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O NOVO PROCESSO CIVIL DE COGNIÇÃO NA ITÁLIA 1 2 GIUSEPPE TARZIA 1. Não é fácil apresentar a um congresso tão qualificado o novo processo civil italiano de cognição: um processo profundamente reestruturado com a Lei nº 353, de 26 de novembro de 1990, que, após seguidas prorrogações, entrou em vigor, nesta parte, somente em 30 de abril passado, contemporaneamente a uma lei de 1991 que instituiu o juiz de paz. Estas prorrogações não foram devidas somente à necessidade de recrutar os novos juízes de paz, como juízes de pequenas causas, e de organizar-lhes os cartórios. Existia, de fato, a exigência de tornar contemporânea a instituição deste juiz com a reforma do processo civil ordinário. Influiram, pois, também as dúvidas e as objeções que se manifestaram em relação a alguns aspectos relevantes da nova disciplina processual. A completa entrada em vigor das leis de 1990 e de 1991 suscitou reações de protesto muito veementes por parte dos advogados. Enquanto esta conferência está sendo preparada, esperam-se alterações, que possam modificar as duas leis sobre alguns pontos importantes, em particular para o regime das preclusões. Mas, não reside somente nisso a dificuldade do dever, que tive a honra de receber. Enquanto é fácil apresentar uma lei que tenha comportado verificação pela jurisprudência e pela praxe forense, uma tal ajuda, obviamente, falta de todo no nosso caso. A exposição que farei não poderá portanto ilustrar o novo processo se não por grandes linhas, com base no ditado pela lei e pela interpretação que me parece correta: uma interpretação que naturalmente não é sempre pacífica, na ampla literatura que já se formou no comentar a reforma. Procurarei marcar sobretudo os pontos qualificantes, as linhas de tendência do novo processo civil. Concluo esta introdução com uma declaração de boas intenções. Em um diálogo internacional seria certamente 1 Conferência pronunciada em 19.6.95, no Congresso Brasileiro de Direito Processual, realizado em Brasília - DF. 2 Tradução de Clayton Maranhão, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, sob autorização do autor.

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O NOVO PROCESSO CIVIL DE COGNIÇÃO NA ITÁLIA 1 2 GIUSEPPE TARZIA 1. Não é fácil apresentar a um congresso tão qualificado o novo processo civil italiano de cognição: um processo profundamente reestruturado com a Lei nº 353, de 26 de novembro de 1990, que, após seguidas prorrogações, entrou em vigor, nesta parte, somente em 30 de abril passado, contemporaneamente a uma lei de 1991 que instituiu o juiz de paz. Estas prorrogações não foram devidas somente à necessidade de recrutar os novos juízes de paz, como juízes de pequenas causas, e de organizar-lhes os cartórios. Existia, de fato, a exigência de tornar contemporânea a instituição deste juiz com a reforma do processo civil ordinário. Influiram, pois, também as dúvidas e as objeções que se manifestaram em relação a alguns aspectos relevantes da nova disciplina processual. A completa entrada em vigor das leis de 1990 e de 1991 suscitou reações de protesto muito veementes por parte dos advogados. Enquanto esta conferência está sendo preparada, esperam-se alterações, que possam modificar as duas leis sobre alguns pontos importantes, em particular para o regime das preclusões. Mas, não reside somente nisso a dificuldade do dever, que tive a honra de receber. Enquanto é fácil apresentar uma lei que tenha comportado verificação pela jurisprudência e pela praxe forense, uma tal ajuda, obviamente, falta de todo no nosso caso. A exposição que farei não poderá portanto ilustrar o novo processo se não por grandes linhas, com base no ditado pela lei e pela interpretação que me parece correta: uma interpretação que naturalmente não é sempre pacífica, na ampla literatura que já se formou no comentar a reforma. Procurarei marcar sobretudo os pontos qualificantes, as linhas de tendência do novo processo civil. Concluo esta introdução com uma declaração de boas intenções. Em um diálogo internacional seria certamente

1 Conferência pronunciada em 19.6.95, no Congresso Brasileiro de Direito Processual, realizado em Brasília - DF. 2 Tradução de Clayton Maranhão, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, sob autorização do autor.

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injustificado negligenciar as experiências estrangeiras: negligenciar em particular o confronto, que os Senhores poderão fazer todavia muito melhor que eu, com as legislações processuais não só brasileira, mas mais amplamente da América Latina. Tentarei, por isso, dar algumas indicações a este respeito. Mas um quadro, bem mais preciso daquele que poderei oferecer, dos pontos de encontro ou de divergência do novo processo civil de cognição italiano com o processo do vosso País e com aqueles dos Países que lhes são vizinhos, poderá resultar muito melhor pela comparação entre os dados, que procurarei ilustrar, e aqueles que emergirão das outras relações dos ilustres Colegas e das vossas discussões. 2. Devo precisar de imediato que a reforma de 1990 não modificou os princípios gerais do processo, como emergem do código de 1942 e, em parte, da própria Constituição da República Italiana de 1948. Permanece imutável, pois, não só o princípio fundamental do direito de defesa em todas as suas extensões, mas também o princípio da demanda, bem como aquele do impulso processual de parte. Permanece imutável o princípio dispositivo, não só substancial mas também processual, ou seja a obrigação de o juiz fundar a sua decisão sobre as provas apresentadas pelas partes. A previsão de poderes instrutórios de ofício - que foi estendida a todos os meios de prova, com poucas exceções, na reforma do processo do trabalho de 1973 - não foi repetida para o processo de cognição ordinário. As iniciativas do juiz em matéria de prova remanescem aquelas, excepcionais, previstas já no texto originário do código de 1942. A publicidade do processo e a obrigação de motivação permanecem garantidas, e a segunda abrangida também por uma norma da Constituição, como permanece o remédio geral do recurso de cassação por violação de lei contra as sentenças que não são sujeitas a outros meios de impugnação. A reforma recente, ao contrário, incidiu, e profundamente, sobre a identidade do juiz e sobre a estrutura do processo. O juiz de primeiro grau é agora de fato, normalmente, um juiz único também para as causas devolvidas à competência dos tribunais. A estrutura

