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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES – ECA/USP
Departamento de Relações Públicas, Publicidade e Propaganda e Turismo
Diego de Oliveira
A EFEMERIDADE DO ENGAJAMENTO NAS REDES SOCIAIS
São Paulo
2011
Diego de Oliveira
A EFEMERIDADE DO ENGAJAMENTO NAS REDES SOCIAIS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola
de Comunicações e Artes como requisito parcial para a
obtenção do título de bacharel em Comunicação Social
com habilitação em Publicidade e Propaganda.
Orientador: Prof. Dr. Sérgio Bairon
São Paulo
2011
BANCA EXAMINADORA
Espaço reservado às observações da Banca Examinadora responsável pela
avaliação deste trabalho, apresentado em _____ de dezembro de 2011, na Escola
de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
Examinador 1 Examinador 2 Examinador 3
Considerações:
________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
4
DEDICATÓRIA
Mais do que apenas dedicar ou agradecer faço deste espaço uma ode
àqueles que fizeram desses anos de graduação momentos tão primorosos e de
grande valia para minha vida. Cada ano, cada experiência e cada grupo de pessoas
foram importantes nesta formação de um grande publicitário que tenho sim o desejo
de ser.
Portanto, não tem como não agradecer aos meus amigos de sala,
especialmente Adrielly, Drielle, Felipe, Franklin, Luana e Mariana que estiveram
sempre ao meu lado nos pequenos e grandes aprendizados e com os quais eu pude
tomar lições de diferentes formas: na simplicidade de descobrir coisas novas, na
importância de se preocupar com o mundo, no fato de saber que a inteligência está
muito além de tempo vivido, na possibilidade de utilizar o bom humor sagaz, no
sentimento de saber que ter caráter e bondade é muito importante, no significado de
uma palavra que é utilizada hoje no título deste trabalho e acima de tudo na
verdadeira amizade construída dentro de um universo tão impar quanto a ECA.
Sou também muito grato aos meus amigos de república que foram durante os
quatro primeiros anos da minha graduação uma família, com a qual eu debatia, me
divertia, chorava e descobria um mundo diferente daquele de onde eu tinha fugido.
Agradecer a alguns dos meus veteranos em especial ao Rafael Arrais,
Wladimir e Luis Citton, pessoas que eu admiro absurdamente a inteligência e que
foram extremamente importantes me colocando questionamentos, indicando
caminhos e sendo muito afetuosos. Ao Victor, que em pouco tempo conquistou
minha amizade e me incentivou muito no término deste trabalho.
Aos amigos da ECA Jr. que me ajudaram a descobrir os resultados de um
trabalho em equipe, tanto nos casos bons quanto nos ruins.
Passo também pela necessidade de agradecer a Ana Isabel e ao Daniel que
foram presenças iluminadas na minha vida no período de intercâmbio em Paris, me
5
apoiando nos estudos e no trabalho, além de serem companhias mais que
essenciais para meu desenvolvimento.
E como não citar grandes apoiadores da minha vinda à USP e à São Paulo
Soraia, Mariangela, Ricardo e Denys, que além de apostarem nos meus sonhos
tiveram paciência para aceitar as minhas mudanças e as minhas descobertas. Que
me ensinaram valores e a ter mais sabedoria para enfrentar o que viesse desde que
eu colocasse meus pés no chão e fosse sempre uma pessoa de caráter e íntegra.
Dedico também aos grandes profissionais que encontrei nesses últimos anos,
que sempre me estimularam nas escolhas acadêmicas e que me deram a
oportunidade de colocar um pouco de teoria no dia-a-dia de uma agência.
Agradeço também aos professores que tive o prazer de ouvir, de discutir e de
aprender um pouco do tanto que tentaram nos ensinar.
E acima de tudo, dedico este trabalho aos meus pais, que foram seres
iluminados por me deixarem seguir o caminho que eu realmente quis. Por me darem
a certeza de que eu podia conquistar todos os meus sonhos com o meu suor e com
a minha luta. Em especial a minha mãe que, além de ter muita coragem e ser
guerreira, disse-me os muitos “sims” das minhas escolhas, mesmo sendo
pressionada pelos outros para que dissesse muitos “nãos”. Isso mãe, é uma prova
daquilo que você sempre me ensinou: “não importa de onde você vem e quanto
dinheiro você tem, com aprendizado e muito esforço você pode ter em suas mãos o
que quiser, até aquilo que ninguém acha que você poderia conseguir.”
6
"O homem faz-se e se constrói escolhendo a sua moral; e a pressão das circunstâncias é tal que ele não pode deixar de escolher uma moral. Só definimos o homem considerando ao quê ele verdadeiramente se engaja.” SARTRE
7
A EFEMERIDADE DO ENGAJAMENTO NAS REDES SOCIAIS
Diego de Oliveira
Resumo: Esta monografia tem o objetivo de discutir como se dá o engajamento nas
atuais redes sociais com um ponto de vista focado em analisar a condição efêmera
desse ato em relação às anteriores formas de mobilização. Para isso, faremos uma
descrição da sociedade pós-moderna e das suas relações de identificação, de como
o contexto tecnológico favoreceu uma nova forma de engajamento social e de como
isso é utilizado atualmente pela publicidade no processo de construção de uma
marca.
Palavras-chave: Engajamento, efêmero, identidade, digital, redes sociais.
8
THE EPHEMERAL ENGAGEMENT ON THE SOCIAL NETWORKS
Diego de Oliveira
Abstract: This text has the objective to discuss how is the engagement on the social
networks in the internet with specific point of view about the ephemerality of this
activity comparing to other ways of social movements. For that, we’ll describe the
post-modern society and its relations of identity and how the technological context
contributed for the social engagement and how this is used nowadays for the
advertising in the branding process.
Key words: Engagement, ephemeral, identity, digital, social networks.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10
CAPÍTULO 1. O SUJEITO PÓS-MODERNO E UMA NOVA FORMA DE CRIAR SUA IDENTIDADE ............... 13
1.1 O Sujeito pós-moderno: diferenças e concepções .......................................... 16
1.2 A definição de identidade e identificação ........................................................ 20
1.3 A identidade em jogo ....................................................................................... 22
1.4 A informação em poder do indivíduo ............................................................... 24
1.4 As redes sociais em um pouco mais de 140 caracteres ................................. 26
CAPÍTULO 2. O ENGAJAMENTO SOCIAL E SUAS CONCEPÇÕES ..................................... 36
2.1 Teorias da mobilização.................................................................................... 36 2.1.1 Teoria da mobilização de recursos: ................................................... 38 2.1.2 Teoria do processo político: ............................................................... 39 2.1.3 Teoria dos novos movimentos sociais: .............................................. 41
2.2 As teorias da mobilização transformadas pelo contexto social ....................... 44
2.3 O que é engajamento? .................................................................................... 46
2.3.1 Sartre e o escritor engajado ............................................................... 48 2.3.2 Teorias sobre engajamento social na internet ................................... 51 2.3.3 A sociedade mudou sua forma de se engajar .................................... 55 2.3.4 O sonho do jovem brasileiro e o engajamento .................................. 62
2.4 O engajamento efêmero .................................................................................. 65
2.5 Crowndsourcing: o paradoxo do engajamento efêmero .................................. 68
CAPÍTULO 3. EU MARCA E MEUS CONSUMIDORES ENGAJADOS ....................................... 73
3.1 A marca e a lógica da construção e fortalecimento da sua imagem ............... 74
3.2 Como o engajamento social é explorado pelas marcas? ................................ 77
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 91
BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................................... 94
10
INTRODUÇÃO
Desde os primórdios da civilização o homem tinha como necessidade a
formação e participação de grupos para que pudesse tanto se proteger quanto para
criar uma proximidade de interesses perante àqueles que estavam à sua volta. O
processo civilizatório partiu da concepção organizacional de grupos que se
formaram para poder, no caso, sobreviver ao contexto “instintivo” e feroz do qual
pertenciam.
Porém, com as transformações sociais advindas da evolução da linguagem,
das formas de comunicação e até mesmo de produção, essa relação de
pertencimento se modificou e se “complexificou” seguindo a ordem natural dessas
mudanças.
Formar ou fazer parte de um grupo tornou-se, mais do que apenas fortalecer-
se mediante a presença de pares, uma forma de sentir-se inserido num contexto de
aceitação, julgamento, conceituação e até mesmo de identidade. O indivíduo tem a
construção da sua identidade a partir das mais diversas identificações que ocorrem
durante o seu desenvolvimento e isso é extremamente influenciado pelos grupos
dos quais faz parte.
Com o advento da pós-modernidade, as identidades se tornaram
descentralizadas e o homem individualizou-se. Assim, as suas relações sofreram
muitas mudanças; as formações de grupo também ganharam outra formatação, pois
o processo “identificatório” também é diferente. Na pós-modernidade os
agrupamentos regidos pela globalização (que estreitou a relação entre nações e
intensificou o fluxo das informações) e por plataformas digitais (que além de
intensificar as características anteriores deram rapidez ao contexto) tornando-os ao
mesmo tempo “desterritorializados” e mais instantâneos.
E as mobilizações sociais são também influenciadas por essa estrutura.
Anteriormente localizadas e demandantes de mais tempo, atualmente podem ser
internacionalizadas e de rápida adesão, dependendo do tema e de quanto as
pessoas estão relacionadas ao propósito. Porém, assim como a identidade é tida
11
como deslocada ou descentralizada, as afinidades e identificações podem ser
múltiplas e até mesmo superficiais.
No final dos anos 2000, viu-se uma explosão de movimentações sociais que
tinham como grande ferramenta de engajamento a internet, que servia como
fomentador dessas “coletividades” com um poder altíssimo de disseminação e
“viralização”. Movimentos dos mais diversos tipos, temas e objetivos que davam e
dão à sociedade a possibilidade de se manifestar talvez de forma “facilitada”.
O trabalho a seguir coloca essas formas de envolvimento social em questão,
tendo em vista um olhar analítico sobre a história (mesmo que em curto prazo) das
movimentações coletivas. Afinal, como se chegou a esse estado de engajamento na
contemporaneidade? Quais são os reais motivos que podem fazer com que uma
pessoa se engaje ou não por algo ou alguma ideologia pelas plataformas digitais?
Esse tipo de engajamento é realmente mais “fácil” ou é apenas uma forma
contemporânea de mobilização? Afinal, engajamento está atualmente quase que
resumido em um clique, ou melhor, em um LIKE.
12
13
1. O SUJEITO PÓS-MODERNO E UMA NOVA FORMA DE CRIAR SUA IDENTIDADE
14
1. O SUJEITO PÓS-MODERNO E UMA NOVA FORMA DE CRIAR SUA IDENTIDADE
Um dos fatores mais importantes para que se possa entender o processo de
mobilização e engajamento social na contemporaneidade é que haja um estudo
prévio da sociedade pós-moderna e da formação de grupos sociais. Assim, poderá
ser feita uma construção histórica de como o indivíduo encarava os agrupamentos
sociais como formação ou não de sua identidade, para concluir qual o atual estado
desse sujeito.
O que se chama de processo de identidade do sujeito diferenciou-se
fortemente no período pós-moderno, o que desencadeou uma nova forma de
relacionamento e conseqüentemente de “compromisso coletivo”.
Criado por volta da década de 1930, para indicar uma pequena reação ao
modernismo, o pós-modernismo ficou mais popular nos EUA nos anos 1960 por
jovens artistas e escritores como forma de reagir à institucionalização do alto
modernismo pelos museus e pela academia. Após os anos 70 e 80 houve uma forte
utilização na arquitetura, artes visuais, cênicas, literatura e música, “findando por
atingir os modos de produção e consumo” (HARVEY, 1989).
Além desse conceito, representa também um período de transição entre a
modernidade e o surgimento de ”uma nova totalidade social, com seus princípios
organizadores próprios e distintos.” (FEATHERSTONE, 1995, p. 20). Severiano e
Estramiana1 definem o período também no fator histórico, relacionando às
transformações no campo digital e de produção.
Como período histórico, a pós-modernidade está relacionada às transformações sociais, culturais, econômicas e políticas do inicio dos anos 60, tais como os movimentos estudantis radicais deste período, a irrupção de movimentos reivindicatórios de minorias, os grupos “pós-modernistas” no campo da arte, da arquitetura, da literatura e da academia, a ascensão vertiginosa das tecnologias de comunicação respaldada pelos novos
1 SEVERIANO, M. d., & ESTRAMIANA, J. L. (2006). Consumo, narcisismo e identidades contemporâneas: uma análise psicossocial. Rio de Janeiro: EDUERJ.
15
recursos da informática, a queda do “socialismo real” e o estabelecimento de um mundo exclusivamente dominado pela economia de mercado capitalista, juntamente com a expansão, sem precedentes, da chamada globalização. (SEVERIANO e ESTRAMIANA, 2006, p.38)
O que é citado por Severiano e Estramiana sobre os movimentos
reivindicatórios no parágrafo acima será mais bem discutido no próximo capítulo,
mas é importante ressaltar essas características que influenciaram e foram
influenciadas pelo período pós-modernista.
Mas, como se dava a concepção do sujeito deste período e como eram as
relações dele com os outros indivíduos?
Hall2 constrói o sujeito pós-moderno como resultado de uma fragmentação
das identidades que veio a partir dos processos de globalização e revoluções
comunicacionais. Assim, de forma extremamente orgânica, o sujeito se multiplica
tomando formas diferenciadas, ou seja, de identidades não fixas. Com isso, as
representações que o sujeito teria nos sistemas culturais seriam inúmeras, que se
alterariam de acordo com a necessidade adquirida.
A grande diferença entre o sujeito pós-moderno e os anteriores próximos,
está quase que integralmente na fragmentação da sua identidade. Mas quem seriam
esses outros sujeitos? Utilizar-se-ão como base de comparação os sujeitos descritos
por Hall. Assim se poderá entender essa “evolução” do indivíduo até a sua
concepção pós-moderna.
2 HALL, S. A identidade cultural da pós‐modernidade. DP&A Editora.
16
1.1 Sujeito pós-moderno: diferenças e concepções
Hall distingue o sujeito do iluminismo, do sujeito sociológico e do sujeito pós-
moderno. O primeiro tinha sua concepção a partir da pessoa como um ser
completamente centrado, fixado em um eixo de essência estável e sem modificação.
O que Hall chama de eixo do “eu” era justamente a identidade de uma pessoa.
