T.3.1 - Platão - Mênon [excerto - UFABC 2015]

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Excerto solicitado pela Profa. Maria Cecília - Temas e Problemas em Filosofia - UFABC 2015

Transcript of T.3.1 - Platão - Mênon [excerto - UFABC 2015]

  • M.Ceclia L.G.Reis, tica - Insper

    Plato, Mnon [80e 87 b] ;

    adaptao da trad.ingl. de W.K.C.Guthrie, London,1956; e da trad.port. de

    S.R.Sproesser, dissertao de mestrado, USP FFLCH 1992.

    [ Do argumento erstico sobre a impossibilidade do conhecimento]

    S Compreendo o que queres dizer, Mnon. Ests sustentando o argumento erstico que

    afirma para o homem no ser possvel investigar, nem o que sabe pois disso j tem

    conhecimento e nenhuma necessidade teria o homem da investigao nem aquilo que

    no sabe pois, neste caso, nem sabe o que est procurando...

    M E este te parece um bom argumento?

    S No a mim!

    M Podes me dizer por qu?

    S Sim ... Ouvi algo belo, que me parece verdadeiro e acertado, de homens e mulheres

    sbios a respeito de coisas divinas. Pndaro tambm fala disso, e muitos outros poetas

    divinos.

    [Da doutrina do conhecimento como reminiscncia ]

    O que dizem o seguinte mas examina se te parece ser a verdade : que a alma do

    homem imortal, e ora finda o que se chama morrer e ora renasce; mas nunca perece;

    e por isso preciso passar a vida o mais piamente possvel.

    de quem Persfone , por antigo luto,

    receber expiao, ao nono ano restitui

    ao spero sol suas almas

    das quais reis esplndidos

    rpidos na fora e mximos na sabedoria

    crescero como homens e, doravante,

    de heris santos pelos homens sero chamados.

    Por ser a alma imortal, ter nascido muitas vezes e ter visto todas as coisas aqui e no

    Hades, no h o que no tenha aprendido. Por isso no nada espantoso que, a respeito

    da virtude e de tudo o mais, a alma seja capaz de recordar o que antes j sabia. Por ser

    congnere da natureza toda e ter aprendido tudo, nada impede que o homem tendo

    recordado uma nica coisa aprendido como se costuma dizer descubra tudo o mais

    por si mesmo, se for corajoso e no se cansar [facilmente] de investigar. Pois investigar e

    aprender no so nada mais que reminiscncia.

    No se deve deixar-se persuadir pelo argumento erstico. Embora parea doce de

    ouvir aos indivduos moles, ele far de ns uns preguiosos. O argumento da

    reminiscncia, por sua vez, nos faz ativos e investigadores. Confiante de que ele

    verdadeiro quero investigar contigo o que a virtude.

    EstrelaRealceObjetivo vencer um argumento e no descobrir a verdade.

    EstrelaRealceMemria, recordao

    EstrelaRealcePlenamente

    EstrelaRealceSuperior, supremo

  • M Entendo, Scrates... Mas o qu exatamente queres dizer quando afirmas que nada

    aprendemos, mas falamos em aprender disso que nada mais seno reminiscncia? Podes

    me ensinar o que isso?

    S Ainda h pouco eu te chamava de velhaco, Mnon... E com razo! Me perguntas se

    posso te ensinar?! E justamente a mim, que acabei de dizer que no existe ensino

    propriamente dito, mas apenas reminiscncia? Tu queres me pegar em contradio.

    M Por Zeus, Scrates : no falei por mal mas por hbito. Contudo, se tiveres algum

    meio de me mostrar que o que dizes verdadeiro, faa-o por favor.

    S No fcil, mas tentarei fazer o que me pedes...

    Chama-me um desses meninos que esto sempre com voc. Qualquer um.

    [ Da tentativa de provar a tese por meio de dedues geomtricas feitas por um escravo ]

    M Ei, aproxima-te!

    S Ele fala grego, Mnon?

    M Com certeza : nascido na casa !

    S Presta ateno, Mnon, se te parece que o escravo est simplesmente recordando ou

    aprendendo algo comigo.

    Dizes-me, menino : sabes que o quadrado uma figura assim ?

    [Desenha na areia o seguinte diagrama]

    D C

    E Sim!

    S E que ela tem quatro lados iguais. A B

    E Sim!

    S E que as linhas que cortam a figura pelo meio tambm so iguais?

    E Sim.