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do processo foi pois completamente mudada, através de fundamentais inovações: - a introdução de preclusões, que dividem as várias fases do processo; - a previsão de provimentos antecipatórios de condenação; - a execução provisória ope legis das sentenças de primeiro grau; - a transformação do juízo de apelação de novum judicium a revisio prioris instantiae. 3. O juiz único, antes de mais nada: uma regra que comporta todavia exceções. A questão da manutenção ou supressão do juízo colegiado em primeiro grau perante ao tribunal foi discutida acirradamente no longo iter da reforma; e seria certamente inútil recordar, especialmente aqui, os argumentos pro e contra, que foram adotados pelos partidários da monocraticidade ou da colegialidade. O legislador italiano de 1990 atingiu uma solução de compromisso, bem diversa todavia daquela atuada em 1942. A regra é que, fora dos casos reservados expressamente à decisão colegiada, nas matérias cíveis o tribunal decide na pessoa do juiz instrutor ou do juiz da execução em função de juiz único com todos os poderes do colegiado (art. 48, último parágrafo, do ordenamento judiciário aprovado pelo r.d. nº 12 de 30 de janeiro de 1.941, no texto substituído pelo art. 88 a lei nº 353). A regra é aquela do juiz único, a exceção é constituída do juízo colegiado: colegiado porém, como antes, ou seja salvo disposição diversa de lei, somente na fase decisória, na qual o juiz instrutor torna-se o relator do colegiado, do qual faz parte. Até o encerramento da fase instrutória, o processo se desenvolve, pois, do mesmo modo, como se fosse o juiz da decisão, único ou colegiado. São reservadas à decisão colegiada as causas nas quais é obrigatória a intervenção do Ministério Público; os procedimentos de jurisdição voluntária ou, mais precisamente, segundo a fórmula italiana, “in camera di consiglio”; uma expressiva parcela dos juízos derivados do processo falimentar e dos outros procedimentos concursais; os juízos de responsabilidade contra os administradores, os diretores e os liqüidantes das sociedades e outras controvérsias

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que tenham por objeto relações societárias; os juízos de divisão das comunhões; os juízos para fazer valer a responsabilidade civil do juiz, além dos juízos de apelação e aqueles remetidos, em razão da matéria, a particulares seções especializadas constituídas junto aos tribunais. Em conclusão, o legislador italiano adequou-se à tendência em favor do juiz único que, no entanto, quando não é plenamente realizada, é sempre mais difusa; uma tendência que corresponde a exigências não só de celeridade processual mas também de imediação e de identidade do juiz da instrução com o juiz da decisão: fundamentos, como todos bem sabemos, do processo oral. 4. Um discurso mais amplo é necessário para o princípio da preclusão, que levantou inúmeras dúvidas. O legislador italiano de 1990 para o processo ordinário, como o de 1973 para o processo do trabalho, retornou neste aspecto às linhas originárias do código de 1942. Quis, pois, impor a concentração e a completude da defesa, seja do autor, seja do réu: uma exigência, que sabemos difusamente constatada no processo civil moderno. Citarei aqui, particularmente em termos de meditação e reservando-me a algum confronto mais específico, o vosso Código de processo civil nos artigos 282 e seguintes para o autor, e nos artigos 297 e seguintes para o réu. Recordarei também o Codigo procesal civil modelo para Ibero-America, nos artigos 110 e seguintes para a demanda, 120 e seguintes para a contestação e a reconvenção. O tema é, todavia, tão importante e, ao mesmo tempo, tão largamente controvertido que me parece útil antepor, à ilustração das normas italianas, algumas considerações sobre a sorte do princípio da preclusão ou da eventualidade: que foi, de resto, entendido e aplicado de modos muito diferentes. Segundo Calamandrei, aquele é o princípio “ em razão do qual as partes, para não perder a faculdade de fazer valer as defesas processuais e de mérito que possam parecer úteis a sua defesa, antes ou depois, devem propor todas cumulativamente no prazo preclusivo a tal fim assinalado, ainda que qualquer delas, destinada a ser exercitada somente em via subordinada (ou seja, somente na

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eventualidade que as outras defesas alegadas em via principal não sejam acolhidas), não apresente interesse atual no momento em que é proposta”3. A esta formulação muito ampla se contrapôs recentemente, na doutrina italiana, uma mais restrita de Luiso, segundo a qual “é necessário distingüir entre os atos que se colocam em relação conseqüencial, de dependência, um respeito ao outro, e os atos que se colocam entre si em relação de concorrência. O princípio de eventualidade encontra aplicação em relação aos atos que têm por objeto meios de ataque e de defesa concorrentes, meios que poderiam ser utilizados em via sucessiva, um respeito ao outro, a escolha da parte. O princípio de eventualidade impõe, porém, que sejam cumpridos conjuntamente ... Todos os fatos constitutivos devem, portanto, ser alegados conjuntamente; e assim, pois, todas as exceções ... As preclusões, próprias do princípio da eventualidade, não se verificam, ao contrário, em relação aos atos que, pela sua natureza, estão em relação conseqüencial, de dependência. É errado, portanto, entender que o princípio em questão constrinja as partes a antecipar as próprias defesas, na eventualidade que a parte contrária cumpra um certo ato ... A eventualidade ... não diz respeito às atividades do adversário, mas às próprias ... Em resumo, o evento deduzido (por isso a denominação ‘princípio da eventualidade’) é a inidoneidade de qualquer das próprias defesas, não as (futuras, possíveis) defesas alheias”4. 5. Mas, agora pretendo tratar da reforma italiana de 1990 e indagar se e em qual medida aquele princípio tenha sido efetivamente realizado. O conteúdo das normas, relevantes a respeito, pode ser rapidamente exposto. Farei-o tentando, também, um confronto com as normas que me pareçam correspondentes do vosso Código de processo civil: naturalmente em forma dubitativa e como convite ao esclarecimento e ao diálogo. O autor, no ato em que formula a demanda (atto di citazione) não só deve individuar o juiz e as partes, mas também determinar “a

3 Ver Calamandrei, Istituzioni di diritto processuale civile, Padova, 1941, p. 321. 4 Ver Luiso, Principio di eventualità e principio della trattazione orale, in Scritti in onore di Elio Fazzalari, II, Milano, 1993, p. 205 ss., a p. 208-209.