Assim, esse Sujeito é entendido de forma extremamente “individualista” com olhares
para si próprios em relação à própria identidade. É importante ressaltar, e o mesmo
faz Hall, a questão de gênero neste período, sendo assim, esse Sujeito era
especificamente masculino, o que reforça ainda mais a individualidade “dele”.
Após o Sujeito do Iluminismo, Hall descreve o Sujeito sociológico como um
grande resultado das transformações e complexidade que seria o período moderno.
Essa fase de forte alteração de significados e pontos de vista colocou o Sujeito
como um ser sem autonomia da sua própria identidade. O núcleo do Sujeito seria
formado pela interação e relação com todos os que estavam a sua volta, e que ele
gostasse. O Sujeito Sociológico tinha valores e símbolos completamente mediados
por essas pessoas. Hall dá a esse sujeito a ideia de formação interativa da
identidade e do eu.
A identidade é formada na “interação” entre o eu e a sociedade. O sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o “eu real”, mas este é formado e modificado num dialogo continuo com os mundos culturais “exteriores” e as identidades que esses mundos oferecem. (HALL, p. 11)
O Sujeito Sociológico teria a identidade como um elemento que está entre o interior
e o exterior ao indivíduo. Ela está entre tudo aquilo que faz parte da vida pessoal do
Sujeito e da vida pública. Assim, a grande questão seria o fato de haver uma
projeção do próprio eu nas identidades culturais, e o contrário também, que é a
absorção das informações sociais tornando-as interiores ao sujeito.
O fato de que projetamos a nós próprios nessas identidades culturais, ao mesmo tempo em que internalizamos seus significados e valores, tornando-os parte de nós, contribuindo para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. A
17
identidade então costura (ou para usar uma metáfora médica, sutura) o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis. (HALL, p. 12)
O surgimento de Sujeito Pós-moderno se dá como resultado de mudanças
nessa estrutura, que colapsou as identidades presentes na sociedade como forma
de suprir as necessidades culturais. O processo de identificação citado por Hall
passou a ser mais instantâneo, variável e provisório. Assim, o Sujeito que
anteriormente tinha uma identidade fixa tem se fragmentado e é composto por várias
identidades, de acordo com o contexto no qual está presente.
Bauman3 também explica esse momento em que o Sujeito deixou de ser
social e passou a ter sua identidade construída a partir de um processo de
“individualização” no que ele chama de Modernidade líquida ou Modernidade Tardia.
Chegou o tempo de anunciar, como o fez recentemente Alain Touraine, “o fim da definição do ser humano como um ser social, definido por seu lugar na sociedade, que determina seu comportamento e ações”. «Em seu lugar, o principio da combinação da definição estratégica da ação social que não é orientada por normas sociais» e “a defesa, por todos os atores sociais, de sua especificidade cultural e psicológica” “pode ser encontrado dentro do individuo, e não mais em instituições sociais ou em princípios universais. (BAUMAN, p. 29)
A identidade do Sujeito pós-moderno é completamente móvel e se desloca
para todos os lados e isso acontece durante toda a vida do indivíduo. Como há
muitos sistemas de significação e representação cultural, somos confrontados por
uma gama enorme de identidades possíveis.
3 BAUMAN, Z. (1999). Modernidade Líquida.
18
Outro fato que se precisa entender é a influência da globalização no
deslocamento das identidades. Antes da modernidade falava-se das identidades
nacionais e do processo de identificação a partir de uma cultura também nacional.
Porém, deve-se ter em mente que a globalização se tornou algo
extremamente ligado e quase intrínseco à modernidade, o que influenciou de forma
gritante a concepção de identidade. Hall cita algo como “A modernidade é
inerentemente globalizante”.
A globalização nesse caso trata-se justamente de um conjunto de processos
que acontecem em escala global, atravessando fronteiras nacionais, “integrando e
conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo,
tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado” (HALL, p.
67).
Tudo o que foi modificado na estrutura social com a modernidade, deu maior
liberdade ao indivíduo em relação aos seus apoios estáveis nas tradições e nas
estruturas. Hall explica:
Antes se acreditava que essas eram divinamente estabelecidas; não estavam sujeitas, portanto, a mudanças fundamentais. O status, a classificação e a posição de uma pessoa na “grande cadeia do ser” – a ordem secular e divina das coisas – predominavam sobre qualquer sentimento de que a pessoa fosse um indivíduo soberano. O nascimento do “indivíduo soberano”, entre o Humanismo Renascentista do século XVI e o Iluminismo do século XVIII, representou uma ruptura importante com o passado. (HALL, p. 70)
O processo de formação da identidade que anteriormente tinha seus eixos na
identificação local passou por um processo de transformação, já que a interação
global aumentou enormemente e os fluxos de informação entre as nações se
tornaram em grande volume e instantâneos. Canclini4 também coloca a
4 CANCLINI, N. G. (2006). Consumidores e cidadãos. UFRJ.
19
globalização como uma grande influenciadora do enfraquecimento das identidades
nacionais e regionais. Como teoria das identidades e da cidadania, ele explicita
esse enfraquecimento sendo muito mais brusco no contexto das “tecnologias da
informação vinculadas às tomadas de decisão, bem como nos entretenimentos de
maior expansão e lucratividade (vídeos, videogames, etc)” 5. O que afetou
diretamente as identidades no campo do trabalho e do consumo.
É importante explicar que além dessas transformações na estrutura social,
houve outras influenciadoras deste “descentramento” do sujeito. Hall cita cinco
grandes processos e estudos que deslocaram o sujeito do eixo em que estava.
Serão colocados dois deles em pauta, que são de extrema relevância para
este estudo, pois integrarão outros argumentos em relação à formação da
identidade. O primeiro citado por Hall é a descoberta do inconsciente por Freud, que
teve em seus estudos elementos muito relevantes para modificar o pensamento
ocidental no século XX, e o segundo é o movimento feminista. Mas afinal, do que se
tratavam esses dois fatores de descentramento do sujeito?
5 CANCLINI, N. G. (2006). Consumidores e cidadãos. UFRJ.
20
1.2 A definição de Identidade e identificação
A teoria de Freud coloca a questão da formação da identidade e a
sexualidade a partir de “processos psíquicos do inconsciente, que é justamente o
contrário do que se acreditava, em relação à formação do indivíduo por meio de um
processo racional. Assim, o sujeito conceitualmente concebido a partir da razão e
com uma identidade fixa e unificada cai por terra. É a decadência da ideia do sujeito
de Descartes que tinha por premissa o “penso, logo existo”. 6
Após essas descobertas de Freud, Lacan discute a questão da formação da
identidade que se inicia na infância - quando não se tem a imagem do eu como
inteiro e unificado – e continua durante o crescimento por meio da relação com os
outros. Porém, Lacan fala sobre a busca, mas o não alcance das pessoas pela
unificação do sujeito. Ele permanece dividido por toda a vida, mas ele “vivencia sua
própria identidade como se ela estivesse reunida, resolvida e unificada”. Seria a
crença em uma fantasia de si mesmo como um sujeito unificado.
Com isso Lacan abre mão de “identidade” e prefere a concepção de um
processo de identificação que está sempre em andamento. “A identidade para ele
surge não da plenitude da identidade que já está dentro das pessoas como
indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é preenchida a partir do exterior, pelas
formas através das quais as pessoas se imaginam ser vistos pelos outros.” 7 Como
as pessoas buscam este prazer de plenitude, elas buscam e constroem assim
biografias que formam os seus diferentes “eus”.
O segundo descentramento citado por Hall é a questão do “impacto do
feminismo como uma crítica teórica e como um movimento social. Assim como será
explicado no próximo capítulo, o feminismo integra a significação dos “Novos
movimentos sociais” assim como os movimentos de estudantes, jovens e
revolucionários dos anos 60.
6 HALL, S. A identidade cultural da pós‐modernidade. DP&A Editora. 7 ibidem
21
Esses movimentos tinham um fator cultural muito forte, aproximavam as
questões objetivas às subjetivas da política e eram verdadeiramente espontâneas.
“Cada movimento apelava para a identidade social de seus sustentadores. (...) Isso
constitui o nascimento histórico do que veio ser conhecido como a política de
identidade – uma identidade para cada movimento.” (HALL, p. 45).
Além disso, como característica de um novo movimento social, o feminismo
questionou de forma direta as distinções entre público e privado, pondo em xeque
convenções sociais já estabelecidas como a família, a sexualidade, o trabalho
doméstico, etc.
Ele politizou a subjetividade, a identidade e o processo de identificação (como homens/mulheres, mães/pais, filhos/filhas). Aquilo que começou como um movimento dirigido à contestação da posição social das mulheres expandiu-se para incluis a formação das identidades sexuais e de gênero. O feminismo questionou a noção de que homens e as mulheres eram parte da mesma identidade, a “Humanidade”, substituindo-a pela questão da diferença sexual. (HALL, p. 46)
22
1.3 A identidade em jogo
Aqui se vê essa concepção da identidade como algo de extrema alternância e
dependente da ação dentro do contexto histórico que a pessoa ou grupo se
encontra. Para Canclini, a definição passa pelo pensamento de que “a identidade é
uma construção, mas o relato artístico, folclórico e comunicacional que a constitui se
realiza e se transforma em relação a condições sócio-históricas não redutíveis à
encenação. A identidade é teatro e é política, é representação e ação” 8.
Uma das grandes características dessa sociedade que tem suas identidades
deslocadas, descentralizadas, caracterizando uma forma não fixa de representação
social, é o fato de haver a possibilidade de utilizá-las da forma que melhor convém.
Assim, uma pessoa pode lançar mão de uma identidade em um contexto, e
lançar mão de outra, mesmo que contraditória, em outro contexto social. Hall chama
isso de “jogo das identidades”, no qual a identidade mestra sofre ruptura e há uma
emersão de novas identidades que são relacionadas a outros grupos. Isso mostra
como é possível “identificar-se” de acordo com o que pode trazer mais respaldo do
grupo social com o qual se está envolvido.
Quando se fala de um contexto social galgado na digitalização e globalização,
vê-se a multiplicação de ambientes onde o jogo das identidades é explicitado e
posto em prova. A partir dos anos 1990 houve uma explosão das chamadas redes
sociais na internet que por essência se constituem de ambientes digitais que
reforçam a ideia de relacionamento interpessoal deixando de lado o conceito de
espaço/território, já quebrado pela globalização.
Por ser deslocado de tempo/espaço, o indivíduo tem a liberdade de exercer o
“jogo das identidades” de forma muito mais abrangente e até mesmo persuasiva. Em
cada ambiente uma identidade pode ser criada, ou melhor, emersa e desenvolvida
sem que haja um compromisso real com a realidade. Afinal, cada “canal” possui a
8 CANCLINI, N. G. (2006). Consumidores e cidadãos. UFRJ.
23
sua personalidade e seu objetivo, sendo assim é um meio de expressão e
comunicação que precisa de um perfil adequado perante os outros indivíduos.
E com isso as relações sociais foram modificadas, pois afinal, a “virtualidade”
daria espaço para a criação de múltiplas identidades e com isso a aproximação se
daria também de forma múltipla.
Assim, chega-se ao ponto de falar mais sobre a digitalização e os processos
comunicacionais que permitiram esse novo contexto social, facilitando a expressão e
a manipulação da informação e, por conseqüência, das identidades. No próximo
tópico, citar-se-ão brevemente os quatro momentos da comunicação explicitados por
CASTELLS, a fim de localizar a etapa em que a sociedade se encontra.
24
1.4 A informação em poder do indivíduo
A história da sociedade é marcada pelas alterações nas relações entre as
pessoas e entre as pessoas e o contexto em que estão inseridas. Mas um dos
fatores de maior influência nessas relações é justamente a noção da comunicação e
de qual estágio ela se encontra.
Assim, todas as mudanças sociais acabam sendo também conseqüências
das mudanças dos processos de comunicação. Como bem destacou Walter
Benjamin, “uma nova tecnologia comunicativa é capaz de mexer com os nossos
sentidos e alterar a nossa forma de ver o mundo”. Com isso, as grandes mudanças
sociais acontecem.
Castells9 vai ao encontro desta informação “as transformações nas formas de
armazenar e transmitir as informações, faz com que vejamos, percebamos e
entendamos o mundo de formas diferentes”
De acordo com essa afirmação, Castells discorre sobre as revoluções nos
processos comunicacionais que a sociedade já enfrentou e de como isso afetou, nos
contextos diversos, a forma de expressão e relacionamento social. Essas revoluções
da comunicação seriam quatro: a Escrita, a Criação da Imprensa, a Criação dos
meios de massa e quarta que é a transformação das tecnologias da informação,
processamento e comunicação.
A escrita, de forma muito breve e simplificada, refere-se ao momento em que
a sociedade passou a gravar a sua cultura, acontecimentos, percepções e visões do
mundo e não apenas a transmiti-las verbalmente. A criação da imprensa foi a grande
pulverizadora da leitura e da informação, pois aquilo que era limitado a um grupo
restritíssimo de pessoas, passou a ser disseminado em escala maior.
A terceira revolução aconteceu com a criação dos meios de massa, o que
multiplicou as formas de transmitir a informação e também das pessoas receberem e
terem acesso à informação.
9 CASTELLS, M. Sociedade em rede.
25
A quarta refere-se à transformação das tecnologias de informação,
processamento e comunicação que é quando o homem passa a ter controle sobre a
manipulação da informação. Ele é elemento decisivo na construção de um novo
contexto informativo e cada vez mais de um novo discurso.
A partir daqui, vê-se a formação de um ambiente coerente à emersão da ação
relacionada ao fluxo de informação pela internet e das redes sociais em si. Como já
discutido, as identidades na modernidade líquida (ou tardia) são postas e
construídas neste ambiente de intensa interação entre conteúdo, sociedade e
tecnologia. Com o poder da informação na mão do indivíduo, criar, compartilhar ou
apenas comentar são também formas de expressão e parte do processo
identificatório.
26
1.5 As redes sociais em um pouco mais de 140 caracteres
Nesta etapa é importante discorrer brevemente sobre a história das redes
sociais10 tentando esclarecer alguns pontos sobre como eram e são utilizadas como
forma de expressão, relacionamento e até mesmo de plataforma mobilizadora.
Abaixo, serão descritos alguns serviços antigos que ofereciam funções
específicas, mas que foram importantes para iniciar algo que muitas das “redes
sociais” da contemporaneidade agregam.
