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Espectromorfologia, Denis Smalley

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARING

    MAURCIO PEREZ

    A ESPECTROMORFOLOGIA COMO DISCURSO: CONSIDERAES ACERCA DA

    OBRA TERICA DE DENIS SMALLEY

    Maring

    2011

  • MAURCIO PEREZ

    A ESPECTROMORFOLOGIA COMO DISCURSO: CONSIDERAES ACERCA DA

    OBRA TERICA DE DENIS SMALLEY

    Trabalho de concluso de curso apresentado ao Departamento de Msica da Universidade Estadual de Maring.

    Orientador: Rael B. G. Toffolo

    Maring

    2011

  • MAURCIO PEREZ

    A ESPECTROMORFOLOGIA COMO DISCURSO: CONSIDERAES ACERCA DA

    OBRA TERICA DE DENIS SMALLEY

    Trabalho de concluso de curso apresentado ao Departamento de Msica da Universidade Estadual de Maring.

    Aprovado em 22/11/11

    BANCA EXAMINADORA

    __________________________________

    Prof Dr. Flvio Apro

    (DMU - UEM)

    __________________________________

    Prof Dr. Marcus Alessi Bittencourt

    (DMU - UEM)

    __________________________________

    Prof Me. Rael B. G. Toffolo

    (DMU - UEM)

    Maring, 15 de Dezembro de 2011.

  • website:

    http://www.dmu.uem.br/lappso/index.php?title=Perez

    Comentrios, crticas e sugestes:

    [email protected]@gmail.com

  • RESUMO

    Este projeto de pesquisa teve como objetivo a compreenso da obra terica do compositor Denis Smalley, a fim de investigar as possibilidades do uso da teoria espectromorfolgica como ferramenta de organizao discursiva para a Msica Eletroacstica de vertente Acusmtica. Para tal propsito, este trabalho desenvolveu-se em trs etapas. Primeiramente, selecionamos os textos do autor que tratam especificamente sobre a teoria espectromorfolgica e os inter-relacionamos, buscando compreender como Smalley concebe o discurso musical em sua potica espectromorfolgica. Posteriormente, visando verificar como a teoria de Smalley pode ser aplicada como ferramenta composicional no que tange organizao do discurso, fizemos a anlise de uma pea acusmtica sob os preceitos do autor e, como ltima etapa, propomos uma organizao discursiva influenciada pelas ideias de Smalley.

    Palavras-chave: Discurso musical, Msica Eletroacstica, Denis Smalley, Espectromorfologia.

  • SUMRIO

    INTRODUO................................................................................................................................06

    1 A TEORIA ESPECTROMORFOLGICA............................................................................08

    1.1 Espectromorfologia...........................................................................................................08

    1.2 Tipologia espectromorfolgica.........................................................................................11

    2 A ESPECTROMORFOLOGIA COMO DISCURSO................................................................21

    2.1 Discurso do movimento....................................................................................................22

    2.2 Discurso comportamental.................................................................................................35

    2.3 Discurso transformacional................................................................................................41

    2.4 Discurso tipolgico...........................................................................................................43

    2.5 Discurso fonte-causa.........................................................................................................45

    2.6 Discurso tensional.............................................................................................................49

    3 CONSIDERAES SOBRE A TEORIA ESPECTROMORFOLGICA..............................51

    4 ANLISE ESPECTROMORFOLGICA.................................................................................53

    5 APLICAO COMPOSICIONAL.............................................................................................55

    CONSIDERAES FINAIS...........................................................................................................56

    REFERNCIAS...............................................................................................................................57

  • 6INTRODUO

    Este projeto de pesquisa teve como objetivo a compreenso da obra terica do

    compositor Denis Smalley, a fim de investigar as possibilidades do uso da teoria

    espectromorfolgica como ferramenta de organizao discursiva para a Msica Eletroacstica

    de vertente Acusmtica. parte das discusses se a msica pode ser ou no considerada

    como uma linguagem, entendemos discurso musical como a organizao do fluxo de

    sucesses dos eventos sonoros em uma composio musical.

    Tal proposta justificou-se pela recorrncia desta problemtica para os compositores

    desde o surgimento da Msica Eletroacstica. Desde sua primeira publicao em 1966, o

    Tratado dos objetos Musicais de Pierre Schaeffer tem sido obra referencial para os estudos em

    Msica Eletroacstica. Uma das formulaes mais influentes do Tratado concerne natureza

    do fazer musical.

    Pierre Schaeffer identificou na msica ocidental de tradio, e em especial no

    estruturalismo do sculo XX, uma inadequao fenomenolgica da composio musical.

    Segundo o autor, a msica ocidental sempre esteve vinculada e dependente de cnones

    composicionais e por isso os processos composicionais desenvolveram-se a priori da

    experincia musical. Para Schaeffer a postura composicional deveria compreender a

    experincia do material sonoro dado escuta como primordial.

    A proposta de Schaeffer consistiu na inverso da ordem da conduta composicional de

    um fazer-ouvir para um ouvir-fazer, ou seja, a atividade composicional deveria partir da

    experincia concreta da escuta para posteriormente direcionar-se abstrao musical. Tal

    concepo pde ser vislumbrada com a noo de acusmtica, a qual coloca a audio como

    foco central para a atividade perceptual e composicional.

    Em decorrncia do primado da escuta, Schaeffer postula os conceitos de escuta

    reduzida e objeto sonoro que se definem mutuamente e respectivamente como atividade

    perceptiva e como objeto de percepo (CHION, 1983, p. 33). O conceito de escuta reduzida

    pressupe a eliminao de toda a referencialidade do dado fsico com relao a sua fonte

    produtora e consequentemente de seu motivo cultural, sendo o objeto sonoro, ou seja, as

    propriedades espectrais e morfolgicas do som, o resultado desta postura.

    Schaeffer prope ento um novo vocabulrio para descrever o fenmeno perceptual

  • 7baseado na classificao dos objetos sonoros, a Tipo-morfologia, entendendo esta como a

    sistematizao de todo o possvel sonoro percepo humana e ao fazer musical. A tabela

    Tipo-morfolgica de Schaeffer apresentou para os compositores eletroacsticos uma

    importante ferramenta para descrio do material musical. No entanto, Schaeffer no se

    prolongou em seu Tratado sobre as maneiras possveis de organizao destes materiais em um

    discurso musical.

    Tal fato acarretou, para a histria da Msica Eletroacstica, na carncia de um

    paradigma organizacional. Para tanto, vrios autores deram continuidade ao trabalho de

    Schaeffer, com o intuito de complementar e expandir suas perspectivas, dos quais podemos

    citar Michel Chion, Franois Bayle, Simon Emmerson, Denis Smalley, entre outros. Dentre

    estes, destacamos para o propsito deste trabalho o compositor Denis Smalley, do qual sua

    principal contribuio a formulao do conceito de Espectromorfologia.

  • 81 A TEORIA ESPECTROMORFOLGICA

    1.1 Espectromorfologia

    Antes de iniciarmos nossa discusso sobre a teoria espectromorfolgica, devemos

    esclarecer a acepo do termo espectromorfologia, tanto com relao sua etimologia quanto

    aos significados que este termo assume nos textos de Smalley. O conceito e o termo

    espectromorfologia foi proposto e desenvolvido por Smalley desde seu primeiro trabalho

    terico Spectro-morphology and Structuring Processes (1986). Neste texto, o autor define

    que espectromorfologia uma abordagem para materiais sonoros e estruturas musicais que

    lida com o espectro das alturas e seu perfil dinmico no tempo (SMALLEY, 1986, p. 61;

    traduo nossa)1. Este conceito, por sua vez, advm do entendimento do evento sonoro, sendo

    que as duas partes do termo referem-se interao entre o conceito de espectro sonoro

    (espectro) e s maneiras que este se transforma no tempo (morfologia). Estas propriedades

    no existem individualmente no campo da experincia perceptiva, no h espectro sem um

    perfil dinmico portador e no h evento sonoro que se manifeste no tempo sem um contedo

    espectral (SMALLEY, 1997, p. 107).

    Por definio, este conceito abrange toda a manifestao sonora e musical

    representada, por exemplo, nos desenvolvimentos da msica ocidental de tradio, como o

    tonalismo, atonalismo e a msica para percusso. No entanto, a potica espectromorfolgica

    encontra completa satisfao conceitual na msica contempornea produzida com os meios

    eletroacsticos devido s possibilidades de manipulao do material sonoro por meio de

    gravao, sntese e processamento de sinal. O autor acrescenta ainda que, a potica

    espectromorfolgica no lida com msicas de carter anedtico e/ou programtico. Isto se

    deve ao fato de que, por estes tipos de msica serem fortemente referenciais possibilitam

    prioritariamente um tipo de escuta, que se baseia na identificao das fontes sonoras

    (SMALLEY, 1997, p. 109-110).

    Segundo Smalley, a teoria espectromorfolgica no e no deve ser considerada como

    uma teoria ou mtodo composicional, antes de tudo ela deve ser considerada como uma

    1 No original: Spectromorphology is an approach to sound materials and musical structures which concentrates on the spectrum of available pitches and their shaping in time

  • 9ferramenta descritiva e analtica baseada na percepo auditiva e direcionada para o

    entendimento da experincia auditiva. No entanto, assim como assinala o autor, a teoria

    espectromorfolgica pode sim influenciar mtodos composicionais desde que o compositor a

    utilize para um propsito diagnstico e descritivo, quer seja posterior ou antecedente prxis

    composicional.

    Segundo Smalley, para acessarmos o contedo espectromorfolgico dos materiais

    sonoros e das estruturas musicais por eles desencadeadas, devemos partir de uma postura da

    percepo auditiva, consagrada por Schaeffer e retomada pelo autor, conhecida como escuta

    reduzida. A atividade da escuta reduzida consiste na capacidade de eliminar de um dado

    sonoro suas caractersticas referenciais, ou seja, sua fonte, causa e seu contedo simblico.

