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INS LACERDA ARAJO
LINGUAGEM E REALIDADE: DO SIGNO AO DISCURSO
Tese apresentada ao Curso de Ps-Graduao em Estudos Lingsticos, Departamento de Letras Clssicas e Vernculas da Universidade Federal do Paran, como requisito obteno do ttulo de Doutor em Letras, rea de Estudos Lingsticos.
Orientador: Prof. Dr. Jos Borges Neto
C U R I T I B A
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w m
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN SETOR DE CINCIAS HUMANAS, LTRAS E ARTES COORDENAO DO CURSO DE PS GRADUAO EM LETRAS
P A R E C E R
Defesa de tese da doutoranda INS LACERDA ARAJO, para obteno do ttulo de Doutora em Letras.
Os abaixo assinados Jos Borges Neto, Carlos Alberto Faraco, Kanavillil Rajagoplan, Bortolo Valle e Jorge de Albuquerque Vieira argram, nesta data, a candidata, a qual apresentou a tese:
"LINGUAGEM E REALIDADE: DO SIGNO AO DISCURSO."
Procedida a argio segundo o protocolo aprovado pelo Colegiado do Curso, a Banca de parecer que a candidata est apta ao ttulo de Doutora em Letras, tendo merecido os conceitos abaixo:
Prof.3 Marilene Weinhardt Vice-Coordenadora
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"O mundo no fala, apenas ns falamos. Desde que
fomos programados com uma linguagem, o mundo
pode levar-nos a aderir a crenas. Mas no poderia
fornecer uma linguagem para que ns falssemos.
Apenas outros seres humanos podem faze-lo".
(Richard Rorty: Contingence, Irony, Solidarity, 1989).
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SUMRIO
RESUMO. V
ABSTRACT. vi
INTRODUO. 1
I - SIGNO E REFERNCIA 9 1.A PROBLEMTICA DA LINGUAGEM 9
1.1. Breve Escoro Histrico 9
2. SIGNO E REFERNCIA 17 2 . 1 . 0 Signo Lingstico 17 2.2.0 Problema da Referncia para Saussure 20
3.CONCEITO E OBJETO 25 4. OS LIMITES DA SEMNTICA........ 28 5. A CONTRIBUIO DE PEIRCE 33
5.1 O esquema triangular de Peirce 33
5.2. As trs categorias do signo 34
II - AS SENTENAS: SIGNIFICAO, VERDADE E REFERNCIA 42
1. SIGNIFICAR E NOMEAR 42 2. REFERIR DIFERE DE SIGNIFICAR: FREGE 47 3. A SOLUO DE RUSSELL AO PROBLEMA DA DENOTAO 53 4. O PARALELISMO ENTRE LINGUAGEM E REALIDADE PARA WITTGENSTEIN NO TRACTATUS LOGICO PHILOSOPHICUS 56 5. A REFERNCIA DIRETA NA ABORDAGEM NEOFREGEANA 63 6. KRIPKE E A RIGIDEZ REFERENCIAL 70 7. CONSEQNCIAS DO SEMANTICISMO 78
III. A REVOLUO WITTGENSTEINIANA: OS ATOS DE FALA 85 1. O WITTGENSTEIN DE INVESTIGAES FILOSFICAS 85
1.1.0 Paradigma Ps-metafsico 86 1.2 Fim do Primado da Lgica e da Metafsica 87 1.3. Os Jogos de Linguagem 91 1.4.0 Problema da Referncia 97 1.5. Critica Linguagem Privada 103
2. A CRTICA DE STRAWSON TEORIA DAS DESCRIES DE RUSSELL..... 105 3. AUSTIN E AILOCUCIONALIDADE 109
3.1. Constativos e Performativos 110 3.2. Os Atos de Discurso 111 3.3. As Afirmaes 113
4. A REFERNCIA COMO ATO DE FALA PARA SEARLE 118 IV- A CONTROVRSIA EXTERNALISMO XINTERNALISMO 121
1. DEWEY: O SIGNIFICADO COMO FUNO DO COMPORTAMENTO COOPERATIVO 122 2. AINESCRUTABILIDADE DA REFERNCIA PARA QUINE 126
2.1. O Problema Ontolgico 127 2.2. A Relatividade Ontolgica 131
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3. DAVIDSON E A INTERPRETAO RADICAL 137 4. PUTNAM E A QUESTO DA FIXAO DA REFERNCIA 146 5. INTERNALISMO E REFERNCIA PARA CHOMSKY 154 6. POR QUE UMA TEORIA DA REFERNCIA DISPENSVEL, SEGUNDO O PRAGMATISMO 163
V- REFERNCIA E DISCURSO : O PAPEL DA PRAGMTICA 167
1. UMA MUDANA DE ENFOQUE 167 2. DA REFERNCIA AO PROCESSO DE REFERENCIAO 170 3. A NOO DE DISCURSO EM FOUCAULT 178
3.1. Por que Anlise do Discurso? 178 3.2. Enunciado e Discurso 181 3.3. Formao Discursiva 182 3.4. A Funo Sujeito 185 3.5. O Referencial e o Domnio Associado 186 3.6. A Materialidade Discursiva 190 3.7. O Conceito de Discurso 191 3.8. O Poder do Discurso 193 3.9. Avaliando Conseqncias da Anlise Foucaultiana do Discurso 197
4. A TEORIA DA AO COMUNICATIVA DE HABERMAS: A VIRADA LINGSTICA E A VIRADA PRAGMTICA 203
4.1 Da Semntica Pragmtica 204 4.2 Ao Comunicativa e Ao Estratgica 206 4.3 A Teoria da Ao Comunicativa como Implicando uma Teoria Sociolgica 213
CONCLUSES 217
REFERNCIA BIBLIOGRFICA 229
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RESUMO
Esta tese aborda a relao entre linguagem e realidade, percorrendo os nveis do signo lingstico, da proposio, do ato de fala, e, finalmente, do discurso. Pressupomos que a questo da referncia torna-se crucial a partir de fins do sculo XIX, e hoje, com a pragmtica, dissolve-se como questo primordial, o que traz conseqncias proveitosas para a lingstica e para a filosofia da linguagem. Analisamos a contribuio do estruturalismo de veio saussureano, a noo de interpretante de Peirce, a relao da proposio com a realidade em Frege, Russell e no primeiro Wittgenstein. O ponto de virada a noo de jogo de linguagem de Wittgenstein IL A anlise passa a acentuar o papel do locutor situado, do uso lingstico, de modo que a proposio, como fica claro com Austin, passa de central e apenas um entre os atos de fala com valor ilocucionrio. Tambm o pragmatismo contemporneo, de Quine a Davidson, mostra a inescrutababilidade da referncia. Na contraposio entre as posies externalista e internalista (Chomky), mostramos que a primeira d melhor conta da relao linguagem/realidade. No ltimo captulo, ressaltamos a importncia da anlise do discurso, atravs de dois de seus principais representantes, Foucault e Habermas. Em que pesem suas diferenas, ambos conduzem a discusso para o terreno poltico, para o poder do discurso. A linguagem contingente, mas, ao mesmo tempo, pelo discurso que o dizer assume uma fora, enquanto poder (Foucault) e enquanto ao comunicativa (Habermas).
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ABSTRACT
This thesis is a study about the relation between language and reality, searching through the levels of the linguistic sign, the proposition, the speech act and, finally, the dicourse. We presuppose that the question of reference became a crucial one since the end of the 19th century. Nowadays, with the pragmatics, it has been dissolved as a prime question, what brings rich consequences for both Linguistics and Philosophy of Language. We analyse first the contribution of the saussurean structuralist position on sign, the notion of interpret of Peirce, the relation between proposition and reality in the conception of Frege, Rssel and Wittgenstein I. The turning point is the notion of linguistic game, as it is developed by Wittgenstein H. Since then, the analysis of reference foccusis the attention on the role of the speaker in situation, on the use of language. In this way, the proposition, as Austin clearly shows, is no more central, instead, it is just one among the various speech acts, wich provides language of illocionaiy strenght. The contemporaneous pragmatism, in a parallel way, from Quine to Davidson, makes evident the inscrutability of reference. Contrasting externalism and internalism (Chomsky), we believe that the first position gives a better account of the relation between language and reality. In the last chapter, we enphasize the importance of discourse analysis, through two of its main thinkers, Foucault and Habermas. Even considering its differences, both conduct the discussion to the political field, to the power of the discourse. Language in contingent, although, at the same time, it is due to the discourse, that saying assumes a strength, as power (Foucault ) and as communicative action (Habermas).
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INTRODUO
provvel que se estranhe a presena de tantos autores, to dspares em suas
idias, num s trabalho. A inteno mostrar as diversas perspectivas pelas quais o
tema espinhoso da referncia, da relao entre linguagem e realidade, palavras e coisas,
abordado. Diferentes perspectivas e solues so analisadas para evidenciar nosso
argumento central, o de que o problema da referncia, tomada em sentido amplo e no
apenas como um processo que se serve de expresses lingsticas para nomear, designar
ou realizar a chamada "referncia direta", passa de nuclear a perifrico. E isso ocorre no
curto perodo que abordamos, fins do sculo XIX at nossos dias. Mostraremos que essa
trajetria se deve a uma mudana de paradigma: no paradigma lingstico a referncia
nuclear, com a virada pragmtica, j no pensamento ps-metafsico, no paradigma da
intersubjetividade lingstica, passa a ser um dos aspectos da linguagem, um entre os
inmeros atos de fala, com efeitos e produo em termos de discurso.
A partir desse tema, inspirado nele, procuraremos mostrar como o prprio
fenmeno da linguagem pode ser caracterizado em suas dimenses de signo
(significao, simbolizao e semiotizao), de proposio enquanto forma de
descrever e/ou representar estados de coisa (relao entre significado, referncia e valor
de verdade), de ato de fala que demanda um certo tipo de comportamento e um uso em
situao (linguagem como forma de comportamento e valor ilocucionrio dos atos de
fala), de discurso, entendido como efetivao do dizer e do dito (lugar de constituio
do sujeito e das formas lingsticas com valor e fora social, poltica, bm como do
entendimento mtuo).
Dados os objetivos acima apontados, ressaltaremos a discusso do lugar que
cabe ao problema da referncia na lingstica e na filosofia da linguagem
contemporneas, atravs da anlise de algumas das mais importantes abordagens acerca
da relao linguagem/realidade, procurando evidenciar as transformaes e variaes
que essa questo assume, conforme se trate do enfoque lingstico, lgico-
proposicional, ilocucional (ato de fala) e discursivo, ou, em outras palavras,
percorreremos as dimenses da estrutura lingstico-gramatical, lgico-semntica e
pragmtico-discursiva.
