TEATRO: CAMINHO DE INCLUSÃO, … · TEATRO: CAMINHO DE INCLUSÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL E PESSOAL...

24
TEATRO: CAMINHO DE INCLUSÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL E PESSOAL DORACI TEREZA ROSO STOKMANN 1 RESUMO Como promover a inclusão de alunos com sérias deficiências mentais independente de serem as escolas públicas eficazmente preparadas nos seus recursos humanos e físicos? Pensou-se nos conteúdos estruturantes de arte e artes para a educação básica, como balizador deste intuito, por entender que a arte é inerente ao ser humano, e como diretriz curricular ter o propósito de superar desigualdades sociais. Este documento trata de breve pesquisa bibliográfica com uma práxis vivenciada, a respeito da contribuição da arte cênica, especificamente dos jogos dramáticos, como caminho de inclusão e desenvolvimento dos alunos com deficiência mental. Foi realizada uma Oficina de Jogos Teatrais por um período de três meses aproximadamente, dentro da Escola de Educação Especial Caminho Feliz- Apae de Capanema, com a participação de alunos da 7ª série do Colégio Estadual Rocha Pombo do município de Capanema – PR. Nesta experiência vivenciada, ficou manifesta a possibilidade de desenvolvimento pessoal, social e de inclusão de alunos com diversas deficiências e não deficientes, através dos conteúdos de arte e do intercâmbio entre as escolas especial e comum. PALAVRAS-CHAVES: Inclusão. Deficiência Mental. Conteúdos de Artes. ABSTRACT Promoting the inclusion of students with serious mental disabilities to be independent public schools effectively prepared in their human and physical resources? It was thought in structuring content of art and art to basic education, as marked out of order because it believes that art is inherent to man, and as curriculum guidelines have the purpose of overcoming society inequalities. This document deals with brief literature search with a practice experienced, regarding the contribution of scenic art, specifically of dramatic games, as a way of inclusion and development of students with mental disabilities. We performed an Office of Chat for a period of three months approximately, within the School of Special Education Happy Path- APAE of Capanema, with the participation of students in the 7th grade of Pigeon Rock State College in the municipality of Capanema - PR. This experience, it was obvious the possibility of personal development, and 1 * é professora da Rede da disciplina de Artes e Educação Especial. O presente artigo é trabalho final, pré-requisito para obtenção da certificação do PDE - Programa de Desenvolvimento Educacional 2007.

Transcript of TEATRO: CAMINHO DE INCLUSÃO, … · TEATRO: CAMINHO DE INCLUSÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL E PESSOAL...

TEATRO: CAMINHO DE INCLUSÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL E

PESSOAL

DORACI TEREZA ROSO STOKMANN1

RESUMOComo promover a inclusão de alunos com sérias deficiências mentais independente de serem as escolas públicas eficazmente preparadas nos seus recursos humanos e físicos? Pensou-se nos conteúdos estruturantes de arte e artes para a educação básica, como balizador deste intuito, por entender que a arte é inerente ao ser humano, e como diretriz curricular ter o propósito de superar desigualdades sociais. Este documento trata de breve pesquisa bibliográfica com uma práxis vivenciada, a respeito da contribuição da arte cênica, especificamente dos jogos dramáticos, como caminho de inclusão e desenvolvimento dos alunos com deficiência mental. Foi realizada uma Oficina de Jogos Teatrais por um período de três meses aproximadamente, dentro da Escola de Educação Especial Caminho Feliz- Apae de Capanema, com a participação de alunos da 7ª série do Colégio Estadual Rocha Pombo do município de Capanema – PR. Nesta experiência vivenciada, ficou manifesta a possibilidade de desenvolvimento pessoal, social e de inclusão de alunos com diversas deficiências e não deficientes, através dos conteúdos de arte e do intercâmbio entre as escolas especial e comum.

PALAVRAS-CHAVES: Inclusão. Deficiência Mental. Conteúdos de Artes.

ABSTRACTPromoting the inclusion of students with serious mental disabilities to be independent public schools effectively prepared in their human and physical resources? It was thought in structuring content of art and art to basic education, as marked out of order because it believes that art is inherent to man, and as curriculum guidelines have the purpose of overcoming society inequalities. This document deals with brief literature search with a practice experienced, regarding the contribution of scenic art, specifically of dramatic games, as a way of inclusion and development of students with mental disabilities. We performed an Office of Chat for a period of three months approximately, within the School of Special Education Happy Path-APAE of Capanema, with the participation of students in the 7th grade of Pigeon Rock State College in the municipality of Capanema - PR. This experience, it was obvious the possibility of personal development, and

1* é professora da Rede da disciplina de Artes e Educação Especial. O presente artigo é trabalho final, pré-requisito para obtenção da certificação do PDE - Programa de Desenvolvimento Educacional 2007.

society inclusion of students with various disabilities, not disabled by the content of art and exchanges between schools and special common.

KEY WORDS: Inclusion. Mental Disability. Contents of Gear.

1. INTRODUÇÃO

A função da arte não é a de passar por portas abertas, mas é a de abrir as portas fechadas.

Ernest Fischer

O presente artigo trata sobre o trabalho desenvolvido no PDE –

Programa de Desenvolvimento Educacional do ano de 2007, na área de

Educação Especial. Após um ano de estudo, através de cursos, seminários,

pesquisas e trabalho de grupo em rede on-line, elaborou-se um Plano de

Trabalho para implementação em uma Escola de Educação Especial.

Na discussão de se efetivar a inclusão, parafraseando Rodrigues

(2006), propôs-se um “fazer acontecer desde já”: a inclusão de alunos com

deficiência mental acentuada, por meio dos conteúdos estruturantes afins

da disciplina de Arte na Educação Básica, com a integração da escola de

educação especial e da escola da rede comum de ensino, através de uma

oficina de jogos teatrais.

O compromisso com a inclusão de alunos com deficiência mental

remete os educadores a pensar caminhos que viabilizem uma atitude, de

forma que as pessoas, livres e espontaneamente, experimentem e

assimilem este entendimento e passem a interiorizá-lo como conhecimento

e crescimento humano.

Ao desenvolver a implementação com alunos da escola de educação

especial, buscou-se concordância com as Diretrizes Curriculares para a

Educação Especial Para a Construção de Currículos Inclusivos de 2006 e,

principalmente, tendo como norte, o fundamento de que a inclusão

escolar é um processo em construção e se dá gradativamente de

forma responsável.