    Segundo Schaeffer, esta postura perceptual alcanada por meio da reincidncia proposital de

    um som qualquer, redirecionando a ateno da escuta do ouvinte para as propriedades

    espectrais e morfolgicas deste evento. Tal atitude perceptiva dos materiais sonoros tem como

    consequncia, tanto para o compositor quanto para o ouvinte, a compreenso da organizao

    das estruturas musicais pelo relacionamento entre as propriedades espectrais e morfolgicas

    entre os eventos em uma composio.

    No entanto, Smalley atenta que, ao considerar a escuta reduzida como uma atitude

    derradeira de contemplao perceptual, tanto ouvinte como compositor incorrem em um

    equvoco no que diz respeito apreenso do fenmeno musical. Primeiramente porque, ao se

    eliminar as caractersticas referenciais de um evento sonoro reduz-se a experincia sonora e

    musical a um filtro conceitual. Alm disso, por ser estrita e objetiva, a atitude da escuta

    reduzida, ao proporcionar uma percepo microscpica do evento sonoro, tende a ressaltar

    aquilo que menos pertinente ao contexto musical como nveis mais inferiores do discurso

    e/ou os detalhes intrnsecos do material sonoro (SMALLEY, 1997, p.111).

    Um exemplo que leva a uma melhor compreenso das questes relacionadas escuta

    reduzida evidenciadas por Smalley pode ser demostrada com um trecho retirado do texto do

    autor:

    [...]For example, in trying to describe the sound of an approaching car we should have to forget that it is a car and ignore everything associated with car-ness, confining our aural observations to discovering how the spectrum of the sound changes in time.[...] One can imagine a context where the spectral design of the car's sounds could be associated with other sounds of related shape. In this way the composer could manipulate the context so that the listener is drawn into following the abstract aspects of the sound's design rather than thinking about the significance

  • 10

    of cars with objects. On the other hand a musical context could be created where the car's sound is used to make a statement about cars as cultural symbols (SMALLEY, 1986, p. 64).

    A partir das questes expostas acima podemos agora nos concentrar novamente no

    propsito desta seo e explicar de um maneira mais coesa o uso do termo e o conceito de

    espectromorfologia para Smalley.

    Ao desconsiderar a postura da escuta reduzida como atitude exclusiva e ltima para a

    percepo auditiva e para a experincia musical, o autor desproposita a acepo do termo

    objeto sonoro da maneira tal qual foi cunhada por Schaeffer. Assim como exemplificado

    anteriormente, Smalley entende que todo som possui um duplo potencial, um abstrato,

    resultado da escuta reduzida, e um outro concreto, que se refere aos aspectos que vo alm

    das caractersticas espectrais e morfolgicas do som como a mmese e seu potencial

    referencial (SMALLEY, 1986, p. 64). Falaremos mais desta segunda propriedade quando

    estivermos tratando de discurso musical, no segundo captulo.

    Logo, considerando a obra terica de Smalley como um todo, fica claro que mais

    apropriado ao autor o uso do termo espectromorfologia ou espectromorfologias para se

    referir ao que Schaeffer chama de objeto sonoro e o termo abordagem, ou escuta

    espectromorfolgica para contemplar tanto o conceito de escuta reduzida quanto a proposta

    de percepo sonora e de experincia musical do autor. Consequentemente podemos inferir

    que, diferentemente do quadro tipo-morfolgico dos objetos sonoros de Schaeffer, Smalley

    prope um modelo descritivo que no reduz o material musical a categorias fixas e pr-

    determinadas, como veremos na prxima seo.

    Portanto ao nos referirmos ao termo espectromorfologia neste trabalho assumimos

    significados diferentes dependendo do contexto em que estamos utilizando-o. A

    Espectromorfologia um metateoria, desenvolvida por Smalley ao longo dos anos de suas

    pesquisas, que pretende fundamentar a experincia musical por meio da descrio dos

    materiais musicais e como estes esto relacionados experincia humana. A

    espectromorfologia uma abordagem perceptiva que considera o potencial concreto e abstrato

    dos materiais musicais. A espectromorfologia, ou melhor, uma espectromorfologia uma

    entidade sonora constituda de contedo espectral, morfolgico e simblico.

  • 11

    1.2 Tipologia espectromorfolgica

    Assim como o autor procede em seus textos tericos, iniciaremos as discusses acerca

    da teoria espectromorfolgica com a tipologia dos materiais musicais. Tal proposta tem um

    objetivo didtico, ao partir de elementos mais simples, como as entidades sonoras, para

    posteriormente evidenciar como as mesmas so utilizadas e relacionadas em contextos mais

    complexos, como em estruturas musicais e no discurso musical.

    Como dito anteriormente, fato que o contedo espectral e a morfologia no existem

    independentemente na experincia sonora, no entanto, a fim de melhor descrevermos e

    explorarmos suas qualidades iremos abord-los separadamente nesta seo.

    Tipologia espectral

    A nota consagrou-se na histria da msica ocidental como a principal portadora do

    contedo espectral, resultando assim tambm na concepo do conceito de espectro sonoro

    que tradicionalmente definido como a resultante da soma das frequncias geradas por um

    som, no caso, uma nota. Por sua vez, a ideia de timbre esteve identificada com o conceito

    de espectro sonoro, sendo definido como uma espcie de colorao do som, ou mais

    especificamente, a maneira pela qual a soma das parciais harmnicas de um som se

    apresentam, influenciam na percepo de sua qualidade sonora. A opo pela altura definida

    legou ao ocidente a estruturao do sistema tonal. As razes que permeiam este fato podem

    ser esboadas em questes diversas tais como: questes de natureza biolgica, que defendem

    a predisposio do sistema auditivo humano ao espectro harmnico; questes de construto

    social, que conferem legitimidade um sistema musical e questes de carter tecnolgico

    como os meios disponveis de apreenso e manipulao do material. A par destas questes, ao

    utilizar o termo espectro Smalley refere-se totalidade das frequncias audveis, seja

    individualmente (nota) seja conjuntamente (espectro). Logo, esta ideia prope que o

    conceito de nota e timbre no sejam excludos, mas que estejam localizados em um espao

    especfico dentre a imensido dos tipos espectrais (SMALLEY, 1986, p. 65).

    Segundo Smalley, h trs tipos espectrais bsicos que estabelecem pontos de

    referncia para a identificao do contedo espectral: note, node e noise.

  • 12

    Primeiramente, note diz respeito a percepo de alturas e pode ser dividido em outras

    trs categorias: note proper, harmonic spectra e inharmonic espectra. O termo note proper

    poderia ser traduzido como nota propriamente dita e se refere a noo tradicional de

    percepo de alturas definidas. Isto significa que, por mais que a nota contenha um contedo

    espectral que possui mais de uma frequncia (o espectro) nos interessamos primeiramente

    pela frequncia fundamental do que por seus harmnicos. Consequentemente podemos

    expandir este domnio espectral para modelos mais complexos de interao como intervalos e

    acordes, sendo que ao utilizarmos estes modelos criamos relaes que podem evocar

    diretamente o sistema tonal.

    Por outro lado ao voltarmos nossa ateno para o contedo interno de uma nota

    podemos identificar um outro tipo espectral, o espectro harmnico. Como dito anteriormente,

    o espectro a resultante da soma das parciais de uma nota. No espectro harmnico estas

    parciais esto para a frequncia fundamental por uma relao de mltiplos inteiros, so os

    intervalos da srie harmnica. A capacidade de percepo destas parciais uma questo de

    inteno, habilidade discriminatria do ouvinte e/ou do contexto musical, no qual, por

    exemplo, determinadas frequncias da srie harmnica podem ser reforadas por outras notas.

    Ao descrever este tipo espectral, Smalley propem um exerccio que demostra a

    mudana de foco da nota para o espectro sonoro:

    This focal transition can be demonstrated by listening to a low piano note. Heard at a normal listening distance the note proper predominates. If amplified or listened to more intimately the note's spectral components and their temporal shaping become apparent (SMALLEY, 1986, p. 66).

    Esta mudana de foco, da altura definida para as propriedades espectrais intrnsecas da

    nota, podem ser concebidas como materiais musicais por meio do uso das tcnicas

    eletroacsticas, que possibilitam a composio, decomposio e a modificao no contedo

    espectral. Isto ainda mais relevante ao se tratar do terceiro tipo espectral incluso no domnio

    da percepo de alturas, o espectro inharmnico. Ao contrrio do espectro harmnico, este

    tipo espectral est relacionado com sons complexos que no possuem sua resultante espectral

    baseada nos princpios da srie harmnica. No entanto, uma das principais caractersticas do

    espectro inharmnico sua tendncia multidirecional, ou seja, mesmo no se baseando na

    srie harmnica estes sons possuem relaes intervalares em comum com a mesma que

  • 13

    identificam alturas definidas. Segundo Smalley, para ser considerado autenticamente como

    um espectro inharmnico a resultante espectral no pode ser redutvel uma nota

    (SMALLEY, 1997, p. 120). Sons metlicos e sons de sinos que tm seu espectro mantido por

    ressonncia so os principais representantes deste tipo espectral.

    O segundo tipo espectral bsico apontado por Smalley representado pelo conceito de

    node, pode-se dizer que este tipo representa um ponto intermedirio entre note e noise, o qual

    ser o prximo tipo a ser apresentado. Um som nodal um som que resiste identificao de

    alturas. Isto se deve ao fato de que o conjunto de frequncias aparece de uma maneira to

    conglomerada que difcil discernir qualquer uma delas. O principais representantes deste

    tipo espectral so instrumentos de percusso, mas tambm podem ser identificados em outros

    sons como um cluster de piano, por exemplo.

    O terceiro e ltimo tipo espectral bsico identificado pelo autor o conceito de noise.

    Para Smalley este tipo espectral pode ser dividido em granular noise e saturate noise

    (SMALLEY, 1997, p. 120). Ambos possuem seu contedo espectral baseado nas propriedades

    do rudo branco. O conceito de rudo branco (white-noise, em ingls) compreendido pela

    coexistncia de todas as faixas de frequncia audveis com suas mximas amplitudes. No

    entanto, no possvel abstrair deste contedo espectral alturas definidas ou qualquer relao

    intervalar.