"Como se relacionam as palavras com o mundo?" Com esta questo Searle inicia
sua obra Speech Acts. Trata-se do velho problema da referncia que desde Plato at
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Davidson, tem perturbado filsofos, lingistas, tericos da comunicao. H uma
relao entre palavras e coisas significadas, nomeadas, designadas - isto certo. Porm,
os seguintes problemas surgem: a)qual a natureza do "lao" que as une, como se
relacionam; b)o que se entende por palavras, signos, frases, enunciados, discursos
capazes de operar essa relao; c) qual a categoria ou natureza da "realidade" referida
(externa-objetiva, interna-impressiva, construda ou selecionada por formas a priori,
evento, bloco rgido de coisas em si, categorias. O que no esgota a lista de candidatos a
"realidade").
Posto dessa forma, o problema adquire dimenses descomunais, que extrapolam
uma anlise com mnimo de rigor terico. preciso fazer recortes, escolher enfoques,
delimitar uma trajetria, lanar mo de pressupostos.
O recorte escolhido (e esta escolha no arbitrria) a chamada virada
lingstica {linguistic tum), momento em que o pensamento ocidental volta-se para o
problema da linguagem, com transformaes rpidas e importantes ocorrendo na
lingstica e na filosofia da linguagem. A partir de fins do sculo XVIII ocorre um corte
epistemolgico e a linguagem passa a ser um dos focos centrais do pensamento
ocidental. J no mais simples instrumento para o pensamento representar as coisas, e
sim estrutura articulada, independente de um sujeito ou de toma vontade individual e
subjetiva, no mais submetida funo exclusiva da nomeao ou designao, quer
dizer o signo no se limita a estabelecer uma relao direta com a coisa nomeada.
Temos assim, no lugar de uma anlise das representaes, a anlise da linguagem, cujas
expresses gramaticais so pblicas.
Grandes nomes e novas escolas surgem nesse panorama renovado, em que o
enfoque filosfico modifica-se radicalmente, no mais centrado nas indagaes sobre o
conhecimento e a razo, seus limites e propriedades, e sim na linguagem. Portanto,
trata-se de um itinerrio recente, que vai desde finais do sculo XIX, at as
contribuies mais atuais das vertentes pragmtico-discursivas, que caracterizam a
virada pragmtica. Esse o recorte.
A trajetria escolhida remete relao entre significao e referncia, e o
pressuposto o de que essa relao recebe enfoques distintos conforme se atenha ao
signo, frase, proposio ou ao discurso.
A virada lingstica, pressentida por Hegel, configura um novo panorama para a
filosofia da linguagem e para a lingstica. Nascem nesse ambiente renovado, a lgica, a
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crtica literria, a filologia, as anlises do discurso, a lingstica do signo de Saussure, o
estruturalismo cujo precursor, foi o prprio Saussure, a semitica de Peirce.
E tambm a lgica matemtica com Frege, Russell, o Wittgenstein do Tractatus
logico-philosophicus que contribui primeiramente com a teoria da figurao, dando todo
"poder" proposio, e depois de uma impressionante reviso terica, passa anlise da
linguagem ordinria. Neste panorama ocorrem algumas das mais importantes mudanas
de concepo da linguagem e seu papel: o estruturalismo mostra que sem linguagem
no h cultura, nem pensamento, nem personalidade; a semntica expande seus
domnios dos campos semnticos s situaes de fala que requerem contexto e inteno;
a anlise do discurso distende a linguagem para o domnio social e institucional, todo
discurso remete a outro discurso (rede discursiva), e cria relaes de saber e poder
(Foucault) . A lista no acaba aqui, mas ela significativa o suficiente para sustentar
nossa hiptese central, a de que a referncia acaba por se dissolver como problema para
a filosofia da linguagem, ao relativizar-se atravs do uso lingstico.
A questo da referncia recebe solues e enfoques diversos: o lingstico-
estrutural de Saussure (1857-1913); o semitico de Peirce (1839-1914); o lgico-
representacionista de Frege (1848-1925); a proposta emprico-logicista de Russell
(1872-1970) e de Wittgenstein (1889-1951). Neste mesmo modelo, temos ainda Kripke
( 1940- ) com um retorno controvertido a um tipo de essencialismo. Sob o novo
enfoque da filosofia da linguagem do Wittgenstein de Investigaes filosficas, surgem
as contribuies de Austin (1911-1960), Searle (1932- ) e Strawson, 1919- ).
Pelo enfoque pragmatista de Dewey (1859-1952), o behaviorismo epistemolgico de
Quine, (1908-2000), Rorty, (1931- ) e Davidson (1917- ), mostra-se a
inescrutabilidade da referncia. Enriquece essa discusso, a disputa externalismo X
internalismo de Chomsky (1928- ) e Putnam (1926- ). Finalmente, no mbito do
discurso, temos a teoria do agir comunicativo de Habermas (1929- ) e a anlise do
discurso de Foucault (1929-1984).
Essas contribuies so valiosas para todo estudo do pensamento contemporneo
acerca da linguagem, seja sob a perspectiva da lingstica, seja da filosofia.
Destacaremos principalmente os aspectos que subsidiam a hiptese acima, a qual
pretende mostrar que o percurso do signo ao discurso, passando pela proposio e pelo
ato de fala, no apenas seqencial, mas obedece a uma lgica interna, com enfoques
cada vez mais elucidativos e complexos. Interessa-nos essa lgica, que se distende a
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partir das relao entre signo e referncia, passando pela relao entre proposio e
referncia, ato de fala e referncia, e, finalmente, discurso e referncia.
Como j dissemos, o foco alterou-se aps a virada pragmtica, indo da
proposio para o ato de fala; de obstculo epitemolgico a ser evitado pelos diversos
estruturalismos lingsticos (e por isso mesmo considerada como algo problemtico),
passa a questo que precisa ser dissolvida ou absorvida nas concepes ps
Wittgenstein H, Quine e Dewey.
Pressupomos ser necessrio, se quisermos fazer avanar o estado atual das
discusses sobre significao e capacidade de referir, ou seja comunicar com sentido e
eficcia algo acerca do mundo, e ainda, se quisermos dar conta de como sucede que,
com palavras, fazemo-nos entender sobre coisas, devemos prosseguir galgando os
patamares do signo ao discurso. Consideramos cada um destes patamares (signo/frase
gramatical; proposio/sentena; ato de fala e discurso) como necessrios, porm
insuficientes. Isto porque cada um isoladamente no configura o fator "linguagem".
Assim que uma anlise sinttico-gramatical de uma frase incapaz de dar conta do
fenmeno da referncia sem o recurso ao contexto informativo (no seguinte trecho de
notcia, preciso informao atuais sobre a famlia real inglesa para saber que a
namorada de Charles Camilla e no Laura, que vem a ser filha de Camilla: "Laura
Parker-Bowles, filha de Camila, namorada do prncipe Charles, passeou tun ano com
uma mochila nas costas pela Amrica do Sul"); o mesmo podendo-se afirmar acerca de
uma anlise exclusivamente lgico-gramatical. Por exemplo, faz sentido, apesar de no
ter referente no mundo emprico afirmar "A montanha de ouro est na Califrnia",
pressupor que a ligao com o estado de coisas basta para efeitos de significao ou
compreenso implica desconhecer que o sentido da verdade de uma proposio depende
do uso situado, de interlocutores trocando atos de fala. Por sua vez, sustentar que tudo
depende do falante e do contexto, de interpretao subjetiva, levar a dimenso
discursivo-pragmtica para o terreno lodoso do subjetivismo e do solipsismo, ilegtima
para quem entende que o discurso pblico e que sem frase estruturada, sem regras de
uma lngua no h produo discursiva. O que no leva a supor que os fatores
estruturais e estruturantes da frase gramatical constituiriam uma espcie de ncleo
rgido com um nexo interno formado pelos componentes fonolgicos, sintticos e
semnticos, sendo os demais componentes apenas agregados, superponveis, visto serem
constitudos pelos fatores "frouxos" tais como falantes, contextos, situao dialgica,
poder do discurso, efeitos ilocucionrios, retricos, etc.
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Em lugar da hiptese ncleo e periferia ou do modelo que pressupe
complexidade crescente (ou camadas concntricas), consideramos que todos os fatores e
dimenses tm seu lugar e sua funo precipuos: do signo ao discurso e deste quele,
assim se articulam e se compem as perspectivas sob as quais pode-se analisar a
linguagem. Um mal-entendido, por exemplo, pode ter sua fonte em qualquer uma dessas
dimenses e ser sanado, conforme o caso, fornecendo um sinnimo (explicao do
significado do signo empregado), explicando qual o caso ou situao que est sendo
descrito, narrado, nomeado (apontando o referente ou voltando ao foco da narrao),
desmanchando um ambigidade sinttica, justificando ou se desculpando por vim ato de
fala ter sido compreendido como insinuao quando a inteno era perguntar, apelando
a implicaes ou interpretaes decorrentes do uso em situao. O que mostra
justamente que, apesar de serem fatores analisveis separadamente tendo em vista suas
peculiaridades, isto , destacveis (no nosso objetivo entrar no mrito da discusso
sobre as disciplinas e/ou prticas cientficas e filosficas distintas: sintaxe, lgica,
semntica, anlise do discurso, e outras do gnero, defenderem cada qual seu prprio
terreno com a excluso dos demais aspectos), s so destacveis a partir do prprio
modo de funcionamento da linguagem. Em outras palavras, pode-se voltar a cada um
daqueles aspectos conforme houver necessidade de, por exemplo, sanar uma polissemia,
esclarecer de qual ato de fala se trata, determinar um referente, contestar o direito de dar
uma ordem em determinada situao, para aquele pblico naquela circunstncia,
significar algo como querendo dizer isto ou aquilo. Entretanto, em qualquer destes casos
h uma situao criada pela ao lingstica, isto uma situao de discurso.
Consequentemente, h que sair dos limites do signo, da proposio e at mesmo
dos atos de fala, e ir at a anlise discursiva, para dar conta da real dimenso do
problema da referncia, na acepo ampla que estamos propondo, como um "querer
dizer algo para algum, numa dada situao".
Ao longo deste trabalho mostraremos que esse problema toma uma dimenso e
um sentido inteiramente diferentes em cada uma das reas da linguagem enfocadas: a da
lingstica ocupada com as relaes intrasgnicas, a da filosofia da linguagem centrada
na anlise da proposio, a da filosofia da linguagem calcada no atos de fala, e as
propostas que concernem a pragmtica, bem como certas tendncias da anlise do
discurso. E isto de tal forma, que necessariamente a questo da referncia se distende,
passa de questo exclusivamente lgica, para questo pragmtica e nela ir dissolver-se
como tema e como problema terico.
