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    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ALAGOAS - UNEAL

    CURSO DE LETRAS

    Antonio Carlos Pereira Pacheco

    A MSICA DOS BEATLES E O DISCURSO DE UMA GERAO

    ArapiracaAL

    2014

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ALAGOAS UNEAL

    CURSO DE LETRAS

    Antonio Carlos Pereira Pacheco

    A MSICA DOS BEATLES E O DISCURSO DE UMA GERAO

    Monografia exigida como requisito parcialpara a obteno do ttulo de graduado emLetras/Ingls e suas respectivas literaturas

    pela Universidade Estadual de Alagoas UNEAL, sob orientao do Professor Me.Ronaldo Nobre Leo.

    Arapiraca-AL

    2014

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ALAGOAS UNEAL

    CAMPUS I

    A MSICA DOS BEATLES E O DISCURSO DE UMA GERAO

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado como requisito para a obteno do ttulo de graduado emLetras/Ingls e suas respectivas Literaturas pela Universidade Estadual de Alagoas UNEAL, sob aorientao do Prof. Me. Ronaldo de Oliveira Nobre Leo.

    Examinadores:

    _______________________________________________________________

    Prof. Me. Ronaldo de Oliveira Nobre Leo

    (Orientador)

    _______________________________________________________________

    Prof. Me. Delma Cristina Lins Cabral de Melo

    _______________________________________________________________

    Prof.Me.Rosngela Nunes de Lima

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    AGRADECIMENTOS

    Gostari a de agradecer pr imeiramente aos meus pais que,

    apesar da falta de incentivo para com os meus estudos terem sido

    proporcional cobrana feita, sempre me colocaram nas

    melhores escolas, me proporcionando uma educao no mnimo

    respeitvel.

    Agradeo a mim que, para a concluso deste trabalho

    cientfico, no interpelei por clar ividncia a um dos milhares de

    deuses possveis, uma vez que julgo, no afdo meu agnosticismo,

    egosmo de ambas as par tes, posto que o auxlio de tal Fora

    Super ior dever ia ser di recionado aos que realmente precisam.

    Tenho famlia, amigos e um prato de comida todos os dias. Numa

    fasca Behavior ista, agradec-L o impl ica em reforar o

    comportamento errneo de um Ser Superior que poder ia

    aproveitar o tempo perdido me ajudando a redigir este trabalho

    para cuidar daqueles que, apesar do visvel sofr imento, considera

    ter um benevolente plano divino guardado.

    Por fim, agradeo minha irm, que me deu o semblante

    de um li ndo sorr iso com a chegada de meu sobrinho, Vincius

    Henr ique. A sua vinda me deu incenti vo e alegrias que s o meu

    corao hoje sabe. Seu choro o meu choro, sua alegria a

    minha alegria e seu abuso, querendo ser o dono da razo, oresultado do sangue da nossa famlia correndo por suas veias.

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    EPGRAFE

    And in the end, the love you take is equal to the love you make.

    (John Lennon & Paul McCartney)

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    SUMRIO

    INTRODUO.......................................................................................................................08

    1 AS MUDANAS CULTURAIS DOS ANOS 1960 NO MUNDO ...................................10

    1.1AS MUDANAS CULTURAIS DOS ANOS 1960 NO BRASIL....................................13

    2 O ROCK COMO PORTA-VOZ DAS MUDANAS COMPORTAMENTAIS DA

    JUVENTUDE..........................................................................................................................15

    3 A ANLISE DO DISCURSO DE LINHA FRANCESA..................................................21

    3.1 AS REVOLUES DE UMA POCA INSCRITAS NAS MSICAS DOS BEATLES:

    AMOR.......................................................................................................................................25

    3.2 SEXO..................................................................................................................................27

    3.3 DROGAS............................................................................................................................30

    3.4 POLTICA..........................................................................................................................33

    CONSIDERAES FINAIS.................................................................................................37

    REFERNCIAS......................................................................................................................39

    ANEXOS .................................................................................................................................41

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    RESUMO

    Este trabalho de concluso de curso tem como objetivo analisar as influncias e sentidos de

    algumas canes dos Beatles analisadas sob a perspectiva de seus autores, em que as

    interpretaes de suas msicas foram feitas a partir da Anlise do Discurso de linha

    francesa. Esta pesquisa de cunho bibliogrfico, tendo como referencial terico os estudos

    do discurso de Pcheux, Foucault e Althusser, que tratam do Discurso, Ideologia, Sujeito,

    Sentido e suas condies de produo nas msicas dos Beatles com enfoque no amor, sexo,

    drogas e poltica.

    Palavras-chave: Anlise do Discurso, Beatles, Ideologia, Sujeito discursivo.

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    INTRODUO

    Entre um grande universo de msicos e bandas que tambm forneceram e fornecem

    grande aparato para o tema abordado neste trabalho de concluso de curso, a banda inglesa The

    Beatles foi escolhida por ter sido pioneira em um especfico trajeto que at ento era pouco

    explorado desde Elvis, em que msicas e letras o levaram em direes pouco conhecidas

    influenciando muitos outros msicos. Questes culturais e polticas foram analisadas em suas

    canes, alm da visvel influncia refletida na juventude. Suas msicas contm uma atualidade

    sobre o mundo, de forma que so constantemente regravadas nos mais diversos idiomas. A

    banda vendeu mais de um bilho de discos e a cano Yesterday a msica mais regravada domundo, figurando no Guinness World Records.

    Esta pesquisa buscou investigar, atravs de alguns pressupostos da Anlise do Discurso

    da linha francesa, trechos de canes compostas pelos Beatles e de como os fragmentos

    discursivos das letras se relacionam com as temticas aqui apresentadas. De forma a dar suporte

    s interpretaes das letras das canes aqui apresentadas, foi feito o uso de bibliografia

    especifica sobre as condies do sujeito ingls, especificamente os membros da banda, de forma

    que os argumentos aqui apresentados estejam em conformidade com os pressupostos

    lingusticos.

    A partir de estudos feitos sobre os anos 1960 no Brasil e no mundo, podemos concluir

    que o grande nmero de manifestaes, movimentos sociais e guerras foram importantes para

    o despertar intelectual dos jovens no mundo, e que a msica foi e continua sendoum dos

    mais importantes canais de comunicao e protesto. Vimos que o Rock e seu estilo contagiante

    serviram como desabafo e denncia nas mais diversas pocas, pelas mais diferentes pessoas epelos mais diferentes objetivos. A banda The Beatles foi escolhida como objeto de estudo desta

    monografia por vrios fatores, tais como: a idade de seus integrantes, que eram jovens adultos,

    no incio do sucesso e da fama, o discurso da banda que evolua conforme seus membros

    amadureciam e as comoes e os fatos sociais de sua poca, sempre marcada por mudanas.

    Tais caractersticas demonstram o interesse e a pertinncia da anlise de suas canes para o

    presente trabalho.

    Neste trabalho, em seu primeiro captulo, procuramos abordar o panorama das

    mudanas culturais que aconteceram no mundo nos anos 1960, poca que marcou a gerao

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    dos Beatles pelos mais diferentes movimentos contraculturais e que mudaram as perspectivas

    tradicionais da juventude impulsionados por fatores sociais e polticos como a liberdade sexual

    e as questes polticas.

    No segundo captulo procuramos inserir as revolues culturais e sociais nos

    movimentos ligados msica nos EUA. O Rock and Roll conseguiu contagiar todas as classes

    sociais com seu jeito rebelde e insinuador, fazendo ento surgir a cultura popular jovem. A

    msica surge como grande catalisador das mudanas comportamentais nos adolescentes que

    agora fugiam das amarras tradicionalistas de seus pais e ansiavam por uma maior liberdade para

    expressarem e tomarem suas prprias decises. No diferente da perspectiva americana, o

    Brasil tambm foi influenciado pelas correntes estticas musicais de grupos como a Tropiclia,

    que visava o rompimento da viso nacional-popular da esquerda promovendo uma nova

    esttica; e a Jovem Guarda, movimento que aproximou mais os brasileiros do estilo roqueiro

    americano. nesse momento que rompemos barreiras inserindo novos elementos na nossa

    cultura musical, desempenhando um forte papel social sob o manto da ditadura militar.

    Como forma de reforar o estudo analtico das msicas apresentadas neste trabalho, o

    terceiro captulo fornece conceitos importantes para o entendimento dos elementos que

    possuem razes no scio-histrico e ideolgico das msicas que foram analisadas e que possuemuma forte ligao com o rock e com as transformaes culturais resultantes do mesmo.

    abordada a questo do sujeito inserido no Discurso e como o mesmo se materializa na forma de

    textos, inserindo-se na histria de forma a produzir sentido. Em algumas canes, aps

    esclarecidos esses pontos, fazemos uma rpida anlise de temticas como: amor, sexo, drogas

    e poltica, de forma a entender as revolues, sentimentos e condies que propiciaram o

    aparecimento de tais discursos na msica dos Beatles no decorrer de uma dcada, passando,

    inicialmente, da juventude imatura da banda a adultos mais crticos e mais politizados e que sepreocupavam com questes como a sociedade, a cultura, o espiritual e outros aspectos polticos

    do seu tempo.

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    1 As mudanas culturais dos anos 1960 no mundo.

    O perodo compreendido entre 1 de janeiro de 1961 e 31 de dezembro de 1970 marcou

    profundamente as geraes seguintes. Junto com a dcada de 1960, vrios acontecimentosmodificaram as estruturas vigentes ao redor do globo dando uma nova perspectiva poltica,

    cultural e sexual ao cotidiano das pessoas. Tal poca foi marcada pelos movimentos

    contraculturais, resistncia e mudanas radicais na poltica, assim como grandes revolues

    comportamentais com movimentos civis a favor de negros, homossexuais, feminismo, hippies

    e revolues governamentais. Os jovens j no se espelhavam mais em seus pais, ou seja, se

    negavam a manter as tradies da dcada anterior, e lutavam para ganhar seus espaos na

    sociedade ao invs de sujeitar-se a ela, forando a vigente situao a adaptar-se aos seus estilos.Foi essa contracultura, fruto de contestaes dos jovens da poca, que impulsionou a atitude

    necessria para a igualdade onde todos, independente de credo, raa ou condio social,

    pudessem se expressar por direito. Era, na viso de Pereira,Um certo modo de contestao, de enfrentamento diante da ordem vigente, decarter profundamente radical e bastante estranho s foras mais tradicionaisde oposio a esta mesma ordem dominante. Um tipo de crtica anrquica esta parece ser a palavra-chaveque, de certa maneira, rompe com as regrasdo jogo em termos de modo de se fazer oposio a uma determinada situao(PEREIRA, 1986, p.20)

    Nessa mesma dcada temos como grande exemplo Martin Luther King Jr, um pastor

    protestante e ativista poltico que foi um dos mais importantes lderes dos direitos civis dos

    negros nos Estados Unidos. King era conhecido por seus protestos pacficos de amor ao

    prximo, caractersticos da poca. Em uma situao avessa, King estava voltando a Memphis

    por causa da onda de violncia que assolava a paralizao de funcionrios negros da limpeza

    pblica, que lutavam por melhores salrios e condies de trabalho, onde manifestantes

    entraram em confronto com a polcia deixando vrios feridos. Um dia depois o mesmo foi

    assassinado no hotel onde estava hospedado.

