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Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 8, V. 15, p. 147 – 178, jan./jun. 2000. 147 * Palestra proferida durante o Seminário Nacional sobre a Prevenção das DST, AIDS e Uso Indevido de Drogas nos Sistemas Prisionais, Brasília, nos dias 16 e 17 de dezembro de 1999. QUESTÕES DO DIREITO PENAL NO CONTEXTO DA AIDS* Tânia Maria Nava Marchewka Procuradora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios INTRODUÇÃO Entendemos necessário fixar aqui os pontos fundamentais sobre a temática ora apreciada, que devem ser tratados. E nessa preocupação partimos da análise da existência de normas de proteção aos chamados direitos fundamentais da pessoa humana, em face da evolução do conceito de direitos e garantias individuais e coletivos, e o alcance de tais normas diretrizes dentro da comunidade brasileira, marcada pelas diferenças sociais, econômicas, políticas e culturais. Iniciamos a pesquisa a partir dos estudos dos eminentes mestres: o filósofo Emmanuel Carneiro Leão e o jurista Juarez Tavares, trazendo suas primorosas contribuições para o desenvolvimento deste trabalho, bem como de nossa experiência atuando na Execução Penal, ora como defensora pública e como promotora de justiça, bem como de nossa atuação extrajudicial na promotoria de defesa da saúde-Prosus. Nessa cadência, o presente trabalho tornar-se mais gratificante porque o mundo atual aponta para o aprofundamento de uma nova concepção dos direitos humanos, nos ordenamentos internos e internacionais. Porém, não existe a pretensão de abranger todos os enfoques que a temática permite. Tenta, pois, nos limites do que dispõe, enfocar a discussão sobre a eficácia e aplicabilidade do nosso sistema penal dentro das dificuldades da assistência médico/psicossocial para os detentos, notadamente os portadores do vírus HIV e os doentes mentais.

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* Palestra proferida durante o Seminário Nacional sobre a Prevenção das DST, AIDS e Uso Indevido de Drogasnos Sistemas Prisionais, Brasília, nos dias 16 e 17 de dezembro de 1999.

QUESTÕES DO DIREITO PENAL NO CONTEXTO DA AIDS*

Tânia Maria Nava MarchewkaProcuradora de Justiça do Ministério Públicodo Distrito Federal e Territórios

INTRODUÇÃO

Entendemos necessário fixar aqui os pontos fundamentais sobre atemática ora apreciada, que devem ser tratados. E nessa preocupaçãopartimos da análise da existência de normas de proteção aos chamadosdireitos fundamentais da pessoa humana, em face da evolução do conceitode direitos e garantias individuais e coletivos, e o alcance de tais normasdiretrizes dentro da comunidade brasileira, marcada pelas diferenças sociais,econômicas, políticas e culturais.

Iniciamos a pesquisa a partir dos estudos dos eminentes mestres: ofilósofo Emmanuel Carneiro Leão e o jurista Juarez Tavares, trazendo suasprimorosas contribuições para o desenvolvimento deste trabalho, bem comode nossa experiência atuando na Execução Penal, ora como defensorapública e como promotora de justiça, bem como de nossa atuaçãoextrajudicial na promotoria de defesa da saúde-Prosus.

Nessa cadência, o presente trabalho tornar-se mais gratificante porqueo mundo atual aponta para o aprofundamento de uma nova concepção dosdireitos humanos, nos ordenamentos internos e internacionais. Porém, nãoexiste a pretensão de abranger todos os enfoques que a temática permite.Tenta, pois, nos limites do que dispõe, enfocar a discussão sobre a eficáciae aplicabilidade do nosso sistema penal dentro das dificuldades daassistência médico/psicossocial para os detentos, notadamente os portadoresdo vírus HIV e os doentes mentais.

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As questões aqui abordadas exercem um papel informativo importantenum momento em que nossa sociedade vive um período de transição. Essemomento é aquele onde se configura a sociedade brasileira contemporânea,a qual, vem gerando dentro das estruturas sócio-econômica-administrativae política, em seus contornos institucionais, necessidades inéditas dearticulações, que podem ser atendidas ou satisfeitas pela implementaçãode estratégias inovadoras. Desse processo de ajuste, o fosso cada vez maisprofundo acha-se entre o sistema jurídico e o interesses conflitantes numasociedade em transformação.

A PROBLEMÁTICA

Gostaríamos de aqui colocar um dilema: as normas abstratas e geraisem face dos casos concretos, tem comprometido a efetividade dos códigose de suas normas.

Dado as características da AIDS e as vias de transmissão hojereconhecidas, abordaremos algumas questões complexas e importantes noâmbito da ciência punitiva, num breve estudo em bases constitucionais doDireito Penal Democrático.

As clássicas declarações de direitos, sempre consignavam em suasdisposições iniciais a crença na vida, na liberdade e na felicidade comodireitos naturais, inalienáveis e sagrados do Homem.

A história do Direito Penal caracteriza-se por uma evolução constante.Cada época possui sua marca, porém, por mais completa que pareça estar aconstrução doutrinária de um tempo, sempre algo novo surge.

Estamos vivendo um momento de renovação político-institucional,de importantes conseqüências na esfera do Direito Penal, pois este, de todosos ramos do Direito, é o mais sensível às modificações políticas.

O Direito Penal fascina pelo seu conteúdo humano, pela palpitaçãosocial, pela intensidade dos dramas. É o que mais desperta e mobiliza acompreensão, a simpatia e a solidariedade humana. É a única modalidade

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de advocacia que se pode oferecer. O Direito Penal é o que mais engrandecee empolga a consciência social. Seus dados aplicam-se a tudo, desde ascogitações filosóficas às conversas de salão. O Direito Penal tutela o homemantes do nascimento (aborto) e depois da morte (vilipêndio a cadáver). Além,disso, visita museus e arquivos, preocupa a filosofia, a sociologia, religiões,ciências, artes, técnicas, serviços, etc., enfim, mergulha em toda apersonalidade do homem.

Com isso, podemos dizer que o Direito Penal contemporâneotem um compromisso inafastável com os princípios fundamentais quese situam na origem da Constituição do Estado Democrático deDireito.

Dentre as questões complexas no âmbito da ciência punitiva, proclamaa política criminal a necessidade do Estado adotar um elenco de penasalternativas e substitutivas à prisão, além da reavitalização das penaspecuniárias, posicionando as penas privativas de liberdade como “últimaratio” em matéria criminal.

Portanto, o assunto exige uma abordagem dentro do contexto dastendências modernas do Direito Penal e suas perspectivas para os dias atuaise futuros. Procurarei fazer uma reflexão um pouco diferente do DireitoPenal tradicional. Essa abordagem será dividida em duas partes. A primeiraseria puramente dogmática, enquanto que a segunda seria de políticacriminal.

A dogmática penal passa hoje por um processo de crise. Aliás,sobre crise já se fala muito. Não só da crise do direito penal, mas a crisedo direito civil, a crise do direito de família, etc. Como se sabe, nocampo dos direitos humanos, desde o século passado, surgiram osprimeiros indícios de que a justiça dava sinal de fadiga. A máquinajudiciária começou a entrar em crise. O século XX passou a ser o terrenoda crise. Afinal, trata-se da agonia do modelo de civilização que nosgerou.

