TDAH em adolescentes residentes em comunidades terapêuticas

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KÁTIA BERALDI TDAH EM ADOLESCENTES RESIDENTES EM COMUNIDADES TERAPÊUTICAS POR ABUSO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS SANTO ANDRÉ 2012

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KÁTIA BERALDI

TDAH EM ADOLESCENTES RESIDENTES EM

COMUNIDADES TERAPÊUTICAS POR ABUSO DE

SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS

SANTO ANDRÉ

2012

KÁTIA BERALDI

TDAH EM ADOLESCENTES RESIDENTES EM

COMUNIDADES TERAPÊUTICAS POR ABUSO DE

SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS

Trabalho de conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário Fundação Santo André para obtenção do título de Especialização em: Psicopedagogia Clínica e Institucional. Orientador(a): Profª Ivete Pellegrino Rosa.

SANTO ANDRÉ

2012

KÁTIA BERALDI

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário Fundação Santo André para obtenção do título de Especialista em Psicopedagogia Clínica e

Institucional. Orientador (a): Prof. Dra. Ivete Pellegrino Rosa.

TDAH EM ADOLESCENTES RESIDENTES EM

COMUNIDADES TERAPÊUTICAS POR ABUSO DE

SUBTÂNCIAS PSICOATIVAS.

Orientador: Ivete Pellegrino Rosa

Examinador: Eliana Marta Monaci

Santo André, 27 de março de 2012.

AGRADECIMENTOS

Neste trabalho de atendimento socioeducativo junto a adolescentes em tratamento

por uso abusivo de SPA, estabeleceu uma extensa teia de (re)significações e vínculos. Houve

momentos de angustia e alegria tão peculiar, em uma área de atuação do pedagogo tão pouco

explorada.

Agradeço primeiramente a Deus pela oportunidade de trabalha com cada um dos

adolescentes que convivi nestes anos, principalmente aos que compartilharam com os suas

experiências para esta pesquisa: ESV, 14 anos; FHS, 17 anos e FCO, 18 anos.

Agradeço a minha filha Júlia e a sobrinha Giovana pelo apoio desta produção. Ao

amigo e ex-companheiro de trabalho Rogério Gusmão que me acompanhou nesta travessia,

apurando olhares e transformando escutas.

E finalmente, especialmente pela minha orientadora Ivete Rosa que desde a

graduação não desistiu de mim, e nesta nova trajetória acreditou que seria possível continuar essa

temática no campo da psicopedagogia.

Procurou o homem, desde a mais remota antiguidade, encontrar um remédio que tivesse a

propriedade de aliviar suas dores, serenar suas paixões, trazer-lhe alegria, livrá-lo de angústias, do

medo ou que lhe desse o privilégio de prever o futuro, que lhe proporcionasse coragem, ânimo

para enfrentar as tristezas e o vazio da vida.

Lauro Sollero.

RESUMO

Os aspectos do consumo de substâncias psicoativas na população de adolescentes,

com histórico de comportamento de Transtorno de Déficit de Atenção/ Hiperatividade - TDAH

foi um estudo de uma realidade empírica, com o objetivo de verificar a associação entre duas

variáveis nas dificuldades de aprendizagem ao uso de substâncias psicoativas: avaliar

especificamente em relação ao TDAH em adolescentes que fazem uso de substâncias psicoativas

e identificar possíveis intervenções Psicopedagógicas no tratamento. O método é composto por

três adolescentes do sexo masculino em situação de residência em Comunidade Terapêutica -

CT. Os dados foram coletados através de entrevista e de questionário denominado SNAP – IV e

foi construído a partir dos sintomas do Manual de Diagnóstico e Estatística - IV - (DSM-IV) da

Associação Americana de Psiquiatria. Há sugestão que o abuso de SPA seja associado dos

transtornos considerados como co-morbidade do TDAH, sendo necessárias intervenções

multidisciplinares.

Palavras-chave: TDAH. Substâncias Psicoativas. Adolescentes. Comunidade Terapêutica.

Psicopedagogia.

ABSTRACT

The aspects of the consume of psychoactive-substance in adolescent population, with

a history of behavior disorder, attention deficit / hyperactivity disorder – ADHD, was a study of

an empirical reality, in order to verify the association between two variables in the difficulties of

learning and the substance abuse: the assessment specifically in relation to Attention Deficit

Disorder / Hyperactivity Disorder - ADHD in adolescents who use psychoactive substances and

to identify possible interventions in the treatment psycho-pedagogical. The method consists of

three adolescent boys who find themselves living in a therapeutic community. The informations

were collected through interviews and a questionnaire called SNAP - IV and was made from the

symptoms of the Diagnostic and Statistical Manual - IV (DSM-IV) of the American Psychiatric

Association. There are suggestions that the abuse of SPA is associated with disorders considered

as co-morbidity of ADHD, requiring multidisciplinary interventions.

Keywords: ADHD. Psychoactive Substances. Adolescents. Therapeutic Community. Psycho-

pedagogy.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 7

1.1 CARACTERIZANDO OS PARTICIPANTES DO ESTUDO................................. 9

1.2. RELAÇÃO FAMILIAR.......................................................................................... 10

2 DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM............................................................... 12

3 USO INDEVIDO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS......................................... 16

4 INTERVENÇÕES PSICOPEDAGÓGICAS........................................................... 19

5 CONCLUSÃO............................................................................................................. 23

REFERÊNCIAS............................................................................................................. 25

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1. INTRODUÇÃO

Nos últimos de cinco anos, tenho desenvolvido um trabalho de atendimento

socioeducativo1 a adolescente com uma trajetória pessoal que se inscreve em um contexto social

de extrema escassez econômica, social, cultural e educacional, predestinados a lutar contra todas

as adversidades apresentadas a ele, acabam se subterfugiando naquilo que lhes está às mãos,

cedendo ao aliciamento do ilusório mundo das conquistas fáceis, alimentadas pela alienação

consumista da mídia.

