar (Flexor, 2007).

A crescente demanda por biocombustíveis pode resultar em um aumento da produção de commodities agrícolas para sua produção, aumentando a oferta de alimentos, resultando em uma diminuição dos custos de produção. No entanto, o resultado pode ser um aumento na competição entre a produção de biocombustível e a produção de alimentos, elevando os preços dos alimentos e, conseqüentemente, os custos de produção (Da Silva & De Freitas, 2008).

“A produção de biocombustível compete com alimentos por recursos naturais durante a sua produção e por preços durante a comercialização” (Da Silva & De Freitas, 2008, pg.850).

2. Em defesa da Bioenergia: participação da produção de bioenergia no preço dos alimentos

O problema da escassez de alimentos é um aspecto que nunca teve fim para alguns

povos como, por exemplo, as nações africanas, asiáticas e uma parcela da população latino-americana, que permanece alheia aos resultados das revoluções agrícolas recentes e convive com a realidade da reduzida ou insuficiente quantidade de alimentos. Portanto, o problema da insegurança alimentar existe há séculos e somente a parcela privilegiada da população mundial, os moradores do chamado Primeiro Mundo, se vê as voltas com sua possível escassez.

Os elevados preços do petróleo demandam outras fontes energéticas e, com isso, milhões de toneladas de grãos estão sendo destinadas à produção de combustível. Soma-se a este quadro a especulação, típica da economia capitalista. Na eminência da escassez os governos dos países exportadores restringem as exportações e os consumidores aumentam as compras, instalando-se um quadro de oferta e procura que eleva os preços dos alimentos, que para os pobres equivale à maior parte da sua renda (RHVP, 2007).

A insegurança alimentar é um quadro muito visto nos países em desenvolvimento e o fornecimento de ajuda alimentar por doadores multilaterais, e bilaterais, continua a ser

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uma de suas principais fontes de ajuda. Com a crescente demanda por biocombustíveis, principalmente por parte dos EUA - o maior contribuinte de ajuda alimentar no mundo, que fornece a maior parte dos seus donativos em espécie -, começou a se manifestar a preocupação sobre o desvio de milho a favor da produção de etanol e seu possível impacto nas exportações dos EUA, assim como na quantidade de ajuda alimentar disponível para os países em desenvolvimento (RHVP, 2007).

Neste contexto, segundo RHVP (2007), embora seja demasiado cedo para estimar qual será o impacto da maior produção de biocombustíveis nos EUA sobre os fornecimentos de ajuda alimentar para a África Austral, está na hora dos formuladores de políticas na região pensarem em reforçar a produção local de alimentos, para reduzir a dependência da ajuda alimentar, bem como de importações.

Segundo Flexor (2008), existe um consenso de que a produção de biocombustíveis tem certo impacto na produção de alimentos e, conseqüentemente, em seus preços. Porém, não se sabe ao certo a dimensão deste impacto. Além disso, a crescente produção de biocombustíveis não impacta de forma igual os preços das principais commodities agrícolas. Grande parte do aumento dos preços do milho, segundo Flexor (2008), está relacionado ao fato de grande parte da produção de milho dos Estados Unidos direcionar-se para a produção de biocombustíveis. No entanto, o aumento nos preços da soja não é facilmente relacionado com a produção de biocombustíveis, visto que o aumento de preços da soja provavelmente está mais relacionado com o aumento da sua demanda mundial, principalmente por parte da China e da Índia.

Quanto ao trigo, Flexor (2008) destaca que sua utilização para a produção de biocombustíveis é muito pequena, sendo o aumento dos preços do trigo provocados por políticas de restrição de exportação de grãos e problemas conjunturais. Ainda segundo Flexor (2008), não existe correlação linear entre a produção de biocombustíveis e o aumento dos preços do arroz, já que a industrial de etanol praticamente não demanda arroz.

Logo, o que possivelmente contribui para o aumento nos preços das commodities agrícolas é a substituição de áreas de plantio de soja por milho, por exemplo, gerando inflação agrícola, além de fenômenos naturais que atrapalham a safra. Também as políticas de incentivo à produção de biocombustíveis (etanol e biodiesel) podem gerar expectativas futuras de preços, alterando os preços atuais das commodities agrícolas – os preços não refletem as condições reais de oferta e demanda, gerando especulação. Ou seja, o aumento no preço das commodities agrícolas está mais relacionado aos problemas de oferta do que ao aumento da produção de biocombustíveis. Outro fator que impacta os preços agrícolas é a desvalorização do dólar e o aumento dos preços do petróleo, que afetem custos de transporte e dos insumos, como, por exemplo, fertilizantes (Flexor, 2008).

Assim, a crise alimentar gerada pelo aumento no preço das commodities agrícolas deve-se mais à falta de políticas públicas para agricultura e para a segurança alimentar do que à crescente produção de biocombustíveis. Logo, o problema está no acesso aos alimentos que deveria ser regulado pelo poder público e não deixado na mão invisível do mercado.

Segundo Perrin (2008), o etanol é responsável por não mais que 30-40% do aumento no preço dos grãos nos dois últimos anos, o que significa que apenas 1% do aumento nos preços dos alimentos nos EUA nos últimos dois anos foi causado pela produção de etanol – uma proporção relativamente pequena do atual aumento de preços naquele país. Porém, nas áreas de insegurança alimentar no mundo, o impacto da produção

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de etanol no preço dos alimentos é maior, porque a cesta básica de alimentos consumidos nestes lugares inclui maior consumo direto de grãos (Perrin, 2008). Ou seja, o aumento nos preços dos alimentos afeta muito mais os pobres do que os ricos.

Outros fatores que provavelmente contribuíram para o aumento de preços dos alimentos nos EUA foram: o aumento do preço de energia, que eleva os custos de produção e de transporte de alimentos e; a crescente demanda mundial de grãos gerada, principalmente, pelo aumento do consumo na China e na Índia, junto à especulação (Perrin, 2008). Segundo Perrin (2008), com a globalização, fica claro que o aumento nos preços dos alimentos afeta o mercado global como um todo, e todos os preços de grãos estão relacionados tanto à sustentabilidade da produção agrícola, quanto à do consumo.