Cumpre aqui ressaltar que, o conjunto de padrões ou princípioslógicos-racionais, de eficiência e de eficácia produz e preenche todos os

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espaços do comportamento comunitário e, em singular e individual, doshomens. Entretanto, hoje isto está em crise, ou seja, existe uma crise naprópria constituição de padrão.

Para o filósofo Emmanuel Carneiro Leão, professor da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro, hoje em dia estamos fazendo uma experiênciade passagem de maneira acentuada, não havendo princípio que segure esustente a experiência em determinada ordem ou padrão. Segundo ele, temosuma transformação na atitude ética, na atitude diante dos conteúdos.

Enfatiza o referido mestre que, hoje, a criação do indivíduo ésubstituída pela tecnologia, razão pela qual começa a aparecer a exigênciade responsabilidade com as relações futuras.

Segundo ele, a partir da responsabilidade com a geração dossucessos, o desenvolvimento da tecnologia genética, a preocupação como controle exaustivo do meio ambiente e da natureza, começou a surgir anecessidade de haver, no comportamento dos indivíduos e, sobretudo,das instituições, respeito à preservação das condições de vida e desobrevivência.

Assim, dessa crise nasce, também, uma nova luta, luta esta pelosdireitos da humanidade. Percebe-se que, tanto no âmbito das relaçõesindividuais como nos setores políticos-sociais, julga-se cada vez mais deforma moral. Percebe-se que já não bastam os julgamentos legais do sistemajurídico. Por isso, o lugar de destaque, o consenso que a democracia e osdireitos humanos assumiram nas discussões políticas e nos meios decomunicação de massa de hoje. Os direitos humanos, portanto, possuemum sentido moral e têm base ética.

Explica o professor Juarez Tavares que a crise ocorre quandodeterminadas formas de expressão da realidade estão em descompasso comas exigências sociais que evidentemente procuram uma determinadajustificação para certas atitudes e procuram, também, uma perfeitaadequação entre o que está escrito em determinada norma e o queefetivamente se pratica na realidade.

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Enfatiza o referido mestre que da análise atenta do processo deelaboração das normas incriminadoras, a partir primeiramente do dadohistórico e depois do objetivo jurídico por elas perseguido, bem como opróprio enunciado das ações proibidas ou mandadas, chega-se à conclusãoinicial trágica, de que efetivamente, na maioria das vezes, não há critériospara essa elaboração.

Lembra, o professor José Geraldo de Souza Júnior, citando Ripert, “alei, como expressão da vontade geral, é um mito”. (Para uma crítica daeficácia do Direito, Porto Alegre, SAFE, 1984, p. 24).

Em face dessas deficiências quanto aos critérios, entende ser imperiosoque se procurem estabelecer algumas regras e princípios, que devem serobservados no processo legislativo no que toca à elaboração das normasincriminadoras, tomadas como princípio de limitação. Aqui chamamos aatenção no tocante ao reconhecimento adequado dos complexos problemasdas pessoas com infecção pelo HIV, bem como de sua assistência médica-psicológica no interior das prisões, devem ser tomadas na norma penalcomo protetora da dignidade humana.

Essa postura, segundo o referido mestre, deriva de uma constataçãofática inquestionável, agora, inclusive, fomentadora de verdadeira revoluçãono campo penal, com a divulgação de parâmetros do Direito Penal mínimo,o qual retrata as dificuldades do sistema penal e a necessidade de suareformulação, de que o poder de punir se exerce de qualquer modo, comoconstatação do próprio exercício da atividade estatal, como poder vinculadoexclusivamente à lógica burocrática, a qual não tem qualquer compromissocom a defesa dos direitos humanos, senão com os desígnios dos órgãosencarregados de sua execução.

Juarez Tavares chama atenção para a necessidade da formulação deprincípios limitadores ao exercício do poder de punir, como exigência deum Estado de Direito Democrático, como por exemplo, princípios quesirvam como critérios de seleção de crimes e cominações de penas.

Os primeiros, diz ele, dizem respeito à dignidade da pessoa humana,ao bem jurídico, à necessidade da pena, à intervenção mínima, à

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proporcionalidade. Os segundos tratam da legalidade e seus corolários, bemcomo, conseqüentemente, da formação dos tipos, dos fatores de reprovaçãoe da punibilidade.

No tocante a proteção à dignidade da pessoa humana, enfatiza queregime democrático exige, como condições de sua legalidade, não apenas atitularidade de direitos políticos e individuais, como se pensava noliberalismo, encerrado no simples processo de representação, mais a maisampla e efetiva participação de todos cidadãos na vida do Estado,propriamente na discussão das leis pelo Parlamento.

Alerta que, nesse contexto é que importa os princípios limitativos dopoder de punir, os quais vinculam o legislador, como cidadão ao exercíciodemocrático. A dignidade surge como valor intrínseco de todo ser humano,que não pode ser substituído por seu equivalente, como preço de umamercadoria. Modernamente, diz ele, não pode o homem da mesma formaser tomado funcionalmente como engrenagem ou membro de um organismo.E, ainda, que no plano da ordem jurídica em sua totalidade, o princípio daproteção da dignidade da pessoa humana superou as limitaçõesindividualistas e puramente formais do liberalismo burguês e passou aconstituir um ponto de apoio fundamental na defesa dos direitos humanos,sob o prisma da igualdade material.

Considera que o objeto de proteção se estende a qualquer pessoa,independentemente da idade, sexo, origem, cor, condição social, capacidadede entendimento e autodeterminação ou status jurídico (não-delinqüenteou delinqüente). Da mesma forma, situa nesse objeto os grupos homogêneosminoritários, dentre os quais, poderemos incluir os detentos portadores dovírus HIV e os doentes mentais, como “os excluídos dos excluídos no sistemapenal brasileiro.”

Relativamente ao Direito Penal, a proteção à dignidade humanaserve de parâmetro ao legislador na configuração dos tipos, bem comona responsabilidade pelo seu cometimento, pelo pressuposto daculpabilidade, e, ainda, a garantia à assistência médica e psicossocialaos detentos.

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Modernamente não se discute mais que o Direito Penal é a ciênciadestinada a proteger valores e os bens jurídicos do Homem. A sua tutelaenvolve também a comunidade e o Estado como expressões coletiva dapessoa humana, em torno de quem gravitam os interesses de complexa eenvolvente ordem. Ademais, em todos os trechos do funcionamento dosistema, o Homem deve ser a medida primeira e última das coisas, razãopela qual se proclama que na categoria dos direitos humanos, o DireitoPenal é o mais relevante, o de maior transcendência.

Considera, agora, não mais como preceito puramente abstrato, masvalor concreto de cada ser humano, a invocação à dignidade impede apromulgação medidas discriminatórias. Igualmente, tendo em vista aconcretude dessa dignidade no mundo social, induz ela a consideração detodos os seus condicionamentos, o papel social do réu, sua postura diantedas exigências da própria ordem jurídica e a possibilidade concreta de seuatendimento.