As consequências não diferem daquilo que deparamos cotidianamente pelas

emissoras de comunicação sobre a dura realidade de adolescentes usuários de substâncias

psicoativas e, consequentemente, em conflito com a Lei. No inventário das histórias de vida

desses, observa-se que com o levantamento das vivências, transcorre uma série de sequência de

eventos desencontrados que impedem o desenvolvimento biopsicossocial saudável. Sem fazer

generalizações, a maioria apresenta conflitos familiares, considerando que nesta fase é uma

característica do próprio processo do adolescer.

No entanto, um dado que chama bastante atenção no convívio com esses

adolescentes que apresentam um histórico de uso de SPA, é o número significativo de evasão

escolar. Ao serem questionados sobre o porquê desta evasão, a maioria foi expulsa ou é repetente

e reage com respostas dizendo: “não gosto de estudar!”; “não consigo aprender!”; “tive

problemas na escola: não conseguia ficar quieto!”; “não conseguia decorar o que a professora

ensinava!”; “os professores não gostam de mim!”; “dei muito trabalho na escola!”. Tais

justificativas retratam as dificuldades que esses adolescentes encontram para adequação escolar e

comumente encontramos esses tipos de manifestações presentes em alunos que sofrem de

TDAH.

Conforme as ideias de Mattos (2003) e Cypel (2000), as crianças que sofrem com o

TDAH apresentam baixa tolerância à frustração, teimosia, instabilidade de humor e tendem a

apresentar tendências para o isolamento e a falta de autoestima, relacionada à falta de aceitação

por parte dos pais e professores que interpretam os comportamentos como voluntários, e

1 Um sistema de atendimento ao adolescente estruturado, organizado, descentralizado e qualificado; centrado na

ação socioeducativa de formação e emancipação humana, capaz de suscitar um novo projeto de vida para os

adolescentes; articulado com os serviços públicos das políticas sociais básicas; desenvolvido em rede e em

consonância com a legislação e a normatização vigentes como: Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),

Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), recomendações do Conselho Nacional dos Direitos da

Criança e do Adolescente (CONANDA); gerido a partir de um modelo de gestão democrática, planejada e

monitorada permanentemente, através da definição de indicadores de eficiência e eficácia.

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frequentemente as crianças são submetidas à desaprovação, rejeição, castigos e punições cujos

resultados não surtem o efeito esperado.

Considerando tais elementos teóricos iniciamos o estudo da relação dessas

dificuldades escolares entre os adolescentes que fazem uso de SPA. A maioria dos trabalhos

realizados sobre esta temática é voltada para a área da saúde mental, enquanto que estudos

mostrando a articulação entre Educação e Saúde não recebem a mesma atenção de estudiosos.

O campo das aprendizagens humanas é vasto, mas a alfabetização é, sem dúvida, o

momento mais importante da formação escolar de uma pessoa; contudo quando uma criança

ingressa neste ambiente e “é”, por outros fatores psicossociais e/ou ambientais, uma pessoa que

não corresponde com o nível “preestabelecido” de exigência para um desenvolvimento cognitivo

“normal”, inicia-se uma dinâmica subjetiva de exclusão deste do ambiente escolar.

A aprendizagem é um processo de aquisição de habilidades que vem desde a

infância. O comportamento vai se modificar em consequência das experiências e é um processo

através do qual a criança se apropria ativamente do conteúdo da experiência humana e daquilo

que seu grupo social conhece, portanto é uma ação interno e pessoal, que ocorre dentro do

sujeito (PANTOJA, 2009).

Ciasca (2003) ao estudar o tema, cita as ideias de Azcoaga de 1972 e diz que o

processo de aprendizagem implica em três integridades básicas, que devem estar presentes

quando as oportunidades são oferecidas para sua realização da aprendizagem:

1. Função Psicodinâmica: à medida que o organismo internaliza o que foi observado

ou experienciado, começa a assimilação do que já sabe com o que esta sendo

aprendido;

2. Função do Sistema Nervoso Periférico: responsável pelos receptores sensoriais, que

constituem canais para a aprendizagem;

3. Função do Sistema Nervoso Central: responsável pelo armazenamento, elaboração

e processamento da informação.

Assim, podemos dizer que a criança está pronta para aprender quando ela apresenta

um conjunto de condições, capacidades, habilidades e aptidões consideradas como pré-requisitos

para o inicio de qualquer aprendizagem.

A aprendizagem ocorre em função do equilíbrio do meio interno da pessoa e do meio

externo a ela. Isto também significa que a harmonia entre tais fatores oferece a oportunidade para

um desenvolvimento humano ajustado.

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Diante de tais considerações pretendemos neste estudo avaliar as possíveis

associações das dificuldades de aprendizagem dos adolescentes usuários de SPA residentes na

C.T. Também pretendemos identificar o tipo de intervenção psicopedagógica possível durante o

tratamento terapêutico desses adolescentes em C.T.

1.1 CARACTERIZANDO OS PARTICIPANTES DO ESTUDO

Por uso abusivo de SPA os adolescentes pesquisados encontram-se em regime de

internação em CT, localizada em região rural, há 30 km de distância do centro do município de

residência da família. Tal indicação foi tomada, como medida de proteção2 pela situação de rua e

uso abusivo de SPA que esses adolescentes encontravam-se e/ou pelos riscos de ameaça de

morte pelas diversas circunstâncias que esses se colocavam em função da obtenção da droga. A

população estudada nesse trabalho é exclusivamente masculina e o período de permanência foi

de seis meses, ou de acordo com a permanência voluntária desses na CT. Esses adolescentes

passaram por uma avaliação breve da equipe do Centro de Atenção Psicossocial Infanto/Juvenil -

Álcool e Drogas III – CAPSi AD III, e diante das situação de risco de vida e por envolvimento

ao uso de SPA a melhor opção adotada foi o encaminhamento para a CT.

