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TEATRO E DANÇA: REPERTÓRIOS PARA A EDUCAÇÃO VOLUME 1 A HISTÓRIA DO TEATRO E DA DANÇA: LINHAS DO TEMPO

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TeaTro e Dança: reperTórios para a eDucação

VoLuMe 1

a HisTória Do TeaTro e Da Dança:

LinHas Do TeMpo

Governo do Estado de São Paulo

GovernadorJosé Serra

Vice-GovernadorAlberto Goldman

Secretário da EducaçãoPaulo Renato Souza

Secretário-AdjuntoGuilherme Bueno de Camargo

Chefe de GabineteFernando Padula

Fundação para o Desenvolvimento da Educação – FDE

PresidenteFábio Bonini Simões de Lima

Chefe de GabineteRichard Vainberg

Diretora de Projetos EspeciaisClaudia Rosenberg Aratangy

Avenida São Luís, 9901046-001 República São Paulo SPTelefone: (11) 3158-4000www.fde.sp.gov.br

Fundação para o Desenvolvimento da EducaçãoDiretoria de Projetos Especiais

São Paulo, 2010

TeaTro e Dança: reperTórios para a eDucaçãoVoLuMe 1

a HisTória Do TeaTro e Da Dança:

LinHas Do TeMpo

Governo do estado de são paulo

Catalogação na Fonte: Centro de Referência em Educação Mario Covas

São Paulo (Estado) Secretaria da Educação. Teatro e dança: repertórios para a educação / Secretaria da Educação, Fun-dação para o Desenvolvimento da Educação; organização, Devanil Tozzi, Mar-ta Marques Costa; Thiago Honório (colaborador). - São Paulo : FDE, 2010. 3 v. : il.

Conteúdo: v. 1. A história do teatro e da dança: linhas do tempo – v. 2. As linguagens do teatro e da dança e a sala de aula – v. 3. Teatro e educação: pers-pectivas. Parte integrante do Projeto Escola em Cena, que compõe o Programa Cul-tura é Currículo.

1. Teatro e Educação 2. Dança e Educação 3. Ensino Fundamental 4. En-sino Médio 5. Educação de Jovens e Adultos 6. Prática de Ensino I. Fundação para o Desenvolvimento da Educação. II. Tozzi, Devanil. III. Costa, Marta Marques. IV. Honório, Thiago. V. Título.

CDU: 37:792+793.3

S239t

Caros Professores,

Esta publicação é parte do projeto Escola em Cena, que compõe o programa Cultura é Currículo, uma das frentes de atuação da Secretaria da Edu-cação em direção à valorização e apoio ao trabalho da escola pública estadual. Em estreita sintonia com a Política Educacional do Estado de São Paulo, acorda com os parâmetros pedagógicos da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas – Cenp e com os conteúdos programáticos da atual Proposta Curricular do Estado de São Paulo.

O programa Cultura é Currículo tem como objetivo a aproximação da escola a equipamentos, bens e produções culturais, no propósito de fortalecer o ensino e estimular a aprendizagem, ampliando as possibilidades de tratamento dos conteúdos das disciplinas do currículo. No caso do projeto Escola em Cena, promove a participação dos alunos do Ensino Fundamental e Ensino Médio das classes regu-lares e dos cursos de Educação de Jovens e Adultos em espetáculos de teatro e dança, e oferece este material ao professor, com o qual pretende contribuir para o trabalho de interação e mediação dessa atividade cultural com o desenvolvimento curricular.

Esperamos assim auxiliar os docentes na consolidação de seu tra-balho, estimulando e subsidiando práticas de ensino que assegurem a aprendizagem dos alunos.

Paulo Renato SouzaSecretário da Educação

Iniciamos o projeto Escola em Cena em 2007, já dentro do progra-ma Cultura é Currículo. Os princípios e objetivos que nortearam este projeto foram os mesmo que orientaram o projeto Lugares de Aprender: democratização do acesso à cultura e articulação com o currículo.

Assim, ao mesmo tempo em que estabelecíamos parcerias com a Se-cretaria da Cultura e com grupos e companhias de teatro e de dança, produzíamos textos para apoiar o trabalho com essas artes cênicas nas escolas. Esses textos foram colocados no site da FDE no início de 2008, permitindo que todos os educadores pudessem utilizá-los.

Em 2009, o Escola em Cena foi ampliado significativamente. Cons-truímos novas parcerias e expandimos o atendimento aos alunos.

Agora, em 2010, o programa Cultura é Currículo completa três anos e o Escola em Cena ganha novos espaços, pois mantivemos os antigos parceiros e incluímos novos, de modo que o atendimento aos alunos será ainda mais expressivo. Com isso, consideramos que era chegada a hora de produzir um material impresso. Quisemos facilitar ainda mais o acesso de professores e professores coordenadores a textos que possam apoiar seu trabalho: eles terão em mãos três volumes da publicação para ler, reler, discutir e, principalmente, transformar em planejamento de ações de sala de aula – seja na preparação para assistir a um espetáculo, seja para montar uma produção cênica na escola ou, simplesmente, para saber mais sobre essa linguagem.

Como não poderia deixar de ser, tivemos especial atenção com os aspectos estéticos. Já que falamos de arte, buscamos apresentar um material que com-binasse forma e conteúdo, acrescentando novos elementos que não existiam na versão eletrônica.

Convidamos todos a ingressar nesse universo como atores principais e desfrutar dessas publicações antes, durante e depois que as cortinas se abrirem.

Fábio Bonini Simões de LimaPresidente da FDE

Claudia Rosenberg AratangyDiretora de Projetos Especiais da FDE

apresenTação

Prezados Professores

Este material integra o projeto Escola em Cena e pretende contri-buir para que a participação das escolas em espetáculos de teatro e dança ocorra de forma articulada e contextualizada nas atividades curriculares, seja no âmbito de estudo dessas linguagens na disciplina Arte, seja no das relações que podem ser esta-belecidas com os conteúdos de outras áreas e com temas transversais.

Ao associar currículo e cultura o projeto cria oportunidade para que o trabalho escolar expresse uma concepção de conhecimento como valor de conteúdo lúdico, de caráter ético e de fruição estética, conforme orientam os princípios da Pro-posta Curricular do Estado de São Paulo, de tal forma que a participação dos alunos nessa experiência sensível de apreciação artística seja complementada pela leitura estética, crítica e contextualizada do espetáculo, com a intervenção do professor.

É esse, então, o sentido desta publicação: reunir textos que tratam do Teatro e da Dança e da relação dessas artes com a Educação e que contribuam, por meio de reflexões, informações, análises e sugestões de procedimentos de trabalho, para que as atividades culturais constituam espaços para o estudo dessas linguagens e das relações que estabelecem com outros campos do conhecimento e com aspectos da realidade.

Teatro e Dança: Repertórios para a Educação foi organizada em três volumes.

O volume 1 – A história do teatro e da dança: linhas do tempo – contém dois textos que apresentam cronologicamente a história dessas artes, de suas origens à contemporaneidade:

“Processos e transversalidades do teatro no Ocidente”, de Alexan-•dre Mate“A história da dança”, de Rosana van Langendonck.•

O volume 2 – As linguagens do teatro e da dança e a sala de aula – é formado por três textos que analisam essas linguagens como forma de conhecimento e sugerem procedimentos para o professor articular os âmbitos da sensibilidade e da cognição no contexto da experiência de apreciação dos espetáculos:

“A ida ao teatro”, de Ingrid Dormien Koudela•“Ler a dança com todos os sentidos”, de Lenira Rengel•“Teatro, infância e escola”, de Gabriel Guimard•

O volume 3 – Teatro e educação: perspectivas – é constituído por três textos que analisam, com eixos confluentes, as relações entre teatro e educação:

“Quando teatro e educação ocupam o mesmo lugar no espaço”, de •Flávio Desgranges“Teatro: uma experiência criativa”, de Joaquim Gama•“Teatro e cidadania: a atualidade da arte cênica”, de Aimar Labaki•

Neste volume inicial, em “Processos e transversalidades do teatro no Ocidente”, há um denso e completo estudo sobre a história do teatro. Das origens gre-gas na antiguidade aos movimentos teatrais da idade contemporânea, o autor mapeia os gêneros, estruturas e estilos, demonstra o vínculo de suas origens e desenvolvimento com a produção cultural em outras artes e a situação social e política em cada momento histórico. Além disso, apresenta conceitos específicos dessa arte, as características dos gêneros e movimentos, seus pressupostos filosóficos, principais autores e obras, e ainda inclui excertos de algumas delas, representativas de um gênero ou movimento.

Em “A história da dança” a autora apresenta um panorama da dança em suas origens: dos rituais primitivos ligados à sobrevivência e às manifestações de caráter religioso e profano, sua presença em festas palacianas, a chegada aos palcos e o momento de sua autonomia como arte. Da criação do balé até as produções de dança contemporânea, discorre sobre os principais coreógrafos, bailarinos, obras, pesquisa-dores e teóricos, bem como sobre as concepções de escolas e movimentos da dança.

O estudo deste material servirá de estímulo e subsídio ao trabalho do professor, contribuindo para que sua participação e a de seus alunos nas atividades culturais proporcionadas pelo projeto seja uma oportuna situação para o ensino e aprendizagem de conteúdos curriculares e de desenvolvimento de competências para a leitura crítica do mundo.

suMÁrio

15 PROCESSOS E TRANSVERSALIDADES DO TEATRO NO OCIDENTE Alexandre Mate

123 HISTÓRIA DA DANÇA Rosana van Langendonck

a HisTória Do TeaTro e Da Dança:LinHas Do TeMpo

processos e TransVersaLiDaDes Do TeaTro no ociDenTe*

Alexandre Mate**

[ * ] Uma linha de tempo caracteriza-se em recurso didático e sua utilização pode dar início a inte-ressante processo de discussão. Apesar de o recurso apresentar certa tendência mais europeia e de certas formas hegemônicas, é possível fazer nelas várias inserções dos assuntos que estejam sendo desenvolvidos. Muitos dos nomes e expressões aqui apresentados não são aprofundados ou “tra-duzidos” pelo fato de ser bastante tranquilo sua pesquisa na internet. Fundamental, em havendo possibilidade, contrapor este texto ao: Um olhar sobre a história e o fazer teatral., do mesmo autor e publicado na revista Ideias 31: Educação com arte.(org.) Devanil Tozzi, Marta Marques Costa e Thiago Honório. São Paulo: FDE, Diretoria de Projetos Especiais, 2004, p.75-101.