Como qualquer outra doença que não exclui a capacidade e a vontadedo agente, a AIDS não é excludente de ilicitude. Portanto, estandocomprovada a autoria, materialidade e culpabilidade, caracterizariam acondenação do réu. Pode-se aqui até questionar se eventuais enfermidades,como o câncer, a doença mental e AIDS, se comprovadas, poderiam justificaro cumprimento da pena ou da medida de segurança em regime especialpara um tratamento digno, em face de comprovada ineficiência do Estadoem atender à assistência médico/psicossocial à essas pessoas? Não seriaatentatória à dignidade humana que não se dispensasse tratamento médicoe psicossocial a menores e adultos, a mentalmente sadios e enfermos dentrodo sistema prisional? Não caracterizaria omissão do Estado o fato de inexistirequipe de saúde multidisciplinar dentro dos estabelecimentos prisionais,diante do fato de existir detentos portadores de enfermidades graves econtagiosas? Por que o Distrito Federal não possui condições de propiciartratamento adequado com hospital dentro do sistema penitenciário?

Como a premissa da proteção à dignidade é a de que a ordem jurídicanão pode tomar o cidadão como simples meio, mas como fim, emerge aconsideração de que, por isso, da insconstitucionalidade das leis que

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impliquem maior sofrimento, miséria, marginalização ou desigualdades, oque passa a constituir um absoluto impedimento à restauração da pena demorte, ou a assumir nas penas privativas de liberdade exclusiva pretensãode prevenção geral ou especial.

No momento em que o Estado de Direito que se deseja democrátricopercebe que punir a qualquer preço não é valioso, ele cria as regras do jogo,que limitam o poder punitivo do Estado. Socialmente se deseja punir queminfringe uma norma incriminadora. Mas, sem sacrificar outros valorestambém relevantes, para que percebamos o direito penal como uminstrumento de garantias.

Por isso, devemos trabalhar com o princípio da dignidade humana,fazendo uma escala de valores para que tenhamos um Direito Penal eProcessual Penal como instrumentos de garantias fundamentais da pessoahumana. Ora, temos que pensar o direito penal nessa perspectiva. Punirsim, mas obedecendo princípios outros relevantes para um Estado de Direitoque se deseja democrático. Essa é uma perspectiva importantíssima quedevemos pensar. O compromisso maior com uma justiça penal pronta aoenfrentamento das violações dos direitos humanos que garantam o nãocomprometimento dos princípios éticos e jurídicos vinculados à dignidadehumana.

Então, o Estado democrático deve ter em vista esta realidade social.Sem isto, a dogmática penal é absolutamente estérie. Essa tem sido aperspectiva de uma nova concepção dogmática de industrialização dachamada pós-modernidade, ou seja, um direito penal divorciado da realidadesocial, vazio, inexistente, puramente simbólico.

Nessa seqüência, ou seja, dentro da perspectiva de um direito penalmais democrático, pode-se pensar o que não é mais novo: a necessidade deassistência médica e psicossocial dentro dos estabelecimentos prisionais,em atendimento ao princípio da proteção da dignidade.

Como resultado de uma caminhada de quase 15 anos lidando com osproblemas da Execução Penal nesta capital, onde atuei como defensora

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pública e promotora de justiça, e ainda atuando na promotoria de defesa dasaúde, pude observar nos estabelecimentos carcerários do Distrito Federala ineficiente proteção à vida e à saúde, dos detentos, mediante odesenvolvimento de condições dignas de tratamento médico aos portadoresdo vírus HIV, bem como os demais detentos do sistema prisional,notadamente em se tratando de doentes mentais. A “situação problema”traduz a realidade de nosso país, demonstrando a crescente complexidadedos conflitos emergentes no Brasil contemporâneo, o que tem comprometidoa efetividade de seus códigos e normas.

Outro problema que se faz, ainda, resta circunscrita a duas questõesfundamentais:

1) É ilegal e eticamente inviável a falta de assistência e orientação noque tange a questão da contaminação do HIV no interior dosestabelecimentos prisionais;

2) É legalmente vedada a prática do exame compulsório para dectaçãode anticorpos contra o HIV.

É interessante observarmos ainda que prevalecem atitudesdiscriminatórias e autoritárias, no que tange aos princípios da nãocompulsoriedade dos exames médicos e o sigilo profissional acerca dosseus resultados.

Na esfera de proteção da liberdade, a lei penal inscreve o delito deconstrangimento ilegal - Art. 146, do Código Penal: “constranger alguém,mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, porqualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a leipermite, ou a fazer o que ela não manda”, excetuando apenas a intervençãomédica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seurepresentante legal, se justificada por iminente perigo de vida ou a coaçãopara impedir o suicídio. Ainda, e em se tratando de agente funcionáriopúblico, o art. 4º, da Lei nº 4.898/65 (que trata dos casos de abuso deautoridade), estabelece como conduta criminosa a de “submeter pessoa sobsua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei”.

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Vale ainda ressaltar que o Código de Ética Médica, no capítulopertinente aos direitos humanos, indica ser vedado “efetuar qualquerprocedimento médico sem o esclarecimento e o consentimento prévios dopaciente ou de seu representante legal, salvo em iminente perigo de vida.”(v. Art.46).

Assim, consiste em medicina ilegal e eticamente reprovável arealização de testes para diagnósticos de infeção pelo HIV sem oconhecimento e consentimento do examinado.

Ademais, como regra, a realização de testes da espécie deve estarfundamentada em critérios clínico-epidemiológicos e não por deliberaçãoleiga da autoridade policial. Outro aspecto diz respeito ao fato de que,com a solicitação do teste partindo do médico, restará garantido omomento preliminar de adequado aconselhamento e informaçõespertinentes ao diagnóstico, prognóstico e possibilidade do tratamentoeventualmente necessário. E, mais que isto, deverá o respectivoprofissional de saúde com responsabilidade na área ter previsto medidaspara desenvolver atendimento subsequentes no interior doestabelecimento prisional aos identificados como portadores do vírusHIV, de molde a evitar a reprodução de práticas que importam em purae simples segregação (chegando-se à situação absurda de se permanecerrecolhidos dentro de um sistema de segregação, potencializandosituações de stress e de estados depressivos que, reconhecidamente,baixam o nível das resistências imunológicas).

No que tange aos resultados dos testes para dectação do vírus HIV, aregra geral é a falta de assistência médica e psicológica em que se encontraa grande maioria dos componentes das populações carcerárias. De um modogeral, e, particularmente, no Distrito Federal.

A atuação do profissional da saúde, inclusive de saúde mental deveou, pelo menos, deveria começar, antes mesmo de ser efetuado o primeiroteste sorológico para detectar a presença ou não de anticorpos do HIV nosangue.

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Uma das maiores preocupações demonstradas pelos portadores doHIV, logo após a notificação, é com relação ao tempo de vida que aindaterão. Portanto, as orientações dos médicos e seguir o tratamento é muitoimportante.

Segundo pesquisa passado o período da notificação, muitossoropositivos tem mais medo da evolução da AIDS sobre o organismos esuas conseqüências sociais do que a morte. O temor da rejeição, dopreconceito, da discriminação e da dependência física os apavora.