O nível escolar é o mais baixo: encontra-se como último ano estudado entre o 1ª e 4ª

ano do ensino fundamental I, e o inicio da experiência com o uso de drogas entre os 9 e 11 anos

para os adolescentes com características comportamentais hiperativas. Contudo, os adolescentes

com Déficit de Atenção, verbalizaram o início de uso de drogas a partir do 5ª ano do ensino

fundamental e concomitantemente, sua ausência escolar.

Quanto à escolaridade desses, foi observado durante as entrevistas com os familiares

e com os próprios adolescentes, uma sobreposição na linha do tempo: ocorrida a evasão escolar,

inicia-se também maior permanência deste na rua de casa; depois pelas ruas do bairro e,

finalmente pelas ruas do centro da cidade. Neste interim surgem os primeiros experimentos das

SPA.

Em relação ao desempenho escolar foi levantado por parte dos adolescentes e

familiares entrevistados que a responsabilidade por não estarem na escola é exclusivamente deles

e não por não se adaptarem aos moldes da escola ofertada pelo sistema educacional; não

2 O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu Artigo 98, estabelece as medidas de proteção à criança e ao

adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I - por ação

ou omissão da sociedade ou do Estado; II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III - em razão de

sua conduta.

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considerando suas dificuldades de aprendizagem a um ensino falho e sem atrativos que

contribuem para fatores de vulnerabilidade para o consumo de drogas nesta faixa etária.

Apenas um adolescente apresentou laudo médico de TDAH com predominância em

impulsividade e que, até os nove anos, foi acompanhado por uma equipe multiprofissional de

uma instituição especializada em Educação Especial.

1.2 RELAÇÃO FAMILIAR

As relações intrafamiliares mostraram-se estressadas e os vínculos até rompidos por

toda uma problemática apresentada pelo histórico com problemas de “indisciplina” na escola,

posteriormente agravado pelo envolvimento com drogas que consequentemente gera furtos de

objetos pessoais para o sustendo do vicio. Depois, com furtos na comunidade onde residem,

ocasionam-se as primeiras ameaças de morte e, por fim, a constante presença da polícia trazendo

o adolescente para a casa.

Nas entrevistas foi levantado um número significativo de adolescentes que residem

apenas com as mães e irmãos. A figura do pai é apresentada em outras situações como

desconhecidos, falecidos ou separados. As mães, por sua vez, apresentaram fazer uso de

medicação psicotrópica por problemas de depressão, doenças psiquiátricas, envolvimentos com

álcool ou drogas. Em um único caso de pais que vivem juntos, ambos fazem uso abusivo de

álcool.

Foi levantada uma particularidade na relação entre os pais desses adolescentes.

Ainda nesta dinâmica há irmãos que também faziam uso de SPA; no entanto, os adolescentes

com histórico de TDAH e uso de SPA, eram tratados com mais severidade que com os outros

irmãos que somente faziam uso de SPA e não sofriam de TDAH. Os pais tendiam a focar a

atenção dos problemas familiares e até justificando o uso de SPA pelos de TDAH, aumentando

assim toda a cobrança que já sofriam pelo uso de drogas.

As mães entrevistadas trabalhavam fora para o sustento da casa em empregos

informais como empregadas domésticas. A apenas uma mãe que trabalhava com vinculo

empregatício em empresa privada na função de auxiliar de serviços gerais. Elas apresentavam

dificuldades em acompanhar os adolescentes usuários nos tratamentos ambulatoriais e somente

quando eram procuradas por terceiros que ameaçam seus filhos de morte, buscavam ajuda para

remediar a situação; porém, o envolvimento do filho com o uso de drogas já estava bastante

comprometido.

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Como foi observado, a opção pela internação do adolescente parte dos pais e não da

equipe da saúde, uma vez que esses pais alegam que já fizeram de tudo, mas não conseguiram

obter sucesso em ajuda-los, e que, em razão de ameaça de morte, não podiam mais voltar para a

casa. Por não haver uma politica de atendimento para esses casos, a CT vem sendo a opção mais

viável.

Após a internação desses adolescentes inicia-se um grande desafio de convencer a se

inserir em programas de apoio para co-dependentes e até mesmo de visitar os filhos nas CTs,

alegam que não precisam de tratamento e, quanto às visitas, usam suas ausências como sansão

por tudo que passaram com os filhos adolescentes.

Em algumas situações é necessário usar o argumento da exigência do Poder

Judiciário para que estas famílias iniciem as visitas. Muitas também começam as visitas somente

após o programa de atendimento que realizou a internação do adolescente fornecer o transporte

para levar e traze-los da CT, pois alegam não terem condições financeiras para pagar o transporte

coletivo até a cidade onde está localizado a CT.

Todos os adolescentes quando foram encaminhados para a internação já faziam uso

de SPA há pelo menos três anos, embora em um dos casos estudados o grau de dependência era

de um ano de uso abusivo de drogas. E, neste período, as principais SPA utilizadas foram tabaco,

maconha, álcool e crack. Em razão desse multiuso de SPA, todos os diagnósticos realizados pela

equipe de saúde caracterizaram-os como usuários de múltiplas drogas (CID 10 – F:19),

incontinência familiar e ameaça de morte.

Dos adolescentes estudados, todos haviam envolvimento com o ato infracional e

passagem por delegacias ou Unidades de Internação Provisória – UIP da Fundação Casa, por

roubos dentro da própria casa, furtos de celular e bolsas de transeuntes, tráfico, roubos em

supermercados, entre outros.

Quando esses adolescentes chegaram à internação, o seu estado psicoemocional

estava confuso, perturbado e com instabilidade emocional extrema. Para estabelecer uma relação

de vínculo de atendimento socioeducativo foi necessário de um a dois meses e, após um vínculo

pré-estabelecido, é que realmente iniciam-se as abordagens de intervenções. Porém, isso não

significa obtenção de sucesso no tratamento, apenas uma figura de confiança que o adolescente

sabe que pode contar e não vai prejudicá-lo.

