TAREFAS COM EQUAÇÕES DO PRIMEIRO GRAU NA … · 2017. 11. 8. · exemplo, as equações...

81
FERNANDO CARDOSO DE MATOS JOSÉ CARLOS DE SOUZA PEREIRA JOSÉ MESSILDO VIANA NUNES TAREFAS COM EQUAÇÕES DO PRIMEIRO GRAU NA PERSPECTIVA DA RESOLUÇÃO DE SISTEMAS LINEARES ORGANIZADORES Maria Lúcia Pessoa Chaves Rocha Maria José Freitas Mendes Miguel Chaquiam BELÉM – PARÁ 2015

Transcript of TAREFAS COM EQUAÇÕES DO PRIMEIRO GRAU NA … · 2017. 11. 8. · exemplo, as equações...

  • FERNANDO CARDOSO DE MATOS

    JOSÉ CARLOS DE SOUZA PEREIRA JOSÉ MESSILDO VIANA NUNES

    TAREFAS COM EQUAÇÕES DO PRIMEIRO GRAU NA PERSPECTIVA DA RESOLUÇÃO

    DE SISTEMAS LINEARES

    ORGANIZADORES

    Maria Lúcia Pessoa Chaves Rocha

    Maria José Freitas Mendes

    Miguel Chaquiam

    BELÉM – PARÁ 2015

  • Fernando Cardoso de Matos - José Carlos de Souza Pereira - José Messildo Viana Nunes

    2

    Diretoria Regional da SBEM-PA Diretora: MARIA LÚCIA PESSOA CHAVES ROCHA

    Vice-Diretora: MARIA JOSÉ DE FREITAS MENDES 1º. Secretário: VERA LÚCIA GOUVÊA SMITH DA SILVA 2º. Secretário: ISABEL CRISTINA RODRIGUES DE LUCENA 3º. Secretário: ALAILSON SILVA DE LIRA 1º. Tesoureiro: JOÃO CLÁUDIO BRANDEMBERG 2º. Tesoureiro: RITA SIDMAR ALENCAR GIL Comitê Científico: ADILSON OLIVEIRA DO ESPIRITO SANTO

    MIGUEL CHAQUIAM PEDRO FRANCO DE SÁ RAIMUNDO OTONI MELO FIGUEIREDO

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Belém – Pará – Brasil

    M425t Matos, Fernando Cardoso de Tarefas com equações do primeiro grau na perspectiva da Resolução de sistemas lineares / Fernando Cardoso de Matos; José Carlos de Souza Pereira; José Messildo Viana Nunes; Organizado por Maria Lúcia Pessoa Chaves Rocha, Maria José de Freitas Mendes e Miguel Chaquiam. Belém: SBEM-PA, 2015. (Coleção Educação Matemática na Amazônia, 4). 81 p. ISBN 978-85-98092-21-8 (V. 4) ISBN 978-85-98092-17-1 (Coleção)

    1. Matemática - Ensino. I. Matos, Fernando Cardoso de. II. Pereira, José Carlos de Souza. III. Nunes, José Messildo Viana. IV. Rocha, Maria Lúcia Pessoa Chaves. V. Mendes, Maria José de Freitas. VI. Chaquiam, Miguel. VII. SBEM-PA. VIII. Título.

    CDD 510.7

  • Coleção IV - Educação Matemática na Amazônia - V. 4

    3

    APRESENTAÇÃO

    A publicação da quarta versão da Coleção Educação Matemática na Amazônia, iniciada em 2010, pela SBEM-PA - Sociedade Brasileira de Educação Matemática, durante a realização do IX EPAEM - IX Encontro Paraense de Educação Matemática, consolida o movimento de educação matemática em nossa região. Essa publicação materializa o sonho de disponibilizar um espaço de divulgação da produção de conhecimentos no campo da educação matemática voltados à região Amazônica.

    Consideramos importante apresentar aos estudantes de nível superior e professores da educação básica e superior da Amazônia um conjunto de obras diversificadas tendo em vista os avanços dos estudos sobre o campo da Educação Matemática nos diversos centros de estudos do país e, mais recentemente, na região Norte e, principalmente, em Belém do Pará. Nesse sentido foram organizados os 11 volumes da Coleção IV Educação Matemática na Amazônia.

    Uma das metas estabelecidas pela Diretoria Regional da SBEM-PA é publicar a versão eletrônica desta coleção, para ser disponibilizada gratuitamente por meio do site da SBEM-PA, bem como dar seguimento ao projeto da revista com a publicação da revista eletrônica intitulada Educação Matemática na Amazônia em Revista.

    Neste volume os autores recorrem a Teoria Antropológica do Didático para evidenciar como ocorrem as relações numérico-algébricas entre equações do primeiro grau e sistemas lineares, seguem com a apresentação dos tipos de organizações praxeológicas e organizações matemáticas. Apresentam uma abordagem história dos sistemas lineares, praxeologias a partir de uma organização matemática e didática de sistemas lineares e finalizam com atividades que visam a consolidação da teoria exposta.

    Maria Lúcia Pessoa Chaves Rocha Maria José Freitas Mendes

    Miguel Chaquiam (Organizadores)

  • Fernando Cardoso de Matos - José Carlos de Souza Pereira - José Messildo Viana Nunes

    4

  • Coleção IV - Educação Matemática na Amazônia - V. 4

    5

    TAREFAS COM EQUAÇÕES DO PRIMEIRO GRAU NA PERSPECTIVA DA RESOLUÇÃO

    DE SISTEMAS LINEARES

    FERNANDO CARDOSO DE MATOS

    JOSÉ CARLOS DE SOUZA PEREIRA

    JOSÉ MESSILDO VIANA NUNES

  • Fernando Cardoso de Matos - José Carlos de Souza Pereira - José Messildo Viana Nunes

    6

  • Coleção IV - Educação Matemática na Amazônia - V. 4

    7

    SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO......................................................................... 09 NOCÕES DA TEORIA ANTROPOLÓGICA DO DIDÁTICO ......... 1 CONEXÕES NUMÉRICO-ALGÉBRICAS ENTRE EQUAÇÕES DO PRIMEIRO GRAU E SISTEMAS LINEARES..............................

    23

    UMA ABORDAGEM HISTÓRICA DE SISTEMAS LINEARES...... 39 PRAXEOLOGIA A PARTIR DE UMA ORGANIZAÇÃO MATEMÁTICA E DIDÁTICA (OMD) DE SISTEMAS LINEARES.

    45

    ATIVIDADES........................................................................... 69 ATIVIDADE 1 – ELABORAÇÃO DE EQUAÇÕES DO PRIMEIRO GRAU COM UMA INCÓGNITA...................................................................................

    69

    ATIVIDADE 2 – ELABORAÇÃO DE EQUAÇÕES DO PRIMEIRO GRAU COM DUAS INCÓGNITAS................................................................................

    70

    ATIVIDADE 3 – ELABORAÇÃO DE SISTEMAS DE EQUAÇÕES DO PRIMEIRO GRAU COM DUAS INCÓGNITAS..............................................

    71

    ATIVIDADE 4 – ELABORAÇÃO DE SISTEMAS DE EQUAÇÕES LINEARES COM TRÊS INCÓGNITAS.........................................................................

    72

    ATIVIDADE 5 – ESTUDO QUALITATIVO DE SISTEMAS LINEARES..............................................................................................

    73

    REFERÊNCIAS......................................................................... 75 SOBRE OS AUTORES............................................................... 81

  • Fernando Cardoso de Matos - José Carlos de Souza Pereira - José Messildo Viana Nunes

    8

  • Coleção IV - Educação Matemática na Amazônia - V. 4

    9

    TAREFAS COM EQUAÇÕES DO PRIMEIRO GRAU

    NA PERSPECTIVA DA RESOLUÇÃO DE SISTEMAS LINEARES

    INTRODUÇÃO Para Chevallard (1984), Usiskin (1995), Bolea Catalán (2003) e Pereira (2012), a ágebra escolar é entendida como aritmética generalizada e apresenta uma ecologia na álgebra elementar - responsável pela permanência de um objeto matemático no curriculo escolar, como por exemplo, as equações polinomiais do pimeiro grau (daqui a diate equação do primeiro grau) com duas incógnitas. Nessa perspectiva, Chevallard (1994) expõe sua compreensão sobre a ecologia do saber ensinado e a gênese desse saber, principalmente, no que se refere ao ensino da Álgebra.

    Além da questão da origem, ou melhor, da gênese do saber ensinado, outra questão (ou mais exatamente outra classe de questões) deve ser posta: quais são as condições que permitem a existência deste saber, ou de qualquer ou quaisquer de seus elementos, que expliquem a modalidade de aparecimento, funcionamento, mudança (alteração, modificação) e desaparecimento? (CHEVALLARD, 1994, p. 176, tradução nossa).

    No sistema de Ensino Francês, segundo Chevallard (1994), a álgebra tem um papel estruturante e essencial no corpus da matemática ensinada. Esse papel estruturante e essencial está relacionado, diretamente, ao aritmético e geométrico. Nessa relação entre aritmético e algébrico, a álgebra vive uma ecologia em uma estrutura duplamente oposta, de um lado está a Geometria (espaço), de outro a Não-Geometria (número). Nessa Não-Geometria, a álgebra tem seu ecossistema, ou seja, ela habita mutualmente com o aritmético (CHEVALLARD, 1994). As relações estabelecidas entre a álgebra e aritmética provocam mobilização e criação de conexões entre os objetos matemáticos. Entre

  • Fernando Cardoso de Matos - José Carlos de Souza Pereira - José Messildo Viana Nunes

    10

    estes objetos estão às equações do primeiro grau e sistemas lineares. Por exemplo, a equação x – 8 = 6 possui o mesmo valor númerico para x, que satisfaz o sistema: x – y = 6 e y = 8. Nesse sentido, equações e o cálculo algébrico, estão conectados, embora nem sempre percebidos. Na tentativa de melhorar essa compreensão, propomos neste livro, ideias que abordam equações do primeiro grau conectadas a resolução de sistemas lineares. A fundamentação teórica para essas ideias são as nocões da Teoria Antropológica do Didático (TAD) (CHEVALLARD, 1991, 1999, 2009). Para evidenciar como ocorrem as relações numérico-algébricas entre equações do primeiro grau e sistemas lineares, recorremos a quatro obras, escritas ou traduzidas para o idioma francês, dois do século XVIII (MACLAURIN, 1753; EULER, 1795) e dois do século XIX (BERTRAND, 1850; BURAT, 1876). Dessas quatro obras, extraímos e traduzimos trechos que nos possibilitam vislumbrar tarefas que revelam o numérico e o algébrico coexistindo em diferentes épocas. O apronfudamento das relações numérico-álgebricas será abordado no capítulo que expomos a análise qualitativa de resolução de sistemas lineares e a compreensão que temos dos métodos empregados a paritr da resolução de sistemas equações do primeiro grau. A parte final é reservada a resolução de tarefas, a fim de evidenciar a aplicação de nossos estudos no ensino de matemática.