Diante deste entendimento, se propôs abrir a escola de educação

especial , alargar suas portas, seus domínios para acesso dos alunos do

ensino comum, a fim de oportunizar ações para o exercício da cidadania e,

2

neste contexto, buscar novos caminhos para a superação de alguns dos

obstáculos presentes no seio social que distanciam os segmentos excluídos

do acesso aos bens e serviços e, no caso específico da inclusão escolar, do

direito à educação.

Para tanto, torna-se importante observar, embasados em estudiosos

como Freire (1982) e Saviani (2005), que a formação de cidadãos

conscientes está no trabalho educativo, que envolve a ação, a práxis das

relações que os fazem pensar, agir, refletir. Assim, os seres humanos

tornam-se capazes de modificar o mundo e mudar-lhe o significado.

Foi intuito fazer da escola especial um instrumento que contribua para

a transformação social, como também o ensino da arte, com seu caráter

artístico e estético na formação do aluno, na humanização dos sentidos pelo

saber estético e pelo trabalho artístico, contemplando o que afirmava as

Diretrizes Curriculares de Arte e Artes para a Educação Básica de 2006, “o

ensino da Arte deixa de ser coadjuvante no sistema educacional e passa a

se preocupar também com o desenvolvimento do sujeito frente a uma

sociedade construída historicamente e em constante transformação” (p.22).

A arte está presente em todas as pessoas, é inerente ao ser

humano. O teatro, através dos jogos dramáticos, permite que o aluno, nas

representações de papéis, possa pôr em evidência o tipo de relação que

estabelece com o mundo que o rodeia, pode jogar o papel do outro, pode

criar papéis imaginados de domínio simbólico, falar do eu a partir dos

outros, a passagem do mundo interior para o mundo exterior, e isso gera

conhecimento, desenvolvimento.

O trabalho de implementação baseou-se na linguagem artística

como comunicação, interação, ação e relação numa reflexão social para,

conforme Paulo Freire “oferecer aos educandos acesso aos conhecimentos

de cultura para uma prática social transformadora” (Diretrizes Curriculares

de Arte e Artes para a Educação Básica. 2006, p.20).

2. PERCORRENDO UM CAMINHO

3

O Caminho se faz caminhando. Paulo Freire e

Myles Horton

Quando falamos de inclusão, nos vem a idéia de que alunos com

deficiência deixam sua Escola de Educação Especial e integram-se nas

Escolas do Ensino Comum. O trabalho realizado foi de inverter estes papéis.

Sabe-se que as Escolas de Educação Especial atendem alunos com graves

comprometimentos mentais, com síndromes e acentuadas deficiências que

lhes dificultam estarem, atualmente, na rede comum de ensino, no pleno

atendimento das suas necessidades educacionais. Nesta perspectiva,

propôs-se inclusão ao inverso. O trabalho teve como principal objeto a

inclusão de alunos da rede de ensino comum e de alunos com deficiência

mental e associadas da Escola de Educação Especial Caminho Feliz – Apae

de Capanema – PR, através da proposta de uma Oficina de Jogos Teatrais,

contemplando um determinado conteúdo estruturante da disciplina de arte

na educação básica, na área do teatro, realizada dentro da escola especial.

Teve também a intenção de desmistificar a Escola de Educação Especial,

mantida pela APAE, perante a comunidade escolar da rede pública do

município.

Foram convidados alunos da 7ª série A do Colégio Estadual Rocha

Pombo para visitarem e conhecerem a Escola Especial. Este convite foi

aceito por 17 (dezessete) alunos. Após o dia da visita, 14 (quatorze) alunos

decidiram participar da Oficina de Jogos Teatrais juntamente com 7 (sete)

alunos com deficiência mental acentuada da Escola de Educação Especial

Caminho Feliz, mantida pela APAE de Capanema - PR. Os encontros foram

semanais, de duas horas de duração cada um, durante os meses de março,

abril, maio e junho de 2008, para a propósito do que aborda Carvalho, abrir

as portas da escola especial e proporcionar uma oportunidade de

aprendizagem e participação diferente da que está posta.

Refiro-me às oportunidades que qualquer escola deve garantir, a todos, oferecendo-lhes diferentes modalidades de atendimento educacional que permitam assegurar-lhe o êxito na aprendizagem e na participação. A isso chamamos de eqüidade, que no fundo, reconhece as diferenças individuais e a importância do trabalho na diversidade, com espírito democrático, isto é, plural. [...] procuro defender a proposta de educação inclusiva entendida como

4

reestruturação das escolas, mesmos as especiais, de modo a que atendam as necessidades de todas as crianças que dela necessitam (2004, p.17).

A transformação da sociedade, o seu constante desenvolvimento,

com sujeitos de sua própria cultura é defendido por Saviani quando afirma:

O que se chama desenvolvimento histórico não é outra coisa senão o processo através do qual o homem produz a sua existência no tempo. Agindo sobre a natureza, ou seja, trabalhando, o homem vai construindo o mundo histórico, vai construindo o mundo de cultura, o mundo humano. E a educação tem suas origens nesse processo. [...] É, pois na realidade escolar presente que se enraíza a proposta da pedagogia histórico-crítica (2005, p.93-94).

Somente pela Educação, na realidade escolar, nas propostas

pedagógicas, os indivíduos compreenderão e exercitarão mudanças de

atitudes, de valorização da diferença, do convívio harmônico, rompendo

modelos de exclusão social para encaminharem-se para uma sociedade

humanística, responsável, ecológica, idealizada com seres orgânicos.

Por que este caminho de inclusão foi pensado através da Arte?

Como experiência, comprovar o que nos aponta as Diretrizes

Curriculares de Arte e Artes Para a Educação Básica (2006), os conteúdos de

arte visam através de sua práxis, uma sociedade que busca superar

desigualdades e injustiças. Este deve ser ponto fundamental de

compreensão desta disciplina (p.27). Como proposta, apostar no que

defendia o teórico Herber Read, de que a arte possibilita o desenvolvimento

do potencial criador e da humanização (idem, p.19).

Nesta perspectiva, acreditou-se que a função da arte é a de abrir

portas, de ser caminho, instrumento enriquecedor para a inclusão e a

valorização da pessoa com deficiência.

