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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PETRÓPOLIS
INSTITUTO DE PESQUISA, EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO lato sensu EM HISTÓRIA DO BRASIL
(Cultura, Política e Sociedade)
GOVERNANÇA E CONFLITO NA AMÉRICA
PORTUGUESA (1640-1663)
Artigo apresentado pela aluna Michelle
SAMUEL DA SILVA, como requisito à
obtenção do título de Especializada em História
do Brasil, do curso de Pós-Graduação Lato Sensu
da Universidade Católica de Petrópolis, sob a
orientação do professor Dr. Vlademir José Luft.
Rio de Janeiro - RJ
Dezembro de 2013
1
Governança e conflito na América portuguesa (1640-1663)1
Michelle SAMUEL DA SILVA2
Resumo: O artigo busca analisar a administração e os conflitos na América portuguesa no período pós Restauração.
Neste sentido, procura-se compreender, por exemplo, as práticas governativas entre o vice-rei Vasco Mascarenhas que
governou o Estado do Brasil entre os anos de 1663 a 1667 e as relações de poder com outros grupos sociais que de
alguma forma estavam relacionados à administração da Colônia no contexto que correspondeu à expulsão dos
holandeses e a consolidação do poder bragantino na Europa.
Palavras-Chave: Administração colonial; Legislação Colonial; relações de poder.
Abstract: The work aims to analyze the management and conflict in Portuguese America in the period 1640-1663.
In this sense, we seek to understand, for example, governance practices between the viceroy Vasco Mascarenhas ruled
that the State of Brazil between the years 1663-1667 and power relations with other social groups that were somehow
related to administration of the colony in the context that corresponded to the expulsion of the Dutch and the
consolidation of power in Europe Bragantine.
Keywords: Colonial administration; Colonial Legislation; power relations.
Introdução
O artigo busca analisar a administração e os conflitos na América portuguesa no período
pós Restauração. Neste sentido, procura-se compreender, por exemplo, as práticas governativas
entre o vice-rei Vasco Mascarenhas que governou o Estado do Brasil entre os anos de 1663 a 1667
e as relações de poder com outros grupos sociais que de alguma forma estavam relacionados à
administração da Colônia no contexto que correspondeu à expulsão dos holandeses e a
consolidação do poder bragantino na Europa.
Pretende-se ainda compreender as múltiplas faces que envolvem o complexo
relacionamento entre a Coroa portuguesa e os colonos. A partir do movimento restaurador, que deu
término a união das Coroas Ibéricas, Portugal se ocupou de forma mais efetiva na administração da
América, ameaçada pela dominação holandesa. E para preservar seus negócios no ultramar e até
conter os abusos praticados pelos governadores das capitanias teve no conde de Óbidos seu
1 Orientação do professor Dr. Vlademir José Luft, (IFCS-UFRJ – lattes http://lattes.cnpq.br/4313798457929188)2 Pós-graduanda em História do Brasil pela UCP-IPETEC, (lattes ...)
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conciliador, sendo encarregado de fiscalizar a desonestidade e dilapidação do erário público por
parte dos senhores de Estado e fazer cumprir as determinações que constavam no Regimento.3
O trabalho volta-se para o âmbito da história política com dimensão para o campo da
História social estando inserido no contexto da nova História Política. Pode-se identificar que a
renovação dos estudos sobre o universo da política e do político transformou a época moderna em
um espaço privilegiado de investigação, e com isso tem possibilitado o desenvolvimento de
trabalhos de importância fundamental, especificamente nos países ibéricos e ibero-americanos.4
Com isso, o presente trabalho está inserido na renovação e desenvolvimento da História
política, e busca contribuir com um melhor conhecimento da administração do vice-rei Vasco
Mascarenhas no Estado do Brasil, no século XVII, em um momento em que a Coroa portuguesa
procura reforçar seus laços com o território americano e reorganizar a administração da terra, como
pode ser observado através da análise do Regimento que foi encaminhado aos capitães mores em
1663, ao qual voltarei adiante.
Antes de iniciar a análise da História política, deve-se mencionar que desde os anos de
1970 ela vive um processo de renovação e atualmente os debates que a disciplina histórica propicia
tem-se na história política uma de suas manifestações mais significativas.5
A história política foi duramente criticada e descartada pelo movimento historiográfico
renovador nos anos 30, o conhecido grupo dos Annales tendo como fundadores, Marc Bloch e
Lucien Febvre, pois criticavam uma História que até aquele momento era identificada através da
narrativa dos acontecimentos políticos e militares. De acordo com Francisco Falcon “de meados
do século XVIII ao terceiro quartel do século XIX, os movimentos da Ilustração e o Romantismo
modificaram a concepção de História, acentuando a importância do político”.6
Para a historiadora Marieta de Moraes Ferreira foi o momento em que uma geração de
historiadores passou a questionar a hegemonia do político e assim a defender uma história onde o
econômico e o social deveriam ocupar o lugar fundamental. Essa nova História sustentava que os
comportamentos coletivos são mais relevantes sobre o curso da História do que as iniciativas
3 Regimento encaminhado aos capitães-mores do Estado do Brasil, 1.10.1663. Documentos Históricos. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, vol. 4.4 COSENTINO, Francisco Carlos. Governo-Geral no Estado do Brasil: governação, jurisdição e conflitos (Séculos XVI-XVII). In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima. (Orgs.). Na trama das redes: política e negócios no Império português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p- 401-423.5 PUJOL, Javier Gil. “La historia política de la Edad Moderna europea, hoy: Progresos y minimalismo”. In: BARROS, Carlos (ed.), Actas del Congresso Internacional. “Historia a Debate”. Santiago: Historia a Debate, 1995. p.88.6 FALCON, Francisco. História e Poder. In: (Orgs.) CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História: ensaio de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 63-64.