    Granular noise um tipo espectral que constitudo de unidades sonoras chamadas de

    gros. Estas unidades, manifestam-se de maneira conjunta e catica em um contexto sonoro,

    conformando desta maneira uma textura. O conceito de saturate noise diz respeito a

    propriedade de se gerar densidade espectral por meio da saturao ou no da quantidade de

    rudo branco em uma espectromorfologia.

    Podemos identificar estes dois tipos espectrais de uma maneira mais simples ao

    recorrermos ao exemplo dado por Smalley sobre a mudana de foco auditivo da nota para seu

    contedo espectral interno. Ao nos referirmos a granular noise estamos partindo de uma

    postura auditiva para o interior do contedo espectral baseado no rudo branco, sendo capaz

    de discernir neste contedo impulsos energticos individuais que so denominados gros. Ao

    encararmos o rudo branco como um fator de densidade tomamos a postura oposta,

    entendemos este contedo mais como uma espcie de sujeira ou complemento em uma

    espectromorfologia.

    Ambos os tipos espectrais vinculados a noise podem ser exemplificados com

  • 14

    espectromorfologias semelhantes como, o som do mar, texturas d'gua, vento, interferncia

    esttica, raio/trovo, frico de materiais slidos, respirao, chuva, etc. No entanto, a

    identificao de um tipo ou outro depende de fatores diversos como a pertinncia destes

    modelos em um evento sonoro e/ou pela atitude de escuta do ouvinte, que pode selecionar um

    dos modelos, ou ambos para uma mesma espectromorfologia.

    Em resumo, podemos compreender a tipologia espectral de Smalley pelo o que o autor

    define como pitch-effluvium continuum. Este conceito determina que, os tipos espectrais note

    e noise localizam-se em dois extremos opostos, e os tipos espectrais possveis escuta e

    composio musical esto contidos nesta dimenso. Alm disto, como nos referimos

    anteriormente, existem fatores que podem relativizar a apreenso e localizao destes tipos no

    contnuo espectral, como a habilidade discriminatria do ouvinte, a posio de determinada

    espectromorfologia em um contexto musical, ou a prpria inteno do ouvinte em discriminar

    estes tipos.

    Tipologia morfolgica

    Ao recorrermos a etimologia do prefixo morpho encontramos definies tais como:

    forma, estrutura, contorno, formato, figura, etc. Estes termos, em princpio, possuem uma

    forte indicao com a experincia ttil e visual, que existem no mbito espacial.

    Consequentemente, podemos nos apropriar metaforicamente destes termos para descrevermos

    a existncia de um evento sonoro, que por sua vez, manifesta-se em um espao temporal.

    Isto possvel ao considerarmos, por exemplo, uma representao visual de dois eixos

    perpendiculares, sendo que um eixo x corresponde energia espectral e um segundo eixo y

    figura 1: pitch-effluvium continuum (SMALLEY, 1986, p. 65).

  • 15

    corresponde localizao desta energia no tempo. Este tipo de descrio aproxima-se do

    conceito de envelope dinmico utilizado amplamente na msica eletroacstica e na

    computao musical. Neste caso, ao se referir descrio de morfologias, Smalley utiliza-se

    de termos como: dynamic profiles, sound-shapes, temporal shaping, entre outros. Portanto,

    todos estes termos podem ser utilizados para nos referirmos morfologia de um evento

    sonoro.

    Ao discorrer sobre as propriedades e capacidades morfolgicas dos eventos sonoros,

    Smalley parte dos modelos musicais tradicionais. Neste contexto, a nota o modelo sonoro

    bsico e sua morfologia resultado da ao fsica do msico sobre determinado instrumento

    que gera um perfil energtico e seu contedo espectral. Por sua vez, esta morfologia

    representada por sua histria espectral. Este conceito considera que todo evento sonoro, no

    caso, a nota emitida por um instrumento, possui trs fases temporais de existncia: onset,

    continuant e termination. Estas trs fases referem-se, consecutivamente, como um evento

    comea, como se mantm no tempo e como termina. A compreenso deste conceito

    fundamental tanto para a classificao dos tipos morfolgicos apresentados por Smalley como

    para parte de sua ideia de discurso musical.

    A partir disto Smalley identifica trs conjuntos de morfologias, complementares entre

    si, que podem ser classificados em ordem de complexidade formadora: morphological

    archetypes, morphological models e morphological stringing.

    Os arqutipos morfolgicos referem-se um conjunto de tipos morfolgicos

    identificados a partir da prtica instrumental tradicional, e provm a base para o

    figura 2: exemplo de envelope dinmico (ROADS, 1996, p. 97).

  • 16

    desenvolvimento de tipos morfolgicos mais complexos. Estes arqutipos so divididos em

    trs categorias: attack, attack-decay e graduated continuant.

    O tipo morfolgico attack definido como um impulso energtico sbito que

    imediatamente se extingue. As fases de onset e temination apresentam-se praticamente juntas,

    sendo que a fase continuant no existe neste arqutipo. Como consequncia o foco da escuta

    dirige-se exclusivamente para o momento do ataque inicial. Um som em staccato ou um som

    percussivo sem ressonncia so exemplos deste tipo morfolgico.

    O arqutipo attack-decay caracteriza-se por um attack sucedido por uma ressonncia.

    Este tipo pode ser dividido ainda em duas variantes: closed attack-decay e open attack-decay.

    No primeiro tipo o decaimento causado pela ressonncia apresenta-se de maneira sutil,

    evidenciando um poco mais as fases de termination e continuant. No entanto, neste tipo

    morfolgico ainda prevalece o foco da escuta para a fase de onset. No segundo tipo, o

    decaimento mais gradual, e mostra de maneira mais equilibrada as trs fazes temporais.

    Sons de pizzicato e de sino so, consecutivamente, modelos destes tipos morfolgicos.

    O ltimo arqutipo morfolgico, graduated continuant, caracterizado por ressaltar a

    fase de continuant. O onset contm um ataque gradual que dirige-se at a fase de continuant,

    que prolongada por tempo indeterminado e a seguir, na fase de termination, decai de

    maneira gradual at extinguir-se. Os modelos que representam este tipo morfolgico so

    instrumentos que possibilitam o controle da fase de continuant, entre estes pode-se citar

    instrumentos de sopro e de arco.

    Os arqutipos morfolgicos representam as propriedades morfolgicas mais primitivas

    das possibilidades instrumentais tradicionais e, como demonstrado anteriormente, possuem

    tambm correlaes com morfologias alm deste contexto. A partir dos modelos arquetpicos,

    figura 3: Arqutipos morfolgicos (SMALLEY, 1986, p. 69).

  • 17

    Smalley identificou, tanto nas prticas instrumentais (tradicionais e contemporneas) como no

    repertrio electroacstico outros tipos morfolgicos que complementam a tipologia

    morfolgica, a este novo conjunto o autor chamou de morphological models. Neste conjunto,

    Smalley acrescenta novos tipos morfolgicos, a saber, swelled graduated continuant, tipos

    lineares como linear attack decay e linear graduated continuant e variantes inversas dos

    modelos anteriores de attack-onset.

    O tipo morfolgico swelled graduated continuant uma variao do arqutipo

    graduated continuant. A fase de onset contm um ataque que possui muita energia, esta

    prolongada at a fase de termination que, assim como o ataque inicial, acontece de forma

    muito rpida e sutil. Isto faz com que as fazes de onset e termination sejam menos lineares e a

    morfologia se identifique com um crescendo sbito. Este tipo morfolgico pode ser

    exemplificado com a tcnica de arco do detach barroco.

    Os modelos linear attack decay e linear graduated continuant caracterizam-se por

    possurem uma linearidade energtica exata. No caso do primeiro tipo, esta linearidade

    encontra-se principalmente na fase de termination, representada por um decaimento linear, e,

    no segundo tipo esta linearidade encontra-se nas trs fazes temporais. Morfologias deste tipo

    so menos aceitveis ao ouvido pois podem soar mecnica ou artificialmente. Este

    linearidade absoluta mais encontrada no mbito sinttico, ou seja, na produo destas

    morfologias por meios eletroacsticos, seja por sntese seja por processamento de sinal.

    Alm dos tipos expostos at aqui, os arqutipos e os modelos morfolgicos, o autor

    acrescenta tipologia morfolgica a variante inversa dos modelos de attack-onset anteriores.

    Estes modelos inversos, no entanto, no devem ser confundidos com a tcnica de reverso de

    um som, comum prtica eletroacstica. Isto , estes novos tipos referem-se inverso do

    perfil energtico do modelo original e no inverso da ordem do contedo espectral do

    mesmo. Isto implica tambm no fato de que, diferentemente do que vimos at agora, a fase de

    termination no necessariamente um direcionamento ao silncio. Ao invs disto, uma

    morfologia pode ter seu perfil energtico amplificado em direo fase de termination

    podendo, ou se extinguir abruptamente (corte reto) ou gerar um novo onset. Neste caso, o

    autor identifica o conceito de correspondence, que compreendido como uma modulao

    morfolgica, uma mudana de direcionamento de uma morfologia que pode acarretar em

    outra. Como exemplifica o autor:

  • 18

    []Let us elaborate a hypothetical example of this process by taking the second archetype and expanding it into a structural unit. Attention is immediately drawn to the attack-onset, the impact of which sets in motion a resonating spectrum which we might expect to decay gradually. The further away we travel from the attack point the more we may be coaxed into observing how the spectral components of the continuant phase proceed, and the less interested we shall be in the genetic role of the initial impact. At this stage the composer may intervene in what so far has been a natural process by developing and changing the course of the spectral components. Through such intervention the expectation of decay can be postponed, diverted, or avoided, and the structure's orientation altered.[...](SMALLEY, 1986, p. 71).