Pois é bem verdade que os alunos com deficiências são valorizados na

suas potencialidades quando, diante da comunidade, participam de

atividades artísticas. A emoção que flui e o aplauso que recebem, endossa a

platéia que pessoas com deficiências são sujeitos com a apropriação de

saberes, dinâmicos, participativos do contexto e do universo que dividem.

Esta manifestação de apreciação do público em geral, para com a

pessoa com deficiência ao vê-la participando de eventos culturais de forma

5

tão intensa, pode ser entendida que as emoções decorrentes da arte

demandam de respostas que envolvem um entendimento cognitivo, vemos

em Vigotsky (2001) a afirmação de que “Poderíamos demonstrar que a arte

é uma emoção central, é uma emoção que se resolve predominantemente

no córtex cerebral. As emoções da arte são emoções inteligentes” (p. 267).

Não se permitiu permear pelo campo das ciências, dos cálculos, e

nem ousar o da filosofia. Desejou-se permitir um trespassar pelo campo das

artes, para aqui, declarar uma possibilidade, onde TODOS os homens se

reconhecem IGUAIS pela sensibilidade, sendo a arte inerente a qualquer ser

humano.

A arte, em tudo que lhe é significada, alcança todas as pessoas,

sendo elas instruídas ou não, deficientes ou não. Além de ser uma forma de

“conhecimento” a arte é forma de “encantamento”. Todos os homens são

capazes de se expressar, de projetar sua vida interior, construir fantasias,

penetrar nos símbolos, signos da cultura.

Para Loureiro (BRASIL, Ministério da Cultura. Caderno de Textos do

Programa Arte Sem Barreira/Funarte. 2003, nº 3), a arte sem barreiras deve

concretizar-se no chão das relações sociais, e isso representa um gigantesco

passo na quebra da exclusão. Toda produção artística, ainda que pessoal, é

parte do processo social, e por isso, a inclusão artística acontece no decurso

com a inclusão social. Diz o autor “a arte parte do que é possível para

alcançar o impossível possível” (idem, p.16). Como se as pessoas

passassem a ter conhecimento humano a partir da emoção, a partir da

sensibilidade despertada.

Considerou-se igualmente a diversidade cultural e social dos alunos.

Pois a arte, enquanto cultura e linguagem tem na escola democrática um

espaço no qual os envolvidos podem refletir e discutir a realidade de modo

que a prática social seja o ponto de partida das problematizações.

A linguagem artística encerra esta possibilidade de estar junto com o

outro como instrumento cultural, numa perspectiva histórica de sujeito que

significa o mundo, dá sentido a sua existência e a existência do outro.

Padilha (2007) cita Bakhtin que diz: “É preciso considerar a força social na

constituição da consciência. Cognição, linguagem e cultura estão

6

inseparáveis na constituição da subjetividade” (p.121). A autora discorre

que o corpo precisa do outro corpo para lhe conceder sentido e lhe dar

forma. É preciso desenvolver, ensinar a consciência de si para poder depois

expressar-se em movimentos, de forma que os próprios movimentos

auxiliem para que o sujeito tome consciência de si. É nas práticas sociais,

no convívio do dia a dia, que o sujeito expressa seus gestos, sua atenção,

suas lembranças, suas vontades e o controle dos seus desejos.

Abordou-se o ensino da arte como linguagem, nas interpretações de

signos verbais e não verbais. As formas de linguagem estão entrelaçadas,

as verbais e os atos sociais de caráter não verbal: gestos e expressões

simbólicas. O papel da linguagem é ser expressiva e de significado para si e

para o outro, quer seja na palavra (som), no ato (gesto, expressão corporal),

no grafismo (escrita, desenho).

As Diretrizes Curriculares de Arte e Artes Para a Educação Básica

(2006) apontam que

Toda linguagem artística possui uma organização de signos que propicia comunicação e interação. Essa organização é estruturada segundo princípios que cada cultura constrói, expressos numa simbologia particular que é determinada histórica, política e socialmente. Essa expressividade artística é concretizada nas manifestações/ produções por meio dos sons, de formas visuais, de movimentos corporais e de representações cênicas, os quais são percebidos pelos sentidos humanos. Tais percepções ensejam leituras pelo sujeito tanto em sua condição de ser social quanto de ser singular, o que lhe abre a possibilidade de transformações em suas relações interpessoais e sociais (p.29).

Pode-se enfatizar tais considerações com palavras de Saviani:

Porque o homem não se faz homem naturalmente; ele não nasce sabendo ser homem, vale dizer, ele não nasce sabendo sentir, pensar, avaliar, agir. Para saber pensar e sentir; para saber querer, agir ou avaliar é preciso aprender, o que implica o trabalho educativo. Assim, o saber que diretamente interessa à educação é aquele que emerge como resultado do processo de aprendizagem, como resultado do trabalho educativo. Entretanto, para chegar a esse resultado a educação tem que partir, que tomar como referência, como matéria-prima de sua atividade, o saber objetivo produzido historicamente (2005, p.7).

Diante do leque de possibilidades que o ensino da arte oferece, optou-

se pelo teatro e pela realização de uma Oficina de Jogos Teatrais. E por que

justamente uma oficina de jogos teatrais?

7

Trabalhou-se com os alunos o conceito de que o teatro é uma

linguagem que amplia a sua visão de mundo, sob a perspectiva de que a

“dramatização é inerente ao homem em seu processo de desenvolvimento”

(Diretrizes Curriculares de Arte e Artes para a Educação Básica. 2006, p.45).

Observou-se que o relacionamento do homem com o mundo tem,

pois, no teatro, um forte aliado neste exercício. Com este entendimento, foi

possível integrar as partes que compõem esse sujeito, desenvolver a

intuição e a razão, por meio das percepções, sensações, emoções,

elaborações e racionalizações, com o objetivo de propiciar ao aluno uma

melhor maneira de conviver consigo e com os outros, valendo-se da

dramatização, que é por natureza, intrínseco no ser humano.

Se espera que pelo reconhecimento do próprio corpo, o aluno com

deficiência se reconheça na relação com o outro e consigo de acordo com

todos os outros que significam sua alteridade. Conhecer a si, aceitar-se

como, aceitar o outro, reivindicar a consideração do outro, para uma relação

integradora.