    A contracultura foi essencial para o desenvolvimento da poca. Sua evoluo abriu

    diferentes estgios de percepo nas pessoas que buscavam um maior entendimento de suas

    vidas e papis no mundo numa tentativa de se libertarem das amarras tradicionais

    especialmente a religiosa e a familiare aproximar todas as pessoas, especialmente os jovens,

    de todo o mundo. Como resultado, temos um conflito engajado no prprio sistema.

    A contracultura estabelecera uma espcie de guerrilha cultural dentro doprprio sistema; um movimento espontneo e insinuante que, se apossando

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    dos meios de comunicao de massa ou criando uma imprensa alternativa,conquistou adeptos por toda a parte e ameaou colocar a utopia no poder,estabelecendo o poder das flores (flower power) (BRANDO; DUARTE,2004, p.51).

    Essa guerrilha foi fruto de um choque com a cultura oriental, na qual havia o uso de

    drogas como instrumento de meditao e um forte lado espiritual. A aparncia dos jovens da

    poca, com cabelos longos, roupas coloridas, misticismo, msicas e drogas, apresentava um

    panorama que refletia a transio da sociedade. Segundo Pereira (1986, p.8) o fenmeno

    comeou a se espalhar e a configurao de contracultura encontrou foras nos meios de

    comunicao em massa. Uma das caractersticas marcantes dos movimentos de protesto era a

    pacificidade dos mesmos aliada a toda comoo que conseguiram alcanar, um envolvimentosocial que explodiu no corao das sociedades industriais mais avanadas. O desejo de mudana

    emanado dos jovens que eram muito mais que suas simples vestimentas, era uma tentativa de

    ruptura do sistema vigente. Ainda que roupas e grias no fossem desprezveis aos olhos da

    sociedade, no se pode atribuir toda magnitude do fato moda, pois a contracultura foi uma

    transformao histrica, e essa mudana radical de visual e penteados nos possibilitam a

    analisar o comportamento dessa gerao ao adotarem um estilo que era condenado por seus

    pais. Segundo Pereira, o comportamento transgressor est relacionado aquisio de uma

    conscincia etria (PEREIRA, 1986, p. 10), ou seja, de pertencer a uma certa comunidade.

    De certa forma podemos dizer que a mdia tambm influenciou o uso de drogas entre os

    jovens uma vez que grandes intelectuais da poca como Timothy Leary e Aldous Huxley

    defendiam o uso de substncias alucingenas com o objetivo de se livrar das limitaes da

    mente racional. Na viso dos jovens, a experincia psicodlica era parte integrante do dia a dia

    da vida cultural dos anos sessenta, abrindo brechas na moral imposta pela moral burguesa.

    Grandes indagaes de relevncia social podem ser constatadas, como podemos notar, nacitao abaixo:

    Se, por um lado, acreditamos que o modo de conscincia normal ou dominante irracional ou imoral, produzindo evidentes prticas imorais como opreconceito racial, a guerra injustificada e a destruio do meio ambiente;ento a concluso parece ser que ns estamos, em um sentido mais amplo,moralmente obrigados a produzir e ocupar estados alternativos da conscinciaque podem contra-atacar o estado normal, no produzindo esses resultados(ZIGLER, 2007, p. 165)

    Enquanto de um ponto de visto sociolgico o uso de drogas era encarado como problema

    comportamental, para os jovens era uma forma de se libertarem da viso antiquada de seus pais,

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    e seu uso era desprovido de vergonha e vinculado ao estado de vivncia em que se encontravam.

    Tais estados de torpe nos remetem tambm questo sexual na qual se v a fuga dos

    pressupostos da moralidade crist.

    Tais fatos criaram, para uns, uma viso de anarquia e vandalismo, ao passo que, para

    outros, liberdade e bem estar, na procura do que consideravam pertinente ao seu modo de vida.

    Essa postura de vndalos e rebeldes teve grande influncia do cinema. James Dean, considerado

    um modelo de resistncia e rebeldia aos valores tradicionais, em filmes como Rebelde sem

    causa e Juventude transviada foi imortalizado por este ltimo que fora lanado quatro dias

    aps a sua morte num acidente de carro em 1955.

    Tudo que era preciso para a produo de um mito e sua permanncia foradeixado por James Dean: Imagens dos seus filmes, fotos e textos sobre ele.Um fenmeno constitudo a partir do desejo coletivo da juventude, umaconfirmao de que algo de significativo ele representou, sendo preciso queisso continuasse vivo. Ele deixou algo em que a juventude pudesse reconhecera si prpria como a fora vital independente, no interior de uma sociedaderepressora (BRANDO; DUARTE, 2004, p.24).

    Eric Hobsbawn (1995) afirma que os jovens se reconheciam a partir de seus dolos que

    fizeram grandes acontecimentos e marcaram a histria ainda em sua juventude. Inspirados por

    suas atitudes excntricas, eles contagiaram as pessoas e solidificaram seus lugares perante umanao que deixaram no auge de suas carreiras, em pleno furor da juventude, como o caso de

    Jimmy Hendrix, Jim Morrison e Janis Joplin. Podemos observar que essa idolatria no advm

    apenas do prazer em assistir e maravilhar-se com demonstraes ntidas de prazer, liberdade e

    felicidade, mas de um desejo de vivenci-las e tom-las para si. a juventude como estgio

    final de amadurecimento, e no a fase adulta.

    A radicalizao poltica dos anos 60 [...] foi dessa gente jovem, que rejeitavao status de criana e mesmo de adolescentes (ou seja, falamos de adultos aindano inteiramente amadurecidos), negando ao mesmo tempo humanidade plenaa qualquer gerao acima dos trinta anos de idade (HOBSBAWN, 1995,p.318).

    O slogan da dcada de 1960: No acredite em ningum com mais de trinta anos,

    retrata esse fato, como atesta Hobsbawn, na tentativa de demonstrar a infinitude da jovialidade.

    Como resultado dessas mudanas de comportamento, especialmente o sexual, surge o

    Feminismo na dcada de 1960. Aps a II Guerra Mundial as mulheres passaram a exercer maior

    papel, pois no havia mo-de-obra masculina suficiente para manter a economia estvel. Com

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    isso, podemos observar que a chefia das famlias passa a ser tambm das mulheres, fato

    decorrente do nmero de mortes masculinas na guerra. A soma desses fatores deu impulso ao

    movimento Feminista no qual as mulheres comearam a entrar no mercado de trabalho num ato

    de independncia de seus cnjuges. O movimento Feminista acabou se espalhando pela Europa

    e Estados Unidos, e as mulheres queimaram sutis em praas pblicas como forma de protesto

    contra os antigos padres sociais que as haviam assujeitado.

    1.1 As mudanas culturais dos anos 1960 no Brasil

    Uma vez analisada a contracultura nos Estados Unidos, podemos voltar o nosso

    interesse nos principais aspectos da mesma no que tange ao Brasil. Um fato certo que devemosmencionar que o jovem brasileiro sofria de muitas mazelas sociais. Com um pas em constante

    batalha com fatores adversos como a deficincia do sistema de educao e alto ndice de

    desemprego, a mo de obra tornara-se barata, o que atraiu multinacionais que agravaram o

    quadro de desigualdade social aqui vigente.

    Com o descontentamento geral, vrios jovens engajaram-se no movimento estudantil.

    Martins Filho (1998) afirma que a situao opressiva do assalariado ganhou impulso com oGolpe Militar de 1964, cuja ideologia conseguiu atrair jovens da camada mdia urbana, que,

    dois anos depois, iriam participar do movimento contra o regime militar. Era o jovem brasileiro

    que estava interessado no proletariado do pas, e no apenas na perspectiva de prazer prprio.

    Ativistas catlicos traziam para as entidades estudantis um amplo patrimniode militncia capaz de atingir o estudante mdio e um iderio que procuravaconciliar humanismo cristo e, notoriamente tambm, como observado, o

    marxismo (MARTINS FILHO, 1998, p. 15)

    No obstante, tal fato no implica dizer que quase todos estavam envolvidos com a

    poltica, quando na realidade era apenas a minoria da classe estudantil. Esse perodo difcil teve

    a alcunha de anos de chumbo, quando o ativismo poltico tornou-se perigoso e passvel de

    grande represso. Enquanto a contracultura e toda a sua liberdade vigorava em outros cantos

    do mundo, o brasileiro era obrigado a agir escondido de forma a evitar represses e o

    enfraquecimento do movimento estudantil.

    A poltica passou a ser atividade arriscadssima e mesmo a oposio liberalcalou-se por algum tempo. No meio estudantil, onde se recrutaram a maior

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    parte dos quadros da esquerda armada, as novas turmas viviam sob o signo domedo e do vazio poltico. (MARTINS FILHO, 1998, p. 19)

    Os brasileiros encontravam-se em desvantagem perante a crescente represso da

    ditadura militar. Assolados pelo medo, esse trauma poltico acometeu os intelectuais deesquerda e atrapalhou as tentativas de mudana da estrutura social injusta do pas. A censura

    que viria a surgir foi um instrumento de proteo e divulgao do governo, que prezava por

    conceitos como famlia, religio (contexto que inseria o Brasil como um pas moderno e cristo)

    e, claro, tambm buscava monopolizar as vontades do discurso pblico na mdia, jornais e

    demais meios de comunicao de forma que passe a ter a exclusividade da formao de

    significados.

    Entre 1967 e 1968, embasado nos fortes manifestos que ocorreram no pas, surgiu o

    Tropicalismo. Tal movimento transformou as relaes culturais brasileiras atravs de artistas e

    intelectuais, especialmente Caetano Veloso e Gilberto Gil, rejeitando o esquerdismo e dando

    uma nova cara msica popular brasileira.