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A lingstica estrutural recusa tratar do problema, justamente por reconhecer que
h o problema. O que cria no poucos embaraos, pois, ao mesmo tempo em que a
relao da linguagem com o extra-lingstico descartada como no pertinente para
explicar como se produzem as frases de uma lngua, essa meta de "pureza" terico-
epistemolgica no produtiva, no justifica isolar a lngua dos demais fatores,
situao, contexto dialgico, inteno, ou seja, a prpria dimenso de ato de fala, alm
das caractersticas pragmticas e discursivas, a no ser para efeitos de anlise. Da ser
preciso ir alm de Saussure, at Peirce que nos coloca na rota da pragmtica.
A lgica, por sua vez, oferece uma anlise da relao linguagem/realidade pela
proposio com sentido/significao e referncia, de modo que esta vem como que
colada, pressuposta por toda assero de um estado de coisas; alm do mais a assero
demanda uma comparao com o estado de coisas, portanto, um preenchimento
emprico para que a assero se complete com um valor de verdade. Ora, a forma lgica
da proposio no d conta da capacidade que pessoas tm de referir, apontar algo para
algum, nomear, saber de que ente se trata, especificar um referente mostrando que tal
ou qual designao so as apropriadas para tal ente e no tal outro. A realidade no
tem um modo preferencial (no caso, a proposio), para ser designada ou referida.
A prpria "realidade" uma categoria entre outras que facilita nossa lida com as coisas.
Assim, preciso ir para a contribuio de Wittgenstein II, Dewey, Quine, Davidson, os
tericos de Oxford, os analistas do discurso (Foucault e Habermas). Enfim, o modelo da
linguagem ordinria rompe com o modelo lgico-lingstico, com efeitos
epistemolgicamente produtivos.
Ao longo deste trabalho argumentaremos favoravelmente s hipteses
levantadas pelas abordagens pragmtico-discursivas, entre elas, a principal, a de que as
teorias que focalizam a referncia como problema central, so caudatrias da velha
epistemologa, da metafsica cartesiana, que entendem ser o interior/suj eito/cogito
fornecedor de representaes do exterior/objeto/coisa. Com isso ignoram a linguagem.
A prpria controvrsia atual, entre externalismo e internalismo d a medida da
dificuldade em sair dos esquemas tradicionais em que se embaralham o problema do
conhecimento, e seu correlato, o problema do sujeito.
Percorreremos esse itinerrio contemporneo que vai do "estruturalismo" de
Saussure e da semitica de Peirce, no captulo I, ao problema da denotao e da
referncia, em que se destacam Frege, Russell, Wittgenstein I e Kripke, no captulo H.
A partir de Wittgenstein H, (captulo ID) nova virada ocorre, com enfoque
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eminentemente pragmtico cuja vertente tem sido explorada at hoje. A relao da
lingstica com a filosofa da linguagem estreita-se em proveito de ambas. Esse
ambiente propcio ao desenvolvimento das anlises da linguagem ordinria que
orientam a reflexo sobre os problemas da referncia e da significao sob a perspectiva
do uso lingstico e do usurio da lngua. Como temos insistido, at o momento anterior
virada pragmtica, a referncia o problema central da filosofia da linguagem. Intriga
aos filsofos a capacidade da linguagem de, pela organizao significativa das palavras,
poder dizer algo a respeito da realidade e os outros compreenderem, podendo agir de
acordo com essa compreenso. Vem da a questo de se o dizer com sentido decorre de
signos que designam, ou de proposies com valor de verdade que se referem a fatos
do mundo ou, ainda de atos de fala realizados em situao de discurso. No captulo V
mostraremos como a referncia, torna-se funo dos pressupostos de validade
provocados por situaes comunicativas (Habermas), e como fator que no decorre
simplesmente do entendimento ou comunicao, mas como uma prtica que no se
limita a relacionar significao com situao, tuna vez que o discurso veculo e
produtor de relaes de saber e poder (Foucault).
Atravs da linguagem dizemos algo sobre o mundo, nos referimos realidade,
essa uma constatao bvia, mas que no encerra a discusso. Nas concepes
pragmtico-discursivas a prpria "realidade" uma construo de perspectivas que se
devem em grande parte linguagem. preciso, portanto, ir, nunca demais enfatizar,
do signo pragmtica e anlise do discurso.
Nessa altura, parece-nos lcito afirmar que ao invs de a linguagem depender da
relao referencial com a realidade, retrato ou re-presentao da realidade, a realidade
que vai sendo "construda" pela linguagem, ou pelo menos, preciso levar em conta que
ontos e logos so inseparveis.
Deixaremos de lado importantes contribuies da lingstica e da filosofia da
linguagem contemporneas que correm paralelamente ao tema da referncia e da
significao, como a fenomenologa, Heidegger, a hermenutica de Gadamer e Ricoeur,
uma vez que o propsito com que tratam da linguagem difere do nosso: o enfoque
fenomenolgico, com exceo de Heidegger, tem cunho fundacionista, quer dizer, h
uma ontologizao da linguagem.Ora, ontologizar a linguagem no faz sentido diante
dos avanos da pragmtica no modelo wittgensteiniano que radicaliza a filosofia como
terapia. Wittgenstein D, Rorty e Foucault, com suas respectivas crticas a todo tipo de
fundacionismo, so o norte terico deste trabalho.
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O material de apoio situar-se- na lingstica com as contribuies de Saussure,
Benveniste, Eco. Peirce com sua noo de interpretante permite enxergar mais longe do
que a dicotoma saussuriana languelparole. Na filosofia da linguagem traaremos uma
linha que comea com Frege e Russell e desemboca em Quine, abordando o problema
da relao linguagem/mundo. O ponto de viragem entre a vertente puramente lgico-
formal e a vertente de cunho pragmtico, Wittgenstein II, cujas anlises da linguagem
como uso revolucionam a questo da referncia. Austin e Searle sabero como
aproveitar as conseqncias da "virada pragmtica", apesar de certas limitaes suas
que Habermas procura suplantar, com relativo sucesso. Finalmente, mostraremos que
referir faz sentido e funciona como um entre outros fatores discursivos.
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I - SIGNO E REFERNCIA
1. A PROBLEMTICA DA LINGUAGEM
A linguagem provavelmente a marca mais notoria da cultura. As trocas
simblicas permitem a comunicao, geram relaes sociais, mantm ou interrompem
essas relaes, possibilitam o pensamento abstrato e os conceitos. Certa vez Umberto
Eco entrevistado acerca do ttulo de sua obra O Nome da Rosa, respondeu com a
observao de certo monge medieval de que mesmo no havendo mais uma rosa, ou a
rosa, ou rosa alguma, pela linguagem que podemos dizer, "no h mais a rosa" (nulla
rosa est).
Poder referir-se a algo que no mais a se encontra, nomear, designar, so parte
essencial do comportamento humano. At a simples manipulao de um instrumento
vem acompanhada de certa inteno, expressa pelo uso de signos lingsticos e no
lingsticos. Pensamento sempre pensamento acerca de alguma coisa e, por isso
mesmo, consiste de linguagem, que no um mero sucedneo do pensamento. na e
pela linguagem que se pode no somente expressar idias e conceitos, mas significar
como um comportamento a ser compreendido, isto , como comportamento que provoca
relaes e reaes. O processo de semiose ou de significao requer, basicamente,
sistemas de smbolos e de signos lingsticos codificados por meio de regras de
emprego. Porm, sem os fatores da situao de fala, contexto, inteno, comportamento
verbal, circuito da comunicao, efetividade do dito e do dizer, no h simplesmente
linguagem. O processo de semiose no se restringe a que algo (como um signo ou
sistema de signos) substitua algo para algum. A linguagem no uma traduo
automtica das coisas.
1.1. Breve Escoro Histrico
A linguagem tem sido o tema por excelncia da filosofia contempornea. As
escolas e sistemas mais importantes e os filsofos mais influentes, seja em lgica, teoria
do conhecimento, ontologia, tica, de uma forma ou de outra acabam abordando a
linguagem. Nossa epistem, nossa configurao de saber, lingstica. Vivemos uma
poca de pensamento ps-metafsico, resultante da virada lingstica. No lugar de um
sujeito que conhece e pensa pelas representaes do mundo que constituiro suas idias,
-
que uma concepo metafsica tpica das filosofias da conscincia, tem-se o sujeito
que fala, constitudo nas e pelas trocas lingsticas s quais se tem acesso, no pela
introspeco, mas publicamente: desde Saussure, Frege, Peirce, sistemas de signos,
signo em uso e seu interpretante, proposies assertricas, fornecem a base para o
prosseguimento da questo da linguagem. Do signo, passando para a anlise da
proposio (semntica formal) e desta para os fenmenos de alcance ainda maior do
uso e da situao de fala, ou seja, fenmenos pragmticos, para chegar a esse ponto, o
caminho foi longo. At o sculo XIX a linguagem foi praticamente ignorada, uma vez
que seu papel era confundido com o papel exclusivo do logos, do raciocnio, da mente,
do cogito. Este breve escoro histrico demonstra essa situao, foram raros os
momentos em que a prpria linguagem foi alvo de preocupao filosfica e/ou
lingstica. Destacamos os estoicos, Santo Agostinho, a Gramtica de Port-Royal,
Locke e Hobbes.