O que não dizer dos soropositivos condenados, até pela condição deportadores do HIV, estão mais sujeitos a uma série de manifestações defragilidade: auto piedade, culpa, remorso, baixa estima, baixo senso depreservação e o o medo: da morte, da rejeição, da discriminação, da dor.Um dos fatores que mais contribuem para estas situações é a falta deassistência médico/psicológica. Até porque questões difíceis e complexas,como por exemplo, falta de expectativas para o futuro, devem ser discutidascom psiquiatra, ou com psícólogo, que são as pessoas mais preparadas paraorientar e esclarecer sobre estas questões.

Não se pode prender uma pessoa e não lhe garantir um direito à vida,à saúde, notadamente, no caso de infecção pelo HIV, sem oferecer aoportunidade de um tratamento médico e psicológico digno, paraverdadeiramente saírem, após cumprida sua pena, em condições mínimasde continuidade do tratamento.

Sabe-se que os problemas psicológicos da infecção pelo HIV seiniciam com o entendimento dos comportamentos de risco. A sexualidade,o uso de drogas intravenosas, as transfusões e a paternidade precisam serentendidas e aceitas.

Freqüentemente estes problemas foram responsáveis por traços depersonalidade importantes, que são anteriores ao desenvolvimento dainfecção pelo HIV e que ressurgem durante a sua evolução.

Outra indagação que se faz é a seguinte:

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1) O resultado nos referidos testes, principalmente quando se tratarde sorologia positiva, deve ser comunicado tão-somente ao paciente outambém deve ser revelado à autoridade que dirige o estabelecimentoprisional)?

O resultado com sede de divulgação dos testes para dectação deanticorpos contra o HIV, como regra geral, deve a comunicação ser restritaao médico, ao examinado e, conforme o caso, à autoridade sanitária.

Fazer com que o resultado do teste venha ser de conhecimento deoutras pessoas importará em ferimento à norma constitucional de declarainvioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.

Tais valores humanos, agora erigidos pela Constituição de 1988 àcondição de direito individual, significam o reconhecimento de que ninguémpode ter sua vida privada ou intimidade devassada, máxime em situaçõesda espécie porquanto marcadas pela hostilidade, preconceitos, rejeições eisolamento aos portadores do vírus HIV, determinando especialíssimasrestrições à divulgação de tal doença.

O Código Penal estabelece como figura típica aquela consistente emviolar segredo profissional (“revelar alguém, sem justa causa, segredo, deque tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cujarevelação possa produzir dano a outrem” - art. 154 do Código Penal). Emse tratando de funcionário público, veja-se o conteúdo do art. 326, do CódigoPenal, que enuncia de violação de sigilo profissional. O objeto jurídico é aliberdade individual, a privacidade do ser humano. O tipo objetivocompreende a proteção do segredo. O tipo subjetivo compreende o dolo, navontade livre e consciente de revelar, ciente o agente do perigo de dano. Atentativa é admissível. A ação penal é pública condicionada à representaçãodo ofendido.

Questiona-se se o comportamento consistente em dar ensejo a crimecontra a saúde pública, , entre outros, de epidemia e omissão de notificação

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(arts.267, parágrafos 1º e 2º e 269, ambos do CP). Deixar o médico dedenunciar às autoridades públicas doença cuja notificação é compulsória:Pena- detenção, de 6 meses a 2 anos, e multa. (art. 269, do CP).

Temos, ainda, os seguintes crimes: Certidão ou atestadoideologicamente falso (art. 301, do CP): Atestar ou certificar, em razão defunção pública, fato ou circunstância que habilite alguém a obter cargopúblico, isenção de ônus ou de serviço de caráter público, ou qualquer outravantagem. Pena: detenção de 2 meses a 1 ano. O objetivo jurídico é a fépública, em especial da certidão e do atestado. O tipo objetivo compreendeem atestar ou certificar falsamente. O tipo subjetivo consiste no dolo, navontade livre e consciente de atestar ou certificar falsamente. Consuma-seo crime com o formal atestados e certidão. A tentativa tem admitidocontrovérsias e depende das provas.

Art. 301, parágrafos 1º e 2º: A falsidade material de atestado oucertidão. Falsificar, no todo ou em parte, atestado ou certidão, ou alterar oteor de certidão ou de atestado verdadeiro, para prova de fato oucircunstância que habilite alguém a obter cargo público, isenção de ônusou de serviço de caráter público, ou qualquer outra vantagem, constituiinfração penal punível com detenção de 3 meses a 2 anos. Se o crime épraticado com fim de lucro, aplica-se, além da pena privativa de liberdade,a de multa.

1) causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos:Pena- reclusão, de 5 a 15 anos. Se do fato resulta morte, a pena é aplicadaem dobro. No caso da culpa, a pena é de detenção, de 1 a 2 ano, ou, seresulta morte, de 2 a 4 anos.

Art. 302, e parágrafo único. Falsidade de atestado médico: dar omédico, no exercício da sua profissão, atestado falso, sujeita-o a pena dedetenção, de 1 mês a 1 ano. Se o crime é cometido com o fim de lucro, éaplicável também a multa . O objeto jurídico é a fé pública, em destaque aatividade médica e o exercício da profissão. O tipo subjetivo é o dolo, avontade livre e consciente de atestar a falsidade. Consuma-se o crime coma efetiva entrega do atestado quer ao beneficiário como a outrem.

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O Código de Ética Médica, no capítulo que trata do segredomédico, assevera a vedação ao médico, de “revelar fato de que tenhaconhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justacausa, dever legal ou expressa autorização do paciente”, ainda “que ofato seja de conhecimento público ou que o paciente tenha falecido”(art. 102).

Considerando então que o princípio da confidencialidade tem comoescopo evitar danos (que certamente se farão presentes a partir da notíciado resultados de exame enunciando sorologia positiva), não encontramossuporte legal para que a autoridade policial determine a realização depesquisa de HIV, bem como de ter a referida autoridade conhecimento dosresultados até porque, conforme a situação de saúde do preso, incumbiráexatamente ao médico o atendimento necessário.

Por outro lado, segundo dados da medicina o vírus da AIDS não étransmitido pelo contato casual ordinário, mas sim freqüentementetransmitido através de relações sexuais e via uso comum de agulhas eseringas infectadas, não sendo o caso de que “em caso de rebelião osportadores do vírus poderão usar esta condição como arma, colocando emrisco, deliberadamente, a vida de outras pessoas. A justa causa para revelaçãode que o preso é portador do vírus da AIDS só pode ser considerada emsituações concretas de risco de infeção, surgindo daí a excludente de ilicitudeinformada pelo estado de necessidade (art. 24, do Código Penal). Em ângulodiverso, a regra determinante seria a devida comunicação pelo médico àsautoridades sanitárias do caso de sorologia positiva do HIV, havendo aíportanto quanto à revelação, estrito cumprimento do dever legal (tambémexcludente da ilicitude) art. 234 do Código Penal, c.c Art. 269, do mesmodiploma legal.

Porém, o mais correto será garantir aos presidiários, através de equipede saúde dentro do estabelecimento prisional, o direito à informação acercada doença, suas características e manifestações, possibilidades de tratamento,etc., conforme atuação já desencadeada no Distrito Federal e atualmentesem processo de continuidade.