[ ** ] Alexandre Mate. Doutor em História Social pela USP, é pesquisador teatral e professor do Ins-tituto de Artes da Unesp.

__ 1. Grécia Produção teatral

patrocinada pelo Estado e produção Popular.

__ 2. Roma Produção teatral

patrocinada pelo Estado e produção Popular.

__ 3. Teatro Medieval Produção

apresentada na rua, dentro das igrejas, nos feudos.

Idade Antiga

476

Idade Média

OBS.: Com a linha de tempo, e sempre que possível, é preciso apresentar mapas histórico-geográficos para localizar as civilizações, regiões em que a produção es-tudada tenha sido desenvolvida. Importante, também, apresentar imagens das produções ou de outras linguagens artísticas.

__ 4. Renascimento português,

espanhol, inglês, italiano

commedia dell’arte

__ 5. Neoclacissismo

__ 6. Barroco

__ 7. Romantismo

__ 8. Realismo

__ 9. Naturalismo

__ 10. Simbolismo

__ 11. Vanguardas europeias Futurismo Expressionismo Cubo-futurismo Dadaísmo Surrealismo

__ 12. Teatro épico

__ 13. Teatro do Absurdo

1453

Idade Moderna

1789

Idade Contemporânea

__ Ocupação do arqui-pélago1 por povos chamados de Aqueus. Início da construção de grandes edificações: su-premacia de Micenas2: período micênico, que irradia pela Grécia seus modos de vida. Tirinto e Pilos lutam entre si. Criação dos génos, com divisão equitativa dos bens, produção cole-tiva; união de tribos: origem de organização social: fratrias. Criação da ágora como centro das cidades-estado gre-gas (XVI a 1150 a.C.).

__ Atividade comercial, mudanças sociais sig-nificativas: organização da pólis. Sistematização dos ritos em home-nagem aos deuses. Desenvolvimento de atividades comerciais. Homero narra o

período nas epopeias: Ilíada e Odisseia.3 Decorrente, princi-palmente, da falta de alimentos. No século VII a.C., ocorre a segunda diáspora.

__ Festivais de teatro - Período de Psístrato

(governante): apresen-tação de tetralogias, em 538 a.C., compre-endendo três tragédias e um drama satírico.

[ 1 ] Arquipélago composto por aproximadamente 220 ilhas, sendo boa parte delas habitada. [ 2 ] Micenas – sociedade forte e hierarquizada em torno da família real e da aristocracia. Povo, es-timulado à prática da pilhagem, dedicou-se ao comércio. Raio de ação: Troia, Sicília, península itálica e Oriente.[ 3 ] Narrativas escritas por Homero. Uma das bases para o surgimento do teatro. Ilíada – narrativa da guerra que os gregos empreenderam contra Ílion; Odisseia – narra as aventuras vividas por um herói grego da guerra de Troia, Ulisses, rei de Ítaca.

Idade Antiga ou Antiguidade

XVI a.C.

XX a.C.

1150 a.C. VIII a.C.

Início do processo de colonização

__ Desenvolvimento dos rituais em homenagem aos deuses, principal-mente os de Fertilida-dade, em homenagem a Dionísos: deus do te-atro. Século de Péricles (440-404 a.C.). Rituais, literatura e democracia confluem para a criação do teatro. Período cha-mado de auge das tra-gédias: obras de Ésqui-lo, Sófocles e Eurípedes. Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.).

__ Auge das comédias: obras de Aristófanes e

Menandro. Processo de decadência: macedôni-cos dominam a Grécia. Aristóteles escreve a Poética.4

__ Romanos invadem e dominam a Grécia.

[ 4 ] Primeiro tratado estético teatral comparando a epopeia e a tragédia.

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V a.C. IV a.C. II a.C.

Queda do Império Romano no Ocidente

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aLGuns conceiTos iMporTanTes

Em um mapa, mostrar a extensão da Hélade grega, suas ilhas prin-cipais e os processos de ocupação ocorridos durante o período. Mostrar algumas gra-vuras de templos, estátuas, ler uma ou duas fábulas gregas. Thomas Bulfinch, em O livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis (Rio de Janeiro: Ediouro, 2003), apresenta mais de quarenta delas. Como o assunto aqui priorizado é teatro, comentar acerca de alguns mitos que se transformaram em personagens de textos gregos, como, por exemplo, Medeia, Antígone e Édipo.

Com relação ao teatro grego, é importante saber:

Origem – Rituais em homenagem aos deuses e, principalmente, a Dionísio (deus da fertilidade, do vinho e do teatro).

Dos rituais surgem as tragédias, as comédias e os dramas satíricos. Este último gênero mistura aspectos trágicos e cômicos, mas as estruturas das três formas eram basicamente semelhantes.

Grandes tragediógrafos, com obras inteiras: Ésquilo (524-456 a.C.), Sófocles (496-406 a.C.) e Eurípedes (480-406 a.C.). Grandes comediógrafos, com obras inteiras: Aristófanes (445-386 a.C.) e Menandro (342-292 a.C.).

Tragédia: da palavra grega tragoidía, formada por tragoi (bode) + odés (ode – canto) = canto do bode, momento em que o bode cantava. O bode consta da palavra por conta de o animal ser sacrificado em rituais que homenageavam os deuses gregos.

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Comédia: da palavra grega komoidía, formada por komoi (rural, do campo, e também perambulação) + odés = canto rural, canto perambulante.

Obs.:Ambos os gêneros derivam de rituais, sendo que o primeiro desenvol-

via-se na cidade e o segundo, em áreas rurais, onde se encontravam os pés de uva. Do fruto das videiras resultava o vinho em homenagem a Dionísio, para os gregos, e Bacco, para os romanos. Segundo a documentação, esses rituais eram chamados de falofóricos (da palavra grega phallos = pênis) por conta de homenagear o deus da fertilidade.

A palavra teatro também tem origem na Grécia e é escrita nessa lín-gua, theatron ou theastai. Trata-se, também, de uma palavra composta por thea (olhar com interesse) + tron (donde) = lugar de onde se vê. A palavra refere-se a plateia.

Mimo – Nome com o qual a produção popular grega foi conhecida. A designação mimo nomeava também os artistas improvisadores que se apresenta-vam nas praças e cujas obras parodiavam a produção erudita. Mesmo sem ter havido menção aos mimos nos documentos gregos da Antiguidade, a forma teatral foi reto-mada, gerando novos gêneros de comédia pelos artistas populares romanos.

Personagem – De modo mais esquemático, a palavra deriva do gre-go: persona (máscara) e agon (que debate, que “fala” por si, que se apresenta). Então, sendo uma máscara, não é uma pessoa, mas alguém que se coloca no lugar da pessoa como se fora ela. Nas formas da tragédia, da comédia e do drama satírico, havia o coro, que era uma personagem coletiva que representava o Estado (o número de homens variava, dependendo do gênero). Bom lembrar que no teatro erudito, diferentemente do popular, os atores eram sempre homens.

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Peripécia – Conjunto de ações que a personagem realiza no trans-correr da peça. No caso específico das tragédias da Antiguidade clássica grega, esse conjunto de ações levaria a personagem da felicidade à infelicidade. Atualmente, o conceito é usado como um andamento sequencial dos diferentes passos compreendi-dos pelo texto ou da personagem.

Catarse (kátharsis) – Um dos objetivos da tragédia. Vem de palavra grega ligada à área da medicina katharos (semelhante a catarro) e significa purgação. Ao identificar-se com a personagem, o espectador purga (melhora, purifica, expul-sa) seus sentimentos ruins. Atualmente, designa-se esse sentimento como empatia ou identificação.

Logos e pathos – Conceitos que, de modo mais genérico, significam, respectivamente, razão e emoção. De modo semelhante ao que acontece na vida, as personagens também se deixavam levar ora por um sentimento ora por outro.

Hypokrités – Hoje significa ator (aquele que finge ser o que não é, mas que age como se fosse). O autor, ator e diretor italiano Dario Fo, no Manual mínimo do ator (2. ed., São Paulo: Senac-SP, 1999, p. 267), afirma: “Sólon, ao ouvir no teatro de Atenas um ator, talvez Tespi – um ator capaz de imitar com extraordinária habilidade as vozes femininas e masculinas, de adulto e criança –, levantou-se indig-nado e gritou: ‘Basta! Ele não é um ator (hythopos), mas um hypokrités embrulhão!’ Estranhamente, os dois termos reemergiram no teatro dell ’arte para indicar um papel e uma máscara respectivamente. Devemos lembrar que hythopios significa ‘aquele que possui capacidade de mudar a moral dos humanos’.”

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Mimeses – Afirma-se, normalmente, que o conceito de mimese corresponde a cópia. Entretanto, é importante lembrar que o conceito pressupõe um duplo olhar, por intermédio do qual podem ser estabelecidas as seguintes e in-teressantes contraposições. Com Platão, o conceito aparece engravidado por certa conotação pejorativa. Para o filósofo, considerado o mundo das ideias, a mimese é concebida como cópia, sombra, escravização do homem ao mundo das aparências. Trata-se, nessa perspectiva, de procedimento (imitação) indigno dos deuses. Então, em um mundo perfeito, ideal, nada precisa ser imitado, portanto, Platão expulsa o poeta desse mundo ideal. Em oposição, Aristóteles desenvolve uma conotação posi-tiva do conceito, segundo a qual o poeta não copia apenas, mas recria o movimento interno das coisas (essência) que se dirigem à perfeição. Para o poeta, a realidade era concebida como um devir.