Vemos em Padilha (2007) que ao citar Bakhtin, afirma que a

consciência corporal é fundamental para a linguagem do corpo. Diz a

autora:

Quando abraçamos o corpo, abraçamos também a alma encerrada neste corpo e que se expressa por ele. A alma tem expressão no corpo. O corpo do deficiente mental, muitas vezes não consegue revelar ou expressar sua alma porque está caído, desarrumado, desarmônico, inexpressivo. É preciso desenvolver a consciência de si para que seja possível expressá-la nos movimentos do corpo, ao mesmo tempo que os movimentos do corpo ajudam a tomar consciência de si (p. 116).

As atividades de Jogos Teatrais, como linguagem artística, trazem em

seus códigos um conjunto de saberes a serem ressignificados no processo

de ensino e de aprendizagem. A linguagem do teatro pelo ato de “fazer de

conta”, de dramatizar individual ou em grupo, oportuniza aos alunos, a

análise, a investigação e a composição de personagens, espaços, histórias,

permitindo desencadear sua opinião dos conhecimentos trabalhados com

suas realidades socioculturais. A arte gera conhecimento e articula saberes

cognitivos, sensíveis e históricos.

8

Foi também, um exercício estético pela combinação dos sentidos, da

relação das artes visuais com as outras linguagens artísticas, pois a

construção de máscaras, de fantoches, de figurinos, de maquiagem, de

trilhas sonoras, propiciou a interligação das linguagens verbais e não

verbais, que contemplou, neste trabalho, alguns alunos, certamente algum

em particular, que tem um ou outro sentido mais aguçado ou menos

presente. E, no conjunto, fez-se uma releitura da obra, que incluiu a

experiência e a aprendizagem pelas formas de receber sensações, uma

releitura de produções híbridas conseqüentes das associações entre o

entendimento da realidade do aluno e os elementos percebidos por ele na

expressão artística.

2.1 - Sobre os Jogos Teatrais

Japiassu (2006), que aborda o sistema de jogos teatrais de Viola

Spolin, atriz, professora e diretora de teatro norte americano, discorre que a

pedagogia do sistema de jogos teatrais criados por Spolin, enfatizou a

dimensão improvisacional do fazer teatro e destacou a importância das

interações intersubjetivas na construção do sentido da representação

cênica e na apropriação de algumas convenções teatrais (p 41). Diz

também que, os sistemas de jogos teatrais de Spolin têm sido utilizados não

apenas no treinamento de atores, mas em programas de estudo para a

conscientização da comunicação não verbal e para dinâmicas de grupo.

Spolin experimentou seu método com estudantes e profissionais de teatro,

com professores e alunos do ensino fundamental e médio, em programas

educacionais de crianças com necessidades especiais, em cursos para o

estudo de idiomas, religião, psicologia em centros de reabilitação de

crianças delinqüentes.

Constatou que seu sistema de jogos teatrais era um processo

aplicável a qualquer campo, disciplina ou assunto por “possibilitar um

espaço possível para interação e comunicação verdadeiras entre sujeitos”.

(idem p.42). Sua técnica permite, sobretudo, reivindicar o espaço do teatro

como conteúdo relevante em si na formação do educando. Este trabalho

9

pedagógico da metodologia de ensino do teatro possibilita que os alunos

experimentem o fazer teatral (quando estão a jogar), desenvolvam a

apreciação e a compreensão estética da linguagem cênica (quando

assistem e outros jogam) e contextualizem historicamente seus enunciados

estéticos, principalmente quando fazem a avaliação coletiva e sua auto

avaliação.

A técnica Spolin (dos jogos teatrais) tem sido pesquisada no Brasil

pelo grupo de pesquisadores em teatro educação da Universidade de São

Paulo sob liderança das professoras Koudela e Pupo (JAPIASSU. 2006, p. 42).

Japiassu (2006), apud Koudela, apresenta uma diferenciação entre

jogo teatral e jogo dramático dizendo que “é preciso lembrar que a palavra

teatro tem sua origem no vocabulário grego theatron, que significa `local

de onde se vê´ (platéia). Já a palavra drama, também oriunda da língua

grega, quer dizer `eu faço, eu luto´. No jogo teatral, o grupo de sujeitos que

joga pode se dividir em equipes que se alternam nas funções de

“jogadores” e de “observadores”, isto é, os sujeitos jogam deliberadamente

para outros que os observam. Na ontogênese, o jogo dramático (faz-de-

conta) antecede o jogo teatral. Essa passagem do jogo dramático ao jogo

teatral, ao longo do desenvolvimento cognitivo e cultural do sujeito, pode

ser explicada como “uma transição muito gradativa, que envolve o

problema de tornar manifesto o gesto espontâneo e depois levar a criança à

decodificação do seu significado, até que ela utilize conscientemente, para

estabelecer o processo de comunicação com a platéia” (p.25).

Japiassu (2006) segue dizendo que, diferentemente do jogo

dramático, o jogo teatral é intencional e especificamente dirigido para uma

platéia que assiste. Porém, tanto no jogo dramático como no jogo teatral, o

processo de representação dramática ou simbólica no qual se envolvem os

jogadores, desenvolve-se na ação improvisada e os papéis de cada jogador

não são estabelecidos a priori, mas emergem das interações que ocorrem

com os indivíduos envolvidos durante o jogo.

O autor afirma que a finalidade do jogo teatral na educação escolar é

o crescimento pessoal e o desenvolvimento cultural dos jogadores por meio

do domínio da comunicação e do uso interativo da linguagem teatral, numa

10

perspectiva de improvisação ou lúdica. O princípio do jogo teatral é o

mesmo da improvisação teatral, ou seja, a comunicação que surge da

espontaneidade das intenções entre sujeitos envolvidos na solução cênica

de um problema de atuação.

Japiassu (2006) fala também sobre Augusto Boal, que ao desenvolver

um projeto de alfabetização para o povo proletário no Peru, com o objetivo

de alfabetizar em todas as linguagens possíveis, especialmente artísticas,

como o teatro, a fotografia, o cinema etc, partiu desse pressuposto, para

afirmar que o teatro é concebido como linguagem capaz de ser utilizada por

qualquer pessoa, independentemente de ela ter ou não “talento” para o

palco ( p. 47).

O autor confere que devemos reconhecer que a poética estritamente

brasileira de Boal, mesmo com marcas de mestres consideráveis como

Brecht, Moreno, Viola Spolin, está sendo conhecida e estudada por

pesquisadores que investigam a dimensão pedagógica do teatro

internacionalmente. Sua pedagogia teatral tem inspirado experimentações

e investigações do uso do teatro na educação formal de crianças, jovens e

adultos por todo o país.