2.2. A Produção de Biocombustíveis realmente provocou o aumento do preço dos alimentos?

Os biocombustíveis representam um crescimento significante na demanda por commodities agrícolas, e já se tornaram substitutos da gasolina e do diesel derivados do petróleo, criando um crescente mercado para essas commodities agrícolas que os servem de insumo (Organization for Economic co-operation and Development, 2006). Ao mesmo tempo em que os altos preços do petróleo aumentam os custos da produção agrícola, ele também cria incentivos para a produção de biocombustíveis, estimulando a demanda por estoques de produtos agrícolas (Organization for Economic co-operation and Development, 2006). Ou seja, os impactos do alto preço do petróleo na agricultura decorrem mais dos seus efeitos diretos nos custos da produção agrícola do que do crescimento da demanda por commodities agrícolas.

Em estudo da The Renewable Fuels Foundation (2007), a questão da necessidade de utilização da terra para produção de biocombustíveis e sua competição pela terra cultivável para alimento é relativa. Como podemos verificar no gráfico abaixo, a União Européia é a região que apresenta a pior eficiência na produção de biocombustível, enquanto o Brasil apresenta a melhor relação produção x uso da terra.

Gráfico 1 – Eficiência na Produção de Biocombustíveis

Fonte: Organization for Economic co-operation and Development, 2006

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Além disso, atribuir o aumento de preços dos alimentos à produção de biocombustíveis é por demais simplista, visto que dois estudos independentes não conseguiram provar tal relação de causalidade. No estudo de Melo, Mota & Lima, (2008), verificou-se a bicausalidade entre os preços do etanol e do açúcar no Brasil, constatando-se que, em casos de bicausalidade, é bem provável que uma terceira variável esteja influenciando as duas. No estudo conduzido pela The Renewable Fuels Foundation (2007) verificou-se que há poucos indícios para uma relação de causa-efeito entre o preço dos alimentos e o do etanol. Na realidade, um complexo conjunto de fatores impulsiona o preço dos alimentos.

Historicamente, os preços dos alimentos têm tido uma elevação em épocas de maiores preços do petróleo bruto. Porém, segundo Urbanchuk (2008), muitos outros fatores têm contribuído para o aumento dos preços dos alimentos: o aumento dos preços da energia; a grande demanda global por alimentos; a redução do fornecimento de grãos pela Austrália, Europa e outras regiões; um dólar fraco, que favorece o abastecimento e as exportações dos EUA; a especulação, que afeta os mercados; e, por último, a demanda por biocombustíveis.

Segundo Lohbauer (2008), nos últimos quatro anos os preços médios do barril do petróleo passaram de US$ 30 para US$ 110. Um dos motivos deste aumento foi a intervenção norte-americana no Iraque, segunda reserva mundial, em 2003, e prosseguiu com a percepção de que a infra-estrutura permaneceria deficiente nas maiores áreas petrolíferas. Soma-se a isso o crescimento da demanda chinesa e de países asiáticos, que se tornou crítica desde o fim da auto-suficiência em 1993 e exerce pressão sobre os preços. Este quadro, então, se torna extremamente propício para a atividade especuladora, que é a última responsável pelos preços abusivos do petróleo que se refletiu no custo dos combustíveis, dos transportes e dos fertilizantes e, conseqüentemente, na atividade agrícola (Lohbauer, 2008).

Ainda de acordo com Lohbauer (2008) a utilização do milho para a produção de etanol nos EUA pode até contribuir parcialmente para o fenômeno. Já a produção de etanol de cana-de-açúcar no Brasil não pode ser colocada na mesma análise. A área ocupada com cana para produção de etanol é de 1% da área agricultável do país. O Brasil ainda dispõe de pelo menos 70 milhões de hectares livres para serem ocupados com produção de alimentos e não pode ser acusado de substituir áreas de cultivo para produzir energia. Assim, a alegação de que populações inteiras na África e Ásia estão deixando de comer é demagógica e falaciosa. Os países pobres da África não têm aumento de renda há décadas, justamente porque não têm como exportar seus produtos agrícolas em maior escala para os mercados mais desenvolvidos (Lohbauer, 2008). 3. Agroenergia e Pobreza: os impactos da evolução do cultivo da cana de açúcar sobre a intensificação da pobreza no Brasil.

O cenário mundial se inquieta novamente com os avanços vigorosos dos preços do barril de petróleo e seus impactos sobre as economias centrais do planeta, fazendo com que a opção por uma fonte renovável para a produção de combustíveis ganhe na agenda política e econômica mundial a condição de prioridade máxima. No Brasil, principal produtor de etanol do mundo a partir da cana-de-açúcar, as perspectivas de um novo período de bons resultados com exportações com reflexos positivos para a economia do

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mercado interno, com aumento do emprego, renda e consumo, vêm sendo alimentadas por ações decididas do Estado no que toca ao apoio e incentivo á produção do setor.

Contudo, acompanhando essa onda de otimismo alguns questionamentos relacionados com o futuro sob o domínio ampliado das usinas e dos canaviais ganham força, especialmente em virtude do crescimento das expectativas de mercado mundial aquecido pelas indicações de entrada forte dos EUA e Europa no consumo de etanol.

Concomitante com essa ebulição de perspectivas e apreensões em relação ao futuro se agrega ao cenário a eclosão da questão alimentar sustentada pela escalada dos preços e os efeitos potenciais sobre a condição de segurança alimentar e social da sociedade. Não obstante o fato de que se trata de um problema candente, a crise nos preços dos alimentos ainda não encontrou consenso em torno das suas causas, o que tem permitido o confronto de posições carregadas de apelos midiáticos que em nada contribuem para a busca efetiva de soluções.

A manifestação do presidente do Banco Mundial, Roberto Zoellick, que vem atribuindo o aumento da fome à inflação nos preços dos alimentos que em boa medida, segundo ele, estaria associada à política de estímulo à produção de biocombustíveis que seria o grande vilão na substituição das áreas de cultivo de alimentos por cana-de-açúcar repercutiram no mundo todo. Na mesma direção, Jean Ziegler, o relator especial das Nações Unidas para o Direito à Alimentação, considerou um crime contra a Humanidade a produção em massa de biocombustíveis, opção essa que, conforme sua leitura comprometeria a destinação de terra, água, capital, provocaria alterações na demanda de produtos agrícolas e no seu comércio, refletindo sobre cultivos para produção de energia e tradicionais na forma de aumentos constantes de preços agravando, assim, a assimetria entre a renda dos mais pobres e os preços dos alimentos.