Mito – Segundo Marilena Chauí em Convite à filosofia (3. ed., São Paulo: Ática, 1995), a filosofia grega tem dívidas com a sabedoria dos orientais. Via-gens dos gregos os colocaram em contato com as especulações dos egípcios, persas, assírios, caldeus, babilônicos. Hesíodo e Homero encontraram “tudo” (mitos e religi-ões) pronto. Os dois historiadores retiraram aspectos apavorantes e monstruosidades das culturas orientais, micênica e minóica, humanizando-as. Mito é um conceito fun-damental para a cultura, vem do grego mythos e significa narrativa sobre a origem de alguma coisa – genealogia de astros, animais, fogo, água, bem, mal, etc., e cuja etimo-logia tem a acepção de: designar, conversar, contar, nomear; falar algo para alguém.

Assim, mito é um discurso pronunciado ou proferido para ouvintes que recebem como verdadeira a narrativa, posto haver confiança em quem a apresenta (ou narra). Fundamento: o narrador age como testemunha ou como alguém que teve acesso a algo vivido por quem testemunhou aquilo que está sendo narrado. No perío-do clássico, o mito era narrado pelo rapsodo (rhapsodós), espécie de cantor ambulante

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de rapsódias (cada uma das partes do livro de Homero; trecho de uma composição poética; entre os gregos, fragmentos dos poemas épicos). Segundo a tradição, pensava-se que o rapsodo era escolhido pelos deuses (daí a confiança), que lhe mostravam os acontecimentos passados, permitindo-lhe ver a origem de todos os seres e das coisas. Exemplos de mito: o do fogo usado pelos homens é o mito de Prometeu (uma cente-lha do fogo aos humanos), que foi condenado à danação eterna. O mito de Pandora (criada por Marte a pedido de Zeus), para encantar, comover e atormentar a alma do homem. Mitos sobre a origem do mundo são genealogias ou cosmogonias/teogonias. Cosmogonia vem da união de cosmo, que significa mundo ordenado e organizado (em oposição a caos e teo, de theos – coisas divinas, seres divinos, deuses) + gonia, que quer dizer geração, nascimento a partir da concepção sexual e do parto (é derivada de duas palavras gregas: o verbo gennao – engendrar, gerar, fazer nascer e crescer – e o substantivo génos – nascimento, gênese, descendência, gênero, espécie.

Máscaras – Feitas de couro, pano modelado ou madeira. Os trajes eram desenhados e feitos de modo que o espectador pudesse identificar as perso-nagens assim que aparecessem. Na evolução da forma, as peças foram escritas de modo a que o ator pudesse fazer dois papéis (um feminino e outro masculino), o que demandava virtuosismo. Segundo a documentação, era considerado impróprio o ator entrar sem máscara no espaço de representação. Se ocorresse qualquer problema com a máscara, o ator deveria pintar o rosto para não ser identificado e confundido com as personagens que apresentava (sobretudo quando deuses). Há excelentes livros sobre o assunto, mas um dos melhores chama-se A máscara de Apolo, de Mary Renault, pu-blicado pela Nova Fronteira (1983). A autora, partindo de documentação, romanceia suas obras.

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Espaço teatral, chamado de semiarena

paraskénia (aquilo que hoje se chama coxia, bastidor)

skéne (aquilo que hoje se chama palco)

paradós (corredor para entrada e saída do coro)

theastai / theatron(plateia)

orkestai (grande área para apresentação

das falas e evolução coreográfica do coro)

proskénion (aquilo que hoje se chama boca de cena)

episkénion (parede construída com três entradas separando o palco da coxia)

__ Fundação de Roma Fundação de Roma,

domínio etrusco, pro-clamação da República.

__ Transformações sociais: a plebe ganha alguns direitos.

__ Imperialismo: os roma-nos dominam grande parte do mundo; corrupção, transforma-ções do exército, misé-ria, aparecimento de novos estratos sociais.

Idade Antiga

X a.C. 509 a.C.

__ Guerra civil entre ge-nerais (poder). Otávio torna-se o primeiro imperador.

__ Apogeu do Império.

__ Divisão do Império, ruralização progressiva, crise do poder imperial, crise militar, período de decadência.

27 a.C. II 395 476

__ Queda do Império Romano no Ocidente

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O teatro grego, patrocinado pelo Estado, abrigou exclusivamente certa produção relacionada principalmente aos seus próprios interesses. O Estado grego promoveu e patrocinou tragédias, comédias e dramas satíricos, que são formas teatrais eruditas. De modo contrário, não patrocinou e nem sequer mencionou na documentação histórica a produção teatral popular. O Estado romano, preocupado com as guerras de conquista de novos territórios, pouco interferiu na questão cultural. Por conta disso, e pelo fato de a cultura ter ficado em plano secundário, houve um surpreendente florescimento das formas populares de cultura.

Durante o longo período histórico que compreendeu a dominação dos romanos, além das comédias eruditas escritas por Plauto (Titus Maccius Plautus, 290-184 a.C.) e Terêncio (Publius Terontius Afer, 185-159 a.C.), foram desenvolvi-dos os seguintes gêneros de comédia popular:

fescenino: nome originário da palavra latina fescenium = amuleto, normalmente fazendo referência ao falo (pênis); ou de Fescennia, cidade etrusca. Esse gênero cômico teria sido trazido a Roma pelos chamados histeri: de onde teria resul-tado o nome histrião. Caracterizavam esse gênero as obras organizadas a partir de: improvisação, canto, dança, recitação e muitas obscenidades;

satura: nome derivado do verbo latino saturare = fartar, encher ou de laux ou lanx satura, que era uma espécie de prato composto por vários ingredientes: uvas passas, caldo de cevada e pinhões, embebidos em vinho e mel. Trata-se de um gênero organizado a partir de improvisação: falada, cantada, dançada; música, recita-ção, bufonarias (espécie de palhaçada). Era um espetáculo misto, que “tinha de tudo um pouco”;

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atelana: nome derivado de Atellana, região do sul da Itália – Sicília ou da região de Nápolis. Trata-se de peça curta, farsesca e que, originalmente, satiri-zava tipos e costumes da sociedade de modo bastante apimentado. Composta a partir de improvisação, tipos fixos, dança e música paródica. Passando por transformações, o gênero substitui a improvisação por roteiros (chamados, no singular, em italiano de canovaccio) e textos escritos. Os tipos fixos ou máscaras mais conhecidos foram: Maccus ou Stupidus; Bucco ou Baccus; Pappus; Dossenus; Baudus;

pantomima e mímica: palavras derivadas do grego pantómimos e do latim pantomimu. Organizados a partir da sátira, os gêneros são derivados das atela-nas. Substituíram o texto falado – que ainda aparecia no início de sua constituição – pelo gestual, e organizavam-se a partir de quiproquós (confusão cômica) e bufonarias. Desse modo, e tendo em vista o constante processo de andança dos artistas populares, a linguagem gestual (por seu caráter universal) permitia a qualquer indivíduo enten-der a obra apresentada.

Importante destacar que, antes de os gêneros acima mencionados serem desenvolvidos, houve, de acordo com a documentação disponível, um significa-tivo processo de cópia das obras gregas pelos artistas romanos. Chama-se a esse fenô-meno de transplantação, que implica em tirar alguma coisa de um lugar e colocá-la em outro. Assim como quando se transplanta uma árvore de um lugar para o outro e ela não “vinga”, a cultura exterior pode “matar” aquela dita autóctone. Raras vezes essa mudança em cultura é uma coisa boa: a cópia normalmente tende a debilitar a capacidade imaginativa, a consciência histórica, a percepção e assimilação de certos valores característicos, e outros.

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Dessa forma, depois de algumas experimentações com a junção de fragmentos de textos de autores gregos, algumas vezes misturados a outros fragmen-tos de autores romanos (chamado de contaminaccio), a produção teatral erudita não se desenvolve. O senador Sêneca, que escreveu obras para serem lidas e não montadas, é considerado o maior tragediógrafo romano (e único com obras na íntegra). Reto-mando os mesmos mitos (Grécia e Roma eram sociedades politeístas), as obras de Sêneca, além de seu valor, serviram de modelo principalmente aos autores ingleses do teatro elisabetano.

Ao abrir mão de interferir na produção teatral, o Estado romano investiu na construção das arenas para grandes espetáculos públicos. Dessa ideia sur-gem as lutas entre gladiadores, as batalhas navais, as corridas de quadrigas, as perse-guições de animais aos opositores do regime... Enfim, desse tipo de espetáculo surgiu e expressão panes et circenses (pão e circo).

__ Queda do Império Romano do Ocidente

__ Gandes Cruzadas – ori-ginadas pela chamada “cavalaria galante”, foram exércitos forma-dos por “mercenários”, mantidos pela Igreja e por senhores feudais com o objetivo de to-mar dos muçulmanos, invariavelmente por intermédio de saques, os lugares santos do cristianismo.

__ Queda do Império Romano do Oriente (conquista de Constantinopla)5

476 XI 1453

Idade Média

Alta Idade Média – forma-ção e apogeu do feuda-lismo. Conhecido como Período das Trevas

Baixa Idade Média – deca-dência do feudalismo. Conhe-cido como Período das Luzes (florescimento da arte)

[ 5 ] A divisão do Império deu-se a partir do século IV com a morte do imperador Teodósio. O Império do Oriente foi conhecido como Império Bizantino (cuja capital era a antiga cidade grega chamada Bi-zâncio), compreendendo os territórios da península Balcânica, Síria, Egito, Ásia Menor, Líbia e Palestina; posteriormente, em homenagem ao imperador Constantino, recebeu o nome de Constantinopla.

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Do século V ao XI não há documentação acerca da produção teatral desenvolvida no período. Sabe-se que a atividade teatral existiu, entretanto, pelas con-denações aos artistas indicadas nos documentos escritos pelos concílios de bispos.