    Tropicalismo nasceu na confluncia de outras manifestaes artsticas nonecessariamente vinculadas msica, como o trabalho desenvolvido noTeatro Oficina, que girava em torno do resgate das experimentaes

    modernistas, especialmente de Oswald de Andrade (PAIANO, 1996, p. 20-22)

    Numa tentativa de incorporar alguns aspectos da contracultura americana, os artistas

    brasileiros tentaram fazer a juno da forte crtica social ao consumismo desenfreado. De forma

    irreverente, tentavam alertar sobre o complexo panorama capitalista e o quanto o mesmo afetava

    as pessoas que, por sua vez, no pareciam notar o quo imersas estavam em seu sistema. Tais

    fatores deram uma nova perspectiva no s aos conflitos sociais, mas tambm aos polticos e

    econmicos.

    A juno desses fatores transformou a vida do jovem urbano brasileiro num pas

    perifrico assolado pela falta de liberdade que ansiava por mobilizaes. O perodo entendido

    como o pr-tropicalismo marca um momento em que as atitudes do governo eram indiferentes

    s classes sociais. Pobres ou ricos eram diretamente afetados pelas decises do governo. A

    renncia de Jnio Quadros, o golpe militar e a msica irreverentemente crtica fizeram os jovens

    acordarem e lutarem para darem seu abrao na liberdade de expresso antes mesmo de qualquer

    partido poltico.

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    ramos levados a falar frequentemente sobre poltica: o pas parecia beirade realizar reformas que transformariam sua face profundamente injusta ede alar-se acima do imperialismo americano. Vimos depois que no estavasequer aproximando-se disso. E hoje nos do bons motivos para pensar quetalvez nada disso fosse propriamente desejvel. Mas a iluso foi vivida comintensidade e essa intensidade apressou a reao que resultou no golpe.(VELOSO, 1997, p. 63-64)

    Verificamos que o Tropicalismo tinha como pilar a cultura de massa em conjunto com

    a cobertura televisiva, que contribuiu consideravelmente para o alcance do ideologismo vigente,

    onde o sujeito tropicalista afirmava a sua posio como tal e no a revoluo social visada por

    outras linhas dos adeptos da MPB. Segundo Lopes (1999), o sujeito tropicalista coloca-se na

    contramo das correntes principais da msica popular. No pretende ser o playboy da Jovem

    Guarda, mas tambm no se identifica com os apstolos da MPB. Uma possvel reflexo aofato seria que os tropicalistas queriam criar um novo estilo ou ento distorcer a realidade de seu

    tempo.

    Enquanto a influncia que a msica exercia tentava modificar as estruturas, a literatura

    brasileira estava num impasse. Os grandes nomes da poca eram Guimares Rosa e Clarice

    Lispector, mas o pas j no conseguia superar suas obras primas e romper o auge alcanado

    anteriormente com a nova gerao de escritores. Assim, surge uma nova gerao que cria a

    chamada erupo inconformista que rompia com o lirismo e a lgica idealista, dando espao

    para uma literatura voltada cultura de massa. Tal situao gerou a expanso da crtica literria

    com a ampliao da classe mdia, crescimento da classe universitria e o pleno

    desenvolvimento do mercado editorial, induzindo a uma procura de explicaes e anlises da

    literatura que viviam em sua poca.

    2 O rock como porta-voz das mudanas comportamentais da juventude.

    A dcada de 1950 nos EUA produziu uma mistura inusitada que viria a ser um dos

    maiores fenmenos da msica em todos os tempos: o rock and roll. Originrio da mistura do

    rhythm and bluese o country, ganhouenorme popularidade com nomes como Chuck Berry,

    Elvis Presley, Buddy Holly e Little Richard . Primeiramente concebido como um ritmo

    caracterstico dos negros, o rock contagiou todas as diferentes classes sociais com seu ritmo

    marcante e nico, fazendo os jovens deixarem de lado o modelo cultural de ento e comearem

    e desenvolver seu estilo prprio.

    (...) Segundo alguns autores, o rocknroll funcionou como uma inverso psicolgica na relao dominador (branco) /dominado (negro) que prevalecia

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    na sociedade norte-americana. A cultura promovida pela juventude, a partirdo rocknroll, seria uma forma de os jovens de classe mdia branca secolocarem como oprimidos em relao sociedade estabelecida por seus pais,assumindo, mesmo que inconscientemente, certos valores da cultura negracomo bandeira (BRANDO&DUARTE, 2004, p.20).

    Com uma natureza de sensualidade em suas letras e msicasincluindo a maneira de

    danaro rock and roll indiscutivelmente no agradava aos pais tradicionalistas dessa gerao

    cujos filhos viraram consumidores desse ritmo em uma sociedade preocupada com a moral e

    os bons costumes. Elvis Presley dizia que sua vontade de danar era resultante da msica, como

    se fosse impelido pela mesma. Suas apresentaes ao vivo foram o principal motivo de

    alavancar a sua carreira.

    A partir do seu terceiro show na televiso, l pelos idos de 1957, ele s podiaser focalizado da cintura para cima, j que sua maneira rebolativa de danarera considerada obscena e sua influncia sobre a juventude poderia se tornardesagregadora. Notamos, portanto, a fora dos meios de comunicao e dacensura oficial ou no-oficial, que, ao se tornarem elementos de controle etransformao da cultura, ditam os limites de rebeldia permitidos pelasociedade, para que essa cultura possa ser comercializada sem o perigo deabalar os valores da ordem social estabelecida (BRANDO; DUARTE, 2004,p. 21).

    A imprensa, notoriamente, no queria a plvis de Elvis nos olhos da juventude

    americana. Jack OBrien, em um jornal de Nova Iorque, revela os sentimentos tpicos dos pais

    naquele momento: Elvis Presley rebolava e requebrava com tantos giros abdominais que a

    burlesca Georgia Southern precisaria de muito tempo para imitar tais requebrados. Presley no

    cantava nada, compensava a imperfeio vocal com uma estranha e francamente sugestiva

    dana de acasalamento aborgine (WERTHEIMER 1979, p.26). Apesar das especulaes

    sensualidade emanada pelo cantor, Elvis cantava sobre o amor romntico que tanto estava

    presente nos jovens da dcada. As crticas no detiveram aumento do pblico, mas

    possivelmente surtiram efeito contrrio, aumentando sua fama entre os adolescentes.

    O rock nasceu fruto dessas tenses e revoltas na sociedade. Os americanos tiveram de

    abrir mo de seu tradicionalismo de forma a angariar dinheiro resultante dos shows, discos e

    demais produtos personalizados com os grandes artistas pela indstria da poca. Era o

    desenvolvimento da cultura popular jovem (HOBSBAWN, 1995), precursora de grandes

    mudanas na juventude da dcada de 1960.

    Na era do homem de empresa, na qual os pais trabalhadores se esforavampara ter seu lugar e se conformar, o rock se tornou um catalisador para osadolescentes formarem sua prpria identidade de grupoum companheirismo

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    entre aqueles que gostavam da msica e se identificavam com ela. Muitosjovens dos anos 1950 viam no rock and roll uma expresso de rebeldia e deuma inquietude crescente contra a perceptvel rigidez e banalidade de umapoca dominada por polticos republicanos (...). O rock and roll lhes deu umsenso de comunidade, como dariam os protestos antiguerra da geraoseguinte (PAUL FRIEDLANDER, 2003, p.46).

    Essa mudana de comportamento assustava em especial os pais, e as suas oposies ao

    rock iam alm do comportamento considerado sensual, mas tambm refletia o racismo da

    poca. Era fcil notar que o rock tinha origem negra. O Conselho dos Cidados Brancos do

    Alabama lanou uma campanha para erradicar dos Estados Unidos esse animalstico bop

    negro. Grandes representantes e at mesmo religiosos compartilhavam desses sentimentos

    numa classificao baixa de seus ouvintes, que eram taxados de delinquentes juvenis.

    Em outra perspectiva, os roqueiros viam na msica um escape. Msicos como Bill Haley

    criava canes otimistas que falavam de dana, amor e o estilo de vida de adolescentes. Haley

    tentava mostrar que o seu comportamento no era diferente do mesmo dos seus fs. Era uma

    profunda imerso em criatividade e paixo pela msica. Tal fato pode ser facilmente observado

    na vida e voz de Chuck Berry, que era dotado de uma linguagem potica e criatividade musical

    imensa de narrar os acontecimentos da adolescncia, como diz Paul Friedlander (2012, p.54)

    Suas histrias de luta, amor e dana davam ao ouvinte um pastiche lrico que refletia a primeiratentativa de auto-suficincia da juventude da poca. Chuck Berry era um criador frente de

    seu tempo. Enquanto a maioria escrevia canes de amor, ele escrevia sobre a vida adolescente.

    Sua msica School Days contava o dia a dia de uma escola desde a hora de acordar at a reunio

    com a sua vizinhana. Berry lidava com questes importantes dos adolescentes como o amor,

    carro, trabalho, sexo e famlia.

    Enquanto artistas como Chuck Berry e Bill Haley ficaram famosos com seus coros que

    incitavam os jovens a um comportamento rebelde no agir e no amor, outros encontravam seus

    caminhos tambm no sexo e na obscenidade. Com um estilo de vida polmico, Little Richard

    chocou a comunidade de sua poca com suas atitudes efusivas e letras ambguas. No obstante,

    sua sexualidade pouco possua discrio, alm de seu comportamento bagunceiro, como diz

    Paul Friedlander (2012, p.58) Richard era desordeiro, pregava peas, e era incontrolvel em

    seus anos de juventude. Na adolescncia, ele afirma ter experimentado homens, garotos,

    mulheres e garotas. Algumas das letras de suas msicas tiveram de ser reescritas por serem

    altamente sugestivas ao comportamento sexual, como foi o caso do trecho original de Tutti

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    Frutti: Tutti Frutti, good booty/ If it dontfit, dont force/ Youcan grease it, make it easy1. Era

    a sociedade engolindo o duplo sentido das canes e - talvezgostando dessas referncias.

    Enquanto o rock and roll tentava desmascarar um falso moralismo fruto da cultura faao que eu digo, mas no faa o que eu fao imposta pelos pais, a imprensa conservadora

    continuava a investir contra o mesmo, como afirma Paul Friedlander (2012, p.76) Embora as

    crticas aoitassem o rock como uma forma de msica feita por e para delinquentes juvenis (...)

    simbolizava a rebeldia, a sexualidade e a vitalidade da juventude. Um notrio alvo foi o

    roqueiro Jerry Lee Lewis, que teve revelado o seu casamento secreto com Myra Brown, sua

    prima de terceiro grau de treze anos, sofrendo um golpe em sua carreira que nunca mais o faria

    se recuperar.