  • Coleção IV - Educação Matemática na Amazônia - V. 4

    11

    NOCÕES DA TEORIA ANTROPOLÓGICA DO DIDÁTICO A Teoria Antroplógica do Didático (TAD) idealizada por Yves Chevallard (1988, 1991, 1997, 1998, 1999, 2009) amplia as ideias da Teoria da Situação Didática (TSD) de Guy Brousseau (1988) e da Transposição Didática (TD) (CHEVALLARD, 1986, 1991, 1994). A TAD está associada a compreensões culturais da atividade matemática e, também, relaciona aspectos cognitivos apropriados para a compreensão antropológica dessa atividade pelo ser humano, que são anunciados como noções fundamentais da TAD: objetos, pessoas, instituições e relações (CHEVALLARD, 2009). Além dessas noções, as obras, entedidas como qualquer produto intencional da atividade humana (manuscritos, cartas, livros, artigos, quadros de arte, etc.) são objetos estudados na TAD.

    Chevallard (1991) em “L’ampliació del camp didàctic i la difusió social de les matemàtiques” [A expansão do campo didático e a difusão social da matemática] (artigo escrito em Catalão) dá indicativos das ideias que comporão a TAD. Nesse artigo, o caráter social da matemática é apontado pelo autor de duas formas: a matemática cristalizada (ou “morta”) e a matemática viva (CHEVALLARD, 1991, p. 1). A matemática cristalizada, na compreensão de Chevallard (1991), é a matemática consumida no processo social de produção de objetos materiais e de práticas sociais. Entenda-se o sentido de “morta”, associado à ideia de sem possilidade de compreensão ampliada do saber por parte de quem o usa. Por exemplo, um pedreiro com pouca escolaridade, que aprendeu a usar as medidas diversas que sua profissão exige não terá a comprenssão da matemática das grandezas que o engenheiro adiquiri na sua formação acadêmica. Matemática essa que dá vida à prática social do pedreiro, em outro nível do saber. Além disso,

    Em outros termos, matemáticos e engenheiros de todos os tipos, trabalham para construir um mundo de objetos e práticas sociais repletas de matemática (cristalizadas) de tal forma que o uso desses objetos e a realização dessas práticas não necessitem a manipulação efetiva da matemática (viva) pelo usuário ou pelo operador (CHEVALLARD, 1991, p. 1, tradução nossa).

  • Fernando Cardoso de Matos - José Carlos de Souza Pereira - José Messildo Viana Nunes

    12

    Chevallard (1991, p. 3, tradução nossa) anuncia que: “Do ponto de vista antropológico, definimos aqui como matemático todo e qualquer ator da instituição que, como tal, tem que responder em nome da instituição e pelo futuro da matemática nessa instituição”. Nesse sentido, as palavras de Chevallard se aplicam ao professor de matemática da escola básica (Ensino Fundamental e Médio), conforme ele mesmo anuncia:

    Neste sentido, os matemáticos no sentido habitual do termo, ou seja, os matemáticos produtores da ciência matemática são, naturalmente, Matemáticos. Mas acontece o mesmo com os professores de matemática e até mesmo com os professores da escola (CHEVALLARD, 1991, p. 3, tradução nossa).

    Vemos em Chevallard (1991) a continuidade das premissas da TAD,

    principalmente, quando ele enfatiza o surgimento de “Um novo personagem: o didático” (Ibidem, p. 5, tradução nossa). Entretanto, no artigo de 1988, Chevallard já anunciara o futuro da tranposição didática, conectando-a a TAD. Nesse artigo, intitulado, “Esquisse d’ne Théorie Formelle du Didactique” [Esboço de uma Teoria Formal do Didático], o autor anuncia a transposição didática na perspectiva antropológica, declarando que: “Encontrará-se a seguir o esqueleto de um desenvolvimento teórico próprio para situar a noção de transposição didática num quadro amplo e aberto, na perspectiva da construção de uma verdadeira antropologia do didático” (CHEVALLARD, 1988, p. 1, tradução nossa). A intrínseca relação cultural da TAD aparece nesse artigo: “considera-se neste parágrafo quatro termos primitivos: os universos culturais, as instituições, as áreas da realidade e os saberes” (Ibidem, tradução nossa). Cada um desses termos é conecto pelo autor em um contexto maior, a cultura.

    Uma formação epistiemológica (no interior de um determinado universo cultural) é constituída por um tripleto {instituição, área da realidade, saber}. As três instâncias que compõe uma formação epistemológica não são independentes: uma área da realidade existe apenas no quadro de uma instituição e em associação com o saber (da instituição) relativo a esta área da realidade (a instituição pode ser o próprio universo cultural); um saber é sempre o saber produzido por uma instituição a propósito de uma área produzida (ou reproduzida) por essa instituição (saber e área da realidade são duas faces identicas da existência institucional). No inteiror de um

  • Coleção IV - Educação Matemática na Amazônia - V. 4

    13

    determinado universo cultural, uma instituição participa de várias formações epistemológicas (relativos a áreas da realidade e a diferentes saberes associados) [...] (CHEVALLARD, 1988, p. 2, tradução nossa).

    A formação epsitemológica depende da cultura e da relação institucional do saber. Essa formação epistemológica põe em jogo a instituição professor de matemática e sua compreensão epistemológica dos objetos matemáticos. A importância dessa compreensão reflete na ecologia do saber e da relação ao saber (CHEVALLARD, 1988). O próprio Chevallard indica que há uma dialética entre o saber e a relação com o saber, necessária para se tomar consciência das restrições externas e internas que pesam sobre a existência e o funcionamento das instituições didáticas (CHEVALLARD, 1988). Nessa dialética, “[...] a ecologia didática dos saberes e das relações com os saberes é notável porque também permite excluir” (Ibidem, p. 8, tradução nossa). Essa exclusão determina a vida dos objetos matemáticos nas instituições, de forma simplista, seria, por exemplo, eliminar o ensino da divisão polinomial do oitavo ano do Ensino Fundamental, simplismente, porque os alunos apresentam grandes dificuldades para assimilarem esse tipo de operação polinomial. Nesse sentido, a ecologia do saber vivente na instituição escola perpassa pela compreensão do que Chevallard (1988) denomina de robustez da relação ao saber.

    Chama-se robustez da relação ao saber a capacidade deste de se transformar para se adaptar, quer à mudança interna ao processo didático descrito previamente, quer às mudanças externas, ligadas ao exercício desta relação em outro quadro institucional, quer como saber didático – profissional – em uma instituição didática relativa a outro saber, por exemplo, seja ainda no âmbito de uma instituição não didática colocada a frente do saber referido [...] (CHEVALLARD, 1988, p. 8, tradução nossa).

    A ecologia do saber é algo intríseco a atividade humana, e nessa

    atividade, a matemática coexiste antropologicamente. A cultura faz uso da ecologia do saber e as práticas que surgem nessa cultura, mobilizam objetos diverssos, matemáticos e não matemáticos. A ecologia do sistema de numeração indo-arábico é um exemplo que ilustra o caráter antropológico da vida de um saber na sociedade atual. Isso vem ao

  • Fernando Cardoso de Matos - José Carlos de Souza Pereira - José Messildo Viana Nunes

    14

    encontro do que Chevallard (1996) diz em relação à transposição didática dos saberes:

    [...] os saberes nascem e crescem em “lugares” determinados da sociedade [...] as necessidades sociais fazem com que os saberes produzidos vivam em outros lugares da sociedade [...] a fim de poderem viver “distante” de seus lugares de produção, os saberes sofrem transformações para se adaptarem as ecologias locais correspondentes [...] (CHEVALLARD, 1996, p. 1, tradução nossa).

    A conexão da TAD com a TSD e TD aparece anuciada no artigo de

    Chevallard de 1997: “Les savoirs enseignés et leurs formes scolaires de transmission : un point de vue didactique “ [Os saberes ensinados e suas formas de transmissão: um ponto de vista didático]. Nesse artigo o autor apresenta o sistema didático, S (x; y; ), no qual x representa os estudantes (alunos), y é o “diretor de estudos” (professor) e o símbolo designa o jogo didático, o “saber” estudado (CHEVALLARD, 1997). Neste livro, o está associado ao estudo de equações do primeiro grau.

    Em outra sessão do artigo, o autor expõe o cerne da TAD - as organizações praxeológicas. Nessas organizações praxeológicas, temos as tarefas t do tipo T (t ∊ T). Para solucionar as tarefas t ∊ T, deve-se ter uma técnica (uma meneira de fazer). Da junção do tipo de tarefas T com a técnica , temos o bloco [T / ], denominado de bloco do saber-fazer ou da práxis (CHEVALLARD, 1997, 1998, 1999). Por exemplo, o tipo de tarefas T – Resolver as equações do tipo ax + b = c – exigem uma técnica (ou técnicas) que as solucionem. Na maioria dos casos, as tarefas t e os tipos de tarefas T são designados por verbos: “[...] limpar a habitação, desenvolver a expressão literal dada, dividir um inteiro por outro, cumprimentar um vizinho [...]” (CHEVALLARD, 1998, p. 2, tradução nossa). Além dos tipos de tarefas T há os gêneros de tarefas, algo mais geral, mais amplo. Nos gêneros de tarefas o verbo aponta os possíveis tipos de tarefas T que poderemos formular: Resolver a equação...; Calcular o valor de (da)....; Simplificar a expresão...; etc. Entendemos que o bloco da práxis é predominante na prática do professor de matemática do Ensino Fundamental e Médio. O jogo didático recai sobre solucionar tarefas t por meio da técnica (ou técnicas) .

    O bloco do saber-fazer não vive sozinho nas organizações

    praxeológicas, ele necessita de algo que o legitime, principalmente a

  • Coleção IV - Educação Matemática na Amazônia - V. 4

    15

    técnica . Isso ocorre pela inserção do bloco do saber ou do logos. Nesse bloco, a técnica possui um discurso que a justifica, a tecnolgia θ. Porém, a tecnologia θ exige uma justificação de alto nível, denominda de teoria, denotada por Θ (CHEVALLARD, 1997, 1998, 1999). Da junção da tecnologia θ com a teoria Θ temos o bloco do saber, denotado por [θ/Θ]. Em algumas situações específicas, a técnica é autotecnológica e, nesse caso, = θ.

    Assim ocorre, tradicionalmente, na aritmética elementar, na qual o mesmo pequeno discurso tem uma dupla função, técnica e tecnologia, que permite, às vezes, encontrar o resultado pedido (função técnica) e justificar que é correto o resultado esperado, como quando se diz: “Se 8 pirulitos custam 10 Francos, 24 pirulitos, ou seja, 3 vezes 8 pirulitos, custarão 3 vezes mais, isto é, 3 vezes 10 Francos” (CHEVALLARD, 1998, p. 3, tradução nossa).