    Como dito anteriormente, estas novas morfologias so derivadas dos modelos

    arquetpicos. Isto possvel a partir da manipulao das trs fases temporais da histria

    espectral de um evento sonoro. Isto significa dizer tambm que, alm dos tipos identificados

    por Smalley podemos identificar e criar novas morfologias a partir do controle do modelo

    onset-continuant-termination de uma espectromorfologia.

    A partir da ideia de modulao morfolgica o autor prope o terceiro conjunto de tipos

    morfolgicos que refere-se tipos formados por meio de juno/encadeamento ou

    sobreposio/fuso de morfologias em cadeias, criando tipos hbridos. A este conjunto o autor

    chamou de morphological string. Podemos exemplificar um tipo simples deste conjunto com

    figura 4: Modelos morfolgicos (SMALLEY, 1986, p. 70).

  • 19

    um som arquetpico attack-decay em sua variante inversa sucedido por seu modelo original,

    sendo que a fase de terminant do primeiro corresponde fase de onset do segundo.

    Um modelo de cadeia morfolgica particular apontado por Smalley a cadeia gerada

    por repetidos arqutipos attack-impulse. Dependendo da distncia temporal entre um modelo

    e seu semelhante criam-se contextos perceptuais que influem na apreenso destas

    morfologias. Para demonstrar as formas possveis que estes contextos so percebidos pela

    escuta o autor prope o conceito de attack-effluvium continuum, que definido como um

    contnuo com dois plos opostos que representam a mxima e a mnima compresso temporal

    da cadeia morfolgica. Em um extremo, de mnima compresso temporal, as caractersticas da

    morfologia attack-impulse so conservadas, dando-nos a impresso de que existe uma cadeia

    de modelos idnticos que esto separados por algum espao de tempo. No primeiro estgio de

    compresso temporal a proximidade entre as morfologias criam um padro de comportamento

    de iterao, dando-nos a impresso de que a cadeia agora se conforma como uma nica

    morfologia, no entanto, podemos perceber ainda que h uma separao entre as morfologias

    que identificam o modelo attack-impulse. Quando a iterao entre estas morfologias se torna

    ainda mais comprimida, a identificao da morfologia geradora se torna difcil e a nova

    morfologia toma agora uma caracterstica textural caracterizada pela percepo de gros. Por

    fim, em um estgio compresso temporal mxima os gros da textura granular tornam-se

    extremamente comprimidos que no possvel mais distinguir qualquer espcie de

    manifestao morfolgica semelhante ao gro. Neste estado de compresso mxima acontece

    a saturao da cadeia formada por attack-impulses. Esta saturao decorre da incapacidade do

    figura 5: Cadeias morfolgicas (SMALLEY, 1986, p. 71).

  • 20

    ouvido humano de distinguir eventos temporais abaixo de 25 milissegundos como unidades

    separadas.

    Enfim, podemos compreender o attack-effluvium continuum como um novo conjunto

    de morfologias criado por morfologias, e com isto fechamos a tipologia morfolgica dos

    materiais musicais identificadas por Smalley. Podemos agora seguir com o propsito principal

    deste trabalho e identificar como os materiais musicais identificados at aqui podem ser

    relacionados no discurso musical.

    figura 6: attack-effluvium continuum (SMALLEY, 1986, p. 72).

  • 21

    2 A ESPECTROMORFOLOGIA COMO DISCURSO

    Aps a leitura dos textos do autor que tratam especificamente da teoria

    espectromorfolgica, podemos identificar que h implicitamente uma teoria discursiva

    baseada na compreenso dos modelos espectromorfolgicos. No entanto, somente no texto

    Defining Timbre Refining Timbre (1994) que o autor assume uma postura clara sobre seu

    entendimento de discurso musical. Neste texto Smalley reconhece que existem seis tipos de

    discursos na Msica Eletroacstica. So eles: source-cause discourse, transformacional

    discourse, typological discourse, behavioural discourse, motion discourse e tensile discourse

    (SMALLEY, 1994, p. 45). O autor categoriza ainda estes tipos de discurso segundo suas

    propriedades. Os trs primeiros tipos discursivos tm como caracterstica o fato de tratarem

    do reconhecimento das identidades sonoras e das maneiras que estas identidades so

    interpretadas no decorrer do discurso musical pelo ouvinte. J os ltimos tipos discursivos

    dizem respeito, consecutivamente, s propriedades direcionais das entidades sonoras e s

    maneiras pelas quais estas entidades interagem entre si, sendo que o ultimo tipo discursivo,

    tensile discourse, aplica a concepo de interao aos tipos de discursos, ou seja, diz respeito

    como os cinco tipos discursivos anteriores juntos so capazes de criar tenes formais

    (SMALLEY, 1994, p. 46).

    Com o intuito de facilitar a compreenso dos vrios tipos discursivos apontados por

    Smalley iremos abord-los neste texto de uma maneira especfica, que corresponde ordem

    inversa tal qual enunciada acima. Esta linha de raciocnio tem como proposta, partir do

    reconhecimento de uma espectromorfologia como agente discursivo unitrio, passando para a

    compreenso de como mais de uma espectromorfologia interagem em um contexto musical

    em nveis local e regional, para finalmente investigarmos como o reconhecimento destas

    espectromorfologias como signos sonoros contribuem para o discurso musical intrnseca e

    extrinsecamente em uma obra. Por esta razo adotamos anteriormente, assim como a seguir, o

    termo entidade sonora, nos tipos discursivos motion e behaviour, para nos referirmos s

    propriedades perceptuais de uma espectromorfologia, e o termo identidade sonora, nos tipos

    discursivos typological, transformacional e source-cause, para nos referirmos s propriedades

    cognitivas de uma espectromorfologia2.

    2 Para uma maior discusso sobre a distino entre propriedades perceptuais e cognitivas de apreenso do fenmeno sonoro ver MEYER (1956).

  • 22

    2.1 Discurso do movimento

    A ideia de um discurso do movimento est presente e ocupa a maior parte dos textos

    do autor que tratam sobre a teoria espectromorfolgica (1986; 1992; 1994; 1997). No entanto,

    Smalley no assume este conceito, a no ser no texto Defining Timbre Refining Timbre

    (1994), no qual define este tipo de discurso como: the relations of types of motion and growth

    and their directional tendencies (SMALLEY; 1994). Como dito anteriormente, claro nos

    textos do autor que este tipo discursivo proveniente de sua compreenso

    espectromorfolgica dos eventos sonoros. Por isto, iremos retomar a discusso dos materiais

    musicais para demostrarmos, primeiramente, quais so os elementos constituintes deste tipo

    de discurso e, em seguida, como estes elementos promovem coeso discursiva.

    No captulo anterior nos dedicamos especificamente descrio microscpica de uma

    entidade sonora. Compreendemos que podemos abstrair deste som duas propriedades bsicas,

    seu contedo espectral e seu contedo morfolgico. Com relao ao contedo morfolgico,

    identificamos que estes sons so constitudos basicamente por trs fases temporais que

    determinam sua existncia, as quais Smalley classifica como modelo onsent-continuant-

    termination. Dissemos tambm que podem-se criar novas morfologias por meio do controle

    destas fases e por meio da juno e sobreposio de morfologias. Tais elementos, no entanto,

    abrangem uma parte do complexo design espectromorfolgico (SMALLEY, 1986, p. 76).

    Segundo o autor, existem ainda tipos espectromorfolgicos mais complexos, provenientes dos

    tipos espectrais e morfolgicos antes demonstrados, que tem como caracterstica a capacidade

    de implicar trajetrias cinticas, estes tipos espectromorfolgicos Smalley denominou

    motions. Por conseguinte, o autor classificou os tipos de trajetrias identificadas em uma

    tipologia do movimento. Apesar de conceituar estas trajetrias em tipos especficos o autor

    deixa claro que as mesmas no devem ser compreendidas como os nicos tipos possveis,

    sendo que estas trajetrias podem aparecer como um complexo de vrios tipos e tendncias

    direcionais (SMALLEY, 1986, p. 73).

    Tipologia dos movimentos

    Smalley identificou cinco tipos bsicos de tendncias direcionais que, por sua vez,

  • 23

    abarcam uma ampla possibilidade de movimentos. Estas trajetrias so classificadas como:

    unidirectional, reciprocal, centric/cyclic e bi-directional/mutidirectional. Os tipos de

    movimentos classificados pelo autor so retirados do prprio repertrio eletroacstico, o qual

    permite a incluso de uma vasta gama de fontes sonoras. Esto contidos nestes tipos,

    movimentos que esto relacionados diretamente com o fenmeno acstico real, como os

    sons ambientais emanados da natureza ou provocados por aes humanas, sons pertencentes

    ao repertrio musical tradicional, representados pelos sons instrumentais e a voz humana; e

    sons no-reais, que so provenientes da manipulao do material sonoro in natura ou das

    tcnicas de sntese sonora.

    Os movimentos unidirecionais dizem repeito trajetrias que dirigem-se um ponto

    determinado. Isto significa que o desenvolvimento da trajetria implica, desde o seu incio,

    um caminho linear a ser percorrido. Este tipo de trajetria dividido em trs modelos simples

    de movimentos: ascent, plane e descent. Podemos perceber estes tipos de movimentos de

    vrias formas. Poderamos supor, por exemplo, um movimento ascendente por meio de um

    glissando (alterao de frequncia) ou ainda por meio de um crescendo (alterao de

    amplitude).

    Os movimentos de tipo recproco tm como caracterstica uma trajetria curvilinear.

    Isto significa que esta trajetria passa por trs estgios pelos quais o movimentos se

    desenvolve: ascent-peak-descent. Com base na compreenso morfolgica por meio de uma

    representao visual, estas trs etapas figuram um aspecto em formato de curva.