    A imprensa britnica, uma instituio conservadora ainda quesensacionalistaem contraste com a americana, crucificou Jerry Lee. Myraera sua prima em terceiro grau, uma criana de quase quatorze anos, e Lewistinha sido um tanto negligente em relao ao divrcio com a sua segundamulher. Nenhum desses problemas teria causado alvoroo em seu Sul rural,mas eles haviam ultrajado o establishmentbritnico (PAUL FRIEDLANDER,2012, p.78)

    Em tal citao podemos perceber a baixa tolerncia da imprensa e sua grande influncia

    na sociedade. A prima de Jerry Lee, pela pouca idade, nos preceitos dados aos adolescentes dapoca, no estava em concordncia com os pressupostos sociais dados aos adolescentes dos

    anos 60. Seu comportamento no era cabvel. Mais do que isso, as igrejas, principalmente as

    fundamentalistas do Sul, viam o rock como msica do demnio. Os roqueiros estavam

    condenados a viver no pecado e serem condenados pela eternidade. Robert Palmer analisa o

    comportamento de Lewis e nos fornece um panorama da viso conservadora do Sul rural.

    Havia uma rebeldia na nova msica rebeldia contra a norma padro que

    permitia que adultos frequentassem cabars vagabundos enquanto osadolescentes deveriam reprimir seus desejos sexuais; rebeldia contra os rostoscheios de sulcos, contra os carros quebrados e a vida na fazendo dilapidadapelo lixo branco do Sul (PAUL FRIEDLANDER, 2012, p.80).

    Foi nessa dcada de cinquenta quepodemos observar o que seria ...a imagem visual

    do que viria a ser o primeiro esteretipo de roqueiro (MugnainiJr, 2007:22), uma maneira

    despojada de se vestir com cortes de cabelo pouco usuais e comportamento fora do estabelecido.

    Era a imagem do jovem com bluso de couro, topete e jeans em motos ou lambretas. Por outro

    1Traduo: Tutti Frutti, que gostosura/Se no couber, no force/Voc pode lubrificar, facilita.

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    lado, na dcada de sessenta, os chamados Modernists adotavam um estilo mais comportado e

    clssico comparado ao estilo roqueiro rebelde da dcada anterior. Grande parte dessa influncia

    veio com os Beatles, que eternizaram seu famoso corte de cabelo e forma de se vestir,

    popularizando o terno de gola alta de Pierre Cardin. Vrias celebridades usavam perucas

    imitando os cabelos dos Beatles e suas maneiras peculiares de agir. Na metade dessa mesma

    dcada tambm podemos observar a chamada eraFlower Power, um termo usado para designar

    a ideologia de repulsa guerra do Vietn. As flores na cabea vinham especialmente de uma

    msica de Scott Mackenzie que dizia: Quando voc for a San Francisco no deixe de usar

    algumas flores no seu cabelo.

    importante tambm salientar o advento do movimento hippie, pois o mesmo teve forteinfluncia na moda em uma tentativa de exprimir uma nova perspectiva da realidade cultural e

    social. As vestimentas dos anos sessenta e setenta refletem concepes intimamente ligadas

    cultura pop e filosofia hippie.

    Pelas ruas dos bairros tipicamente hippies se veem os seres mais diversos, dojovem vestido equivocadamente como mulher com roupa de malhatransparente e sem roupa interior, passando pela tnica romana, pelo sariindiano ou pelo hbito religioso. Em Londres, se bem que talvez no haja tantaextravagncia, a sofisticao maior (ARIAS, Maria Jos, 1979, pag.80).

    A moda hippie diminuiu as diferenas entre os sexos. Naquela dcada, a roupa indicava

    tambm as diferenas nas posies sociais. O terno, por exemplo, indicava situao de trabalho,

    status poltico e, sobretudo, a condio masculina nos meios urbanos. A moda hippie no trouxe

    apenas a reduo das diferenas entre vesturios, mas a adeso de um estilo informal de se

    portar e vestir, com destaque ao corte de cabelo masculino, outrora curto, e que agora caiam

    pelos ombros. O filme Hair (1979) retrata o estilo dos hippies que se veem com preocupaes

    quanto coletividade e moradia que no era fixa enquanto mostrava um panorama das

    atitudes desprovidas de rdeas e padres tradicionalistas.

    A segunda metade dos anos sessenta caracterizada pela grande repercusso do

    movimento hippie, que teve forte conotao poltica. No decorrer desses anos, o rock teve

    engajamento com questes sociais, polticas e comportamentais importantes, como o exemplo

    da Cano Street Fight Man da banda britnica Rolling Stones, inspirada nos movimentos

    polticos da juventude da Frana e dos Estados Unidos. Dessa forma, o protesto ganhava fora

    especialmente ao ar livre com manifestaes pblicas e festivais, dentre eles, o famosoWoodstock, que representou o auge da contracultura hippie.

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    Realizado nos dias 15, 16, 17 de agosto de 1969, Woodstock conhecido at hoje como

    um dos maiores festivais de msica de todos os tempos tendo como lema trs dias de paz,

    amor e rock and roll. Entretanto, o ano que precedeu o festival foi caracterizado por violncia

    e acontecimentos significativos na poltica e sociedade estadunidense, como podemos observar

    com a citao a seguir:

    O ano que precede o Festival tinha sido um dos mais violentos da histria dops II Guerra. A longa luta pelos direitos civis dos Afro-americanos tinha sidoantecipada aps o assassinato de seu lder mais articulado, o reverendo MartinLuther King Jr. Seu assassinato provocou tumultos e incndios em grandeparte das maiores cidades do pas, com a destruio de bens no valor decentenas de milhes de dlares. Protestos contra o envolvimento americanono Vietn havia atrado milhares de pessoas para as ruas, sobretudo em

    Chicago [...]. (DOYLE, Michael, 2001, traduo nossa)2.

    Tais fatos, entretanto, impulsionaram o evento. De um lado estava um grupo que apoiava

    a guerra do Vietn, enquanto do outro, os conhecidos hippies, que apoiavam o uso de drogas,

    faziam protestos antiguerra, anticapitalismo e movimentos para a liberao das mulheres. Como

    resultado da ascenso do rock e a apresentao dos mais famosos artistas da contracultura, o

    Woodstock atraiu multides de todo o pas para um evento que inicialmente era para

    aproximadamente 50.000 pessoas. Entretanto, mais de 200.000 ingressos foram vendidos

    antecipadamente e 500.000 pessoas compareceram fazenda da cidade de Bethel, nos EstadosUnidos, tornando impossvel manter o controle e tornando o festival como um evento gratuito.

    Apesar da precariedade quanto s necessidades bsicas como saneamento, primeiros

    socorros, comida, mau tempo e at abrigo pelas condies chuvosas que prejudicavam o

    mnimo acesso por higiene, o festival foi reconhecidamente pacfico. Em sintonia com os

    movimentos idealistas dos anos sessenta, havia um senso de harmonia social que, juntamente

    com a msica, e o enorme pblico munidos pelo ideal do comportamento Flower Power,

    fizeram o Woodstock um dos maiores eventos do sculo, pice da contracultura da juventude

    hippie.

    3 A Anlise do Discurso de linha francesa.

    2The year preceding the Festival had been of one of the most violent in post-World War II history. The longstruggle for African-American civil rights had been forestalled following the assassination of its most articulate

    leader, the Reverend Martin Luther King Jr. His murder had provoked rioting and arson in most of the nation'slargest cities with the destruction of property worth hundreds of million dollars. Protests against Americaninvolvement in Vietnam had drawn thousands of people into the streets, most notably in Chicago.Disponvel em:

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    A Anlise do Discurso de perspectiva francesa, solidificada a partir da dcada de 70 na

    Frana por Michel Pcheux e outros, defende que a linguagem possui uma relao com o

    exterior, como ambiente propcio produo de discurso; e este, por sua vez, uma construo

    social feita a partir da anlise de seu contexto histrico-social, que reflete a viso de mundo e

    sociedade de seus autores. Para falarmos de discurso precisamos considerar estruturas e

    elementos que tenham como raiz o social, as ideologias e a Histria, pois o mesmo ao social

    em constante movimento, como afirma Orlandi ao dizer:

    a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso,de correr por, de movimento. O discurso assim palavra em movimento,prtica de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando(ORLANDI, 1999, p.15)

    Dessa forma, entendemos que discurso implica em interpretao. Nesse caso, interpretar

    os sujeitos falando, produzindo sentidos em suas atividades sociais munidos de suas ideologias

    que, por sua vez, materializada na linguagem em forma de texto. interessante observarmos

    que a lngua se insere na Histria para produzir sentido. A Anlise do Discurso evidencia este

    fato com um olhar atento para as condies scio-histricas envolvidas assim como as

    ideolgicas. Para o sujeito, as palavras usadas tm sentido com a formao ideolgica na qual

    ele se inscreve.

    O sentido de uma palavra, de uma expresso, de uma preposio, etc., noexiste em si mesmo (...) mas, ao contrrio, determinado pelas posiesideolgicas colocadas em jogo no processo scio-histrico no qual aspalavras, expresses e preposies so produzidas (Pcheux, 1997b, p.190).

    Diferentes sujeitos de grupos sociais divergentes so marcados pela ideologia, e esta

    extremamente importante para o discurso, considerada inerente ao mesmo. Os conflitos

    acontecem por coexistir diferentes inscries ideolgicas dos sujeitos e grupos sociais em uma

    mesma sociedade, como elemento integrante da Histria. Ao tentar compreender determinadoenunciado busca-se entender o motivo do mesmo ter sido produzido em determinada pocae

    no em outrae entender as condies que propiciaram o surgimento de tal discurso, em que

    seu aparecimento e disperso so compreendidos pelas transformaes histricas. Por esta

    razo, decidimos pela anlise do discurso produzidas na poca estudada, tentar tecer um

    panorama que possa refletir de forma simples o contexto da poca vivida pelos Beatles, de como

    a maneira do quarteto ingls, pouco a pouco, modificou-se por adventos polticos, como

    guerras, e pessoais, que estavam em constante evoluo, como o amor e as drogas to presentes

    na dcada de 60. Nesse prisma, no podemos encarar os conceitos de forma nica, mas adequ-

    los a anlise.

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    O sujeito, por sua vez, no deve ser entendido como um indivduo em particular, como

    pessoa, mas um ser social situado em seu espao coletivo e marcado pelo ideolgico em

    determinado momento da histria. A voz desse sujeito revela o lugar que ele est inserido e

    tambm as outras vozes de dada realidade social. Nesse ponto importante estabelecermos a

    diferena entre osujeito falantee osujeito falando. Ao referenciar sujeito falante abordam-se

    as perspectivas empricas, individualizadas, em que o indivduo possuidor de capacidade para

    a aquisio de lngua e a utiliza nos conformes do contexto sociocultural em que est inserido.