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Conforme expressa o art. 5º, inciso XLIX, de nossa ConstituiçãoFederal, “ é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”,enquanto o art. 14, da Lei de Execução Penal, referindo-se ao direito deassistência à saúde (conseqüente dever do Estado), estabelece a obrigatória“assistência à saúde do preso e do internado, de caráter preventivo ecurativo”, compreendendo atendimento médico, farmacêutico e ontológico.

Assim, necessário sejam urgentemente efetivadas medidas no sentidode que o Estado cumpra com o seu dever institucional e indelegável deatender à saúde dos presos, em especial daqueles que se encontram emCadeias Públicas. Cumpre ressaltar, ainda que, de nada adiantará a adoçãode medidas de identificação de portadores do HIV entre aqueles queingressam no sistema prisional se, efetivamente, não se puder desenvolverum atendimento subseqüente adequado e que respeite a dignidade dapessoa.

Práticas médicas de caráter preventivo (e também curativo),ministrados de maneira permanente e periódica, terão certamente o efeitode garantir o direito dos presos à saúde (que não se resume, por óbvio, àsquestões relacionadas ao vírus HIV, bem como, assegurar a informaçãocorreta e ampla sobre a doença, permitir que a deliberação acerca danecessidade do exame ocorra tão só pela via de indicação médica (e nãopela opinião do carcereiro ou da autoridade policial) e possibilitar, em casosde identificação de portadores do vírus HIV, atendimento subseqüenteadequado, além de estabelecer mecanismos de proteção individual e coletivono que tange a todos (presos e funcionários) que integram o sistema prisional.

Verifica-se da Lei de Execução Penal que somente se admitirá orecolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particularquando se tratar de condenado acometido de doença grave (art. 117, II,da Lei 7.210/84).

Do ponto de vista da jurisprudência, inseri alguns julgados que tratamda matéria:

Diante de uma doença misteriosa, altamente contagiosa,cujos efeitos maléficos e perniciosos ainda não estão

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suficientes conhecidos pela Ciência moderna, concede-se aocondenado aidético o direito de cumprir a pena em prisãodomiciliar, ressalvada a hipótese do surgimento decircunstâncias do surgimento de circunstâncias posterioresque aconselhem ou autorizem a renovação ou substituiçãoda medida. HC-9.218, Vitória, ES, 1ª C., j. 3.6.87, in RT623/334.

ACrim. 80.981-3,5ª CCrim, j. 1º.11.89, TJSP, in RJTJSP 125/577. AIDS. Portador assintomático, não apresentandoindícios da manifestação da síndrome de imunodeficiênciaadquirida. Empenho do Juízo na obtenção da transferênciapara estabelecimento adequado ao regime semi-aberto,concedido ao paciente Ordem, denegada.

No RAgr. 118.534-3/3, a 1ª CCrim, do TJDSP, por v.u., nãoconcedeu indulto a réu acometido da doença, porque“... embora não se discuta a incurabilidade e a possibilidadede enorme potencial de contágio do vírus HIV, não ficoudemonstrado que a moléstia decorrente desse vírus tenhaatingido já os estágios avançados, que poderiam permitir aconcessão do indulto” O acórdão fundamenta-se no Dec.98.389/89, arts. 1º e 2º, III.

Do ponto de vista dos crimes contra a saúde pública procurarei abordara questão dos riscos da contaminação transmissão do vírus HIV sob o pontode vista da responsabilidade penal do agente, dentro das modalidadesdiversas em relação ao portador do vírus HIV e a terceiros, partindo dealguns estudos a respeito do tema.

Tais estudos consideraram a pessoa portadora do vírus HIV tantocomo agente responsável, quanto como possível vítima, haja vista aexistência de diversos crimes que podem ser praticados, quando não porterceiros.

Alguns trataram a pessoa portadora do referido vírus, sem dúvida,como aquela que está sujeita ao maior número de infrações civis e penais,

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qual seja, se quando ciente de que é portadora do vírus, passa a manterrelações sexuais desordenadamente, com o propósito de transmitir a doençaa terceiros, comete o crime.

Considerou-se também os crimes definidos no Código Penal que sepode relacionar com a AIDS.

1) Perigo de contágio de moléstia grave (art. 131,do CP);

2) O perigo para a vida ou a saúde de outrem (art. 132 do CP);

3) Omissão de socorro (art. 135 do CP);

1- Pune Código Penal o crime “ Perigo de contágio de moléstia grave”,com pena de reclusão de 1 a 4 anos, àquele que praticar, com o fim detransmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz deproduzir contágio. O objeto jurídico é a incolumidade física da pessoa. Otipo objetivo consiste na ação de praticar ato capaz de gerar o contágio,desde que idôneo e/ou capaz de transmitir a doença por conduta direta ouindireta. O tipo subjetivo está no dolo de dano, no elemento subjetivo dotipo” com o fim de transmitir”. Consuma-se o crime com o ato realizadoconsiderado suficiente para contagiar. A tentativa é teoricamente admissível.A ação penal é pública incondicionada.

2- Comete o crime de “ Perigo para a vida ou saúde de outrem”,sujeito a pena de detenção de 3 meses a 1 ano, se o fato não constitui crimemais grave, aquele que expôr a vida ou a saúde de outrem a perigo direto eiminente. Os objetos jurídicos tutelados são a vida e a saúde da pessoa. Aconduta “expor”, corresponde a colocar ou pôr “ a perigo direto e iminente”,e o comportamento tanto pode ser comissivo como omissivo (ação ouomissão). Consuma-se o crime quando surge o perigo. Admite-se a tentativa.A ação penal é pública condicionada.

3- Omissão de socorro. Aquele que deixa de prestar assistência,quando possível fazê-lo sem risco pessoal à criança abandonada ouextraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave eiminente perigo, ou não pedir nesses casos, o socorro da autoridade pública,está sujeito a uma pena de detenção de 1 a 6 meses, ou multa.

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O objeto jurídico é a vida e a saúde da pessoa. O tipo objetivo consistena omissão, no caso só punível quando possível prestar-se a assistência, oupedir-lhe socorro sem risco pessoal. O tipo subjetivo é o dolo de perigoque, implicitamente, está contido no elemento subjetivo do tipo. Não hámodalidade culposa. Consuma-se o crime no momento em que ocorre umadas omissões. A tentativa é considerada por muitos autores como admissível.Depende das provas de cada caso.

Cuida o Código Penal, no art. 130, do “perigo de contágio venéreo”.Embora a transmissão da AIDS possa ocorrer pela relação sexual, não secuida efetivamente de “moléstia venérea”. Daí porque não incluímos estecrime, porque, segundo os especialistas, a AIDS não é propriamente uma“moléstia venérea”, isto é, que se contrai principalmente pelo ato sexual.Embora transmissível, é doença infecciosa, causada pelos mais diversosveículos.

Aqueles delitos referidos, além de outros, que tanto podem ser dolososcomo culposos (isto é, perpetrados por imprudência, negligência eimperícia), têm como agente, ora o próprio portador do vírus HIV, oraenfermeiros e outros funcionários hospitalares.