    Paralelamente, so considerados movimentos recprocos pois um movimento em uma direo

    (ascendente) contraposto por um movimento em uma outra direo oposta (descendente).

    vlido ainda acrescentar que a trajetria curvilinear pode ocorrer tanto em direo um pico

    quanto em direo um vale, sendo que neste ltimo caso os estgios da trajetria se

    apresentariam invertidos: descent-trough-ascent. Os tipos de movimentos recprocos so

    divididos em trs modelos bsicos: parabola, oscillation e undulation. Os movimentos de tipo

    parbola implicam em uma trajetria que se apresentam individualmente, podendo ter uma

    reciprocidade equitativa, ou seja, o primeiro e o ltimo estgio da trajetria curvilinear ser

    simtricos, ou no. Os modelos oscilatrio e ondulatrio so uma extenso de uma trajetria

    curvilinear, ou seja, uma cadeia formada por estas trajetrias. O que os diferencia, no

    entanto, o fato de que o modelo oscilatrio conforma uma cadeia que caracteriza-se pela

    alternncia das trajetrias curvilineares entre dois pontos fixos, um pico e um vale, mantendo

  • 24

    uma periodicidade. As trajetrias contidas nesta cadeia, no entanto, no precisam ser

    necessariamente simtricas, o que ocorre a recorrncia de uma mesmo modelo de trajetria.

    J o movimento ondulatrio caracteriza-se por ser uma cadeia constituda por trajetrias

    curvilineares no reciprocamente equitativas e aperidicas. Vimos anteriormente que a

    percepo das trajetrias unidirecionais podem ser forjadas por meio de parmetros como

    frequncia e amplitude. No obstante, podemos dizer que uma trajetria curvilinear, e

    principalmente suas caractersticas assimtricas, podem ser forjadas por meio do controle da

    velocidade em que uma espectromorfologia se desenvolve no tempo, juntamente com os

    parmetros de frequncia e/ou amplitude.

    Os movimentos de tipo cntrico/cclico caracterizam-se por implicarem uma trajetria

    circular que relacionada um centro. Como estamos falando de estruturas unitrias, isto no

    significa que este centro representado por uma outra espectromorfologia que serve como

    eixo de referncia com o qual a trajetria circular se relaciona. Ao abordarmos estes tipos de

    movimentos devemos buscar compreender o que promove a natureza direcional destas

    trajetrias. Neste caso, diferentemente dos dois tipos de movimentos antes demonstrados, a

    analogia visual por meio de um representao grfica tambm no esclarecedora. Soma-se a

    isto o fato de que a experincia musical tradicional condicionou, por meio da prtica

    notacional, a apreenso do fenmeno sonoro baseado em uma concepo espaotemporal

    linear, da esquerda para a direita, dificultando ainda mais qualquer analogia visual. Segundo

    Smalley a soluo para a compreenso destes tipos de movimentos relaciona-se com a

    explorao da memria de curto prazo (SMALLEY, 1986, p. 76). O autor prope que estes

    movimentos so construdos sob a ideia de uma reciclagem espectromorfolgica. Esta

    reciclagem pode ser compreendida tanto com relao reincidncia da espectromorfologia

    como reinjeo de energia dinmica. Isto permite uma re-percepo contnua de uma

    trajetria que cria a impresso de um centro com o qual o movimento se relaciona. Smalley

    classificou cinco modelos bsicos de movimentos circulares: pericentral, helical, centrifugal,

    centripetal e vortical. Os dois primeiros so compreendidos mais como movimentos cclicos,

    atuam em relao a um centro mas no o evidenciam diretamente. J os outros tipos de

    trajetrias referenciam diretamente um eixo de atuao, podendo ser definidos mais como

    movimentos cntricos. Um movimento pericentral percorre uma trajetria circular em torno

    de um centro. O movimento helical se desenvolve em uma trajetria de forma espiral, o que

    implica acelerao e/ou desacelerao e mudanas de dimenso durante a reciclagem.

  • 25

    Movimentos centrfugos so caracterizados por trajetrias que distanciam-se de um centro

    gravitacional, enquanto movimentos centrpetos movem-se em direo a este centro. Por

    ltimo, os movimentos de tipo vrtex descrevem movimentos de partculas sobre um eixo.

    Para compreendermos os movimentos bi/multidirectionais devemos levar em

    considerao que estes tipos de trajetrias desenvolvem-se de maneira diferenciada dos tipos

    vistos at aqui. Isto significa que podemos identificar as tendncias direcionais dos

    movimentos sob dois focos distintos. Primeiramente, como demostrado anteriormente,

    podemos interpretar a trajetria de um movimento por meio da compreenso do

    desenvolvimento externo da espectromorfologia, seu contorno. Ao dizermos que um

    movimento linear, curvilinear ou circular, estamos impondo um delineamento figurativo ao

    som que, por sua vez, implica em um ponto inicial e um ponto final que determina uma

    direcionalidade singular da trajetria. Por outro lado, ao nos voltarmos para o interior de

    espectromorfologias especficas, podemos identificar tambm tendencias direcionais. Estas

    trajetrias, que esto dentro do som, podem influenciar a apreenso da espectromorfologia,

    considerando-a como um movimento que implica menos uma direcionalidade do que um

    desenvolvimento do corpo desta espectromorfologia. A estes tipos de movimentos Smalley

    confere uma denominao especfica, growth processes, e so movimentos caracterizados por

    tendncias texturais. Podemos dizer ainda que estas texturas so compostas por movimentos,

    o que implica mais de uma trajetria. Smalley categorizou cinco pares destes movimentos:

    dilation-contraction, divergence-convergence, exogeny-endogeny, conglomeration-

    dissipation e confraction-diffraction. Dilatao e contrao dizem respeito a capacidade de

    uma epectromorfologia apresentar mudanas de dimenso, expandir ou se tornar cada vez

    menor por meio de estmulos das trajetrias internas. Divergncia e convergncia so

    compreendidos como trajetrias que apresentam-se de maneiras opostas, como a ao

    simultnea de movimentos lineares ascendente e descendente, por exemplo. Exogenia e

    endogenia so processos de crescimento que estabelecem pontos de referncia com o qual o

    crescimento se desenvolve. No primeiro caso, seria como se tivssemos um som central e este

    som fosse se tornando cada vez maior por meio de acrscimos externos. No segundo caso este

    crescimento ocorre de dentro para fora, este som promove seu prprio crescimento. Os

    processos exgenos se desenvolvem em relao um centro e os processos endgenos em

    relao rea de atuao. Por sua vez, ambos processos podem se apresentar de maneira

    inversa, como processos de diminuio. Conglomerao e dissipao so caracterizados

  • 26

    consecutivamente como, a acumulao de elementos em uma massa e a disperso de

    elementos de uma massa. O processo de confrao3 descreve uma quebra em pequenos

    fragmentos, enquanto difrao implica na diviso de um som em bandas. Estes tipos de

    movimentos podem ser forjados pela variao do contedo espectral, por acrscimo ou

    decrscimo, como tambm pela explorao da distribuio do som no estreo e na

    espacializao durante a difuso eletroacstica.

    A tipologia dos movimentos proposta por Smalley conforma o que chamamos de

    elementos constituintes primrios do discurso do movimento. Vamos investigar agora como

    estes elementos so capazes de engendrar coeso discursiva em uma obra.

    Demostramos que h uma ampla variedade de tipos de movimentos. Estes tipos, por

    mais complexos e ambguos que possam parecer, implicam inerentemente um tipo de

    trajetria, tanto aqueles que nos referimos como tendncias direcionais externas como

    internas. Quando identificamos um som que possui um tipo de movimento, somos

    conscientes do rumo que a trajetria deste movimento deve tomar. Se algo interfere nesta

    trajetria, um outro movimento por exemplo, tambm percebemos que o movimento foi

    interrompido e voltamos nossa ateno trajetria que o interrompeu, assim por diante.

    Tomemos como exemplo um movimento linear. Ao nos depararmos com uma

    trajetria ascendente, pode ocorrer uma variedade de caminhos direcionais possveis. Esta

    trajetria poderia ascender at se esvair; poderia ascender at um ponto de impacto; poderia se

    juntar, ou ser absorvida por outros eventos, como por um movimento plano, por exemplo;

    3 No h uma traduo para o termo difraction em portugus que assuma significado equivalente ao da lngua inglesa. Aqui o termo tem o significado de: o ato de quebrar/partir algo em pedaos.

    figura 7: Tipologia dos movimentos (SMALLEY, 1997, p. 116).

  • 27

    poderia mudar de direo, se tornando um movimento de parbola; poderia alcanar um ponto

    mais alto, no qual manteria sua trajetria; etc. (SMALLEY, 1997, p. 116). Isto significa que

    este movimento linear no continuaria indefinidamente, e mesmo se houvesse mudanas de

    trajetrias sempre iramos esperar pistas do desenvolvimento futuro das

    espectromorfologias consequentes. No entanto, estas pistas poderiam ser vlidas ou no.

    Assim, adentraramos em uma espcie de jogo com as espectromorfologias, as quais poderiam

    nos surpreender com trajetrias inesperadas ou confirmar nossas expectativas. Como afirma

    Smalley:

    [...] Spectromorphological composition, like other musical languages, is concerned with expectations gratified and foiled, and such expectations are founded on shared perceptual experience. The failure to understand directional implications and temporal pacing is a common compositional problem. (SMALLEY, 1986, p. 75).

    Por sua vez esta ideia de Smalley subsidiada pelo conceito de spectromorphological

    espectation. Este conceito prope que a apreenso dos movimentos sonoros se d pela

    compreenso da histria espectromorfolgica dos eventos sonoros que, por conseguinte, deve

    satisfazer as trs fazes temporais de sua existncia: onset-continuant-termination. Como

    dissemos anteriormente, a ideia da expectativa espectromorfolgica fundamental para

    compreendermos tanto a capacidade morfolgica dos eventos sonoros, como a concepo de

    um discurso do movimento para Smalley. Neste ltimo aspecto, o modelo onset-continuant-

    termination, ao ser uma propriedade comum aos eventos sonoros, deve ser considerada de

    fundamental importncia em uma obra musical que tem como caracterstica uma potica

    espectromorfolgica.