    D C

    S E que uma figura dessas pode ser maior ou menor?

    E Certamente que pode. A B

    S E se este lado for de dois ps, ento de quantos ps seria o

    todo? ...Vamos colocar assim: se a figura tivesse dois ps nes-

    ta direo e apenas um p nesta outra, no seria a rea igual a

    dois ps tomado um s vez?

  • E Sim.

    S Visto que o lado tem dois ps, a rea no seria igual a dois ps, tomados duas vezes?

    E Exatamente.

    S E quanto duas vezes dois ps raciocina e fala !

    E Quatro, Scrates.

    S Poderamos, ento, desenhar uma outra figura com o dobro do tamanho daquela mas

    similar i.e. com todos os lados iguais?

    E Claro que sim.

    S E quantos ps de rea ele ter?

    E Oito, Scrates!

    S timo! Tente agora dizer-me que medida teria de ter cada lado dessa figura. A

    presente figura tem um lado de dois ps. Quantos ps teria o lado da figura com o dobro

    de rea ?

    E Fcil, Scrates : o lado tambm teria de ter o dobro da medida!

    S Vs, Mnon : eu nada ensino a ele, pois estou apenas fazendo perguntas... No entanto,

    ela est convencido de saber a medida do lado de um quadrado de rea igual a oito ps!

    M De fato, ele est convencido de que a medida do lado tambm dobro daquela; mas,

    na verdade, est enganado...

    S Observe agora, Mnon, como ele recorda coisas de maneira ordenada e este o

    modo prprio da reminiscncia... Dizes-me, tu, menino : afirmas que o lado que mede o

    dobro produzir a figura de rea duas vezes maior ? ...Assim : no longo em uma direo

    e curto na outra, mas igual por toda parte, como aquele quadrado, mas com o dobro da

    rea i.e. de oito ps. Pensa bem se te parece ser o lado que tambm mede o dobro!

    E Sim ...penso que L. K

    S Se acrescentarmos aqui, ento,

    outra linha de mesmo tamanho [BJ], D C

    este lado medir o dobro...

    E Sim A B J

  • S E com o lado AJ, ento, que se construir a figura com o dobro da rea, tomando

    quatro lados de mesma medida ...

    E Sim.

    S Seja feito, ento, sobre o lado AJ o quadrado AJKL ... Tracemos com quatro linhas

    iguais o quadrado, usando a primeira como base. Teramos ento o que afirmas ser a

    figura de oito ps?

    E Certamente.

    S Nela h estas quatro figuras, cada uma delas idntica figura original de quatro ps...

    E Exatamente.

    S E qual seria o tamanho do quadrado AJKL : no seria quatro vezes o tamanho do

    quadrado original?

    E Sim ...

    S Quatro vezes o mesmo que o dobro?

    E No, de modo nenhum ...

    S A partir do lado que mede o dobro, ento, obtivemos o quadruplo da rea e no o

    dobro?

    E verdade...

    S Quatro vezes quatro : dezesseis; no ?

    E Sim.

    S Que tamanho teria, ento, a figura de rea igual a oito ps? O lado AJ nos deu quatro

    vezes a rea original, no?

    E De fato ...

    S Mas um quadrado com a metade dessa medida produziu uma rea de quatro ps.

    E Sim.

    S Tenta me dizer de quanto deveria ser o lado ...O lado da figura de rea de oito ps,

    ento, tem de ter o lado maior que dois ps e menor que quatro ps.

  • E Ter de ter trs ps!

    S Sendo assim, adicionemos metade desta linha para fazer o lado de trs ps...Eis, aqui,

    dois... aqui est mais um; mesma coisa do outro lado... E a figura AOPQ dever ser

    aquela que procuramos...

    E Sim.

    Q P

    S Portanto, se aqui mede trs ps,

    e aqui trs ps, a figura ter trs vezes

    trs ps?

    E o que parece... A O

    S E quanto trs vezes trs ps?

    E Nove, Scrates.

    S E quantos ps precisa ter o quadrado com o dobro da rea do quadrado original?

    E Oito, Scrates...

    S De modo que, com o lado medindo trs ps, ainda no conseguimos obter a figura

    procurada...

    E No, decerto ...

    S Mas, ento, a partir de que medida conseguiramos? Tenta dizer-me com exatido... E

    se no queres contar, mostra-me no diagrama.

    E Por Zeus! Eu no sei !