Não se excluem também os casos de delitos dolosos (intencionais)perpetrados por profissionais de laboratórios que, por exemplo, introduzemnuma vacina algum vírus ativo da AIDS.

Por outro lado, provavelmente, à altura em que se encontram os fatos,parece que a consideração do portador do vírus HIV enquanto vítima é amais importante de que da sua condição de delinqüente.

Deveriam ser previstas cominações mais pesadas, especialmente emse tratando de omissão de órgão público. Mas é um erro estar a incriminar-se diretores de hospital, quando a omissão possa ser de outro funcionário,ou quando o nosocômio não tenha condições de atendimento sem riscopara a Saúde Pública.

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Aqui está um caso que serve à ilustração da angústia e discriminaçãoque a doença pode gerar. Pratica-se extorsão (art. 158, CP) mediante a graveameaça de divulgação que a vítima é portadora do HIV.

Vítima portadora de aids. Agente que, sob ameaça dedivulgação do fato de ser a vítima portadora daimunodeficiência adquirida, constrange-a a efetuarpagamento em dinheiro. Configuração: Configura o crimeprevisto no art. 158 do CP, a conduta do agente que, sob aameaça de divulgação do fato de ser vítima portadora dasíndrome de imunofeciência adquirida, constrange-a a efetuarpagamento em dinheiro. (Tribunal de Alçada Criminal deSão Paulo, Rel. Juiz Penteado Navarro, Ap. Nº 892.687-15/03/95-6ª CÂM.).

Em contrapartida, a contaminação não gera apenas responsabilidadecivil, como também a responsabilidade criminal para aquele que age semresponsabilidade ou dolosamente à disseminação da doença:

I - Réu incurso nos arts. 268, 278, 330 e 336 do CódigoPenal- Responsabilidade pelo fornecimento de sanguehumano contaminado com vírus da AIDS a diversoshospitais- Comprovação através de laudo pericial dacontaminação do sangue- Relatório subscrito por médicoe farmacêutico atestando as irregularidades no centro dehematologia.

II - Apelação improvida (Tribunal Regional Federalda 2ª Região, rel. Juiz Frederico Gueiros, j . De03.09.90, DJU de 17-01-91).

Discute-se sobre a possibilidade de crime de homicídio ou tentativade homicídio, no caso da pessoa doente deliberadamente passar ou tentartransmitir o vírus a outrem.

Cuida o Código Penal das seguintes figuras:

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a) Homicídio simples (art. 121, caput);

b) Homicídio privilegiado (art. 121, parágrafo 1º);

c) Homicídio qualificado (art. 121, parágrafo 2º, I, II, III, IV e V);

d) Homicídio culposo (art. 121, parágrafo 3º);

e) Homicídio culposo qualificado (art. 121, parágrafo 4º).

Trata ainda da hipótese de perdão judicial aplicável ao homicídioculposo (art. 121, parágrafo 5º).

O objeto jurídico é a preservação da vida humana. O tipo objetivopode ser por meio direto ou indireto, por ação ou omissão.

No que se refere à responsabilidade de quem deliberadamente desejatransmitir a outrem o mal, com o propósito de praticar o crime (homicídioou tentativa), é preciso ter em conta além dos requisitos essenciais de cadafigura criminosa, a demonstração extreme de dúvida do nexo de causalidadeentre o modus agendi e o resultado. O corpo de delito é essencial (art. 158,do Código de Processo Penal).

Considerando que não existe lei específica para que a figura criminosaseja de plano reconhecida, é preciso cautela. Cada caso é um caso. Seria deboa política criminal ater-se aos parâmetros legais existentes que melhorpossam condizer os fatos.

Agora, se a pessoa portadora do vírus HIV age (de forma conscienteda doença que é portadora) e pratica qualquer dos crimes contra os costumes(contra contra a liberdade sexual), não seria de boa técnica a aplicação dasformas qualificadas previstas nos arts. 223 e 224 do Código Penal. Serámelhor a adoção do concurso formal de crimes. Por exemplo, estupro eperigo de contágio de moléstia grave (art. 213 e 131, ou 213 e 132).

No tocante ao terceiro que divulga desordenadamente que alguém éportador da doença, sendo ou não esse alguém doente, se o propósito resultar

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demonstrado na intenção de difamar, pela imputação de fato ofensivo àreputação no meio social em que vive, ocorrerá o crime de difamação (art.139 do CP). Se esse comportamento gerar ofensa à dignidade ou ao decoro,ocorrerá crime de injúria art. 140, do CP).

No que tange ao preconceito, raros são os portadores do HIV quebuscam soluções através do Poder Judiciário, uma vez que temerosos dapublicidade, que por vezes, se mostra mais lesiva do que o próprio dano.Ele, após conhecida sua situação, é estigmatizado duplamente, comomarginal e por ser portador de doença transmissível. Isto resulta porque naconcepção das pessoas, ele deve ser homossexual, uma prostituta ou umdrogado. Enfim, um desregrado, na concepção geral da sociedade.

Ervin Goffman, “in” Estigma e Identidade Social,”p.43/44, em seuestudo sociológico das pessoas estigmatizadas, afirma que as pessoas quetêm um estigma particular tendem a ter experiências semelhantes deaprendizagem relativa à sua condição e a sofrer mudanças semelhantes naconcepção do eu - uma “carreira moral” semelhante, que é não só causacomo efeito do acompanhamento do compromisso com uma seqüênciasemelhante de ajustamentos pessoais. Dentre os modelos de socializaçãoacentua um modelo exemplificado quando o indivíduo se tornaestigmatizado numa fase avançada da vida ou aprendem muito tarde quesempre foram desacreditáveis. Diz o autor: “ é provável que tenham umproblema todo especial em identificar-se e uma grande facilidade para seautocensurarem (...) Nesse caso, é provável que os médicos sejam as pessoasmais indicadas para informar ao doente sobre sua situação futura...”

Deve-se acrescentar, ainda, que o preconceito não decorre apenas dadoença. No caso de prática de crime já se encontra marginalizado, até mesmoem face da grande maioria que é composta de pobre, ainda mais em setratando de portador do vírus HIV. Como menciona Dani Rudnicki, in AIDSe DIREITO - Papel do Estado e da Sociedade na Prevenção da DoençaLivraria do Advogado Editora,1996., são logo estigmatizados “a clientelajá se encontra marginalizada em decorrência de sua pobreza, ainda maisem se tratando dos grupos mencionados (homossexuais, drogaditos,

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prostitutas, travestis, etc), tradicionalmente desprezados pelas instânciasgovernamentais (...).”

Na tendência do Direito Penal democrárico não deve comprometeras garantias fundamentais do Homem, notadamente mantendo o condenadoequidistante destas garantias.

Assim, pensando o Direito Penal dentro dessa perspectiva do princípioda dignidade humana (art. 1º, inciso, III da Constituição Federal), certamenteque práticas alternativas que implicam alto teor de descentralização edemocratização dos procedimentos, torna-se necessário para identificar umaforça motivadora que dê condição de possibilidade de um paradigma aequacionar solidariedade, justiça e dignidade para uma vida capaz desatisfação das necessidades fundamentais, em prol de uma democratizaçãodo direito penal garantista.