    Como j dito, a ideia de um discurso musical baseado no discurso do movimento se

    desenvolve prioritariamente sob um enfoque perceptual. Nossa compreenso auferida de um

    movimento acontece de maneira instantnea, acontece em tempo real, nossa ateno guiada

    continuamente para o evento sonoro e suas consequncias. Assim, podemos compreender que

    os movimentos so considerados agentes unitrios de coeso discursiva. A partir deste

    entendimento, Smalley identificou as maneiras pelas quais a estrutura musical se constri e se

    desenvolve no discurso musical.

    Ao nos referirmos ao termo estrutura musical temos como modelo principal a msica

    ocidental de tradio, mais especificamente a msica tonal. Nesta potica, nos claro que

  • 28

    exite uma estratificao hierarquizada dos materiais musicais. Temos conscincia de que

    existem camadas que se relacionam e se apresentam segundo o grau de importncia das

    mesmas em determinados contextos musicais. Tomemos por exemplo a Forma sonata

    Clssica. De um ponto de vista global, ou seja, de uma obra musical como um todo, este tipo

    de estruturao se apresenta basicamente em trs partes: exposio, desenvolvimento e

    reexposio. Em um contexto de nvel regional, temos na exposio uma outra segmentao

    bsica composta por um tema ou conjunto temtico A, um tema ou conjunto temtico B e uma

    transio entre os dois temas ou conjuntos. A exposio se apresenta como uma unidade

    estrutural de importncia sendo assim um elemento estrutural de coeso discursiva. Por sua

    vez, em um nvel local, os temas, sejam eles perodos ou sentenas, so compostos por

    motivos e frases, que podem representar individualmente elementos estruturais de coeso

    discursiva neste nvel. Enfim, em um nvel ainda mais inferior da hierarquia tonal

    encontramos como unidades formativas as notas, as quais, quer estejam organizadas por

    relaes meldicas ou harmnicas, constituem os elementos estruturais de mais baixo nvel da

    coeso da estrutura musical. Soma-se a isto o fato de que, a nota, ao constituir uma unidade

    auto-contida, determina, pela sua existncia, as possibilidades do desenvolvimento temporal

    da pea como um todo, o pulso e consequentemente a mtrica (SMALLEY, 1986, p. 80; 1997,

    pg. 114).

    Em contraposio, Smalley afirma que errado buscar na msica electroacstica os

    mesmos tipos de relaes hierrquicas entre as estruturas como da msica tonal. Como vimos,

    na msica tonal a nota considerada como o nvel mais inferior da estrutura, e a obra

    construda por meio de agrupamentos de notas em diversas dimenses como, intervalos,

    motivos, frases, at a forma como um todo (SMALLEY, 1997, p. 114). O autor argumenta

    que, no h na msica eletroacstica uma unidade estrutural de nvel inferior como a nota.

    Primeiramente porque, em um contexto musical espectromorfolgico no muito simples

    isolar uma unidade individual, principalmente naqueles em que o fluxo temporal contnuo,

    no qual os movimentos se desenvolvem de maneira extremamente entrelaada. Soma-se a isto

    o fato que, no h equivalncia de relacionamento entre espectromorfologias e o restante da

    estrutura como na msica tonal, na qual a nota um denominador comum da estrutura.

    No entanto, assim como na estrutura tonal, a msica electroacstica demanda de uma

    estrutura multi-nivelada que proporcione uma variabilidade do foco perceptual para o ouvinte.

    Todavia, no h na construo do discurso espectromorfolgico, um padro fixo de

  • 29

    estruturao dos nveis. Alm disto, o nmero de camadas da estrutura, na maioria das vezes,

    no o mesmo durante toda a obra (SMALLEY, 1997, p. 114). Sendo assim, Smalley

    identificou os fatores constituintes que conformam tanto as possibilidades perceptuais de uma

    estrutura multi-nivelada como seu desenvolvimento no espao temporal de uma obra. Para o

    autor os conceitos de gesture e texture promovem estas estratgias.

    O conceito de gesto para Smalley definido como uma ao que distancia-se de uma

    meta precedente ou dirige-se a uma nova meta (SMALLEY, 1986, p. 82). A ideia de gesto

    como uma estratgia estrutural est relacionada capacidade de um gesto, de um movimento,

    agir como propulsor do tempo musical, movendo a espectromorfologia de um ponto a outro

    na estrutura. O conceito de textura, por sua vez, compreendido como a qualidade interna de

    uma espectromorfologia (SMALLEY, 1986, p. 82). Como principio organizador, a ideia de

    textura esta relacionada apreenso da atividade interna das estruturas sonoras.

    Assim, gesto e textura, so duas estratgias de construo do discurso musical que so

    influenciadas pela compreenso do movimento como agente discursivo. No primeiro caso,

    gesto est intimamente ligado com os tipos de movimento que implicam direcionalidade, a

    saber: movimentos unidirecionais, recprocos e cntrico-cclicos. Como princpio formador

    do discurso musical o gesto estimula a apreenso de nveis mais altos da estrutura. No

    segundo caso, textura est ligada aos movimentos que chamamos de bi/multidirecionais ou

    processos de crescimento. Enquanto estratgia discursiva, a textura encoraja apreenso de

    nveis mais inferiores da estrutura musical. Smalley atenta para o fato de que, a falha de

    muitas obras eletroacsticas est em no haver variabilidade de foco perceptual entre os nveis

    superiores e inferiores da estrutura ao longo de uma composio:

    [] Particularly in tape composition, because of the need for the constant repetition of sounds during the honing process, the composer is too easily tricked into perceiving microscopic details which will be missed by the listener. Furthermore, constant repetition quickly kills of a sound's freshness so that the composer's assessment of material becomes jaded. On the other hand, an over-concentration on the design of the higher-levels of structure can all too easily lead to a work lacking in the lower-level detail so necessary for the rewards of repeating hearings. Thus a work in extreme and consistent high-level focus will rapidly achieve aural redundancy, while a work myopically conceived in low-level focus will be found wanting in structural catholicity (SMALLEY, 1986, p. 81).

    Gesto e textura como princpios organizadores do discurso atuam juntos, podendo

    variar mais para um ou outro lado. No primeiro caso, em contextos em que o gesto

  • 30

    predomina, Smalley classifica-os como discursos gesture-carried, enquanto que, por outro

    lado, em contextos em que os princpios texturais so mais evocados, o autor denomina-os

    como discursos texture-carried. Alm disso, um gesto pode apresentar elementos texturais,

    seja porque os contm naturalmente em abundncia, seja porque a distenso temporal do

    gesto tamanha que ressalta seus aspectos texturais. Assim, tomamos conscincia de ambos

    os aspectos deste movimento, no entanto, se o contorno gestual dominante, esta

    configurao classificada por Smalley como gesture-framing. O contrrio tambm vlido,

    estruturas texturais, ao permitir a apreenso de sua atividade interior, podem destacar gestos e

    relacionamentos gestuais. Neste caso, Smalley classificou esta configurao como texture-

    setting, no qual a textura fornece um quadro bsico onde gestos individuais atuam.

    Como demostrado, os conceitos de gesto e textura como princpio organizadores lidam

    principalmente com o desenvolvimento e os nveis de foco perceptual da estrutura. Alm

    destas estratgias estruturais a msica acusmtica ainda possui seces espaotemporais que

    compem a estrutura do discurso. Assim como demostrado na forma sonata Clssica, a

    msica electroacstica tambm possui seces estruturais que conformam elementos de

    coeso discursiva em nveis local e regional.

    Segundo Smalley, o modelo da expectativa espectromorfolgica, que d coerncia

    eventos sonoros mais discretos como os movimentos, pode ser expandido eventos sonoros

    que conformam unidades de nveis mais elevados. Retomemos a ideia de que a expectativa

    espectromorfolgica determina que os eventos sonoros possuem uma histria de existncia.

    Vimos que os movimentos implicam trajetrias que satisfazem as trs fazes temporais de sua

    existncia. Sabemos como o movimento comeou, como ele se manteve no tempo e como

    terminou. Por sua vez, ao expandirmos estes entendimentos para nveis locais e regionais,

    estamos atribuindo um movimento, ou um conjunto deles, uma determinada funo dentro

    de um contexto musical. Assim, um movimento, ou um conjunto deles, poderia representar

    tipos de comeo, meio e fim de uma estrutura local ou regional. Podemos exemplificar

    aproximadamente estes tipos estruturais ao retomarmos o exemplo da Forma sonata Clssica

    antes exposto. De um ponto de vista regional, entendemos que a exposio representa um tipo

    de comeo para a Forma e, em um nvel local, entendemos que um consequente de perodo ou

    sentena, representaria o trmino de uma seco temtica. A delimitao de nvel local e

    regional no obedece necessariamente um padro, mas nos claro que, um nvel local se

    aproxima muito mais de uma espectromorfologia singular ou de uma relao entre um

  • 31

    conjunto pequeno de espectromorfologias, e um nvel regional se aproxima de partes

    estruturais maiores, como sees inteiras de uma pea.

    Smalley identificou as maneiras que estas estruturas podem se apresentar em contextos

    musicais. Para tal propsito, o autor tomou como base as trs fazes temporais do modelo da

    expectativa espectromorfolgica e as expandiu em um conjunto de termos que servem para

    representar diferentes caractersticas de estruturas locais e regionais. Smalley agrupou estas

    propriedades sob o conceito de Structural functions.

    O modelo de onset prope termos que representam tipos de incios: downbeat,

    anacrusis, attack, emergence e departure. Estes tipos tm em comum o fato de representarem

    tipos de movimentao que partem ou distanciam-se de um ponto inicial, criando expectativas

    sobre os possveis desdobramentos desta estrutura. Podemos aproximar esta ideia funo

    que o antecedente desempenha na construo de um tema Clssico. O autor, no entanto, no

    especifica o significado de todos os termos apontados, limita-se apenas a dizer que uns so

    mais tcnicos e outros mais metafricos. Todavia, para um propsito mais elucidativo sobre a

    teoria do autor, iremos propor neste trabalho interpretaes possveis para estes termos.