Ainda prevalecem muitas dúvidas em torno da evolução dos cultivos para a produção de energia e, para ficarmos apenas em dois dos temas mais recorrentes no debate sobre o assunto, seus efeitos sobre o meio-ambiente (a cana de açúcar, por exemplo, é uma espécie vegetal particularmente agressiva à fertilidade dos solos e a sua presença como cultura econômica principal tenderia deslocar para áreas virgens a produção de alimentos e gado, acelerando o desmatamento) e sobre a produção e preços dos alimentos - risco à soberania alimentar. Entretanto parece temerário debitar exclusivamente à produção do etanol a responsabilidade pela insegurança alimentar que, em 2008, vem se apresentando na forma do aprofundamento da assincronia entre preços e renda com efeitos potenciais para a insegurança social.

Nesse sentido, a reflexão a seguir tenta a partir da situação particular do Brasil, principal produtor de combustíveis a partir da cana-de-açúcar e um dos três maiores produtores de alimentos do mundo, explorar alguns aspectos do problema com vistas a oferecer ao debate pontos de vista sobre os possíveis impactos da produção de combustíveis renováveis sobre a pobreza e a fome no país.

3.1. Evolução do uso da cana-de-açúcar na produção de etanol e os riscos de ampliação da pobreza no Brasil

Tratemos primeiramente da expansão da cultura da cana de açúcar e a produção de

alimentos.No centro da polêmica em torno da produção de etanol, ganhou força o argumento de que o problema reside na produção de combustíveis a partir do

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processamento do milho. Trata-se de um grão presente direta ou indiretamente num diversificado leque de alimentos básicos e seu emprego para outro fim que não o tradicional, tende a remeter sua natureza de produto alimentar para um segundo nível de emprego, com graves conseqüências sobre os preços na sua cadeia produtiva original. Somam-se a esses aspectos outros de natureza técnica como a baixa produção de combustível quando comparado com a cana de açúcar, a maior demanda de água para o processo de extração, a dependência no plantio, manejo e transformação de insumos e equipamentos que utilizam petróleo, entre outros.

Há que se considerar, entretanto, que os impactos do emprego do milho na produção de etanol estão sendo tomados sob o repique de preços nos alimentos no mundo e os riscos de uma nova explosão de pobreza e insegurança alimentar. Porém, a situação da cana-de-açúcar não pode ser olhada apenas sob o ângulo das vantagens comparativas desta com o milho e das indicações de que seu cultivo não vem afetando, no Brasil, a produção de alimentos. Tomemos inicialmente as projeções de demanda e de produção de etanol no Brasil e nos Estados Unidos apresentadas na Tabela n.º 01

Tabela n.º 01 - Demanda de etanol em 2010 e 2015 (Em milhões de galões)

2010 2015 2010 2015EtanolProdução 12.207 12.436 5.652 7.153Consumo 12.453 12.750 4.794 5.954Diferença (246) (314) 858 1.199

Estados Unidos Brasil

Fonte: Murilo Hernández, Dora Isabel (2008) Os dados obtidos por Murilo Hernández (2008) mostram que, enquanto a produção

norte-americana de etanol apresenta um crescimento aquém do consumo projetado, no caso brasileiro se dá exatamente o oposto. Nessas condições, abre-se para o mercado brasileiro uma excelente perspectiva de exportação do combustível para os EUA, representando um fato importante na construção dos processos decisórios da cadeia do etanol brasileiro quanto à expansão da produção. Contudo, a perspectiva de um mercado externo aquecido pela demanda insatisfeita por etanol poderia determinar, por exemplo, que os investimentos na agricultura fossem destinados majoritariamente para produtos relacionados com a produção de combustíveis em detrimento à produção de alimentos. Com base nos dados apresentados pelo IBGE (2007) e pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA, 2007) já é possível observar um recuo nas áreas destinadas ao cultivo de alimentos em favor da produção de cana-de-açúcar, soja e milho, três produtos relacionados diretamente com a produção de biocombustíveis. Trata-se, de produtos de natureza preferencialmente alimentar terem essa condição deslocada em favor da sua capacidade de, também, servir à produção de combustíveis. Assim, a natureza alimentar associada a essas espécies se enfraquece, passando a ser identificada, apenas, como um subproduto gerado no processo de extração do etanol, com efeitos danosos para a preservação de práticas e hábitos alimentares tradicionais e com reflexos preocupantes nos gastos com alimentação diante de outro conceito de alimento que irromperia desse processo.

O conjunto de dados das tabelas de nº. 02, 03 e 04, onde estão retratados os efeitos escala e substituição em áreas plantadas com culturas alimentares, pastagens e produção

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direta e associada à biomassa, para todas as regiões, revela um avanço significativo, por substituição de áreas, de culturas direta e indiretamente associadas à produção de etanol: cana-de-açúcar, soja e milho. Na macro-região norte/ nordeste a mesma cana recuou juntamente com as áreas de pastagens, arroz e feijão, cedendo espaço para o milho e soja. Tabela nº. 02 - Efeito Escala e Substituição na macro-região Norte/Nordeste(Em 1000 ha)

Norte/Nordeste 1995-2000 2001-2006 V.T. E.Escala E.SubstituiçãoSoja 713,7 1572,6 858,9 (10,1) 869,0 Cana de Açúcar 1229,6 1153,0 (76,7) (17,4) (59,2)Arroz 1393,6 1304,7 (87,8) (19,7) (68,1)Milho 3188,0 3322,0 134,1 (45,2) 179,2 Feijão 2568,8 2516,8 (52,0) (36,4) (15,6)Pastagens Naturais 29600,5 28706,4 (894,1) (419,5) (474,6)Pastagens Plantadas 26862,5 26051,1 (811,4) (380,7) (430,7)Total 65555,7 64626,7 (929,0)

Fonte: Murilo Hernández, D.I., 2008, p136 Tabela n.º03 - Efeito Escala e Substituição na macro-região Sul Sudeste(Em 1000 há)