    Os dois blocos, da práxis e do logos, constiuem um bloco maior denominado de organização praxeológica “completa”, denotado por [T/ /θ/Θ] (CHEVALLARD, 1997, 1998, 1999). Note-se que uma prexeológia resulta de um saber-fazer (práxis) e de um saber (logos). Segundo Chevallard (1997, p. 4, tradução nossa): “Quando se fala em saber, contudo, este é designado ordinariamente, e por metonímia, qualquer praxeologia [...]”. Essa compreensão exalta o saber em detrimento do saber-fazer (CHEVALLARD, 1997).

    O caráter intitucional das praxeologias, incia-se pela praxeologia

    pontual, ou seja, aquelas que giram em torno de um único tipo de tarefa T, denotada por [T/ /θ/Θ] (CHEVALLARD, 1997, 1998). O agregamento de várias praxeologias pontuais leva ao surgimento da organização praxeológica local, detotada por [Ti/ i/θ/Θ]. Nas organizações praxeológicas locais, o trabalho da técnica e o alcance que esta terá sobre os tipos de tarefas T serão fundamentais. Por exemplo, a técnica que soluciona, facilmente, a tarefa t1,1 – lê-se t um um - (resolver a equação x – 3 = 0) tem alcance imediato, sobre a tarefa t2,1 (resolver a equação 21/2x – 61/2 = 0, se x ∊ ℝ)? Compreenda-se que a tarefa t1,1 pertence a um tipo de tarefas T1 e a tarefa t2,1 ao tipo de tarefas T2. Quando várias organizações praxeológicas locais se agregam, em torno de uma determinada tecnologia θ, origina-se a organização praxeológica regional, denotada por [Tij/ij/j/]. Nesse tipo de organização praxeológica a

  • Fernando Cardoso de Matos - José Carlos de Souza Pereira - José Messildo Viana Nunes

    16

    tecnologia θ comanda o bloco praxeológico, ou seja, é o discurso racional da técnica que prevalesse. O entorno mais complexo vem por meio do agrupamento de organizações praxeológicas regionais, que estão em torno do discurso justtificativo da tecnologia θ, algo mais refinado e complexo, é a teoria Θ que comanda o bloco praxeológico, denotado por [Tijk/ijk/jk/k] (CHEVALLARD, 1997, 1998). Nesse nível de organização praxeológica, o discurso transita pelas demonstrações, axiomas e teoremas, um exemplo disso, é o Teorema Fundamental da Álgebra. Chevallard (1998, p. 6, tradução nossa) enfatiza que:

    No ensino da matemática, um tema de estudo (“Pitágoras”, “Tales”, etc.) é identificado pelo menos por uma determinada tecnologia θ (Teorema de Pitágoras, Teorema de Tales), ou melhor, pelo bloco do saber [θ/Θ] correspondente, esta tecnologia permite produzir e justificar, a título de aplicações, as técnicas relativas a diversos tipos de tarefas. Notar-se-á, contudo, que outros temas de estudo (“fatoração”, “desenvolvimento”, “resolução de equações”, etc.) se expressam, muito classicamente, em termos de tipos de tarefas.

    Compreenda-se que os temas (assuntos) de matemática ensinados

    no Ensino Fundamental e Médio, pautam-se por tipos de tarefas Ti, dos quais são selecionadas as tarefas ti (ti ∊ Ti) e, mobliza-se uma ou mais técnicas para solucionar as tarefas ti.

    Os tipos de organizações praxeológicas – potuais, regionais e

    globais – são organizações matemáticas (MATHERON, 2000) que possuem características próprias. Cada uma possui um grau de complexidade conforme a especificidade da produção matemática, ou melhor, da obra matemática produzida culturalmente. Nessa produção da obra matemática (manual, cartas, livro, artigo, etc.) a atividade matemática apoia-se na realidade social e cultural de diferentes épocas. De certa forma, a obra matemática produzida precisa ser legitimada pelas comunidades científicas, porém, há aquelas que a legitimação vem das práticas sociais (GUERRA; SILVA, 2014), no sentido de Bourdieu (2013) é o habitus1 que a torna culturalmente valida.

    1 [...] sistemas de disposições duráveis e transponíveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, ou seja, como princípios geradores e organizadores de práticas e representações, ou seja, como princípios geradores e organizadores de práticas e representações [...] (BOURDIEU, 2013, p. 87).

  • Coleção IV - Educação Matemática na Amazônia - V. 4

    17

    Matheron (2000) retoma as ideias de Chevallard (1997) e expõe no

    artigo “Analyser les Praxéologies: quelques exemples d'organisations mathématiques” [Analisar Praxeologias: alguns exemplos de organizações matemáticas] exemplos de Organizações Matemáticas (pontual, local, regional e global). Seguindo a notação de organização praxeológica pontual, local, regional e global, de Chevallard (1997, 1998, 1999), Matheron insere as Organizações Matemáticas (OM) nessa notação.

    A Organização Matemática Pontual (OMP) possui o bloco

    praxeológico centrado em um único tipo de tarefa T, denotado por [T, , θ, Θ]. Esse tipo de OM é explificado pelo tipo de tarefa T: “[...] construir uma quarta proporcional para três comprimentos” (MATHERON, 2000, p. 56, tradução nossa). Matheron extraiu esse tipo de tarefa T de uma obra matemática de 1993, na qual esse tipo de tarefa é relativo à aplicação do Teorema de Tales. Nessa obra de 1993, o autor define a quarta proporcional assim: “Chama-se quarta proporcional para três números a, b e c o número x tal que: a/b = c/x“ (MATHERON, 2000, p. 56, tradução nossa). Nota-se que a propriedade fundamental da proporção está em jogo nesse tipo de tarefa.

    Uma Orgnização Matemática Local (OML) se origiana do

    agrupamento de diferentes OMP ao redor do elemento tecnológico (em Matheron (2000) o “Teorema de Tales”. Esse agrupamento de OMP faz com que vários tipos de tarefas se agrupem e, em torno destes, a técnica tem que realizar seu trabalho para solucionar as tarefas ti (ti ∊ Ti). O bloco praxeológico [Ti/ i/θ/Θ] denota uma OML. Matheron (2000) ilustra três tipos de tarefas Ti de uma OML vinculada ao Teorema de Tales: ‘T1 = calcular comprimentos nos triângulos em “situação de Tales”; T2 = construir um segmento de comprimento a/b vezes o comprimento de um segmento dado; T3 = determinar um coeficiente de ampliação ou de redução de área ou de volume’ (Ibidem, p. 59, tradução nossa).

    As OM ao antingirem o nível das OML, a tecnologia θ já manifesta

    sua presença com intensidade, mas é a técnica (ou as técnicas) que ainda prevalece (prevalecem). É ao nível da Organização Matemática Regional (OMR) que a tecnologia θ assume no bloco praxeológico com grau maior de relevância, por isso, denota-se esse bloco por [Tij/ ij/θj/Θ]

  • Fernando Cardoso de Matos - José Carlos de Souza Pereira - José Messildo Viana Nunes

    18

    (MATHERON, 2000). Nas OMR a teoria Θ ganha maior dimensão, porque a tecnolgia θj tem que ser justificada e quem faz isso é a teoria. As OMR surgem por intermédio das OML e o grau de complexidade das OM é ampliado. Matheron (2000) utiliza fragmentos de uma obra de 1964, do programa do sistema de ensino francês, para ilustrar a dialética tecnológico-teórica das OMR, mas ele pontua que:

    Não é possível reproduzirmos todos os elementos que pertmitem fundamentar a descrição da organização matemática regional exposta aqui: seria necessário mencionar uma grande quantidade de páginas, assuntos e exercícios desta obra [...] (MATHERON, 2000, p. 62, tradução nossa).

    Pelas palavras de Matheron (2000) abstraímos que as OM possuem

    um grau de complexidade crescente. A expansão dessa complexidade aparece na OMR, na qual os objetos matemáticos possuem certo refinamento teórico, mas a compreensão desse refinamento vem sob a égide da tecnologia θj, ou seja, a teoria Θ⇒θj. Um exemplo de tecnolgia θj Matheron extrai da obra de 1964.

    179. THEOREMA: Se dois triângulos são semelhantes, os três ângulos de um são, respectivamente, iguais aos três ângulos homólogos do outro; os lados de um são proporcionais aos lados homólogos do outro. [...] Relação de semelhança 182. DEFINIÇÃO: Chama-se relação de semelhança do triângulo A’B’C’ ao triângulo ABC o valor comum da relaçao dos dois lados homólogos. Designamos por θ2 o resultado tecnológico relativo aos lados proporcionais contidos no teorema 179 e a definição 182 [...] (MATHERON, 2000, p. 64, tradução nossa).

    As Organizações Matemáticas Globais (OMG) são as que antigem o

    nível teórico. A teoria Θk assume o bloco praxeológico, denotado por [Tijk/ ijk/θijk/Θk] (MATHERON, 2000). As OMG surgem do agrupamento de várias OMR. Porém esse agrupamento ocorre por meio de elementos teóricos diferentes, os quais agrupam as tecnologias θj das OMR. As OMG possuem um elvado grau de abstrações, que nos permite refinar e sofisticar os objetos matemáticos. As OMG podem ser obras produzidas no âmbito da sociedade, fruto da cultura de diferentes épocas. Um exemplo disso, é a obra “Les fondements de la géométrie” [Os fundamentos da

  • Coleção IV - Educação Matemática na Amazônia - V. 4

    19

    geometria] de Hilbert (MATHERON, 2000), que revisa a geometria euclidiana de forma geral.

    Avançando no corpo teórico da TAD, Chevallard (2009) expõe sobre “La TAD face au professeur de mathématiques” [A TAD face ao professor de matemática]. Nesse artigo, Chevallard retoma algumas noções fundamentais da TAD (objetos, sujeitos, pessoas, instituições e relações), mas agora ele as canaliza para o professor de matemática. Dessas noções fundamentais, a de objeto merece atenção, porque incide sobre todas as outras. É a primeira noção fundamental da TAD (CHEVALLARD, 2009).

    Na teoria antropológica do didático, a primeira noção fundamental é a de objeto: objeto é qualquer entidade material ou imaterial, que existe para pelo menos um indivíduo. Tudo é então objeto, incluindo as pessoas. São assim objetos o número sete e, também, o algarismo 7, a noção de pai e a de jovem pai que passeia com sua criança, a ideia de perseverança (ou de coragem, ou de virtude, etc.), o conceito matemático de derivada, simbolizado por ∂, etc. Em particular, qualquer obra, ou seja, qualquer porduto intencional da atividade humana é um objeto (Ibidem, 2009, p. 1).