Primeiramente cita-se o CompuServe que foi criado em 1969, e que em linhas
gerais foi o primeiro serviço on-line de comercialização e troca de informação
internacional. Na época foi responsável pela popularização do compartilhamento de
figuras e responsável pela criação do formato GIF.
Figura 1: Uma sala de chat do CompuServe’ Games Forum em março de 1993.
10 http://www.maclife.com/article/feature/complete_history_social_networking_cbbs_twitter
27
Quase 10 anos depois, mais precisamente em 1978, surgiu o CBBS
(Computer Boulletin Board System) que era um software que avisava os membros
quando e quais eram os próximos eventos e encontros mais importantes.
Depois do lançamento de serviços como o Genie em 1985 e o Listserv em
1986, foi lançado em 1988 o Internet Relay Chat que era basicamente um bate-papo
online que permitia transferência de arquivos em conversas em grupo ou privadas. O
principio do “chat” e do compartilhamento começou a ter grande destaque, pois se
criava então, mesmo com limitações, a cultura do relacionamento virtual.
Apenas em 1997 que foi lançado o Six Degrees que foi a precursora das
redes sociais mais comuns da contemporaneidade, pois permitia o usuário criar seu
perfil e adicionar amigos e conhecidos.
Já em 1999 uma plataforma chamada Live Journal foi construída em torno do
conceito de blogging, na qual a proposta era criar um perfil, postar informações e
interagir com outros usuários. Este é um passo importante, pois a geração de
conteúdo passa a ser mais relevante para as redes sociais, extrapolando o campo
da “conversa” para a produção de informação.
Em 2001 foi lançado o Wikipedia, com o conceito de crowndsourcing11, e a
partir de 2002 houve o lançamento de várias plataformas e redes sociais como o
Friendster, LinkedIn e MySpace.
11 Conceito relacionado à produção coletiva e voluntária de conteúdo. Essa definição será mais bem estudada no capítulo 2.
28
Figura: Homepage do Friendster.
Figura : Homepage do Myspace.
As pessoas criavam seus perfis e podiam se relacionar e trocar informações
de forma rápida de qualquer lugar do mundo. Assim, o alcance da informação já era
muito grande, pulverizando e conquistando cada vez mais pessoas. Em 2004
29
presenciou-se o lançamento do Orkut, que em países como Índia e Brasil alcançou
um número de membros que merece destaque em termos de agrupamento e
influência.
A mais famosa rede social do mundo, o Facebook, foi criado em 2004 e,
como se sabe, com objetivo de ser um site de relacionamento para os alunos de
Harvard, na qual apenas convidados podiam se cadastrar. Em 2005 ele foi habilitado
para outras escolas e instituições de ensino, o que culminou na conquista em tempo
recorde de grande parte dos EUA e de quase todos os países do mundo. Isso
também aconteceu com o fato de possuir um poder altíssimo de atualização e oferta
de serviços que fossem realmente relevantes para as pessoas naquela época.
Outro fator é a plataforma também ser colcaborativa por ter seu código aberto à
programação e atualização de outros profissionais especializados.
Figura: Primeira Homepage do ainda nomeado “The Facebook”.
30
Além do Facebook, outra plataforma que de certo modo revolucionou a forma
de criar e compartilhar conteúdo, foi o YouTube. Em 2005 o site surgiu com a
possibilidade de fazer o upload, de forma simples e rápida, de vídeos de qualquer
conteúdo e de qualquer usuário, podendo disponibilizá-lo para toda a web e assim,
podendo ser visualizado por qualquer internauta do mundo. Este é um ponto
importante na história da geração de conteúdo, tendo em vista o conceito de
hipermídia e expressão em linguagens diferenciadas.
Em 2006, com o conceito de microblogging12, o Twitter foi lançado ao
mercado. A ideia era criar um serviço de envio de mensagens curtas, ou até mesmo
de troca de status através do celular, em que a pessoa receberia um “twich” no seu
telefone móvel. Sua estrutura simplificada, funcionamento e opções de serviços
limitados, o Twitter conquistou uma popularidade muito grande em tempo recorde.
Em 2007 a plataforma passou de 20 mil para 60 mil tweets enviados diariamente.
Nesta época o mundo já estava praticamente tomado pelas redes sociais. A
quantidade de informação que passou a ser compartilhada através dessas e de
outras plataformas de relacionamento chegou a números de grande importância
para a internet. Em maio de 2007, para se ter uma ideia, mais de 3 bilhões de
imagens eram postadas e compartilhadas diariamente nas redes sociais.
O Twitter cresceu13 de forma rápida e também conseguiu abranger vários
países do mundo. A rapidez e síntese das informações seriam os sintomas mais
explícitos da sociedade contemporânea que precisa, de certo modo, se comunicar
globalmente, mas instantaneamente devido à quantidade de conteúdo exposto para
ser consumido, criado e compartilhado.
Em 2011 o Facebook conta com mais de 500 milhões de usuários ativos por
todo o mundo. Alguns dados mostram que mais de 70% deles estão fora dos EUA. É
interessante citar outros números de alcance e freqüência que as pessoas interagem
com a plataforma, para se ter uma ideia da popularidade do Facebook. 12 Esse conceito foi criado para identificar o comportamento de “blogar” de forma rápida e sintética. No caso do Twitter, o usuário deve se expressar em no máximo 140 caracteres, tornando o conteúdo consumível de forma momentânea, e a informação colocada a um patamar de instantaneidade e objetividade.
13 Informações retiradas do site da agência de métricas digitais http://www.peoplebrowsr.com/.
31
Um relatório14 lançado em março de 2011 indicou que, por exemplo, 48% das
pessoas entre 18 e 34 anos acessam o Facebook assim que acordam. Além de
expor de certa forma a vida da pessoa a rede passou a ser uma forma de atualizar-
se rotineiramente sobre o mundo e sobre as pessoas com as quais cada um
convive. E isso não é apenas um comportamento dos jovens. As pessoas com mais
de 35 anos representam 30% do total dos usuários ativos.
Esse relatório de números do Facebook explicita que dos 206 milhões de
usuários de internet nos EUA 71,2% têm um perfil do Facebook. Dos usuários 57%
disseram que conversam mais com amigos via Facebook do que na vida real, e 48%
dos jovens americanos dizem ler notícias que são enviadas via Facebook.
O relatório faz também uma síntese do que seria, em números de interações,
vinte minutos no Facebook. Sendo assim:
- 1 milhão de links compartilhados;
- 1,3 milhão de fotos “tagueadas”;
- 1,8 milhão de atualizações de status;
- Quase 2 milhões de novos amigos;
- Quase 3 milhões de novas fotos;
- Quase 3 milhões de novas mensagens com mais de 10 milhões de comentários, e
- 1,5 milhão de novos posts.
No subtópico anterior, falou-se da informação e conteúdo sendo gerado e
compartilhado pelas pessoas. As facilidades das redes sociais conseguiram
stressar, de certa forma, esse sentido e fazer com que todos participassem dessa
grande cadeia que envolve o fluxo informativo.
14 Informações da OnlineSchools.org em um vídeo compilado de Alex Trimpe.
32
Vale a pena fazer uma rápida observação sobre essa liberdade de expressar-
se que as redes sociais conseguiram dar ao sujeito. Para não cair no lugar comum,
traz-se neste momento uma reflexão sobre uma mudança operacional e simples
semanticamente, mas que transformou profundamente a forma como as pessoas
atuam nas redes sociais. Se trata da mudança do botão “Tornar-se fã” para um
simples “Like”15.
Esta alteração será também tratada no capítulo 2 e 3 desta monografia, mas,
para contextualizar no Facebook havia até 2010 dois botões padrões que tinham
suas devidas funções. O “Tornar-se fã” que estava relacionado às páginas de
marcas e de personalidades, das quais o usuário poderia se envolver para receber
informações e atualizações sobre esse “ídolo”, e o botão “Compartilhar” que estava
relacionado à atitude ativa que o usuário tinha em relação a uma informação ou
comentário.
O botão “Like” foi desenvolvido para aliar essas duas coisas, agregando em si
o “gostar”, o “registrar” e “compartilhar” a informação, e o “se engajar” a uma
comunidade (este último será melhor discutido no sub-tópico “O que é engajamento”
do segundo capítulo desta monografia).
Figura 5: Timeline do botão “Like” n Facebook criado pelo Jornal Estado de São Paulo.
Com isso, o simples fato de o internauta ler e gostar da informação faz com
que ele se torne automaticamente em um leitor ativo e compartilhador. Ou melhor “o
15 Esses são ”botões” da rede social Facebook que concretiza o envolvimento de uma pessoa com a informação que ela acessa na plataforma.
33
Like se transformou na unidade mínima da web 2.0, a partícula elementar que
transforma qualquer leitor passivo em alguém que publica”16.
16 Expressão extraída da matéria “Adoro” do Jornal Estado de São Paulo, L2 ‐ Link, 2011.
34
35
2. O ENGAJAMENTO SOCIAL E SUAS CONCEPÇÕES
36
2. O ENGAJAMENTO SOCIAL E SUAS CONCEPÇÕES
2.1 Teorias da mobilização
Para que haja um maior entendimento sobre os agrupamentos e as
movimentações sociais17 são necessárias entender como se dá a concepção das
“mobilizações sociais” e como ela se modificou até a contemporaneidade. A
sociedade que transformou a sua forma de se identificar, de construir sua identidade
e também de se comunicar, passou por um processo intenso de reestruturação da
expressão reivindicatória, pois afinal, a coletividade foi posta em questão,
juntamente com o seu poder de influência e necessidade do individuo na sua
construção.
No período de 30 a 60 teóricos, como Adorno, por exemplo, chegaram a
conclusões sobre uma teoria da “desmobilização política”, na qual as
movimentações estariam postas em xeque já que as relações entre estrutura e
personalidade da sociedade não favoreciam os agrupamentos sociais. Como
argumento eles citavam a questão do individualismo intenso da sociedade moderna
que criara personalidades narcísicas focadas em suas próprias satisfações e à
margem dos assuntos políticos. “A mobilização coletiva eclodiria apenas como
irracionalidade ou, conforme Smelser, como explosão reativa de frustrações
individuais, que as instituições momentaneamente não lograriam canalizar.”
(ALONSO, pag 50).
Porém, segundo Alonso, a teoria da desmobilização política mudou depois
dos anos 60, quando surgiram movimentos sociais na Europa e EUA, que não se
baseavam em classe, nem gênero, etnia e tampouco visavam à tomada de poder.
(...) não eram reações irracionais de indivíduos isolados, mas movimentação concatenada solidária e ordeira de milhares de pessoas. Então não cabiam bem em nenhum dos dois grandes sistemas teóricos do século XX: o marxismo e o funcionalismo. (ALONSO pag 51)
17 Esse termo é citado por Alonso como cunhado nos anos 60 a partir do contexto Ocidental da época, para nomear os agrupamentos coletivos que bradavam por mudanças pacificas na sociedade (“faça amor, não faça guerra”).
37
Com isso, outros teóricos e estudiosos nos anos 70, apresentaram três
teorias sobre os movimentos sociais, que visavam conceber o porquê e como se
davam essas mobilizações, mediante os contextos pelos quais a sociedade estava
sofrendo influência e ao mesmo tempo influenciando. São elas:
1. A teoria de mobilização de recursos.
2. A Teoria do processo político.
3. A Teoria dos novos movimentos sociais.
Para que se possa discutir a questão do engajamento em si, é importante
entender essas três teorias, pois elas servirão como base para a conceituação das
mobilizações na pós-modernidade e também na contemporaneidade. Assim, visitar-
se-ão os conceitos básicos sobre o objeto, definindo melhor como é o atual cenário
para movimentos sociais de todos os tipos.
38
2.1.1 Teoria de mobilização de recursos:
Alonso explica que essa teoria foi construída a partir de explicações sobre
emoções coletivas, exacerbando o extremo oposto disto, que é a racionalidade.
Essa teoria discorre sobre o real sentido e organização das mobilizações, abrindo
mão do que era anteriormente proposto como sendo “insatisfações individuais não
canalizadas pelas instituições” (ALONSO, p. 51), ou seja, as necessidades
narcísicas latentes e não supridas.
É importante notar que essa teoria vai além da percepção do
descontentamento como gerador de mobilizações - já que esse descontentamento
que poderia ser por privação material ou interesse de classe sempre existiu –
discutindo sobre o processo de mobilização. Neste processo, a ação deixa de ser
emotiva e passa a ser deliberada pelo indivíduo, ou seja, parte da livre escolha
individual. Porém, para ocorrer a mobilização coletiva é preciso que haja tanto
recursos materiais e humanos quanto uma organização entre os envolvidos.
A racionalização plena da atividade política fica clara no argumento da burocratização dos movimentos sociais, que, gradualmente, criariam normas, hierarquia interna e dividiriam o trabalho, especializando os membros, com os lideres como gerentes, administrando recursos e coordenando as ações (McCarthy e Zald, 1977). Quando mais longevos mais burocratizados os movimentos se tornariam. (ALONSO, p. 52)
Essa Teoria levou a mobilização coletiva a um patamar “industrial”,
comparando-as de forma deliberada e quase sinonímica. A mobilização era tida
como uma organização real e empreendedora. Essa Teoria tomou como premissa a
faceta racional e estratégica da ação coletiva, deixando outros fatores como a
cultura e identidade coletiva à margem da conceituação, culminando no ataque de
diversos críticos nos anos 70.
A segunda teoria tinha o preceito social político e cultural mais enraizado, o
que diferia muito da supracitada.
39
2.1.2 Teoria do processo político:
Essa teoria assim como a Teoria dos Novos Movimentos Sociais (explicitado
no próximo tópico), insurgiu contra as conceituações deterministas, economicistas e
da ideia de um sujeito histórico universal, combinando na sua essência a política e a
cultura para explicar os movimentos sociais. Assim como a Teoria da Mobilização de
recursos, pressupõe a necessidade da coordenação dentre os ativistas para se
produzir um ator coletivo. Porém essa coordenação depende da combinação entre
pertencer a uma categoria e a densidade das redes interpessoais vinculando os
membros dos grupos entre si. Aqui entra o elemento cultural à explicação, que é
justamente a solidariedade.