Sul/sudeste 1995-2000 2001-2006 V.T E.Escala E.SubstituiçãoSoja 6321,9 8490,5 2168,6 22,9 2145,7 Cana de Açúcar 833,9 987,2 153,3 3,0 150,3 Arroz 1351,4 1324,6 (26,8) 4,9 (31,7)Milho 6379,5 6138,1 (241,4) 23,1 (264,5)Feijão 1586,5 1263,9 (322,6) 5,8 (328,3)Pastagens Naturais 28997,9 28122,0 (875,9) 105,1 (980,9)Pastagens Plantadas 20413,4 19796,8 (616,5) 74,0 (690,5)Total 65884,5 66123,2 238,7

Fonte: Murilo Hernández, D.I., 2008, p137

Tabela n.º04 - Efeito escala e Substituição na macro-região Centro Oeste(Em 1000 ha) Centro Oeste 1995-2000 2001-2006 V.T E.Escala E.SubstituiçãoSoja 3490,8 6381,5 2890,7 153,7 2737,0 Cana de açúcar 215,3 318,4 103,1 9,5 93,6 Arroz 577,5 586,3 8,8 25,4 (16,7)Milho 1056,0 1504,5 448,5 46,5 402,0 Feijão 71,3 77,0 5,8 3,1 2,7 Pastagens naturais 12306,4 11934,7 (371,7) 541,8 (913,5)Pastagens plantadas 31052,9 30115,0 (937,9) 1367,2 (2305,1)Total 21880,4 22225,4 345,0

Fonte: Murilo Hernández, D.I., 2008, p137 Em todo o país, aliás, tem sido sobre as pastagens que o avanço das culturas de

cana-de-açúcar e soja tem sido observado. Nos estados da macro-região sul/sudeste enquanto nos estados do sul a soja ocupa áreas de pastagens nativas, em São Paulo, principal produtor da gramínea para a produção de álcool, é sobre pastagens plantadas e áreas ocupadas por laranjais não renovados que se observa o avanço.

Na macro-região Norte/Nordeste, os avanços observados são do milho e da soja, inclusive sobre áreas de cana além das de pasto. Contudo, no estado do Pará, tem sido registrado um forte ritmo de expansão da pecuária associada a um processo intenso de

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desmatamento, que pode ser atribuído, em boa medida, à marcha de expansão do binômio soja e cana, especialmente no centro oeste. Em relação à produção de carne de gado ocorre um deslocamento da produção para áreas mais distantes dos mercados de consumo e canais de exportação. A logística desses novos espaços de produção se vê ás voltas com uma estrutura de custos crescentes, pressionados pelas distâncias a serem percorridas até os centros de consumo e pelos insumos até a zona de produção, sistemas rodoviários precários que dentre outros fatores, refletirão nos preços finais da carne, particularmente para o consumo interno.

A realidade da macro-região sul-sudeste revela um avanço em ritmo de marcha forçada da cana-de-açúcar e da soja, ocupando áreas de pastagens plantadas e naturais, antigos laranjais e, ainda que em menor escala, áreas de cultivo de feijão e milho. De acordo com as projeções do agronegócio no Brasil, desenvolvidas pela Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o comportamento dos principais produtos de alimentação não deverá representar até 2018 nenhum problema mais grave no que toca a disponibilidade de alimentos para atendimento da demanda.

Tabela nº05 Produtos Alimentícios projeções Brasil(Em 1000 T)

Produtos 2006/2007 2017/2018 2006/2007 2017/2018 2006/2007 2016/2018 2006/2007 2017/2018Arroz 12.485 13134 13.000 14.700Milho 42.236 64.122 39.500 48.636 7.500 12.043Soja 57.551 75.348 31.700 38.936 25.200 35.248Carne de frango 9.821 14.414 6.837 9.927 2.984 4.467Carne Bovina 10.630 13.976 8.390 10.850 2.265 4.473Carne Suína 2.973 3.730 2.475 3.136 637 971Trigo 4.128 5.036 10.393 13.331 7.933 8.706Açúcar 30.708 43.213 10.943 13.700 19.550 31.266Etanol milhões de litros 17.600 41.629 14.222 30.337 3.051 11.292Leite milhões de litros 26.675 33.089 26.546 32.295

Produção Consumo Importação Exportação

Fonte: Murilo Hernández, 2008, p.120 A tabela a cima permite que se observe a evolução dos produtos relacionados

diretamente com a alimentação em contraste com aqueles que têm um duplo uso como a soja, o milho e a cana-de-açúcar, todos integrantes da cadeia dos biocombustíveis. A produção de etanol da cana-de-açúcar é um exemplo emblemático. Enquanto o emprego da gramínea para a produção de álcool combustível exibe robustos 136,53% e 113,31% de crescimento projetado para produção e consumo respectivamente, a produção de açúcar, fonte de energia alimentar com perfil de demanda fortemente elástico exibe modesto crescimento de 40,72% na produção e uma elevação de consumo de 25,19%.

No grupo das carnes, hoje considerado como um dos motivos que explicam a pressão altista sobre os preços dos alimentos, a variação da produção e consumo ronda a casa dos 30%. A predominância nesse lote de produtos, de uma taxa anual de crescimento negativo permite pressupor que, mantidas as tendências, pelo menos para tais produtos e para aqueles nos quais os primeiros compõem a cadeia, o mundo deverá enfrentar uma pressão altista nos preços desses itens. Na Tabela nº06 é possível visualizar as projeções de crescimento da população e da renda nos distintos continentes.

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Tabela nº6 - Projeções Mundiais: onde crescerão População e Renda (Em milhões)1

1997-2006 2007-2016 2006 1997-2006 2007-2016Mundo 1,23 1,08 6530 2,86 3,05 100África 2,2 2,04 923 4,21 4,32, 1,8A Latina e Caribe 1,4 1,17 564 2,27 3,79 5,9A do Norte 1,02 0,86 332 2,81 2,62 32,3Europa 0,29 0,06 527 2,2 2,13 27,6,Ásia 1,15 0,98 4150 3,55 4,02 30,3Oceania 1,36 1,08 33 3,33 2,72 2

População Renda(US$) Participação em 2006

Fonte: Murilo Hernández, 2008, p.120 Na tabela n.º06 confirmam-se, pelo menos nas projeções, um avanço significativo

da população em todo o mundo, acompanhado de um movimento de crescimento da renda o que permite supor a manutenção de uma demanda por alimentos aquecida, além de reforçar a idéia de que os níveis atuais de produção não darão conta de atender adequadamente essa nova posição da curva do consumo.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil dispõe e 347 milhões de terras aráveis das quais estão ocupadas 211 milhões de hectares com pastagens, 63 milhões de hectares com lavouras diversas e 7,8 milhões de hectares com cana-de-açúcar.