No trabalho com esses adolescentes há indicativos de que o TDAH e o uso de SPA

apresentam estreita relação. O adolescente que apresentou estes dois transtornos com laudo

médico era o com menos idade e iniciou o uso de drogas por volta dos 11 anos e foi o que

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apresentou maior comprometimento com o uso de drogas, e foi o mais resistente à intervenção

terapêutica. E só teve maior aderência na frequência ao tratamento quando submetidos ao

cumprimento de medida sócioeducativa em privação de liberdade3, porém, o trabalho junto ao

adolescente era especifico a dependência química e não ao TDAH que permaneciam sem ser

observada.

A maioria desses adolescentes não têm diagnósticos médico de TDAH, mesmo sendo

encaminhados ao respectivo setor da rede publica.

Na primeira entrevista realizada, houve comprometimento nos dados coletados pelo

motivo de que os adolescentes ainda estavam intoxicados pelo uso das SPA. Por não possuírem

vinculo com o entrevistador, polo fato de já terem passado por vários programas de atendimento

e entrevista, observou-se certas frases chaves que repetiam-se e não possuíam coerência com sua

realidade. Somente após alguns meses quando o adolescente já se encontrava desintoxicado e

seguro, foi possível que ele se colocasse como um sujeito com possibilidades sociais de trabalho,

estudo e mudança de vida, no entanto, dos três adolescentes estudados, nenhum obteve esse

resultado, até o momento.

Os três adolescentes se evadiram da CT. Um encontra-se novamente nas ruas do

centro da cidade onde mora, passou por diversas internações no CAPSi AD III, contido

quimicamente; o segundo encontra-se em cumprimento de medida socioeducativa em privação

de liberdade e o terceiro encontra-se novamente internado em CT, agora para adultos.

2. DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Crianças que mostram um atraso na aprendizagem da fala, não desenvolvem

percepção visual ou auditiva normal ou apresentam dificuldades para aprender a ler, soletrar,

escrever ou calcular. Essas dificuldades não caracterizam deficiência mental, mas apresentam

uma diferença entre a capacidade e, por isso, são crianças que requerem uma educação específica

para o seu desenvolvimento (KIRK E GALLAGHER, 1996).

Uma comissão conjunta da American Speech - Language Hearing Association

(Associação Americana da Fala, Linguagem e Audição), apresenta uma definição sobre o

3 O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu Artigo 121, condiciona três princípios básicos para a aplicação da

medida de privação de liberdade: o da brevidade, isto é, a medida deve perdurar somente o tempo necessário para a

readequação do adolescente; o da excepcionalidade que contém em seu bojo a premissa de que deve ser a última

medida aplicada (quando houve ineficácia das outras); e o do respeito à condição peculiar da pessoa em

desenvolvimento, ou seja, deve garantir condições gerais para o desenvolvimento.

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Distúrbio de Aprendizagem, que implica em um termo genérico, referente a um grupo

heterogêneo de distúrbios, que se manifestam por dificuldades significativas na aquisição e no

emprego das capacidades para ouvir, falar, ler, escrever, racionalizar ou calcular. Esses

distúrbios são inerentes ao indivíduo e presumivelmente se devem a disfunção do sistema

nervoso central. Embora um distúrbio de aprendizagem possa ocorrer concomitantemente a

outras condições deficientes como: deficiência sensorial e menta, distúrbio social e emocional,

influências ambientais, diferenças culturais: instruções insuficiente/inadequada e fatores

psicogenéticos, ele não resulta, diretamente dessas condições ou influências (KIRK E

GALLAGHER, 1996).

Podemos perceber que as dificuldades de aprendizagem podem estar ligadas as

questões orgânicas, como, por exemplo, disfunção neurológica, ou mesmo herança genética.

Uma das dificuldades de aprendizagem é manifestada pela TDAH, pois, antes de tudo, é um

transtorno que afeta o comportamento (GUARDIOLA, 2006).

Rohde e Halpern (2004) colocam que o TDAH na infância em geral se associa às

dificuldades na escola e no relacionamento com demais crianças, pais e professores. São as

crianças habitualmente rotuladas como: “avoadas”; “vivendo no mundo da lua”, estabanadas,

“bicho carpinteiro” ou, como atualmente chamamos: “ligado nos 220”. Observa-se que os

meninos tendem a apresentar mais sintomas de hiperatividade ou impulsividade e quando não

tratado de forma adequada, há uma tendência a apresentar outras co-morbidades como de

Conduta ou de Opositor Desafiante. As meninas, por sua vez, apresentam mais déficit de

desatenção, portanto, não demonstram incômodos na escola, na família e nem socialmente, como

os meninos.

A atenção é uma atividade mental complexa que pode ser definida como a

capacidade de o indivíduo manter uma focalização em uma parte do estímulo do ambiente, em

detrimento das outras fontes de estimulação. As crianças apresentam dificuldades em manter

atentas em atividades consideradas enfadonhas, repetitivas ou que exigem elevados níveis de

atenção (Lopes, 2004). A criança que tem dificuldade de prestar atenção aos detalhes é pouco

meticulosa e comete frequentemente erros durante a realização de trabalhos escolares ou outras

atividades e facilmente interrompem as tarefas que estão fazendo para dar atenção a outros

estímulos. As tarefas escolares são consideradas muito desagradáveis para estas crianças, não

conseguindo terminá-las. Os materiais escolares, como lápis, borracha, caneta, são

frequentemente espalhados, danificados ou perdidos. As crianças esquecem-se frequentemente

de assuntos importantes, como os deveres da escola ou encontros marcados (APA, 1994).

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Chiolas (2010) citando ideias de Barkley de 2002, explica que o Déficit de Atenção

pode afetar, de forma diferente entre outros fatores, os diversos aspectos envolvidos no

funcionamento da atenção e nas tarefas nas quais ela é necessária, como no planejamento, na

organização e no controle dos estímulos. Por exemplo: uma pessoa começa a ler um livro e na

metade da página não consegue lembrar o que acabou de ler; numa conversa é capaz de perder o

foco da narrativa; o aluno comete erros tolos nas provas em matérias que ele domina porque no

momento da prova sua atenção cai. O portador de DDA tem dificuldades em se concentrar e

prestar atenção de forma consistente. Apesar de existir controvérsias em relação aos fatores de

influência da manutenção da atenção, a maior parte dos autores consideram que a diminuição da

atenção está relacionada ao fato da atividade não ser suficientemente atraente ou não possuir

uma recompensa imediata.