Sobre o jogo e sua forma imaginativa, Souza (2003) ao citar Vigotsky,

afirma que esta é uma atividade que desenvolve de maneira especial as

capacidades de pensamento abstrato, por levar a criança a conceber

imaginariamente ações e objetos que não estão imediatamente presentes

na sua percepção do real. O autor diz que o jogo dramático é a

representação de papéis, em que a criança pode pôr em evidência o tipo de

relações que estabelece com o mundo que a rodeia, pode jogar o papel do

outro, pode criar papéis imaginados de domínio simbólico. O

relacionamento do indivíduo com o mundo social efetua-se através do

desempenho de papéis. Todos temos um “papel” a representar em nossa

vida familiar, de trabalho, de relações sociais. A vida social exige que cada

pessoa se situe e seja situado na sua rede de interações e nos diferentes

espaços sociais em que convive. Considera-se este autor quando reforça o

valor do jogo dramático nas palavras:

...falar de expressão dramática é falar do eu e do eu partir para os outros... a nossa função é ir descobrindo e transformando. A

11

expressão dramática é um retirar de máscaras, é estabelecer o equilíbrio entre o mundo exterior e o mundo interior do homem, ou seja, é harmonizar a vida social e a essência do homem.... Permite aos jovens exercerem-se, falarem das suas angústias, frustrações, desejos. Não só através do corpo, da voz ou de improvisações. Os exercícios servem para se encontrarem a eles próprios. Encontrando-me comigo, encontro-me com os outros. A passagem do mundo interior para o mundo exterior, eis a função do jogo dramático (p. 20).

2.2 - Os Jogos Teatrais e Alunos com Necessidades Educacionais

Especiais

Nesta abordagem, que inclui o jogo de suma importância para o

desenvolvimento da pessoa, do educando, recorreu-se a Padilha (2007), que

dedicou um trabalho essencialmente focado numa jovem com necessidades

educacionais especiais e que ao abordar a constituição do sujeito simbólico

diz:

...para jogar é preciso seguir regras, compartilhar objetos, fazer das mãos um instrumento cultural dirigido a certos fins. Jogar é brincar, no sentido que Vigotsky afirmou ‘fator muito importante do desenvolvimento; permeia a atitude em relação à realidade’. [...] A essência do brinquedo [jogar é brincar] é a criação de uma nova revelação entre o campo do significado e o campo da percepção visual, ou seja, entre situações no pensamento e situações reais (p.129).

Padilha (2007) afirma que para os educandos com necessidades

especiais, o jogo é, evidentemente, uma rede de experiências de interpretar

e produzir significados que garantem uma participação efetiva na sua vida

social, nas suas relações do dia a dia. Neste mesmo pensamento a autora

segue Vigotsky que determina que a “formação da mente é social” (p.133);

ainda Bakhtin, de que “as formas de comunicação verbal estão

absolutamente entrelaçadas a outras formas de comunicação e se fazem,

num crescendo, no terreno comum da situação de produção e que graças a

esse vínculo concreto com a situação, a comunicação verbal é sempre

acompanhada por atos sociais de caráter não verbal entre os quais estão os

gestos, os rituais e os atos simbólicos” (idem, p.133). Enfim, o jogo tem

múltiplas possibilidades de organizar o pensamento no tempo e no espaço,

12

revelando problemas e as soluções que a cada aluno é permitido

compreender o mundo e fazer-se compreender.

Sobre atividades do jogo teatral para educandos com deficiências

numa perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento, Padilha (2007), ao

citar Vigotsky, diz que as funções psíquicas surgidas no processo de

interação com as pessoas de seu meio são as esferas que permitem

atenuação das conseqüências da deficiência e apresenta maiores chances

de influência educativa. Reforçando tal intenção, a autora continua sua

afirmação ao dizer que

O movimento de produzir significado supõe a ação do outro, acontece com o outro e então é possível produzir sentido com o gesto, o silêncio, a expressão facial, com a prosódia acompanhando a oralidade, e com a lembrança do passado incorporada ao presente. É possível fazer previsões de ação – organização do tempo e do espaço que estão postos na cultura. Pensar sobre si, para si e para o outro, dizer as coisas de um certo modo – é a linguagem organizando, comunicando, nomeando, regulando a ação e o pensamento. O lugar patológico é para Vigotsky um lugar importante para se pensar a relação entre linguagem e cognição, porque, segundo ele, seria impossível haver linguagem fora dos processos de interação entre os homens (p. 49).

Por conseguinte, a idéia da Oficina de Jogos Teatrais com alunos com

deficiência mental em conjunto com os alunos tidos “normais” do ensino

comum, foi pensada nas considerações de Padilha (2007), ao afirmar que as

relações acontecem no encontro do eu com os outros, o simbólico elabora

nossa história e lhe dá significado. A autora cita Vigotsky ao afirmar que o

significado nem sempre é igual ao pensamento expresso em palavras. Mas

não existe signo sem significado, nem significado sem relação dialógica, é

preciso sempre considerar o outro. E compreender o outro significa penetrar

nos motivos, na intenção que o interlocutor expressa.

Pode-se continuar destacando o significado do jogo, especificamente

para o aluno com deficiência mental seguindo Padilha (2007), quando diz

que o ato da criança/aluno jogar para brincar, competir, distrair-se, amplia

as possibilidades de estar com pessoas de sua idade que jogam. O jogo é

uma das esferas do simbólico, é uma das manifestações culturais. É muito

importante que o jogo esteja nos planejamentos de aulas dos professores

muito mais como material didático do que simplesmente como conteúdo de

entretenimento e lazer. A autora cita Fabiany (apud Padilha 2007) que

13

apresentou através de pesquisa o papel do jogo na educação especial para

deficientes mentais com as seguintes conclusões:

a)O jogo como modelador de atitude (para desenvolver hábitos de vida em grupo);b)O jogo como estratégia para o desenvolvimento motor (controle do corpo);c)O jogo como meio para o desenvolvimento cognitivo (explorar o potencial dos objetos);d)O jogo como meio de alfabetização (para ensinar matemática, para ensinar a leitura e escrita);e)O jogo para dominar a vontade:esperar a vez, se colocar no lugar do outro (p.128).