A produção de alimentos no Brasil vem avançando pela via dos ganhos de produtividade, o que sinaliza uma oferta estável. As projeções do MAPA (2008) apontam para um cenário favorável à exportação, indo, portanto, ao encontro das necessidades mundiais de consumo. Entretanto, a evolução do consumo de combustíveis produzidos a partir do processamento de espécies vegetais insere nesse contexto de otimismo alguns contenciosos. As tabelas n.º 07 e 08 revelam o possível comportamento da expansão das culturas de cana-de-açúcar e soja para 2010 e 2015 tendo como base as projeções de demanda apresentados na Tabela n.º01

Tabela nº07 - estimativa de área adicional para cultura da cana-de-açúcar 2010-2015

2010 2015 2010 2015Brasil 235.740 285.995 2838 3443São Paulo 145.889 177.002 1756 2131Paraná 16.657 21.421 213 258Minas Gerais 16.030 19.448 193 234Alagoas 13.555 16.445 163 198Outros 42.598 51.679 513 622

Produção Adicional Estimada de Cana-de-Açúcar

(mil T métricas)

Área adicional estimada

(mil ha)

Fonte: Murilo Hernández, 2008, p.124

1 Nota: a renda é mensurada pelo PIB em dólares de 2000 a preços de mercado. A taxa anual de crescimento foi estimada por mínimos quadrados ordinários. Fonte: UN World P.P.(2004), WBGE, apud projeções do Agronegócio Mundo e Brasil, MAPA

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Tabela nº08 - Estimativa de área adicional para cultura da soja 2010-2015

2010 2015 2010 2015Brasil 4.545 13.636 1661 4984Mato Grosso 1.211 3.634 443 1328Paraná 258 773 94 282Rio Grande do Sul 36 109 13 40Goiás 4 12 1 4Outros 3.036 9.108 1110 4984

Área adicional estimada

(mil ha)

Produção Adicional Estimada de Soja

Fonte: Murilo Hernández, 2008, p.125

Não obstante ser aceitável a hipótese das dimensões da área agricultável no Brasil,

de que a expansão da soja e cana-de-açúcar teria por onde crescer sem comprometer as áreas destinadas tradicionalmente à produção de alimentos, a história recente da modernização conservadora do campo no Brasil, com o apoio às monoculturas, permite alguns questionamentos.

Tomemos inicialmente a escalada de preços do petróleo e o aquecimento da demanda por etanol, seja interna, provocada pelos veículos bi-combustíveis, cuja frota se expandiu fortemente impulsionada pelas facilidades do crédito, que tem permitido que o ingresso de novos veículos em circulação no país cresça a impressionantes 25% ao ano, seja externa, com o interesse já demonstrado pelo combustível por parte da Comunidade Européia, Estados Unidos e países da América do Sul. A perspectiva de um mercado em expansão para os biocombustíveis tem estimulado novos e crescentes investimentos em usinas de álcool e migração de propriedades rurais para o controle de grandes grupos econômicos interessados na produção de cana-de-açúcar.

As previsões do mercado para a safra 2008 é que deverão entrar em funcionamento na região centro-sul do Brasil, onde se localiza o principal volume de produção de cana e de álcool combustível, 32 novas usinas, muitas delas sob controle de grupos de mega-investidores internacionais. A UNICA prevê nos próximos anos a implantação de mais uma dezena de novas unidades, envolvendo um total de US$17 bilhões em investimento.

Convém destacar que a idéia de planta industrial no desenho atual do circuito de produção não pode ser compreendida como apenas as instalações relacionadas com a moagem e extração do etanol. A operação desses complexos pressupõe o controle da produção, seja por intermédio da aquisição de propriedades rurais, seja pela via do arrendamento de fazendas. O fato relevante na análise é que o controle da cadeia pertence todo ele à unidade industrial e que a gestão do complexo integra o campo de interesses do capital financeiro com todas as dimensões que isso acarreta.

3.1.2 Renda, emprego e a pobreza para o trabalhador da cana-de-açúcar Muito embora, até o presente, o avanço da cana-de-açúcar se dar pelo deslocamento

da pecuária para regiões de fronteira agrícola, com sérios riscos à preservação ambiental, é preciso destacar também que em zonas antigas de café, laranja e mesmo produção de leite,

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além de áreas destinadas ao turismo rural e de aventura, a ocupação da cana também é uma realidade. Os efeitos desse movimento atingem diretamente o emprego de trabalhadores que anteriormente estavam envolvidos com atividades relacionadas com os misteres tradicionais e que se tornam dispensáveis no arranjo produtivo da nova cultura.

A esse cenário, acrescenta Alves (2007), somam-se os trabalhadores volantes contratados pelo Complexo Agro-Industrial paulista oriundos especialmente dos estados do Maranhão e Piauí, dois dos mais pobres estados da federação. Essa opção se explica pelo fato dos contingentes de mão-de-obra local, em virtude das melhores condições de articulação política, de acesso regular às informações e movimentações sociais de outras categorias de trabalhadores, e das possibilidades de compor a renda a partir dos programas sociais de transferência, tanto lutarem para fazer valer seus direitos de não se sujeitarem à super-exploração do trabalho.

Por outro lado, o migrante contratado se encontra numa situação de vulnerabilidade máxima. Assim, descreve Alves (2007), a condição desse trabalhador ao chegar ao canavial:

“1) endividado porque contraiu dívida para a compra da passagem e para sua manutenção, durante a viagem e até começar a trabalhar e receber o primeiro salário.

2) ciente de que sua reprodução e de sua família passa a ser garantida apenas pelo dinheiro, porque ela já não produz parte dos produtos de subsistência, por meio do seu trabalho.

3) está em uma terra estranha, longe de seus familiares, que dele dependem, terra esta onde não conhece ninguém, além de outros migrantes como ele.