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coisa objeto da demanda” e fornecer “ a exposição dos fatos e dos elementos de direito que constituem as razões da demanda, com as relativas conclusões”, e ainda indicar “especificamente os meios de prova que quis utilizar” ( art. 163 C.P.C. ). Também se a forma da vocatio in jus é diversa, parece-me que a editio actionis corresponde àquela prevista no art. 282 do vosso Código para a petição inicial. Devo acrescentar, todavia, que o código italiano não contém as normas analíticas sobre o pedido e a sua especificação, que se encontram nos artigos 286 e seguintes do Código brasileiro. O ônus da completude das defesas do autor é todavia atenuado, nesta fase inicial, pela norma sobre a nulidade do atto di citazione (art. 164 C.P.C.). Este ato é nulo, dentre outros casos, se “falta ou resulta absolutamente incerto” o objeto da demanda ou “se falta a exposição dos fatos” que a sustenta. Mas o juiz, relevada a nulidade, “fixa ao autor um prazo peremptório para renovar o atto di citazione ou, se o réu compareceu, para integrar a demanda”. Neste caso todavia “permanecem as decadências ocorridas e ressalvados os direitos adquiridos antes da renovação ou da integração”. Aqui parece-me que a comparação deva ser feita com o teor da emenda da petição inicial, prevista pelo art. 284 e com o indeferimento da petição inepta, pela norma do art. 295 do vosso Código, especialmente para o limite posto, ao menos pela norma italiana, da proteção aos direitos adquiridos. O réu, à seu turno, na resposta, deve antes de mais nada “apresentar todas as suas defesas tomando posição sobre os fatos alegados pelo autor como fundamento das demandas, indicar os meios de prova dos quais pretende utilizar-se, juntar documentos e formular as conclusões”(art. 167 C.P.C.); e aqui o pensamento corre aos artigos 300 e 301 do Código brasileiro. Entende-se vigente, também no direito italiano, o princípio da não-contestação: isto é a regra de que os fatos não contestados não têm necessidade de prova. Todavia, o Código italiano não contém, ao menos expressamente, a regra de que “presumem-se verdadeiros os fatos não impugnados” (art. 302 do Código brasileiro): a mesma regra que reencontramos no art. 120 do Código modelo, com a sanção a cargo do demandado, que “su silencio asì como sus

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respuestas ambiguas o evasivas se tendrán como admisión de los hechos alegados en la demanda”. Fica, pois, em aberto a questão de saber se os fatos, não contestados no curso da fase preparatória, podem ser contestados sucessivamente. Isto é, aqui se pergunta, em falta de expressa preclusão, se a contestação pode ser apresentada sucessivamente (como entendo) em qualquer momento até o encerramento da instrução ou (segundo outros) até ao término da primeira audiência “di trattazione” ( da qual falarei dentro em pouco ) fazendo surgir a necessidade de prova. O ponto crítico é dado porém do ônus, imposto ao réu, de apresentar “sob pena de decadência” na resposta “as eventuais demandas reconvencionais e as exceções processuais e de mérito que não sejam conhecíveis de ofício ” ( art. 167, parágrafo 2º ). Um regime rígido de preclusões, não só para as demandas reconvencionais, mas também para as exceções em sentido estrito. As demandas reconvencionais, naturalmente, poderão ser autonomamente apresentadas em processos distintos, e - se conexas - poderão ser reunidas àquela originária. Ficarão, em vez disso, preclusas as exceções processuais, remetidas à exclusiva dedução pelas partes ( por exemplo, as exceções de defeito de jurisdição ex art. 37, parágrafo 2º, de incompetência territorial relativa ex art. 38, parágrafo 2º, de nulidade ex art. 157, parágrafo 2º C.P.C. ou ex art. 164, parágrafo 3º, citado) e as exceções de mérito (ou seja fatos impeditivos, modificativos e extintivos do direito afirmado pelo autor) que possam ser deduzidas somente pela parte interessada. O pensamento corre - aqui, também, para um primeiro e sumário confronto - ao art. 303 do vosso Código, que limita as novas alegações depois da contestação, e ao artigo 122 do Código modelo, que, depois, de ter previsto o poder do demandado, entre outros, de “plantear excepciones previas, contestar contradiciendo o deducir reconvención”, acresce que “si adoptarà mas de una de estas actitudines, deberà hacerlo en forma simultanea y en el mismo acto”. Fico no direito italiano. Não me fixo sobre as críticas, que de várias partes têm sido expressas a este regime severo, e sobre temperamentos que parece possam ser trazidos, ou pela via legislativa ou talvez pela via da interpretação. Completo, ao

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contrário, a exposição da fase preparatória, e das idéias mestras que a dominaram, fixando-me sobre o papel central que foi atribuído à primeira audiência “di trattazione”, semelhante à audiência prevista pelo novo art. 331 do Código brasileiro. Nesta pois tem lugar, antes de mais nada, o interrogatório livre das partes sobre os fatos da causa e a tentativa de conciliação, e, se esta não ocorre, o juiz deve assinalar às partes as questões conhecíveis de ofício, pelas quais entenda oportuno o debate. Imediatamente depois, na mesma audiência, “o autor pode apresentar as demandas e exceções que são conseqüência da demanda reconvencional ou das exceções apresentadas pelo réu na resposta” (art. 183 C.P.C.). A norma responde à necessidade de consentir ao autor não só uma defesa, mas também um ataque à demanda reconvencional e às exceções do réu. Esta defesa se concretiza, pois, não só na possibilidade de opor exceções à demanda reconvencional, mas também na faculdade de propor demandas “conseqüentes” à demanda reconvencional ou às exceções do réu. Vem aqui estabelecida também a legitimidade da reconventio reconventionis do autor: questão que havia sido objeto de soluções divergentes na doutrina e na jurisprudência sobre a disciplina anterior. Os poderes atribuídos ao autor são, pois, muito extensos; e os mesmos se ampliam notavelmente, acaso se entenda que a reconvenção do autor possa coligar-se não só com as exceções - em sentido estrito ou em sentido lato - apresentadas pelo réu, mas também com as suas meras defesas5. Na mesma audiência “ambas as partes podem precisar e, sob autorização do juiz, modificar as demandas, as exceções e as conclusões já formuladas ”. Difícil é a distinção entre a precisação, livre, e a modificação, sujeita a autorização. Mas a norma é oportuna enquanto não subordina a autorização a “graves motivos”, como acontece no processo do trabalho (art. 420 C.P.C.). Parece clara, pois, a diretiva ao juiz a fim de que autorize largamente a emendatio de demanda, exceções e conclusões. A emendatio poderá parecer oportuna aos defensores não só com base nos resultados do interrogatório e do “colóquio processual” 5 Ver Oriani, L’eccezione di merito nei provvedimenti urgenti per il processo civile, in Foro italiano , 1991, V, 5 ss.