Se as condições de desenvolvimento não são as mesmas para todas

as crianças, sejam elas deficientes ou não, se o meio ambiente pode

favorecer, ou não, a criança, na construção de si mesma, de sua auto-

organização, os educadores devem considerar Vayer e Roncin quando

afirmam que

As condições de um desenvolvimento harmonioso são sempre, quer a criança seja deficiente quer não, vinculadas ao meio que fornece ao sujeito os sentimentos de segurança, de poder agir e de ser autônomo. A única diferença entre uns e outros é que a criança denominada normal consegue encontrar soluções para realizar seu Eu com mais facilidade, mesmo quando o contexto não lhe facilita as coisas, ao passo que para a criança denominada deficiente esse mesmo contexto, especialmente a qualidade do relacionamento com as pessoas, assume um valor vital (s/d, p.29).

Não há dúvidas que o desenvolvimento cultural do aluno com

deficiência mental não acontece de forma natural, em situações nas quais

ele possui domínio, mas nas situações subentendidas. A cidadania de que

podem exercer está no esforço de uma aprendizagem exercitada para a

prática social, no desempenho de diferentes papéis sociais. Saindo do

limites da sua deficiência para entrar num mundo feito de relações sociais.

Padilha (2007), afirma que é imprescindível o papel do outro para que

aconteça a plasticidade cerebral e, dessa forma aconteça simultaneamente

e articuladamente o desenvolvimento das significações, que por sua vez,

mobilizam funções cerebrais. A mesma autora sugere que deve-se ter o

olhar atentamente voltado para ver o sujeito como alguém que vai se

apropriando da cultura e não somente um sujeito que vai somando hábitos,

repetindo modelos. O educador especial deve conceber este ser simbólico

14

que é seu aluno e sempre se indagar: Jogar para quê? Brincar para quê?

Faz de conta para quê?

Portanto, o jogo teatral tem função destacável no desenvolvimento da

pessoa com deficiência. Padilha (2007) se refere a Vigotsky que afirma que

“a validade social é a finalidade da educação” (p.109). E para ele, o que é

cultural é social, os signos são sociais, as ferramentas são sociais, todas as

funções superiores desenvolvem-se de modo social, as significações são

sociais, a base da estrutura da personalidade é social. Portanto, a escola

precisa ser esta possibilidade de desenvolvimento social para que

efetivamente os alunos com deficiência vivenciem atividades que lhes

permitam a integração no sentido amplo da palavra, ou seja, participando

historicamente com apropriação dos elementos culturais.

Este pode ser o papel da escola e da disciplina de Arte: empenhar-se

com recursos diversos de cultura para o desenvolvimento pessoal e social

dos alunos com deficiência.

2.3 - A Experiência Vivenciada

As atividades desenvolvidas durante os encontros da oficina, foram

embasadas em quatro grupos e tiveram como referência e fonte de

pesquisa a professora de teatro, escritora e agitadora cultural, Olga

Reverbel (1989 e 2002). Os grupos de atividades foram os seguintes:

1. Atividades de Relacionamento;

2. Atividades de Espontaneidade;

3. Atividades de Imaginação;

4. Atividades de Observação e de Percepção.

2.3.1 Atividades de Relacionamento

A adaptação de cada aluno ao grupo com o qual irá conviver é de vital

importância. Foram previstos exercícios de apresentação pessoal, contatos

com os companheiros, aquecimento, descontração. Estas atividades

contemplaram a expressão gestual, verbal, corporal, ritmo, expressão

plástica, música.

15

Objetivo: Apresentação Pessoal, descontração, relacionar-se com o

grupo.

2.3.2 Atividades de Espontaneidade

Quando a pessoa se comporta espontaneamente e naturalmente ela

se auto-aceita, favorecendo suas capacidades expressivas. Foram previstos

exercícios de expressão gestual, improvisação planejada, improvisação

espontânea, expressão corporal, expressão gestual, expressão verbal.

Objetivo: Desenvolver a espontaneidade, criando cenas a partir de

locais imaginados e conferindo-lhes significados.

2.3.3 Atividades de Imaginação

A imaginação está diretamente ligada à observação, à percepção e à

memória como produto de uma ação do pensamento, sugeridas aqui como

atividades globais de expressão através de: criação de roteiro, jogral, texto

não dramático, charada, construção de personagens, poesia, prosa,

elementos plásticos.

Objetivo: Desenvolver a imaginação através da reprodução de postura

às sensações propostas.

2.3.4 Atividades de Observação e de Percepção

A observação é um ato dramático quando ele possibilita o jogo,

servindo de ponto de partida para a criação. A percepção por sua vez, está

diretamente ligada aos nossos sentidos. A necessidade de comunicação

desenvolve-se paralelamente com a organização da capacidade de

percepção. Percepção em relação a si mesmo e ao mundo que o rodeia.

Objetivo: Desenvolver a percepção através de atividades que exijam o

reconhecimento de detalhes, percepção e possibilidades corporais,

percepção espacial, seleção e criação.

A partir desses quatro grupos de atividades planejou-se os encontros

que aconteceram sempre com muita receptividade e calorosos

cumprimentos, e ao final de cada um, sentados em círculo, os alunos faziam

uma apreciação das atividades desenvolvidas durante a tarde. Dirigiam-se

algumas perguntas com o intuito de levar à reflexão sobre a atividade

16

desenvolvida no sentido de contextualizá-la. Depois, era reservado um

momento de relaxamento, deitados confortavelmente, ouvindo uma música

suave ou uma poesia. O objetivo do relaxamento era de fazer com que o

corpo voltasse à sua situação de funcionamento normal, à calma inicial.

Depois, seguia-se um lanche compartilhado, sempre muito prazeroso

quando se observava claramente entre os alunos, atitudes de “estar junto”

e de “auxiliar” quando se fazia necessário.

O relacionamento entre os alunos foi foco de observação de todo o

trabalho desenvolvido na Oficina de Jogos Teatrais. Nos primeiros encontros,

os alunos da Escola de Educação Especial foram analisados atentamente

pelos outros colegas, percebendo-se nas suas atitudes, a princípio, uma

forte manifestação de compaixão. Depois, com o passar dos dias, eles

foram se envolvendo pelos colegas da escola especial. Nas primeiras

atividades propostas em equipe, os alunos com deficiência mental foram

deixados de lado, talvez pela situação desconhecida, pelo diferente, que se

apresentava entre eles.