A criança portadora de Hiperatividade apresenta, ainda, uma superexcitação e

atividade excessiva, tende a ser agitada, ativa e é facilmente levada a uma emoção excessiva. Sua

reação emocional é mais intensa e mais frequente, e isso ocorre independentemente do tipo de

emoção que esteja sendo expressa: raiva, frustração, felicidade ou tristeza. Ela tem dificuldade

de controlar o corpo em situação de postura sentada e em silêncio por um longo período de

tempo. Still (1992, cit. por Lopes, 2004; Toro, 1998) descreveu um conjunto de crianças que

apresentavam um excesso de atividade motora e um escasso controle de impulsos. Still defendeu

que a doença tinha uma origem orgânica e identificou características comuns entre crianças

hiperativas: cabeça demasiado grande, malformação no palato e vulnerabilidade as infecções.

Para os professores, uma criança com hiperatividade na escola, é descrita como: ela

provoca os colegas, fala muito, levanta da carteira a todo instante, bate com os pés, mexe as

mãos, revira-se todo o tempo: parece elétrica ou movida a motor. Nos adolescentes e adultos

hiperativos, muitas vezes o que predomina é uma sensação interna de inquietação: ou estão

sempre se ocupando com alguma atividade ou com várias ao mesmo tempo e as vezes não

conseguem completá-las.

O portador de Impulsividade ou fracasso na inibição de comportamentos (Lopes,

2004), tem dificuldade de pensar antes de agir e de seguir regras. Na maioria das vezes, ele

conhece e entende as regras, mas sua necessidade de agir rapidamente contém sua reduzida

capacidade de autocontrole. Isso resulta em um comportamento inadequado e irrefletido. No

TDAH, as reações tendem a ser imediatas e sem reflexão: costuma-se dar uma resposta sem

escutar a pergunta por inteiro; é impaciente e tem dificuldade de esperar. Em consequência da

impulsividade, o portador tende a ser impopular por romper regras que não foram bem

assimiladas ou por não conseguir mantê-las. As manifestações comportamentais geralmente

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aparecem em múltiplos contextos: em casa, na escola ou em situações sociais. A impulsividade

pode também levar a acidentes, por exemplo, não olhar por onde anda, tropeças em objetos,

colidir com pessoas, e pode, inclusive, envolver-se em atividades perigosas sem consideração

quanto às possíveis consequências, por não pensar antes de agir. A impressão que estas crianças

deixam é que são irresponsáveis, mal-educadas, imaturas e difíceis de aturar (LOPES, 2004).

Para Toro (2008), todos esses distúrbios acima de certa forma vão contribuir para o

fracasso escolar, social e familiar.

A prevalência do TDAH é alta e corresponde às manifestações comportamentais

diversas. Riesgo (2006) estudou as principais co-morbidades psiquiátricas das crianças TDAH

que são:

Abuso de Substâncias

Enurese Noturna

Epilepsia

Tiques

Transtorno de Ansiedade

Transtorno de Aprendizagem

Transtorno de Conduta – TC

Transtorno de Humor

Transtorno de Linguagem

Transtorno de Oposição e Desafiante - TOD

Segundo o referido autor tais co-morbidades ocorrem em um contexto no qual a

criança tem dificuldades de aprendizagem enfatizando a necessidade de tratamento com

psicofármacos e psicológico, após avaliação realizada por multiprofissionais.

Crianças com TDAH podem apresentar dificuldades de aprendizagem em 19 a 26%

dos casos. Entre estas observam-se transtornos específicos, como dislexia, disgrafia e discalculia,

sendo a dislexia a co-morbidade mais frequente.

Em muitos casos, os transtornos da linguagem estão presentes, seja por distúrbios da

fala (como dificuldades articulatórias, alterações do ritmo da fala e da qualidade da vocalização),

mas também por distúrbio da linguagem tanto na percepção como na elaboração (como falhas no

acesso lexical, dificuldades de estruturação sintático-semânticas e falhas no processamento da

informação).

Sabe-se que, com o tempo, outras co-morbidades costumam se associar ao TDAH,

aumentando assim a ocorrência de co-morbidades psiquiátricas. Segundo Searight et al (2000),

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as co-morbidades mais frequentes são: transtorno de humor (19 a 37%), transtorno de ansiedade

(25 a 50%), abuso de álcool (32 a 53%), outros abusos de substâncias – maconha e cocaína (8 a

32%) e transtorno de personalidade (10 a 20%). Estas pesquisas mostram uma alta prevalência

de co-morbidades entre TADH e os transtornos disruptivos de conduta e de oposição desafiante

em torno de 30 a 50%.

Bierderman et al (1995), em um estudo realizado com adultos com TDAH

diagnosticados na infância, verificaram que aproximadamente 40% dos pacientes apresentaram,

abuso ou dependência por SPA durante a vida. Conclui-se que independente das outras co-

morbidades psiquiátricas, o risco de abuso de SPA ainda é maior em pacientes TDAH.

O transtorno de atenção ocorrendo no cérebro apresenta várias interfaces de estudo

como a neurociência, a saúde mental e a educação.

3. USO INDEVIDO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS

As questões relativas ao abuso de álcool e outras drogas são consideradas,

atualmente, um grave problema de saúde pública. O tratamento de adolescente destaca-se como

um dos grandes desafios, dada à alta prevalência de uso, que vem ocorrendo cada vez mais

precocemente (Guimarães, Godinho, Cruz, Kappann, & Tosta Junior, 2004; Prata e Santos,

2007; Toscano, 2001), associado a altos índices de abandono e baixo sucesso terapêutico

(Kaminer & Szobot, 2004).