    O sujeito falando nos remete s caractersticas de discurso; um sujeito inserido em um ambiente

    scio-histrico-ideolgico cuja voz constituda por um conjunto de vozes acerca da sua

    realidade. Esse sujeito no homogneo e seu discurso constitudo de vrios outros discursos

    que se entrelaam ou se opem. presena de diferentes vozes na voz de um sujeito d-se o

    nome de polifonia. Sujeito e discurso so frutos da interao social de um mesmo contexto em

    diferentes mbitos sociais.

    importante frisar que o discurso interativo e regido pelo princpio do dialogismo.

    Vem como uma forma de atuar sobre o outro. Aes da linguagem tm por objetivo modificar

    situaes, como por exemplo, em protestos onde cartazes tm a finalidade de mudar o

    comportamento das pessoas envolvidas naquele ato e mostrar sua indignao. Esse dialogismo

    vem de dilogo, que nos lembra de interao verbal, e nos faz supor ao menos dois falantes;

    mesmo se falarmos em um monlogo quando falamos com ns mesmos criamos uma

    personagem - um outro eucom quem, no nosso imaginrio, dialogamos, ou seja, refere-se s

    relaes que se estabelecem entre o eu e o outro nos processos discursivos instaurados

    historicamente pelos sujeitos(Brait, 1997, p.98), onde esse outro o mundo social que o sujeito

    est inserido. Devemos falar tambm que o discurso ideolgico porque nos mais diversos atos

    de expresso, seja na fala ou escrita, dialogamos com outros discursos, trazendo as informaes

    e falas dos outros para o nosso discurso.

    Desta forma podemos observar que nenhum discurso nico por estar em constante

    interao com outros discursos que j foram produzidos. Essa relao interdiscursiva que d

    origem ao conflito/oposio, em que locutores falam de suas posies ideolgicas, sociais e

    culturais diferentes para, dessa forma, procurar atuar uns sobre os outros.

    As palavras mudam de sentido de acordo com o posicionamento daqueles que as usam,

    ou seja, de onde elas se inscrevem. A formao discursiva nos possibilita compreender oprocesso de produo de sentidos e entender o motivo de uma posio dada em uma

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    determinada conjuntura scio-histrica demonstrar o que pode e no pode ser dito. Nessa

    relao sobre sentido do que pode ou no ser dito em determinado contexto vemos que

    O discurso se constitui em seus sentidos porque aquilo que o sujeito diz seinscreve em uma formao discursiva e no outra para ter um sentido e nooutro. Por a podemos perceber que as palavras no tm um sentido nelasmesmas, elas derivam seus sentidos das formaes discursivas em que seinscrevem (ORLANDI, 2007, p.43).

    Desse modo, vemos que os sentidos so determinados ideologicamente. Tudo que

    dizemos tem parte de nossa ideologia que, por sua vez, tem parte em outra ideologia. O discurso

    vem a explicar como a linguagem e ideologia se articulam e interagem. Para que a lngua faa

    sentido, preciso que a histria intervenha e faa a sua parte ao se articular em suas razes.

    Desse processo surge a interpretao, que necessariamente focada nas possibilidades e

    condies disponveis. No podemos achar que a interpretao apenas o ato de decodificar e

    apreender sentido. Ao fazer uso em, por exemplo, letras de msicas, vemos a juno do trabalho

    social da interpretao e o trabalho histrico da constituio de sentido.

    Quanto ideologia, no vista como viso de mundo de determinado sujeito. Defini-la

    assim seria restringir muito seu potencial significado. No h realidade sem ideologia. Se a

    tomarmos como prtica nos nossos estudos, podemos perceber que ideologia aparece como um

    efeito da relao entre sujeito com a lngua e a histria de forma que haja sentido. a ideologia

    que possibilita existir sujeitos. Quando determinado indivduo interpelado acaba por apagar a

    inscrio da lngua na histria de forma que se encontra um efeito de evidncia do sentido e a

    impresso de que o falante a origem do que foi dito.

    Efeitos que trabalham, ambos, a iluso da transparncia da linguagem. Noentanto nem a linguagem, nem os sentidos nem os sujeitos so transparentes:eles tm sua materialidade e se constituem em processos em que a lngua, ahistria e a ideologia concorrem conjuntamente (ORLANDI, 2007, p.48).

    Os Beatles no produziram sentido apenas de suas prprias reflexes. Por trs desse panorama

    existe uma interao entre a sua lngua, histria e ideologia, esta ltima vindo a materializar o discurso

    em suas canes, dando a impresso que o ponto de partida dos garotos de Liverpool foi dado apenas

    pela viso de mundo que possuam, desprezando assim aspectos importantes da anlise como o

    histrico-social, que acontece de forma unssona durante todo o processo. Ideologia, por si s, no

    produz sentido.

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    Se o sujeito no se submete lngua e histria, ele no se constitui. Ele no fala e no

    produz sentidos. Quando levamos em conta a relao entre lngua e ideologia vemos que o

    sujeito gramatical cria um certo tipo de ideal de completude em que se assujeita ao imaginrio

    de um sujeito mestre de suas palavras. nesse assujeitamento que o sujeito se faz de forma que

    o discurso aparea como instrumento do pensamento e reflexo da realidade. Ao associar nossa

    definio de ideologia a essas caractersticas, fornecemos aparato que nos possibilita a apagar

    o carter material do sentido e do sujeito. Segundo Orlandi (2001), nesse momento que se

    sustenta a noo de literalidade: o sentido literal, na concepo lingustica, aquele que uma

    palavra tem independentemente de seu uso em qualquer contexto.

    A literalidade uma construo que o analista deve considerar em relao aoprocesso discursivo com suas condies. [...] tarefa do analista do discursoexpor o olhar leitor opacidade do texto [...] para compreender como essaimpresso produzida e quais seus efeitos (ORLANDI, 2007, p.52).

    O falante no opera com literalidade de forma imutvel uma vez que no existe sentido

    nico, mas algo instrudo historicamente na relao do sujeito com a lngua, sem esquecer,

    claro, das condies de produo de discurso.

    Se por outro lado olharmos as condies da linguagem, vemos a noo de incompletude.

    Sujeitos e sentidos, em si, no esto completos ou j feitos. Ao se pronunciar, o sujeito impelido pela lngua e pelo mundo que lhe deu determinada experincia. A linguagem no

    transparente e quando colocada em face com o sujeito, vemos que temos como resultado no

    apenas as evidncias produzidas pela ideologia. Essa natureza incompleta do sujeito e tambm

    dos sentidos e linguagem observada de forma que

    [...] nesse caso, o sentido no flui e o sujeito no se desloca. Ao invs de sefazer um lugar para fazer sentido, ele pego pelos lugares (dizeres) jestabelecidos, num imaginrio em que sua memria no reverbera. Estaciona.

    S repete (ORLANDI, 2007, p.54).

    Esse apagamento da materialidade, como evidncia produzida pela ideologia, representa

    a saturao dos sentidos dos sujeitos. o dito em relao ao no dito e o que o sujeito no diz,

    mas que constitui o sentido de suas palavras. A Anlise do Discurso no procura o sentido

    verdadeiro e sim o real sentido em sua materialidade lingustica e histrica. Pcheux nos diz

    que todo enunciado linguisticamente descritvel como uma srie de pontos de deriva possvel

    oferecendo lugar interpretao.

    Esse outro o que chamamos interpretao, onde h manifestaes do inconsciente e da

    ideologia na produo de sentidos e constituio dos sujeitos. Se analisarmos uma mesmo

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    palavra, podemos observar significados diferentes dependendo da posio do sujeito e da

    inscrio do que diz em uma ou outra formao discursiva. Dessa forma, construmos em ns

    um dispositivo capaz de levar em conta a ideologia e o inconsciente nas nossas anlises.

    O dispositivo, a escuta discursiva, deve explicitar os gestos de interpretaoque se ligam aos processos de identificao dos sujeitos, suas filiaes desentidos: descrever a relao do sujeito com sua memria. Nessa empreitada,descrio e interpretao se interrelacionam. E tambm tarefa do analistadistingui-las em seu propsito de compreenso (ORLANDI, 2007, p.60).

    Precisamos considerar que interpretao faz parte do objeto da anlise. O sujeito que

    fala, interpreta, e o analista deve procurar descrever esse gesto de interpretao. No devemos

    esquecer, tambm, que o prprio analista est sujeito interpretao de forma a interagir com

    os objetos simblicos do texto. Textos, para ns, no so apenas documentos que nos expem

    ideias fixas sobre determinado assunto, mas um monumento que nos fornece as mais diversas

    formas de leitura. Independente de ser escrito ou oral, o texto tem de conter significado. Dessa

    forma, para a Anlise do discurso, no interessa a organizao lingustica do texto, mas sim a

    relao da lngua com a histria com o sujeito na sua constituio de mundo. Orlandi (2001)

    afirma que compreender como um texto funciona e produz sentido entend-lo quanto objeto

    lingustico-histrico e explicar como o mesmo realiza a discursividade que o constitui. So

    unidades complexas que constituem um todo resultante da natureza lingustico-histrica de suasarticulaes.

    3.1 As revolues de uma poca inscritas nas msicas dos Beatles: Amor.

    O tema mais recorrente das canes dos Beatles o amor. O fato de terem alcanado o

    sucesso muito cedo - em mdia os integrantes da banda tinham 23 anos - somado tambm s

    inmeras fs enlouquecidas, serviram de grande inspirao para suas composies. Mais do que

    isso, Paul McCartney tambm compunha principalmente para o pblico jovem feminino, ouseja, para que as mulheres pudessem se identificar com o som da banda.

    I saw her standing there3, uma de suas canes, cravou o incio da carreira da banda nos

    sales de bailes adolescentes ao retratar uma simples histria de um garoto que v uma garota

    danando no salo e julga que sua beleza way beyond compare4. Nessa cano, podemos

    perceber que Paul McCartney que escreveu a maior parte da msica - se insere como

    participante ativo do ambiente de sales dos anos 60, fato reforado pelo uso de estruturas

    3Anexo A4Muito alm de qualquer comparao.

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    lingusticas, como pronomes pessoais, que denotam suas experincias com a tpica festa

    mencionada, alm de demonstrar a coletividade do sujeito que demonstra sua condio scio-

    histrica, a mesma que Pcheux fundamenta em sua obra.