CONCLUSÃO

Neste contexto, a tendência de parte da jurisprudência tem sido tratarcomo doente comum o portador do HIV bem como o portador de doençamental. Entretanto, há grande disparidade entre a letra da lei (art. 14 da Lei7.210/84) e a realidade dos presídios. Via de regra, os portadores do HIV eos doentes mentais bem como os portadores de vários tipos de doençasentre a população carcerária são mal entendidos. Salvo rarísssimas exceções,o trabalho de atendimento depende de voluntários e da boa vontade denosocômios. Em razão da superlotação carcerária e das condições dasprisões, a contaminação é o maior risco, inclusive para os agentespenitenciários que lidam com os detentos.

A realidade é que, independentemente do delito praticado, o presonão é tratado como cidadão. A situação não se apresenta humana nem érazoável, em face das circunstâncias excepcionais que os casos exigem.Como se sabe, o fato de o réu ser portador do vírus da AIDS, ou ser portadorde doença mental, por si só, não autoriza o julgador a conceder medidasalternativas para o cumprimento da pena ou da medida de segurança.

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Em pleno terceiro milênio a legislação e a jurisprudência, salvoalgumas exceções, avançaram muito pouco ao reconhecer as referidasdoenças a fim de deferir alguns direitos aos infectados com o vírus HIV eos portadores de sofrimento psíquico, alternativas para cuidar da prevençãoe do tratamento destas pessoas. É certo que o HIV avançou um pouco mais.Os indicadores ainda apontam para o crescimento do número de infectadose hoje, quando ainda se aguarda um remédio para impedir a infecção peloHIV e o perecimento pela AIDS, a educação, a conscientização e a prevençãosão os únicos instrumentos capazes de reverter o quadro. Com estasconsiderações, espera-se proporcionar aos operadores do Direito informaçãoe base para uma reflexão a respeito do que tem sido a realidade do sistemaprisional no Distrito Federal e o que poderá ser realizado no futuro.

Pretendemos com esta pesquisa procurar um modelo diferente doanterior pela capacidade de se saber que o sistema penal como tivemos aoportunidade de salientar é ainda seletivo e elitista, fazendo cair seu pesosobre classes sociais mais débeis. Assim, os instrumentos de controle socialinspirados na nova criminologia demonstra que o Direito Penal não éigualitário, nem protege aqueles que sequer podem lutar por seus direitos.

Portanto, para neutralizar os efeitos do sofrimento da separaçãorecomendamos estas refexões para que seja incentivado o acesso aotratamento médico/psicossocial no interior do estabelecimento prisional doDistrito Federal, incentivando e facilitando o acesso à saúde dos detentos,notadamente dos portadores do vírus da AIDS e dos doentes mentais, demodo a promover uma justiça baseada na isonomia e, assim cooperar coma recuperação desses doentes.

Há necessidade da elaboração de programas que zelem pela dignidadehumana. A dificuldade existente de acesso à saúde e o preconceito paralidar com esses pacientes, a falta de profissionais de saúde, tratamentoadequado, acesso a medicação, falta de transporte ou de combustível paraconduzir o paciente a instituição de saúde, são questões que vulneram estaspessoas encarceradas. Por isso, torna-se necessário medidas urgentes deacompanhamento médico dos que ali se encontram encarcerados, bem comodos que ali trabalham. Fica aqui uma indagação: o Estado ao violar, renegartodos esses direitos não estaria contribuindo para a pena de morte?

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Procuramos o reconhecimento adequado dos complexos problemasdas pessoas com infecção pelo HIV e aos portadores de doença mental,bem como sua assistência médico-psicológica no interior das prisões,devendo ser tomadas, na norma penal, como protetora de valores e dosdireitos fundamentais do Homem, em atendimento ao princípio de proteçãoda dignidade, como por exemplo, dependendo do estado emocionalapresentado pelo portador do HIV e do portador de sofrimento psíquico, oprofissional de saúde pode recomendar, orientar, e a direção doestabelecimento prisional permitir, a orientação dos muitos Grupos de Apoio,Organizações Não Governamentais (ONG´S) que se destinam a ajudar tantosos soropositivos quanto os doentes mentais e seus familiares. Entendemosque em contato com essas pessoas que convivem e compartilham desofrimento semelhante, eles poderão trocar experiências, aprender com aluta de pessoas e ficarem informados de todos os avanços referentes aocombate, no campo social, terapêutico e político. Também os profissionaisde saúde mental podem intervir como mediadores e orientadores no processode relacionamento do soropositivo com seus familiares, assim como naressocialização dos doentes mentais, como orientadores com seus familiaresatravés da terapia de família, contribuindo para um melhor entendimentoda situação e suas implicações, melhorando a relação familiar, tanto dosdoentes mentais como do portador do HIV.

Segundo os Psiquiatras: Dr. Portela Nunes, Dr. João R. Bueno e Dr.Antônio E. Nardi no Livro: Psiquiatria e Saúde Mental: “São muitofreqüentes os sintomas depressivos entre os indivíduos infectados pelo HIVou com a SIDA” Lucinha Araújo retrata muito bem esta situação em seulivro: “Cazuza: Só as Mães São Felizes”.

Sugere-se, pois, que os órgãos públicos, na área de sua competência,atentem para a necessidade de regular, urgentemente, estas hipóteses, assimprevista no art.1º, inciso III da Constituição Federal.

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* Texto cedido pela Coordenação Nacional de DST e AIDS, Secretaria de Políticas de Saúde, Ministério daSaúde.

RECOMENDAÇÕES APROVADAS NO SEMINÁRIO NACIONALSOBRE A PREVENÇÃO DAS DST, AIDS E USO INDEVIDO DE

DROGAS NOS SISTEMAS PRISIONAIS*

A Coordenação Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde(CN DST e Aids), em colaboração com o Conselho Nacional de PolíticaCriminal e Penitenciária do Ministério da Justiça (CNPCP), com oPrograma das Nações Unidas para o Controle Internacional de Drogas(UNDCP) e Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD), promoveu, emBrasília, nos dias 16 e 17 de dezembro de 1999, o SEMINÁRIONACIONAL SOBRE A PREVENÇÃO DAS DST, AIDS E USOINDEVIDO DE DROGAS NOS SISTEMAS PRISIONAIS.

Além dos representantes dos órgão citados, o evento reuniuSecretários de Estado, Dirigentes de Sistemas Penais e autoridades de saúde,notadamente Coordenadores Estaduais de DST e Aids.

As conclusões do Seminário, resumidas abaixo, apresentam, emcada um de seus quatro itens, (a) carências detectadas nos sistemasprisionais, (b) recomendações para superá-las e, (c) propostas deencaminhamento.