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individuais, ou seja, as realidades do trabalho e da produção, e não mais regimes políticos,
deveriam ser os objetos dos historiadores. 7
No século XIX e no início do século XX ela desfrutou de um prestígio, exercendo uma
preponderância sobre outras áreas do conhecimento histórico, e quando ocorreu à renovação
historiográfica na França, ela foi alvo de várias críticas. Dessa forma passou a ser denunciada como
um contra exemplo, ela reunia todos os defeitos contra os quais as novas gerações de historiadores
desejavam definir-se, reagindo a uma negligência demasiado prolongada dos historiadores.8
O descrédito que o político sofreu nos anos 30, junto à maioria dos historiadores foi
resultados de vários fatos. Houve, em primeiro lugar, uma reação natural, um fenômeno
geracional. As gerações mais novas foram conduzidas a se definir em oposição às gerações
anteriores e, como essas superestimaram o político, a ponto de fazer dele o objeto principal, houve
uma reação de oposição com relação ao político.9
A terceira geração dos Annales foi identificar fora da historiografia os modelos e a
sustentação teórica para compreender e repensar as relações Estado-Sociedade com o objetivo de
renovar o estudo do político. As novas interpretações a partir da década de 80 vão compreender
não o estudo da política em seu sentido tradicional, mas em nível de representações sociais ou
coletivas, os imaginários sociais, a memória ou memórias coletivas, bem como diversas práticas
discursivas associadas ao poder.10 No que se refere ao estudo do político, este foi progressivamente
abandonado. O declínio da história política tradicional foi condicionado pelo desenvolvimento das
mentalidades políticas e da sociologia política.11
A reavaliação dos fenômenos políticos da época contemporânea foram precedidos pelos
cientistas políticos e sociólogos. “A renovação da história política está sendo feita em contato com
a ciência política, disciplina ainda jovem e experimental, mas em plena expansão, e cujas pesquisas
o historiador não pode ignorar, assim como não pode desinteressar das conquistas da economia
política, da demografia12”.
O desenvolvimento da sociologia política possibilitou a criação de uma junção de ciências
políticas consagrando sua especificidade universitária em meados dos anos 70 e também
7 FERREIRA, Marieta de Moraes. A nova “velha história”: O retorno da História política. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n.10, 1992.8 REMÓND, René. Por que a História Política? Estudos Históricos, Rio de Janeiro, 0000, vol.7 p. 7-19.9 REMÓND, René, op. cit., 0000, p.19.10 FALCON, Francisco, op. cit. 1997, p. 61-89.11 ROSANVALLON, Pierre. Por uma História conceitual do político. Tradução de Paulo Martinez. Universidade de São Paulo. Núcleo de São Paulo. p.10.12 JULLIARD, Jacques. A política. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. História: novas abordagens. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. p.184
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possibilitando a retomada do interesse pela história das ideias que disso resultou, traduzindo na
criação de muitos trabalhos sobre as forças políticas e o sistema político. Isso contribuiu com
disponibilidade da publicação de livros sobre as mentalidades políticas e a sociologia politica,
permitindo que novas abordagens no campo fossem realizadas.13
Para o entendimento das práticas administrativas no Brasil colonial após a Restauração será
utilizado o conceito de poder para melhor compreensão das relações entre colonos e metrópole no
contexto da política da Coroa portuguesa no Estado do Brasil, ou seja, a atuação do vice-rei Vasco
Mascarenhas na administração, identificando suas formas de governar no que se refere à
manutenção do poder com intenção de melhor funcionamento do seu governo.
Administração na América Portuguesa
O estudo da administração portuguesa do Brasil no período colonial possui estudos
consideráveis. Duas das principais interpretações que a historiografia brasileira elaborou sobre a
administração do Brasil no período colonial até final da década de 1970, foram realizadas por Caio
Prado Jr. em Formação do Brasil contemporâneo (1642), e Raimundo Faoro em Os donos do
poder (1959 e 1975). Caio Prado qualificara a administração portuguesa de “caótica, irracional,
contraditória e rotineira, ressaltando a complexidade dos órgãos, a confusão de funções e
competência”. Faoro ressalta que “o sistema administrativo português foi transposto com sucesso
para suas colônias graças a um Estado que, cedo centralizou e soube, com maestria, cooptar as
elites, inclusive as locais”.14
Segundo Oliveira Viana o mecanismo político no início do Brasil colonial, é extremamente
simples. O governador-geral concentrava em suas mãos o poder político e o militar. Em torno dele
também existiam outros órgãos fundamentais para manter o sistema administrativo da Colônia,
sendo o ouvidor-mor que tinha a responsabilidade dos negócios relacionados à justiça e o
procurador da Fazenda encarregado das “questões e interesses do fisco real”. Assim, para Oliveira
Viana “os homens de Estado portugueses procuraram, resolver os problemas da administração e da
defesa militar do Brasil colonial”15
De acordo com Arno e Maria José Wehling, em 1548, Dom João estabeleceu o Governo-
Geral em que foi reconhecido que o sistema de capitanias havia sido um fracasso. O Governo-
13 REMÓND, René, op. cit., 0000, p.11.14 SOUZA, Laura de Mello e. O Sol e a Sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p.31. 15 VIANNA, Francisco José O. Evolução do Povo Brasileiro. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956. p. 198-203.