Esta teoria mostra que a mobilização social se dá a partir de uma estrutura de
oportunidades políticas. Ela é “uma forma histórica de expressão de reivindicações,
que não existiu sempre, nem em toda a parte.” (ALONSO, p. 57). Até o século XVIII
os movimentos sociais se davam a partir de dois tipos de repertórios de ações
coletivas, pois os temas eram extremamente limitados (alimentos, impostos,
resistências) e nos mesmos lugares (igrejas, mercados, festivais). Um dos tipos se
referia à ação direta e com grande uso de violência, no plano local e o outro tipo
representativo quando questões nacionais estavam envolvidas. Porém, essa teoria
se argumenta na análise de movimentos europeus a partir de 1830, no qual outras
relações começavam a se dar, sendo mais ofensivos porem menos violentos. Os
temas mudaram (eleições, economia, trabalho, impostos) e também os locais onde
ocorriam. O repertório18 se daria de forma combinável, sendo que se escolhiam
dentre as mesmas formas – sejam elas greves, comícios, assembléias, passeatas –,
lugares e temas que expressassem de forma mais adequada os propósitos dos
diferentes tipos de atores sociais.
Assim a Teoria do Processo Político põe em discussão o fato que os atores
podiam empregar o sentido de contestação ou manutenção da ordem às formas
18 Alonso discute o significado de repertório e cita Tilly, que conceitua: “Repertório é um conjunto limitado de rotinas que são aprendidas, compartilhadas e postas em ação por meio de um processo relativamente deliberado de escolha.» (TILLY, 1995)
40
existentes no “repertório”. Com isso, lançou mão da cultura para explicar a ação
coletiva, porém não se aprofundou nessa conceituação.
A terceira e última teoria, conseguiu englobar de forma mais completa a
cultura na proposta de entendimento das mobilizações sociais.
41
2.1.3 Teoria dos novos movimentos sociais:
Com o contexto social modificado, os estudiosos definiram uma nova
sociedade, que seria chamada de pós-industrial, na qual a indústria e o trabalho
teriam perdido “importância” como assuntos centrais para o mundo.
A dominação teria se tornado cultural, feita por meio do controle da informação por uma tecnocracia. Técnica e cultura passaram a interpenetrar-se, as distinções entre mundo publico e privado teriam se nublado, fazendo com que os conflitos, antes restritos ao plano econômico, avançassem para a vida privada (família, educação, sexo) e ganhassem dimensões simbólicas. (ALONSO, p. 60)
Assim o conflito se abrange e toma espaço em todos os locais e temas. Neste
caso, os sujeitos de mobilização passam a ser grupos marginais em relação aos
padrões sociais, podendo ser até mesmo minorias excluídas, que como Alonso cita
como exemplo, negros, homossexuais, índios, mulheres, jovens, intelectuais, etc.
Habermas também contribui para a conceituação dessa Teoria, partindo
também dessa evolução das preocupações sociais, concebendo a sociedade civil,
desvinculada do estado. Pelo fato do trabalho ter perdido a centralidade, as energias
foram para uma “nova zona de conflito”. Assim, se configuram os novos movimentos
sociais, empenhados numa luta simbólica em torno de definições da “boa vida”. Os
novos movimentos sociais, segundo Habermas, seriam formas de resistência à
dominação do mundo da vida, reações à padronização e à racionalização das
interações sociais e em favor da manutenção ou expansão de estruturas
comunicativas, demandando qualidade de vida, equidade, realização pessoal,
participação, direitos humanos
Alonso continua a concepção dos Novos Movimentos Sociais e diz que esses
movimentos estariam completamente livres das influências de partidos, da indústria
cultural e da mídia, deixando um contexto de comunicação sem nenhuma amarra.
Para Melucci, esse contexto social pós-industrial, seria para os Novos Movimentos
Sociais algo complexo e que fazia do público e do privado algo inter relacionável e
inter penetrável. Assim as relações interpessoais, sexuais e a identidade biológica
se tornariam as novas “zonas de conflito”. Objetivamente, os novos movimentos
42
sociais seriam “contestações pós-materialistas, com motivações de ordem simbólica
e voltadas para a construção ou o reconhecimento de identidades coletivas.”
(ALONSO, p. 64)
Segundo Alonso, Melucci é o que propõe a questão da identidade coletiva na
questão das mobilizações sociais. “A identidade coletiva é uma definição interativa e
compartilhada produzida por numerosos indivíduos e relativa às orientações da ação
e ao campo de oportunidades e constrangimentos no qual a ação acontece.”
(MELUCCI, 1988, pag.42)
Indivíduos agindo coletivamente ‘constroem’ suas ações por meio de investimentos ‘organizados’; isto é, eles definem em termos cognitivos o campo de possibilidades e limites que percebem, enquanto, que ao mesmo tempo, ativam suas relações de modo a dar sentido ao seu ‘estar junto’ e aos fins que perseguem (MELUCCI, em citação de ALONSO, p. 66).
Neste momento a Teoria dos Novos Movimentos Sociais seria sim uma
operação racional, porém a decisão pelo engajamento seria um produto de um
“reconhecimento emocional”. Alonso explica que essa teoria inclui três níveis da
ação coletiva: cognição, praticidade e emoção.
A identidade coletiva seria produzida a partir da definição de um “framework cognitivo” acerca dos fins, meios e campo de ação; da ativação prática de relações entre atores (interação, comunicação, influência, negociação, tomada de decisão); e do investimento emocional que os leva a se reconhecerem como membros de um grupo (...). As emoções retornam à análise (...) não para explicar a desmobilização, mas como motivação para o engajamento. (ALONSO, p. 67).
Assim, segundo Alonso, essa teoria viria a explicar a mobilização como um
fator híbrido entre razão e emoção. E mais que isso, as demandas desses grupos ou
minorias são de nível simbólico e que rodeiam o reconhecimento de identidades ou
estilos de vida. Com isso, a forma de mobilização se daria de forma pacífica direta,
de organização descentralizada, não hierárquica focada na sociedade civil (e não
43
mais ao Estado), exigindo mudanças culturais mesmo que em longo prazo. Alonso
cita que para os analistas e idealizadores dessa teoria, o foco cultural é o que
identifica e distingue as novas mobilizações.
Apesar de muito criticadas, essas três teorias passaram por diversas
discussões após aplicação delas em algumas regiões como forma de entender
algumas mobilizações. Com isso sofreram grande influência de outros fatores que
agregaram pontos importantes para a fase contemporânea.
No próximo tópico, ver-se-ão algumas dessas alterações que agregaram -
mesmo que não outro ponto de vista, mas ao menos uma atualização dele - e que
vão completamente ao encontro do tema proposto nesta monografia.
44
2.2 As teorias de mobilização transformadas pelo contexto social
De fato essas teorias foram questionadas, porém eram muito fortes até o final
do século XX, pois até este momento todo o contexto social ainda não havia sofrido
uma quebra tão brusca. Alonso cita que com o início do novo século o ativismo
mudou sua escala de nacional para o global sofrendo também uma intensa
profissionalização. Assim, as três teorias citadas anteriormente entraram em
reestruturação, porque todas foram localizadas tendo como personagem mais que
importante o Estado nacional, passando assim a ser burocratizado.
Além disso, os novos movimentos sociais estressaram as questões culturais e
de identidade, a partir do fortalecimento dos temas que vão além do “materialismo”,
como a religiosa, étnica, comunitárias e conservadoras. Mais do que isso, Alonso
indica que o novo século começa a apresentar movimentos sociais violentos e
policêntricos, tendo, por exemplo, o terrorismo como uma forma rotineira de
mobilização coletiva.
A globalização passa a ser um ponto importante na revisão da Teoria dos
novos Movimentos Sociais, assim como a produção e democratização da
informação e do conhecimento que passariam a ser os grandes motores das
mobilizações sociais.
A Teoria dos Novos movimentos sociais sofreu mudanças de monta para tratar da globalização. As teses de Melucci (1996) sobre a “sociedade da informação” facilitaram a expansão da teoria do âmbito do estado nacional para abranger uma sociedade global. A mobilização agora visaria não mais o Estado, mas a produção e circulação de conhecimento, tendo por bandeira sua democratização. Nessa linha, Castells (1996) argumenta que, na “sociedade de rede”, as identidades coletivas e a própria globalização se tornariam os principais focos de mobilização, levada a cabo por meio de redes de comunicação baseadas na mídia e em novas tecnologias. (ALONSO, p. 75)
Neste momento Alonso começa a defender a tendência das novas
concepções dos movimentos sociais, que ainda estão em forte estudo, mas que são
interessantes para o objeto a se tratar nesta monografia.
45
No caso a Teoria dos Novos Movimentos sociais passa a ser tratada como a
teoria da sociedade civil, que seria o lócus onde acontecem as movimentações
Assim, por não ser nem Estado, nem mercado, nem a esfera privada, da sociedade
civil eclodiriam demandas por autonomia sem referência ao poder político-
institucional, nem a benefícios materiais e nem ao auto-interesse. Alonso aponta
que nos atuais estudos dentro dessa teoria dos novos movimentos sociais,
pesquisadores falam sobre globalizing civil society, que seria uma proposta
completamente inovadora em forma e em tema de mobilização.
Já sobre a Teoria do Processo Político, os teóricos agregaram de forma
simples o conceito de terrorismo como movimentação, a globalização e a
burocratização dos movimentos. Aqui os atores fariam combinações entre “formas
mais ou menos violentas, menos ou mais organizadas, conforme sua apreensão das
estruturas e oportunidades.” (ALONSO, p. 76). Isso resultaria numa gama variada de
formas de ação e os movimentos sociais seriam apenas uma delas.
Essa nova concepção das teorias dos movimentos sociais será importante,
pois com a consciência de que fatores como os citados acima transformaram as
formas de mobilização, isso influencia diretamente na questão da identificação e de
como a noção de engajamento também foi alterada.
46
2.3 O que é engajamento?
Depois de serem vistas as principais concepções de mobilização social e
como elas se deram e se dão como base de estudos sobre movimentações
coletivas, coloca-se um ponto importante que é justamente qual é o significado dado
ao “engajamento social” e também quais foram as suas alterações de sentido na
pós-modernidade.
Tendo como primeiro pensamento a significação literal de “engajamento”, o
Michaellis mostra que “engajar é empenhar-se num trabalho ou luta; alinhar-se em
ordem de ideia ou de ação coletiva.” Sendo assim, entende-se o fato da
convergência coletiva de pensamentos e ideologias. Engajar-se faz parte sim do
universo semântico do pertencimento e identificação.
Porém, na contemporaneidade a expressão de alguma forma tornou-se um
“coringa” da área de comunicação e publicidade. Todas as marcas, empresas ou até
mesmo celebridades (aqui obviamente desconsiderando o fato de que um ídolo
pode sim ser uma marca) querem incentivar o “engajamento social”. Ações e
mensagens são planejadas e criadas para incentivar o “engajamento social”. Porém,
de certa forma, a expressão transformou-se em algo amorfo, ou melhor, polimorfo.
As agências especializadas em ROI (return of investiment), em branding ou
as focadas em mídias digitais, têm seus conceitos e formas próprias de criar e
planejar engajamento para um cliente, e de mensurar o quão engajado está o
consumidor com determinado assunto e o quão engajadora é uma marca.
Nos estudos para esta monografia, o número de regras e conceituações
encontradas foram inúmeras cada qual com seus cálculos matemáticos, equações,
análises comportamentais e leituras próprias. A era do “engajamento social” ainda
se confunde no sentido e entendimento do que significa esforços para a mobilização
do consumidor em favor de uma marca.
Assim, a proposta é entrar brevemente na questão filosófica do engajamento,
tentando abstrair alguns conceitos bases para seu entendimento e após, fazer uma
leitura do seu significado na contemporaneidade tendo em vista o contexto
47
tecnológico e de como a sociedade se engaja na era digital, com a oferta das mais
variadas redes de expressão e relacionamento.
48
2.3.1 Sartre e o escritor engajado
Para que se tenha uma percepção literário-filosófica do termo “engajamento”,
este trabalho lança mão do pensamento “sartriano” que tenta explicar a importância
de engajar-se. Essa abrangência de significados dará múltiplas bases conceituais
para colocar o engajamento no contexto das plataformas digitais.
Sartre - que é conhecido como um escritor e intelectual “engajado” em causas
políticas - utilizou sempre as suas obras como um meio de colocar em pauta as
condições sociais estimulando as discussões entre a população e ao mesmo tempo
colocar seu refinado ponto de vista sobre assuntos que muitos escritores da época
não ousavam se posicionar. Em uma de suas obras, ele discute a posição do
escritor como um sujeito engajado e mostra qual é o seu real papel em relação à
sociedade. Para Sartre, o engajamento principalmente vindo da parte dos escritores
era quase que uma característica ou dever intrínseco à escolha pela escrita.
Isso porque, ele considerava que a literatura estava em uma certa posição de
“superioridade” pela maior afinidade ao engajamento em relação às outras artes,
como pintura, música ou poesia por exemplo. A linguagem da escrita seria a mais
propícia ao engajamento do autor, pois em sua visão seria a forma mais ampla de se
conseguir expressar opiniões e abrir discussões mais profundas sobre o objeto
escolhido.
Extremamente criticado por sua postura parcial enquanto escritor, Sartre põe
em xeque aqueles que são contra o engajamento por meio da literatura e se
questiona até mesmo sobre o que é e, enfim, para que serve a literatura se ela não
representar o engajamento do autor.
Mas uma vez que, para nós, um escrito é uma empreitada, uma vez que os escritores estão vivos, antes de morrerem, uma vez que pensamos ser preciso acertar em nossos livros, e que, mesmo que mais tarde os séculos nos contradigam isso não é motivo para nos refutarem por antecipação, uma vez que acreditamos que o escritor deve engajar-se inteiramente nas suas obras, e não como uma passividade abjeta, colocando em primeiro plano os seus vícios, as suas desventuras e as suas fraquezas, mas sim como uma vontade decidida, como uma escolha, com esse total empenho em viver que constitui cada um de nós - então convém retomar este problema desde o início e nos perguntarmos, por essa vez, por que se escreve? (SARTRE, p. 23)
49
Esse pensamento “sartriano” mostra que engajar-se é colocar-se em ação
para tentar mudar aquilo que se acredita, independentemente da posição ou dos
objetivos deste engajamento. Para Sartre engajar-se é uma condição humana,
colocando em alta voz crenças, pensamentos e sonhos. Nesta linha pode-se abstrair
a questão da necessidade intrínseca do engajamento, não entrando de modo algum
na discussão de tempo ou profundidade da ação.