    [...] esse triplo assentamento traz consequncias tericas: a forma material dodiscurso lingustico-histrica, enraizada na Histria para produzir sentido; aforma sujeito do discurso ideolgica, assujeitada, no psicolgica, noemprica; na ordem do discurso h o sujeito na lngua e na Histria.(GREGOLIN, 2001a: 01)

    Podemos observar ao decorrer da letra e o avano de sua histria, que Paul demonstra

    uma tpica atitude dos jovens ao mesclar arrogncia juvenil e segurana com a ausncia de

    evidncias que considerem a possibilidade de rejeio do sujeito-narrador. Ainda assim,

    inexperiente e sendo um sujeito no homogneo, sabemos em seguida que logo que ele crossed

    the room5o seu corao went bloom6.

    interessante observar que a sugesto de John Lennon de incluir o trecho you know

    what I mean7 facilmente entendida como uma insinuao sexual posto que, poca, 16 anos

    era a idade normalmente consentida para o sexo, pensamento recorrente na cabea dos jovens

    e consequentemente parte da ideologia dos Beatles.

    Enquanto Paul McCartney demonstrava confiana e atitude, apesar do visvelnervosismo, de que chamaria a garota para danar e a mesma aceitaria, John Lennon comeou

    a compor a msica Misery8, que era nada mais do que uma reclamao de uma garota que o

    havia abandonado e o deixado sozinho. Com um verso inicial onde dizia que the world is

    treating me bad9, vemos que um mesmo tema teve como produo um discurso diferente devido

    ao ambiente propcio produo do mesmo, sendo uma construo social feita a partir do

    contexto histrico do sujeito, nesse caso, John Lennon, fato reforado por Foucault ao dizer que

    a produo de discurso

    [...] um conjunto de regras annimas, histricas, sempre determinadas notempo e no espao que definiram em uma poca dada, e para uma rea social,econmica, geogrfica ou lingustica dada, as condies da funo enunciativa(FOCAULT, 1973, p.97).

    5Atravessou o salo6

    Fez bum7Voc sabe o que eu quero dizer8Anexo A9O mundo est me tratando mal

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    Com isso podemos perceber as diferenas comportamentais das canes escritas por

    Paul e John, como tambm marcas de individualidade e subjetividade. Respectivamente, no

    primeiro nota-se uma atitude mais confiante e otimista, enquanto no segundo nos deparamos

    com composies melanclicas e letras sobre rejeio. Misery, escrita por John, demonstra a

    sensibilidade ao amor ao mesmo tempo em que nos mostra algo extremamente comum,

    inclusive, nos dias de hoje: a rejeio amorosa, o que nos d as primeiras noes do por que a

    msica dos Beatles transcendem eras. Esse grande equilbrio de variaes sobre um mesmo

    tema nas canes tinha o poder de atingir as mais diferentes pessoas, alm de que as letras das

    canes dos Beatles em seu incio de carreira eram simples e no rebuscadas, como deveria ser

    para um pblico ainda imaturo na temtica amor. Love me do10, primeiro grande sucesso dos

    Beatles na Inglaterra, era extremamente simples nesse quesito. A palavra love aparece vinte e

    uma vezes na cano e acompanhada deI love you forever so please love me in return11e isso

    era tudo.

    3.2 Sexo.

    A dcada de sessenta foi o pice da revoluo sexual, especialmente para as mulheres,

    que sempre foram mais culturalmente inibidas nesse aspecto. A busca pela liberdade sexual, o

    surgimento da plula e a queima de sutis em praa pblica eram atitudes que significavamprenncio da libertao feminina. Os Beatles, por sua vez, escreviam suas msicas de forma

    velada abordando a temtica do sexo posto que a censura poderia tir-las das rdios e das

    paradas de sucesso.

    A canoPlease please me12que parece ser apenas mais uma cano pop inocente do

    quarteto ingls, ao ser escutada com muita ateno, na verdade tinha algo de subversivo em seu

    contedo. Alguns crticos da poca consideravam sua letra como um velado pedido de

    igualdade no prazer sexual; e outros ainda foram alm ao entenderem que a letra fazia referncia

    ao sexo oral. O trecho da cano em que se diz please, please me oh yeah, like I please

    you13retrata a fala do homem com um pedido de reciprocidade por algo que ele fez para a sua

    amada em meio a insistentes come on, come on14. A situao tambm sugere que a garota em

    questo no tem interesse no que quer que o narrador esteja pedindo, constatado no trecho

    10Anexo B11

    Eu amo voc para sempre ento, por favor, retribua o meu amor.12Anexo B13Me agrade, me agrade oh sim, como eu agrado voc.14Venha, venha.

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    inicial da msica que diz last night I said these words to my girl / I know you never even try

    girl15seguido pelos insistentes chamados do parceiro. Nesse caso, devemos observar que o

    discurso no pode ser pensado como manifestao dos sujeitos pragmticos, mas sim um espao

    de exterioridade em que se desenvolve uma rede de posies distintas que nos do margem para

    interpretaes dos trechos analisados. Numa poca em que a liberdade sexual trazia abertura

    para novas experincias, especialmente para as mulheres que agora ganhavam mais liberdade,

    podemos notar que surgia uma necessidade de satisfao mtua dos desejos dos parceiros,

    sujeitos atuantes, no ficando apenas a cargo da mulher para com o homem. A inverso de

    papis pode ser observada no trechoI do all the pleasing with you / Its so hard to reason with

    you16.

    No s com Please please me mas tambm com Drive my car17 , vemos que uma

    primeira audio da msica pode no nos revelar seu verdadeiro sentido. Em Drive my car,

    podemos interpretar que um homem est mandando uma garota dirigir o carro dele. Se

    analisarmos atentamente para a letra perceberemos que no se trata apenas disso, mas sim que,

    na verdade, um pedido ao narrador masculino para que dirija. O homem em questo est

    tentando assediar algum usando a frase well, what do you want to be?18numa sugesto de

    avano profissional em troca de favores sexuais, ao passo que a garota prontamente responde

    com insinuaes sexuais na fraseI wanna be famous, a star on the screen / But you can do

    something in between19. Podemos ver que isso um pequeno retrato da situao social de

    algumas mulheres que no tinham tantas oportunidades quanto os homens e ento usavam da

    sexualidade para conseguir alcanar seus objetivos. Nessa leitura atenta da letra vimos que...

    A interpretao um excelente observatrio para se trabalhar a relaohistoricamente determinada do sujeito com os sentidos, em um processoem que intervm o imaginrio e que se desenvolve em determinadassituaes sociais. assim que entendemos a ideologia (ORLANDI, 1996,p.147).

    Podemos ressaltar ainda que a complexa relao entre o homem e a mulher, ora amigos,

    ora amantes, propicia o aparecimento do nosso objeto discursivo e sua heterogeneidade, em que

    analisamos suas relaes com os outros sujeitos envolvidos. A mulher em questo afirma que

    quer ser uma estrela de cinema, mas ao mesmo tempo inverte os papis com baby you can drive

    15Noite passada eu disse estas palavras para a minha garota / Eu sei que voc nem sequer tenta, garota.16

    Eu fao todos os agrados com voc / to difcil argumentar com voc.17Anexo C18Bom, o que voc quer ser?19Eu quero ser famosa, uma estrela de cinema / Mas voc pode fazer algo at l.

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    my car and maybe I love you20ao dizer que apenas pode vir a dar para ele um pouco de amor

    caso ele concorde em ser o seu motorista, reforando o apelo sexual em but I can show you a

    better time21, o que nos refora a ideia de uma relao social complexa e um tanto anormal para

    os moldes da poca.

    Diferente das insinuaes implcitas dePlease please meeDrive my car, a msicaHold

    me tight22, que apesar de ter sido recebida na poca como uma msica inocente no estilo

    beijinhos e abraos, era, na verdade, uma relao sexual propriamente dita. facilmente

    observvel na letra que o narrador est sozinho noite making love23com uma garota. Como

    vimos nos captulos anteriores, a maioria das canes de amor da poca no eram to ousadas

    e diretas como emHold me tight, onde o ato sexual est explcito numa mistura de amor e sexo.

    Na msica, o sujeito est numa posio fundamental para o processo de anlise discursiva.

    Observamos que existe uma naturalizao do sexo na cano em que aparentemente o casal em

    questo no tinha muitas oportunidades e agora as aproveitava, com nfase, tonight tonight24

    para making love to only you25. A interpretao das letras das canes, sem a interao subjetiva,

    resulta em no existir condies de explicar o processo de produo do discurso e dos sentidos.

    Segundo Fairclough

    No se pode nem reconstruir o processo de produo nem explicaro processo de interpretao simplesmente por referencia aos textos elesso respectivamente traos e pistas desse processo e no podem serproduzidos nem interpretados sem o recurso dos membros(FAIRCLOUGH, 1994).

    As canes com o sentido velado, que o caso das mencionadas acima por seu teor

    sexual, retrata o mergulho do indivduo em suas letras na busca por sentido, sendo que este

    buscado em trechos que expressam dvida como don't know what it means to hold you tight /

    being here alone tonight with you26.O sujeito sente-se deslocado na procura por sentido por

    trs de seus atos.

    Com a censura sondando suas msicas, os Beatles tinham de ser inventivos em suas

    letras e insinuar apenas o necessrio imaginao da plateia e crticos. Como dissemos

    20Querido, voc pode dirigir meu carro e talvez eu te ame.21Mas eu posso te mostrar algo melhor.22Anexo C23

    Fazendo amor.24Esta noite.25Fazer amor apenas com voc.26No sei o que significa abraar voc apertado / Estando aqui sozinho est noite com voc.

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    anteriormente que as composies eram direcionadas s mulheres, percebemos a ideologia da

    banda por trs das canes.

    Pela noo de interpretao desenvolvida e pela considerao de quesujeito e sentido so constitudos pela ordem significante na histria, ficamvisveis as relaes entre sujeito, sentido, lngua, histria, inconsciente eideologia (ORLANDI, 1996).

    notrio o apoio liberdade das mulheres em determinados contextos ainda que entrem

    em contraste com o comportamento de alguns integrantes da banda que eram um tanto

    machistas, como foi o caso de Paul McCartney. Ademais, os Beatles pregavam o amor

    independente de cor ou gnero, concomitante com a poca de paz e amor da contracultura e dos

    hippies.

    3.3 Drogas.

    Alm de famosos, os Beatles eram jovens, e assim como os outros de sua poca eles

    foram produtos da cultura ocidental. O uso de drogas era uma forma de sair das limitaes em

    busca de novas experincias. Mais do que isso, essa mudana no refletiu apenas no uso de

    substncias entorpecentes, mas nos instrumentos usados nas gravaes de suas canes, que

    ganharam um novo formato, mais maduras e mais carregadas de significado.