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Geral teve a função de coordenar a colonização apoiando os donatários, em que governador-geral
exerceria suas funções administrativas tendo apoio do provedor-mor, encarregado das finanças; do
ouvidor-geral que teria a responsabilidade de cuidar da justiça e também o capitão-mor com a
função de supervisionar a defesa do litoral.16
Dentre trabalhos mais recentes, destacam-se as pesquisas conduzidas pelos historiadores
portugueses Mafalda Soares da Cunha e Nuno Gonçalo Monteiro, que abordam o perfil social dos
governadores do império português no Atlântico, nos séculos XVI e XVII. A pesquisa realizada
por eles, embora não apresente o Governo-Geral como objeto central da pesquisa, contribui para
que se possa obter melhor conhecimento da instituição predominante na América portuguesa.17
O trabalho realizado por Mafalda Soares, também contribui para a análise das estratégias e
das formas de ação política da monarquia portuguesa, a partir do perfil dos governantes do Império
do Atlântico, no século XVI e XVII. A seleção dos governadores decorria dos critérios socais e de
mérito que eram definidos pela monarquia portuguesa, com destaque das funções e dos cargos que
exerceram em benefício do Estado português em outras áreas sob seu domínio.18
Os que eram nascidos na América também partilhavam deste mesmo critério de seleção, ou
seja, estavam ligados de alguma forma com a monarquia portuguesa, como por exemplo, o caso de
Matias de Albuquerque, filho de Jorge Albuquerque Coelho que pertencia à família de donatários
de Pernambuco.19
Além de historiadores portugueses, pesquisadores brasileiros têm se dedicado ao tema. São
exemplo os trabalhos de Rodrigo Ricupero, que aborda a relação do governador-geral com as elites
baianas, pois, de acordo com a época, era necessário que a Coroa portuguesa concedesse uma série
de vantagens, com o objetivo de viabilizar a sua política administrativa no Estado do Brasil. E um
dos recursos utilizados, eram através da concessão de terras, cargos, ou rendas, por exemplo, que
se dava por meio do governador-geral favorecendo indivíduos próximos a ele.20
Na Bahia, em particular, o governador-geral controlava o acesso à terra por meio de
sesmarias, o provimento dos cargos e outras vantagens, como o acesso ao trabalho
16 WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José. Formação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p.7017 CUNHA, Mafalda Soares. Governo e Governantes do Império português no Atlântico (Século XVII). In: BICALHO, Maria Fernanda & FERLINI, Vera Lúcia Amaral (Orgs). Modos de Governar: Ideias e Práticas Políticas no Império português (Séculos XVI-XIX). São Paulo: Alameda, 2005. p- 69-92. 18 CUNHA, Mafalda Soares, op. cit., 2005, p. 73.19 CUNHA, Mafalda Soares, op. cit., 2005, p. 82.20 RICUPERO, Rodrigo. Governo-geral e a formação da elite colonial baiana no século XVI. In: BICALHO, Maria Fernanda & FERLINI, Vera Lúcia Amaral (Orgs). Modos de Governar: Ideias e Práticas Políticas no Império português (Séculos XVI-XIX). São Paulo: Alameda, 2005. p.119-135.
6
indígena ou a seus produtos, aos contratos públicos, ao engenho real, aos suprimentos
enviados pela Coroa, entre outras coisas. Dessa maneira, a proximidade com os detentores
dos cargos mais altos da administração colonial podia significar uma série de vantagens.21
Francisco Carlos Cosentino, que entre outros aspectos, detém-se no exame da condição
social e política do Governo-Geral na América portuguesa, relacionando a qualificação social, as
trajetórias e carreiras no período pós Restauração. A guerra contra a Espanha interferiu no perfil
social dos fidalgos que foram enviados para governar o Estado do Brasil. “Até a União Ibérica, o
caminho que trazia os fidalgos portugueses para o governo geral no Estado do Brasil passava por
serviços prestados na África e Ásia22”.