A presença de TDAH dobra o risco para o desenvolvimento de abuso/dependência de

substâncias ao longo da vida, e ambos os transtornos influenciam-se mutuamente, o que traz

implicações para o diagnóstico, o prognóstico e o tratamento de ambos os transtorno. A maconha

é a droga ilícita com maior frequência de abuso entre portadores de TDAH. Adultos jovens

portadores de TDAH relatam um efeito calmante proporcionado pela maconha, reduzindo sua

inquietação interna. Este efeito reforça a hipótese da automedicação dos sintomas de TDAH

como um fator de risco para o desenvolvimento de abuso/dependência de drogas (Romano,

2005).

Outro contraponto referido é a realidade no âmbito escolar desses adolescentes: o

fracasso e a falta de vínculos no ambiente escolar (uns dos fatores de risco externo) e a própria

predisposição biológica (um dos fatores de risco interno) ao uso de SPA, incita o experimento de

novas sensações e prazeres.

17

O efeito do uso abusivo de SPA no cérebro é o Prazer, o que os cientistas chamam,

de força biológica poderosa para a nossa sobrevivência. Se fizermos algo prazeroso, isso é

registrado de tal modo que se tende a ser feito novamente. As áreas de recompensa do cérebro

correspondem às áreas relacionadas à fome, à sede e ao sexo.

Para a OMS – Organização Mundial de Saúde – droga é qualquer substância que, não

sendo produzida pelo organismo, tem a propriedade de atuar sobre um ou mais de seus sistemas,

produzindo alterações em seu funcionamento. A terminologia Droga refere-se para substâncias

psicotrópicas ou psicoativas, que afetam os processos mentais (pensamento, memória e

percepção).

Existem as substâncias psicoativas lícitas, que são aquelas comercializadas de forma

legal, podendo ou não estar submetidos a algum tipo de restrição. Como por exemplo: o álcool

(venda proibida para menores de 18 anos) e alguns medicamentos que só podem ser adquiridos

por meio de prescrição médica especial. As substâncias ilícitas são aquelas que são consideradas,

pela nossa legislação, como de venda ou uso ilegais. (SENAD, 2006).

As necessidades fisiológicas, como comer, ativam um circuito de células nervosas

especializadas dedicadas a produzir e regular o prazer. Um aspecto importante destas células

nervosas é o fato de usarem um neurotransmissor químico chamado dopamina, situado no topo

do tronco cerebral na área de tegmental ventral. Esses neurônios contêm dopamina e

retransmitem mensagem de prazer através de suas fibras nervosas para células nervosas numa

estrutura do sistema límbico chamado de núcleo achumbes, enquanto que outras fibras alcançam

uma parte relacionada da região frontal do córtex cerebral. Assim, o circuito do prazer, que é

conhecido como o sistema mesolímbico, espalma a sobrevivência orientada do tronco cerebral,

do sistema límbico emocional e do córtex cerebral fronteiriço.

Portanto, todas as drogas aditivas são ativadas no cérebro no circuito do prazer. A

adição de drogas é um processo biológico e patológico que altera o funcionamento do centro do

prazer, como também outras partes das funções do cérebro. Quase todas as drogas que alteram o

modo de trabalho do cérebro afetam a química da neurotransmissão. Por exemplo:

Heroína, Álcool, Barbitúricos, Benzodiazepínicos, Solventes ou Inalantes:

imitam os efeitos de um neurotransmissor natural. É uma droga considerada depressora, pois

causa diminuição da atividade global ou de certos sistemas específicos do sistema nervoso

central, que tende a causar uma diminuição da atividade motora, reatividade à dor e à ansiedade

e é comum um efeito euforizante inicial e, posteriormente, aumento de sonolência;

18

Maconha, LSD, Alucinógenos, Anticolinérgicos, PCP e Ecstasy – bloqueiam

os receptores e assim impedem o término das mensagens dos neurônios. É uma droga

considerada perturbadora, pois provoca alterações no funcionamento cerebral, que resultam em

vários fenômenos psíquicos anormais, entre os quais os delírios e as alucinações;

Cocaína, Anfetaminas, Metanfetaminas: interferem nas moléculas que são

responsáveis para transportar neurotransmissores que liberam os neurônios. É uma droga

considerada estimulante, pois aumenta a atividade de determinados sistemas neuronais, o que

traz como consequências um estado de alerta exagerado, insônia e aceleração dos processos

psíquicos;

Outras Drogas: Tabaco, Cafeína e Esteróides anabolizantes: Essas drogas não

possibilitam uma classificação em uma única categoria (depressoras, estimulantes ou

perturbadoras do SNC – Sistema Nervoso Central). Além de causarem dependência física aguda

ou crônica, caracterizada por ansiedade, psicomotora, distúrbio do sono e alterações do humor.

Mesmo assim, são consideradas drogas lícitas, ou seja, comercializadas legalmente.

A lista de substâncias psicoativas consideradas pela CID-10, no capítulo V –

Transtornos Mentais e de Comportamento, inclui:

Álcool; opióides (morfina, heroína, codeína, diversas substâncias sintéticas);

canabinóides (maconha); sedativos ou hipnóticos (barbitúricos e benzodiazepínicos); cocaína;

alucinógenos; tabaco; solventes voláteis; e outros estimulantes (como anfetaminas e substâncias

relacionadas à cafeína).

O uso de SPA altera o estado mental, afeta diretamente a cognição, a capacidade de

julgamento, o humor e as relações interpessoais; áreas que, frequentemente, já estão

comprometidas, mesmo na adolescência normal (MILLER et. al, 1992).

O uso de SPA altera as percepções, os sentimentos ou o comportamento e é comum

na fase inicial da adolescência: estudos desenvolvidos em todo o mundo indicam que 50% a 80%

das crianças em idade escolar usam drogas licitas ou ilícitas com propósitos recreacionais

(SCIVOLETTO E GIUSTI 2005).