Durante a chamada Alta Idade Média, a atividade teatral foi abso-lutamente condenada e perseguida. Dois dos mais importantes motivos de um pro-cesso de perseguição sem tréguas devem-se ao fato de o teatro romano ter se desen-volvido dentro de irreverente e debochada perspectiva popular. Além disso, o teatro popular costumava ser extremamente alegre (numa ordem que pregava a contrição e a culpa) e, o pior de tudo para os religiosos, tanto os assuntos como as personagens do teatro popular eram fundamentados no chamado baixo ventre (temas fazendo alusão aos prazeres sexuais). Outro motivo para perseguição dos artistas populares (também conhecidos por saltimbancos) era o fato de suas obras terem como alicerce e tradição uma mentalidade politeísta (muitos deuses), característica das culturas grega e romana da Antiguidade. Com o domínio da igreja católica e a imposição de um novo deus, onisciente, onipotente e onipresente, os traços do passado precisa-riam ser eliminados.

Gêneros teatrais arquetípicos: o teatro, apesar das perseguições dos religiosos, jamais deixou de ser praticado em alguns feudos ou mesmo nas ruas. O tea-tro vai ser inserido no culto da missa, a partir do século XI, e, com o objetivo de louvar os ensinamentos de Deus e o respeito incondicional aos representantes da igreja, são criados alguns gêneros pelos religiosos. Entre eles, o mais conhecido, e que é utilizado até hoje, chama-se auto. Esse gênero foi bastante desenvolvido pelo pernambucano (nascido na Paraíba) Ariano Suassuna e pelo paulistano Luís Alberto de Abreu, que têm produções muito significativas e conhecidas. A obra de Suassuna está publicada em livros e mais informações sobre Luís Alberto de Abreu podem ser conseguidas em www.fraternal.com.br. Em oposição aos autos, o gênero mais popular e também

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bastante conhecido até hoje chama-se farsa. Ao longo do processo histórico, o auto e a farsa se mesclaram e, sobretudo nas formas mais populares, certa religiosidade do auto é absolutamente harmonizada ao caráter mais cômico e libertador da farsa.

Bobos da corte: derivados de uma tradição popular, desde a Anti-guidade clássica, em muitos feudos os senhores eram alegrados pelos menestréis ou trovadores, genericamente chamados de bobos da corte.

Durante toda a Idade Média, principalmente na Alta Idade Média, a sociedade medieval foi estamental (estruturada em estratos sociais), sem qualquer mobilidade ou possibilidade de mudança de estamento. Tratava-se de uma sociedade rígida, como se observa no desenho abaixo, que ilustra uma inflexível hierarquia entre os três diferentes segmentos.

Obs.:Durante o Renascimento, essa relação muda: no topo da pirâmide

ficam o rei e os nobres, abaixo destes, Deus e seus representantes na terra, e, “susten-tando” os anteriores, encontram-se o povo e a burguesia em formação.

Deus e seus representantes na terra (orar)

Senhores feudais e familiares (mandar)

Servos (trabalhar e obedecer)

37

O conceito de palco simultâneo ou cenas paralelas foi o nome gené-rico dado ao espaço teatral desenvolvido durante a Idade Média. As primeiras inserções teatrais começaram no altar-mor e deslocaram-se até a praça principal. Os palcos para-lelos consistiam na criação de três grandes palcos colocados na praça, representando o céu, a terra ou o paraíso e o inferno. Na França, com a grandiosidade do gênero, foram construídos (por várias confrarias que disputavam entre si a apresentação do melhor espetáculo), ao longo de uma praça (preferencialmente aquelas em frente às catedrais), diversos cenários (um ao lado do outro), chamados de mansions (espécies de platafor-mas e barracas – cada uma destinada a ambientar um determinado episódio diferente), sendo que nos extremos desses cenários ficavam o paraíso e o inferno. Em tese, tais apresentações caracterizavam uma fase já semilitúrgica, quando as antigas narrativas sacras encontravam-se, de certo modo, já saturadas de elementos profanos.

Da praça, depois de “andar” pela igreja, o gênero apresentou desem-penhos de processionalidade (de procissão) pela aldeia, vila ou cidade. Atualmente, muitos grupos de teatro adotam a processionalidade, principalmente aqueles que tra-balham com experimentações ditas de vanguarda. O teatro Oficina, por exemplo, “ex-plode” seus espaços internos: há cenas apresentadas em todos os lugares do teatro. O grupo paulistano Teatro da Vertigem, também é conhecido pela utilização de espaços inusitados: igreja, presídio, hospital abandonado, rio Tietê. Enfim, no teatro proces-sional o espectador desloca-se pelos diversos espaços de representação e é como se pudesse escolher o que ver.

Obs.:Jean Fouquet retratou em uma pintura o Martírio de Santa Apolônia

(aproximadamente 1450), cuja ação se passava em 249 na Alexandria, onde a santa foi queimada viva depois de ter sido torturada. Em alguns materiais consultados encontra-se o complexo e sofisticado esquema cênico:

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público nobre

público

fenda

inferno

músicos

céu

público

linha imaginária

espaço central para torturae sacrifício da santa

maisons e área de público

__ (08/06) Portugal – Gil Vicente declama a

Dª Maria I (rainha de Portugal), no sentido de homenageá-la: O auto da visitação ou Monólogo do vaqueiro.

__ Itália, como berço da cultura humanista (stu-dia humanitatus – estu-dos humanistas), cria as primeiras universidades laicas (derivado de lei-go, não eclesiástico). Em teatro, tomando a co-média como exemplo, desenvolvem-se duas tendências: a comédia escrita, chamada regu-lar (regolare), e a impro-visada (all’improviso) – conhecida pelo nome de commedia dell’arte.

__ Renascimento, cujo berço é a Itália do sécu-lo XIII. Insere-se teatral-mente no movimento na década de 1510 pela publicação de A man-drágora, de Maquiavel, e o registro em cartório de uma companhia de comediantes, a comme-dia dell’arte.

Idade Moderna

1502

1453

década de 1510

Queda do Império Romano no Oriente

__ Inglaterra – Elisabeth I é coroada

rainha (decorrente da Guerra das Duas Rosas – York e Lancaster) e, pelo incentivo da sobe-rana ao teatro, cria-se o chamado teatro elisabe-tano (1558 a 1642 – pu-ritanos no Parlamento).

__ Espanha – Com a publicação da

primeira parte de D. Quixote de La Mancha,

de Miguel de Cervantes (1608) e até a morte de Calderón de La Barca (1681), desenvolveu-se o chamado Siglo de Oro (Século de Ouro Espa-nhol). Produção rica e híbrida, mesclou em um só os estilos ibérico (religioso e caracterís-tico das manifestações católicas) e mudejar (característico da cultura árabe), resultando em rica e importante pro-dução, e não apenas em teatro.

__ Luís XIII nomeia o cardeal Richelieu (1585-1642) como primeiro-ministro de Estado. O ministro organiza o Estado francês e, do mesmo modo, a produ-ção cultural francesa. Período pré-clássico – de 1630 a 1650: obras de Alexander Hardy (1570-1632).

1789

1558 1608 1624

Revolução Francesa

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reVoLução Francesa

O Renascimento foi um movimento artístico científico que se ins-pirou nos padrões e modelo de beleza da Antiguidade clássica greco-romana, mas voltou seus olhos e mentalidade para o desenvolvimento científico. Essa ruptura com a tradição medieval é muito significativa. Basta imaginar o seguinte: se o corpo hu-mano era concebido como a “morada do Senhor”, entre tantas outras evidências e experimentações, no período, o corpo foi devassado para o aprendizado da anatomia, por exemplo. De modo mais genérico, Renascimento significa reabilitação da razão, da capacidade de pensar por si (autonomia),enfatizando a potência do indivíduo.

Causas da decadência do feudalismo: a Guerra dos Cem Anos, en-tre Inglaterra e França (1346-1450), a peste negra e as revoltas populares, decorrentes principalmente da fome.

Características do Renascimento: repúdio aos valores medievais; criação da filosofia escolástica; busca e construção do humanismo; incentivo ao he-donismo (viver como fonte de prazer e não de sofrimento); crença no naturalismo (natureza como fonte do conhecimento, em oposição à crença anterior fundamen-tada na Bíblia como fonte de toda a verdade); defesa do nominalismo (doutrina que vislumbra uma apologia ao indivíduo universal e abstrato).

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Espaços de representação característicos do Renascimento:

Itália – cria o espaço que até hoje é hegemônico, chamado palco à italiana ou palco italiano.

- relação basicamente frontal. Espaço também com balcão, frisa e foyeur (espaços verticais). Nos cenários são recuperados os estudos de perspectiva do arquiteto e engenheiro Vitrúvio (Marcos Vitrúvio Polião, que viveu no século I, em Roma, e que escreveu De architecture, livro em dez volumes).

Inglaterra – cria um teatro octogonal, chamado palco elisabetano.

- espaço também com três galerias verticais

Portugal – fora os espetáculos de rua, o teatro erudito era apresenta-do em palácios. A área em frente à fachada do palácio é chamada de pátio.

Espanha – a febre pelo teatro durante o Siglo de Oro levou à rea-propriação de espaços destinados a outros fins. Antigos galpões foram chamados de corrales

área de representação

área de representação

fosso de orquestra

área do público

área do público

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Além desses espaços, transformados ou criados para representações, os artistas populares perambulavam com seus carroções de lugar em lugar. Em algu-mas fontes documentais esses carroções, que serviam como meio de transporte, casa e palco, são chamados de pageants (palavra proveniente do latim cujo significado é página, referindo-se, em teatro, a episódio). O filme de Ettore Scola, A viagem do capitão Tornado, apresenta um desses carroções.

Gêneros teatrais: na Itália, berço do Renascimento, foram desen-volvidos: a tragédia, a pastoral (fundamentada no drama satírico grego) e a comédia erudita. A produção da comédia popular explode com a criação da commedia dell ’arte (síntese das tradições cômico-populares desde a Antiguidade clássica). A commedia dell ’arte fundamenta-se, principalmente, na improvisação e é desenvolvida por inter-médio de um roteiro prévio (canovaccio, em italiano) com personagens fixas. Em tese, as personagens se dividem em três categorias: velhos (vecchi), namorados (innamora-ti) e criados (zanni). Os vecchi são: Pantaleão (Pantalone), viúvo, pai de um rapaz; e o doutor (dotore), viúvo, pai de uma moça. Os filhos dos dois formam o casal romântico. Os vecchi têm criados (conhecidos por zanni, provável corruptela de Gianni - algo próximo a Zé, de José): Arlequim (Arlecchino), Briguela (Brighella) e uma criada, que pode ter vários nomes, mas que é conhecida como servetta ou zerbinetta (peralta).