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instaurado, ou de qualquer situação, que justifique o atraso, mas também com base em um repensamento da linha defensiva. Pode existir também a exigência de o réu completar as suas defesas frente às demandas reconvencionais ou às exceções apresentadas pelo autor na primeira audiência de “trattazione”. Com essa finalidade o juiz “concede ao réu, a pedido seu, um prazo peremptório (não superior a trinta dias) para replicar as demandas e as exceções do autor e para apresentar, no mesmo prazo, as exceções que são conseqüência das mesmas demandas” (art. 183, parágrafo 5º, citado). Não é este, no meu entender, um poder do juiz, que possa ser ou não ser exercitado com base em uma valoração de “justos motivos”. É um poder-dever, quando o autor se valha da faculdade de propor demandas e exceções em audiência e o réu requeira a fixação do prazo. Deste rápido exame pode parecer que o novo processo civil italiano tenha acolhido o princípio da eventualidade na sua versão mais restrita. A isto faz seguramente pensar a repetida menção da admissibilidade de alegações tardias somente se conseqüentes àquelas da parte contrária. E todavia a interpretação dada pela doutrina não é unânime. Se alguns autores entendem que existe, ao menos para o réu, o princípio da eventualidade, outros orientaram-se em favor de uma interpretação inspirada ao princípio da “trattazione” oral: admitindo que as partes possam alegar ulteriores fatos, também não dependentes daqueles alegados pela parte contrária, como conseqüência do desenvolvimento dialético do processo. Pessoalmente, entendo que o limite desta regra de concentração e de preclusão não seja estabelecido somente pela noção de exceção em sentido estrito, que uma parte da doutrina italiana tende atualmente a interpretar em modo limitativo. Existem, de fato, atividades que necessariamente ficam excluídas deste esquema rigoroso: pela sua diversa natureza, ou em virtude do princípio de que a preclusão - não diversamente da coisa julgada - cobre o deduzido e o dedutível, mas não aquilo que ainda não podia ter sido deduzido.

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Antes de mais nada, a preclusão atinge o réu só para a dedução dos fatos jurídicos ou principais, ou seja, os fatos modificativos, impeditivos ou extintivos, como atinge o autor só no que tange aos fatos constitutivos do direito deduzido em juízo. Ela não diz respeito aos fatos simples ou secundários, pelos quais pode dessumir-se a existência ou a inexistência dos fatos principais. A sua dedução não faz parte do conceito de exceção em sentido estrito. A preclusão não opera, pois, para as defesas e as contestações, de fato e de direito, e para as exceções lato sensu, ou seja conhecíveis de ofício. Esta última regra, posta expressamente pelo artigo 303 do vosso Código, se extrai a contrariis da norma italiana sobre decadências (art. 167 C.P.C.). O princípio da preclusão não impede, a meu ver, nem menos a dedução de um fato (constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo), que se torne determinante para efeito de uma exceção conhecível de ofício e relevada, pela parte contrária ou pelo juiz, no curso do processo. Em terceiro lugar, para o princípio do “deduzido e dedutível”, as decadências, ligadas à representação (costituzione) do réu ou à primeira audiência de “trattazione”, não impedem a dedução sucessiva de um fato, tornado relevante com base ao jus superveniens, ou dos fatos supervenientes, ou dos fatos conhecidos depois do momento de ocorrência das preclusões. Em particular, os fatos, que fundam exceções conhecíveis de ofício (aquela de pagamento, por exemplo) podem resultar de documentos sucessivamente produzidos, ou da produção das provas: isto é, podem emergir em momentos ulteriores do processo. Aqueles podem ser relevados de ofício, mais tarde, até o momento da decisão, ressalvado o respeito do contraditório das partes. Esta necessária liberdade de deduções reflete-se sobre o terreno probatório. Se contestações ou exceções em sentido lato ou normas ou fatos supervenientes fazem surgir a exigência de deduções instrutórias e, por outra parte, de contra-alegações e de contra-deduções probatórias, estas devem entender-se consentidas. Todas estas atividades encontram um limite natural no momento final da fase instrutória, aquele da “precisazione delle conclusioni” (art. 189 C.P.C.).

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Gostaria de concluir sobre este ponto com uma rápida observação comparatística e uma reflexão. O código italiano não conhece as aberturas às novas alegações, que o art. 303 do vosso Código cumpre, quando sejam relativas a direito superveniente, ou quando por expressa autorização legal puderem ser formuladas em qualquer tempo e juízo. Mas a necessidade que a sentença seja dada com referência às situações de fato e de direito do momento, no qual é pronunciada, faz readquirir ao processo aquela elasticidade, que não pode ser perdida para uma aplicação rigorosa da Eventualmaxime, contrária às exigências fundamentais da justiça civil. 6. Todavia, existe um outro aspecto do novo regime das preclusões, que é preciso assinalar. O legislador de 1990 - inspirando-se na antiga estruturação do processo em fases rigidamente separadas - distinguiu a fase da definição do thema cognoscendum et decidendum da fase da definição do thema probandum. Na primeira têm lugar as alegações dos fatos principais, que estão na base das demandas e das exceções em sentido estrito, e as precisações e modificações das exceções; na segunda são exauridas as deduções probatórias. E de fato, nenhuma decadência, nem qualquer outra conseqüência desfavorável é ligada à falta de indicações dos meios de prova e dos documentos nos atos introdutivos. Não se aplica, neste momento, o princípio actore non probante, reus absolvitur. Delineia-se, ao contrário, uma alternativa. As partes podem considerar completas as instâncias instrutórias desenvolvidas com os atos introdutivos ou com a modificação das conclusões, à primeira audiência de “trattazione” ou no prazo sucessivo fixado. Num caso como este o juiz pode admitir os meios de prova e proceder à sua produção. Se, ao contrário, também uma só das partes entende de dever produzir novos documentos ou indicar novos meios de prova, o juiz deverá conceder igual prazo peremptório a ambas as partes para este fim, e o prazo, sempre comum às partes e sempre peremptório, para a “indicação de prova contraria” ( art. 184 C.P.C. ).