    S Notas, Mnon, em que ponto do recordar-se este menino j est? Primeiro, no sabia,

    mas pretendia saber e audaciosamente respondia como quem sabe; e no se mostrava

    perplexo. Agora, j percebeu que no sabe, e nem supe saber! Est em perplexidade;

    porm, melhor do que antes, quando supunha saber...

    M Assim tambm me parece.

    S Observa agora, a partir dessa perplexidade, de que modo descobrir investigando

    comigo embora eu apenas coloque questes e nada ensine! Vigia se de alguma maneira

    me percebes a ensin-lo e a explicar-lhe, em vez de interrogar pelas opinies dele...

    Dizes-me tu : esta a figura ABCD de quatro ps?

  • E Sim.

    [...] S E esta linha, de ngulo a ngulo, est cortando em duas partes cada um dos

    quadrados. H

    E Sim.

    S E so quatro linhas iguais formando a D E

    rea BEHD?

    E So, de fato, quatro linhas iguais.

    A B

    S Observa qual o tamanho dessa rea...

    E No compreendo.

    S Cada linha corta por dentro cada quadrado pela metade ou no?

    E Sim, corta.

    S E quantas metades h dentro da figura BEHD?

    E Quatro.

    S E quantas metades h na figura ABCD?

    E Duas.

    S E o qu quatro de dois?

    E O dobro!

    S Qual , portanto, a rea da figura BEHD?

    E de oito ps!

    S Construda a partir de qual linha?

    E A partir da linha que se estende de ngulo ngulo!

    S Os sofistas costumam design-la diagonal. Assim, a partir da diagonal do quadrado

    que se pode obter a figura que tem o dobro da rea daquele.

    E Exatamente, Scrates.

  • S Que te parece, Mnon? Ele deu alguma resposta que no fosse dele prprio?

    M No respondeu, de fato, seno de si mesmo!

    S Contudo nada sabia antes, como afirmramos ... Essas opinies estavam nele ou no?

    M De fato, as opinies estavam nele.

    S Ora, naquele que nada sabe, ento, h opinies verdadeiras mesmo respeito daquilo

    que ele no sabe.

    M Parece que sim.

    S Essas opinies, agora h pouco, revolveram-se no menino, tal como um sonho. Se

    algum o interrogar sobre essas mesmas coisas, muitas vezes e de muitos modos, por fim

    ele as conhecer ainda com mais exatido[...]. Portanto, ningum ensinando, mas apenas

    interrogando, ele ser capaz de conhecer retomando a cincia de si mesmo. E retomar a

    cincia de si mesmo no recordar?

    M Sim.

    S A cincia que ele agora tem, ento, de duas uma : ou sempre a possuiu, ou um dia

    algum lhe ensinou. Algum um dia lhe ensinou geometria? Pois ele ser capaz de fazer

    essas mesmas coisas respeito de toda a geometria e respeito de todas as demais

    cincias ... H algum que lhe tenha ensinado tudo isso? razovel que o saibas,

    especialmente porque ele nasceu e foi criado em tua casa !

    M Tenho certeza, Scrates, que ningum jamais lhe ensinou nada disso.

    S Contudo ele traz em si essas opinies... Se no recebeu nesta vida, ento evidente

    que as aprendeu em algum outro tempo.[...] Portanto, se sempre est em nossa alma a

    verdade sobre o que , a alma seria imortal; de modo que preciso tentar com ousadia

    investigar e recordar aquilo que, por acaso, no sabes agora i.e. o que no lembras. [...]

    Outras coisas eu no afirmaria em defesa do argumento. Mas digo que seremos melhores,

    mais viris e menos inertes, se supomos ser necessrio investigar aquilo que no sabemos,

    do que se supomos que no possvel investigar o que no se sabe. J que concordamos

    que h de se investigar aquilo que no sabemos, tentemos juntos investigar o que afinal

    a virtude [...]. Abranda teu desejo [ de procurar saber imediatamente se ela pode ou no

    ser ensinada ] e concede-me examinar isso por hiptese.

    Digo por hiptese no sentido em que os gemetras, muitas vezes, examinam

    quando algum lhes pergunta, por exemplo, a respeito de uma figura triangular, se

    possvel inscrev-la em um crculo. Dizem : no sei, ainda, se isso possvel; mas

    suponho, propsito disso, ser uma hiptese o seguinte: se tais e tais condies se

    apresentam, o resultado ser este; em tais e tais outras, aquele[...].