Os governadores-gerais do Estado do Brasil eram oficiais régios superiores que exerciam
funções delegadas de jurisdição inferior. A natureza superior de seu ofício devia-se ao fato
de esse servidor exercer, em nome do rei e por sua delegação, alguns dos poderes próprios
do ofício régio. Suas funções eram de qualidade inferior, na medida em que, além de
exercê-la por delegação temporária, tinha suas decisões submetidas, em última instância, à
decisão do monarca.23
Destaque-se também, as pesquisas desenvolvidas por Wilmar Vianna24, que a partir da
análise dos regimentos passados aos governadores-gerais, examina as competências e atribuições
da referida instituição na administração do Estado do Brasil. O perfil dos governadores escolhidos
para Brasil incluía, significativamente, o serviço militar no norte da África e, no século XVII, a
atuação na guerra de Restauração portuguesa iniciada em 1640. O cargo de governador-geral
ganharia prestígio devido ao avanço econômico do Estado do Brasil, sobretudo com a expansão
açucareira entre os séculos XVII e XVIII.25
21 RICUPERO, Rodrigo, op. cit., 2005, p. 129.22 COSENTINO, Francisco Carlo. Governadores gerais do Estado do Brasil (séculos XVI e XVII): ofício, regimentos, governação e trajetórias. Tese de Doutorado (Pós-Graduação em História). Universidade Federal Fluminense. Niterói: 2005.23 COSENTINO, Francisco Carlos. O ofício e as cerimônias de nomeação e posse para o governo-geral do Estado do Brasil (Séculos XVI e XVII). In: BICALHO, Maria Fernanda & FERLINI, Vera Lúcia Amaral (Orgs). Modos de Governar: Ideias e Práticas Políticas no Império português (Séculos XVI-XIX). São Paulo: Alameda, 2005. p- 137-178.24 VIANNA JÚNIOR, Wilmar da Silva. Modos de Governar, Modos de Governo: O Governo-Geral do Estado do Brasil entre a conservação da conquista e a manutenção do negócio (1642-1682), 2011. 251 f. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.25 VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Dicionário do Brasil colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.p- 265- 267.
7
Com isso teria a capacidade de promover maior facilidade de articulação entre as diversas
regiões do Estado do Brasil, com ênfase nas funções militares. A organização do governo geral
dentre outras funções, implicou em assessorar as autoridades eclesiásticas através da nomeação de
párocos e capelas e também fiscalizar as autoridades religiosas em geral.26
Dentre as características fundamentais da administração da Coroa na América, era a sua
divisão, não só espacial, mas também setorial, em instâncias múltiplas, as quais mantinham todos
os canais de comunicação política com Lisboa e que, frequentemente colidiam entre si. 27 No
equilíbrio local e regional de poderes que se estabeleciam nos territórios do Brasil colonial, os
governadores representavam a parcela mais significativa. Sendo assim, foi de interesse da Coroa
impedir cada vez mais as elites locais de chegarem aos governos das conquistas.28
Antonio Emanuel Hespanha discute o exercício governativo imperial utilizando como
objeto de análise o governo do Brasil, da Ásia e da África, afirmando que os governadores-gerais e
os vice-reis possuíam um grande poder sendo-lhes permitido:
derrogar o direito em vista de uma ainda mais perfeita realização da sua missão. Nos
regimentos que lhes eram outorgados, estava sempre inserida a cláusula de que poderiam
desobedecer às instruções régias aí dadas sempre que uma avaliação pontual do serviço
real o justificasse.29
O fato dos governadores-gerais estarem distante do centro de poder, isto é, do rei, permitiu
com que em determinadas situações, quando necessitava da resolução de um problema imediato,
tomassem medidas sem que precisasse de um parecer da Coroa portuguesa. Dessa forma, é
possível ressaltar que possuíam autonomia. Isso também pode ser identificado no caso dos
governadores das capitanias, embora as razões políticas não sejam as mesmas.30
Regimento aos Capitães-Mores do Estado do Brasil
26 VAINFAS, Ronaldo , op. cit., 2001, p. 265.27 Dentro da análise proposta podemos identificar que neste contexto, existem relações entre os poderes locais e centrais e que as formas de governar dos governadores gerais estavam entrelaçadas nestas redes de poder atuando de forma conciliadora. SALGADO, Graça (Coord.). Fiscais e meirinhos. A administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. p. 15-7228 CUNHA, Mafalda Soares da & MONTEIRO, Nuno F. Gonçalo, op. cit., 2005, p. 000.29 HESPANHA, Antônio Manuel. “A constituição do Império português”. Revisão de alguns enviesamentos correntes”. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima; BICALHO, Maria Fernanda. (org.). O Antigo Regime nos Trópicos: A Dinâmica imperial portuguesa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p- 163-188.30 Ibidem. p- 177.