    A msica Shes a woman27foi a primeira msica dos Beatles a ter uma referncia velada

    s drogas. Em dado momento, John Lennon confessou que a banda se sentiu orgulhosa ao

    incluir o verso turns me on when I get lonely28, pelo motivo de o mesmo ter escapado da censura

    do rdio e televiso. No seria coincidncia saber que os Beatles tinham fumado maconha pela

    primeira vez apenas cinco semanas antes de gravar a cano. Em trechos comoshe hates to see

    me cry / she is happy just to hear me say that I will never leave her29podemos notar uma

    referncia aos efeitos da maconha, mais especificamentee respectivamente - ao bem estar ealegria proporcionados pela mesma e a dependncia resultante do uso constante. Ainda que

    jovens e partes da cultura de massa, eles at ento s tinham experimentado comprimidos como

    Drinamyl e Preludin pelo fato dos sucessivos shows em Hamburgo. Foucault (1961) nos diz

    que em diferentes pocas o objeto de discurso, nesse caso as drogas, no o mesmo. A formao

    discursiva e ideolgica que existia entre os Beatles e os jovens de sua poca proporcionavam

    aos sujeitos ambientes mais liberais ao uso e no represso reforada pela fama do grupo

    27Anexo D28Me deixa ligado quando estou solitrio.29Ela detesta me ver chorando / Ela se sente feliz s de me ouvir dizer que eu nunca a deixarei.

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    de substncias entorpecentes. Foi com Bob Dylan que eles foram apresentados maconha.

    Enquanto eles se contentavam em beber vinho durante toda a noite, Dylan queria fumar. Aliado

    ao fato de equivocadamente pensar que o verso I canthide30, deI want to hold your hand31,

    fosse I get high 32 , presumiu que todos fossem maconheiros. Essa relao sobre o

    pensamento de Dylan sobre a msica do grupo e o comportamento dos mesmos, achando que

    todos usavam drogas, caracteriza a prtica discursiva em que as relaes formam os objetos de

    que se fala. Vemos ento que os objetos so formados nos jogos de relaes discursivas de

    saber, este adquirido por Dylan erroneamente j que num primeiro momento, os Beatles ficaram

    apreensivos, afinal, era a primeira experincia com o novo e to falado uso provindo da cultura

    ocidental. Futuramente, George Harrison afirmou que os msicos mal conseguiam ficar em p

    de tanto rir. Paul disse que foi tomado por vrios insights e que fez bastantes anotaes nesse

    dia.

    No vero de 1965, John e Paul foram introduzidos ao LSD atravs de um dentista

    londrino que derramou um pouco de alucingeno no caf deles aps o jantar. Em agosto do

    mesmo ano, disseram que fizeram uso novamente por livre e espontnea vontade, sendo que

    John veio a confessar futuramente que tomava a droga LSDo tempo todo. A partir dessa

    experincia, John Lennon escreveu Day Tripper33, que era uma reflexo sobre a cultura das

    drogas e sua influncia. A essncia da msica era comunicar-se com aqueles que no poderiam

    usar LSD o tempo todo ou quando quisessem, assim como ele, como podemos observar emshe

    was a day tripper / one way ticket yeah34, em que John fala da dificuldade em usar a droga

    fazendo aluso a uma passagem diria apenas de ida, sem direito a um segundo uso com a

    volta, demonstrando e justificando talvez, o pouco uso que fazia devido a sua condio de

    msico de grande popularidade. Este fato tambm reforado em tried to please her / she only

    played one night stand35, em que podemos inferir no uso apenas de uma vez da droga, durante

    a noite, por John. Uma vez que a ideologia tambm tem existncia no material, e no s no

    plano das ideias, o constante contato com as drogas fez John sujeitar-se a reconhecer seu papel

    nesse contexto das drogas a ponto de produzir relevante material sobre isso.

    30No consigo esconder.31Anexo D32

    Eu fico chapado.33Anexo E34Ela era uma viajante diria / Bilhete s de ida, yeah.35Tentei satisfaz-la / Ela s fazia performances de uma noite agora.

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    A produo da msica de John como espelho do seu mundo real e de sua vivncia, nos

    mostra que o espao discursivo nos propicia uma boa interpretao dos acontecimentos. dessa

    forma que o discurso histrico visa interpretao do real.

    Como a maioria das canes que tratavam de temas delicados como sexo ou drogas, a

    msica The Word36marcou a transio do amor adolescente para a paz e harmonia da era hippie.

    Na poca interpretada como apenas uma msica que falava de amor, seu sentido era mais

    profundo. John cantava que o amor oferecia liberdade, luz e at o caminho. Um estudo

    dirigido por Robert Masters e Jean Houston chegou concluso de que o LSD dava s pessoas

    a ideia de um amor universal e fraternal. Essa a razo de o amor ter se tornado uma palavra

    to na moda durante a segunda metade da dcada de 1960; sendo John um dos primeiros

    compositores de sua poca a captar e entender esse sentido. Quando John dizsay the word and

    youll be free / say the word and be like me / say the word Im thinking of/ have you heard the

    word is love?37, ele tenta trazer as pessoas que escutam sua msica para o seu mundo de forma

    a faz-los entender que o LSD e outras drogas no eram completamente ruins, e que abriam

    novos conceitos ao amor e fraternidade, uma vez que era normal o uso dessas substncias

    junto com amigos em momentos de descontrao, reforando o lao como quando pessoas saem

    juntas para beber ou assistir a filme. Mais adiante, John tenta divulgar seu conceito de forma

    que as pessoas no apenas internalizem o que foi dito, mas passem adiante como visto em

    spread the word and youll be free / spread the word and be like me / spread the word Im

    thinking of38. Por fim, como um ltimo apelo, vemos uma insistncia na msica em relao aos

    mais conservadores que tenham captado a verdadeira mensagem de John, e para eles um reforo

    sobre o ideal de amor e fraternidade observvel emgive the word a chance to stay / that the

    word is just the way / Its the word Im thinking of / and the only word is love 39. Vemos ento

    a heterogeneidade do discurso que foi produzido por meio do j dito dos outros discursos

    sobre essa mesma temtica (drogas), em que existe um duplo dialogismo existente no mesmo

    para constituir o novo.

    A ordem do discurso uma ordem do enuncivel. A ela deve o sujeitoassujeitar-se para se constituir em sujeito de seu discurso. Por isso, o

    36Anexo E37Diga a palavra e voc ser livre / Diga a palavra e seja como eu / Diga a palavra na qual eu estou pensando /

    Voc ouviu que a palavra amor?

    38Espalhe a palavra e voc ser livre / Espalhe a palavra e seja como se deve ser / Espalhe o trabalho que euestou pensando.39D a palavra uma chance de ficar / Que a palavra simplesmente o caminho / a palavra que estoupensando / e a nica palavra amor.

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    enuncivel exterior ao sujeito enunciador e o discurso s pode serconstrudo em um espao de memria, no espao de um interdiscurso, deuma srie de formulaes que marcam, cada uma, enunciaes que serepetem, se parafraseiam, opem-se entre si e se transforma (GREGOLIN,2001b: 72).

    Posteriormente, conforme Steve Turner (2009), John Lennon afirmou em entrevista para

    a revistaPlayboyque se tratava de uma cano sobre ficar esperto. Ele disse que o amor.

    a fase da maconha. a coisa da paz e amor. A palavra amor, certo?. Como esperado,

    John e Paul, aps escrev-la, enrolaram baseados e escreveram a partitura da cano com

    desenhos psicodlicos, como nos detalha Steve Turner em seu livro The Beatles A histria

    por trs de todas as canes.

    Paul McCartney tambm teve seu papel na cultura das drogas nas canes dos Beatles.

    Na msica Got to get you into my life40, John acreditava que o verso another kind of mind41era

    uma aluso s experincias de Paul com as drogas, fato comprovado pelo mesmo

    posteriormente. A cano era um hino de louvor maconha disfarado, como esperado, de

    cano de amor. Na verdade o trecho did I tell you I need you every single day of my life42no

    falava de uma mulher que Paul precisava todo dia, mas um baseado, alm de que trechos da

    cano insinuam a dependncia de Paul que a usava por longos perodos em sua vida, como

    observado em and hadyou gone you knew in time / wed meet again for I had to hold you43.Analisando a cano e entendendo-a posto que sabemos que o discurso carregado de

    ideologias, podemos observar que

    Compreender saber como um objeto simblico (enunciado, texto,pintura, msica, etc.) produz sentidos. saber como as interpretaesfuncionam. Quando se interpreta j se est preso em um sentido. Acompreenso procura a explicitao dos processos de significaopresentes no texto e permite que se possam escutar outros sentidos queali esto, compreendendo como eles se constituem. (ORLANDI, 2007

    p.26)

    Paul, inserido no contexto social e ideolgico de usurio de entorpecentes, produziu

    mais de um sentido em sua cano que era interpretada de acordo com a sensibilidade de quem

    a lia em seus diferentes processos na busca de significado.

    3.4 Poltica.

    40

    Anexo F41Outro tipo de mente.42Eu j lhe contei que preciso de voc todo santo dia da minha vida?43E caso voc tivesse ido embora, saberia a tempo / Nos encontraramos de novo, pois eu lhe disse.

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    Em dado momento de sua carreira, os Beatles representaram as revolues polticas e

    sociais, numa poca onde estudantes protestavam e mostravam que eram mais do que rebeldes

    e que tinham conscincia dos acontecimentos que os cercavam. As msicas do grupo revelavam

    a busca por um direcionamento tico para com as guerras, especialmente a Guerra Fria.

    Chuck Berry, em 1959, escreveu uma cano chamada Back in the USA, em que ele

    dizia o quanto estava feliz por voltar aos EUA com seus cafs, arranha-cus, hambrgueres etc.

    Seguindo essa linha, Paul McCartney criou uma pardia que fazia pela USSR o que Berry tinha

    feito pelos EUA. Back in the USRR44no agradou os americanos conservadores porque a

    mesma surgiu nos tempos da Guerra Fria e mais parecia enaltecer o inimigo com trechos como

    I'm back in the U.S.S.R./you don't know how lucky you are, boy45reforados porIts good to

    be back at home,em que Paul, nos tempos da Guerra Fria e conflitos no Vietn, parecia estar

    abraando o comunismo. Mais do que isso, o fragmento Leave it till tomorrow to unpack my

    case46poderia ser interpretado, como foi feito por grandes nomes como David A. Noebel, autor

    de Communism, Hypnotism and the Beatles, como apoio causa revolucionria do Socialismo.