    A noção de objeto ganha destaque na TAD porque assume ideias amplas, tanto objetivas quanto subjetivas. Nessa perpesctiva antropológica de objeto, Chevallard anuncia um aspecto cognitivo que possui grau de subjetivade complexa, trata-se do universo cognitivo do professor de matemática, denotado por UC(x) = {(o, R(x; o)) / R(x; o) } (CHEVALLARD, 2009). Nesse UC(x), existe a segunda noção fundamental da TAD, a de relação R que o professor de matemática (pessoa x) tem com os objetos matemáticos o. Contudo, a notação UC(x) é ampla e utrapassa os objetos do saber matemático, as práticas sociais fazem parte dessa cognição do professor de matemática. Além disso, presume-se que R não é vazia: R(x; o) . O professor de matemática conhece objetos, matemáticos ou não matemáticos. Chevallard (2009) ressalta que o adjetivo cognitivo, empregado na TAD, não assume a acepção intelectual comum do termo. Isso decorre, segundo ele, dos tipos de relações que a pessoa x possui: com a escova de dente, com a máquina de café da cefeteria, com o pedal do freio do carro, etc. Existem também as relações próprias com objetos matemáticos: equação do primeiro e do segundo

  • Fernando Cardoso de Matos - José Carlos de Souza Pereira - José Messildo Viana Nunes

    20

    grau, operações polinomiais, limites e derivadas, etc. Podemos inferir que até os gestos de sala de aula compõe a UC(x). No UC(x) do professor de matemática estão implicitas as relações institucionais que ele estabelece como pessoa x. A noção de instituição é a quarta noção fundamental da TAD, sendo a terceira, a de pessoa. Essas duas noções fundamentais da TAD imprimem ao professor de matemática relações R, que dependem dos tipos de instituições I, nas quais ele viveu ou vive sujeições de formação (graduação, pós-graduação, etc.) ou de atuação profissional (empresas, escolas, institutos, universidades, etc.). Para Chevallard (2009, p. 2, tradução nossa):

    [...] uma instuição I é um dispositivo social “total”, que pode, certamente, não ter uma extensão muito reduzida no espaço social (existem as “microinstituições”), mas que permite – e impõe – para seus sujeitos, ou seja, as pessoas x que venham ocupar diferentes posições p ofertadas em I [...]

    As instituições I possuem maneiras próprias de fazer e pensar, isto é, as praxeologias (CHEVALLARD, 2009). Assim, a classe da escola básica é uma instituição na qual se destacam as posições ocupadas pelo professor e pelo aluno. Nas instituições I existem objetos o, que a pessoa x não conhece. Porém, tornando-se sujeito desta, passa a conhecê-los e deve assumir as praxeológias institucionais para esse objeto. Se a aula de gráfico de funções for condicionada ao uso o software geogebra e o professor de matemática não tiver domínio sobre as praxeologias manipulativas desse recurso, ele terá que aprendê-las ou estará fora da instituição. Se ele quizer fazer parte desta instituição, o professor de matemática deverá assumir, incondicionalmente, as regras institucionais. São as sujeições institucionais. Essas sujeições promovem uma dinâmica cognitiva no UC(x) do professor de matemática, levando-o a conflitos pessoais e formativos. A subjetividade deve dialogar com a objetividade, para que o professor de matemática ocupe uma posição p na instituição I. Ser, por exemplo, professor de matemática do primeiro ano do Ensino Médio. A dinâmica cognitiva influi na história de vida da pessoa como sujeito (CHEVALLARD, 2009). Na TAD, a história de vida do professor de matemática, internaliza práticas para ensinar certos objetos matemáticos. Muitas delas presumimos serem frutos das sujeições institucionais. Digamos, são práticas “imitadas” de outros sujeitos. Nesse sentido, essas

  • Coleção IV - Educação Matemática na Amazônia - V. 4

    21

    práticas estão conectadas ao que Chevallard (2009) denomina de Equipamento Praxeológico da pessoa x, denotado por EP(x). Segundo este “[...] o conjunto de praxeológias as quais a pessoa dispõe, com as quais é equipada [...] é o que dou o nome de equipamento praxeológico da pessoa [...]” (CHEVALLARD, 2009, p. 6, tradução nossa). O equipamento praxeológico do professor de matemática possui particularidades relativas ao estudo dos objetos matemáticos e de suas práticas docentes. Mas o EP(x) do professor de matemática vive fases distintas, para algumas praxeologias ele é desatualizado, para outras se atualiza. De forma mais incisiva, são as dinâmicas cognitivas promovidas pelas sujeições institucionais, que criam condições e restrições para modificar o EP(x) desse professor. Para Chevallard (2009):

    [...] A formação de uma pessoa como sujeito comprometido com uma instituição, por exemplo, a formação profissional de uma pessoa, supõe-se que há uma dinâmica cognitiva e praxeológica que resulta da exploração adequada de novas sujeições, expressamente, direcionadas a pessoa, que implica em um trabalho de identificação e tratamento de conflitos conectados ao choque dessas novas sujeições com sujeições antigas, quando as primeiras são vistas pela pessoa como incompatíveis com sua “identidade” (Ibidem, p. 7, tradução nossa).

    As noções da TAD, que descrevemos neste capítulo, são oportunas para o próximo, no qual partes de Organizações Matemáticas (OM), de algumas obras antigas, revelarão particuraridades da técnica e da tecnologia θ, presentes na resolução de equações do primeiro grau, vinculadas a resolução de sistemas lineares.

  • Fernando Cardoso de Matos - José Carlos de Souza Pereira - José Messildo Viana Nunes

    22

  • Coleção IV - Educação Matemática na Amazônia - V. 4

    23

    CONEXÕES NUMÉRICO-ALGÉBRICAS ENTRE EQUAÇÕES DO PRIMEIRO GRAU E SISTEMAS LINEARES Este capítulo nasce a partir de fragmentos de quatro obras matemáticas (livros), duas do século XVIII e duas do século XIX. Estas obras foram escritas ou traduzidas para o idioma francês. As do século XVIII são “Traité d'algèbre et de la manière de l'appliquer” (MACLAURIN, 1753) [Tratado de álgebra e da maneira de aplicá-la] e “Elémens d'algèbre” (EULER, 1795) [Elementos de álgebra]. As duas obras do século XIX – “Traité élémentaire d'algèbre” (BERTRAND, 1850) [Tratado elementar de álgebra] e “Traité d'algèbre élémentaire” (BURAT, 1876) [Tratado de álgebra elementar] – possuem linhas de raciocínio próximas das do século XVIII, mas acrescentam ideias complementares ao objeto matemático (equação do primeiro grau). A obra de Maclaurin (1753) inicia a discussão sobre equações, expondo noções numérico-algébricas que conectam ideias futuras, isso na seção II e capítulo primeiro: “Da Análise” (MACLAURIN, 1753, p. 64, tradução nossa). A Figura 01 ilustra essa obra. Figura 01: contracapa do livro de Maclaurin (1753)

    Fonte: http://gallica.bnf.fr/

  • Fernando Cardoso de Matos - José Carlos de Souza Pereira - José Messildo Viana Nunes

    24

    Maclaurin associa as resoluções de problemas ao uso de equações. Para este autor, resolver problemas é uma arte que depende de uma “Análise” associada ao surgimento de equações.

    A Análise é a arte de resolver Problemas. Resolvem-se os Problemas por meio de equações. Uma equação é a comparação de duas quantidades iguais. Chama-se membros de uma equação as duas partes separadas pelo sinal =. Ora a equação dá o valor de uma incógnita, quando está se encontra em um único membro da equação: este valor se conhece, se todas as quantidades que se encontram no outro membro são conhecidas [...] (MACLAURIN, 1753, p. 64, tradução nossa).

    Maclaurin (1753) anuncia que dará as regras necessárias para liberar uma incógnita ou para achar o valor desta, ele diz que essas regras são abrangentes e as chamará de Axiomas:

    Pode-se transportar um quantidade de um membro da equação para para o outro, trocando seu sinal. Se x – a = b, diz-se que x = b + a; porque, para o primeiro Axioma, x – a + a = b + a; pontanto, reduzindo o primeiro membro, x = b + a. Se x + a = b, diz-se que x = b – a; porque, para o segundo Axioma, x + a – a = b – a; pontanto, reduzindo o primeiro membro, x = b – a; [...] (MACLAURIN, 1753, p. 65, tradução nossa).

    A primeira regra descrita por Maclaurin possui traços da tecnologia θ, que garante a técnica , que se aplica a resolução de tarefas t, do tipo T, nas quais as equações do primeiro grau possuem como incógnita a letra x e as quantidades a e b são números. A complementação dessas ideias, Maclaurin as amplia na segunda regra.

    Se a incógnita é dividida por qualquer quantidade, então se liberará essa incógnita, mutiplicando-se toda a equação por esse divisor.

    Seja 5 bb

    x; portanto, pelo terceiro Axioma,

    bbbbb

    x 5 , ou seja, bbbx 5 .

  • Coleção IV - Educação Matemática na Amazônia - V. 4

    25

    Da mesma forma, se temos 1045

    x ; ter-se-á, pelo terceiro

    Axioma, x + 20 = 50; e pela primeira regra, x = 50 – 20 = 30. (MACLAURIN, 1753, p. 65, tradução nossa).

    Na segunda regra Maclaurin prefere a representação do quadrado de uma quantidade por bb, em vez de b2. Outro ponto que ele menciona é a aplicação dessa regra quando a equção possuir frações. Além dessas duas regras, Maclaurin (1753) explica mais sete, totalizando nove regras. A nona regra nos interessa expor aqui devido possuir conexões com resolução de sistema linear, vejamos essa regra:

    Em uma equação se pode, para uma quantidade, substituir o seu igual. Se 3x + y = 24, e y = 9; então 3x + 9 = 24. E x + 3 = 8. E x = 5. Se 3y + 5x = 120, e y = 5x; então 15x + 5x = 120. 20x = 120, e x = 6. Se ax – 2by = a2, e y = 3c; então ax – 6bc = a2, e ax = a2 + 6bc. E

    abc

    aa

    bcax

    662

    . (MACLAURIN, 1753, p. 68, tradução nossa).

    Na citação identificamos pelo menos três tipos de tarefas Ti. Esses tipos de tarefas se traduzem em sistemas de equações do primeiro grau com duas incógnitas. Daí aparecer no texto original várias vezes a conjunção “e”. Na representação atual, os sistemas são:

    1)

    9243

    yyx

    ; 2)

    xyxy

    512053

    ; 3)

    cyabyax

    32 2 .

    O primeiro sistema vem do tipo de tarefa T1: resolver o sistema

    de equações do primeiro grau, dado o valor numérico da segunda incógnita. O segundo sistema surge do tipo de tarefa T2: resolver o sistema de equações do primeiro grau, dado o valor algébrico da segunda incógnita. O terceiro sistema é literal e do tipo de tarefa T3: Resolver o sistema de equações do primeiro grau, com coeficientes literais, dado o valor literal da segunda incógnita.