Obs.:Outras personagens aparecem conforme o gênero se desenvolve. Pro-

vavelmente, para parodiar Felipe II, aparece a figura de um capitão (capitano), bastante bravateiro, mas grande covarde no fundo, que disputa com os zanni o amor da criada.

Bom destacar que o roteiro ou canovaccio apresentava e desenvolvia a história sempre do ponto de vista dos zanni. As personagens cômicas, e sobretudo

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os zanni dominavam e conheciam o lazzo (ou os lazzi no plural), que eram tiradas/situações cômicas. Nos roteiros, as protagonistas apresentavam uma série deles (lazzo do cumprimento, por exemplo, ir com a mão estendida e desviar; colocar a cadeira para sentar e puxar para a pessoa cair ao chão...).

Em tese, a estrutura da commedia dell ’arte pode ser apresentada a partir do seguinte esquema:

Na Idade Média, os autores basicamente eram anônimos. Usavam de sua capacidade para escrever principalmente com o objetivo de louvar a Deus. Eram escritores, mas seus nomes não eram divulgados ou conhecidos. Há textos dramáticos tanto religiosos quanto populares muito significativos. Entre os textos populares, A farsa do mestre Pierre Pathelin, de autor anônimo, encontra-se entre as mais montadas do teatro. De modo diferenciado, tanto por poderem usar seus nomes (surgimento do conceito de indivíduo) como por suas obras, durante o Renascimento surgem textos absolutamente significativos. Entre esses textos e autores podem ser lembrados:

Doutor ----------------- ?

--- disputam o amor da criada (assim como Pantaleão e o filho) ---

? --------------- Pantaleão

filha ----------------------------------- filho

Arlequim ----------------------- criada ------------------------ Briguela

categoria dos vecchi

categoria dosinnamorati

categoria dos zanni

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Gil Vicente (1465?-1536?) e suas surpreendentes obras, entre farsas e autos. A farsa de Inês Pereira e Auto da Lusitânia, apesar do fervor religioso de Portugal, adotam um ponto de vista feminino. Importante ler essas obras e montá-las.

O fragmento abaixo, do Auto da Lusitânia, ilustra um deslumbrante momento da dramaturgia vicentina:

(Entra Todo-o-Mundo, homem rico, mercador, finge andar, como a bus-car algo perdido. Depois, entra um homem, vestido como pobre, chamado Ninguém).Ninguém Que andas tu i buscando?Todo-o-Mundo Mil cousas ando a buscar; delas não posso achar, porém ando perfiando, por quão bom é perfiar.Ninguém Como hás nome, cavaleiro?Todo-o-Mundo Eu hei nome Todo-Mundo, e meu tempo todo inteiro sempre é buscar dinheiro, e sempre nisto me fundo.Ninguém E eu hei nome Ninguém, e busco a consciência.Berzabu Esta é boa experiência (...) Que Ninguém busca consciência, e Todo-o-Mundo, dinheiro.Ninguém E agora que buscas lá?Todo-o-Mundo Busco honra muito grande.Ninguém Eu, virtude, que Deus mande que tope co’ela já.Berzabu Outra adição nos acude: Escreve logo i a fundo,

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que busca honra Todo-Mundo, e Ninguém busca virtude.Ninguém Buscas outros mor bem qu’esse?Todo-o-Mundo Busco mais quem me louvasse tudo quanto eu fizesse.Ninguém E eu quem me repreendesse em cada cousa que errasse.Berzabu Escreve mais. (...) Que quer em estremo grado Todo-o-Mundo ser louvado e Ninguém ser repreendido.Ninguém Buscas mais, amigo meu?Todo-o-Mundo Busco a vida e quem ma dê.Ninguém A vida não sei que é, a morte conheço eu.Berzabu Escreva lá outra sorte. Muito garrida: Todo-o-Mundo busca a vida e Ninguém conhece a morte.Todo-o-Mundo E mais queria o Paraíso, sem mo ninguém estrovar.Ninguém E eu ponho-me a pagar quanto deve pera isso.Berzabu Escreve com muito aviso. (...) Escreve que Todo-o-Mundo que Paraíso, e Ninguém paga o que deve.Todo-o-Mundo Folgo muito d’enganar, e mentir nasceu comigo.Ninguém Eu sempre verdade digo, sem nunca me desviar.Berzabu Ora escreve lá, compadre, não sejas tu preguiçoso. (...)Berzabu Que Todo-o-Mundo é mentiroso,

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e Ninguém diz a verdade.Ninguém Que mais buscas?Todo-o-Mundo Lisonjar.Ninguém Eu sou todo desengano.Berzabu Escreve, ande lá mano. (...) Põe aí mui declarado, não te fique no tinteiro: Todo-o-Mundo é lisonjeiro, e Ninguém, desenganado”.6

Nicolau Maquiavel (1469-1527), filósofo famoso por ter escrito O príncipe, escreveu algumas obras para o teatro. Entre as obras teatrais, A mandrágora (1518) é uma comédia surpreendente. Nessa obra, uma fidelíssima mulher é con-vencida, por uma série de circunstâncias, a trair o marido. Nesse processo de traição aparecem vários traços culturais do período, com uma crítica feroz às instituições.

A Inglaterra dos séculos XVI e XVII apresenta, por uma série de escritores, um conjunto deslumbrante de obras-primas, e entre esses autores podem ser citados: William Shakespeare (1564-1616), sempre louvado, com obras montadas em todo o mundo e pelas mais diversas tendências teatrais. Difícil destacar as melho-res dentre as 38 peças escritas, mas encontram-se entre as mais apreciadas: Romeu e Julieta, Hamlet, Macbeth, A megera domada.

Calderón de La Barca (1600-1681), com mais de duzentas obras escritas, mostra na belíssima A vida é sonho as incertezas de um príncipe, chama-

[ 6 ] Gil Vicente. Auto da Lusitânia, In: Obras-primas do teatro vicentino. 2. ed. São Paulo; Rio de Janei-ro: Difel, 1975, p. 316-318. Para trabalhar com o texto, é fundamental “traduzi-lo” e modernizá-lo.

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do Segismundo. Pela mãe ter morrido no parto e seus mapas astrais sugerirem um destino adverso, o pai, rei da Polônia, prende o filho por 18 anos em uma torre. Ao completar 18 anos, o pai tenta dar-lhe uma nova chance. Acorda no palácio, depois de tomar alguma coisa para dormir. Tem atitudes violentas que parecem justificar o destino estabelecido antes de nascer. Nova dose de remédio para dormir. Desperta na torre. Assim, por não saber se sonhou ou se viveu, ou se o que vive é sonho, afirma Segismundo:

O que é que vos espanta?Se o meu mestre foi o sonoe temendo em minha ânsiasestou, de acordar na torre?E mesmo que assim não seja,basta sonhá-lo de novo.Assim cheguei a saberQue a felicidade humanaPassa sempre como um sonhoe hoje quero aproveitá-la ainda que dure poucopedindo, de nossa faltas a todos os que me ouvem perdão, pois em peitos nobres o perdão é flor de ouro.7

[ 7 ] Pedro Calderón de La Barca. A vida é sonho. Tradução de Renata Pallottini. São Paulo: Scritta, 1992, p. 70.

Portugal

Inglaterra

Renascimento

período de guerras religiosas –

França

(...) desde o século XIII –

Itália

Espanha

Idade Moderna – Renascimento em:

15021453 1558 1562 a 1598 1608

Queda do Império Romano no Oriente

__ França – Luís XIII nomeia o

cardeal Richelieu como primeiro-ministro e este organiza o Estado e a produção artística: im-põe os padrões gregos da Antiguidade clássica, cria o neoclassicismo ou classicismo francês. No século XVII, na Fran-ça, o neoclassicismo e o barroco representam as tentativas do Estado francês de se impor es-teticamente ao mundo.

__ Publicação de Discurso sobre o método, de René de Descartes (1596-1650).

__ Publicação de Os sofrimentos do jovem Werther, de Goethe (1749-1832). Criação da primeira fase do movimento “Sturm und Drang” (Tempestade e Ímpeto) – início do romantismo alemão.

Itália, Portugal, Inglaterra e Espanha

Revolução Francesa

1624 1637 1774 1774

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Apontamentos sobre o neoclassicismo e o barroco

O neoclassicismo ou classicismo francês foi um movimento ar-tístico, imposto de certa forma pelo cardeal Richelieu. Retomando os padrões e regras da produção cultural erudita desenvolvida durante a Antiguidade clássica greco-romana, o cardeal Richelieu, com relação à produção teatral, adota a Poética, de Aristóteles, como modelo a ser seguido pelos autores teatrais, que passaram a escrever tragédias. Os franceses Pierre Corneille (1606-1684) e Jean Racine (1639-1699) destacaram-se como os dois maiores representantes do movimento neoclás-sico. “Correndo por fora” e escrevendo comédias, também eruditas, mas bastante influenciado pela commedia dell ’arte, distingue-se Jean-Baptiste Poquelin, conhecido pelo nome de Molière (1622-1673). Ligado ao movimento barroco, o comediógrafo escreveu uma série de obras-primas, dentre as quais podem ser destacadas: O tartufo, As preciosas ridículas e O doente imaginário. Molière, pelo modo como escreveu suas comédias – juntando o popular e o erudito –, acabou por influenciar muitos artistas por conta dessa união.

Os movimentos neoclássico e barroco (este último tido pelo primei-ro como excessivamente sensual, de mau gosto, irregular), apesar de o primeiro se dedicar às tragédias e o segundo, às comédias, têm estruturas bastante semelhantes: são obras clássicas, grandiloquentes, criadas com texto e mentalidade aristocráticos (aristós, em grego, significa divino, melhor).