4) não pode retornar antes do final da safra e não pode retornar sem dinheiro porque retornar nessas condições seria demonstrar publicamente, na origem seu fracasso.” (ALVES, F;p.46,2007) Os impactos dessa dupla situação de vulnerabilidade da mão-de-obra alocada e

deslocada pela cultura da cana nas cidades onde essa lavoura predomina se fazem notar com força no estrangulamento da capacidade de atendimento da rede pública de serviços essenciais. A soma do desemprego com um contingente de trabalhadores submetidos a jornadas extenuantes e de alto risco para a saúde, mediada pela pobreza decorrente de uma renda insuficiente, tem sido uma justificativa recorrente empregada por muitos prefeitos paulistas junto ao governo do estado no sentido de coibir a expansão da cana para seus municípios.

A justificativa é simples e direta. Nas cidades onde não existem usinas instaladas e predominam as propriedades rurais dedicadas ao cultivo da gramínea, as transferências de recursos são insuficientes para que dêem conta da pressão sobre os serviços públicos locais, sobrecarregados nos períodos de safra pela presença de expressivos contingentes de trabalhadores temporários. Tanto a população residente quanto a flutuante se vê exposta ao desabrigo das coberturas básicas, agravando cenários de pobreza e desolação.

As Tabelas nº09 e nº10 permitem que se tenha uma idéia bastante atualizada da situação do emprego e da renda dos trabalhadores da cana-de-açúcar. Essa dimensão, inicialmente, revela a magnitude do contingente de trabalhadores ligados ao setor e a renda dos mesmos. Por ocioso que seja, destaque-se que, pelo menos nos caso dos trabalhadores

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temporários, parte da renda auferida destina-se às famílias que ficaram nas suas cidades de origem, logo, não são incorporadas no fluxo econômico do local de residência provisória.

Tabela nº09 - posição da ocupação principal das pessoas ocupadas na agricultura, com a

cana de açúcar Brasil (semana + ano) (em milhares de pessoas) Posição de ocupação

no ano 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Tx 01/06 (%)

Empregado registrado 306 328 334 363 399 432 7,1 Empregados s/registro 172 177 155 172 190 167 -0,5Por conta própria 38 39 36 37 38 27 -4,6Empregador 9 8 16 12 13 14 9.7Auto consumo 11 - 7 3 6 8 -Não remunerados 23 33 33 47 36 35 8,1

Total 561 590 583 634 684 684 4,4 Fonte: tabulações especiais das PNADs do IBGE. Exceto áreas rurais de AC, AP, PA, AM, RO, RR

Tabela nº10 - Renda média do trabalho principal segundo posição de ocupação principal das pessoas ocupadas na agricultura, com cana de açúcar.Referência: renda média no mês

de setembro R$ setembro/2006 corrigido pelo INPC) Posição na ocupação

no ano2001 2002 2003 2004 2005 2006

Tx 01/06 (%)

Empregado registrado 413 410 406 450 513 538 6,2Empregado s/registro 231 245 251 248 250 286 3,2Conta Própria 684 452 378 395 510 637 0,1Empregador 3231 2327 4875 4781 3124 2933 1,1Auto Consumo 0 - - - - 0Não remunerados 0 0 0 0 0 0Total 398 376 473 439 478 499 5,2

Fonte: tabulações especiais das PNADs do IBGE exceto AC, AP, AM, PA, RO, RR

O emprego formal, como revelado na Tabela n.º09, cresce em ritmo constante

enquanto as ocupações onde o trabalhador não possui registro trabalhista apresenta uma tendência suave de queda -0,5% em relação ao ano de 2001. No tocante aos dados da Tabela nº10, que têm como base de cálculo o mês de setembro de 2006 (período de safra), considerada a expansão de 6,2% do rendimento médio de 2006 em relação a 2001, temos que, para os trabalhadores com carteira assinada, a renda esteve em torno de 1,5 salários-mínimos e, para os sem registro, 0,81 salários-mínimos per capita.

Com fim meramente ilustrativo, o valor médio da cesta básica calculada pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Econômicos (Dieese)2, em setembro de 2006, para 16 capitais3, era de R$148,80, representando o comprometimento de 27,66% e 52,03%, respectivamente, da renda desses trabalhadores apenas com a alimentação da família. Mesmo considerando que na atividade da cana-de-açúcar os trabalhadores do setor, em qualquer das duas categorias, recebem o benefício da cesta básica ou vale 2 www.dieese.org.br 3 Capitais pesquisadas: Brasília, Goiânia, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Vitória, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Aracaju, Belém, Fortaleza, João Pessoa, Natal, Recife e Salvador.

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alimentação, não deixa de ser eloqüente o peso que um único item, relacionado com a satisfação das necessidades básicas dos indivíduos, pode ter sobre a renda dessas mesmas pessoas.

A Tabela nº11 apresenta os dados sobre a situação das famílias dos trabalhadores envolvidos com as atividades agrícolas da cana-de-açúcar. Cabe lembrar que a classificação de pobres empregada no Brasil refere-se a grupos de renda per - capita de até metade de um salário mínimo, ou seja, para setembro de 2006, R$175,00.

Tabela n.º11 - Tipos de famílias com algum integrante ocupado na atividade agrícola com cana-de-açúcar Brasil (em milhares de famílias)

Tipo de família

2001 2002 2003 2004 2005 2006Tx 01/06

(%)

Famílias pobres

281 304 301 297 316 265 -0,5

Famílias não pobres

188 181 192 209 262 297 10,5

Sem declaração

10 6 4 8 - 8 -

Total Brasil 479 490 497 514 580 570 4,1 Fonte: tabulações especiais das PNADs do IBGE exceto áreas rurais de AC, AP, AM, PA, RO, RR

Vimos que a renda média per capita dos trabalhadores da cana (tabela n.º10) em

2006 era de R$ 538,00 e R$ 286,00 para registrados e não registrados, respectivamente. Logo, a classificação de não pobres e de pobres tomadas exclusivamente pelo corte de renda exibe certa fragilidade, especialmente se considerarmos as necessidades das famílias e os custos de bens e serviços para satisfazê-las adequadamente. No tocante aos rendimentos, nota-se uma evolução positiva dos ganhos nas categorias trabalhadores registrados e trabalhadores sem registro. Acresce-se que nos casos de emprego formal há a incorporação de rendimentos indiretos além da proteção contra o desemprego (salário desemprego).