    Poderamos compreender uma funo estrutural downbeat como um tipo de incio que possui

    algum tipo de sensao de apoio, assim como o primeiro tempo forte de um compasso para a

    mtrica musical tradicional. Em oposio, o termo anacrusis poderia representar uma

    estrutura que prope um incio suspensivo. O termo attack poderia representar uma estrutura

    ambgua, no estaria nem fortemente sustentada e nem suspensa. Por fim, poderamos

    interpretar emergence e departure pela prpria acepo dos termos. Uma estrutura com

    funo de emergncia poderia ser representada por elementos que parecem surgir para a

    estrutura ou uma espcie de fade-in de um movimento ou um conjunto deles, enquanto a

    funo estrutural departure representa algum tipo de estrutura de afastamento.

    A fase de continuant prope termos que expressam tipos de continuidade:

    prolongation, maintenance, statement, transition e passage. Prolongamento e manuteno so

    tipos de continuidade que esto fortemente ligadas com uma funo estrutural anterior de

    onset. Poderamos dizer que uma funo estrutural de prolongamento tem a funo de

    preservar uma funo de onset durante a fase de continuidade, enquanto uma funo de

    manuteno teria como essncia perpetuar um onset e at mesmo desenvolv-lo nesta fase. A

    funo estrutural statement conforma uma seco mais independente, ou melhor, tem uma

    importncia individual por possuir um contedo prprio, no estando necessariamente

  • 32

    vinculada com funes anteriores de onset ou funes posteriores de termination. Segundo

    Smalley, esta funo estrutural pode ser equiparada uma estrutura que possui um fim em si

    mesma, como a exposio que citamos anteriormente. No entanto, esta comparao s

    possvel se no levarmos em considerao a forma como um todo. Transio e passagem so

    funes estruturais que descrevem estgios intermedirios entre funes, podendo estas ser

    tanto onsets quanto terminations. Poderamos interpretar uma funo de transio por meio da

    acepo que este termo representa para a msica tonal. Poderia ser uma funo que promova a

    ligao de uma estrutura para outra por meio de uma mudana de direcionamento. Por outro

    lado, a ideia de passagem poderia ser interpretada de maneira mais amena, representaria uma

    ligao feita entre uma funo anterior com uma prxima funo por meio cruzamento de

    seus elementos.

    Por fim, a fase de termination prope termos que expressam tipos de finalizao ou

    sensaes de completude: resolution, release, closure, disappearance, plane e arrival.

    Resoluo e release promovem forte sensao de completude e relaxamento. No primeiro

    caso, poderamos fazer uma paralelo com as funes harmnicas da msica tonal, das quais

    poderamos exemplificar o direcionamento de um acorde de dominante resolvendo na tnica.

    A funo de release, por sua vez, poderia ser interpretada como uma extino gradual de uma

    estrutura, assim como a fase de release de um envelope dinmico de uma morfologia. Closure

    e disappearance expressam terminaes fracas. No primeiro caso, poderamos interpretar o

    termo closure por uma ideia de encerramento pontual da estrutura, deixando um certo tipo de

    insatisfao sobre sua completude, enquanto no segundo caso, a estrutura terminaria como um

    desaparecimento ou esvaimento gradual, como um fade-out, dando uma vaga impresso de

    concluso. Arrival representa uma estrutura de terminao que possui um sentido de que

    algum objetivo foi alcanado, enquanto que a funo plane representa uma estabilidade

    mantida neste objetivo aps ser alcanado.

  • 33

    Segundo Smalley, a atribuio de funes estruturais eventos ou contextos no uma

    tarefa simples ou bvia. Assim como as caractersticas discursivas dos movimentos,

    entendemos tambm que a identificao de funes estruturais tambm est vinculada

    expectativa espectromorfolgica. Isto significa que, a atribuio de funes no um

    processo primordialmente consciente. No estamos constantemente nos perguntando sobre

    as funes que movimentos ou conjuntos de movimentos desenvolvem em determinados

    contextos. Ao invs disso, nos guiamos perceptualmente pelos movimentos e seus

    desdobramentos na estrutura. Assim como os movimentos, as funes estruturais so padres

    de expectativa. A tarefa de atribuio de funes se d de maneira contnua no decorrer de

    uma obra e por isso sempre incompleta, ambgua e sujeita constantes revises. Ns s

    conseguimos atribuir funes aps tomarmos conhecimento de eventos consequentes, pois s

    assim podemos avaliar elementos antecedentes e determinar a funo que os mesmos

    desenvolvem em contextos especficos. Isto ainda mais claro ao analisarmos uma pea, pois

    temos a possibilidade de avaliar as funes estruturais sob um ponto de vista global.

    As caractersticas expostas at agora sobre o discurso do movimento, nos levam a

    considerar como o desenvolvimento destes elementos, sejam eles movimentos ou funes

    estruturais, ocupam o espao interno de uma obra. Alm da ideia de um espao musical

    temporal em que os movimentos se desenvolvem, a qual dissemos at agora, podemos

    conjecturar uma noo espacial na msica acusmtica por uma analogia com a experincia

    figura 8: Funes estruturais (SMALLEY, 1997, p. 115).

  • 34

    que temos com o espao fsico. Segundo Smalley, isto possvel por meio do entendimento

    dos conceitos de spectral space e spectral density. O conceito de espao espectral diz respeito

    ocupao dos eventos sonoros no campo das alturas. As ideias de canopy, centre e root

    descrevem, consecutivamente, o posicionamento de elementos sonoros nas regies de agudo,

    mdio e grave do campo das alturas. O conceito de densidade espectral diz respeito

    saturao ou no da ocupao do espao pelos eventos sonoros e quo distante ou quo

    prximos estes eventos se mostram no espao fsico da composio. No primeiro caso de

    densidade espectral, Smalley prope termos como vazio (empty) e preenchido (filled), que

    mostram um contnuo de saturao dos eventos em um espao composicional.

    figura 9: Espao espectral (SMALLEY, 1997, p. 121)

    figura 10: Densidade espectral (SMALLEY, 1997, p. 121).

  • 35

    As ideias de espao e densidade espectral so definidas ao longo da obra, pois a

    classificao da ocupao do espao depende da relao comparativa entre os elementos

    sonoros. Podemos ainda compreender a inter-relao entre espao espectral e densidade

    espectral por meio de um esquema tridimensional, no qual o eixo vertical estaria representado

    pelo espao espectral, o eixo horizontal pelo tempo e o eixo diagonal pela densidade

    espectral:

    Por fim, a discusso sobre as propriedades estruturais do discurso do movimento, no

    leva ao questionamento sobre a conceito de Forma musical. Segundo Smalley, a ideia de uma

    Forma, um nvel global fixo no uma realidade para a msica acusmtica. Diferentemente

    da msica tonal, a potica espectromorfolgica no pressupem uma delimitao estrutural

    rgida. Tal fato compreendido pela prpria natureza deste tipo de msica que, como vimos,

    baseia-se na compreenso dos movimentos e seus desdobramentos e seus processos de

    estruturao, que se desenvolvem a par de modelos de estruturao cannicos.

    2.2 Discurso Comportamental

    A ideia de um discurso comportamental definida por Smalley como: the changing

    figura 11: Modelo tridimensional de ocupao do espao musical (BLACKBURN, 2011, p. 13).

  • 36

    states of identities [] (SMALLEY, 1994, p. 46). Este conceito compreendido como as

    maneiras possveis pelas quais as espectromorfologias podem se relacionar em um contexto

    musical, principalmente em nveis local e regional. Segundo Smalley, a independncia entre

    os eventos sonoros no uma realidade para a msica. O fato de existir mais de um evento

    sonoro atuando em um contexto musical implica em algum tipo de relao entre elas e por

    conseguinte algum tipo de paradigma organizacional. Tomemos, por exemplo, o contraponto

    para a msica tradicional. Este tipo de organizao demonstra um paradigma comportamental

    que determina os tipos de relacionamentos possveis entre as entidades sonoras em um

    contexto musical. Por sua vez, a msica acusmtica permite uma ampla variedade de tipos

    comportamentais devido multiplicidade do contedo espectromorfolgico de suas entidades

    sonoras. O entendimento deste tipo discursivo apresentado por Smalley pelos conceitos de

    behaviour (SMALLEY, 1994, p. 117) e structural relationships (SMALLEY, 1986, p. 88).

    O conceito de Behaviour para o autor, expressa as possibilidades comportamentais

    entre as entidades sonoras, que podem ser determinadas a partir de duas dimenses temporais,

    uma vertical e a outra horizontal. No primeiro caso, a dimenso vertical compreendida pelo

    conceito de motion coordination. Isto significa que as espectromorfologias atuantes em um

    contexto musical podem se apresentar de maneira simultnea ou concorrente. Neste ultimo

    caso, no qual as espectromorfologias se apresentam em espaos de tempo alternados,

    podemos ainda determinar graus de coordenao, ou seja, o quo e como estas entidades esto

    prximas umas das outras. Estas propriedades de coordenao so compreendidas pelo autor

    sob o conceito de loose-tight continuum. Em uma traduo aproximada, este termo pode ser

    definido como o grau de liberdade da coordenao entre as entidades, o quo soltas ou

    presas elas podem estar entre si. Dependendo de como se apresenta esta coordenao entre

    as entidades podemos identificar tipos relacionais especficos. A coordenao pode se

    apresentar de maneira sincrnica, como em poticas que pressupem um rgido controle entre

    as entidades como a msica contrapontstica tradicional e a msica minimalista, ou pode se

    apresentar de maneira mais malevel e flexvel, tal qual o a potica do movimento para a

    msica acusmtica.

    Por sua vez, a dimenso temporal horizontal conceituada por Smaley como motion

    passage, e diz repeito como um evento levado a outro. Segundo o autor, a maneira pela

    qual isto ocorre na potica espectromorfolgica depende fundamentalmente da ideia de

    causality. Causalidade compreendida como a capacidade de um evento causar o incio do

  • 37

    evento seguinte ou alterar um evento concorrente de alguma maneira (SMALLEY, 1994, p.