Os estoicos (sculo I a. C.) elaboraram uma teoria acerca da linguagem
relativamente bem acabada. A razo recebe as idias atravs das sensaes, da memria
e da experincia. Da nascem os conceitos. A representao, sendo inteleco pela qual
se reconhece a verdade das coisas, permite que haja assentimento, compreenso e
pensamento. Este enunciativo, exprime com palavras o material recebido da
representao, que so as proposies, completas em si, podendo ser verdadeiras ou
falsas porque dizem algo sobre o que foi expresso. No processo de significao h trs
elementos: o significado, o signo e a coisa, que pode ser uma entidade fsica, uma ao,
um acontecimento. O signo , por exemplo, a palavra "Dion" (nome de uma pessoa); o
significado o que vem expresso por aquela palavra e que ns compreendemos quando
dado ao pensamento; a coisa o que subsiste exteriormente, neste caso, o prprio
Don. Portanto, os estoicos j distinguiam entre expresso, contedo e referente. A
anlise dos estoicos chega, inclusive, sofisticao da distino entre sons produzidos
fisiolgicamente e sons articulados, quer dizer, a palavra que precisa de um correlato
para subsistir. Eco observa que a distino entre expresso, contedo e coisa, j tinha
sido aventada por Plato e Aristteles, mas os estoicos elaboraram de modo mais
sistemtico o problema da linguagem. possvel ouvir vim som produzido pela voz de
algum e no reconhec-lo como querendo dizer algo. S se diz algo, s se tem palavra,
se houver um contedo de carter no sensvel, incorpreo, ente da razo. O dizvel
pertence a essa categoria. Pode ser aproximado noo de proposio. As palavras que
a compem, so os significados. As partes da proposio so o sujeito e o predicado,
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entendidos como contedos, unidades culturais, o que retira o carter psicolgico da
semntica, como observa Eco (1991: 39). O valor do signo depende de ele relacionar-se
com um fato anterior. Por exemplo, "fumaa" precisa relacionar-se a fogo. A cada
ocorrncia de fogo, infere-se para a ocorrncia de fumaa, o que mostra que os signos
so formulados em proposies, isto , expresses da linguagem que se articula devido
a ela expressar fatos significativos. Os estoicos no confundem o signo com a
ocorrncia real e particular de uma fumaa. Eles entendem que o dado sensvel se torna
significante pela proposio que verifica haver fumaa onde h fogo.
Aps um longo hiato, h que se ressaltar a contribuio de Sto Agostinho (354-
430) para uma teoria do signo e sua relao com a realidade. Na obra De Magistro
considera que falar exteriorizar "o sinal de sua vontade por meio da articulao do
som". A linguagem serve para ensinar ou recordar, serve tambm para a fala interior,
que o pensamento de palavras aderidas memria. Este processo traz mente as
prprias coisas. As palavras so sinais dessas coisas. Contudo, h palavras que so
sinais e que nada significam por no remeterem a coisa alguma, caso das conjunes e
das proposies, por exemplo, que podem ser explicitados por outras palavras. Quando
no for possvel indicar o significado das palavras abstratas apontando para algo, o sinal
deve ser interpretado atravs de outro sinal, por exemplo um gesto. Se algum no
conhece o sinal, ele pode ser explicado atravs da ao correspondente. Para ensinar o
significado de "andar", anda-se. Como pode ocorrer que a pessoa ainda assim no
compreenda, acrescentam-se mais sinais. Sinais podem ser palavras, gestos, letras. O
significado de "pedra" um sinal, mas o que o sinal indica, a pedra como um objeto,
no sinal. Agostinho distingue, portanto, entre a coisa e seu sinal. As palavras so
sinais verbais que remetem a outros sinais. As oraes se compem de nomes e a
presena do verbo assegura que se trata de uma proposio. Enquanto a palavra resulta
da verbalizao, isto , o que se entende quando algum fala ou escreve algo, o nome
relaciona-se ao que o esprito compreende ou conhece. Assim que, para memorizar,
pergunta-se o nome de algo e no a palavra que serve para nomear. Um homem, no a
unio de duas slabas, "ho" + "mem". Note-se que Sto. Agostinho no confunde o som
com o significado de uma palavra, e que ele j esboao problema da nomeao. Mas
sempre que algum compreende uma palavra porque estabeleceu uma conexo com
aquilo de que a palavra sinal. A mente examina o que o sinal significa. " "homem'
nome e animal: o primeiro (ser nome) se diz enquanto sinal; o segundo (ser animal)
enquanto indica a coisa significada", afirma Sto. Agostinho (1979: 311). O significado
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esvazia-se se no houver referente, contedo, coisa significada, tanto que conhecer as
coisas prefervel a conhecer os sinais correpondentes; falar valioso porque possibilita
ensinar, usar o sinal no discurso. Apesar de a maioria das coisas depender do sinal para
ser transmitida e ensinada, o conhecimento resultante mais valioso do que os sinais. Se
algum v uma pessoa carregando armadilhas e armas e em seguida a v com toma ave
capturada, compreende, sem sinais, o que caar. Sto Agostinho no leva em conta,
como far Peirce, que o comportamento, a ao, esto carregados de sentido. Fatos ou
objetos no so, em si, fonte de conhecimento. Para Sto Agostinho, o conhecimento no
vem das palavras que significam os objetos, mas dos prprios objetos. "(...) ouvindo
muitas vezes dizer 'caput' ('cabea') e notando e observando a palavra quando era
pronunciada, reparei facilmente que ela denotava (grifo meu) aquela coisa que, por t-
la visto, a mim j era conhecidssima" (1979: 317) A palavra que era som antes do
aprendizado, torna-se sinal no pelo fato de se aprender o seu significado, e sim pelo
fato de se aprender a que ela se refere, sua denotao. O som no percebido como
sinal na primeira vez que ouvido. O significado s aprendido ao remeter a algo.
Desta maneira, o valor da palavra, seu significado, advm do conhecimento da coisa
significada.
Sto Agostinho restringe a linguagem referncia, sem esta o significado vazio,
pois a linguagem deve transmitir pensamento, e pensamento sobre algo; esse
justamente o problema do qual a filosofia e a lingstica contemporneas procuram se
desembaraar, como veremos ao longo deste trabalho. Para a concepo agostiniana de
linguagem, mas tambm para o senso comum e para o poeta, conhecer a essncia, a
realidade "mesma", mais precioso do que a palavra (palavras no passam de palavras,
sons: "palavras soltas ao vento", diz-se; "words, nothing but words"...).
Sto Agostinho contribui com anlises argutas sobre a linguagem, porm
restritivas, o que no de se estranhar numa epistem cujo objetivo era chegar ao
conhecimento de Deus, pela iluminao da f, pela intuio, da as palavras serem um
instrumento importante, mas talvez muito limitado, at mesmo rudimentar.
J no medievo, a querela dos universais representa um momento significativo
para o debate sobre a natureza dos conceitos e das coisas. Realismo, conceptualismo e
nominalismo dominaram o cenrio, com uma proveitosa discusso que vem at os
nossos dias, nas questes ontolgicas e epistemolgicas concernentes aos universais e
sua relao com a mente e/ou com a realidade, sob roupagem de logicismo,
intuicionismo e formalismo. Os universais so, na tradio do platonismo, entidades
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com realidade ontolgica independente da mente que os pensa, representam a
verdadeira realidade. J a tradio aristotlica seguida pelos conceptualistas, pois as
entidades reais no so os conceitos e sim os entes individuais. Os universais so
abstraes mentais, conceitos abstratos acerca das coisas individuais e concretas. Para
os nominalistas, os universais no "existem", so nomes que sequer precisam de
entidades abstratas para cont-los. Espcies e gneros so "nomina-voces", sons. Reais
so os entes individuais. Para Occam( 1300-1349) os universais esto na mente, mas
no enquanto substncias e sim enquanto formas. O nominalismo lanou profundas
razes na histria do pensamento ocidental. A moderna filosofia da linguagem tem em
Quine, um dos principais defensores do nominalismo, para quem os conceitos referem
no pela relao com as coisas, mas devido a certas relaes que as classes estabelecem,
como veremos no captulo IV.
H que se mencionar tambm a contribuio da Gramtica de Port-Royal (1660).
Lancelot e Arnauld, tomam Descartes como ponto de partida. Para Descartes mais vale
o pensamento, que independente das lnguas, extra lingstico. A linguagem pode
ser, inclusive, uma das causas dos erros e equvocos. Tem-se de um lado as idias e de
outro lado o mundo, a realidade a ser captada pelas idias. A linguagem faz a
intermediao, por isso pode atrapalhar a relao entre pensamento e ser. As palavras
distinguem-se do conhecimento claro e distinto das coisas. Como, porm, as palavras
que exprimem as coisas so melhor lembradas do que as coisas que expressam,
valoriza-se a palavra e esquece-se que o meio para apreender a intuio racional das
coisas pelo pensamento. Apesar de Descartes relegar a linguagem a um plano
secundrio com relao mente/pensamento, ele influenciou os gramticos de Port-
Royal. Se o pensamento do sujeito no depende de uma lngua, so as regras do
pensamento que fornecem as regras do dizer e no as da prpria linguagem. Toda uma
metafsica da representao nasce dessa concepo, com reflexos at hoje, haja vista a
teoria de Chomky sobre a linguagem internalizada, ao modo de uma gramtica
universal.
Para Port-Royal a lngua um sistema de signos. O envoltrio das idias so as
palavras ou expresses. Apenas as idias ligam-se aos objetos. O nvel mais elaborado
o nvel lgico das idias, a lngua exterioriza essa lgica, que o fundo comum por
detrs da diversidade lingstica, da a gramtica fundir-se com a lgica. As palavras
so sons distintos e articulados que se transformam em signos, encarregados de traduzir
o que se passa no pensamento, isto , as operaes lgicas, tais como conceber, julgar,
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raciocinar. As palavras apenas marcam essas operaes. Os homens inventaram os
signos para explicar seus pensamentos. Por detrs dos signos h toda uma lgica das
idias e dos juzos.
A gramtica busca mostrar como as idias ou essncias so significadas, quer
dizer, qual a sua relao com a realidade.
H um lado material da fala, sonoro, e um lado espiritual usado para significar o
pensamento, que opera concebendo (compreenso intelectual), julgando (afirmao do
ser das coisas) e raciocinando (juzos usados em um dedues). Em todas essas
operao, funcionam proposies compostas de sujeito e predicado, o sujeito aquele
que concebe e o concebido o atributo. A ligao, o verbo ser, vem do juzo e do
raciocnio. O juzo a forma por excelncia do pensamento. A sintaxe gramatical
baseia-se na proposio: os nomes designam os objetos, as substncias so designadas
pelos substantivos e, os adjetivos designam seus atributos. O verbo afirma, diz o que .
Apesar de analisarem pronomes e tambm oraes complementares, a tradio
legada pela Gramtica de Port-Royal centra-se na idia de que a realidade
representada por juzos, em que o emprego do verbo ser permite afirmar proposies.
S assim o pensamento pensa realmente, pensa as coisas propriamente.
Enquanto Lancelot e Arnauld ressaltam uma gramtica logicizada, Locke dar
linguagem um papel mais complexo e significativo para o processo do conhecimento,
no qual aquela deixa de ser transparente.
Ao perguntar pela extenso e limite do conhecimento, Locke (1632-1704)
critica acidamente a doutrina cartesiana do inatismo. Todo conhecimento nasce
com a experincia e forma-se por obras das idias; idia todo e qualquer contedo do
processo cognitivo. Quando tuna pessoa pensa, o objeto de seu entendimento so as
idias que podem provir da sensao ou da reflexo. Se provocadas por um s sentido,
so simples, como a idia de solidez; idias complexas como a de figura, derivam do
espao, a de eternidade deriva do tempo, a de liberdade, deriva do poder.