Apontamentos sobre o movimento romântico:

O movimento romântico iniciou-se a partir de 1774 pela lideran-ça de Johann Wolfgang Goethe (1749-1832), Gotthold Ephraim Lessing (1729-1781) e Christoph Friederich Schiller (1759-1805). Os três autores, entre outros,

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opunham-se à tentativa de imposição do neoclassicismo francês na Alemanha como modelo estético e postulavam movimentos intensos e violentos da alma, tempesta-des de paixão e liberdades artísticas. Dessa forma, batizaram um movimento de opo-sição à estética de Sturm und Drang, título de peça homônima escrita por Friedrich Maximilian von Klinger (1752-1831), publicada em 1776, que parece ter apresenta-do – à semelhança de Werther – um retrato da crise espiritual e moral da Alemanha do período, opondo-se fundamentalmente ao racionalismo, aos preconceitos decor-rentes do chamado pátrio poder e à opressão política.

De modo mais esquemático, os românticos, negando a estética fran-cesa, adotam como proposta alternativa às imposições clássicas o retorno à Idade Média, por corresponder ao período em que as tradições alemãs e o conceito de germanicidade aparecem e se desenvolvem. Nesse retorno, ocorre uma das carac-terísticas fundamentais do movimento: o anacronismo, cuja procura ancora-se no folclore (folk = povo, popular + lore = caminho) e na tradição popular (sempre fan-tasiosa e múltipla) e pesquisa dessas tradições desenvolvidas por Gottfried Herder (1744-1803). Herder era absolutamente contrário (e mesmo hostil) ao classicismo e sua ortodoxia (sobretudo a francesa) e favorável às literaturas populares e nacionais. Escreve duas grandes obras, defendendo a pesquisa e a importância da cultura nacio-nal alemã: Fragmentos sobre a literatura alemã e Vozes dos povos em canções, enfatizando a necessidade da chamada “cor local”. Preocupado com as tendências racionalistas de sua época, escreve também duas obras teorizando acerca da evolução humana, que são: Ideias sobre uma filosofia da história da humanidade e Cartas sobre os progressos da humanidade. Por meio de suas reflexões, Herder acabará por influenciar muitos artis-tas de sua geração, como os já citados Goethe, Lessing e Schiller.

Em 1806, com a invasão da Alemanha pelos exércitos napoleônicos, surge o nome “romantismo”. Em tese, é composto por Roma mais o antigo sufixo medieval nice (romanice), que corresponde a agir como um romano, ser um soldado

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das palavras, ou pelo uso das palavras. Com o território ocupado, a maledicência ao invasor e suas outras características se aprofundam, sempre criticando a sociedade administrada pelos interesses gerocêntricos (gero = velho): o subjetivismo e o esca-pismo. Esse sentimento de não pertencer ao mundo, sonhar com uma morte precoce, mas gloriosa e dedicada aos sentimentos, desemboca e se radicaliza na terceira gera-ção, chamada Jovem Alemanha (Das junge Deutschland), da qual fazem parte Henrich von Kleist (1777-1811) e Georg Büchner (1813-1837).

O romantismo alemão deixou lastros na quase totalidade dos outros movimentos que se desenvolveram depois dele, quer para reiterar, quer para refutar algumas de suas características. Dos dramaturgos alemães, são obras absolutamente relevantes: Fausto, de Goethe; Natã, o sábio, de Lessing; Mary Stuart, de Schiller; A bilha quebrada, de Henrich von Kleist (1777-1811); Woyzeck, de Georg Büchner; Uriel Acosta, de Karl Gutzkow (1811-1878).

O romantismo alemão chega oficialmente à França (Paris) em 1827. Nessa ocasião, é apresentada na “Cidade Luz” a obra teatral de Victor Hugo Hernani, cujo “Prefácio” de Cromwell tenta refletir principalmente as oposições entre os con-ceitos de sublime e de grotesco. Acerca dessa obra, León Moussinac afirma:

Mas Cromwell, de Hugo, com seu prefácio, constitui a pri-meira manifestação do romantismo francês em 1827. (...) A grande repercussão do prefácio de Cromwell é bem conhecida. É a altura em que a burguesia adquire uma posição dominante e leva a bom termo a sua luta contra a aristocracia sobre-vivente, o momento em que o seu poderio financeiro e político aumenta graças ao desenvolvimento das empresas industriais. Daí em diante o romantismo refletirá cada vez mais as preocupações estéticas desta burguesia que sonha opor a arte e a literatura pelo seu prestígio à reivindicação sempre viva duma parte da pequena burguesia, dos artesãos e dos operários privados das vantagens conquistadas na Revolução. Uma nova luta começa. E não é por acaso que ela coincide com a de-finição do conceito, também novo, da “arte pela arte”.(...) A arte, tanto do teatro como as outras, irá esforçar-se “por idealizar a negação da existência burguesa”;

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os românticos “esforçar-se-ão por exprimir a sua hostilidade acerca da ponderação e do conformismo burgueses não só nas suas obras de arte, mas também no seu comportamento”.8

[ 8 ] Léon Moussinac. História do teatro: das vanguardas aos nossos dias. Lisboa: Bertrandt, s/d, p. 337-8.

RevoluçãoFrancesa

__ Romantismo – O exército francês

invade a Alemanha. O movimento chega a Paris, em 1827, por intermédio da peça Hernani, primeira obra de Victor Hugo. Nessa obra aparece o Prefácio a Cromwell.

__ (...) desenvolvimento, sobretudo a partir da década de 1840, da Revue de fin d’année.

__ Em Paris, para romper com os subjetivismos do romantismo, o ministro do Interior, León Faucher, lança, com o apoio do Estado, inclusive econômico, um movimento chamado École du bon sens (Escola de bons modos). Bons modos, nesse caso, referem-se aos valores morais da burguesia.

__ Encenação, em Paris, de A dama das camélias, de Alexandre Dumas Filho. Início do realismo em teatro.

Idade Contemporânea (século XIX)

1789 1806 1843 (1853) 1852

__ Émile Zola publica seu romance Thérèse Raquin, marco do natu-ralismo. A obra é repu-blicada no ano seguinte com um manifesto, que lança as bases do movi-mento naturalista. Em 1873, é adaptada para o teatro.

__ Fundação, por André Antoine, do Teatro Livre (Théâtre Livre), busca do natural-ismo na encenação. Alemanha, fundação do Freie Bühne (Palco Livre), em 1889, por Otto Brahm.

Em 1897, Constantin Stanislavski e

Niemirovitch- Dantchenco, o Teatro

de Arte de Moscou.

__ Belle époque * __ Em Paris, 1886, Jean Mo-réas escreve o Manifesto Simbolista. Inicialmente, críticos nomeiam o mo-vimento de decadentis-mo. Charles Baudelaire aparece como líder do movimento. Edvard Munch, em 1893, pinta O grito. Em 1895 é publi-cado o livro de Sigmund Freud, A interpretação dos sonhos. 1891: fun-dação do Teatro de Arte (Théâtre de l’Art) para montagem de textos do simbolismo.

1867 18871886 década de 1880

[ * ] Período compreendido entre 1886 (término da Guerra Franco-Prussiana) até 1914 (quando eclo-de a Primeira Grande Guerra Mundial), e assim denominado, de acordo com certas concepções, por não ter havido guerra que abarcasse toda a Europa. Evidentemente, ao assim conceituar o período, exclui, por exemplo, a Revolução Russa (de 1905-1917). O historiador inglês Eric Hobsbawm apre-senta excelentes reflexões sobre os séculos XIX e XX nas obras A era das revoluções na Europa: 1789-1848. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. A era dos impérios: 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. A era dos extremos: o breve século XX – 1914-1991. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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O século XIX costuma ser apresentado como um período de grandes mudanças. Alguns historiadores afirmam que se trata de um século de mudanças de mentalidade, significando modos diferenciados de pensar e de conceber valores, verdades, relações. Nessa grande “fatia de tempo”, o marxismo rompe com uma tra-dição filosófica que, de modos mais e menos contundentes, pensa o homem como imagem/reflexo inferior de diferentes deuses. Rompendo com essa determinação, e defendendo a tese segundo a qual “o destino do homem é o homem”, Karl Marx não só elimina os deuses como denuncia o fato de eles servirem para alimentar a aliena-ção humana (bom lembrar que “alien” diz respeito a estrangeiro, de fora). Assim, por conta de vários embates que ocorriam na vida social, o teatro serviu também como uma tribuna para a defesa de ideias. Em determinadas fontes de pesquisa pode ser encontrada uma divisão nas artes, entre aquilo que indevidamente se chamou de arte social versus arte pela arte. O indevidamente refere-se ao fato de toda arte ser social e pressupor uma relação entre dois grupos distintos de indivíduos e grupos: artistas e público. Sem maiores aprofundamentos, pode-se dizer que essa oposição se verificava entre o realismo/naturalismo (arte social – em inglês, como aparece em muitas fontes: social art) versus o romantismo e o simbolismo (arte pela arte – em francês, como aparece em muitas fontes: l ’art pour l ’art).

Realismo: apontamentos essenciais

Os antecedentes estéticos do realismo podem ser determinados pela literatura. Com a vitória da burguesia houve um significativo aumento no número de leitores e interessados na literatura escrita. Alguns autores franceses de sucesso, além de porta-vozes de sua classe, passam a ser, de alguma forma, os advogados e mestres da burguesia. Um dos primeiros gêneros literários a fazer sucesso no século XIX, na França, foi o folhetim. Passou a ser publicado em jornais, dividido em inúmeros

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capítulos. Muito jornal se vendeu mais pelos folhetins do que propriamente pelas notícias. Entre os folhetinistas mais conhecidos e procurados pelos donos de jornais podem ser citados Honoré de Balzac e Alexandre Dumas Filho. Esses autores, no sentido de manter o público “preso” à trama e acompanhar a evolução da narrativa e o destino de suas personagens, apresentaram em suas obras uma mistura do melodrama (fusão da tragédia, do drama e da música) e do vaudeville (no século XIX, certo tipo de comédia de intriga), tão ao gosto da burguesia. Dessa mistura, o “novo gênero” organizou-se e evoluiu, tendo como características fundamentais a mistura de todo tipo de exageros e de fortes emoções, audácias, cruezas, excentricidades, suspense, coincidências, adultérios, traições, violências e crueldades, de modo mais contunden-te (uma vez que os folhetins não podiam contar com a música, bastante utilizada, sobretudo no teatro de revista).