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A lei não atribui ao juiz instrutor poder algum de controle sobre a necessidade de novas provas. Vige, por isso, o princípio de liberdade das deduções instrutórias, todavia nos limites temporais fixados pelo juiz. A prova nova poderá ser admitida quando seja relevante a respeito de qualquer dos temas, introduzidos no processo com a demanda originária ou com as demandas reconvencionais ou com as exceções. Ademais, o meio de prova pode servir também para a introdução no processo dos fatos simples ou secundários. O requerimento do meio de prova implica, de fato, a posição do thema probandum. A fórmula da lei permite às partes introduzir estes fatos também na fase de complemento das instâncias instrutórias (art. 184, parágrafo 2º, C.P.C.). Também com estes temperamentos não podia ser mais claro o destaque do velho modelo de processo desconcentrado, que admitia as deduções de novas provas e a produção de novos documentos, como a apresentação de novas exceções para todo o curso da fase instrutória. É preciso acrescentar que as decadências podem ser superadas com a devolução de prazos, a restitutio in integrum, quando a parte demonstra não ter podido cumprir o ato “por motivo a essa não imputável” (art. 184 bis C.P.C. italiano e art. 183 do Código de processo civil). 7. Posso agora tentar responder rapidamente ao quesito sobre a atual vigência da Eventualmaxime no processo civil italiano, e, mais amplamente, sobre a oportunidade de sua recepção. Parece-me que o princípio continue a aparecer na dúplice e contraditória veste de um fantasma a ser exorcizado e de um mito a ser realizado6. O legislador italiano, segundo me parece, não quis rejeitá-lo completamente, mas

6 Este dúplice posicionamento encontra-se na história do princípio como nas suas aplicações contemporâneas. Ver, para uma nocão do desenvolvimento do princípio da eventualidade e para todos os oportunos referimentos à legislação e à doutrina alemã, Balbi, La decadenza nel processo di cognizione, Milano, 1983, pág. 177, pp. 196 ss., e sobre os posicionamentos da mais recente doutrina daquele País, Prütting, La preparazione della trattazione orale e le consequenze delle deduzioni tardive nel processo civile tedesco in Riv. dir. proc. , 1991, pp. 414 ss., especialmente pp. 424-427. Sobre a exigência do superamento do princípio da eventualidade, advertida nos Países alemães já no século passado, ver também Nörr, Temi fondamentali della riforma del processo civile nell’Ottocento in Germania in Jus , 1974, p. 411 ss., especialmente p. 415. Sobre o tema se pode ver também o meu escrito, Il principio di eventualità nella riforma del processo civile in Scritti in onore di Luigi Mengoni, Milano, 1995, tomo III, P. 2.147 ss.

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sequer tentou uma aplicação parcial, que a doutrina tenda, depois, a mitigar racionalmente. Em linhas gerais, creio que o problema dos legisladores modernos seja o de construir, para o processo civil, uma fase preparatória suficientemente ampla e, ao mesmo tempo, elástica, idônea a acolher a infinita variedade das causas cíveis e assegurar assim, simultaneamente, eficiência e justiça. Somente à luz destas exigências, e nos limites por estas impostas, creio que as preclusões podem ser justificadas. 8. Um dos fenômenos cada vez mais difusos e mais merecedores de consideração, no direito processual civil comparado, é certamente aquele da tutela antecipatória e da sua distinção, cada vez mais acentuada, da típica tutela cautelar7. Sem fixar-me funditus sobre este tema mencionarei somente as novas formas de tutela antecipatória pendente judicio. O problema da admissibilidade desta tutela e dos seus limites já era posto na Itália em matérias específicas, mediante a introdução dos provimentos definidos pela lei como provisórios. Recordarei a ordinanza provvisionale di pagamento no processo do trabalho, a favor do trabalhador, quando o juiz entenda verificado o direito e nos limites nos quais entenda jungida a prova: uma “ordinanza” que é título executivo e pode ser revogada somente com a sentença que decide o mérito (art. 423 C.P.C.). Também no processo contra a seguradora de responsabilidade civil automobilística é prevista uma “ordinanza” a favor do lesado, fundada sobre o seu estado de necessidade, para o pagamento de quatro quintos da presumida indenização. Também esta é revogável somente com a decisão conclusiva do processo (art. 24 da lei nº 990, de 24 de dezembro de 1969). Estes e outros provimentos têm sido classificados na categoria da tutela antecipatória ou interinal. No curso dos trabalhos preparatórios da lei de 1990, discutiu-se amplamente sobre a oportunidade de limitar a tutela antecipatória, 7 Relembro os ensaios recolhidos no volume “Les mesures provisoires en procédure civile”, por mim coordenado, Milano 1985, e na doutrina italiana especialmente Mandrioli, Per una nozione strutturale dei provvedimenti anticipatori o interinali in Rivista di diritto processuale , 1966; Tommaseo, I provvedimenti d’urgenza; struttura e limiti della tutela anticipatoria, Padova, 1983. Na doutrina brasileira, com ampla visão comparatística, Marinoni, Tutela cautelar e tutela antecipatória, ed. Revista dos Tribunais, 1994.

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ou, ao contrário, de favorecer-lhe o desenvolvimento, até a fazer dela uma tutela geral alternativa àquela ordinária: como é substancialmente a tutela assegurada na França e na Bélgica pelo référé e na Alemanha e na Áustria pelas denominadas disposições provisórias (einstweilige Verfügungen). Pensemos agora no novo art. 273 do vosso Código, introduzido pela lei nº 8.952 de 13 de dezembro de 1994: uma norma que me parece muito precisa no indicar os pressupostos, os limites, o conteúdo e a eficácia do provimento com o qual “o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial.” O legislador italiano foi mais cauteloso. Somente dois provimentos específicos foram introduzidos em 1990. 9. O primeiro é a ordinanza per il pagamento di somme non contestate, já conhecida no processo do trabalho: um provimento que o juiz instrutor pode exarar até o momento final da fase instrutória, para dispor, precisamente, o pagamento das somas não contestadas pelas partes constituídas. O pressuposto da representação da parte intimada distingüe claramente este provimento da sentença fundada em revelia que é difusa em muitos ordenamentos e em particular em todos ou quase todos os Países que fazem parte da União Européia (não, também, se bem compreendo, no vosso Código, art. 319, onde a revelia opera só sobre o terreno da prova, reputando-se verdadeiros os fatos afirmados pelo autor e, ressalvadas algumas exceções, leva ao julgamento antecipado da lide). O provimento não encerra o processo, e pode ser revogado até a decisão de mérito; não reduz, por isso, o objeto da causa; não exclui as somas, admitidas como devidas, do tema da decisão; constitui somente um título executivo, que permanece eficaz em caso de extinção do processo (art. 186 bis C.P.C.). A não-contestação foi definida um comportamento processual, que “nasce da un sistema di argomentazioni del defensore o della parte”8: um sistema de argumentações, que se torna relevante não 8 Ver Andrioli, Prova, in Novissimo Digesto Italiano, vol. XIV, pp. 274-75 e para outros referimentos o meu Manuale del processo del lavoro, 3ª ed., Milano, 1987, p. 182.