8
Os Regimentos encaminhados aos Governadores gerais do Estado do Brasil são
documentos necessários para o entendimento das relações que foram estabelecidas envolvendo as
diversas jurisdições que coabitavam nos espaços de governação no Estado do Brasil. Os
Regimentos do Governo-Geral especificavam as regras que regulamentaram a convivência entre a
jurisdição régia, representada pelos governadores gerais com outros núcleos de poder que viviam
na sociedade colonial, ou seja, o relacionamento do governador geral com outras autoridades, tais
como a eclesiásticas, a do Tribunal da Relação e a dos governadores das capitanias.31
Os Regimentos tiveram grande abrangência e reuniam as experiências vivenciadas pela
colonização e pela metrópole. Eles permitem compreender uma ampliação dos poderes dos
governadores gerais em relação às outras jurisdições com as quais conviviam, estabelecendo
relações de subordinação. Assim, ao analisa-los, pode-se compreender que eles orientaram os
representantes da monarquia portuguesa a garantirem os limites e espaços de atuação das diversas
jurisdições que coexistiam com a sua.32
É necessário também observar que o Regimento encaminhado aos capitães-mores do
Estado do Brasil, em outubro de 1663, não tinha apenas a função de ampliar o poder dos
governadores gerais, mas também o objetivo de delimitar a jurisdição dos governadores das
capitanias, pois eram constantes as queixas dos colonos com relação aos excessos de abusos
cometidos por eles. A carta que foi encaminhada ao vice-rei Vasco Mascarenhas demonstra
claramente a insatisfação dos moradores da Capitania de Sergipe.33
Em setembro de 1663, foi encaminhado o documento a capitania de Sergipe em que o vice-
rei Vasco Mascarenhas ditava algumas ações que deveriam ser seguidas com relação ao capitão-
mor. Devido à queixa dos moradores da capitania com relação às humilhações cometidas pelo dito
governador Ambrósio Luís de la Penha. No documento, especificava-se que os moradores
reclamavam da usurpação por parte do capitão-mor de certas terras que eles haviam comprado e
que residiam nelas há anos. E assim eram alvos de violências causadas pelo capitão-mor e em
decorrência disso estavam ausentes de suas casas.34
Reclamavam ainda para que o governador daquela capitania não os prendesse e que
deixasse as suas terras, pois haviam comprado e com isso sempre estiveram livres, isto é, até
aquele momento ninguém tinha os incomodado. Através desse documento Vasco Mascarenhas
31 COSENTINO, Francisco Carlos, op. cit., 2010, p. 000. 32 COSENTINO, Francisco Carlos, op. cit., 2010, p. 412.33 Portaria que se passou para o capitão-mor de Sergipe sobre alguns moradores a quem vexava. Documentos Históricos. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, Vol.7, p.119.34 Portaria que se passou para o capitão-mor de Sergipe sobre alguns moradores a quem vexava, op. cit., p. 119
9
especifica que “tendo eu respeito a tudo, e não ser justo o capitão-mor vexe os moradores com
semelhante excesso de que fui bastante informado, antes de outra resolução”. Ordena então ao
Ouvidor e aos oficiais de justiça daquela capitania para que cumpram as determinações que
constam no documento e que:
não prendam, nem consintam estar presos pela referida causa, em virtude de ordem
alguma do dito capitão-mor, aos tais impetrantes, antes lhe deem todo o favor, e ajuda
para se livrarem, e conservarem seguros de qualquer violência que o capitão-mor lhes
intente fazer, na qual não será obedecido de pessoa alguma.35
O governador-geral sendo representante do monarca deveria agir como árbitro, mantendo a
ordem e evitando a intromissão de funções e competência dos diversos órgãos e poderes
estabelecidos no Estado do Brasil. Assim, a sua atuação estava envolvida em complexidades uma
vez que deveriam fazer respeitar as ordenações impostas pela Coroa e em alguns momentos tinham
que destituir servidores e governadores, além da responsabilidade pelo preenchimento de cargos da
administração de natureza média e subalterna, contribuindo para que muitas vezes o
relacionamento entre o Governo Geral e os governadores das capitanias fosse marcado por
conflitos.36 Isso pode ser identificado, por exemplo, através da carta que Vasco Mascarenhas
enviou ao capitão-mor Joseph Lopes para entregar a capitania do Espírito Santo ao Capitão- mor
Brás do Couto.37
A orientação do Regimento consolidava a manutenção dos espaços próprios da jurisdição
dos donatários e governadores das capitanias, preservando o poder da Coroa no Estado do Brasil.
Com isso, as determinações e instruções consolidadas no Regimento encaminhado aos capitães-
mores das capitanias em outubro de 1663 afirma a supremacia do governador-geral especificando
que:
Terá o Capitão-mor entendido, que nenhuma Capitania das do Estado, ou seja, Del-Rei
meu Senhor ou Donatário é subordinado ao governo de outra Capitania de que seja
vizinha; mas são imediatas e sujeitas a este geral: por cujo respeito só dele há de aceitar o
capitão-mor as ordens. E sendo caso que por ocasião alguma do inimigo seja socorrida
com infantaria de outra Capitania próxima ou distante e com ela vão Capitães e outros
oficiais maiores: sempre o dito capitão-mor há de dar o nome, e os mais hão de estar a sua
35 Portaria que se passou para o capitão-mor de Sergipe sobre alguns moradores a quem vexava, op. cit., p. 119.36 COSENTINO, Francisco Carlos, op. cit., 2010. p. 000. 37 Carta para o capitão-mor Joseph Lopes entregar a capitania do Espírito Santo ao capitão-mor Brás do Couto. 15.12.1663. Documentos Históricos. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, Vol.6, p.9.