  • Fernando Cardoso de Matos - José Carlos de Souza Pereira - José Messildo Viana Nunes

    26

    Só após explicar as nove regras é que Maclaurin (1753) anuncia que tratará “da resolução de equações do primeiro grau” (Ibidem, p. 68, tradução nossa). Ele primeiro define esse tipo de equação: “Chama-se equação do primeiro grau aquela que a incónita possui apenas uma dimensão [...] em geral, o grau da equação se conta por aquilo que a icógnita é elevada” (p. 68, tradução nossa). Antes de mostrar um exemplo de resolução de equação do primeiro grau com uma incógnita, Maclaurin recomenda rever as regras anteriores, bem como, as próximas orientações que ele recomendará. Maclaurin exemplifica a resolução de equações do primeiro grau por meio de resolução de problemas, conforme anunciou no início da seção II do livro. Não exibiremos aqui os problemas que Maclaurin resolveu, usando equações do primeiro grau com uma incógnita. Nossa atenção estará nas com duas incógnitas.

    Para as equações do primeiro grau com duas incógnitas, Maclaurin

    diz que elas são provenientes de problemas com várias incógnitas. As resoluções dessas equações ocorrem por três métodos diferentes: o primeiro é por substituição; o segundo por comparação de valores e o terceiro por adição ou subtração de equações (MACLAURIN, 1753). A seguir mostramos apenas o método da substituição, os outros dois ficarão a cargo do leitor consultar a obra de Maclaurin.

    187. Conhecendo a soma de três quantidades tomadas dus a duas, encontrar cada uma dessas quantidades. SOLUÇÃO POR SUBSTITUIÇÃO Denomina-se as três incógnitas por x, y, z.

    Equações preliminares Supõe-se a soma das duas primeiras ................................. x + y = a A soma da segunda e da tercaira ...................................... y + z = b A soma da primeira e da terceira ...................................... x + z = c Primeiras equações x + y = a x = a – y y + z = b x + z = c Segundas equações y + z = b y = b – z a – y + z = c Terceiras equações ou finais

  • Coleção IV - Educação Matemática na Amazônia - V. 4

    27

    a – b + 2z = c 2

    bacz

    2z = c – a + b 22

    22

    acbbacbbacby

    22

    22

    cbaacbaacbax

    (MACLAURIN, 1753, p. 72, tradução nossa).

    A tarefa proposta por Maclaurin para explicar o método da substituição está mais próxima de um tipo de tarefa T. A forma como ele mostra a resolução do sistema linear, com três incógnitas e três equações, revela a técnica empregada. A próxima tarefa t exemplifica o uso do método da adição como técnica para solucionar essa tarefa.

    191. Conhecendo a soma e a diferença de duas quantidades, encontras cada uma dessas quantidades.

    SOLUÇÃO. Seja a soma a, a diferença d, as duas quantidades x, y; portanto

    x + y = a x – y = d

    somando...............................2x = a + d 2

    dax

    subtraindo a segunda

    da primeira...........................2y = a – d 2

    dax

    (MACLAURIN, 1753, p. 76, tradução nossa). Em outra tarefa, Maclaurin utiliza o método da comparação para solucioná-la. Essa tarefa envolve três equações e três incógnitas.

    Se há três equações e as mesmas incógnitas são repetidas, acham-se os três valores, comparando a primeira com a segunda e a primeira com a terceira; essas duas equações finais fornecerão então dois valores da mesma incógnita, cuja comparação achará a solução do Probelema (MACLAURIN, 1753, p. 83, tradução nossa).

    Os fragmentos da obra de Maclaurin (1753) servem de conexão à obra de Euler (1795), intitulada “Élémens d’Agèbre” [Elementos de

  • Fernando Cardoso de Matos - José Carlos de Souza Pereira - José Messildo Viana Nunes

    28

    Álgebra] da qual também extrairemos fragamentos que tratam de equações do primeiro grau. A Figura 02 ilustra essa obra.

    Figura 02: Contracapa do livro de Euler (1795).

    Fonte: http://dx.doi.org/10.3931/e-rara-8611

    Euler (1795) inicia na quarta seção de sua obra a discussão sobre

    equações, tanto que ele a intitula “Das Equações algébricas e da resolução dessas equações” (Ibidem, p. 451, tradução nossa). As ideias de Euler são próximas das de Maclaurin (1753), isso se configura no capítulo primeiro da quarta seção: “Da resolução dos Problemas em geral” (EULER, 1795, p. 451, tradução nossa). Porém, é no capítulo II que Euler aborda a resolução de equações do primeiro grau com uma incógnita, indicada pela letra “x”. As regras para resolução dessas equações são semelhantes às de Maclaurin (1753). A diferença decorre que Euller prefere iniciar obtendo o valor numérico da incógnita e só depois anuncia as regras que permitem trabalhar o númerico-algébrico de maneira mais ampla na resolução de equações do primeiro grau.

    Comecemos pelo caso mais simples, sumpondo primeiro que se chegou a equação x + 9 = 16, vê-se, imediatamente, que x = 7. Em geral, se tivermos que encontrar x + a = b, onde a e b singinficam números quaisquer conhecidos, tem-se apenas que subtrair a do outro membro, obtendo-se a equação x = b – a, que indica o valor de x (EULER, 1795, p. 460-461, tradução nossa).

  • Coleção IV - Educação Matemática na Amazônia - V. 4

    29

    Em equações do primeiro grau com uma fração, Euler recomenda multiplicar os dois lados da equação pelo denominador dessa fração e diz que é possível fazer o mesmo para equações que possuam mais de uma fração, tomando-se o cuidado de observarem-se os denominadores que constituem essas frações.

    Quando a primeira equação tiver a forma bax

    , multiplicam-se os

    dois lados por a, para ter x = ab.

    Mas se tivermos dcbax

    , será necessário primeiro fazer

    cbdax

    , após isso se obterá x = (d – b + c)a = ad – ab + ac.

    Quando se chegou a uma equação como cbax

    , multiplica-se

    primeiro por b, a fim de se ter ax = bc, dividindo-se em seguida por

    a, encontra-se abc

    x .

    Se dcbax

    , devemos dar para esta equação a forma cdbax

    ,

    após a qual se chegará ao valor de ax = bd + bc e deste o valor de

    abcbd

    x

    . (EULER, 1795, p. 463-494, tradução nossa).

    Percebe-se que Euler algebriza a relação numérico-algébrica da técnica , a qual soluciona os tipos de terefas Ti, de equações do primeiro grau com uma incógnita. Assa algebrização serve de anúncio da tecnologia θ que rege a técnica . Ele prossegue fazendo isso com outros tipos de tarefas Ti, um deste possui a equação na forma ax – bx + cx = d,

    assumindo a forma final cba

    dx

    (EULER, 1795).

    No capítulo IV, intitulado “Da resolução de duas ou de várias equações do primeiro grau”, Euler (1795) expõe os tipos de tarefas Ti, que vemos associados a sistemas lineares. Segundo ele: “Chega-se, frequentemente, a cálculos que se é obrigado obter o valor de duas ou de várias incógnitas, representadas pelas letras x, y, z, etc. [...]” (p. 491-492,

  • Fernando Cardoso de Matos - José Carlos de Souza Pereira - José Messildo Viana Nunes

    30

    tradução nossa). Euler recomenda começar com equações, nas quais se calcula o valor de x e y: ax + by = c e fx + gx = h (EULER, 1795). Os valores de a, b, c, f, g e h, são números conhecidos (Ibidem). A técnica proposta por ele segue o método da comparação e substituição de valores das incógnitas. Para as equações ax + by = c e fx + gx = h, deve-se proceder assim:

    1) Tira-se o valor de x nas duas equações: abyc

    x

    e

    fgyy

    x

    ;

    2) Comparam-se os dois valores de x: fgyy

    abyc

    ;

    3) Obtém-se o valor de y, resolvendo a nova equação:

    bfagfcah

    y

    ;

    4) Substituindo-se o valor de y em abyc

    x

    , porém, em

    by , que resulta bfagbcfabh

    by

    ;

    5) Substituindo o resultado de by em byc , obtém-se:

    bfagabhacg

    bfagbcfabhbcfacg

    bfagbcfabh

    c

    ;

    6) Dividindo-se bfagabhacg

    por a, encontra-se

    bfagbhcg

    x

    .

    As seis etapas descrita acima, resumem a explicação de Euler (1795, p, 493-494). Assim se sucede quando tivermos duas equações na forma x + y = a e x – y = b, aplicando a mesma técnica anterior, chega-se

    em 2

    bax

    e

    2ba

    x

    (EULER, 1795).

    A resolução de um grupo de três equações com três incógnitas (x, y, z) é realizada pela técnica da comparação e substituição de equações. Euler orienta que se deva isolar nas três equações a incógnita x, obtendo-se outras três equações com valor algébrico de x. Depois, comparam-se duas a duas as esquações para encontrarmos o valor numérico de y ou de

  • Coleção IV - Educação Matemática na Amazônia - V. 4

    31

    z. Finaliza-se a resolução por substituição do valor de y ou de z nas outras equações. A seguir exibimos um exemplo que adaptamos de Euler (1795, p. 498-499):

    As equações são: I) x + y – z = 8, II) x + z – y = 9 e III) y + z – x = 10;

    Isolando-se a incógnita x nas três equações, tem-se: i) x = 8 + z – y, ii) x = 9 + y – z e iii) x = y + z – 10;

    Da comparação de i) com ii) e i) com iii), surge, respectivamente, as equações: 8 + z – y = 9 + y – z e 8 + z – y = y + z – 10;

    De i) com ii) surge a equação 2z – 2y = 1 e de i) com iii) vem 2y = 18;

    Resolvendo a equação 2y=18, tem-se y = 9;

    Substituindo y = 9 em 2z – 2y = 1, conclui-se que 21

    9z ;

    Finalmente, substitui-se o valor numérico de y e z, em uma

    das equações de x, obtendo-se 21

    8x .

    A descrição resumida da resolução da tarefa t, extraída da obra de Euler (1795) revela várias subtarefas implicitas em t, que são etapas do trabalho da técnica . Euler descreve essas etapas por meio de um discurso explicativo que justifica o percurso do trabalho da técnica , vemos nesse discurso indicativo da tecnologia θ. Euler ao resolver um problema com três equações e três incógnitas, usa o símbolo ∫(summa) para indicar a soma x + y + z, ou seja, x + y + z = ∫ (EULER, 1795, p. 503). Essa notação permite que ele reduza as equações em um trabalho com duas “incógnitas”. Por ser extensa a explicação do processo resolutivo desse problema (quatro páginas da obra de Euler) não trataremos aqui dessa técnica desenvolvida por Euler (1795), associada ao símbolo que hoje denota Cálculo Integral. As ideias de Maclaurin (1753) e Euler (1795) refletem na obra de Bertrand (1850), denominada de “Traité Élémentaire d’Algèbre” [Tratado Elementar de Álgebra] (Figura 03). Nessa obra os tipos de tarefas Ti, de equações de primeiro grau e sistamas lineares, são mais de aspectos

  • Fernando Cardoso de Matos - José Carlos de Souza Pereira - José Messildo Viana Nunes

    32

    algébricos e a técnica também. O discurso tecnológico que justifica a técnica se acentua e a tecnologia θ se torna mais evidente.