ACESSO DO DETENTO À SAÚDE

a. As dificuldades de deslocamento do detento para fora dos sistemaspenais, a magnitude de algumas unidades em pequenos municípios tornammuito difícil o acesso dos presos aos serviços instalados na comunidade.

b. Neste sentido, recomenda-se que as próprias unidades prisionaiscontem com quadros e dispositivos permanentes de educação e saúde,conforme previsto na Lei de Execução Penal. Além desses serviços, e de

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uma equipe estadual que os coordene, os sistemas penais deveriam disporde, pelo menos, um hospital penitenciário. Quando essas condições sãopreenchidas, torna-se possível negociar o financiamento de procedimentospelo SUS.

c. As medidas que implementariam progressivamente essarecomendação seriam:

• maior mobilização de recursos, tal como a dinamização dos fundospenitenciários;

• melhor aproveitamento de estruturas e serviços oferecidos por outrasinstituições por meio do estabelecimento de parcerias;

• definição de metas de contrapartida, em serviços de saúde e pessoal,quando do financiamento da construção de presídios;

• reforço de serviços de unidades penais, por iniciativas como a“Assistência Prisional Terapêutica”, quando equipes de secretarias de saúdevisitam, por um período determinado, ambulatórios prisionais para promoverassistência especializada, além de treinar, em serviço, os profissionais locais,tendo em vista a sustentabilidade da ação;

• inclusão da questão prisional nas pautas do Conselho Nacional deSecretários de Saúde (CONASS), Conselho Nacional dos SecretáriosMunicipais de Saúde (CONASEMS) e conselhos locais;

• reativação do Comitê Interministerial sobre Aids em Prisões(Ministério da Justiça, Saúde e Relações Exteriores) e aprofundamento desuas recomendações a respeito da cooperação entre as estruturas de saúde,conselhos de direitos humanos, órgãos de cooperação técnica e asadministrações prisionais.

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COBERTURA, INSTITUCIONALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS ECAPACITAÇÃO

a. Em muitos sistemas penais, as atividades de prevenção carecemde continuidade, têm baixa cobertura e contam com poucos profissionaispara executá-las. Este fenômeno, mais do que à falta de recursos, se deve àinstabilidade dos quadros e à ausência de dispositivos sustentáveis deeducação e saúde nas prisões.

b. É essencial que sejam oferecidos aportes em pessoal, mas tambémaproveitados recursos já existentes, tais como as equipes interdisciplinares(às vezes restritas à redação de laudos), as escolas regulares ouprofissionalizantes de unidades penais e as academias penitenciárias. Deveser incrementada a capacitação dos funcionários de nível superior e dosagentes de segurança, que têm importante papel no contato com o detento.O próprio interno deve ser treinado para atuar como agente de educaçãoentre seus pares.

c. Para se criar dispositivos permanentes que detectem e respondamàs necessidades de prevenção:

• devem ser buscadas, na elaboração de cada projeto, parcerias comas secretarias de saúde, fundações educacionais, centros de saúde coletivade universidades;

• o apoio a projetos deve ser condicionado a contrapartidas quegarantam a continuidade e institucionalização das ações;

• deverá haver maior divulgação do catálogo de oportunidades detreinamento, disponível no site da Coordenação Nacional de DST Aids,www.aids.gov.br;

• representantes de universidades deverão ser convidados a participarde seminários sobre saúde prisional;

• CNPCP poderia regulamentar e estimular o trabalho dos órgãos detreinamento dos sistemas prisionais, propor a inclusão, em seus currículos,de conteúdos de biossegurança e prevenção;

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• as reuniões nacionais de responsáveis por academias penitenciáriasdeveriam ser retomadas e a questão da saúde neles discutida;

• as atividades educativas de internos multiplicadores de informaçõessobre saúde precisam ser valorizadas por meio de seu reconhecimento comotrabalho que dá direito à remição de pena;

• os projetos que contam com o trabalho de detentos educadoresdeverão ser analisados e divulgados pelos Ministério da Justiça e Saúdedurante a realização de encontros regionais sobre execução penal e saúde.

O PRESO E A FAMÍLIA

a. As constantes transferências, as mudanças de regime, a médiarelativamente curta das penas e as poucas perspectivas oferecidas após adesinternação, fazem da família um dos únicos pontos de referência dodetento.

b. É essencial, para se lograr o sucesso de qualquer projeto deprevenção, a implementação generalizada da Recomendação 01/1999 doCNPCP, que preconiza a orientação sobre as doenças sexualmentetransmissíveis, AIDS e uso indevido de drogas por ocasião do exercício dodireito de visita íntima. Associações de familiares de detentos seriam meiosadequados de estímulo à prevenção e reintegração dos apenados.

c. Para a efetivação dessas recomendações:

• os/as visitantes deverão ser referenciadas aos serviços nacomunidade, notadamente saúde da mulher, levantamentos sobre região deorigem permitirão que se oriente famílias e egressos para o Programa deAgentes Comunitários de Saúde (PACS) e Programa de Saúde da Família(PSF);

• experiências de associações de familiares de presos deveriam serdivulgadas, ampliadas e adaptadas às realidades de cada região;

• os projetos de prevenção em presídios, aprovados pelo Ministérioda Saúde, deverão, invariavelmente, desde a sua elaboração, contar com a

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participação das secretarias de saúde, prever articulação com os serviçoscitados acima e com outras instituições da sociedade civil. A base para osucesso dessas articulações será a participação ativa dos quadros dasinstituições penais nos Conselhos de Saúde.

O USO DE DROGAS

a. Conforme o censo penitenciário de 1995, 11% das condenaçõesse devem ao tráfico de drogas. Na verdade, grande parcela dos 64% deinternos que cumprem penas por furto, roubo e homicídio, tambéminfringiram as leis devido ao envolvimento com a economia clandestina dadroga, ou ao uso de substâncias que causam dependência. O avassaladoraumento do tráfico de crack, e conseqüentemente da violência, em SãoPaulo, é uma das principais razões de serem efetuadas, naquele Estado,mais de 900 prisões por mês. Pesquisas recentes (DESIPE, RJ, 1999)mostram que 80% dos detentos cariocas relatam, pelo menos uma vez navida, “uso problemático” (uso vinculado a dependência, violência, crimeou problemas na família) de alguma substância legal ou ilegal. Nos trêsEstados do Sul, na Bahia, no Mato Grosso do Sul, e talvez em São Paulo, ouso compartilhado de drogas injetáveis foi a principal forma de transmissãodentre detentos HIV positivos.

b. Foi consenso entre os participantes do Seminário que todos osprojetos educativos executados em prisões devem repensar e enfrentar aquestão do tratamento da dependência química e da redução dos danoscausados pelo uso indevido de drogas. É importante sublinhar que odesenvolvimento de modelos de tratamento em unidades prisionais, tendosempre em vista a futura desinternação do paciente, não deve se confundircom propostas de internação de usuários de drogas.

c. Para se encaminhar essas recomendações, deverão:

• ser realizados estudos e seminários regionais para promover asensibilização dos responsáveis pelos serviços de saúde, sistemas prisionaise varas de execução penal, para a questão do uso indevido de drogas;

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• ser elaborados, com urgência, projetos piloto de prevenção,tratamento e de redução de danos do uso indevido de drogas em prisões;

• os Ministérios da Justiça, Saúde, UNDCP e SENAD deverãoarticular ações dirigidas ao poder judiciário e legislativo com o objetivo depropor as medidas recomendadas acima.