Devido a essa manifestação, propôs-se nos encontros subseqüentes,

a técnica de sorteio para formar os pequenos grupos. Desta forma, os

alunos com deficiência, fizeram parte dos grupos de forma natural e

também desempenharam as atividades propostas.

O esforço dos colegas da outra escola em tentar a integração do

colega da escola especial na atividade era visível. Faltava o “como fazer”.

As soluções não foram apresentadas pela professora. Entre eles mesmos foi

surgindo alternativas de envolver os colegas com deficiência do modo como

lhes era possível realizar.

A aluna cadeirante, por não ter movimentos com os membros

superiores e nenhuma comunicação oral, acabava ficando de lado em

muitas situações, como por exemplo, na confecção de máscara e do

fantoche com papel maché. Algumas colegas da escola comum se

prontificavam em ajudar esta aluna, mesmo que entre elas cobravam-se:

“sempre eu que ajudo, hoje ajude você”. O importante era perceber que

havia a preocupação: “quem irá ajudar?” Da mesma forma, havia uma

aluna com síndrome de Down que, com atitudes de teimosia, sempre

17

resistia às atividades. Então era abordada por uma colega da escola comum

que calmamente insistia para que ela fizesse sua participação. Por exemplo,

sentava-se ao seu lado e ficava repetindo inúmeras vezes uma frase

simples: “Oba! Que comida gostosa”, até que a aluna com síndrome de

Down pronunciasse a frase e participasse da atividade em que lhe cabia

dizer esta frase.

O prazer de estar junto deve ser a marca registrada deste trabalho. A

alegria expressada na aluna cadeirante com paralisia cerebral, que não

possui nenhuma forma de comunicação reconhecida, foi impressionante. Os

outros alunos com deficiência também demonstravam grande prazer por

estar junto com os alunos da outra escola, todos adolescentes, e

temporalmente na mesma faixa etária, partilhando dos mesmos elementos

culturais. Esta alegria que podia ser interpretada como euforia, como

excitação, chegava a impedir uma concentração maior por parte dos

mesmos no desempenho de alguma atividade.

Com o passar dos encontros, os alunos da escola especial foram

sendo capazes de mostrarem-se mais envolvidos com o personagem ou a

ação assumida no jogo. Os alunos da escola comum deixavam de serem

“visitas” para serem colegas. Esta atitude foi claramente percebida quando,

depois da oficina, sentavam ao redor de uma mesa para compartilhar um

lanche. Nestas horas, formavam-se grupos para conversas informais de

adolescente e os alunos da escola especial estavam naturalmente incluídos

nestes grupos, mesmo que só ouvindo as conversas, só olhando, ou estando

junto simplesmente num espaço em que “eles”, os com deficiência,

sentiam-se “senhores do pedaço”, afinal estavam na sua escola, e não na

escola dos “outros” colegas.

É importante destacar um aluno (com síndrome de Pierre Roban, com

déficit na fala e motor, com deficiência mental moderada e transtornos

específicos mistos do desenvolvimento, F 83), que foi manifestando,

encontro após encontro, uma relação pessoal sempre mais intensa com os

demais, observada através da sua alegria, dos sons que pronunciava que

passaram a ter uma intensidade maior. Este aluno chegava a intervir nas

atitudes dos colegas que se manifestavam em desacordo com o combinado

18

durante o jogo ou mesmo durante o momento do lanche. Vimos aqui, sua

significação social manifesta, a consciência de si e dos outros, no controle

da vontade, sua atenção nas práticas e atitudes sociais.

Ficou evidente a limitação dos alunos com deficiência, quando se

observava o desempenho em determinado jogo. Como no caso de um aluno

que caracterizado com alguma fantasia deveria fazer uma cena muda

(mímica) que representasse seu personagem vestido. Um aluno com

deficiência caracterizado de marinheiro andava em círculo sem significação

e lhe foi perguntado: “Quem você é?” E ele respondeu: “Um trem”. É óbvio

que seu significado cultural a respeito de marinheiro é ausente, embora sua

fantasia de marinheiro fosse muito bem caracterizada. Neste caso, coube

todo um trabalho de informação a respeito do que é ser um marinheiro e

um trem, através do diálogo, visualização de gravuras, conversação e

interpretação do grupo.

Outro exemplo, numa atividade de “jogo das profissões”, um aluno

com deficiência mental não conseguiu fazer nenhum gesto que identificasse

a profissão que lhe havia cabido: a de mecânico, pela ausência de

significado que esta atividade representava para ele. Incapacidade que não

se alude a limitações motoras, quadro que não lhe é conferido, mas sim, de

significado cognitivo.

Um aspecto importante a destacar é em relação à limitação e ao

déficit do reconhecimento do esquema corporal que os alunos deficientes

mentais possuem. Ficou manifesto a dificuldade de caracterizar as partes

do corpo humano quando foram feitos os bonecos de papel maché. Para

realizar esta atividade, a professora preparou um suporte para moldar a

cabeça e muitos foram auxiliados nesta tarefa. Porém, na hora de colorir,

cada aluno fez o seu boneco, a sua cara. Os alunos com deficiência não

foram capazes de destacar com tinta, usando uma cor diferente, ou com

uma forma diferente, para definir os olhos, a boca, e outras partes do rosto

do boneco.

Os alunos da escola de educação especial nunca faltaram, como

nunca faltaram os alunos do ensino comum, mesmo nos dias de muito frio e

chuva, já que a oficina aconteceu também durante o inverno. Os próprios

19

pais dos alunos com deficiência se manifestaram dizendo que sabiam

perfeitamente o dia que acontecia a oficina na escola. Nesse dia, na hora do

almoço, já começava a excitação para regressarem no período da tarde à

escola. Era visto o reflexo da oficina na rotina de vida desses alunos.

3. CONCLUSÃO

O trabalho realizado possibilitou que os alunos do ensino comum

participassem da escola especial, ao contrário do que se pratica

normalmente, ou seja, o aluno com necessidades educativas especiais sai

da escola especial para a inserção no ensino comum. Este exercício de

inclusão foi oportunizado para que, em primeiro lugar, aqueles alunos com

graves comprometimentos mentais que, atualmente, não estão no ensino

comum sejam envolvidos no processo; e em segundo lugar, para aqueles

alunos do ensino comum que depois de terem conhecido a escola especial

sentiram-se motivados em participar e integrar um ambiente que lhes foi,

até então, desconhecido: a escola de educação especial. Foi permitido a

esses alunos, interagir com colegas com comprometimentos intelectuais

mais acentuados da sua comunidade.