O empirismo de Locke leva em conta a linguagem, que passara praticamente
desapercebida ou mesmo desprezada por Descartes, cuja ateno estava voltada para
razo, para os processos mentais. Locke afirma que o homem, e s ele, equipado pela
linguagem. Os sons so sinais de idias. A linguagem transmite pensamentos atravs
desses sinais, marcas exteriores das idias internas. Os sinais so usados para
compreender vrias coisas particulares, no h um nome para cada coisa e sim termos
gerais para indicar seres particulares. As palavras, mesmo as abstratas, provm da
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sensao: os vrios e ricos pensamentos s so conhecidos quando manifestados por
sinais. A conexo entre sons e idias no ocorreu de modo uniforme, como
conseqncia temos as diversas lnguas.
Distingue no uso da palavra sua marca sensvel e as idias dessas marcas. Locke
elabora uma noo sofisticada de significado: as palavras significam as idias na mente
de quem as usa, mesmo que as idias representem imperfeitamente as coisas. Como as
palavras marcam as idias, no faz sentido aplic-las a outras idias, pois no teriam
significado. Se forem acerca de algo desconhecido, diramos, se no tiverem referente,
no passam de sons sem significado. O significado aprendido para expressar
determinada idia, o que permite a compreenso. Assim, se algum entender pela
palavra "ouro" apenas uma de suas propriedades, ir aplicar aquele som apenas quela
propriedade. Por isso preciso supor que as marcas das nossas idias correspondem s
marcas das idias dos outros para haver compreenso, hoje diramos, comunicao. As
palavras so usadas para falar da realidade das coisas e no fruto da imaginao
pessoal. Com o uso freqente firma-se, fixa-se a relao entre sons e idias a ponto de,
quando algum ouve tal som, lhe vem a idia como se fosse a prpria coisa que
impressiona os sentidos. H tambm palavras empregadas apenas como palavras. "Mas
se as palavras tiverem uso e significao (grifo meu), haver conexo constante entre
som e idia, e a designao apropriada. Sem esta aplicao "elas no so mais do que
rudo sem significado", afirma Locke (S/D: 325). O significado de um som limitado
idia correspondente. Parece lcito afirmar que Locke j distingua entre significante,
significado e seu conjunto, idia, ou seja, grosso modo, o signo.
As palavras s se tornam significativas no discurso. No discurso usam-se
palavras para significar em geral e por cada pessoa em particular quando fala com outro.
Essas consideraes sobre a linguagem como sendo fundamental para as idias, so
fruto do empirismo, o material sensvel fornece as idias que so depois elaboradas
como idias de reflexo. De certo modo Locke sugere que o conhecimento demanda,
para seu desenvolvimento, a linguagem, que aprendida, exercitada. No comete o erro
de pensar que h uma relao direta entre sinal e coisa designada ou referida. O
significado expressa uma idia e essa provm da experincia, sem a qual a mente
tabula rasa, vazia.
Na mesma vertente do pensamento ingls do sculo XVII, Hobbes (1588 - 1679)
pressente o papel decisivo da linguagem como fator de conhecimeto.
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So interessantes suas observaes na primeira parte do Leviat, chamada Do
homem-, analisa a linguagem como a "mais til e nobre das invenes" (1979, p. 20).
Consta de nomes e suas conexes que servem para transmitir e registrar pensamentos.
Ainda que com o pressuposto de que o pensamento essencial (o que inevitvel
pressupor at a virada lingstica), afirma que sem linguagem "no existiria entre os
homens nem Estado, nem sociedade, nem contrato, nem paz" (HOBBES,1979: 20). A
cadeia de pensamento passa para a cadeia de palavras. Os sinais servem para registrar,
aconselhar, dar a conhecer sua vontade, agradar. Mas h abusos, como o engano, a
ofensa, a mentira, as metforas perigosas. Hobbes procura mostrar como e porque a
ao humana precisa ser produtiva em seus efeitos, principalmente o de sobreviver.
Seguindo os princpios do nominalismo, Hobbes afirma que os universais no
passam de nomes, no correspondem a nenhuma idia ou conceito que pudesse ter ou
tivesse de fato consistncia ontolgica, diversamente das tendncias conceptualistas
platnicas e cartesianas. Mais um sinal da atualidade de Hobbes. O que existe no so
as idias ou os conceitos mas as coisas nomeadas, individuais e singulares. Verdade e
falsidade so atributos da linguagem e no das coisas. H verdade sempre que houver
uma adequada ordenao de nomes em nossas afirmaes. Para chegar verdade, deve-
se lembrar que coisa substitui cada palavra de que algum se serve e que ser colocada
de acordo com esse uso e relao.
No h conhecimentos absolutamente certos e evidentes, pois pelos discursos
jamais se saber se isto ou aquilo foi, ou ser. O conhecimento sempre condicional.
"E no se trata de conhecer as conseqncias de tima coisa pela outra, e sim as do nome
de uma coisa para outro nome da mesma coisa", diz ele (1979: 40). Quer dizer, o modo
como se lida com as coisas, atravs da linguagem, importa. Hobbes pode ser
considerado um caso parte na progresso da concepo representacionista. E o que
pensa Rorty, para quem o empirismo nominalista foge regra epistmica do sculo
XVn, segundo a qual a mente espelha ou representa as coisas atravs das idias. Para
Hobbes o que conta o uso de nomes, a linguagem.
Esta incurso histrica ilustra o quanto a linguagem permaneceu secundria, pois
no paradigma representacionista, a pergunta essencial da filosofia clssica pelo
conhecimento, pela relao entre uma exclusiva e soberana razo (culminado nas
formas puras a priori kantianas) e o mundo, como mostra Foucault em As palavras e as
coisas. As excees no modelo fundacionista so, segundo Rorty, os empiristas, Locke
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e Hobbes, para os quais no h uma mente ou razo soberana, mas um esforo das
idias e da linguagem para chegar ao conhecimento das coisas.
2. SIGNO E REFERNCIA
Com notveis avanos e, ao mesmo tempo com srios entraves, a anlise de
Saussure ponto obrigatrio na discusso da relao dos signos com o chamado fator
extralingstico. A lingstica, a fim de poder constituir-se como cincia, deve ocupar-se
da langue e no da parole, pois esta ltima representa um verdadeiro obstculo
epistemolgico para o lingista. A referncia fica fora da linguagem, uma vez que para
a linguagem contam apenas s relaes intrasgnicas. O que tem duas conseqncias,
sendo a primeira produtiva, pois, como veremos, falar relacionar signos entre si e no
signos com a realidade. A segunda conseqncia mais problemtica: a lingstica
estrutural constrangida a abandonar o problema da referncia para preservar o carter
cientfico da prpria lingstica. Como referir depende de fatores extralingsticos na
viso estruturalista (o que extremamente questionvel, como veremos ao longo deste
trabalho), cabe filosofia e/ou lgica estabelecer aquela relao, na qual encontram-se
implicadas as questo da verdade, verificabilidade, valor de verdade, e outras, nenhuma
delas pertinentes lingstica, segundo Saussure.
2.1. O Signo Lingstico
Para Saussure a anlise da linguagem deve ter carter cientfico, o que se obtm
circunscrevendo o objeto de estudo da linguagem naquilo que chamou de langue. Em
Curso de Lingstica Geral (1916, obra pstuma, fruto das anotaes de seus alunos)
explica que "lngua" no o mesmo que linguagem. Todas as sociedades possuem um
meio de comunicao articulado, a linguagem. Dificilmente se chega unidade da
linguagem por ela ser "multiforme" e demandar abordagens fsica, fisiolgica, psquica,
estando ao mesmo tempo no domnio do individual e do social. Mas por detrs das
inmeras lnguas preciso localizar algo comum para se fazer cincia e que pudesse
tambm dar conta da noo de articulao lingstica.
No corte entre fatos sincrnicos, que so atuais e efetivos, e fatos diacrnicos,
que so histricos, temporais, segundo Saussure a lngua pertence aos primeiros, pois
um sistema de signos: "A lngua um produto social da faculdade da linguagem e um
conjunto de convenes necessrias, adotadas pelo corpo social para permitir essa
faculdade nos indivduos (...) um todo por si e um princpio de classificao" (1975:
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17). Atualmente diramos que a lngua uma estrutura. A coletividade fornece o
instrumento essencial faculdade (no vem ao caso se natural ou no) de articular
palavras. Para haver lngua preciso que a signos distintos correspondam idias
distintas. Para encontrar a lngua em meio linguagem, Saussure analisa o circuito da
fala que demanda dois indivduos, pelo menos, possuindo em sua conscincia conceitos
associados s representaes dos signos lingsticos ou imagens acsticas que
exprimem signos. Implica ainda que haja uma parte fsica, a das ondas sonoras, e uma
parte psquica (imagens verbais e conceitos). Todo esse processo foi desenvolvido e
mantido por homens vivendo em sociedade. A parte fsica no foi a responsvel por
esse fenmeno e nem a parte psquica que sempre pessoal, pois toda execuo da
lngua obra de indivduos.
Para que todos pudessem executar a fala, foi-se armazenando, segundo Saussure
"um sistema gramatical (grifo nosso) que existe virtualmente em cada crebro ou, mais
exatamente, nos crebros de um conjunto de indivduos"(1975: 21). Trata-se do par
opositivo lngua/fala. A lngua social, essencial, no demanda uma tomada de
conscincia, o indivduo no pode cri-la nem modific-la. Requer aprendizado e vem
fixada pela comunidade que a fala. homognea, une o sentido imagem acstica,
um sistema de signos que exprime idias, situado entre as instituies humanas. A
semiologa a cincia que estuda "a vida dos signos no seio da vida social"(l 975:24),
seu funcionamento e as leis que os regem. A lingstica faz parte da cincia da
semiologa.
Ao lado da lingstica da lngua, h a lingstica da fala, subordinada primeira.
Como a Ma individual e acessria, no pode ser estudada sem a lngua. Se na fala se
alteram sons, por exemplo, essa alterao puramente fontica, no perturba as
imagens acsticas da lngua. Porm, uma no existe sem a outra, inclusive
historicamente a fala precedeu a lngua. Ela o meio de aprendizado da lngua materna,
o que faz evoluir a lngua. Esta encontra-se "depositada" no crebro de cada um, como
se fosse um dicionrio com exemplares idnticos distribudos a cada indivduo,
independentemente de sua vontade. como que uma estrutura inconsciente formada
pelas regras que possibilitam toda e qualquer emisso significativa. Por isso, lingstica
propriamente dita, apenas a lingstica da lngua, uma vez que os fenmenos da fala
"so individuais e momentneos".