Apesar de a totalidade dos críticos burgueses classificarem o gênero como subproduto e até mesmo subliteratura, o grande mérito do folhetim é que por meio dele houve uma democratização, sem precedentes, na literatura. Há uma afir-mação consensual dos críticos dando conta de que nunca tinha havido uma aceitação de modo tão irrestrito (quase que unanimidade) por camadas sociais tão distintas e com sentimentos tão semelhantes.9

Graças ao folhetim a literatura desenvolveu-se extraordinariamente e acabou por adotar como característica (que depois corresponderia a um das caracte-rísticas básicas do próprio movimento realista) uma narrativa pautada na apresentação

[ 9 ] Salvaguardadas todas as restrições de gênero, contextos, veículos... o fenômeno de sucesso assemelha-se àquele vivido com relação à telenovela brasileira (e às vezes, mexicana). Enfim, as pessoas criticam, negam, dizem que vão desistir de assistir, que elas (as telenovelas) são sempre a mesma coisa, mas, diferentemente do discurso verbalizado, sempre buscam dar “uma espiadinha” nos cento e vinte ou mais capítulos para constatar que tudo continua como sempre foi, reiterando o falado! Trata-se, parece, de um tipo de obra que “vicia”...

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minuciosa, detalhista e objetiva, tanto dos acontecimentos como dos sentimentos das personagens. Dessa safra de autores, podem ser destacados, em literatura, como pre-cursores do realismo: (Henri Beyle) conhecido como Stendhal (1783-1842)10 e Ho-noré de Balzac (1799-1850)11. A esse propósito, Arnold Hauser, em História social da literatura e das artes, São Paulo: Mestre Jou, s/d, p.906, afirma que a definição social das personagens ligadas à burguesia passou a caracterizar-se no critério de sua realidade e verossimilhança (segundo Aristóteles: “[...] ser verossímil não é ser semelhante ao real e sim possível de ser real pela coerência entre as partes do objeto, o todo e sua re-presentação cênica”). Nessa nova determinação, os problemas sociais das personagens necessitariam adequar-se ao romance naturalista e à dramaturgia. A nova concepção de arte – alicerçada, também, nos novos valores e ideários trazidos pela classe hege-mônica – assentou-se na convicção de que os elementos mais valiosos da obra de arte seriam o produto de acidentes felizes e de circunscritos e controlados voos da fantasia (para os gregos, phantasia era considerado como potência da imaginação), a partir dos quais os autores deveriam deixar-se levar pela invenção dos pormenores.

Nas artes plásticas, Gustav Courbet (1819-1877) foi considerado um dos precursores do realismo. O pintor apresenta o quadro O enterro (1849-50), bas-tante carregado por uma certa crueza muito próxima à realidade dos mais pobres, que ele mesmo chamaria de ”arte viva”. Na sequência, pinta O ateliê (1854-55), conside-

[ 10 ] De sua significativa produção literária, podem ser citadas: Racine e Shakespeare, ensaio sobre o romantismo; Armance; Os passeios em Roma e O vermelho e o negro (obra-prima de 1830).

[ 11 ] Autor de obra literária admirável. A comédia humana, composta por 95 livros, apresenta um retrato da sociedade francesa de 1810 a 1850, em que o autor descreve minuciosamente a sociedade francesa do período, particularmente a burguesia. De modo mais esquemático, criou suas persona-gens a partir de uma arguta observação psicológica, sendo que seus temas mais comuns são a usura, problemas como o dinheiro, a hipocrisia familiar. De suas obras mais importantes, além da já citada A comédia humana, destacam-se, ainda: Eugênia Grandet, Ilusões perdidas, A mulher de trinta anos.

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rado sua obra-prima. Estas duas obras desagradaram parte da crítica (e fundamental-mente a “fatia” dela chamada de acadêmica). As duas telas mencionadas foram exclu-ídas pelo conselho curador da Exposição Universal de Paris de 1855, sob a alegação de que se tratavam de obras “muito realistas”. Descontente com a (des)classificação, o artista apresentou as obras no jardim onde ocorria a exposição, acrescentando-lhes um cartaz com a palavra realismo. A palavra-conceito realismo passava, portanto, a fazer parte da vida cultural francesa. Courbet, simpatizante das ideias socialistas, não via nenhuma diferença entre o realismo e a rebelião (naturalismo e rebelião represen-tavam expressões diversas de uma mesma atitude), uma vez que a verdade artística deveria corresponder à verdade social. O pintor continua a pintar, mas envolve-se em atividades de militância política que acabam por levá-lo à prisão e ao exílio.

Na obra Cortadores de pedras, de Gustave Coubert, e considerando a tradição das manifestações dominantes em artes plásticas, o protagonismo da tela por trabalhadores caracteriza-se como enfoque absolutamente não usual, de acordo com os cânones das chamadas belas-artes. Desse modo, não há que se estranhar as tenta-tivas de impedimento a que obras semelhantes a esta pudessem figurar de exposições ou catálogos do nascente movimento cultural.

Na França, depois de incentivar com dinheiro e concessão de espaços públicos as obras e os autores que louvassem os valores da burguesia, como família, hierarquia, o conceito de propriedade, etc. – por intermédio do movimento chamado École du bon sens (1843-1853) ou pré-realismo – surge o realismo. Em princípio, o movimento se propõe, do ponto de vista de conteúdo, a veicular os valores da burgue-sia; e, do ponto de vista estrutural, a desenvolver a estrutura do drama para identifi-cação emocional do espectador com as protagonistas da obra. Pautado no conceito de verossimilhança (vero como verdadeiro + semelhante = aquilo que se parecia com o verdadeiro, com o real sem sê-lo), o teatro reconstitui, de modo ilusionista (como ilu-são) a “realidade estética”. O espetáculo restabelece com rigores absolutos a realidade

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social: atores agem, vestem-se, comportam-se como se fossem “reais” (esse mecanis-mo de colocar-se no “lugar de” chama-se simulacro em português, mas a palavra mais empregada para isso em nossa cultura tem sido a inglesa cover).

No século XIX, o drama se torna a forma teatral que domina e que serve também de modelo para qualificar ou desqualificar outras formas teatrais. O drama burguês, criado nesse período histórico, pressupõe uma narrativa linear (com começo, meio e fim apreensíveis). a trajetória das personagens se desenvolve consi-derando principalmente sua subjetividade e suas relações se desdobram a partir de conflitos. No sentido de fazer o espectador identificar-se emocionalmente com as personagens, o drama busca reproduzir no palco a realidade “como ela é”, e a perso-nagem fala por ela mesma (pelo diálogo), sem intervenção de um narrador. No palco: objetos reais, interpretação em que os atores agem como se fossem as personagens: colocam-se no lugar delas, iluminação e música utilizadas para criar clima emocional. Na plateia: luz apagada, silêncio quase sempre absoluto. Entre esses dois conjuntos: uma parede de alvenaria imaginária, chamada quarta parede. Tudo isso com o objeti-vo de amalgamar (unir) emocionalmente os dois tempos: o da obra e o do espectador, de modo a haver uma identificação emocional. A narrativa acontece no mesmo aqui-agora do espectador, concebido como um voyeur (pessoa que espia a intimidade das personagens). De outra forma, os valores são adotados – tendo em vista a estrutura e organização da obra pela emoção, em boa parte das vezes, de maneira inconsciente.

De modo sistematizado e programático, a partir de 1897, no Teatro de Arte de Moscou, Constantin Stanislavski cria um método de interpretação natu-ralista. Nos ensinamentos do mestre, o intérprete “coloca-se em situação” e apresenta a personagem como se fosse ela. Trata-se de um método extremamente importante, cujos ensinamentos podem ser encontrados em seus livros Minha vida na arte (bio-grafia), A construção da personagem e A criação de um papel.

Pela proximidade entre os diversos movimentos estético-culturais

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desenvolvidos no século XIX, é bastante comum encontrar obras de dramaturgos significativos do século ora ligados a um movimento ora a outro. O dramaturgo sue-co August Strindberg, por exemplo, inicia-se como autor inserido no realismo, passa pelo naturalismo e escreve seus últimos textos a partir de uma estrutura ligada ao simbolismo. A primeira obra importante do autor, Mestre Olof (1872), é ligada ao realismo; Senhorita Júlia (1888), ao naturalismo, e, de 1898 a 1904, Rumo a Damasco, obra de estrutura radical, liga-se ao simbolismo. Em tese, Rumo a Damasco é uma obra dividida em cinco atos e tem a seguinte estrutura simétrica:

Primeiro ato Cena 1 – Na esquina (início de peregrinação) Cena 2 – Na casa do médico (segunda estação) Segundo ato Cena 1 – Um quarto de hotel (terceira estação) Cena 2 – À beira-mar (quarta estação) Cena 3 – Na estrada (quinta estação) Cena 4 – No desfiladeiro (sexta estação) Cena 5 – Na cozinha (sétima estação)Terceiro ato Cena 1 – O quarto rosa (oitava estação) Cena 2 – O asilo – em verdade, hospício (nona estação) Cena 3 – O quarto rosa (oitava estação) Cena 4 – A cozinha (sétima estação)Quarto ato Cena 1 – No desfiladeiro (sexta estação) Cena 2 – Na estrada (quinta estação) Cena 3 – À beira-mar (quarta estação) Cena 4 – O quarto de hotel (terceira estação)Quinto ato Cena 1 – Na casa do médico (segunda estação) Cena 2 – A esquina (primeira estação)

flash-back (lembranças da personagem chamada Desconhecido)

flash-forward (imaginação da personagem antes Desco-nhecido, agora César)

cena real

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Trata-se, como é possível perceber, de dramaturgia simétrica e de estrutura bastante complexa. Na obra só há uma cena que se passa no plano da rea-lidade e cujo espaço é um hospício (indicando o estado de loucura da protagonista – César); as outras, são fruto de lembrança ou de projeção. Por brincar com a estru-tura dramatúrgica e por desacreditar na vida, concebendo-a como um grande fardo, Strindberg foi o criador do chamado monodrama (drama de uma só consciência, sendo as outras personagens fruto dessa consciência) drama pesadelo (grafado em inglês na totalidade dos materiais como dream play).