    Figura 03: Contracapa do livro de Bertrand (1850).

    Fonte: http://gallica.bnf.fr/

    A obra de Bertrand é bem interessante porque tem um texto matemático próximo das abordagens algébricas de hoje, em particular, de sistemas lineares. É nessa obordagem que nos deteremos a seguir. Bertrand (1850) reserva o capítulo V, intitulado “Resolução de um número qualquer de equações do primeiro grau com um número igual de incógnitas” (Ibidem, p. 50, tradução nossa). No inicio desse capítulo Bertrand escreve um discurso tecnológico importante à resolução de sistemas lineares.

    Diz-se que dois sistemas de equações são equivalentes, quando os valores das incógnitas que sastifazem os dois são, absolutamente, os mesmos; ou, em outros termos, quando as equações de cada um dos sistemas envolvem as dos outros. Quando dois sistemas são equivalentes, pode-se substituir um no outro.

  • Coleção IV - Educação Matemática na Amazônia - V. 4

    33

    Teorema I. Dado um sistema de equações, pode-se substituir, qualquer uma delas, na equação obtida pela soma membro a membro das equações propostas. Assim, os sistemas de equações, A = A’ B = B’ C = C’ É equivalente a A + B + C = A’ + B’ + C’ B = B’ C = C’ É evidente, com efeito, que o primeiro sistema envolve o segundo. Reciprocamente, o segundo envolve o primeiro, porque B e C são, respectivamente, iguais a B’ e C’, B + C será igual a B’ + C’, e B + C acrescentado de A não poderá ser igual B’ + C’ acrescentado de A’, sem que A seja igual a A’. A demonstração é independente do número de equações [...] (BERTRAND, 1850, p. 50-51, tradução nossa).

    Percebe-se que Bertrand usa letras maiúsculas para representar os dois membros das equações que constituem o sistema de equações. Porém, isso só no início do capítulo V, depois ele segue a notação algébrica comum para equações do primeiro grau com duas incónitas. É por meio dessa notação que Bertrand (1850) explica um dos métodos de resolução de sistemas de equações com duas equações e duas incógnitas.

    Sejam as equações

    ''' cybxacbyax

    ;

    multiplicando-se os dois membros da primeira equação por a’ e os dois membros da segunda equação por –a, elas tornam-se

    acaybxaacaybaxaa

    ''''''

    ;

    somando-se membro a membro, obter-se-á a equação (ba’ – b’a)y = ca’ – c’a , que pode ser substituida (Teorema I) em qualquer uma das equações e dá

    abbaacca

    y''''

    ;

  • Fernando Cardoso de Matos - José Carlos de Souza Pereira - José Messildo Viana Nunes

    34

    como y é conhecido, em uma das equações propostas será conhecido x. Pode-se também procurar, diretamente, o valor de dessa incógnita, eliminando y da mesma forma como eliminamos x (BERTRAND, 1850, p. 54, tradução nossa).

    Bertrand (1850) exclarece que o método descrito na citação é dá eliminação por adição, pois as duas equações foram multiplicadas pelos fatores a’ e -a, possibilitando a eliminação de x. Ele também cita de forma breve o método da comparação, mas não dá ênfanse a essa técnica para resolução de sistemas de equações do primeiro grau. O método que Bertrand recomenda, entendemos ser o da substituição e eliminação, pois segundo ele

    Para resolver um número qualquer de equações do primeiro grau com um número igual de incógnitas, pode-se deduzir de uma delas o valor de uma incógnita e substituir esse valor em todas as outras equações que conterão então uma incógnita a menos. A resolução de n equações com n incógnitas, reduizir-se-á assim para aquela de n – 1 e n – 1 incógnitas; esta se reduzirá do mesmo modo para n – 2 equações e n – 2 incógnitas, e continuando assim, chegar-se-á a uma equação contendo apenas uma incógnita. O processo que vimos e indicamos é bastante simples, de modo que, sobre esta única indicação, possa-se usar facilmente (BERTRAND, 1850, p. 55, tradução nossa).

    Bertrand (1850) faz a demonstração do processo que ele indica, mas por ser longa não a exibiremos aqui. A tecnologia θ descrita na citação é a do método da susbtituição, técnica ensinada a partir do sétimo ano do Ensino Fundamental. Esse método ganha dimensão no Ensino Médio, sendo demoninado de método de escalonamento de sistemas lineares. As tarefas ti que Bertrand propõe, no final do capítulo V, são quase todas algébricas. Duas dessas tarefas foram inseridas no capítulo das atividades. As ideias de Bertrand (1850) aparecem na obra de Burat (1876), mas a ênfase é do numérico para o algébrico. A obra de Burat (Figura 04), intitulada “Traité d’Algébre Élémentaire” [Tratado de Álgebra Elementar] foi produzida para uso nos liceus e colégios franceses.

  • Coleção IV - Educação Matemática na Amazônia - V. 4

    35

    Figura 04: Contracapa do livro de Burat (1876).

    Fonte: http://gallica.bnf.fr/

    A discussão sobre equações do primeiro grau, Burat (1876) incia no Livro II, sob o título “Resolução das Equações do Primeiro Grau” (p. 123, tradução nossa). A definição que ele dá para equação, no capítulo I, do Livro II, é: “Chama-se equação uma igualdade que abrange uma ou várias letras, representando quantidades desconhecidas e que não se reduz a uma identidade por apenas certos valores atribuidos a essas incógnitas” (BURAT, 1876, p. 124, tradução nossa). Para exemplificar a definição ele exibe as equações: 2x +1 = 7 e a + b = 2x – c. Segundo este autor, as raízes ou soluções de uma equação a reduz a uma identidade. Assim, a equação 4x + 3y = 22, torna-se uma identidade para x = 4 e y = 2 (BURAT, 1876). Nesse capítulo I, Burat exibe várias particularidades associadas à compreensão de equações do primeiro grau, mas que acabam sendo de outros tipos de equações, por exemplo, das equações irracionais. No capítulo II, do livro II, Burat (1876) trata da “Resolução de uma equação do primeiro grau com uma só incógnita” (p. 133, tradução nossa). Nesse capítulo, o tratamento dado à resolução de equações do primeiro grau transita por vários tipos de tarefas Ti, entre os quais destacamos: a)

  • Fernando Cardoso de Matos - José Carlos de Souza Pereira - José Messildo Viana Nunes

    36

    resolver equações do primeiro grau fracionárias, b) resolver equações literais do primeiro grau, c) resolver equações irracionais que recaem em equações do primeiro grau, etc. O capítulo III, do Livro II, intitulado “Resolução de várias equações com várias incógnitas” (BURAT, 1876, p. 151, tradução nossa), o autor exibe várias tarefas ti de equações do primeiro grau com duas ou mais incógnitas. Essas tarefas ti exemplificam ideias expostas por Maclaurin (1753), Euler (1795) e Bertrand (1850). A seguir citamos uma dessas tarefas ti:

    [...] resolver as equações (1) 3x – 4y + 3z + 3v – 6u = 11, (2) 3x – 5y + 2z – 4u = 11, (3) 10y – 3z + 3u – 2v = 2, (I) (4) 5z + 4u + 2v – 2x = 3, (5) 6u – 3v + 4x – 2y = 6. Eliminando, por substituição, x entre a equação (1) e cada uma das outras, substitui-se o sistema proposto pelo seguinte:

    .2642211210,3112218,223310

    ,023

    ,3

    633411

    uvzyvzy

    vuzyuvzy

    uvzyx

    (II)

    Eliminando y ainda por substituição, entre a segunda das equações (II) e cada uma das seguintes, nós teremos o novo sistema equivalente ao proposto

    .26625122,31163629,2233213

    ,23

    ,3

    633411

    uvzuvz

    uvzuvzy

    uvzyx

    (III)

    Eliminando z entre as tês últimas, obteremos

  • Coleção IV - Educação Matemática na Amazônia - V. 4

    37

    .38241300,461460459

    ,13

    23223,23

    ,3

    633411

    vuvu

    vuz

    uvzy

    uvzyx

    (IV)

    Efim eliminado u estre as duas últimas equações, encontra-se

    .313638156819

    ,300

    41382

    ,13

    23223,23

    ,3

    633411

    v

    vu

    vuz

    uvzy

    uvzyx

    (V)

    Esse último sistema dá imediatamentes x = – 2, u = – 1, z = 3, y = 1, x = 2. (BURAT, 1876, p. 164-166, tradução nossa).

    A técnica descrita na citação é a mesma de Bertrand (1850), ou seja, da substituição e eliminação, mas agora aplicada à resolução de um sistema com cinco de equações e cinco incógnitas. Vê-se nessa resolução o processo de triangulação de sistemas lineares ou eliminação gaussiana, que será abordada nos dois próximos capítulos. Das resoluções de diversos sistemas de equações do primeiro grau, Burat (1876) exclarece que os sistemas de equações são determinados quando se obtém os valores numéricos de todas as incógnitas que constituem esses sistemas. Além disso, ele anuncia que há sistemas de equações incompatíveis e iderteminados. Por exemplo, as equações x + 2y = 5 e 3x + 6y = 2 são incompatíveis como sistema de equações (BURAT, 1876, p. 168). Já as equações 2x + y – 8z = 10, 3x – 2y +5z = 14 e 8x – 3y +2z = 38, constituem um sistema de equações indeterminado, porque eliminando y da segunda e terceira equações, temos, respectivamente,

    7x – 11z = 34 e 14x – 22z = 68, com isso, 71134 z

    x

    , possibilitantando

    que o sistema tenha inifinitas soluções (BURAT, 1876).

  • Fernando Cardoso de Matos - José Carlos de Souza Pereira - José Messildo Viana Nunes

    38

    As conexões numérico-algébricas entre equações do primeiro grau e sistemas lineares, extraídas das obras de Maclaurin (1753), Euler (1795), Bertrand (1850) e Burat (1876), que expusemos neste capítulo, complementam-se nos dois próximos, mas na vertente da Álgebra Linear.

  • Coleção IV - Educação Matemática na Amazônia - V. 4

    39

    UMA ABORDAGEM HISTÓRICA DE SISTEMAS LINEARES

    No Egito, havia documentos matemáticos mais antigos que chegaram aos dias atuais, entre outros se destacam os papiros de Rhind e de Moscou, que juntos continham 110 problemas, sendo boa parte deles de origem prática, com questões sobre pão, cerveja, e balanceamento de rações para o gado. Alguns problemas eram resolvidos por uma equação linear com uma incógnita, utilizando-se de um método que, mais tarde na Europa, ficou conhecido por regra da falsa posição (RIBEIRO, 2009, p.3).