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no plano probatório, mas naquele das alegações de direito. Não se trata aqui, parece-me, de confrontar a exposição dos fatos do autor e as defesas apresentadas pelo réu, para estabelecer se alguns fatos, afirmados por uma parte, não tenham sido contraditados pela outra. É necessário, entretanto, vislumbrar se a defesa do réu admite, ao menos implicitamente e em parte, o crédito alegado pelo autor. O provimento de pagamento se funda, por isso, num comportamento ativo, não na revelia, na ausência ou também no simples silêncio da parte acionada como devedora. A revogabilidade, pois, se funda sobre o valor limitado e provisório da não-contestação. As preclusões aqui não se operam. O direito, não contestado ab initio, pode ser contestado sucessivamente, em cada momento do processo. A parte contrária terá, então, a exigência de replicar e de formular instâncias instrutórias, e o juiz não poderá impedir-lhe. Em tal caso, cai o pressuposto da “ordinanza”. Por isso, essa poderá ser revogada com base em um juízo in facto et in jure, que deverá então ser cumprido pelo juiz. Será possível uma decisão diferente da causa. A não-contestação do réu não poderá por isso ser equiparada, quanto aos efeitos, ao reconhecimento do pedido, previsto nos artigos 26 e 269 do vosso Código, como em outras legislações processuais. 10. O outro provimento introduzido pela reforma é a ordinanza di ingiunzione: uma “ordinanza”, pronunciada na pendência do processo, que tem os mesmos pressupostos do “ricorso per ingiunzione”, a tempo previsto no nosso código (art. 633 C.P.C.) para a tutela do credor de uma soma de dinheiro ou de uma quantidade determinada de coisas fungíveis, ou de quem tem direito a entrega de uma coisa móvel determinada. É necessário, em ambos os casos, que do direito seja dada “prova escrita” (art. 633, parágrafo 1º, inciso nº 1, C.P.C.): uma prova todavia facilitada em comparação com as provas exigidas para o processo ordinário. Este provimento, através do qual o juiz determina o pagamento de soma ou a entrega de coisa ou de quantidade de coisas pedidas (art. 186 ter C.P.C.), pode ser declarado provisoriamente executivo quando o crédito é fundado em títulos de particular valor, como a

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cambial, o cheque bancário, o cheque ao portador ou o ato público, ou quando existe perigo de grave prejuízo na demora, ou ainda quando a parte contrária representada, resistiu à demanda, mas a sua defesa não é fundada em provas escritas ou de pronta solução. Em todas estas situações (nas quais teria sido possível a injunção ante causam), pode existir este pronunciamento. Todavia, este também pode ser revogado a qualquer momento, naturalmente com base em novas provas ou num diverso juízo sobre os seus pressupostos in jure et in facto. Se o processo extingue a “ordinanza”, se já não a tem, adquire eficácia executiva. A função antecipatória aparece nitidamente também neste provimento, quando seja declarado provisoriamente executivo ou quando seja pronunciado contra parte revel. Neste caso, melhor, à falta de representação do réu dentro de um curto prazo, a “ordinanza” tornar-se-á definitivamente executiva e imutável. Temos aqui, pois, uma forma abreviada do procedimento condenatório. No que concerne a estes provimentos, a lei de reforma entrou em vigor em 1º de janeiro de 1993. Existe, portanto, já uma experiência prática, que indica uma aplicação crescente, não da “ordinanza” de pagamento de somas não contestadas, mas desta “ordinanza di ingiunzione”. Esta permite utilizar a prova escrita tornada disponível somente no curso do processo, ou fornecer uma tutela rápida ao autor que age pela via reconvencional. Estes são, pois, os limites da tutela antecipatória na recente reforma. Existem, porém, outros provimentos em matérias específicas e a tutela geral assegurada pelo provimento de urgência previsto pelo art. 700 do Código de Processo Civil, de sua vez classificado, pelo legislador, entre os provimentos cautelares. 11. Outro aspecto caracterizador daquela parte da reforma, já em vigor desde 1º de janeiro de 1993, é a executoriedade provisória das sentenças de primeiro grau. Querendo colocar no centro do processo de cognição o juízo de primeiro grau e atribuir a este a máxima eficácia possível, a reforma inverteu uma regra, decorrente de uma antiga tradição (art. 282 e art. 337 C.P.C.): a regra pela qual a sentença de primeiro grau não

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era provisoriamente executiva, ressalvado que a provisória execução fosse concedida pelo juiz na presença de particulares pressupostos, pertinentes ao fundamento da demanda, ou a natureza do direito ostentado, ou ao perigo na demora. Agora, ao contrário, “a sentença de primeiro grau é provisoriamente executiva entre as partes”. O legislador transformou, assim ,em regra o que antes era uma exceção. A executoriedade ope legis tinha sido, de fato, limitada a particulares matérias: o contencioso do trabalho, mas somente para as sentenças condenatórias em favor do trabalhador; a matéria falimentar, a relativa ao seguro obrigatório de responsabilidade civil automobilística, o contencioso das locações e ainda outras matérias. Era uma linha de tendência voltada a “privilegiar” alguns direitos. Com a nova regra, foi resolvido de modo radical o problema, que é de grande importância para um igual tratamento das partes nos vários Países; um problema porém que recebe soluções marcadamente diversas também nos Estados da Comunidade Européia. Por exemplo, na França (art. 514 e seguintes, 524, 539 do novo C.P.C.) a sentença de primeiro grau não é executiva de jure, e a apelação tem pleno efeito suspensivo, exceto quando a decisão tenha sido declarada provisoriamente executiva. Na Bélgica (artigos 1.397 e seguintes e 1.414 do Code judiciaire) a parte vitoriosa em primeiro grau, se também a sentença não for provisoriamente executiva, pode obter uma “saisie conservatoire” (um arresto) como garantia da futura execução. Na Alemanha, é possível a penhora com base em sentenças de condenação pecuniária, mas a execução não pode continuar até a venda, se não é prestada caução (§ 720 ZPO). Na Espanha (art. 385 LEC), a execução provisória das sentenças de primeiro grau contra as quais tenha sido interposta apelação, é consentida dentro dos limites fixados pela lei ou confiados à valoração do juiz, somente com a prestação de caução. É evidente a necessidade de uma regra uniforme no ordenamento comunitário, para evitar uma proteção desigual do crédito e fenômenos possíveis de forum shopping por parte do devedor. De fato, este, em promovendo uma ação declaratória negativa do crédito, daria lugar à litispendência, também para a sucessiva ação condenatória promovida pelo credor, nos termos do