Tabela n.º12 - Tipos de famílias segundo os grupos de renda per capita em salários

mínimos de setembro de 2006 – Brasil (em milhares de famílias)

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Classe (SM) de renda familiar per capita

2001 2002 2003 2004 2005 2006Tx 01/06

(%)

Sem rendimento 827 618 728 589 533 499 -8,7

Até ¼ SM 5530 5500 6162 5471 4996 4254 -4,8

Mais de ¼ SM até ½ SM 8646 9017 9522 9449 9335 8799 0,5

Famílias pobres (sub total) 15004 15134 16412 15510 14864 13552 -1,8

Mais de ½ até 1 SM 12734 13236 13732 14163 14638 14970 3,3

Mais de 1SM 18251 19792 18619 20148 21892 24246 5,8

Sem declaração 1031 972 1044 1217 931 1146 1,6

Total de famílias brasileiras 47020 48133 49806 51038 52325 53913 2,8

Fonte: tabulações especiais das PNADs exceto áreas rurais de AC, AP, AM, PA, RO, RR

Tabela nº13 - Tipos de famílias com algum integrante ocupado na atividade

agrícola com cana-de-açúcar Brasil (em milhares de famílias)

Tipos de Família 2001 2002 2003 2004 2005 2006Tx 01/06

(%)Famílias pobres 281 304 301 297 316 265 -0,5Famílias n pobres 188 181 192 209 262 297 10,5Sem declaração 10 6 4 8 - 8 -Total Brasil 479 490 497 514 580 570 4,1 Fonte: tabulações especiais das PNADs do IBGE exceto áreas rurais de AC, AP, AM, PA, RO, RR

Na Tabela nº12 o rendimento do segmento agrícola da cana de açúcar acompanha o comportamento da renda per capita para o país. Em números absolutos, enquanto no Brasil os não pobres entre 2001 e 2006 experimentaram uma expansão na casa dos 26,56% no setor agrícola da cana-de-açúcar esse crescimento foi de 57,58%. Contudo, quando esse mesmo procedimento é aplicado sobre as famílias cujo rendimento atinge até ½ SM per capita (R$ 175,00/set.2006), o que se observa é que na cana o ritmo de recuo da pobreza é mais lento do que o registrado para essa mesma categoria no Brasil, porém, contínuo. Há que se considerar, ainda, que a retração do emprego informal comporta uma dupla interpretação. Pela vertente otimista, poderíamos imaginar que ocorre no setor uma transformação nas relações de trabalho e, com isso, os cortadores de cana, principal categoria dominada pela informalidade, ingressaram num novo patamar de trabalho protegido. Sustentando tal suposição, existem informações que dão conta de trabalhadores em algumas regiões de São Paulo que vêm deixando o corte de cana para ingressarem em olarias, serrarias e outras atividades fora do setor em que se encontravam. Também, avança no segmento do corte da cana a migração para contratos temporários de trabalho, o que representa um ganho transitório de seguridade para esses empregados. Por outro lado, existem fortes indícios que o avanço da mecanização da colheita já vem diminuindo o emprego e que o primeiro contingente afetado seria exatamente o dos trabalhadores volantes.

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Figura n.º 1 - Índice de Mecanização nos Escritórios de Desenvolvimento Rural,

Estado de São Paulo, Junho de 2007

Fonte: Instituto de Economia Agrícola-APTA e Coordenadoria de Assistência Técnica Integral.

A Figura n.º1 permite que se tenha uma idéia substantiva do que o futuro reserva para a mão-de-obra envolvida com o setor da cana-de-açúcar para os próximos anos. O somatório dos protocolos ambientais com as exigências do mercado externo por um combustível ambientalmente “limpo”, os avanços da tecnologia em direção à oferta de implementos agrícolas para a o corte da cana, economicamente mais vantajoso do que o emprego do trabalho humano no corte manual, deve ampliar a redução de postos de trabalho com impacto destrutivo sobre o segmento, inicialmente, dos cortadores e daqueles que se ocupam de atividades no setor na condição de trabalhador sazonal.

Na argumentação de Fredo et al(2008), a cada 1% de avanço na mecanização, em São Paulo, 2700 postos de trabalho serão eliminados; considerados os protocolos ambientais que prevêem o fim da queimada da cana em 2015 e o ritmo que vem marcando a mecanização, não seria exagero afirmar que em menos de 10 anos o problema social brasileiro deverá enfrentar um novo repique de pobreza com o ingresso de novos inimpregáveis. No estado de São Paulo, o avanço da mecanização vem se antecipando às exigências futuras definidas nos protocolos ambientais com efeitos sobre o emprego. A adoção da colheita mecanizada, mesmo para áreas tidas como não mecanizáveis em razão de forte declividade, indica que já se pode contar com avanços de tecnologia que pode ser empregada nesses terrenos e, na medida em que vem sendo adotado o uso dessas colheitadeiras, os custos envolvidos quando tomados em relação aos resultados obtidos já são mais interessantes do que o emprego da colheita manual. Essa realidade, ainda vivida apenas em São Paulo, certamente se expandirá para o restante do país com impactos na situação do emprego. Com a mecanização da colheita os problemas envolvendo a mão-de-obra ocupada no setor canavieiro não se limitarão à diminuição de vagas. Ante um contingente agigantado de inimpregáveis, a lógica da exploração, que encontra na lavoura canavieira um campo fértil - a ponto de o segmento ser considerado um dos campeões em violações trabalhistas e humanas no Brasil -, ganha mais alento na medida em que poderá

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contrapor a realidade do desemprego à possibilidade de trabalhar por muito menos e com uma intensidade na exploração do trabalho que compense a substituição da máquina pelo homem.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cenário apresentado construído ao longo desse trabalho percorreu distintos momentos e possibilidades. As evidências de que a lavoura da cana-de-açúcar no Brasil não concorre ou compromete a produção de alimentos, como visto aqui, devem ser encaradas com cuidado uma vez que pelo menos dois produtos importantes desse rol, milho e soja, têm relações diretas com a produção de biocombustíveis, logo, o emprego dos mesmos, como alimento ou combustível, tende a se subordinar à lógica das necessidades e conveniências do mercado de energia mundial. Assim, o fato de serem levantados argumentos em defesa da expansão da cana e da produção de etanol assentados na disponibilidade avantajada de terras agriculturáveis e ainda não ocupadas no país não pode ser tomado como expressão integral da realidade. Em todo o mundo, a busca por outro combustível que possa substituir o petróleo tem sido uma constante. A dependência do óleo controlado por um restrito grupo de produtores e os indícios de esgotamento das reservas no planeta são motivos mais do que suficientes para a pesquisa em torno de outra fonte de energia, tanto melhor se renovável.