O escritor "engajado" sabe que a palavra é ação: sabe que desvendar é mudar e que não se pode desvendar senão tencionando mudar. Ele abandonou o sonho impossível de fazer uma pintura imparcial da Sociedade e da condição humana. O homem é o ser em face de quem nenhum outro ser pode manter a imparcialidade, nem mesmo Deus. Pois Deus, se existisse, estaria, como bem viram certos místicos, em situação em relação ao homem. (SARTRE, p. 20)
Porém, apesar de condição humana, Sartre defende que o engajamento pode
ser dissimulado, sem que haja a real consciência do mesmo. Seria como estar
propenso e imerso em um contexto “engajador”, mas isso é feito de forma
inconsciente ou até mesmo instintiva.
Sartre, em seu livro, obviamente estressa o fato de que o escritor é engajado
também por natureza, mas por ter como escolha ser escritor, o seu engajamento já
parte da mediação e estímulo das discussões. Como se a sua deliberação trouxesse
juntamente o fato do engajamento como reflexão e não mais como “naturalidade”.
Se todos os homens embarcaram, isso não quer dizer que tenham plena consciência do fato; a maioria passa o tempo dissimulando o seu engajamento. Isso não significa necessariamente que tentem evadir-se pela mentira, pelos paraísos artificiais ou pela vida imaginária: basta-lhes velar um pouco a luz, ver as causas sem as conseqüências, ou vice-versa "assumir o fim silenciando sobre os meios, recusar a solidariedade com os seus pares, refugiar-se no espírito de seriedade; tirar da vida todo valor, considerando-a do ponto de vista da morte, e ao mesmo tempo, tirar da morte todo o seu horror, fugindo dela na banalidade da vida cotidiana; persuadir-se, quando se pertence à classe opressora, de que se pode escapar à sua classe pela grandeza dos sentimentos e, quando se faz parte dos oprimidos, dissimular a cumplicidade com os opressores, sustentando que é possível se manter livre mesmo acorrentado, desde que se tenha o gosto pela vida interior. A tudo isso podem recorrer os escritores, tal como as outras pessoas. Alguns há, e são a maioria, que fornecem todo um arsenal de ardis ao leitor que quer dormir tranqüilo. Eu diria que um escritor é engajado quando trata de tomar a mais lúcida e integral consciência de ter embarcado, isto é, quando faz o engajamento passar, para si e para os
50
outros, da espontaneidade imediata ao plano refletido. O escritor é mediador por excelência, e o seu engajamento é a mediação. (SARTRE, p. 61)
Os conceitos de Sartre sobre engajamento trazem à tona as questões da
necessidade humana de engajar-se e no caso escritor, o quase dever deliberado de
posicionar-se mediante as discussões que gerem engajamento.
O importante dessa reflexão de Sartre ao colocar o escritor como papel
principal é justamente essa transposição para a contemporaneidade. A digitalização
e a globalização tornaram o indivíduo cada vez mais produtor/criador e até mesmo
transmissor de conteúdo. A chamada quarta revolução comunicacional citada por
Castells – que foi explicado no primeiro capítulo - abriu a oportunidade para que
todos se tornassem “escritores”. Está aí a possibilidade de comparação e referência
dos “escritores” de Sartre aos atuais “escritores” do mundo digital, que na verdade é
todo e qualquer indivíduo digitalizado.
51
2.3.2 Teorias sobre engajamento social na internet
O “engajamento social” passou por vários significados e por abranger tantas
expressões, compromissos e indagações, possui na contemporaneidade um uso
heterogêneo dependendo do tema ao qual é empregado e à ação relacionada.
De fato, a expressão tem sua forma referente à atuação ativa em relação a
um assunto ideológico ou de interesse comum, como visto no primeiro subtópico
deste capítulo. Mas o mais interessante é como o universo do “engajamento social”
tomou proporções diferentes do original e na era digital, com sua importância e
relevância passou a compreender uma ciência mais complexa do que se imagina.
Li e Bernoff, dois comunicólogos e pesquisadores das tecnologias sociais ao
escreverem sobre estratégia digital19 (aqui relacionada a produtos e serviços),
definem passos para que se faça um trabalho completo e conciso na relação de
marcas e consumidor, mas propõem extrapolar esse universo utilizando como
referência de conceituação de “engajamento” nos mais diversos níveis sociais.
Os autores citados utilizam um método chamado Social Technographics, na
qual é criada uma escala para representar o nível de engajamento de um grupo. A
“Pirâmide do Engajamento” define em cinco etapas o quanto as pessoas se
relacionam com o conteúdo na web social. Essa representação deixa explícito que
os grupos sociais que possuem um alto grau de participação estão em menor
número na sociedade digitalizada.
19 LI, C., & BERNOFF, J. (2008). Groundswell: Winning in a world transformed by social Technologies.
52
Segue abaixo uma descrição de cada grupo social referente ao nível de
engajamento:
1. Observação (Watching): O grupo tem como característica o consumo da
produção de outras pessoas, utilizando para entretenimento, aprendizado ou
informação para ajuda na tomada de decisões. Tem o menor nível de engajamento,
mas está em grande número na sociedade.
2. Compartilhamento (Sharing): Este grupo age de forma mais comum
redistribuindo o conteúdo em redes sociais, para ajudar o grupo de pessoas
relacionadas e mostrar que possuem conhecimento.
3. Comentário (Commenting): Grupo que atua fortemente respondendo à
produção de outros internautas, com o objetivo de participar e colaborar com ideias
e pontos de vistas diferenciados.
Figura : Pirâmide do Engajamento proposta por Li e Bernoff em “Groundswell: Winning in a world transformed by social Technologies.”
53
4. Produção (Producing): Este grupo tem como característica a criação
própria e publicação, com o objetivo de expressar identidade, de ser ouvido e
reconhecido pelas pessoas do próprio o de outros grupos.
5. Curadoria (Curating): São os responsáveis pela integração e tratamento,
e podem dar suporte a um produto, serviço ou comunidade, além de terem o objetivo
de serem reconhecidos por isso. São considerados os mais engajados e estão em
um número restrito entre os usuários de internet.
Na extensão desse conceito um relatório do DATAYOUPIX mostra a relação
de engajamento que alguns perfis no Twitter têm com seus seguidores. O importante
desse relatório é entender quais são os critérios para julgar quão “engajado” é um
sujeito aos assuntos que estão em seu universo.
Primeiramente, vale verificar o ranking abaixo disponibilizado pelo
DATAYOUPIX sobre os principais “@”20 do Brasil. No caso de “engajamento” a
vencedora é a Marimoon, seguida pelo Cardoso e após o Interney.
Segundo a fonte, para rankear os perfis no âmbito de engajamento, utilizou-se
um número de 0 a 100, resultado da análise de quanto o dono do perfil interage com
as comunidades de seguidores e o quanto se “engaja” em conversas com eles,
medido por número de menções, replies e número de RTs (re-tweets: retransmissão
fiel a um conteúdo gerado por outras pessoa).
Porém, esses números devem ser olhados com muito cuidado. Isso porque
neste relatório, a Veja aparece com um número muito baixo de engajamento, pois
por ser um veículo, transmite muita informação e pouco se envolve em discussão
com seus seguidores. A relação está menos na questão do conteúdo e sim no poder
de resposta e interação.
20 No caso o “@” refere-se ao perfil de alguém no Twitter que pode ser pessoal ou jurídico, como no caso da Veja e do Estadão.
54
Figura : Ranking da DATAYOUPIX de perfis mais engajados no Twitter.
Neste caso, engajamento é clara a relação que os perfis têm com seus
seguidores, tendo em vista o quanto interage, responde e se comunica com as
pessoas. Isso obviamente em comparação ao conteúdo gerado.
Fazer o paralelo com o pensamento de Sartre sobre engajamento é algo
indispensável. Sartre deixa claro que engajar-se é antes de tudo posicionar-se
perante a uma questão. E o simples fato de silenciar também traz consigo a
parcialidade. No caso dos conceitos contemporâneos de “engajamento” há um
“blend” entre participação e interação independentemente da escolha ou de uma
posição. Vê-se, de certa forma, a cooptação do termo “engajamento social” para o
âmbito digital.
Engajar-se socialmente pode ter referência a qualquer tipo ação ao conteúdo
digital. Em termos claros, há níveis de maior ou menor profundidade, mas que todos
devem ser considerados e analisados. Observar, compartilhar, comentar, criar e
selecionar estão no campo semântico do engajamento atualmente, e isso deve sim
ser considerado.
55
2.3.3 A sociedade mudou sua forma de se engajar
Como foi visto na descrição das teorias da mobilização e de como elas foram
modificadas a partir de uma mudança no contexto social, os temas e as formas às
quais se dão as movimentações sociais na contemporaneidade são muito diferentes
em relação às modernas e às pós-modernas.
Na pós-modernidade houve uma alteração do interesse da esfera pública
para a individual, assim os argumentos “mobilizadores” se originavam com outros
objetivos. O privado finalmente havia emergido e tomado conta do que era público,
como no trecho citado abaixo, sempre tendo em vista que o tempo descrito por
Bauman é a nomeada “modernidade líquida”.
A verdadeira libertação requer hoje mais, e não menos, da esfera pública e do poder público. Agora é a esfera pública que precisa desesperadamente de defesa contra o invasor privado – ainda que, paradoxalmente, não para reduzir, mas para viabilizar a liberdade individual. (...) Dada a natureza das tarefas de hoje, os principais obstáculos que devem ser examinados urgentemente estão ligados às crescentes dificuldades de traduzir os problemas privados em questões públicas, de condensar problemas intrinsecamente privados em interesses públicos que não são maiores que a soma de seus ingredientes individuais, de re-coletivizar as utopias privatizadas da política vida de tal modo que possam assumir novamente a forma das visões da sociedade “boa” e “justa”. Quando a política pública abandona suas funções e a política vida assume, os problemas enfrentados pelos indivíduos de jure em seus esforços para se tornarem indivíduos de fato passam a ser não-aditivos e não-cumulativos, destituindo assim a esfera pública de toda substância que não seja a do lugar em que as aflições individuais são confessadas e expostas publicamente. (BAUMAN, p. 61)
Como se sabe, nos anos 1960, por exemplo, o engajamento social em
relação à política brasileira, a qual estava mergulhada na ditadura militar, tinha como
expressão máxima a participação de manifestos e enfrentamento direto ao poder,
com as “armas” que se tinha em mãos. Assim, estudantes, intelectuais, e uma
grande parte da população em geral, partiam para o embate de forma violenta
tentando enfrentar como podiam a extremamente violenta reação dos militares.
56
Assim, engajar-se nesta causa exigia grande entrega de tempo da parte dos
“militantes”. E isso, garantia a real participação do indivíduo e também do
reconhecimento do grupo de que ele estava mergulhado no assunto e totalmente
“engajado” com o tema. O tempo era sim um fator seletivo. Era o “vestir a camisa” do
tema e lutar por suas convicções.
Porém, sabia-se que por mais que houvesse um nível de engajamento muito
alto (utiliza-se aqui a premissa de tempo dispensado em torno de um ideal), o
alcance dos fatos e da informação era limitado. Era muito esforço para que se
pudesse atingir um grupo mínimo de pessoas. Além disso, a mídia era
extremamente regulamentada naquela época, então os resultados eram locais.
Assim, a articulação nacional ou até mesmo em um raio um pouco maior, também
precisava ser bem planejada e executada.
Como também visto, com a pós-modernidade e as relações dos sujeitos e
suas identidades, o engajamento social passou para outro período. Resgatando
ainda Bauman, ele diz que “a modernidade sólida foi uma era de engajamento
mútuo. A modernidade fluida é a época do desengajamento, da fuga fácil e da
perseguição inútil. Na modernidade “líquida” mandam os mais escapadiços, os que
são livres para se mover de modo imperceptível.”
Esse trecho coloca em discussão o engajamento, ou melhor, o
desengajamento do sujeito pós-moderno. A emersão da individualidade e a
coletividade posta à margem trouxe essa característica ao contexto das
mobilizações.
Além disso, a pós-modernidade trouxe a questão da instantaneidade que de
também é característica das movimentações sociais, e tendo em vista o
“desengajamento” do indivíduo, as possibilidades de engajar-se, mesmo que em
favor dos desejos privados que emergem ao espaço público, são rápidas, quase
efêmeras. Influenciado aos poucos pela digitalização, a percepção de tempo na pós-
modernidade começou a se alterar, e com ela a possibilidade de consumo do
mesmo.
57
Como bem explicitou Bauman, o longo prazo e o curto prazo passaram a ter
“menos tempo” e a instantaneidade tomou conta da sociedade.
A instantaneidade (anulação da resistência do espaço e liquefação da materialidade dos objetos) faz com que cada momento pareça ter capacidade infinita; e a capacidade infinita significa que não há limites ao que pode ser extraído de qualquer momento – por mais breve e “fugaz” que seja (...). O “Longo prazo”, ainda que continue a ser mencionado, por hábito, é uma concha vazia sem significado; se o infinito, como o tempo, é instantâneo, para ser usado no ato e descartado imediatamente, então “mais tempo” adiciona pouco ao que o momento já ofereceu. Não se ganha muito com considerações de “longo prazo”. Se a modernidade sólida punha a duração eterna como principal motivo e princípio da ação, a modernidade “fluida” não tem função para a duração eterna. O “curto prazo” substituiu o “longo prazo” e fez da instantaneidade seu ideal último. Ao mesmo tempo em que promove o tempo ao posto de contêiner de capacidade infinita, a modernidade fluida dissolve – obscurece e desvaloriza – sua duração. (BAUMAN, p. 145)
E essa teoria se estendeu sim para a contemporaneidade, mas de certa forma
estressada pelo alto padrão de digitalização da sociedade, da globalização e
também da ascensão das redes sociais.
O engajamento social atualmente sofre a questão da instantaneidade, mas ao
mesmo tempo com a possibilidade de captar um alto volume de informação e com
isso interagir com o conteúdo que quiser, quantas vezes quiser, com o objetivo que
desejar.
O sujeito contemporâneo tem sim o interesse pelo global, mas quando se fala
em engajamento, mobilizar-se por algo tão distante da sua realidade pode dispensar
muito tempo e esforço, além de parecer que o compromisso é ainda maior. Na
atualidade, o indivíduo procura a participação rápida e que gere resultados que ele
mesmo possa sentir e presenciar. Atkin21 explicita isso quando discute a questão
das comunidades e engajamento.