Emissor e receptor, lngua e fala, sincronia e diacronia, todos eles dependem,
para funcionar, do carter articulatorio da lngua falada, que no uma simples lista de
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termos correspondentes a coisas. No h idias acabadas anteriores palavra. A relao
entre palavras e coisas no provm de uma correspondncia um por um. O que forma a
unidade lingstica so dois termos, porm enganoso conceb-los um como lingstico
e o outro exterior ao lingstico. Ambos so termos "psquicos" e seu vnculo tambm
psquico. "O signo lingstico no une uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma
imagem acstica" (1975: 80). Esta afirmao fundamental para a lingstica e tem
profundas conseqncias para a filosofia da linguagem, como veremos mais adiante. A
imagem acstica no o som, mas a impresso do som no psiquismo, tanto que se pode
falar consigo mesmo sem pronunciar som algum. Compe-se de fonemas. A imagem
acstica vem sempre associado um conceito, mais abstrato ainda. A combinao de
ambos chama-se signo. O conceito chamado de significado e a imagem acstica
chamada de significante. A seqncia fonolgica s um signo se exprime um
conceito.
Todo signo arbitrrio, pois a unio entre significado e significante
arbitrria. A idia, o conceito, ou mais apropriadamente, o significado de "mar", afirma
Saussure, no est ligado por nenhuma relao prvia aos sons [mar]que lhe servem de
significante. Poderia bem ser outra seqncia de significante. Tanto que o significado
de "boi" tem os significantes [boef] do lado francs da fronteira, e [oks], do lado
alemo, exemplifica Saussure.
O smbolo no possui o carter de arbitrariedade, pois a balana vem sempre
associada idia de justia, mostrando que h uma motivao e no pura arbitrariedade.
Saussure no pretende com a noo de arbitrariedade dizer que o signo depende da livre
escolha de cada um ou de cada lngua, mas sim apontar para o aspecto imotivado da
relao entre significado e significante, isto , no h um lao natural entre eles na
realidade, com a discutvel exceo das onomatopias.
A lngua feita destes signos estruturados de acordo com regras supra-
individuais, funciona atravs de relaes sincrnicas como um sistema de valores puros.
As idias, ou o pensamento, seriam massa amorfa sem os signos, no h idias que se
possam estabelecer previamente aos signos. Interessante observar que foi um lingista e
no um filsofo quem evidenciou que pensamento sem a articulao da linguagem,
vazio (e no sem os dados do sentido, como queria, por exemplo, Kant).A substncia
fnica tambm indistinta sem os significantes. Cada termo funciona de modo a
articular a fixao de uma idia a um som e faz com que determinado som se torne
signo de determinada idia. Pensamento e som, significado e significante, so como
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verso e reverso da mesma folha de papel, ao cortar-se um, corta-se tambm o outro.
Combinados, tornam-se formas cujos valores so relativos a seu papel e posio. Esses
valores so fixados pelo uso. Um termo no decorre da simples unio entre significado e
significante, pois regrado pelo seu lugar e funo no interior do sistema e este define,
recorta, reveste de valor cada termo. Tomando a significao como resultado da
associao entre significante e significado, o signo resultante tambm um valor com
relao aos demais signos da lngua. Quer dizer, o significante pode ser "trocado", pois
um valor, por algo diverso dele, o conceito. O signo ter uma significao, um valor,
que delimitado e determinado pelos outros signos do sistema da lngua. Da o carter
opositivo dos signos, tal como no jogo de xadrez, as peas valem pela sua localizao,
movimentao, enfim, pelas regras do jogo. H uma combinatoria de elementos no
simplesmente linear, que forma os sintagmas, "reler", "contra todos", "Deus bom". A
articulao prev ao lado destas relaes horizontais, as associaes verticais entre
paradigmas que formam grupamentos virtuais. Assim "guardar" pode vir associada e ser
comutada com, "conservar", "manter", "vigiar".
O mecanismo da linguagem funciona atravs dessa dupla articulao de regras
para formar frases efetivamente e nelas "encaixar" elementos virtuais.
2.2. O Problema da Referncia para Saussure
Como vimos, at o sculo XVIII, predominava a noo de que a linguagem
reflete o pensamento, cujas leis so universais. Sob a superfcie das frases gramaticais
h tuna articulao lgica mais profunda, a de um sujeito lgico e sua relao com um
predicado, o que espelharia a relao que todo ser na realidade tem com seu predicado.
Hoje, com exceo de Chomsky, tanto a lingstica como a filosofia da linguagem
rejeitam a noo de universalidade e necessidade de uma estrutura que seja fulcro,
modelo universal e necessrio para toda e qualquer frase ou emisso verbal.
As pesquisas em sociolingstica, desde seus pioneiros Sapir e Worf,
desmontaram uma noo largamente aceita entre os primeiros filsofos analticos,
raramente criticada, a no ser pelo ngulo da sociolingstica: a de que a linguagem
atravs das proposies, descreve a realidade, configurando-a atravs da forma lgica,
nico modo de produzir significado. Desde Aristteles, passando pela Gramtica de
Port Royal, at o verificacionismo de um Carnap, a proposio (seja na forma
sujeito/predicado, seja atravs de quantificadores da lgica proposicional) foi eleita a
forma privilegiada, elementar e invarivel da linguagem.
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Whorf, discpulo de Sapir, radicalizou as idias deste na sociolingstica. Para
Sapir o lxico exclusivo de cada lngua, para Whorf at mesmo a organizao sinttica
particular e prpria de cada lngua, no contendo uma forma lgica, matriz geradora,
universal. Assim, o pensamento, a "lgica", os tipos de raciocnios, inferencias, etc.
variam, como variam a sintaxe e o lxico. O modo de se conhecer a realidade,
especialmente nos contatos mais simples e imediatos com a natureza, depende das
lnguas e das culturas. O mundo organizado conceptualmente pelas significaes que
atribumos e no poderia ser diferente, pois a comunidade lingstica recorta a natureza,
concebe-a atravs dos cdigos das lnguas. Cada modelo lingstico levanta um tipo de
observao do seu meio conforme suas necessidades bsicas. Assim que os Hopi
(tribo norte-americana), devido a fatores geogrficos e hbitos culturais, desenvolveram
sua lngua e sua cultura, e, ao mesmo tempo essas influenciaram seu modo de vida,
formando toda uma concepo de mundo. Habitavam um terreno rido, formavam uma
sociedade agrcola isolada, sendo necessrio desenvolver um trabalho rduo na estreita
dependncia de um escasso regime de chuvas. Tudo isso fez com que tivessem laos
slidos com a tradio, sentimento forte de colaborao e de religiosidade. "Esses
fatores entraram em interao com os modelos (patterns) lingsticos hopi, moldaram-
nos e foram por sua vez moldados por eles, tendo-se assim desenvolvido pouco a pouco
a concepo de mundo hopi", explica Whorf conforme lemos em Schaff (1957: 157-
158). S podemos pensar numa lngua, afirma Whorf. As lnguas que obedecem ao
padro europeu tendem a distinguir no mundo coisas, objetos, produtos. J os hopi vm
o mundo como um conjunto de acontecimentos. Nas lnguas indo-europias dir-se-ia,
por exemplo, " uma fonte que jorra", os apaches dizem: "Como a gua ou a fonte, a
brancura move-se para baixo". As combinaes de elementos em produtos sintticos
demonstra a possibilidade de imagens do cosmo diferentes da estrutura proposicional,
tpica do modelo aristotlico das proposies compostas de sujeito e predicado. Para
esse modelo a um sujeito, a uma substncia, atribui-se determinadas propriedades ou
predicados. O verbo vem ligado s coisas, o cosmo reificado. Na tradio ocidental, o
ser aquilo de que se predica algo, a organizao sinttica segmenta a realidade em
substncias com seus atributos. Evidentemente as diferenas apontadas pela
sociolingstica no impedem que todas as lnguas sejam igualmente aptas ao
conhecimento e lida com as coisas e situaes, ao trato comunicativo e manuteno
das tradies, pelo contrrio, pois o modelo proposicional no sendo universal e nem
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compulsrio epistemicamente falando, isso mostra a necessidade de ir ao que no
incorrigivelmente o caso, como diria Rorty.
Do que se conclui que a lingstica sugere meios para lidar com o problema da
relao entre significao e realidade, ao contrrio da suposio de Saussure. Mesmo
levando-se em contra que os propsitos de Sapir e Saussure no sejam os mesmos,
importa ressaltarmos justamente a complexidade da linguagem, quer sob o ponto de
vista da organizao sinttico lexical das lnguas, quer sob o ponto de vista de sua
estrutura que permite articular sons a significados. justificvel, compreensvel e
teoricamente produtiva a proposta de Saussure de que a significao no decorre de uma
ligao obrigatria com as coisas, nem h nas coisas ou situaes, algo que as ligaria
mgicamente ao signo.
A lingstica herdeira de Saussure adota a hiptese de que a referncia deve ser
excluda da compreenso e do funcionamento dos signos.
Na lingstica de vertente estrutural-saussureana, o signo, como vimos,
arbitrrio e convencional. No obrigatoriamente pela relao referencial que o signo
tem a capacidade de realizar semiose, isto , de significar algo para algum. O tropeo
terico de Saussure reside na sua proposta de que entre o significante e o significado
no h nenhuma ligao interior. O significado "casa" tem como significantes [casa],
[Haus], [maison]. Isto mostra que Saussure acaba por introduzir um terceiro elemento
no interior do signo que a prpria coisa externa, a realidade, j listamente aquilo que
ele pretendera deixar de lado, pois os significantes acima relacionados se reportam
mesma realidade, ao objeto fsico ou cultural chamado de casa, extralingstico, e no
ao significado lingstico "casa", como demonstrou Benveniste em Princpios de
Lingstica Geral (1966) . Desse modo, segundo Benveniste, Saussure contradiz o
princpio por ele mesmo enunciado, de que a lingstica a cincias das formas. Da a
necessidade de excluir a substncia, ou coisa da significao e da compreenso do
signo. O signo, e nisto Saussure est correto, se compreende por oposio a outros
signos no jogo de regras internas do sistema da langue. Por isso seria necessrio uma
correo de rota no pensamento de Saussure, e Benveniste prope que o lao que une o
significante ao significado necessrio, interior ao signo e no arbitrrio. O "arbitrrio
que tal signo e no tal outro seja aplicado a tal elemento da realidade e no a tal outro"
(BENVENISTE,1966:52).