    118). Por sua vez, a causalidade pode ser fraca ou forte, dependendo da influncia ou impacto

    que uma espectromorfologia tem em outra. Assim, o conceito de voluntary-pressured

    continuum representa o nvel desta capacidade de influncia, podendo ocorrer de maneira

    mais ou menos incisiva. O autor ainda afirma que uma msica fortemente causal baseia-se no

    princpio de estruturao gestual.

    Podemos sintetizar as caractersticas do discurso comportamental sob dois pares

    opostos que promovem um modelo para interpretaes de relacionamentos comportamentais:

    conflict/coexistence e dominance/subordination. Como vimos, a primeira oposio refere-se

    quela que chamamos de dimenso temporal vertical e a segunda dimenso temporal

    horizontal. A partir deste modelo, Smalley prope outras interpretaes que sugerem modos

    de relacionamento: equality inequality , reaction interaction reciprocity, activity

    inactivity e stability instability.

    No texto Spectro-morphology and structuring Processes (1986), o autor prope um

    modelo que pode nos servir aqui para um propsito ainda mais elucidativo de seu

    entendimento de um discurso comportamental. Este modelo representado pelo conceito de

    Structural relationships e composto basicamente pelos conceitos de equality/interaction,

    reaction/inequality e interpolation. Interao representa algum tipo de cooperao entre os

    figura 12: Behaviour (SMALLEY, 1997, p. 119).

  • 38

    eventos e por isso pressupe uma relao de igualdade entre eles no contexto musical. Esta

    cooperao pode se manifestar de maneira confluente ou recproca. No primeiro caso

    poderamos interpretar que os eventos se dirigem naturalmente uns para os outros pelas suas

    prprias capacidades individuais. J no segundo caso isto ocorreria de maneira mais

    cooperativa, como se os eventos colaborasse entre si para se movimentarem na estrutura. Por

    sua vez, estes tipos de relacionamento caracterizam um mtodo de progresso da estrutura

    classificado como vicissitude, no qual um evento promove outro de maneira voluntria.

    Por outro lado, o termo reao representaria um forma de relacionamento no

    igualitrio entre as espectromorfologias. O tipo de progresso entre os eventos neste tipo de

    relacionamento classificado como displacement, e expressa a resistncia dos mesmos a

    serem substitudos ou transformados. Esta progresso pode ser representada por meio de

    comportamentos de competio e estmulo causal entre as espectromorfologias. Por fim, o

    conceito de interpolation, representaria um corte brusco do relacionamento entre as

    morfologias, deixando alguma ambiguidade ou eliminando o mtodo de progresso vigente.

    figura 13: Structural relationships (SMALLEY, 1986, p. 88).

  • 39

    Identidades sonoras

    Os discursos do movimento e comportamental identificados por Smalley tratam,

    consecutivamente, das propriedades direcionais das entidades sonoras e das maneiras pelas

    quais estas entidades podem se relacionar entre si em nveis local e regional. Estes tipos

    discursivos dependem fundamentalmente da apreenso do material espectromorfolgico e de

    seus desdobramentos na estrutura. Como vimos, isto possvel por meio do entendimento de

    unidades discursivas elementares, as quais chamamos de movimentos. No primeiro caso,

    vimos que estas unidades conformam agentes discursivos em si por aquilo que chamamos de

    expectativa espectromorfolgica. Por conseguinte, vimos que este conceito no est apenas

    limitado a uma unidade mas tambm a conjuntos de movimentos que atuam em um contexto

    musical propondo padres de expectativa mais complexos conformando funes estruturais.

    Enfim, no segundo caso, vimos como os movimentos se relacionam entre si em seus

    respectivos contextos. Em um contexto local, pelas relaes entre movimentos, e em um

    contexto regional, pelo relacionamento entre funes estruturais.

    Como dissemos anteriormente, estes tipos discursivos se fundam prioritariamente sob

    um enfoque perceptual. Por outro lado, Smalley considera que este no o nico paradigma

    possvel para a compreenso e construo do discurso musical na Msica Electroacstica. A

    partir da compreenso da teoria espectromorfolgica do autor, podemos identificar ainda tipos

    discursivos que se baseiam na apreenso cognitiva das entidades sonoras. Isto significa que,

    ao discriminamos auditivamente as entidades sonoras durante o ato da escuta, atribumos a

    elas um valor sgnico. Para o autor, este entendimento possvel por meio da compreenso do

    conceito de timbre.

    Segundo o autor, conceito de timbre uma questo delicada pois, ao longo da histria

    da msica vrias foram suas definies e entendimentos. Por conseguinte, estas definies

    influenciaram e justificaram poticas musicais diversas. Retomemos por exemplo, a definio

    que demos de timbre no incio do primeiro captulo deste trabalho, no qual comeamos a

    tratar sobre a tipologia espectral. Vimos que o conceito de timbre sempre esteve redutvel

    primazia da nota. Isto significa que apesar da nota estar contida em um espectro de

    frequncias, seu timbre, este, tem sua importncia simplesmente como um fator

    complementar para a altura definida. Este entendimento por sua vez, esteve inserido em um

  • 40

    contexto no qual o paradigma de estruturao era o sistema tonal, do qual sabemos que a nota

    seu princpio formador. Por outro lado, o entendimento de espectro sonoro como material

    musical possibilitou novos paradigmas aos compositores contemporneos que utilizam-se dos

    meios de produo sonora que, em princpio, foram forjados sob a prtica musical tradicional.

    Para estes compositores, o timbre compreendido como uma extenso da Harmonia e vice-

    versa. Nesta potica, as qualidades espectrais so a base para se conceituar e conceber o

    relacionamento entre a altura definida e o espectro sonoro, promovendo assim um cruzamento

    entre estas duas abordagens do material sonoro. Adiante, a ascenso dos meios eletroacsticos

    permitiu aos compositores o descobrimento das mltiplas variveis presente no timbre,

    como as caractersticas inharmnicas e as vrias dimenses temporais do som. Como

    consequncia, o entendimento de materiais musicais tambm foi ampliado, seja pela

    manipulao dos elementos tmbricos a priori (msica eletrnica), ou pelo reconhecimento

    destes como sons musicais autnomos (msica acusmtica).

    Estas abordagens sobre o timbre tm em comum o fato de serem atitudes da escuta que

    tm como essncia o discernimento acerca do contedo espectromorfolgico dos materiais

    musicais. O autor acrescenta ainda estas atitudes as descries lingusticas qualitativas que,

    pelo uso de termos como bilhante/opaco, compacto/amplo, vazio/cheio, etc, demonstram uma

    compreenso metafrica do timbre. No entanto, esta atividade da escuta cobre apenas uma

    parte da experincia musical, que so os aspectos qualitativos do som. Segundo Smalley, a

    experincia musical sempre esteve vinculada identificao de fontes sonoras pelo ouvinte.

    Para o autor, este entendimento promove uma nova definio de timbre. Para Smalley, o

    timbre uma fisionomia snica cujo conjunto espectromorfolgico permite a atribuio de

    uma identidade (SMALLEY, 1994. p. 38).

    Sob este conceito de timbre, podemos compreender como as entidades sonoras

    tornam-se identidades sonoras. Vamos agora demonstrar como estas identidades podem

    engendram coeso discursiva para a Msica Eletroacstica. A partir da compreenso da teoria

    espectromorfolgica, podemos identificar que isto ocorre de duas maneiras. Por meio da

    criao de referncias intrnsecas e extrnsecas obra. No primeiro caso, Smalley prope dois

    tipos de discursivos, transformacional discourse e typological discourse, e no segundo caso,

    source-cause discourse.

  • 41

    2.3 Discurso transformacional

    O discurso transformacional definido por Smalley da seguinte maneira: where an

    identity is transformed while retaining significant vestiges of its roots [] (SMALLEY, 1994,

    p. 43). Para compreendermos este tipo discursivo devemos segmentar e investigar melhor o

    sentido de trs termos desta definio. Primeiramente, devemos compreender quais so os

    fatores que nos leva a considerar uma entidade sonora como uma identidade sonora, ou seja,

    como um elemento sonoro se torna significante em um contexto intrnseco obra musical.

    Posteriormente, devemos investigar quais so as maneiras pelas quais esta identidade pode ser

    transformada no decorrer do discurso, e, por fim, devemos compreender qual o sentido que o

    termo razes assume para este tipo discursivo.

    Segundo o autor, para um som ser musicalmente significante em um contexto musical

    ele deve atender a duas propriedades bsicas: existence e coherence. O conceito de existncia

    definido por Smalley como a durao necessria para uma identidade se estabelecer como

    tal no tempo. Como vimos, as entidades sonoras podem se apresentar de vrias formas e

    tamanhos. Isto significa que cada uma delas possui uma evoluo temporal mnima para sua

    apreenso. Tomemos, por exemplo, um movimento circular. Para ser considerado como tal,

    este tipo de identidade depende de pelo menos um ciclo de rotao, e este ciclo por sua vez

    depende da evoluo temporal da espectromorfologia. O conceito de coerncia definido pelo

    autor como o estado de integrao dos componentes espectrais e morfolgicos de maneira que

    possibilitem a apreenso da espectromorfologia como uma unidade independente. Segundo o

    autor, perceber e atribuir esta propriedade aos eventos sonoros no uma tarefa muito

    simples. Se dizemos que a coerncia depende da integrao entre as propriedades

    espectromorfolgicas, podemos dizer ainda que esta integrao no assume um padro para as

    entidades, podendo variar entre uma maior integrao e menor integrao. Tomemos por

    exemplo um contexto pontilhista. Este contexto contm uma variedade de identidades atuando

    individualmente em um espao temporal, ou um conjunto de entidades, que conformam um

    identidade textural? Assim como demostra o autor, a atribuio de coerncia, e por sua vez de

    identidade, tambm depende de questes como contexto e atitude da escuta:

    This course of even a relatively short spectromorphology can travel between integration an disintegration. For example, using the unifying weapon of the attack

  • 42

    phase I can impose a causal coherence on the onset of a spectr