21 ATKIN, D. (2004). O culto às marcas. Cultirx.
58
Robert Wuthnow, em seu livro Loose Connections, documenta que os novos tipos de interação social são menos formais, exigem períodos menores de comprometimento e se concentram mais em metas específicas, em resposta às demandas dos cidadãos modernos. (...) Um grupo empenhado na reforma do ginásio de esportes (...) ou que se reúna para protestar contra a construção de uma usina elétrica tem maior probabilidade de recrutar participantes do que as velhas instituições, que contam com inúmeros escritórios e membros antigos e que buscam solução para tudo, desde a pobreza até a coleta do lixo. (AKTIN, p. 80)
O caso do Churrasco da Gente diferenciada é um exemplo de engajamento
que pode ser analisado aqui, como forma de tentar entender como se dão essas
mobilizações instantâneas na contemporaneidade.
Este evento foi criado em uma página do Facebook para protestar contra a
possível decisão que estava em discussão na prefeitura de São Paulo desde
meados de 2010. Estava previamente planejada nos arredores do bairro
Higienópolis a construção de uma nova estação do metrô. Porém, um grupo de
moradores do bairro – este conhecido por ser uma região onde se concentram
famílias de alto padrão financeiro além de comércio também para classes
econômicas mais altas – se mobilizou para impedir que a estação realmente fosse
construída no local. Mais de três mil e quinhentas assinaturas foram reunidas em um
abaixo-assinado organizado e entregue às autoridades municipais.
O fato mais interessante é que, nos argumentos descritos no documento,
havia um tópico dizendo que a estação do metrô além do grande fluxo de pessoas
para o bairro favoreceria a passagem de “gente diferenciada” no entorno do
Shopping Higienópolis, o que tornaria o bairro menos seguro e mais frágil ao tráfico,
assaltos, comércio informal etc. A expressão foi utilizada para se referir às pessoas
das camadas sociais mais baixas que formam a maior massa paulistana que utiliza
transporte público.
Esse fato já havia sido pauta de alguns jornais e voltou à tona após a
possibilidade de mudança do ponto da estação ter sido aprovada pela prefeitura.
Com isso novamente em discussão, um estudante criou um “evento” no Facebook
como uma forma de protesto a essa decisão que a priori seria descabida tanto da
59
parte governamental quanto da parte da população do bairro por exigir que isso
fosse cogitado.
A ideia do evento, que segundo o próprio criador surgiu de uma brincadeira
irônica nas redes sociais, era reunir um número relevante de pessoas à frente do
Shopping Higienópolis para um “Churrascão da gente diferenciada”.
Em poucas horas o evento tomou proporção jamais imaginada pelo
estudante. A página do “Churrascão da gente diferenciada” foi rapidamente
viralizada pelos internautas e no final atingiu um montante de 50 mil confirmações de
participação no evento.
Figura : Página do evento “Churrascão da gente diferenciada” no Facebook.
60
O evento foi tão falado que em poucos dias se transformou em uma grande
discussão na mídia. Jornais, revistas e programas de TV noticiaram essa
mobilização que acontecia no mundo virtual de forma simples, instantânea, mas
poderosa. O “churrasco” sofreu pressão de diversos âmbitos sociais como a polícia
militar que, segundo o autor do evento, notificou que o encontro poderia reunir um
número muito acima do controlável e que isso poderia gerar uma manifestação
violenta e quase “esquizofrênica”. Além disso, a CET (Companhia de Engenharia e
Tráfego) solicitou que o estudante cancelasse o evento, pois ele poderia tumultuar o
fluxo na região, causando diversos problemas nas ruas.
Políticos, moradores, estudantes e intelectuais foram entrevistados e deram
seus pontos de vista sobre o que estava prestes a acontecer. A “gente diferenciada”
se transformou em poucos dias assunto para várias matérias e para discussões em
grupo. Obviamente, o tema transcendeu o político e alcançou a semântica do
preconceito, da exclusão, da viralização, dos meios digitais, e porque não dos novos
movimentos sociais.
Esses resultados são o suficiente para mostrar a abrangência e a força que
movimentações podem ter na internet. O evento foi cancelado, e horas depois
apenas alterado, pois o estudante passava a ser, sem que quisesse realmente, o
grande representante da manifestação e o grande fomentador do engajamento
coletivo pela causa.
O gráfico que segue abaixo é um relatório do Google Insights For Search que
mostra o volume de busca por expressões como “churrasco da gente diferenciada”,
“churrasco gente diferenciada”, “churrascão”, “churrascão gente diferenciada”, entre
maio e junho de 2011.
61
Figura : Gráfico com o volume de buscas no Google em maio de 2011
pelas expressões citadas.
No dia do evento, a hashtag “#gentediferenciada” foi ao topo do
TrendTopics22 do Brasil, sendo que ela já estava entre as primeiras durante a
semana, com comentários, perguntas, informações e outros conteúdo sobre o tema.
Das mais de 50 mil pessoas confirmadas, compareceram apenas seis mil pessoas, o
que para o local foi uma massa muito relevante que ocupou grande parte da rua.
Para esta monografia esse exemplo serve como um importante caso de
engajamento social instantâneo e com uma representatividade expressiva em
termos de protesto contra o governo e a favor de questões ideológicas. Esse “flash
22 TrendTopics é um ranking que mostra em tempo real as expressões ou palavras mais comentadas no Twitter. Esse ranking possui sua correspondência nacional e internacional. Para medir esse volume são utilizadas as leituras das hashtags que são tags que resumem de alguma forma o assunto em pauta. Como forma, são representadas pelo símbolo “#” no início da expressão.
62
mob” foi um grito latente da sociedade contra o classicismo e ao pensamento
preconceituoso de parte da população do bairro.
2.3.4 O sonho do jovem brasileiro e o engajamento
Este capítulo é posto como uma abstração - porém extremamente coerente -
do conteúdo discutido para que haja uma possível localização de pensamento,
aproveitando uma oportunidade que surgiu quase que concomitantemente com a
realização desta monografia. Propõe-se aqui trazer à pauta alguns números e
percepções do público brasileiro, mais especificamente dos jovens de 18 a 24 anos.
As mudanças sociais e comunicacionais formaram esse contexto
extremamente favorável à mudança na concepção de engajamento e mobilização
em todo o mundo, incluindo países de democracia digital tardia como o Brasil. Uma
pesquisa realizada pela BOX 182423 mostra alguns dados importantes sobre o
pensamento coletivo e o que eles chamam de “micro revoluções”.
É importante notar que este estudo de Box 1824 tinha como objetivo traçar
um perfil mais claro sobre a atuação do jovem na sociedade e de como é sua
relação com a tecnologia em geral, já que, essa faixa etária é a que eles consideram
a primeira geração brasileira quase que totalmente global e digitalizada.
Entre outras informações sobre comportamento social e expectativas em
relação ao Brasil, essa pesquisa indica que metade dos jovens brasileiros declarou
estar mais ligados aos discursos e pensamentos coletivos do que mais
individualistas. É importante neste momento fazer um paralelo com o que foi
discutido sobre as características do sujeito posterior à modernidade tardia, ou à
pós-modernidade.
Esse jovem que já nasceu conectado e se desenvolveu mediante relações em
plataformas digitais, acredita que o mundo não possui fronteiras rígidas, e que na
verdade essa pluralidade e troca são somente possíveis pelas evoluções
23 A Box 1824 é uma agência brasileira de pesquisa de comportamento, análise de tendências e consultoria estratégica que promove relatórios especializados sobre a população jovem brasileira.
63
tecnológicas. O que se discutiu sobre modernidade líquida e da sociedade em rede
mostra-se concretizado nesse pensamento e comportamento do jovem brasileiro.
A pesquisa, que objetivou descobrir quais são as esperanças do jovem em
relação ao país, descobriu que 76% desses jovens acreditam que o Brasil está
mudando para melhor. Assim, costurando essa informação com os números
relacionados aos pensamentos coletivos, pode-se ver a presença desse grupo
analisado para fazer do país um lugar ainda melhor, a partir de suas próprias ações.
Neste momento o relatório discute sobre os novos modelos de organização e
mobilização social, já que, esse jovem digitalizado possui outras formas e também
outros argumentos de mobilização. Os modelos de movimentações comuns aos
anos 60, já não são mais válidos no fim da primeira década dos anos 2000. Naquela
década, as formas de movimentações eram concebidas de forma específica, como
citado no capítulo sobre Teorias de mobilização deste. Na contemporaneidade o
sacrifício que era dispensado para as mobilizações entra em discussão, juntamente
com o abandono do âmbito individual pela causa coletiva.
A pesquisa indicou a atual condição da sociedade em rede e de como isso
transformou a forma do jovem de mobilizar-se. Obviamente as questões
identificatórias entram em jogo, e o âmbito coletivo sofre a influência do âmbito
individual, afinal é o momento da sociedade em rede. A Box 1824 lança mão desse
pensamento do indivíduo e cita que “hoje os desejos individuais são expostos em
rede e rapidamente pessoas com o mesmo desejo se concentram e começam a se
movimentar. A hiperconexão leva o jovem a acreditar no poder realizador de um
novo tipo de pensamento coletivo, onde pensar no outro não exclui pensar em si
mesmo.” (O sonho brasileiro, 2011).
Esse pensamento otimista relacionado ao pensamento coletivo do jovem
emerge e muda a forma de ele atuar no mundo. O jovem que já acredita em um
sistema fluido de poder e que a hierarquia muitas vezes não passa de impeditivo,
age criando micro revoluções cotidianas que podem impactar de forma muito
positiva na rotina do seu micro contexto, ou seja, sua comunidade. Essas revoluções
estão vinculadas a ações diretas, pois esse jovem acredita neste tipo de
comportamento.
64
“O Sonho brasileiro” cria também o conceito de “jovem ponte” que seria um
grande responsável por articular essas mobilizações sociais. Porém, para este
trabalho, o importante é justamente esta síntese histórico-social que a pesquisa
expõe, e que culmina nas pequenas movimentações sociais de objetivo coletivo a
partir da exposição em rede de desejos individuais.
65
2.4 O engajamento efêmero
Para começar este tópico, acredita-se que é essencial falar sobre um fato que
foi importante para as redes sociais e que realmente mudou a forma de as pessoas
se relacionarem com conteúdo na internet.
Neste momento, este trabalho define uma plataforma única de análise para
que se possa entender de forma mais aprofundada o que está acontecendo na
sociedade em relação ao engajamento.
Como já citado no primeiro capítulo, a mudança quase que imperceptível do
botão “Tornar-se fã” para “Like” foi um sintoma do que estava acontecendo com a
sociedade no contexto de extrema digitalização. Essa alteração, além do fator
estrutural, no qual as informações passariam a ser mais interligadas e os gostos do
usuário cada vez mais compreensível, trouxe consigo a derrubada ou amenização
do significado que tem o “tornar-se fã”. Afinal, ser fã de algo é realmente adorar o
objeto e quase que mover a sua vida em favor dessa adoração.
Assim, houve implicitamente a quebra do compromisso de ter um ídolo. As
páginas das marcas, serviços, produtos, organizações e pessoas atualmente estão a
mercê de um simples “gostar”, quase que desregrado e livre. Esse acontecimento foi
de extrema coerência, já que o sujeito e o contexto social já traziam o sentido do
“desengajamento”, ou melhor, do engajamento superficial e instantâneo. Não se
envolver profundamente com uma ideia, marca ou ação é ter a segurança de poder
“escapar” daquilo no momento que a pessoa quiser, sem justificativas ou desculpas,
apenas seguindo a lógica da congruência coletiva dos interesses individuais.
Em outubro de 2011, foi percebido que uma movimentação dos membros do
Facebook estava acontecendo, como um flash mob virtual, no qual as pessoas
trocavam as fotos de seus perfis por fotos de desenhos animados. O objetivo era
simples: a luta contra o abuso e a violência infantil.
66
Figura : Página no Facebook da mobilização “Change your profile”
Em poucas horas milhares de pessoas estavam engajadas neste movimento.
Afinal, todos são sim contra atos violentos a menores, em todo o mundo. Porém,
alguns poucos dias depois, não se sabia mais qual era o real objetivo do movimento,
se tornando aos poucos esquizofrênico por boa parte da rede social. Alguns
consideravam uma ode à infância, outros uma comemoração ao mês das crianças,
enfim, todos engajados seja lá por qual motivo. De forma efêmera, instantânea e de
alguns “inconsciente”, uma grande parte da comunidade do Facebook dava seu
brado por esta causa. Mas afinal, além do buzz, qual o real valor de fazer a sua
parte? E esse engajamento aconteceu pela causa ou era a forma mais rápida de se
identificar com um ideal e logo depois agir para pertencer?
67
Outro exemplo, mas que vai de encontro com o da troca de foto do perfil no
Facebook, foi o movimento “ficha limpa” que aconteceu no Brasil em meados do ano
2010. Essa mobilização tomou grande parte das timelines24 dos perfis de Facebook
da sociedade brasileira, e em pouco tempo se tornou um movimento nacional pela
questão. Milhões de assinaturas no abaixo assinado, que depois virou tema no
congresso e lei aprovada, foram resultados de um engajamento social nas redes
sociais onde compartilhar uma hashtag significa ao menos propor um tema para
discussão, ou também mais compartilhamento.
Esses dois exemplos são de fato muito distintos, mas que se utilizaram do
mesmo tipo de plataforma para nascerem e se espalharem por toda a rede. Assim
como o exemplo já citado do “Churrascão da Gente diferenciada”. Ao passo que
apenas 10%25 dos que confirmaram presença pelo Facebook estiveram realmente
no evento, o engajamento - mesmo que no simples clique do “Like” na página do
movimento - que houve na internet foi responsável por ampliar essa discussão a
todo estado e país.
Na internet, a amplitude de uma ação tão efêmera como um “Like”, pode ser
muito maior do que qualquer cara pintada. O importante no caso é mostrar a opinião
individual que, de certa forma, é vista e analisada pelo coletivo do qual o individuo
pertence ou se faz pertencer.
24 Expressão utilizada para identificar o grupo de informações das quais cada usuário “assinou” para acompanhar em tempo real, podendo interagir de forma instantânea com o criador/publicador do conteúdo. 25 Dados referentes aos números oficiais de participação enviadas pela CET para o jornal O Estado de São Paulo em Maio de 2011.