10
ordem. Visto a homenagem que fez pela dita Capitania; cuja defesa, e segurança corre por
conta do dito capitão-mor.38
O objetivo do Regimento era consolidar a autoridade da metrópole nas mãos dos seus
representantes, os governadores gerais, delimitando o poder dos governadores das capitanias,
principalmente as do Rio de Janeiro e Pernambuco. Isso porque em meados do século XVII o Rio
de Janeiro possuía grande porte de engenhos e que estavam voltados para a exportação do açúcar,
contribuindo para sua importância em meios aos interesses metropolitanos.39
O Rio de Janeiro detinha uma posição privilegiada de grande produtora e exportadora de
açúcar e consumidora de escravos, com seus comerciantes atuando intensamente nas trocas do
Atlântico Sul, onde estavam envolvidos no trafico negreiro com a África e no acesso à prata das
zonas espanholas na América através do Rio da Prata. A despeito de tudo, seus moradores viviam
insatisfeitos com pesadas taxações a que eram obrigados a pagar para a manutenção das tropas de
defesa. Para piorar a situação, esses recursos, depois de arrecadados foram com frequência,
desviados para outras finalidades, aumentando ainda mais a tensão entre autoridades locais e
colonos.40
Quanto a Pernambuco, desde a expulsão dos holandeses em 1654, transformou a região em
capitania real, pois devido à importância do açúcar e da proximidade com Portugal, fez com que
alguns governadores preferissem permanecer mais tempo em Pernambuco, do que na sede do
governo na Bahia. A relativa autonomia prosperou após 1640, favorecido, pela necessidade de que
a nova dinastia tinha de, muitas vezes, contemporizar para manter a ordem e a unidade do império
ultramarino, particularmente o Estado do Brasil.41
Em decorrência dessa autonomia, a capitania de Pernambuco foi ponto central de diversos
conflitos entre o Governo-Geral e o governador daquela capitania. Isso pode ser analisado através,
por exemplo, da carta que o governador-geral Francisco Barreto encaminha ao monarca, acerca
38 Regimento encaminhado aos capitães-mores do Estado do Brasil, 1.10.1663. Documentos Históricos. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, Vol. 4. p. 118.39 FRAGOSO, João. A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua elite senhorial (Séculos XVI e XVII). In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima. (Orgs.). O Antigo Regime nos Trópicos: A dinâmica imperial portuguesa. (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p- 29-71.40 ALMEIDA FIGUEIREDO, Luciano Raposo. “O Império em apuros-notas para o estudo das alterações ultramarinas e das práticas políticas no Império colonial português, séculos XVII e XVIII”. In: FURTADO, Júnia Ferreira. (Org.). Diálogos oceânicos – Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português. Belo Horizonte: UFMG, 2001. p. 197-254.41 COSENTINO, Francisco Carlos, op. cit., 2010, p. 000.
11
dos procedimentos que foram adotados por, André Vidal de Negreiros, governador da capitania de
Pernambuco, em que consistia na posse exorbitante de poderes e na criação de cargos.42
Tratava também sobre os grandes os inconvenientes que resultavam por parte dos capitães-
mores das capitanias do Estado do Brasil pelo fato de não terem Regimento. Para evitar prejuízo e
tendo o objetivo de proceder com as obrigações necessárias, sem ocasionarem as dúvidas que os
Provedores da Fazenda Real e Ouvidores, e as queixas que os moradores das capitanias tinham de
suas ações.43
O Regimento também especificava que o capitão-mor que entrasse e governasse qualquer
capitania do Estado, tinha que visitar as fortalezas, e armazéns que houver e em presença do
Provedor e Escrivão da Fazenda Real, que verá as artilharias, munições e armas. Esses
procedimentos tinham o objetivo de prevenção contra a invasão de inimigos da Coroa portuguesa,
pois mesmo com a paz entre Portugal e Holanda, ainda eram os receios de outros ataques.
Teria o Capitão-mor entendido que, nenhuma capitania do Estado do Brasil, é subordinada
ao governo de outra capitania, devendo obediência e tendo que acatar as ordens do governador-
geral. Era de responsabilidade do capitão-mor a defesa da capitania, pois de acordo com a carta de
doação de 1534 estabelecia que, deveriam fiscalizar o comércio, exercer o comando militar, bem
como aplicar ou delegar o cumprimento da lei nas terras sob sua jurisdição.
Ainda segundo o Regimento que foi encaminhado aos capitães mores, não cabia ao capitão
mor conceder ou fazer doação de sesmarias, pois ele não tinha jurisdição para isso. 44 Somente o
governador geral, conforme o seu Regimento, poderia fazer a doação das terras, e se tirarão as
partes que os pedirem ou por seus procuradores.