Segundo Macedo (2008), o portador de TDAH sofre repercussão muito séria em sua

vida caso não tenha seu transtorno diagnosticado e tratado, porque, desde a infância, o portador

enfrenta rótulos negativos que atingem até sua desqualificação pessoal. O portador poderá ainda

ter reflexos negativos na convivência familiar e conjugal, na vida afetiva, na escolha da profissão

e no trabalho. E há casos, por envolvimento em situação de risco, como a dependência química

19

que apresentam práticas de violência física, transtornos de humor, ansiedade e transtorno de

personalidade antissocial.

Diante dos estudos dos diversos autores, constatou-se haver uma relação entre

aqueles que apresentam elevado uso de SPA com os TDAH, conforme dados relatados nas

entrevistas. Os adolescentes usuários, além de tratamento medicamentoso, se beneficiam de

intervenções de natureza sócioeducativa.

Pela escala de uso de SPA, os adolescentes verbalizam como sendo a maconha a

primeira substância utilizada, depois o tabaco, posteriormente experimenta o álcool, cola de

sapateiro e cocaína, porém, não se fixaram a estas substâncias, mas sim ao uso do crack, por ser

uma droga de valor acessível e efeito instantâneo após o uso. No entanto, como a duração de

efeito dura por volta de cinco minutos, o usuário passa a consumi-la com maior frequência,

levando-o à dependência química mais rapidamente que as outras SPA.

4. INTERVENÇÕES PSICOPEDAGÓGICAS

Quando esses adolescentes entraram em contato com a aprendizagem e perceberam

que não havia sintonia neste processo, não conseguiram suportar e desencadearam níveis

elevados de estresse de ordem biopsicossocial.

Muitas vezes esses sintomas foram negligenciados, tanto pelos pais como pelos

professores, que banalizaram como falta de interesse, indisciplina, desajustamento, entre outros.

Afirma Macedo (2008) que o TDAH é uma questão séria. Se não tratado de maneira

adequada, pode ter efeitos duradouros na vida do paciente com várias repercussões [...]. Sem

tratamento, os sintomas de TDAH podem afetar o desempenho escolar, limitar a qualificação

ocupacional e aumentar o risco de abusos e dependência de drogas e de álcool.

Pela vicissitude da organização familiar e do próprio adolescente em lidar com esta

realidade, sua resistência às tensões da vida são minimizadas, impondo um compasso em

experiências estressantes no inicio do seu desenvolvimento psicossocial e ocorrências de

problemas emocionais e comportamentais no transcorrer da sua vida, desencadeando uma vida

social desorganizada.

Estudos realizados por Souza e Oliveira (2005), quanto à escolaridade e repetência

de um grupo de adolescentes usuários e não usuários, constatou-se um prejuízo acadêmico

significativo entre estes dois grupos - no primeiro, registrou-se um percentual de 93,3% contra

20

73,3% de repetência do segundo grupo - desenhando um cenário social e econômico que permite

poucas condições de educação em classes menos favorecidas, ou ainda, em que as práticas

pedagógicas costumam ser pouco adaptadas às necessidades individuais do sujeito.

Ainda os mesmos autores apontam um dado importante em um estudo realizado

sobre Simkin (2002), que tratou sobre os fatores de proteção contra o uso de drogas e relatou que

o tratamento precoce do TDAH reduz em 85% o envolvimento com drogas.

Quando o adolescente é encaminhado para tratamento em CT por uso abusivo de

SPA, é necessário um olhar sensível e uma escuta polida para um atendimento multiprofissional.

O psicopedagogo contribuirá com abordagens de ressignificações de valores do adolescente, na

compreensão e no enfrentamento da dependência química, bem como nas consequências da

mesma. Posteriormente, na intervenção na área da autovalorização e elevação da autoestima, do

estabelecimento de um projeto de vida e encaminhamento para (re)iniciação acadêmica,

profissional e estímulo à autonomia e independência, incentivando o resgate de sua identidade e

proporcionando uma vida com qualidade.

Para um trabalho efetivo com adolescentes é necessária uma gama de atividades

diferenciadas e atrativas, principalmente para os adolescentes com históricos de TDAH. De

acordo com as dificuldades, é fundamental a adaptação de algumas atividades, o que envolve a

observação do comportamento do adolescente antes da aplicação de qualquer atividade ou

técnica. Além da anamnese, continuamente são feitas entrevistas avaliativas da evolução do

tratamento, observações e aplicações de técnicas psicopedagógicas, como provas projetivas,

sessões lúdicas, diagnósticos operatórios e dinâmicos.

Por se tratar de um adolescente com queixa de uso abusivo de SPA e com uma

hipótese de dificuldades de aprendizagem, nos deparamos com um indivíduo em grande

sofrimento. Pelo fato de suas dificuldades de aprendizagem não terem sido sanadas

anteriormente, elas se arrastam até o momento em que o adolescente foi encaminhado para

tratamento terapêutico por uso de SPA e, que de certa forma, são manifestadas em sua rotina na

CT.

As intervenções psicopedagógicas terão que abrir um leque de possibilidades aquém

das suas funções, pois surtirão intervenções que abrangerá duas áreas do conhecimento: tanto da

saúde como da educação. As intervenções devem ser trabalhadas paralelamente com os pais e o

conhecimento do adolescente, para que ele se sinta confiante e seguro nas orientações e

encaminhamentos.

21

Os encontros devem ser agendados com regularidade, de modo a acompanhar a

participação dos pais nas orientações dadas, e corrigir suas possíveis falhas; ainda é possível nos

contínuos acompanhamentos dar novos redirecionamentos de acordo com a rotina e as respostas

do adolescente às intervenções. Faz parte dos encontros esclarecer dúvidas e lidar com as

angustias e medos, tanto da família como do adolescente. Para alcançar os objetivos das

intervenções é primordial uma articulação tripartite: adolescente, família e as intervenções

psicopedagogia; pois se não houver o completo envolvimento destas três partes, o sucesso do

tratamento estará comprometido.