68
2.5 Crowndsourcing: o paradoxo do engajamento efêmero
Um dos grandes fatos da contemporaneidade e que é de extrema coerência
falar neste trabalho, pois tem tomado as redes sociais e a internet em si é o sistema
de crowndsourcing. Esse é um modelo de produção baseado na “utilização da
inteligência e dos conhecimentos coletivos e voluntários espalhados pela internet
para resolver problemas, criar conteúdos e soluções ou desenvolver tecnologias” 26.
O exemplo mais famoso de crowndsourcing, citado no primeiro capítulo, é o
Wikipedia que surgiu como uma grande enciclopédia de conhecimentos gerais que
conta com a atualização e a moderação dos próprios internautas.
O Facebook também é uma plataforma que possui abertura de código para
que as pessoas possam contribuir com novos aplicativos, jogos, páginas e sistemas
diferenciados para tornar a rede social cada vez mais interessante e completa. A
grande questão é que esses dois exemplos são o que se pode definir como
engajamento ativo, na qual as pessoas realmente tomaram atitude e de alguma
forma contribuíram com seus conhecimentos para a humanidade.
O que se coloca em pauta rapidamente aqui é a utilização do engajamento
efêmero e passivo dentro do sistema de crowndsourcing, independentemente de
marca ou de quanto durará a ação.
Para exemplificar coloca-se o caso da nova ação do Google, nomeada de
ReCaptcha. A ideia é utilizar o sistema de “captchas” 27 para um objetivo que vá
além do sistema de segurança. Esse sistema que é utilizado centenas de vezes por
cada usuário de internet seria a partir de então uma ferramenta para ajudar na
digitalização de livros por todo o mundo. Resumidamente, muitos livros, jornais e
revistas antigos estão passando por digitalização para fazerem parte da grande
biblioteca virtual que é a internet. Porém, mesmo com a existência de scanners
26 Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Crowdsourcing 27 São palavras deformadas que aparecem para serem transcritas e o sistema possa ter certeza de quem está acessando ou preenchendo um formulário é um humano e não algum “robô digital” criado para fraudar algumas lógicas de programação.
69
minuciosos, algumas palavras não podem ser decifradas, então com a ajuda do
olhar humano, essas palavras são digitalizadas de forma simples e rápida.
Figura: Demonstração do sistema e de como há a referência à língua.
Sendo assim, quem entrar no site que utilizar esse sistema para verificação
de segurança, estará contribuindo para a perpetuação de livros de dezenas e
centenas de anos atrás sem a perceber ou se esforçar para isso.
Figura: Imagem do site ReCaptcha do Google.
70
Outro exemplo interessante é o jogo Foldit lançado em 2008 pela
Universidade de Washington. O objetivo do jogador é encontrar uma maneira de
ligar duas proteínas, usando a mesma lógica e as mesmas regras químicas
existentes para isso. Como existe uma infinidade de proteínas, seria impossível para
os cientistas calcularem uma maneira geral de como elas se interagem. Porém, com
o sistema de crowndsourcing e usando o raciocínio intuitivo de milhares de pessoas
pelo mundo, a universidade está aos poucos conseguindo encontrar um padrão de
como esse elo é formado.
Para tentar resumir, com as pessoas jogando Foldit separadamente em várias
partes do mundo todo, elas estão assistindo a ciência a dar um grande passo para a
cura de diversas doenças que há pouco tempo seriam incuráveis.
Figura: Imagem do jogo Foldit.
Obviamente existem atualmente outros exemplos que passam desde o plano
criativo até a evolução chamada “crowndfounding”, na qual pessoas de todo o
mundo podem contribuir financeiramente e de forma simples para uma obra ou
fundação. Mas esse isso com certeza deve ser melhor discutido pois está em pleno
desenvolvimento, facilitado pelas redes sociais.
71
Mas, voltando aos exemplos citados acima, afinal quantas pessoas que
digitaram os captchas e até mesmo “perderam” algumas horas no FoldIt sabiam ou
sabem que estão engajados em causas de extrema relevância social?
Talvez nunca saibam, mas é importante saber que essas mobilizações estão
acontecendo principalmente pelo fato de talvez apenas acontecer devido ao
contexto comunicativo. Esses exemplos de cronwdsourcing colocam claramente em
cheque a efemeridade vazia do engajamento social na internet.
Participar inconscientemente significa, nestes casos, entrar no território da
contribuição concreta gerando resultados relevantes para toda a sociedade.
72
73
3. EU MARCA, E MEUS CONSUMIDORES ENGAJADOS
74
3. EU MARCA, E MEUS CONSUMIDORES ENGAJADOS
3.1 A marca e a lógica da construção e fortalecimento da sua
imagem
Como se sabe, as marcas conseguiram criar um universo extremamente
complexo em volta de si próprias. No inicio servia aos seus próprios produtos,
depois passou a servir a si própria como retroalimentação para estruturação e
criação de um próprio universo na qual haveria uma linguagem, uma forma de
pensar e uma personalidade.
Semprini cita que a partir da década de 1980, esse processo de
reestruturação das marcas, desligando-se do objeto e muitas vezes distanciando-se
dele, tornou-se comum e quase que necessário para que elas pudessem sobreviver
por si só. A dimensão da marca torna-se outra: agora não se informa ou
“personaliza” o objeto, agora ela vive e se transforma.
Exatamente nesta época, que se opera uma importante transformação na lógica de funcionamento das marcas. As dimensões que excedem a realidade do produto tomam a dianteira e tornam-se o núcleo constituitivo da marca, como se os consumidores pedissem para serem estimulados, requisitados, seduzidos pelas marcas, ao invés de serem simplesmente informados. (SEMPRINI, 2006, p. 29)
Esse contexto foi de extrema importância, porque os produtos passaram a ter
mais ou menos sucesso de acordo com o quanto a sua marca era ou não desejada.
Era o início do trabalho para a conquista racional e emocional dos consumidores.
Um dos exemplos que se pode citar foi a construção da marca Marlboro. O sabor e
as grandes features de produto eram o grande argumento. Depois, aos poucos, o
“mundo de Marlboro” foi sendo construído, idealizado e ferramenta de sedução dos
consumidores.
Na análise de evolução, as marcas contemporâneas buscam muito mais do
que imagem; elas buscam relacionamento com as pessoas. Obviamente isso é
75
resultado do que já foi citado neste trabalho, sobre a influência da “evolução” do
sujeito pós-moderno e do contexto social. As marcas estressaram o fato de ter uma
personalidade, e passaram a ter também na contemporaneidade um
comportamento, um conjunto de valores e crenças.
Conquistar o consumidor e participar da vida dele com relevância é o principal
passo para conquistá-lo. Contribuir, entreter e fazer a diferença na vida do
consumidor é a grande cartada para a aproximação e fidelização. Semprini fala
sobre isso, quando conceitua o “projeto de marca”, que mostra quais são os reais e
atuais objetivos de uma marca para estruturar-se junto ao consumidor e ao mercado:
O projeto da marca não designa apenas a estratégia da marca, seus planos de desenvolvimento explícitos, suas decisões de lançar nervoso produtos, de diversificação ou de penetração em novos mercados. Claro, todos esses elementos estão contidos no projeto de marca, mas o que faz sua especificidade e sua importância, em um contexto de mercado pós-moderno, é a capacidade que ele tem de propor um horizonte de sentido, de identificar uma proposição de tipo semiótica ou sociocultural que seja pertinente, original e atraente para este publico. Mas é preciso, sobretudo, que essa proposta faça sentido para esse publico. É preciso que os indivíduos possam integrá-lo aos seus projetos de vida, as suas preocupações, as suas interrogações, ao contexto pratico de sua vida cotidiana. É preciso que eles possam se encontrar nesse projeto, e ver em que medida ele contribuirá para dar sentido a sua experiência, como ele vai ajudá-los a “funcionar” melhor como indivíduos em um contexto de consumo e em um espaço social cada vez mais complexo. (SEMPRINI, 2006)
Semprini mostra a importância do projeto de marca, para que ela possa se
enquadrar na vida das pessoas, criando discussões, mostrando discursos e
incentivando a reflexão dos indivíduos. As pessoas se relacionam com outras
pessoas e ideias. É isso que vai ajudá-la no seu processo de identificação.
Neste momento discute-se qual a forma que uma marca pode se relacionar e
criar essa aproximação com o consumidor? As fases pelas quais a marca passou,
tiveram possibilidades de canais que eram as plataformas pelas quais essa relação
acontecia. Na terceira etapa, o relacionamento na contemporaneidade deve estar no
campo do brand utility ou brand enterteinment. Sendo assim, extrapolar as mídias
tradicionais como TV e impresso é uma necessidade primária. Afinal, relacionamento
76
prevê interação e por enquanto, isso ainda é extremamente limitado ou nem existe,
nessas plataformas. A internet, o mobile, as ações de ativação ou de conteúdo são
atualmente as grandes criadoras deste universo de vivencia do consumidor com a
marca.
Por exemplo, pode-se citar o Museu da Heineken em Amsterdã. A marca de
cervejas que já vinha construindo um território de “premium product” aliado à
jovialidade, criou um museu na cidade onde foi criada para que os consumidores
pudessem de forma divertida, didática e interativa, presenciar e vivenciar a marca.
Outro exemplo que pode ser citado é o da Absolut, que criou festas noturnas
especiais para concretizar o “mundo Absolut” com DJs especiais e músicas
compostas especialmente para a ação. Obviamente não tem como não citar o
Planeta Terra, um festival de música criado para o portal Terra com um intuito de
reforçar o relacionamento com os internautas e consumidores em geral.
A Nike, que sempre tem casos muito interessantes de relacionamento,
planejou um sistema para a linha de running com o intuito de interagir com os
apaixonados por corrida. Para se ter uma ideia eles criaram um sistema inovador de
acompanhamento do desempenho durante o treino de corrida de cada pessoa.
Assim, além de acompanhar por um site o progresso e atingir as metas colocadas, a
pessoa podia também criar uma playlist específica para o seu treino. A partir da
criação de um produto especial desenvolvido em parceria com a Apple, a playlist
colocada no iPod acompanhava o movimento e velocidade do corredor. Assim, o
ritmo era seguido, tanto no ouvido quanto nos pés.
Esses são apenas alguns exemplos simples de relacionamento com o
consumidor, que foram de extrema importância para fortalecer o universo da marca
perante o grupo que forma o público alvo.
77
3.2 Como o engajamento social é explorado pelas marcas?
No último tópico viu-se a questão da necessidade que as marcas têm na
contemporaneidade de se relacionarem de forma profunda e mais relevante com as
pessoas - obviamente quando já possuem um mínimo de maturidade de existência e
até de posicionamento no ciclo de compra do consumidor.
Porém, vale a pena resgatar o fato do indivíduo passar por uma
transformação comportamental na contemporaneidade, também em questão desse
novo momento pós-moderno das relações e identidades. O individualismo que
emergiu na modernidade “tardia” não suprimiu de vez a coletividade. Fala-se agora
da mudança do pensamento coletivo, mediante a aproximação de vários, porém
parecidos, interesses particulares.
Mas então, o sentimento de pertencimento ainda permanece? Quando se
falou da identidade do sujeito pós-moderno, citou-se a questão do descentramento
do sujeito, que na contemporaneidade ainda é característica. Porém, o sentimento
de comunidade e o “conforto” que traz ao indivíduo por saber que ele ainda
“pertence” são necessários. Atkin explica essa dependência que é inerente ao ser
humano e mais, como é preciso oferecer a ele a possibilidade de estar em
comunidades:
Pertencer a uma comunidade é uma imposição fundamental da condição humana. Não podemos evitar o anseio por essa sensação de pertencimento. Não prover de comunidades é não satisfazer uma necessidade básica. (...) A despeito da extinção dos mamutes lanígeros, o pertencimento a redes sociais ainda exerce impacto sobre os índices de sobrevivência do homem, mesmo na nossa moderna e sofisticada sociedade. “O Grau da nossa sensação de fazer parte da comunidade ou dos nossos recursos psicológicos e sociais permanentes ajuda a determinar o grau da nossa proteção contra agressões biológicas, ambientais ou interpessoais.” Bem no fundo, da nossa psique – fundo o bastante para exercer um efeito concreto na nossa longevidade – está a necessidade de pertencimento. Os psicólogos evolucionistas afirmariam que, como raça, somos geneticamente para formarmos grupos. Não precisamos pertencer a um grupo apenas para sobreviver, mas também para criar um senso de realidade e para dar sentido à vida – demandas absolutamente fundamentais para a condição humana. (ATKIN, p. 76)
78
Continuando na questão sociológica do engajamento, o fator “comunidade” é
de fato se formam as verdades e a consciência crível. Atkin continua explicando que
“é pela mediação do grupo que se confere significado, cada membro reforçando
para o outro a credibilidade de uma interpretação, cada instituição asseverando a
plausibilidade de sua crença pela evidência da adesão coletiva de seus membros”.
E além da afirmação da força que tem uma comunidade em preservar o
indivíduo e seus pensamentos, é importante reforçar que ela nunca desapareceu
mesmo com o advento da globalização, da tecnologia informativa e da emersão do
sujeito pós-moderno. Na verdade, as comunidades se rearranjaram
conceitualmente. E mais, tanto são importantes que as marcas começam a ocupar
este território como uma forma de se aproximarem estreitando o relacionamento com
os consumidores.
A comunidade não se extinguiu – isso não seria possível, porque sua existência é fundamental para a condição humana – apenas mudou de aparência. Como qualquer organismo bem-sucedido, capaz de sobreviver a mudanças, a comunidade evoluiu. E evoluiu de modo a admitir as marcas como uma instancia a que se possa pertencer. Chegou o momento de as marcas assumirem seu lugar entre as novas comunidades da sociedade contemporânea. (...)à medida que desgastaram o conceito tradicional de comunidade, as ferrovias, as rodovias, as companhias aéreas, o telefone, a mídia de massa e a internet também criaram novos conceitos. Comunidades imaginadas e informais de pessoas que compartilham mais um estado de espírito do que proximidade física, juntaram-se aos agrupamentos geográficos. (ATKIN, p. 80)
Como precisam se tornar ideológicas e levantar discussões, uma marca se
apropria do conceito de comunidade para agregar valores em si e poder “seduzir” as
pessoas a partir do discurso de pertencimento.