    Parecia que os Beatles estavam sendo a favor do comunismo e promovendo a sua causa na letra

    da cano, uma vez que as ideias no existem desvinculadas das palavras, e a linguagem um

    dos lugares onde se materializa a ideologia (GREGOLIN, 1988:118). Na cano podemos

    observar as profundas relaes entre a posio dos sujeitos e os lugares e espaos que os

    mesmos ocupam que, segundo Foucault (1971), no vivem no interior de um vazio, mas sim no

    interior de um conjunto de relaes humanas que definem seus relacionamentos. Os soviticos,

    por sua vez, disseram que os Beatles eram a prova da decadncia do capitalismo. Paul disse que

    Back in the USRRera uma cano de poltica de boa vizinhana. Eles gostam de ns por l.

    Mesmo que os chefes no gostem, os garotos gostam.

    Em maro de 1968, milhares de pessoas marcharam em frente Embaixada Americana,em Londres, para protestar contra a Guerra do Vietn. Foi nesse mesmo momento que John

    Lennon comeou a trabalhar emRevolution47. A julgar pela letra, vemos que a cano no trata

    de um revolucionrio, mas de algum pressionado pelos revolucionrios para declarar a sua

    aliana. John, que era esquerdista, e o Beatle mais envolvido com poltica, estava na mira de

    grupos leninistas, trotskistas e maostas que achavam que ele devia apoio s suas causas.

    44

    Anexo G45Estou de volta a URSS / Voc no sabe o quo sortudo , cara.46Deixo para desfazer as malas amanh.47Anexo G

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    Revolution foi a resposta dada por John para esse grupos em que o Beatle dizia que

    compartilhava os ideais por mudana social pelos quais eles lutavam, mas que tal mudana s

    funcionaria caso ela fosse interna e no violenta. A letra que inicia com you say you want a

    revolution48seguida pela recusa dont you know you can count me out49mostra o conflito

    tambm de uma contracultura dividida: os que apoiavam a luta armada e os que eram a favor

    dos movimentos pacifistas. Algumas vezes John cantava you can count me out/in 50 , que

    demonstra incerteza sobre qual lado optar. Podemos observar nesse trecho que se trata do

    fenmeno de Resistncia, abordado por Foucault (2004), onde o jogo de palavras seria uma

    forma de estratgia de sobrevivncia em meio a relaes de poder. S seis semanas depois,

    numa verso mais rpida da msica, ele omite a preposio in. Observemos que o sentido da

    preposio, ora omitida, ora colocada, determinado pelas posies ideolgicas do processo

    scio-histrico em que foi produzida, sendo essa a matriz do sentido, como afirma Pcheux:

    Todo enunciado intrinsecamente suscetvel de tornar-se outro, diferentede si mesmo, se deslocar discursivamente de sentido para derivar para umoutro (a no ser que a proibio da interpretao prpria ao logicamenteestvel se exera sobre ele explicitamente). Todo enunciado, todasequncia de enunciados , pois, linguisticamente descritvel como umasrie de pontos de deriva possveis, oferecendo lugar interpretao.(PCHEUX, 1997, p. 53).

    Quando lemos but if you want money for people with minds that hate / All I can tell you

    is brother you have to wait51, notamos o desabafo de John que h muito tempo gostaria de falar

    sobre a revoluo que lhe era to perguntada nas coletivas dos Beatles, em que o dinheiro seria

    o apoio aos grupos que faziam uso da violncia em seus protestos, algo no compartilhado por

    seus ideais, como vimos anteriormente. Como atpico nas msicas dos Beatles, encontramos

    tambm referncias diretas, como a crtica ao ditador chins Mao Tse-Tung em you say you'll

    change the constitution / well, you know / we'd all love to change your head / you tell me it's

    the institution / well, you know / you'd better free your mind instead /but if you go carrying

    pictures of Chairman Mao / you ain't going to make it with anyone anyhow52, cuja mensagem

    pregada a de pense por si mesmo para se livrar das amarras totalitriasimpostas por grandes

    48Voc diz que quer uma revoluo.49Voc j sabe que no pode contar comigo.50No conte/conte comigo.51Mas se voc quer dinheiro para as pessoas que s tem dio na mente / Tudo que eu posso lhe dizer, irmo,

    que voc vai ter de esperar.52Voc diz que mudar a constituio / Bem, voc sabe / Todos ns adoraramos mudar a sua cabea / Vocme diz que isso a Instituio / Bem, voc sabe / melhor voc libertar a sua mente / Mas se voc vai andarcom fotos do presidente Mao / Tambm no vai convencer a ningum.

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    ditadores, recorrendo pela razo e mtodos no violentos. Nesse trecho, vemos um desejo de

    John em que gostaria que as pessoas fizessem parte desse discurso cujas portas estavam

    fechadas para os oprimidos por governos tradicionalistas. John tenta, atravs de sua msica,

    mudar a ordem do discurso escancarando, assim, suas incoerncias.

    Tal fato inflamou a imprensa que dedicou uma srie de reportagens msica de Lennon

    em que o chamavam de traidor e que era, segundo a revista New Left Review, um grito de

    medo lamentvel de um burgus mesquinho. J a revista Timedisse que a msica criticava

    ativistas radicais mundo afora.

    Em 1980, John disse queRevolutionera a expresso de sua viso poltica. Ele dizia que

    no contassem com ele se fosse para fazer uso de violncia e que no esperassem v-lo nasbarricadas a no ser que fosse com flores.

    Paul McCartney tambm escreveu sobre poltica durante a sua carreira. Em Get back53

    ele satiriza a atitude daqueles que achavam que os imigrantes na Inglaterra deveriam ser

    repatriados. Com um olhar atento para a letra alternativa que comumente era cantada pelo

    grupo, como forma de protesto s imigraes ocorridas no Reino Unido e Estados Unidos,

    percebemos que ela retrata o ponto de vista de algum que no dig no Pakistanis taking all the

    peoplesjob54e, como consequncia disso, mandava-osget back55para o lugar de onde tinham

    sado. Essa viso de Paul pode ter sido mal interpretada uma vez que o final de um enunciado

    sempre povoado por outros enunciados, em que o interdiscurso apresenta carter heterogneo,

    como afirma Gregolin (2009, p. 52).

    Esse carter heterogneo do discurso leva necessidade de se pensar nainterdiscursividade, de tomar como objeto de anlise as relaes entre ointradiscurso e o interdiscurso, a fim de compreender as inter-relaesentre a estrutura e o acontecimento.

    Muitos jornalistas em entrevistas perguntaram a Paul se ele tinha passado por uma fase racista,

    o que foi veemente negado pelo Beatle.

    53Anexo F54No gostava dos paquistaneses pegando todos os empregos.55Voltar.

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    CONSIDERAES FINAIS

    Se a Anlise do discurso se prope a investigar o homem falando, como apontam

    seus principais tericos, nossa proposta de analisar neste trabalho canes dos Beatles

    delimitando alguns temas de grande relevncia para a juventude da poca (e porque no dizer,

    a juventude de todos os tempos...), buscamos, no discurso das canes, elementos lingusticos

    que nos fornecessem pistas capazes de revelar o que pensavam aqueles jovens, o que queriam

    e como eles viam e vivenciavam o mundo a sua volta. Com esse estudo, acabamos por mostrarque, para alm do universo dos Beatles, aqueles discursos eram tambm o discurso de toda uma

    gerao, sua ideologia, suas identidades como sujeitos que comeavam a querer mudar o mundo

    transformando suas estruturas polticas e sociais.

    Tomando a essncia do Rock and Roll como parte integrante das anlises das msicas

    aqui apresentadas, entendemos que estas refletem as mudanas sociais que abrangeram a dcada

    em que os Beatles estiveram em atividade, mostrando a evoluo de suas letras, que iniciam o

    discurso ingnuo do jovem adolescente apaixonado, ao discurso de um jovem mais engajado e

    mais consciente da problemtica que o mundo vivenciava. No decorrer da anlise, vemos o

    surgimento de uma cultura jovem que provocou uma ruptura de toda uma gerao com os

    costumes da poca, e que acaba por abandonar o modelo cultural passado pelos pais.

    Constatamos que as mudanas, ocorridas pela evoluo da msica e o comportamento dos

    artistas da poca, serviram como elementos transformadores, no somente da juventude, mas

    tambm de aspectos econmicos e, especialmente, religiosos, em um ambiente que era

    dominado quase que inteiramente pelo conservadorismo poltico e religioso.

    Sobre as temticas apresentadas, fica evidente a importncia de todas com a poca aqui

    contextualizada, pois eram os pensamentos mais recorrentes entre jovens e adultos, assim como

    os mais difceis de lidar devido aos tabus intrnsecos aos mesmos. Como vimos no decorrer da

    anlise, a ntima relao entre amor e sexo era cuidadosamente expressada em letras

    camufladas, como se fosse um grito de desabafo sobre a real situao que permeava as ruas,

    caladas e bares ingleses de Londres e do mundo.

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    Das canes analisadas, vimos que as interpretaes foram coerentes a partir dos

    argumentos e citaes apresentados, mostrando que os Beatles se preocupavam e eram

    atingidos pelas mudanas culturais a que foram expostos, demonstrando empatia para os

    acontecimentos a sua volta. Vimos que a influncia da banda aconteceu quando os jovens

    precisavam esquecer os problemas e mudar conceitos tradicionais de seus pais, somados ao fato

    de que muitos deles tambm eram advindos da guerra e depresso aps o assassinato de John

    Kennedy, que acontecera 77 dias antes do surgimento do grupo. O quarteto de cabeludos

    conseguiu essa conquista atravs do jeito descontrado de participarem de coletivas ao

    responderem s perguntas com piadinhas irnicas, o que agradou ao pblico jovem e adulto.

    Mais do que isso, os Beatles eram jovens, adultos e porta-vozes de uma gerao. O discurso

    presente em suas canes nos passa a perspectiva de assujeitamento, em que a forma sujeito-

    histrica da sociedade que os Beatles representam nos mostra o homem ingls em contradio:

    livre, podendo tudo dizer em suas msicas, e submisso, sujeito a sua lngua e condies

    ideolgica de sua poca.

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    REFERNCIAS

    Alfred Wertheimer, Elvis '56(Nova York: Collier Books, 1979), p.26

    ALTHUSSER, L. Aparelhos Ideolgicos do Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1992.

    ARIAS, Maria Jos. Os Movimentos Pop. Rio de Janeiro: Salvat Editora do Brasil, 1979.

    BRAIT, B. Bakhtin e a natureza constitutivamente dialgica da linguagem. In BRAIT, B(org.) Bakhtin, dialogismo e construo do sentido. Campinas: Editora da UNICAMP, 1997.

    BRANDO, Antonio Carlos; DUARTE, Milton Fernandes. Movimentos Culturais deJuventude. So Paulo: Modern