Cabe ressaltar que, se os biocombustíveis fossem realmente a principal causa dos aumentos dos preços dos produtos alimentares, seria de esperar que o preço do arroz aumentasse um pouco menos do que os preços das principais commodities usadas para a produção de biocombustível. Mas este não parece ser o caso. Uma hipótese alternativa é que os especuladores estão fugindo do mercado financeiro (ou seja, institucional) e de investimentos em títulos em moedas locais, tais como os EUA, em busca de ativos reais. Então, pode-se afirmar que a inflação geral dos preços da maior parte das commodities parece ser mais coerente com a especulação nos mercados do que com a produção de biocombustíveis, cuja influência se daria em alguns gêneros alimentícios, mas não na maioria, e não de forma igual.

Neste estudo ponderamos, com base em projeções, que existirá até 2016 um hiato entre a produção e consumo de etanol nos EUA e que no Brasil a produção excedente poderia supri-lo sem esforços. Tal expectativa funciona como uma poderosa força sustentada pela presença do Estado, seja garantindo crédito e outros incentivos financeiros ao produtor, seja apoiando pesquisas e novas tecnologias. Nos próximos seis anos, contados a partir de 2008, o etanol deverá receber um investimento na casa dos US17 bilhões alocados em novas usinas que se somarão às 32 unidades que entrarão em funcionamento na safra 2008. Tais investimentos, conforme dados da União da Agroindústria Canavieira (ÚNICA) serão alocados na região centro-sul do país, ou seja, onde atualmente a cana-de-açúcar já é a cultura predominante.

A localização das plantas industriais nos territórios dotados de infra-estrutura mais consolidada permite prever que a tendência de expansão da lavoura canavieira, que atualmente tem se realizado pela via da ocupação de áreas de pastagens degradadas e de fruticultura cujos pomares não foram renovados, será a de ocupar áreas hoje empregadas para outros cultivos. Obedecendo as necessidades de um mercado aquecido, as aquisições de novas áreas empurram os preços da terra para cima, criando condições atrativas para

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que os proprietários da região se desfaçam de suas propriedades. A Comissão para Assuntos da Amazônia Legal da Confederação Nacional da Agricultura atribui a expansão da bovinocultura em direção à região amazônica como uma conseqüência direta do avanço da cana-de-açúcar e da soja nas áreas tradicionais do setor no centro-sul do país. Estimulada por terra barata e crédito fácil a pecuária na região amazônica, ao mesmo tempo em que leva o Brasil à posição de principal exportador mundial de carne também promove o país como um devastador ambiental insaciável.

Em entrevista concedida em 27 de abril de 2008 ao jornal Folha de São Paulo, o economista Bruno Parmentier, autor da obra “Norrir l’Huamnié”(Nutrir a Humanidade), prevê que o século XXI será de penúria alimentar em razão da combinação da expansão da demanda com os efeitos negativos dos custos de produção de alimentos, impactos da degradação ambiental sobre o clima e fertilidade do solo entre outros aspectos. Temos, pois, aqui reunidos um conjunto de possibilidades que podem sustentar a previsão de que a expansão da cana-de-açúcar destinada à produção de combustível está fortemente relacionada com os riscos de incremento do nível de pobreza no país, pela intensificação da espoliação do trabalho da mão de obra volante, ou pela ampliação do contingente de desempregados estruturais que, à margem de todas as redes de proteção, tenderão a mergulhar na dependência total da cobertura do Estado.

Porém, o aspecto mais alarmante é a possibilidade dos preços dos alimentos, que nessa conjuntura de crise vêm num ritmo de alta muito forte, experimentarem novos picos de elevação impulsionados, seja pelo deslocamento da produção para áreas distantes dos centros principais de consumo, o que significa incorporação de custos de produção e logística que atualmente não integram a composição dos preços, seja pelas pressões que a demanda externa por alimentos, que de acordo com as projeções mais otimistas devem se prolongar até meados do século XXI. 5. BIBLIOGRAFIA ALEXANDER, Corinne; HURT, Chris (2008). Biofuels and Their impact on Food Prices. Purdue University: Purdue Extension BioEnergy series. BANCO MUNDIAL (2008). Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial: Agricultura para o Desenvolvimento. Banco Mundial: Washington D.C. BROWN, L. (2007). Distillery Demand for Grain to Fuel Cars Vastly Underestimated. Washington: Earth Policy Institute, Jan/2007. Disponível em: http://www.earth-policy.org/Updates/2007/Update63.htm. BUSINESS WEEK (2007). Food vs. Fuel. Feb 2007. Disponível em: http://www.businessweek.com/magazine/content/07_06/b4020093.htm?chan= search. DA SILVA, P. R. F.; DE FREITAS, T. F. S. (2008). Biodiesel: o ônus e o bônus de produzir combustível. Ciência Rural, Santa Maria, v.38, nº3. FLEXOR, Georges (2007). A Conturbada Trajetória do Álcool Combustível no Brasil e seus Desafios Atuais. Rio de Janeiro, CPDA/UFRRJ: OPPA, nº2. FLEXOR, Georges (2008). Preços Agrícolas e Biocombustíveis num Contexto de Insegurança Alimentar. OPPA, nº20. LOHBAUER, Christian (2008). Biocombustíveis versus alimentos: um falso debate. Opinião Política: Brasil/Alemanha. MELO, A. S., MOTA, D. G., LIMA, R. C. (2008). Uma Análise Da Relação Entre Os Preços Dos Biocombustíveis E Das Culturas Alimentares No Brasil: O Caso Do Setor

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