Porém, é importante reforçar que o “fazer parte” está mais relacionado ao fato
de encontrar outros com o mesmo objetivo, pensamento ou ideologia que a própria
do indivíduo.
À medida que os ícones nostálgicos da comunidade (as imagens bucólicas de pequenas cidades rurais, sua avenida principal e jardins com cerca branca onde a proximidade física possibilitava a interação entre as pessoas)
79
desaparecem, surgem em seu lugar as comunidades de ideias e interesses em comum. E a era eletrônica possibilitou essa evolução de uma forma difícil de imaginar poucas décadas atrás. (ATKIN, p. 86)
E essas “comunidades de marcas” devem suprir de forma rápida essa
necessidade do sujeito contemporâneo de se perceber em grupo. Isso porque, como
já mostrado, a era da instantaneidade mudou a concepção de tempo e com isso
também a ideia de “doação” de tempo. O comprometimento deve ser instantâneo
sem que exija muito do consumidor, afinal de forma nenhuma ele quer se ver preso
ou envolvido profundamente em algo que pode rotulá-lo ou engessar o seu processo
identificatório.
Em meio a essa reforma no conceito de comunidade se encontra a ideia de comunidade de marca. Mediadas pelos modernos meios de comunicação, as comunidades tem-se tornado um fenômeno de pertencimento moderno, apropriado para as demandas contemporâneas. Elas podem ser ideológicas. Podem constituir caminhos para uma interatividade social que exija níveis de comprometimento menores do que aqueles que nossos pais e avós se sentiram compelidos a assumir nas suas formas tradicionais de interação social.(ATKIN, p. 82)
Em relação ao engajamento com marcas, na pesquisa para esta monografia
foram encontradas duas expressões que identificam o que é e deve ser o
engajamento social para uma marca na contemporaneidade. A primeira diz que
engajamento “são interações, que aumentam o investimento e o envolvimento
emocional, psicológico e físico que um consumidor tem por uma marca” dita por
Richard Sedley da empresa de análise digital cScape em U.K. Percebe-se que o
engajamento social tornou-se algo que realmente chave para a construção e
manutenção de uma marca. é a forma mais direta de conseguir ter o grupo de
consumidores dentro do universo da marca.
Uma outra definição que vai ao encontro da anterior, mas que se apresenta
até um pouco mais agressiva em termos mercadológicos, foi dada pela empresa de
pesquisa Forrester que citou “engajamento é a ligação que uma empresa cria com
80
seus consumidores para direcionar ações de interação, participação e compra ao
longo do tempo.”
Mas como isso está acontecendo no mundo real? Como marca e
engajamento se concretiza em termos mercadológicos?
A SocialBackers, empresa de análise e estatísticas digitais de forte renome
mundial, lançou o relatório brasileiro de redes sociais do qual foram extraídos
alguns números interessantes para analisar o chamado engajamento com marcas.
Esses números e ranking são referentes ao mês de agosto de 2011. Abaixo a lista
das páginas de marcas com maiores números de fãs no Facebook:
Figura : Tabela retirada do relatório mensal da SocialBakers sobre redes sociais.
81
É importante notar a presença de páginas de equipes de futebol, de marcas
relacionadas a futebol (Nike Futebol) e também outras na categoria esportiva (Clube
de Regatas e Paraolimpíada Rio 2016). As marcas de bens de consumo são
representadas por Antarctica, Smirnoff, L’Oreal Paris, Halls e Oral-B.
Além disso, segue abaixo a tabela do mesmo relatório que mostra um ranking
das páginas de Facebook com maior número de comentários de membros da
comunidade no mural:
Figura : Tabela retirada do relatório mensal da SocialBakers sobre redes sociais.
O destaque fica com a loja de móveis e eletrodomésticos Magazine Luiza,
que apesar de não ter o maior número de fãs, tem um número de postagens muito
superior em comparação aos outros. Depois vemos, assim como na tabela anterior,
82
páginas relacionadas a equipes de futebol e marcas de bens de consumo como
Antarctica, Intimus, e Trident.
Mas até que ponto esses comentários são realmente relevantes para a
marca? Quais são os tipos de comentários expressos pelos consumidores? Qual o
nível de qualificação tem essas aspas? Vale destacar o fato de que marcas como
Magazine Luiza possuem uma freqüência grande de promoções que mobilizam uma
grande parcela da população, estimulando por meio de concursos culturais o envio
de comentários sem ter em vista qualquer fator ligado à marca em si. Assim,
“postagens” com esse intuito cria um volume muito alto de comentários. Mas o que
isso agrega para a empresa como um elemento de construção de marca? E mais,
até que ponto isso está relacionado a engajamento?
Ainda assim, pode-se relembrar o que foi discutido sobre a mudança do botão
“Tornar-se fã” do Facebook. Por mais que o relatório cite número de fãs, volta-se à
questão epistemológica do botão, que atualmente nada mais é que um “Like”. O
número de fãs tem essa fragilidade atualmente, porque indica verdadeiramente que
várias pessoas gostaram da página com o conteúdo da marca, mas não que elas
são amantes dela.
Ao olhar novamente o relatório da Social Backers de agosto de 2011, vê-se a
tabela com as quinze páginas brasileiras do Facebook com maior taxa de
“engajamento”. Essa taxa relaciona-se ao número de fãs e de quanto cada um deles
interage com a marca pela rede social.
De alguma forma esse ranking acabe sendo um pouco mais assertivo, porém
por considerar o número de fãs na base do cálculo, sabe-se que isso pode ter um
viés grande no momento da análise.
83
Figura : Tabela retirada do relatório mensal da SocialBakers sobre redes sociais.
Para citar um exemplo a ser discutido foi a promoção da marca de biscoitos
Oreo que já possui uma quantidade relevante de “fãs” ou “Likes” em sua página no
Facebook. Porém, no início de 2011, a empresa propôs uma ação para aumentar
drasticamente esse número. A ação estimulava as pessoas a viralizarem a página
para que todos dessem um “Like” e, em um engajamento coletivo, fazer com que a
Oreo entrasse no livro dos recordes por ter alcançado o maior número de “Likes” em
apenas 24 horas.
A Oreo que já possuía um universo estável de marca, com pessoas que
realmente amam a marca, lançou mão de uma ação extremamente efêmera para
conseguir gerar buzz de comunicação. A grande questão, é considerar esses “Likes”
realmente relevantes. Talvez o seja para calcular alcance e até mesmo força de
84
viralização, porém são pessoas que não passam de números e isso é o que as
marcas deveriam evitar conquistarem.
Figura: Página do Facebook da Oreo com a campanha promocional « World’s Fan »
Essa é a maior discussão da utilização do engajamento social digital pelas
marcas. Se apropriar dessa instantaneidade para se considerar uma marca
engajadora ou não.
Em uma pesquisa realizada pela Foreplay28 resultou em um relatório mundial sobre o engajamento digital do consumidor, com dados insights e tendências sobre o que aconteceu e influencia que aconteça nos próximos anos sobre a relação das marcas e seus consumidores em geral.
28 Agência de engajamento digital e construção de estratégia on‐line para marcas de produtos e serviços.
85
Sobre a importância do engajamento para uma empresa, o relatório mostrou
que 86% consideram o engajamento do consumidor essencial e apenas 2%
responderam que não é importante.
A pesquisa definiu seis características de um consumidor engajado e de como
ele pode agir para ajudar na construção de uma marca. São elas:
1. Buzz positivo (quando o consumidor recomendou o serviço, produto ou a
marca);
2. Participação construtiva (proveu feedback com regularidade);
3. Maior percepção (o consumidor passou a ter maior awareness em relação
à linha de produtos);
4. Fidelidade (comprou com regularidade);
5. Proximidade (participou em comunidades online ou grupos de suporte);
6. Melhor conversão (mais apto a converter em ações específicas ou grupos
de suporte).
Além disso, o relatório demonstrou qual o nível de importância de cada
característica de ação do consumidor engajado ajuda mais n construção da marca e
no sucesso em termos de negócio.
Seguem abaixo dois gráficos que demonstram essas importâncias:
Part
Part
Buzz P
ticipação cons
Maior per
Fid
Proxim
Melhor con
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Buzz P
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visão
6
87
Vê-se que o resultado mais importante tanto na visão das empresas quanto
das agências é poder obter um buzz favorável, bloqueando possíveis comentários
que possam deixar a experiência de uso e relação com a marca negativa. Aqui
mostra-se a preocupação que todos têm com o poder de expressão das pessoas na
internet e de quão “avassalador” pode ser um comentário.
O relatório também fornece informações sobre quais são as ferramentas que
mais geram resultados efetivos em termos de engajamento com a marca.
Figura: Quadro das ferramentas mais importantes para o engajamento social com uma marca
na visão das empresas e das agências de comunicação.
O mais interessante dessa tabela é o destaque para ferramentas de
marketing direto, que ainda possui uma relevância muito grande m relação à
influência ao engajamento de consumidores. Essa pesquisa indica também quais
88
seriam as ações que estão crescendo aos poucos em termos de efetividade e de
coerência com as novas tecnologias.
Figura: Quadro das ferramentas tendências para o engajamento social com uma marca
na visão das empresas e das agências de comunicação.
O mercado está concentrado na criação e no entendimento de novas
plataformas e maneiras para poder engajar o consumidor. Estar presente na vida
dele e ser relevante é um mantra que as marcas e agências insistem em entoar.
Assim, vendem-se ferramentas estratégicas para engajar as pessoas; vende-se
planejamento para engajar as pessoas; oferecem-se formas de mensurar o
engajamento das pessoas a fim de encontrar a melhor receita para suprir essa
necessidade contemporânea das marcas.
O coringa do engajamento social é tido como a resposta assertiva para as
soluções que envolvem imagem, resultados de vendas e sucesso. Porém, a
preocupação em engajar o consumidor passa rapidamente pelo o quê ele quer e
reivindica, e cai, quase que sempre, na quantidade de pessoas que gostam do
conteúdo emitido. E o gostar, por ser tão subjetivo, pode mudar de um segundo para
89
outro. Afinal, o compromisso é de curto prazo; e esse, na contemporaneidade, é
menor do que se imagina.
90
91
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O engajamento nas redes sociais passa por diversas questões, mesmo que
ele esteja relacionado a causas sociais ou até mesmo na utilização para a
construção de uma marca. Mais do que isso, o indivíduo na contemporaneidade tem
uma forma diferente de pensar sobre como agir coletivamente ainda mais em um
contexto extremamente globalizado e digitalizado.
Após a concepção do que é chamado de sujeito pós-moderno, as formas de
enxergar o mundo passaram a ser exageradamente individualistas e de certa
maneira narcísica. A identidade do indivíduo passou então por uma
descentralização, expondo um sujeito com múltiplas formas de se identificar. Sendo
assim, seus interesses também alteraram, fazendo com que os direitos particulares
tomassem cada vez mais conta do espaço público. A partir daí as mobilizações
tomaram características tanto racionais quanto emocionais.
E quando se fala dos movimentos sociais, percebe-se o quão grandes eram
as gamas de temas e formas que começaram a ser criadas e pensadas, pois afinal,
a briga por insumos ou até mesmo pelo poder já não cabiam na pós-modernidade.
Assim, a forma de se identificar também passava pelo fato de encontrar desejos
particulares que fossem parecidos e que de alguma forma tivesse alguma
representatividade coletiva. Viu-se que a globalização e a ascensão da internet
foram essenciais para esse contexto, pois de certa forma expandiram as
oportunidades do indivíduo de obter informação, de se relacionar e se comunicar
com qualquer pessoa de todo o mundo. O poder passava então para a mão das
pessoas, que saíram da posição passiva de espectadores e se tornaram criadoras,
compartilhadoras e curadoras do que circulava na internet.
Sendo assim, mobilizar-se também passou por um processo de evolução já
que a abrangência da informação era muito maior e com a informação de qualquer
lugar em tempo real, saber o que estava acontecendo em outra parte do mundo
dava a oportunidade do indivíduo se posicionar e se engajar pelo que quisesse
desde que aquilo lhe proporcionasse algo interessante em seu processo
identificatório. E engajar-se socialmente é quase intrínseco ao sujeito, pois dessa
92
forma ele consegue se posicionar perante a sociedade. E se o sujeito
contemporâneo tem o poder da informação, o engajamento social passaria a ser
intrínseco ao indivíduo digitalizado.
Na contemporaneidade, o engajamento social passou a ter outras
significações e até mesmo formas de se mostrar. O tempo que já começara a ser
discutido na pós-modernidade volta à tona e entra em paradoxo com a abrangência
do engajamento na era digital. Porém, como ainda essencial, a importância de
engajar e sentir que há pessoas engajadas passa a ser importante, pois o espaço de
parcialidade de cada indivíduo é um território de extrema valia a ser ocupado.
O sujeito quer se engajar e procura com o quê se engajar, ainda mais na
contemporaneidade que as formas de demonstrar isso são inúmeras, identificando-o
como ele queira e onde ele queira. A facilidade do engajamento trazida pela internet
possibilita a instantaneidade do tema a se relacionar.
A era do engajamento é também a era do desengajamento, pois esse passa a
ser efêmero e quase que inconsciente. Porém, o poder de cada “ponto” (de ponto a
ponto) na contemporaneidade é relevante, e pode pender tanto para o lado negativo
quanto para o positivo.
E quando as marcas entram na fase de engajar-se, pois neste momento elas
se inclinam a fazem ainda mais parte da vida das pessoas para se construírem e
sobreviverem, a percepção do engajamento parece estar nebulosa e quase
esquizofrênica. Com tanta valorização disso, todas passaram a “querer engajar” sem
ao certo saber o que é esse comportamento, como se dá e como fazer.
Engajar as pessoas e principalmente pelas redes sociais passou a ser uma
regra na comunicação de marca. Porém, fazer isso exige muito conhecimento do
consumidor e mais, relevância estratégica. O indivíduo contemporâneo se engaja e
se desengaja com facilidade e assim como o consumidor. Pautar a construção e
fidelização de uma empresa nisso é trabalhar em um território perigoso e frágil
demais.
A era do “Like”, que não tem geração, agrupa as pessoas pelo que elas
gostam e não mais pelo comportamento. A efemeridade do engajamento social
93
passa a ser ainda mais real, pois o gosto, com a premissa de subjetividade, pode ser
alterado a cada segundo ou minuto. E o minuto na contemporaneidade é, apesar de
muito rápido, muito valioso para ser perdido ou desperdiçado.
94
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