Propôs-se que o convívio, a troca de experiências, o acesso aos

conhecimentos de artes cênicas e a aprendizagem pela imitação do outro,

significassem em ganhos de desenvolvimento pessoal, cognitivo e,

principalmente, de interação e cooperação. Almejou-se, sobretudo, uma

nova visão de uma parcela da sociedade, mesmo que seja com os poucos

indivíduos envolvidos, pois o importante é que o processo se faça para uma

prática social transformadora.

Mudanças de atitudes, desenvolvimento pessoal e social foram

claramente percebidos nos alunos envolvidos nesta implementação, mesmo

sendo de curta duração, pois no total foram contados 14(catorze) encontros

realizados, nos quais os alunos do ensino comum e da escola de educação

especial, nunca faltaram. A presença persistente dos alunos foi sinal de

avaliação positiva na realização e intenção da oficina.

Socialização, cooperação, a preocupação e a responsabilidade

expressa de auxiliar o colega com deficiência pelo colega do ensino comum

20

na realização das atividades propostas foi também um aspecto significativo

observado durante a realização da oficina, e destacamos especialmente, os

esforços em que se imbuíam para encontrar soluções e efetivar, de algum

modo, a participação de todos, indiferentemente das limitações pessoais.

Vimos aqui, o potencial criador e de humanização entre os envolvidos.

Pode-se ainda avaliar o resultado da proposta de implementação

através do desejo expresso pelos alunos do ensino comum em querer

continuar vindo na escola especial uma vez por semana,

independentemente de a pesquisadora estar presente, para não perder o

vínculo com os novos amigos e com o ambiente da escola especial.

A possibilidade de inclusão através da disciplina de Arte pode se

fortalecer nas escolas públicas do estado do Paraná, se for levado em conta

que professores de Artes são mantidos/cedidos pela Secretaria do Estado de

Educação para atuarem nas escolas de educação especial desde que

mantenham convênio de amparo técnico e financeiro com o governo.

O projeto foi importante para os alunos com deficiência e para os que

não são deficientes, pela possibilidade proposta do conviver consigo e com

o outro, de aceitar-se como, de ser considerado pelo outro, de alteridade.

Ficou claro que a prática não discriminatória não se dá em função dos

espaços que as pessoas ocupam em comum, mas sim, em função da

capacidade que possuem de conviver de forma respeitosa e fraterna. As

pessoas agrupam-se mais pelas diferenças afetivas do que intelectuais. Os

sentimentos direcionam as ações sociais.

Espera-se que esses alunos que aceitaram o convite de estar na

escola especial, façam na escola comum, o diálogo, relatando a experiência

vivenciada dentro da escola especial.

O assunto a respeito da inclusão de alunos com deficiência, ou de

alunos com sérias necessidades educacionais especiais, nunca estará

fechado, pronto, definido. Pelo contrário, deve ser amplamente discutido,

em todos os municípios, em todas as escolas. Muitos caminhos devem ser

pensados, sugeridos, experimentados. Este foi apenas um pequeno

trespassar. O caminho é longo e fecundo. Muitas outras experiências devem

21

ser vivenciadas para fundamentar e efetivar a inclusão responsável de

alunos com necessidades educacionais especiais.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBOSA, Ana Mae. Arte educação no Brasil. São Paulo: Perspectiva,

2006.

BELL, B.; GAVENTA, J.; PETERS, J.(org.). O Caminho se faz caminhando -

Conversas sobre educação e mudança social. Paulo Freire e Myles Horton.

Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2003.

BOAL, Augusto. Jogos para atores e não atores. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2005.

BRASIL, Ministério da Cultura. Caderno de Textos do Programa Arte

Sem Barreira/Funarte, Ano 2 nº 3. Rio de Janeiro: Funarte, 2003.

FREIRE, Paulo. Ação Cultural para a Liberdade e outros escritos. Rio

de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

GASPARIN, João Luiz. Uma Didática para a Pedagogia histórico-Crítica.

Campinas, SP: Autores Associados, 2002.

JAPIASSU, Ricardo. Metodologia do Ensino do Teatro. Campinas, SP:

Papirus, 6ª Ed. 2006.

MACHADO, Maria Clara. Como Fazer Teatrinhos de Bonecos. Rio de

Janeiro: Agir, 1970.

NOSELLA, Paolo. A Escola de Gramsci.São Paulo: Cortez, 2004.

22

PADILHA, Anna Maria Lunardi. Práticas Pedagógicas na Educação

Especial: a capacidade de significar o mundo e a inserção cultural

do deficiente mental. Campinas, SP: Autores Associados, 2007.

PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação, Superintendência da Educação.

Diretrizes Curriculares de Artes e Artes para a Educação Básica.

Curitiba: SEED, 2006.

PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Superintendência da Educação.

Departamento de Educação Especial. Diretrizes Curriculares da

Educação Especial para a Construção de Currículos Inclusivos.

Curitiba: SEED, 2006.

READ, Herbert. A Educação pela Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

REVERBEL, Olga. Jogos Teatrais na Escola – Atividades Globais de

Expressão. São Paulo, Scipione, 1989.

________. Um caminho do teatro na escola. São Paulo: Spicione, 1989.

________. Oficina de Teatro. Ministério da Cultura, Secretaria do Livro e

Leitura. Porto Alegre: Kuarup 2002.

SAVIANI, Demerval. Pedagogia Histórico-Crítica. Campinas, SP: Autores

Associados, 2005.

SLADE, Peter. O jogo Dramático Infantil. São Paulo: Summus,1978.

Site: http://www.sinpro-rs.org.br/extra/nov98/perfil.htm,

SOUSA, Alberto B. Educação pela arte e arte na educação. Lisboa,

Portugal: Instituto Piaget, 2003.

23

VAYER, Pierre e RONCIN, Charles. Integração da Criança Deficiente na

Classe. São Paulo: Manole. Governo do Paraná, Biblioteca do Professor.

VIGOTSKI, Lev Semenovitch. Psicologia da arte. São Paulo: Martins Fontes,

2001.

24