    Na antiguidade da matemática ocidental o estudo e aplicações dos

    sistemas de equações lineares pouco aparecem, enquanto que no oriente, este objeto matemático é bem mais estudado e aplicado. Na China, no registro de representação por diagramas, os chineses representavam os sistemas lineares por meio de seus coeficientes escritos com banas de bambu sobre os quadros de um tabuleiro, descobrindo um método de resolução que até hoje é muito utilizado, que é o método de resolução por eliminação. Exemplos desse procedimento encontram-se no documento Nove capítulos sobre a arte da matemática, provavelmente do século III a.C.

    Na visão do escritor do prefácio Liu Hui, incorporado no século III

    no documento, que ao se referir ao Método de Fang Sheng, onde é proposto uma situação que reflete em um sistema linear de 3 equações e 3 incógnitas. Tal método consiste em dispor os coeficientes das incógnitas em linhas e colunas, e após se operar com elas, deixando o sistema na forma triangular. Ao se efetuar a divisão determinasse o valor de uma incógnita e por meio de substituição determinasse o valor das demais, o que hoje equivale a resolver um sistema pelo método do escalonamento.

    Até o início do século XVIII os sistemas lineares eram utilizados

    como ferramentas, tanto no ocidente, quanto no oriente. Então, em meados deste século, no que diz respeito ao estudo qualitativo de sistemas lineares, um dos trabalhos importantes publicados naquele século foram os trabalhos de Euler. Estes desempenharam um importante papel na resolução de sistemas lineares e na elaboração da teoria das equações diferenciais. Com o estudo da Geometria Analítica e de curvas geométricas

  • Fernando Cardoso de Matos - José Carlos de Souza Pereira - José Messildo Viana Nunes

    40

    os sistemas lineares foram estudados de modo qualitativo por Euler como mostramos em sua obra datada de 1750. Compreender o domínio das relações existentes entre as equações de um sistema linear criou um campo fértil para o desenvolvimento de alguns conceitos em Álgebra Linear, como os espaços vetoriais, subespaços vetoriais, matrizes, posto e também a noção de independência linear, o que torna o seu estudo imprescindível para esta obra.

    Para o caso de quatro equações com quatro incógnitas, Euler (1750,

    p. 227) acrescentou que duas incógnitas podem ficar indeterminadas utilizando como exemplo o sistema de equações S2 a seguir: (Sistema S1) 5x + 7y – 4z + 3v – 24 = 0 (Eq. E21) 2x – y + 5z – 6v – 20 = 0 (Eq. E22) x + 13y – 14z + 15v + 6 = 0 (Eq. E23) 3x + 10y – 9z + 9v – 4 = 0 (Eq. E24) Euler (1750, p. 227) resolve o sistema pelo método da substituição e eliminação, pois isola na terceira equação o valor de x como segue: x = –13y + 14z – 15v – 6.

    Substituindo esse valor na segunda equação temos: 2 (–13y + 14z – 15v – 6) – 3y + 5z – 6v – 20 = 0 –29y – 33z – 36v – 32 = 0

    33 3 52 ;29

    23 33 21229

    z vy

    z vx

    Após determinar os valores de x e y, estes podem ser substituídos na primeira e na quarta equação, que acarretará em duas equações idênticas, onde as incógnitas z e v são indeterminadas. Observa-se no sistema desenvolvido por Euler, que as equações estão contidas e incluídas em outras.

  • Coleção IV - Educação Matemática na Amazônia - V. 4

    41

    Nesse aspecto, não significa que Euler não estava atento sobre a equivalência lógica com a dependência linear, mas dentro da prática dele com equações lineares, a concepção de dependência inclusiva era mais consistente e eficiente (GRANDE, 2006). Euler não menciona as relações lineares entre as equações já que a E21 – E22 = E24, por exemplo.

    A resolução de sistemas de várias equações com várias incógnitas já era conhecida desde os babilônios. As práticas de resolução por eliminação e substituição eram largamente utilizadas para resolver sistemas lineares numéricos já no século XVII, em sua maioria sistemas onde o número de equações era igual ao de incógnitas. Em 1748, Euler publica um importante tratado intitulado Introductio in analysin infinitorum [Introdução em análise infinita] definindo função de uma quantidade variável. Prosseguindo no estudo de sistemas lineares, nos deparamos com os sistemas lineares homogêneos poucos explorados nas escolas de ensino básico e superior, mas que será bastante explorado em nosso modelo epistemológico, ainda a ser apresentada nos capítulos seguintes, devido sua importância para o estudo de espaços vetoriais e transformações lineares.

    Uma equação linear homogênea é uma equação do tipo ax + by + cz = o, onde o termo independente é nulo. Por conseguinte, um sistema linear homogêneo se dá quando todas as equações lineares têm seus termos independentes nulos.

    O matemático inglês C. L. Dodgson (1867, p. 48 e p. 51), mas conhecido pelo seu pseudônimo Lewis Carroll, publica An Elementary Treatise On Determinants [Um tratado elementar sobre Determinantes] no qual anuncia, respectivamente, dois teoremas para sistemas homogêneos:

    i) Em um sistema homogêneo de n equações há n - r incógnitas, cuja matriz não aumentada é evanescente; tem uma (n - r) - upla solução onde dois componentes ou menos não são nulos e r + 1 equações são dependentes das restantes. Reciprocamente se o sistema tem uma solução não nula, a matriz não aumentada é evanescente. ii) Um sistema homogêneo de n equações a n + r incógnitas tem sempre (n + r)-upla soluções onde pelo menos dois componentes não são nulos.

  • Fernando Cardoso de Matos - José Carlos de Souza Pereira - José Messildo Viana Nunes

    42

    Dodgson (1867) demonstra por meio da proposição VIII, publidada

    na obra An Elementary Treatise On Determinants, que em um sistema de n equações lineares a n + r incógnitas, se existe n - r equações cuja matriz aumentada não é evanescente, e se quando essas n - r equações são acrescentadas sucessivamente cada uma das equações restantes, cada conjunto de (n - r) + 1 equações tem uma matriz aumentada evanescente, então (1) o sistema é compatível, (2) não tem mais que uma solução e (3) as equações restantes são dependentes das n - r citadas anteriormente (DODGSON, 1867, p. 45).

    E ainda:

    Em um sistema de n equações há n + r incógnitas, se existe n - k equações cuja matriz não aumentada não é evanescente, e se a essa n - k equações são acrescentadas sucessivamente cada uma das equações restantes, e se cada conjunto assim formado de (n - k) + 1 equações tem sua matriz aumentada evanescente2, (1) as equações são compatíveis, (2) se tomamos um dos menores não nulos da matriz aumentada dessas n - k equações as k + r incógnitas cujos coeficientes nela não estão contidos, podemos atribuir valores arbitrários, cada uma das (n - k)-uplas de valores dando uma solução única ao sistema, e (3) as equações restantes dependem das ditas (n - k) equações Proposição X (DODGSON, 1867, p. 48).

    Na teoria geral dos sistemas lineares, Dodgson deixou muito que fazer a seus sucessores, pois a eles coube refinar sua formulação e reagrupar os casos em proposições mais compactas. No ano de 1875 Eugéne Rouché publicou um artigo de duas páginas intitulado Sur la discussão des equações du degré premier [Sobre as discussões das equações do primeiro grau], contendo os resultados dele ao resolver sistemas de equações lineares. Era um critério bem conhecido que diz que um sistema de equações lineares tem uma solução se, e somente se, o posto3 da matriz do sistema homogêneo associado é igual ao posto da

    2 Se um bloco quadrado ser tal que o seu determinante desaparece, ou se um bloco oblongo ser tal que o determinante de cada um dos seus menores principais desaparece: em qualquer dos casos, o bloco é dito ser evanescente (DODGSON, 1867). 3 Ideia introduzida por Frobenius em 1879, também em conexão com determinantes, no artigo intitulado Ueber Homogene Totale Differentialg Leichungen. Posto de uma matriz é uma característica matricial, com várias implicações em relação à independência linear e a

  • Coleção IV - Educação Matemática na Amazônia - V. 4

    43

    matriz aumentada do sistema. Em 1880 lança uma versão mais completa de suas ideias, em outro artigo intitulado Notes sur les equations lineares [Notas sobre equações lineares] publicado no Journal de l'École Polytechnique.

    A elaboração de uma teoria para os sistemas lineares continuou com os trabalhos do matemático alemão Ferdinand Georg Frobenius (1849 -1917). Em seus artigos de 1875 e 1877 intitulados Ueber das Pfaffsche problem [Sobre o problema Pfaffain] (tradução nossa) e Ueber Systeme und Gewebe Algebraischen Flachen [Sistemas e superfícies Algébricas] nestes aparece à ideia de independência linear a partir da ambiguidade das soluções do sistema linear, que ele indica indiferentemente, através de duas palavras em alemão unabhangig (independência) termo este utilizado para independência linear de equações e verschieden (distinto). A definição dada por ele é que as soluções A1(x),..., An(x), (x = 1, ... k) são ditas independentes ou distintas, se c1A(a)(1) + ... + ckAa(k) não pode se anular para a = 1, ..., n sem que c1, ..., ck sejam todos nulos, em outros termos, quando as k fórmulas lineares A1(x)u1 + ... + Ak(x)uk são independentes (FROBENIUS, 1877).

    Segundo Dorier (1990, 1995) esta definição dada por Frobenius foi

    inovadora, pois relacionava a ideia de dependência linear à utilização dos vetores de dimensão n indicados pelas coordenadas, como Cayley as introduziu.

    No mesmo artigo Frobenius trata dos sistemas lineares

    homogêneos, enunciando que um sistema homogêneo de m equações independentes a n incógnitas (m > n) admite (n - m) soluções independentes e que este é o máximo de soluções independentes que tal sistema pode admitir; isto quer dizer que (n - m) + 1 soluções são sempre dependentes (FROBENIUS, 1877). Enuncia, também, que a solução geral da equação é uma combinação linear qualquer destas (n - m) soluções independentes.

    dimensão de um espaço vetorial. O posto de uma matriz A é o número de linhas não-nulas quando a mesma está escrita na forma reduzida escalonada por linhas.

  • Fernando Cardoso de Matos - José Carlos de Souza Pereira - José Messildo Viana Nunes

    44

    O francês Jean le Rond d’Alembert (1717-1783) é o primeiro a considerar que a solução geral das equações não homogêneas, assim chamada por ele, é a soma de uma solução particular e da solução geral da equação homogênea correspondente.

    Melchiades da Silva (1997) comenta um relato de Dorier (1990)

    sobre as ideias de Frobenius, tal que parecia saber de todos os resultados sobre a teoria dos determinantes que ele utilizava para demonstrar seus resultados sobre a resolução de sistemas de equações lineares homogêneas. Além de utilizar o conceito de dependência e independência linear de soluções do sistema linear homogêneo, consideradas como n-uplas em uma linguagem totalmente moderna em 1875.