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art. 21 da Convenção de Bruxelas e da ampla noção de litispendência internacional acolhida pela Corte de Justiça da Comunidade Européia. Mas esta é “música do futuro”. Permanecendo no direito italiano, é preciso que se definam quais sentenças sejam executivas. As opiniões não são unânimes. São executivas, certamente, as sentenças condenatórias. É, ao contrário, duvidoso se o sejam as sentenças meramente declaratórias. Creio que a dúvida deva ser resolvida em sentido negativo, quando à declaração não se conectem outros efeitos. A “autoridade” das sentenças declaratórias, quando forem invocadas em um diverso processo e forem concernentes a causas prejudiciais, é independente da executoriedade e pode determinar a suspensão do processo dependente, se a sentença é impugnada (art. 337, parágrafo 2º C.P.C.). Discute-se também se a provisória executoriedade respeita às sentenças constitutivas. Entendo preferível, como regra geral, uma resposta positiva. É necessário considerar que a sentença constitutiva cria situações novas, que a executividade é capaz de antecipar relativamente ao julgado e, pois, muitas vezes é a base de uma pronuncia conseqüente condenatória. Imagine-se, por exemplo, a resolução do contrato por inadimplemento e a condenação ao ressarcimento dos danos. A solução oposta, portanto, poderia colocar em perigo também a executividade provisória desta condenação. Naturalmente isto pressupõe que a executoriedade não seja equivalente à idoneidade da sentença a constituir título executivo: idoneidade, que deve ser reconhecida somente às sentenças condenatórias que comportem a possibilidade de execução forçada. Este regime tem o seu temperamento na suspensão da execução em grau de apelação. Anteriormente o efeito suspensivo era normal e com maior razão qualificante da apelação. A executividade ope legis comportou a dissolução desta regra e a equiparação, sob este ponto de vista, da sentença de primeiro grau às sentenças tidas em grau de apelação ou em único grau.

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Portanto “a execução da sentença não é suspensa quando contra ela houver recurso” (conforme o novo art. 337, parágrafo 1º do C.P.C.). Mas o juiz do recurso “a requerimento da parte, interposto com o recurso principal ou com o recurso adesivo, quando ocorram graves motivos, suspende, total ou parcialmente, a eficácia executiva ou a execução da sentença recorrida” (novo art. 283 C.P.C.). A suspensão pode, por isso, ser total ou parcial. A executividade da sentença pode ser reduzida também a uma parte da condenação, ou a uma das partes da sentença, quando esta tenha decidido sobre mais demandas. A suspensão incide, pois, sobre a “eficácia executiva” ou sobre a “execução” da sentença. Esta pode, portanto, ser requerida seja antes do início do processo executivo, seja quando este já esteja em curso. A suspensão, enfim, pode ser concedida por “graves motivos”: fórmula ampla, que permite ao juiz do recurso valorar sumariamente até que ponto seja fundado o recurso, bem como o perigo que da execução possa derivar para o sucumbente um grave dano, ainda que não irreparável. 12. Ainda, uma menção, ao menos, à profunda modificação da apelação. Esta permanece o meio ordinário de recurso contra as sentenças de primeiro grau: não limitada a controle de vícios específicos, mas dirigida a provocar um reexame no mérito da causa. A apelação conserva, portanto, o seu fundamental efeito devolutivo (tantum devolutum quantum appellatum; e recordo também a expressa previsão do art. 515 do Código de Processo Civil Brasileiro). Foi estabelecida, porém, a proibição radical não só de novas demandas, mas também de novas exceções: a proibição de inovar, à qual o vosso Código, no art. 517, cria uma exceção, para as questões de fato, somente se não tenham sido levantadas em primeiro grau, por motivo de força maior. Também os novos meios de prova não são admitidos, exceto se o juiz do recurso de apelação “não lhes entenda indispensáveis aos fins da decisão da causa ou que a parte demonstre não lhes ter

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proposto no juízo de primeiro grau por motivo a ela não imputável”. Tudo isto transforma a função do juízo de apelação de novum judicium a revisio prioris instantiae. Também a estrutura do processo foi profundamente modificada. O juiz instrutor foi eliminado. O processo se desenvolve, desde o início até o fim, perante o colegiado. Das regras da oralidade permanece portanto, neste grau, somente a identidade do juiz para todo o curso do processo e - pelo menos nas intenções do legislador - a concentração do desenvolvimento processual. Falta, porém, o contato imediato entre o juiz e as partes, cujo comparecimento e oitiva são simplesmente facultativos, e de fato não têm lugar nem mesmo no recurso de apelação do processo do trabalho. Falta, normalmente, a relação direta entre o juiz e a prova. O juízo recursal de apelação acentuará, portanto, o caráter de simples controle sobre o juízo de primeiro grau, que já antes freqüentemente possuía. À apelação, porém, é mantido também o efeito substitutivo da decisão de primeiro grau. Permanecem excepcionais e taxativos os casos de simples anulação da sentença e restituição da causa ao juiz de primeiro grau. 13. Concluo este discurso já demasiadamente longo. Não se pode prever os efeitos de uma lei que acabou de entrar em vigor. Os problemas mais graves da justiça civil, pelo menos na Itália, dizem respeito, de outra parte, não à estrutura, mas à duração do processo; dizem respeito aos tempos de espera, aos “tempos mortos”, muito mais que aos tempos de desenvolvimento efetivo do juízo. A sua solução depende, portanto, em grande parte, da organização das estruturas judiciárias e não das normas do Código de Processo Civil. A aceleração da justiça não poderá, portanto, ser assegurada somente com a nova lei ou com a revisão de todo o processo civil italiano, que está atualmente em estudo. Não obstante tudo isto, é necessário perguntar-se qual orientação dos operadores do processo pode ser útil ao sucesso da reforma.