Outra questão a ser analisada é que o capitão-mor não deveria intrometer-se na
administração da Fazenda Real da capitania, pois esta era de responsabilidade do Provedor. Era
somente para favorecer e aumentar o cuidado que deve, evitando com zelo que haja subornos; nem
ele se faça parcial na inclinação de alguma dos lançadores, antes deveria animar a todos ao maior
benefício das rendas reais. Dessa forma, quando o Provedor da Fazenda, Escrivão ou Almoxarife,
não fizessem conforme o acordado, o capitão-mor os advertiria para que servissem como eram
obrigados e caso não tivessem sucesso, os deixaria, contudo, servirem seus ofícios, pois os
42 Carta para sua majestade acerca dos procedimentos de André Vidal de Negreiros no governo de Pernambuco, 21.2.1658. Documentos Históricos. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, vol. 4, p.327.43 Regimento encaminhado aos capitães-mores do Estado do Brasil, op. cit., p. 000.44 Os donatários não gozavam de nenhum direito direto sobre a terra, vedando-lhes mesmo expressamente os forais a posse de mais de dez léguas de terra. PRADO JUNIOR, Caio. Evolução política do Brasil e outros estudos. São Paulo: Brasiliense, 1980. p.15.
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capitães-mores não tinham jurisdição ou poder algum para privá-los dos postos ou ofícios
atribuídos.45
Através dessas atribuições pode-se compreender que o encaminhamento do Regimento,
aos capitães-mores, em outubro de 1663, tinha a função de centralizar a autonomia do Governo
Geral e consequentemente na diminuição dos poderes nas mãos dos donatários. Para que tivessem
êxito na administração da capitania, deveriam avisar ao governador geral, as notícias referentes aos
erros cometidos pelos oficiais da Fazenda, para que o governador geral resolvesse o que fosse mais
conveniente, com o objetivo de cumprir com suas obrigações, era fundamental que as queixas
fossem encaminhadas ao governador geral para que ele tivesse as iniciativas de resolução e
manutenção da ordem no Estado do Brasil.
Era necessário que o capitão-mor deixasse o ouvidor e os oficiais de justiça exercer o seu
cargo, e com isso não poderia intrometer-se de forma alguma na sua jurisdição, da mesma maneira
os procedimentos se estendia ao ouvidor. Isso contribuía para que cada um procedesse para
administração que estivessem sob sua responsabilidade. Nisso advertia também, que de nenhuma
maneira pertence aos ouvidores, nem provedores o provimento de sua serventia de ofício algum
que vague nos seus juízos.46
Era atribuição do capitão-mor, ter conhecimento dos procedimentos do ouvidor, e seus
oficiais, para que pudesse informar ao governador geral, pois este tinha de averiguar os
inconvenientes para dispor da resolução do caso. Com a câmara e obrigações que são próprias
daquele Senado, o capitão-mor não se intrometeria. Mas sucedendo algum caso em que ele tivesse
que prender alguma pessoa, o mesmo não mandaria soltar, ainda que seja matéria leve. Se for,
grave, dará conta da tal prisão, juntamente com seus motivos, para que o vice-rei procedesse com
as medidas cabíveis para a solução do caso. 47
Através do Regimento, ficou determinado ainda que todos os governadores das capitanias,
teriam que submeter-se ao governador-geral, o que indicava a supremacia da jurisdição e dos
poderes do governo-geral. A carta que o governador da capitania do Rio de Janeiro Pedro de Mello
escreveu ao conde de Óbidos em 1664 especifica que a autoridade que o vice-rei teria na
administração do Estado do Brasil e que as demais capitanias deveriam submeter-se às suas
ordens.48
45 Regimento encaminhado aos capitães-mores do Estado do Brasil, op. cit., p. 000.46 Regimento encaminhado aos capitães-mores do Estado do Brasil, op. cit., p. 119.47 Regimento encaminhado aos capitães-mores do Estado do Brasil, op. cit., p. 119.48 Carta que escreveu o governador da capitania do Rio de Janeiro Pedro de Mello ao conde de Óbidos vice-rei do Estado do Brasil, 10.6.1664. Documentos Históricos. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, vol. 4, p. 44.
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Recebi todas as cartas de V.Exa. de 20 de fevereiro; 17 de março e 7 de abril, ordens que
V.Exa. me fez mercê mandar de sua majestade (...) faltando-me somente do papel selado
(...) Às do capitão-mor de São Vicente remeto logo. As de meu irmão que V. Exa. me fez
remeter foram entregues sobre a capitania de Cabo Frio, fico de acordo e não fiz repugnar
a ordem de V.Exa. senão dizer-lhe o que até agora se havia observado que aquela
jurisdição não dá autoridade a esta capitania, gosto, ou lucro, nem eu destas três coisas
quero mais que ser súdito de V. Exa. (...).
Dessa forma, podemos compreender que o século XVII foi de grande importância para a
atuação política de Portugal no Estado do Brasil e apesar das dificuldades, houve intensificação da
atividade administrativa. Os governadores-gerais tiveram suas atribuições redefinidas,
principalmente quando analisamos o Regimento encaminhado aos capitães mores em 1663, já no
governo de Vasco Mascarenhas, que atribuía aos governadores “os deveres de inspeção das
fortalezas, inventário de artilharia e munições, levantamento de reparos, recrutamento e treino de
soldados, hierarquia de chefias em campanha49”.