    Frobenius (1877) enunciou que se r equações homogêneas ar1 x1 +

    ar2 x2 + ... + arn xn =0 são independentes, e têm s soluções independentes (b11, b12, ...b1n), (b21 , b22, .. b2n), ... (bs1 , bs2 , ... bsn) então as r linhas menores de ordem a são proporcionais para as complementar s linhas menores de ordem b” (MUIR, 1930, p.122 apud MELCHIADES DA SILVA, 1997).

    Frobenius (1877) determina o número máximo de soluções independentes que um sistema homogêneo podia admitir, além de considerar o fato de que a solução geral do sistema é uma combinação linear qualquer das soluções independentes. Frobenius constituiu um núcleo, da noção de base de soluções de um sistema homogêneo, devido aos trabalhos com combinação linear, de independência linear de soluções e de número máximo de soluções independentes em relação a um sistema homogêneo.

  • Coleção IV - Educação Matemática na Amazônia - V. 4

    45

    PRAXEOLOGIA A PARTIR DE UMA ORGANIZAÇÃO MATEMÁTICA E DIDÁTICA (OMD) DE SISTEMAS LINEARES O estudo dos sistemas de equações lineares é muito relevante devido a sua eficácia, pois a partir do seu estudo qualitativo é possível revelar a gênese de diversos elementos presentas na Geometria Analítica e da própria Álgebra Linear.

    As técnicas de resolução de sistemas lineares são ensinadas desde o

    ensino básico, quando os estudantes se deparam com os equações do primeiro grau com duas incógnitas, depois com função do primeiro grau, que segue uma aparência bem próxima das equações isto no ensino fundamental, enquanto que no ensino médio há o estudo de sistemas lineares e geometria analítica. É importante notar que não há a presença de uma teoria, pois quando um aluno resolve um sistema pelo método de Pivô de Gauss trata-se de uma solução pragmática.

    O acesso ao conhecimento científico requer um ambiente didático,

    cuja intenção é a de ensinar. Para isso, acreditamos na necessidade de uma relação constante entre a referência epistemológica e a observação didática. Para nós, a epistemologia é uma ferramenta consistente na didática uma vez que fornece elementos determinantes à construção do conhecimento científico, além de favorecer o questionamento de saberes científicos e sua relação com outros saberes.

    Apresentamos uma possível reconstrução racional da Organização

    Matemática e Didática (OMD), no que diz respeito ao estudo qualitativo de sistemas lineares, propondo Tarefas com equações do primeiro grau na perspectiva da resolução de sistemas lineares.

    Podemos dizer que uma organização didática (OD) é uma

    organização matemática (OM) em ato, isto é, em ação que em geral ocorre na sala de aula. No âmbito do ensino as OD integram o fazer e o ensinar matemática, aumentado assim a possibilidade de organizar um processo de estudo de uma obra matemática enfocando as razões de ser da dita obra, ou seja, as questões matemática que essa vem responder (DELGADO, 2006).

  • Fernando Cardoso de Matos - José Carlos de Souza Pereira - José Messildo Viana Nunes

    46

    No âmbito da investigação didática Gascón (2002, 2003) e Bosch e

    Gascón (2006b), ressaltam que a separação entre fazer e ensinar matemáticas constitui um dos principais obstáculos para interpretar as questões problemáticas que surgem no ensino escolar das matemáticas. Entre estas questões há de se citar as mais genéricas:

    • Como descrever a analisar o processo de estudo escolar das

    matemáticas? • Como explicar o fenómeno relativamente universal da alienação

    matemática dos cidadãos? • Quais são as possíveis causas do crescente fracasso dos

    estudantes no que diz respeito em estudar matemática no ensino básico e no primeiro curso universitario?

    • Por que os profesores de matemáticas, de todos os níveis educacionais desenvolvem uma atomização progressiva da matemática ensinada e propõem em seus testes exercícios cada vez mais algorítmicos?

    Para responder a estas questões que surgem nos sistemas de

    ensino das matemáticas é necessário se considerar de maneira inseparável as dimensões matemática e didática. O problema didático inclui o estudo das condições e restrições originadas por uma intenção didática no seio de uma instituição escolar. Para estudar este sistema de condições e restrições que sofrem os saberes matemáticos para serem ensinados em uma determinada instituição, isto é para estudar uma OD determinada, deve-se levar em consideração condições e restrições que não tenham sido criadas nem pelo professor e nem pelo sistema de ensino e que não provem de nenhuma intenção didática (DELGADO, 2006, p. 25).

    A partir desta ideia levamos em conta a evolução histórica e

    epistemológica dos saberes dispostos na OM. Segundo Godino (2003), para estudar os fatores que afetam os processos de ensino e aprendizagem da matemática devemos considerar a natureza dos conteúdos e perguntar qual o papel que a atividade humana e que os processos são desenvolvimento sociocultural de ideias matemáticas, sendo assim, a análise epistemológica de objetos matemáticos deve ajudar a esclarecer a natureza desses objetos.

  • Coleção IV - Educação Matemática na Amazônia - V. 4

    47

    Pensamos como Gascón (1998, 2003) a partir dos trabalhados produzidos pelo Programa Epistemológico de Investigação em Didática da Matemática, que a origem do problema da educação Matemática esta na própria matemática, portanto o mistério permanece na própria ma temática, assim nos permite tomar a atividade matemática como objeto primário de estudo.

    Iremos desconstruir e reconstruir os objetos matemáticos matemáticos desde sistemas lineares, matrizes, espaços vetoriais, subespaço, base, dimensão e transformações lineares nos apoiando em entes históricos e epistemológicos, por meio de ferramentas que a TAD nos proporciona, de tal forma que ao organizarmos as OMD’s possamos tornar esses saberes inteligíveis, já que esta é uma proposta de ensino de Álgebra Linear.

    Chevalard (1999) propõe um modelo epistemológico geral da

    matemática que descreve o saber matemático em termos de organizações ou praxeologias matemáticas institucionais. Nesta perspectiva o saber surge em dois níveis: o nível da práxis, que se refere a prática realizada e o nível do logos, que contem o discurso matemático racional, que sera utilizado para interpretar, dar sentido e desenvolver a prática matemática.

    Gascón et al. (2014) resumem que o modelo epistemológico-

    didático que propõe a TAD, relacionado a atividade de resolução de tipos de problemas por parte dos estudantes, não consiste em, simplesmente, solucionar tais problemas a partir de técnicas matemáticas dadas e no âmbito de uma teoria matemática predeterminada, mas sim interpretar a construção destas técnicas e o seu desenvolvimento progressivo, assim como, a construção de um discurso teórico que justifique e interprete a prática matemática.

    A matemática escolar tanto no ensino básico como no superior se

    estrutura por meio de modelos. Tais modelos estão presentes na praxeologia espontânea de alguns professores de matemática e, consequentemente suas práticas docentes não são questionadas por eles.

    Ressalta-se que o modelo de OMD descrito a seguir tem caráter

    provisório, ou seja, trata-se de hipóteses a serm contrastadas com dados

  • Fernando Cardoso de Matos - José Carlos de Souza Pereira - José Messildo Viana Nunes

    48

    empíricos e estará sujeito a modificações permanentes, logo não é algo fechado trata-se de um modelo relativo, já que na Teoria da Transposição Didática - TTD (Chevallard, 1985, 1991) revela que não existe um sistema privilegiado, absoluto, para se observar e analisar a vida institucional, tanto intra como interinstitucional das OM. O modelo construído nesta obra servirá para criar práticas no ensino de sistemas lineares, possibilitando a construção de uma OM a partir de um conjunto de tipos de tarefas e técnica para resolver estes problemas e definições, propriedades e teoremas, além de descrever e justificar o seu trabalho.

    Desenvolveremos sucessivas OMD’s em confirmidade com as ideias

    de Guerra (2014) com o intuito de cada uma complementar a outra, isto é, articulando saberes matemáticos. Nesse sentido, começaremos por:

    tipo de tarefas T1: Resolver um sistema linear 4 por 4; tarefa t1: Resolver o sistema linear S2 pelo método da subsituição e eliminação; técnica 1: utilização do método da substituição e eliminação; Sistema S2: x1 + x2 + x3 + x4 = 7 (E21) x1 + 2x2 + 2x3 + 2x4 = 8 (E22) x1 + 2x2 + 3x3 + 3x4 = 9 (E43) x1 + 2x2 + 3x3 + 4x4 = 10 (E44)

    Isolando-se x1 na equação E21, temos:

    x1 = 7 – (x2 + x3 + x4) x1 + 2x2 + 2x3 + 2x4 = 8

    x1 + 2x2 + 3x3 + 3x4 = 9 x1 + 2x2 + 3x3 + 4x4 = 10

    Substituindo x1 na equação E22,

    x1 = 7 – (x2 + x3 + x4) 7 – (x2 + x3 + x4) + 2x2 + 2x3 + 2x4 = 8 x1 + 2x2 + 3x3 + 3x4 = 9 x1 + 2x2 + 3x3 + 4x4 = 10

  • Coleção IV - Educação Matemática na Amazônia - V. 4

    49

    Substituindo x1 nas equações E23 e E24, e reduzindo os termos semelhantes, tem-se:

    x1 = 7 – (x2 + x3 + x4) (E211) x2 + x3 + x4 = 1 (E221) x2 + 2x3 + 2x4 = 9 (E231) x2 + 2x3 + 2x4 = 3 (E241) Simplificando os termos semelhantes e isolando x2 na equação (E221), temos: x1 = 7 – (x2 + x3 + x4) x2 + x3 + x4 = 1 => x2 = 1 – (x3 + x4) x1 + 2x2 + 3x3 + 3x4 = 9 x1 + 2x2 + 3x3 + 4x4 = 10

    Substitui-se x2 = 1 – (x3 + x4) nas equações E231 e E241: x1 = 7 – (x2 + x3 + x4)

    x2 = 1 – (x3 + x4) x3 + x4 = 1 => x3 = 1 – x4 x3 + 2x4 = 2

    Trabalhando com as duas últimas equações, temos:

    x1 = 7 – (x2 + x3 + x4) x2 = 1 – (x3 – x4) x3 = 1 – x4 (E232) x3 + 2x4 = 2 (E242)

    Substituindo x3 = 1 – x4 na equação E242, temos: x1 = 7 – (x2 + x3 + x4) x2 = 1 – (x3 – x4) x3 = 1 – x4 x4 = 1

  • Fernando Cardoso de Matos - José Carlos de Souza Pereira - José Messildo Viana Nunes

    50

    Observando para a equação E242 chegamos a um sistema 1 por 1,

    onde o valor de uma varável é encontrado facilmente, que é x4 = 1. Com isso, podemos observar que o Sistema S2 foi triangularizado:

    x1 + x2 + x3 + x4 = 7 x2 + x3 + x4 = 1

    x3 + x4 = 1 x4 = 1

    Thomas Muir (1960) publica em Londres a obra intitulada The Theory of Determinants in the Historical Order of Development [A Teoria dos Determinantes na Ordem Histórico de Desenvo