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Nesta perspectiva, se pode esperar que o processo, sem perder os caracteres queridos pelo legislador, mantenha aquela elasticidade que é necessária para um tratamento diferente das causas simples e das causas complexas: distinção que não é nova e que está, pelo contrário, no centro da atenção da doutrina internacional9, mas que não é sempre adequadamente considerada pelos redatores das reformas processuais. Ocorre, em resumo, um uso racional, e também efetivo, dos poderes do juiz. A rapidez, tão freqüente e inutilmente esperada, deve existir em função da decisão e não do sufocamento do debate. O papel “ativo” do juiz deve ser, antes de tudo, aquele de um partícipe do diálogo processual. A sua mediação é esperada não para limitar os poderes das partes, mas para assinalar os temas do debate conhecíveis de ofício (como já previa uma disposição, até agora não aplicada, do nosso Código de Processo Civil) e para evitar decisões surpresas. Existe, em uma palavra, a exigência de recolocar o juiz no centro do fenômeno processual: não para um exercício solitário de autoridade, mas nem para uma aplicação burocrática de esquemas processuais pré-fabricados. Ele deve, isto sim, conduzir o processo no diálogo e no contraditório com as partes. Esta obrigação do juiz ao contraditório, expressa pelas legislações mais modernas10, continua infelizmente a encontrar resistência no sistema positivo e ainda mais na praxe do processo civil italiano. Somente assim, creio, poder-se-á assegurar, na Itália e em qualquer outro lugar, o sucesso do programa de “humanidade do novo processo civil”, que Redenti traçava depois da publicação do código de 194211, e que não pode ser separado do programa de

9 Ver P. H. Lindblom et G.D. Watson, Courts and Lawyers facing complex litigations problems, conferência ao IX Congresso mundial de direito processual, Coimbra-Lisboa, 25/31 de agosto de 1991, pp. 541 ss; ver Fairèn Guillèn, Ensayo sobre procesos complejos, Madrid, 1991. 10 Pela expressa sanção deste dever do juiz ver o § 278 (3) ZPO da República Federal da Alemanha, no texto adotado com a reforma de simplificação de 03 de dezembro de 1976, e sobre isso Grunski, L’accelerazione e la concentrazione del procedimento dopo la novella che semplifica il processo civile in Germania, in Rivista di diritto civile, 1978, I, p. 366 ss., a p. 375. Veja-se também o artigo 16 do novo C.P.C. francês, que obriga ao juiz de “fazer observar e observar ele próprio o princípio do contraditório”; sobre os desdobramentos desta norma, ver Perrot, Il nuovo e futuro codice di procedura civile francese, in Rivista di diritto processuale, 1975, p. 288 ss., e Il nuovo codice di procedura civile francese (continuazione ... in attesa della fine), in Rivista di diritto processuale, 1976, p. 281 ss. 11 Ver Redenti, L’umanità nel nuovo processo civile, in Rivista di diritto processuale civile, 1941, I, p. 25 ss.

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eficiência, proclamado sempre, nestes anos, no nosso mundo, perante a crise geral da justiça civil12.

12 No texto da conferência afirmei que eram esperadas alterações à lei de 1990 sobre alguns pontos importantes, em particular para o regime das preclusões. Na realidade, em 21 de junho de 1995, o Governo italiano aprovou um decreto-lei ( nº 238, publicado na “Gazzetta Ufficiale della Repubblica Italiana”, nº 144, do mesmo dia), como tal imediatamente eficaz, para algumas modificações urgentes do Código de Processo Civil: um decreto-lei, que deverá ser convertido em lei pelo Parlamento dentro do prazo de sessenta dias da sua publicação. Nesse texto, que deriva dos trabalhos da Comissão revisora do Código em sua totalidade, reduz-se, antes de tudo, a competência do juiz de paz, com exclusão dos processos de embargo contra as aplicações de sanções administrativas (art. 1º) e acrescenta-se a competência do “pretore” às causas até o valor de cinquenta milhões de liras (art. 2º). Distingue-se, depois, a audiência de primeiro comparecimento das partes da primeira audiência “di trattazione”, que torna-se assim uma segunda audiência (arts. 4º e 5º). A primeira é uma audiência destinada ao controle do juiz sobre a regularidade do contraditório e aos provimentos destinados ao saneamento do processo (por exemplo: renovação ou integração da demanda; notificação desta ou integração do contraditório no caso de litisconsórcio necessário). O juiz, depois, pode na mesma audiência autorizar às partes o oferecimento de ulteriores argumentos de defesa (o que será justificável particularmente nas causas complexas) e, em qualquer caso, tem que fixar a data da primeira audiência “di trattazione” (a verdadeira audiência preliminar, como aquela prevista pelo artigo 331 do Código brasileiro); tem que fixar também um prazo peremptório, de pelo menos vinte dias antes desta nova audiência, no qual o réu pode deduzir as exceções processuais e de mérito que não possam ser conhecidas de ofício. O prazo peremptório para estas defesas não mais se exaure na primeira oportunidade para a resposta, que deveria ser apresentada pelo menos vinte dias antes da primeira audiência “di trattazione” (veja-se a alteração do art. 167 do C.P.C., dada pelo art. 3º do decreto-lei), mas é prorrogado ex lege a este momento, de maneira que premite-se uma defesa completa do réu no curso da fase preparatória e não obrigatoriamente no seu início. Realiza-se, assim, de melhor modo o princípio do contraditório. Desaparece também a distinção do regime entre a precisazione e a modificazione das conclusões: ambas são livres às partes na primeira audiência “di trattazione”, sem necessidade de uma autorização do juiz. É um reconhecimento da liberdade das partes nas alegações durante a fase preparatória, porém dentro da sequência lógica que já indiquei. Uma novidade (não uma alteração, mas uma inovação) diz respeito à tutela antecipatória. Esta estende-se com a introdução de uma “ordinanza successiva alla chiusura dell’istruzione” (um provimento depois do encerramento da fase de instrução) que pode ser pronunciada pelo juiz, a requerimento da parte, nas causas que têm por objeto a condenação ao pagamento de somas ou à entrega de coisas (art. 186-quater do Código, inovado pelo art. 7º do decreto-lei). O provimento é título executivo, mas a parte intimada pode declarar a sua renúncia à sentença, tornando-se de tal modo o provimento em uma sentença imediatamente recorrível. O resultado esperado é o de abreviar os longos tempos para a publicação da decisão final, determinados pela necessidade de uma ampla motivação da sentença. Esta é uma medida “antecipatória final”, que os magistrados esperavam e que se aplicará também aos processos pendentes (mais de dois milhões e quinhentos mil processos), que constituem um considerável atraso da justiça civil, aos quais, no que concerne ao resto, continuarão a ser aplicadas as velhas regras processuais.