Quando um adolescente apresenta um histórico de uso abusivo de SPA, os pais, no

momento da internação, encontram-se no cume da exaustão e estão impotentes perante o filho e

seus sentimentos de amor e ódio são ambivalentes. Nesta hora, é importante uma atenção

especial aos pais para que exteriorizem seus sentimentos e sintam que estão diante de um novo

ponto de partida com o filho. A intervenção psicopedagógica, portanto, deve direcionar os

atendimentos para as possibilidades possíveis e reais dos ideais da família.

Após a alta terapêutica e sua saída do CT, o tratamento continua ambulatoriamente e

em conjunto da família e posteriormente com a escola. As intervenções psicopedagógicas devem

alcançar e sensibilizar esses corresponsáveis pelo atendimento, para juntos contribuírem para o

não agravamento da queixa apresentada e estabelecer medidas de manutenção no tratamento,

visando o não aparecimento de outras co-morbidades psiquiátricas.

O trabalho psicopedagógico deve estar acompanhado de outros tratamentos, como

avaliação neuropsicológica, reabilitação cognitiva, medicamentoso, terapia ocupacional,

atendimento psicoterapêutico individual e grupal, psiquiátrico, atendimento familiar individual e

grupal, acompanhante terapêutico e de ressocialização4 de tal sorte que as abordagens

terapêuticas se completem. Segundo Rotta (2006) é preciso que sejam considerados os seguintes

itens:

a) modificações de comportamentos;

b) ajustamento acadêmico;

c) psicoterapia e

d) terapia farmacológica.

4 A ressocialização implica, depois de três meses de internação, a saída do interno para a casa da família em um final

de semana por mês, para que seja observado seu comportamento frente a sua realidade fora da CT.

22

No que tange ao ajustamento acadêmico, dadas as diferentes dificuldades, a

intervenção psicopedagógica precisa ser especificamente planejada para cada adolescente ou

criança.

23

5. CONCLUSÃO

O atendimento psicopedagógico implica em uma mobilização na criação de

condições para a aprendizagem bem sucedida das crianças5 e adolescentes internos na CT.

Conclui-se que o abuso de SPA de parte dos adolescentes internos na CT esteja

associado ao TDAH, que reforça a busca pelas drogas. Os adolescentes sob o efeito de tais

substâncias podem estar se refugiando ou fugindo de uma realidade de vida de difícil adequação.

Os transtornos associados ao TDAH, como as co-morbidades que foram mencionadas

anteriormente, podem ser razões e não causas do abuso de SPA.

Portanto, é importante a realização do diagnóstico multiprofissional do TDAH dos

casos encaminhados às CTs para que os adolescentes possam ser assistidos diretamente em suas

dificuldades, o que o auxiliaria em sua recuperação primeiramente, para que em segundo lugar as

intervenções do tratamento sejam direcionadas às perdas cognitivas pelo uso SPA. Essa situação,

no entanto, é um ideal, pois verificou-se na CT pesquisada, que o foco no tratamento dos

adolescentes observados era somente o uso de SPA, negligenciando, assim a doença de base, que

é o TDAH, o que torna o tratamento incompleto e ineficaz.

O TDAH e o uso de SPA são duas variáveis que ao mesmo tempo é a produção de

uma história social. Imaginando um cenário, visualiza-se o autor dessa história social que, no

primeiro ato é uma criança com TDAH e depois um adolescente usuário de SPA, que precisa

internalizar responsabilidades que garantem sua participação produtiva na coletividade. Por isso,

considerando uma educação deficiente na fase infantil destes adolescentes, é preciso um trabalho

de prevenção através do desenvolvimento de projetos para o futuro destas novas gerações, já na

fase da pré-adolescência, evitando assim desperdícios de vidas.

A escola, os professores, a família, o casal e todo o ambiente social devem ser

orientados e direcionados para se adequarem ao apoio do tratamento do adolescente para a

obtenção dos resultados esperados. Ou seja, é necessária a integração de todos estes elementos

para a eficacidade da recuperação do adolescente que precisa enfrentar grandes desafios para sua

reintegração psicossocial.

Os portadores de TDAH necessitam de tratamento multidisciplinar para obter

melhores resultados (neurológico, psicológico e educacional). Como mencionado, é preciso ter

um olhar sistêmico para estas crianças e familiares, que devem ser fortalecidos nesses cuidados

5 Em algumas CTs, são aceitos internos com histórico de uso de SPA a partir de 11 anos de idade, o que é

considerado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, criança; mas isso não é o padrão em todas as CT.

24

específicos e estimulados ao conhecimento cientifico sobre o transtorno que seus filhos sofrem,

através de divulgação de palestras, literaturas e grupos de apoio. Também é preciso ajudá-los na

administração da manutenção dos cuidados pessoal e educacional do filho portador.

A psicopedagogia clínica e institucional precisam estar preparadas para uma

abordagem que propicie condições para o desenvolvimento da autoestima e do senso critico e da

responsabilidade do educando sobre sua realidade e necessidades psicossociais, promovendo a

redução do abuso de SPA e qualidade de vida.

Rosa (2009) afirma que a ação do psicopedagogo se estende da criança ao mundo

que a entorna, e as contribuições teóricas devem se somar para se possa melhor visualizar sua

realidade. Ele precisa contar com diferentes modelos teóricos como base; a interação desses

modelos permitirá uma dinâmica de trabalho que oferecerá o suporte e o parâmetro para uma

práxis efetiva.

Contudo esta pesquisa incite novos estudos, não só, para orientação das famílias

sobre os cuidados necessários a uma criança que sofre de TDAH, mas também as politicas

públicas quanto às ações para o sistema educacional, saúde mental e as CTs, que despreparadas

aos cuidados destas crianças, as abdicam por ausência de estratégias, instrumentalização,

conhecimento em lidar com este público. Assim, sem continência familiar e educacional, acabam

ficando a própria sorte se refugiando nas ruas e no consequente uso e abuso de SPA e suas

repercussões. Visualiza-se assim um quadro real que não tem tido a atenção devida do sistema de

garantia de direitos da criança e do adolescente, causando uma demanda de dependentes

químicos que poderia ser prevenida ainda na infância se o diagnóstico de TDAH fosse realizado

prematuramente.

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