De acordo com Arno e Maria José Wehling, foram duas oportunidades que podem ser
caracterizadas como ampliação do poder dos governadores gerais. A primeira foi com o
Regimento de Gaspar de Sousa, em 1612, que abordava como questão principal a defesa do Estado
do Brasil, principalmente da costa nordestina ameaçada pelos franceses e o Regimento de Roque
da Costa Barreto, em 1677, que aborda a centralização administrativa. Este serviu de referência
para os demais governadores e vice-reis até o século XIX, o que atesta a continuidade da nova
política.50
Pode-se identificar, a partir da análise efetuada, uma terceira oportunidade de ampliação do
poder dos governadores-gerais, a partir do regimento encaminhado aos capitães-mores em 1663,
que tinha a função essencial de consolidar a autoridade régia, ou seja, aumentou a autoridade dos
governadores-gerais.
Considerações finais
De acordo com a pesquisa realizada, podemos identificar que a administração do vice-
rei Vasco Mascarenhas, está inserida em um contexto em que a Coroa portuguesa reforça o
seu poder no Estado do Brasil, pois nesse mesmo período ocorre a elevação do Estado do
49 COSENTINO, Francisco Carlos, op. cit., 2010, p. 000.50 WEHLING, Arno & WEHLING, Maria José C. M., op. cit., 2005, p. 000.
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Brasil a condição de Principado, destacando sua importância para os interesses
metropolitanos, além de ser o momento de consolidação do poder bragantino na Europa, com
a realização dos Tratados de Paz entre Portugal e Espanha que foi assinado em 1668.
Os documentos analisados, o Regimento que foi encaminhado aos capitães-mores em
1663, as correspondências trocadas pelas autoridades estabelecidas no Estado do Brasil que de
alguma forma estavam ligadas a administração Coroa e também as cartas régias, identifica-se
que o vice-rei para melhor funcionamento da governação em território americano teve,
constantemente que negociar com as autoridades estabelecidas no Estado do Brasil, com o
objetivo de manter a ordem interna e resolver os conflitos que eram frequentes,
principalmente por parte dos governadores das Capitanias. Ele tinha a função de consolidar a
autoridade da Coroa portuguesa, fazendo com delimitasse a jurisdição dos governadores das
capitanias.
Através da analise dos documentos, observamos também que houve preocupação
nesse período de melhor negociação com os governadores das capitanias do Rio de Janeiro, e
Pernambuco, principalmente esta última, que desde a administração do governador-geral de
Francisco Barreto, tinha sérios problemas de jurisdição.
A pesquisa demonstra que a administração do vice-rei Vasco Mascarenhas, teve a
função de buscar a reorganização do Estado do Brasil em um período que a dinastia dos
Braganças se consolida e recebe reconhecimento no continente europeu. Por isso, foi
necessário, que encaminhasse para governar o Estado do Brasil, uma autoridade, que atuou
constantemente, em prol dos interesses da Coroa portuguesa, conforme, podemos verificar
pelos cargos ocupou, tendo também como atribuição a fiscalização e conter os abusos
cometidos pelas diversas autoridades estabelecidas em território americano.
Compreendemos que ao analisar a administração do Estado do Brasil, observamos
interesses diversos e de uma complexidade que muitas vezes geram situações de conflito, e
cabe ao governante agir de forma contemporizadora, ou seja, através da cooperação e
negociação, sendo também pontos fundamentais o qual caracterizaram a administração do
vice-rei Vasco Mascarenhas no Estado do Brasil.
Outro ponto que se destaca com a pesquisa, está relacionado em compreender a
questão referente à titulação de vice-rei, que correspondeu a um caráter honorífico, não
ocorrendo nenhuma modificação com as práticas administrativas do governador-geral. A
titulação de vice-rei, então está relacionada à trajetória dos representantes da Coroa
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portuguesa. O vice-reinado não foi institucionalizado no Estado do Brasil, ou seja, Vasco
Mascarenhas foi o segundo a receber o título de vice-rei.
A administração do vice-rei Vasco Mascarenhas, foi marcada pela conciliação entre as
diversas autoridades estabelecidas no território americano, pode-se observar que teve que
enfrentar e resolver uma série de conflitos, principalmente por parte dos governadores das
capitanias.
Referências Bibliográficas
Fontes
Regimento encaminhado aos capitães-mores do Estado do Brasil, 1.10.1663. Documentos
Históricos. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, vol. 4.
Portaria que se passou para o capitão-mor de Sergipe sobre alguns moradores a quem vexava.
Documentos Históricos. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, Vol.7.
Carta de D. Afonso VI ao Conde de Óbidos, 9.8.1663. Documentos Históricos. Rio de Janeiro:
Biblioteca Nacional, Vol. 66.
Carta de sua majestade sobre não haver guarda-mor da barra e o Secretário levar o que for
diretamente seu. 9.8.1663. Documentos Históricos. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, vol. 66.
Carta para sua majestade acerca dos procedimentos de André Vidal de Negreiros no governo de
Pernambuco. 21.2.1658. Documentos Históricos. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, vol. 4.
Carta para o capitão-mor Joseph Lopes entregar a capitania do Espírito Santo ao capitão-mor Brás
do Couto. 15.12.1663. Documentos Históricos. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, Vol.6.
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