Os signos designam, isto , querem dizer algo, significam, porm no referem.
No so eles que realizam a relao propriamente dita de referir, de estabelecer uma
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relao entre as palavras e as coisas, entre dizer e ser. Tratar das relaes intrasgnicas
evita incluir a "coisa" no interior do significado. Se houvesse uma conexo necessria
entre o signo e o objeto que ele designa, a capacidade lingstica de semiotizao, de
significao, ficaria prejudicada. Falar limitar-se-ia a nomear.
Neste sentido, a relao entre signo e realidade no deve e nem pode ser
resolvida pelo lingista. Ela cabe filosofia, como propusera Saussure. Mas, ainda que
a questo da referncia seja filosfica, pois que a filosofia da linguagem no se limita
descrio dos elementos constitutivos das lnguas -, as consideraes da lingstica
estrutural so pertinentes para desfazer problemas filosficos. A lingstica estrutural
renuncia a incluir a realidade na compreenso sgnica, evidenciando dessa forma que a
linguagem o lugar onde as idias emergem, atravs dela que a realidade recortada
(tanto pelo lxico como pela estrutura sinttico-semntica) e tornada significativa,
compreensvel, suscetvel de comunicao verbal. A referncia s coisas, podemos
concluir com acerto, guiada (ou at mesmo "produzida", como discutiremos mais o
adiante no 3 captulo) pela significao e no o inverso, como pensam as teonas
representacionistas da linguagem e do conhecimento. Pela tradio estruturalista no se
est autorizado a sair dos limites da frase gramatical, portanto, no h como "resolver" o
problema da referncia. As palavras se combinam atravs de regras gramaticais,
sintticas e semnticas, para a produo de todas e somente aquelas que so frases da
lngua. Importa a competncia verbal, o designatum, ficando o denotatum fora do
sistema, problema que o lingista deixa para o filsofo resolver, observa Lopes (1977:
249-250). A introduo do real no lingstico, pensar contraditoriamente como fez
Saussure, que o significante varia conforme as lnguas, implicaria que se pode inventar
seqncias sonoras e a elas relacionar significados, esquecendo-se que os signos so
convencionais, que a relao entre significante e significado necessria.
O que conduz importante noo de que a lngua no se limita a puro
instrumento do pensamento, a cdigo de sinais de que cada um se serve para comunicar
o claro e lmpido pensamento, sujeitado ao meio precrio dos cdigos lingsticos, aos
signos. O senso comum costuma afirmar que as palavras so meros sons, que as lnguas
so limitadas, que o pensamento claro e distinto encontra nelas um obstculo para
expressar-se. Nada mais enganoso do que este cartesianismo fcil. No h linguagem
como conjunto de sinais, uma espcie de cdigo telegrfico, meio de traduo do
pensamento. Pelo contrrio, so as lnguas, com suas construes (as frases
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gramaticais), que funcionam como que sintetizando, no sentido kantiano do termo, a
"realidade".
Devido ao fenmeno da transparncia lingstica, o falante pensa que "h entre o
signo e a realidade uma adequao total: o signo recobre e dirige a realidade, ou melhor,
ele essa realidade", afirma Benveniste (1966: 52). Objeto e nome se confundem. J o
lingista trabalha com a relao entre significante e significado e o "domnio do
arbitrrio relegado para fora da compreenso do signo lingstico"(1966: 52),
completa Benveniste. Em outras palavras, a significao no decorre da referncia. A
lngua agencia os signos distintos e distintivos para dar fonna s expresses, s trocas
lingsticas.
O problema, e este um ponto bastante controvertido, so as razes invocadas
para deixar a referncia de fora do mbito da lingstica. Linguagem e significao
diferem de realidade e denotao, apenas pelos motivos acima apontados. Se o motivo
for "salvar" o carter cientfico da lingstica, argumentando que ela uma cincia
acerca do sistema, da forma, da estrutura, ou seja, das regras que comandam as lnguas
(cincia da langue) -, o resultado ser excluir toda uma srie de fatores e fenmenos
nada secundrios, no s a coisa referida (conotatum) como tambm a fala, a inteno, o
uso, as interaes, verbais. Enfim, o que for da ordem da fala e do discurso, que
necessariamente envolvem fatores do contexto e da situao, acaba no sendo analisado
pela cincia da linguagem, simplesmente por se tratar de fenmenos variveis, cujo
carter aleatrio, ou como afirma Saussure, individual e acessrio, impede qualquer
tentativa de tratamento cientfico.
A questo da cientificidade da lingstica (em que pese o fardo de supor ser
necessria a discusso do estatuto epistemolgico de "cincia") e do seu alcance,
continua sendo um problema crucial (como veremos com Chomsky e com as discusses
sobre o estatuto da "anlise do discurso"). Ocorre que esse problema s pode ser
equacionado se levarmos em conta justamente o que Saussure apontara como
secundrio, a parole. Com o que fica evidente a necessidade que supomos essencial, de
sair dos limites do signo e das relaes exclusivamente intrasgnicas, e fazer a anlise
avanar at os atos de fala e os atos de discurso. Nestas dimenses o problema da
relao linguagem/mundo visto sob perspectivas mais satisfatrias, tanto para a
filosofia da linguagem, como para a lingstica.
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3.C0NCEIT0 E OBJETO
Saussure diz que o significado corresponde a um conceito, e pouco adiantou
alm dessa considerao. A filosofia da linguagem explora esse problema. Como
possvel que a um signo corresponda um objeto? Os filsofos introduzem o conceito
como ponte entre ambos. Desde Plato, passando pela Idade Mdia, entre a coisa e sua
denominao, h algo "mental", supra-sensvel, denominado de "idia" ou "conceito".
Seriam ou no as palavras aptas a denominar os conceitos, e por sua vez, os conceitos
seriam as imagens mentais ou signos mentais das coisas reais?
Grande parte da filosofia clssica no duvida de que h um mundo real de um
lado e o pensamento de outro lado, prenhe de conceitos e idias. O nominalismo de
Occam uma exceo tendncia generalizada de atribuir aos nomes uma relao
direta com os conceitos encarregados de espelhar ou representar a realidade, o mundo
exterior. Para o nominalismo, os conceitos no passam de nomes, rubricas, simples
signos que renem seres individuais sob um nome geral.
O "reinado da coisa-em-si", como diz Habermas, e do pensamento que reflete as
coisas em conceitos, perdura at Kant (1724-1804). Para Kant a coisa em si no
cognoscvel, o que se conhece so os fenmenos, as coisas tais como elas se manifestam
pelo instrumento da sensibilidade e da razo. Porm Kant preocupa-se apenas com as
formas puras da razo, a linguagem um fator que s passa a contar a partir do sculo
XIX. O que possibilita pensar a coisa um puro conceito mental, ou uma capacidade
de significar, de verbalizar?
Diante de dois ou mais objetos fsicos, seus limites ou semelhanas
identificadores provm exclusivamente deles mesmos, so impostos pela realidade? Por
exemplo, a diferena entre uma casa "bem acabada" e outra "rstica" reside na coisa em
si e da viriam os conceitos de "casa" e de "cabana" que os signos apenas traduziriam?
O problema , exatamente onde no objeto estariam as diferenas pertinentes para que se
os nomeie?
Realistas e conceptualistas pensam assim: a realidade traz em si, discriminados,
os seres. Basta, ento nome-los. Como se o problema filosfico ou o problema
metafsico por excelncia consistisse em conhecer o que so exatamente os seres, em si
e por si prprios, independentemente de um sujeito, ou melhor, de sujeitos que falam.
A linguagem pblica. Kant, como dissemos acima, j havia mostrado ser impossvel
conhecer algo em si mesmo: preciso que as formas puras do entendimento e da razo
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discriminem os fenmenos da realidade externa, que, sem essas formas, no passariam
de um amontoado catico. Hoje diramos que sem a linguagem, sem algum tipo de
semiotizao codificadora, a "realidade" ficaria ininteligvel. As situaes motivam a
ao e o conhecimento, evidentemente, a realidade no maquinao ou elucubrao
mental. Porm sem a linguagem nomeando, designando, situando, esclarecendo,
discriminando, recortando, afirmando, etc., enfim, sem algum tipo de semiose, isto , de
processo sgnico, at mesmo a mais simples das intervenes do homem no mundo seria
impraticvel.
Portanto, falar no interrelacionar uma coisa com uma palavra, mas relacionar
signos entre si, ou melhor, formular frases, utilizar sentenas que sirvam para referir-se
a fatos no mundo, que so, por sua vez, "moldados" pela linguagem.
O signo lingstico operacional, no est simplesmente no lugar de algo.
Contrariamente ao que pensa a tradio filosfica, o pensamento no um tabernculo
onde os conceitos abstratos so encerrados. O pensamento lingstico, como
sustentaremos mais adiante nos captulos LU e IV. No se limita tarefa admica da
nomeao, nem tarefa platnica da conceptualizao.
A prpria capacidade de nomear ou de denotar no intrnseca ao signo, como
se ele estivesse ligado por um cordo mgico a seu referente. E isso por diversas razes:
h signos que absolutamente no possuem referente ("no", "se"); os signos no so
etiquetas das coisas; os signos no possuem um significado fixo (fixidez essa
pressuposta por todos aqueles que concebem a linguagem como cdigo de signos
etiquetados); enfim, como Saussure mostrou, signos valem. Se tal se deve ao sistema,
como preconiza o estruturalismo de vertente saussureana, ou no, discutvel, pois,
como veremos, a fala, longe de instaurar o caos e de representar um empecilho para a
propalada aquisio do status de cincia por parte da lingstica, tem sido campo frtil
para a pesquisa lingstica.
De qualquer maneira, nada do que acima afirmamos implica em isolar a
linguagem dos fatores externos a ela. Afinal nos servimos de palavras tambm para falar
das coisas. No que haja um universo lingstico parte, servido numa bandeja. E
preciso mais de que um cdigo decifrador, mais do que uma relao um por um entre
signo e coisa nomeada para que uma frase, a mais banal, como o famoso exemplo de
Putnam "H um gato sobre o capacho", seja dita e compreendida.
Um dos diversos problemas a que o exemplo d margem, justamente o do
conceito mental "gato". Num suposto universo platnico, ou num cogito cartesiano h
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uma entidade ideal ou uma idia correspondente ao felino que o signo "gato" nomeia? O
conceito serviria de ponte abstrata entre signo e a coisa?
A tradio platnico-cartesiana perdeu fora na modernidade. Ao invs de
pensar o conceito como imagem abstrata e suporte do significado, h quem afirme que o
conceito o prprio contedo das formas lingsticas. O mesmo conceito pode ser
realizado por mais de um signo. Eles funcionam no interior do esquema de
comunicao/compreenso de expresses lingsticas da seguinte forma: um falante,
motivado pela situao, conceitua certa faceta da realidade atravs de significaes
(traos que compem o significado), adequadas para expressarem apropriadamente este
ou aquele significado pertencente ao sistema da lngua, de modo a que o ouvinte saiba
de que o falante est tratando, quando o falante a ele se dirige. H quem pense que os
conceitos so independentes das lnguas, o caso de Baldinger (1980) e de Chomsky
(2000). Os conceitos formam um campo ou um sistema lgico/mental de relaes, cujas
estruturas provm das diversas lnguas, mas as ultrapassam, para o primeiro, e para o
segundo fazem parte da estrutura inata da mente. Os significados devem poder traduzir
o mais fielmente possvel o conceito que expressam.
Dois problemas se pem: no sero os conceitos mentais e universais uma mera
duplicao que apenas sofistica os significados? Pretende-se que os conceitos sejam o
meio atravs do qual se d a relao entre palavras e coisas. Eles do conta desta tarefa?
Acreditamos que no h nenhum ganho em pressupor que alm dos signos haja
entidades mentais, afinal a virada lingstica ocorreu, a modernidade experimenta um
processo de arejamento no cu platnico e no cogito cartesiano. Para que multiplicar
entidades? Alm disso, a noo de significado seja como objeto abstrato, seja como
conceito mental, mais atrapalha do que ajuda a explicar a referncia. O problema da
referncia, isto , de como com as palavras pretendemos identificar algo ou uma
situao para algum e somos bem-sucedidos nesta empreitada, nada ganha com a
pressuposio de que os conceitos, espelhados em significados lingsticos, realizam
essa mgica.
Por ltimo, como saber se o conceito apropriado coisa? A lingstica
estrutural no tem meios de mostrar qual seja a natureza dessa relao e nem pretende
t-los. Se tivesse essa pretenso acabaria por abrir mo justamente da noo de que
signo valor e no uma entidade em si, uma substncia. Essa uma contribuio
valiosa da lingstica para a prpria filosofia da linguagem cujos pressupostos sejam
ps-metafsicos.
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4. OS LIMITES DA SEMNTICA
A lingstica estuda desde a menor unidade significativa que o fonema, at a
maior unidade significativa que a fiase gramaticalmente bem construda, isto , de
acordo com as regras fonolgicas, sintticas e semnticas. A frase "ns cheguemos
tarde" uma frase de alguns idioletos da lngua portuguesa, porm "cheguemos e ou"
anmala, provavelmente jamais ser dita, servindo apenas como exemplo. O nvel da
frase o nvel superior para as semnticas de cunho estrutural e representa o limite da
lngua como sistema de signos. A partir da "entramos num outro universo, o da lngua
como instrumento de comunicao cuja expresso o discurso", diz Benveniste (1966:
130). Assim temos que, conforme se leve em considerao seja apenas a lngua, ou o
par lngua/fala, ou ainda o discurso, da derivam diferentes teorias semnticas.
A semntica do signo limita-se ao estudo dos traos que compem o significado.
Para Saussure significante e significado so os dois lados da mesma moeda. no ponto
de interseo entre as cadeias sintagmticas e paradigmticas que o signo recebe
significado. A lngua prev relaes sintagmticas, horizontais dos elementos que regem
a construo de frases, e relaes paradigmticas entre elementos que podem vir a
ocupar o lugar virtual de cada signo, em substituies verticais. O significado depende
da posio que o signo ocupa e da funo que exerce. Em "as meninas atravessaram a
rua", o significado de "as meninas" provm da posio sujeito e da funo nominal, e
pelo fato de poder ser substitudo pelos signos associados a ele, como "as gurias",
"elas", "as garotas" (substituio vertical, ocupao virtual de posio de signos que
esto na memria de cada falante). Evidentemente o valor de cada signo, juntamente
com seu significado pode mudar conforme as circunstncias da fala, mas o estudo
propriamente lingstico deve ater-se quilo que o sistema da lngua permite formular
atravs do jogo combinatorio das regras de articulao dos signos no interior das frases.
Diz Saussure:
Nossa memria tem de reserva todos os tipos de sintagmas mais ou menos complexos, de
qualquer espcie ou extenso que possam ter, e, no momento de empreg-los, fazemos intervir os
grupos associativos para fixar nossa escolha. Quando algum diz "vamos!", este figura por um
lado na srie "vai!" e "vo!", e a oposio de "vamos!" com essas formas que determina a
escolha; por outro lado, "vamos!" evoca a srie "subamos!", "comamos!", etc. (...) Em cada srie
sabemos o que preciso variar para obter a diferenciao prpria da unidade buscada. Mude-se a
idia a exprimir, e outras oposies sero necessrias para fazer aparecer um outro valor (1975:
151).
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Igualmente tendo como limite a frase estruturada, a semntica componencial de
Katz e Fodor, associada num primeiro momento s teses de Chomsky sobre a gerao
pela competncia verbal, de toda e qualquer frase de uma lngua, adota a noo
chomskiana de produtividade. Devido a sua competncia lingstica o falante produz e
reconhece frases j ouvidas e/ou ditas, bem como frases novas. O problema para a
semntica delimitar seu nvel superior. Ao levar-se em conta o contexto da fala para
selecionar seu significado, ter-se-ia que construir uma teoria que desse conta desse
imenso universo do falante e das inumerveis e variveis situaes de fala. Por isso
Katz e Fodor circunscrevem a semntica capacidade que tem o falante de detectar
ambigidades, anomalias, sinonimias, aplicando to somente regras gramaticais,
excluindo ciados do contexto, por estarem fora do limite superior da descrio
semntica. Num nvel profundo, so geradas todas e apenas aquelas frases da lngua.
Chomsky no trabalha mais com o modelo de estrutura profunda/estrutura superficial. A
semntica componencial encontra srias dificuldades, como veremos, por pretender dar
conta da semntica. Chomsky restringiu-se sintaxe, at meados da dcada de 80, por
entender que a semntica no pertence ao terreno das slidas conquistas da cincia (no
captulo IV voltamos a tratar dessa questo). Para Katz e Fodor, os componentes da
semntica so: um dicionrio contendo os itens lexicais; regras de projeo que dizem
como pode ser integrado cada item do dicionrio para formar as frases; informao
sinttica (nome, adjetivo, verbo); marcadores semnticos que fornecem informao
semntica (humano, macho, animal, objeto, etc.); distinguidores que especificam o item
lexical com relao a sinnimos; restries de seleo que fecham a descrio semntica
das ocorrncias conforme a apropriao do uso.
Trata-se de uma teoria semntica que pouco avana com relao s vrias teorias
do campo semntico que tambm trabalham com traos distinguidores e evitam estender
a semntica alm dos signos, ficando de lado a frase dita em situao, o falante, a
relao da significao com a referncia. Apesar do esforo para evitar o apelo
situao de discurso, as restries de seleo so estabelecidas pelo que se quis dizer
naquele momento, com aquela frase, a algum. De outro modo, xingar algum com
"voc uma porta!" seria ininteligvel por ferir a restrio de seleo para a qual "porta"
objeto fsico e por isso no pode ser atribudo a uma pessoa. A associao do
significado de "porta" a algo inerte que permite o efeito semntico desejado. Alm
disso, como observa Lopes (1977: 305), as definies nada mais so que sinonimia, com
o que permanece insolvel o caso das conotaes que envolvem itens derivados de
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subcdigos. E mais: para usar adequadamente os distinguidores, preciso j se ter em
mente o item escolhido. Para saber se "bachelor", como no famoso exemplo de Katz e
Fodor, designa homem jovem solteiro ou foca na poca do acasalamento, a escolha
entre o distinguidor "solteiro" e "animal jovem foca sem parceiro na poca de acasalar",
pressupe que se conhece antecipadamente aquilo que se quis explicar ou significar
(LOPES, 1977: 308-309).
Da a pergunta: a lngua {langue) ou a competncia do falante bastam para dar
conta do significado? So suficientes para dar conta de como operar com itens lexicais
no interior de cdigos, mas insuficientes por deixarem de lado a performance verbal,
que consideramos fundamental para explicar o significado e compreender o problema
da referncia. O que d margem a interrogaes que ficam em suspenso: se as
dicotomas lngua/fala, competncia/performance se sustentam; como lidar com as
conotaes, com o dizer situado; deixa-se intocado o problema filosfico da referncia
sob o pretexto de que a realidade e a relao de referncia extrapolam o limite do
propriamente lingstico; ao mesmo tempo recorre-se ao "teste" da realidade (situao
de fala) para dar valor semntico a certas frases, nas quais, se no for possvel
identificar o referente que o falante tem em vista ao usar tal signo, a prpria inteno
significativa fica alterada (nos prximos captulos retomamos o problema da fixao do
referente).
Se, por um lado, distinguir entre significao e denotao um dos saldos
positivos da herana estruturalista (como vimos, a lngua semiotiza a realidade, no h
uma relao um por um entre signo e realidade, o falante relaciona signos entre si), por
outro lado, ao deixar o problema da referncia para o filsofo resolver, o que pode ser
considerado um pleito justo, uma atitude que peca pela incongruncia. E que
dificilmente a semntica consegue evitar o apelo ao extralingstico, como no caso
acima apontado dos distinguidores e sua funo na caracterizao dos marcadores
semnticos e na configurao dos campos semnticos.
Essa situao cria um impasse, um vez que o universo lingstico no um
universo parte e, ao mesmo tempo, amarrar a linguagem relao um por um entre
signo e realidade implica em emascular a linguagem de sua fora que ultrapassa a
simples nomeao, como o caso das vrias facetas da linguagem, tais como a funo
designativa, o apelo ao ouvinte, a expressabilidade, a argumentao, a retrica, o jogo
com metforas, as conotaes, etc.
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No entanto, gostaramos neste trabalho de evitar que a discusso desembocasse
na disputa bizantina: h ou no sentido literal? Ou nas solues que separam
componente lingstico de componente retrico, que, no fundo, no passam de anlises
do tipo competncia/performance, ou at mesmo, limitam-se distino saussureana
lngua/fala. A funo designativa ou referencial, segundo Jakobson, enfatiza o contexto.
Ocorre por meio da verbalizao de um designation e no de um denotatum, isto , algo
dito num contexto verbal sem a necessidade da correlao imediata com a ocorrncia
de uma situao, objeto ou ente aos quais o signo teria que corresponder, para que o
sentido se efetivasse. Nada muito diferente da tese de Frege, que abordaremos no
pr