Além de Strindberg, está entre os mais importantes autores do mo-vimento realista o norueguês Henrik Ibsen (1828-1906), considerado o primeiro grande dramaturgo do movimento. Por uma temática sempre crítica com relação à burguesia, suas peças acabaram sendo bastante proibidas na Europa. De todas as suas obras, sem dúvida, a mais polêmica é Casa de bonecas (1897). Oito anos depois de uma ação ilegal (falsificar a assinatura para solicitação de um empréstimo em uma promissória) para salvar o marido doente, e de pagar totalmente o empréstimo, à base de sacrifícios pessoais, Nora – uma dona de casa com três filhos –, por seu marido não ter entendido o ato que ela havia praticado, despede-se dele. Segue-se o diálogo:

Helmer Você me amou como uma mulher deve amar seu marido. Só que você não teve discernimento suficiente para julgar os meios que usou. Mas acha que eu vou querê-la menos só porque você não tem capacidade para agir por sua conta própria? Não, não, basta apoiar-se em mim, eu a aconselho e a oriento. Eu não seria homem se essa sua inferiori-dade feminina não a fizesse duplamente sedutora aos meus olhos. (...) Isso mesmo. Trate de se acalmar e abrandar suas ideias, meu bichi-nho assustado. Descanse e fique tranquila. Eu tenho asas largas para protegê-la. (...)

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Nora Minha vida tem sido fazer gracinhas para você, Torvald. Mas era isso que você queria. Você e papai me fizeram um grande mal. Foi por culpa de vocês que eu desperdicei minha vida. (...) Mas você estava mesmo com toda a razão. Eu não estou preparada para a tarefa. Existe outra tarefa de que eu tenho que me desembaraçar primeiro. Eu preciso tentar educar a mim mesma. E você não é o homem que pode me ajudar nisso. Eu tenho que fazer isso sozinha. E é por isso que agora eu vou deixá-lo, vou embora. (...) Mas eu não posso mais me contentar com a opinião da maioria das pessoas nem com o que está nos livros. Eu tenho que pensar por mim mesma se quiser compreender as coisas. (...) Eu aprendi tam-bém que as leis são muito diferentes do que eu pensava, mas não consigo convencer-me de que as leis sejam justas. (...)

Helmer Nora, Nora, ainda não! Espere até amanhã.Nora Não posso passar a noite com um desconhecido.12

Anton Pavlovitch Tchekhov (1860-1904) costuma ser apresentado pela maior parte dos críticos como o criador de uma dramaturgia estática. Essa clas-sificação se dá por conta de as personagens de Tchekhov serem acometidas por uma espécie de inércia, possuidoras de uma intensidade dramática fora do comum, o que as torna patéticas, na medida em que sentem e desejam com profundidade, mas não agem do mesmo e intenso modo. Assim, não é incomum as personagens causarem pena e raiva, ao mesmo tempo, dependendo da encenação, podendo levar o especta-dor às mais diferenciadas reações práticas.

O diálogo tchekhoviano é constituído por intenções não explicitadas, localizado nas entrelinhas e nos interstícios, estruturando-se, grandemente, em monó-logos paralelos, por intermédio dos quais a personagem fala de si para si mesma, sem necessidade de troca ou interlocução. As personagens carregam dentro de si, expan-

[ 12 ] H. Ibsen. Casa de bonecas. São Paulo: Abril Cultural, 1976, p. 154-169, Coleção Teatro Vivo.

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dindo cada vez mais, um tédio montado e remontado num lentíssimo fluir de tempo existencial, negado pela própria supressão do diálogo, isolando-se dentro de si mesmas, sem necessidade de libertar-se, paralisando fluxos de pensamento e de alma: constan-temente marcados por um distante e nostálgico passado, imprimindo a sensação de o presente ser um fardo insuportável e o futuro, uma distante promessa utópica.

Exatamente pelas particularidades descritas acima Tchekhov está muito mais próximo do impressionismo do que do naturalismo em que costuma apa-recer. Mestre, portanto, da radiografia da alma humana, inaugura-se com Tchekhov um movimento posterior em que o individualismo psicológico será levado ao paroxis-mo (ao máximo), principalmente (salvaguardadas todas as diferenças) com Tennessee Williams, Federico Garcia Lorca e a totalidade de autores inseridos no chamado gênero do drama psicológico. Do conjunto de suas obras, A gaivota (1896) e As três irmãs (1901) encontram-se entre as mais significativas.

De A gaivota, obra de tantas incertezas e de tantas gagueiras mentais (também chamadas de tartamudeios ou “borrões emocionais”), uma fala pode ser bastante significativa:

Nina Por que disse que beijava o chão onde eu pisava, quando deveria é me ma-tar? Estou tão consumida! Seria tão bom poder descansar... descansar! Sou uma gaivota... Não! Sou uma atriz. É, sim! (...) Pois é... Não é nada... Sim... Ele não acreditava no teatro, ria de meus sonhos, de modo que, aos poucos, eu também fui perdendo a crença e a coragem... Depois, vieram as aflições do amor, os ciúmes, o eterno temor pelo bebê... Tornei-me mesqui-nha, insignificante, representava sem convencer. Não sabia o que fazer com as mãos, como me postar em cena, não dominava a voz. Você não pode compreender o que é isso, ter consciência de que atua terrivelmente mal. Sou uma gaivota. Não, não é isso... (...) De que eu falava mesmo?... Ah, sim, falava de teatro. Agora sou outra pessoa. Agora sou uma atriz de verdade, trabalho com prazer e paixão. No palco uma embriaguez se

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apodera de mim e me sinto bela. (...) E agora, Kostia, já sei e compreendo que, em nosso trabalho – tanto faz se atuamos no palco ou escrevemos –, o importante não é a glória, nem o brilho ou a realização dos sonhos, e sim saber sofrer. Saber carregar a cruz e ter fé! E não sinto tanta dor e, quando penso em minha profissão, já não temo a vida”.13

Além desses autores precisam ainda ser destacados, com obras repre-

sentativas no século XIX:

– o irlandês Bernard Shaw (1856-1950), dono de um humor absolu-tamente ferino e cáustico, e criador de uma dramaturgia crítica à burguesia, sua classe de origem. A partir da leitura de O capital, de Karl Marx, em 1882, o dramaturgo pensa sua vida e sua obra a serviço da libertação do homem. Panfletário algumas vezes, não derrapou nos discursos apenas ideológicos por conta de sua capacidade irônica. Entre suas frases de espírito pode-se encontrar:

Em 1933, quando visitava os Estados Unidos, o polêmico dramaturgo [Shaw] foi abordado por um jornalista que lhe perguntou o que es-tava fazendo ali. Shaw, muito calmamente, disse-lhe que pretendia estudar de perto zoologia, pois em nenhum outro continente se viam tantas bestas (...). Com a bailarina Isadora Duncan, foi ainda mais pedante e sarcástico. Quando ela lhe falou da maravilha que seria um filho de ambos, com a beleza dela e a inteligência dele. Shaw imediatamente recusou. Não queria arriscar a ser pai de uma criança que podia ter a inteligência dela e a beleza dele.14

[ 13 ] Anton Tchekhov. A gaivota. São Paulo: Veredas, 1994.

[ 14 ] Introdução sem autoria à obra de Bernard Shawn A profissão da Senhora Warren. São Paulo: Abril Cultural, 1976, Coleção Teatro Vivo.

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– o russo Aleksei Maksimovitch Pechkov, mais conhecido como Máximo Gorki (1868-1936), foi um artista marcado pelos processos revolucionários desencadeados pela Revolução Russa (1905-1917) e pelos seus desdobramentos com relação à criação da chamada arte proletária. Em tese, ainda adolescente, pelo fato de a mãe e ele mesmo serem alvo de constantes maus-tratos de um segundo casamento, Gorki foge de casa com uma caravana de vagabundos e anda pela Rússia, fazendo uma série de trabalhos para ganhar a vida. Nessa fase de peregrinação, o autor aca-ba por ver uma série de injustiças sendo praticadas, sobretudo contra as mulheres (à semelhança do ocorrido com sua mãe), que eram exploradas e espancadas pelos homens sem que tal atitude “quase natural” naquele contexto fosse contestada por outras pessoas. A partir dessa dura constatação, veio-lhe a consciência da necessidade de lutar contra esse mal, aceito pela quase totalidade das pessoas, posto ser um “valor social” na Rússia daqueles dias.

Dessa forma, e adquirindo a consciência de que a saída não seria fugir do mundo, mas enfrentá-lo dentro das limitações, Gorki, de todos os autores de seu tempo, parece ser o mais próximo às lutas e causas sociais, fundamentalmente por conta de sua dramaturgia – além de ter respondido ao pedido de Lênin para que os artistas aderissem, com seu trabalho, à construção de uma sociedade socialista – ter expressado em todas as suas obras diferentes formas de protestos contra todo tipo de desumanidades perpetradas contra a humanidade.

Acreditando, portanto, em uma outra missão da literatura e apoiado em princípios e em atitudes socialistas, afirmam alguns de seus biógrafos que o autor, pelo seu excesso naturalista e pela sua radicalidade de princípios no âmbito da polí-tica, apresentou traços de forte idealismo que o aproximariam, não paradoxalmente, do romantismo. Ainda que descrevendo de modo cru (sem nenhuma concessão a esteticismos embelezadores e arquetípicos de um determinado realismo), Gorki teria louvado e feito apologia a um segmento social absolutamente escorraçado pelo sis-

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tema social russo, antes da Revolução. Assim, pintadas de modo absolutamente ide-alistas, as personagens gorkianas, muitas vezes deformadas ideologicamente, teriam transitado acima da história e de particularidades humanas concretas e observáveis na vida. Apesar dessa particularidade, são dois os seus mais importantes textos: Pequenos burgueses ou Uma cena na casa dos Bessemonov (1900) e Ralé ou No fundo (1902);

– o alemão Gerhart Hauptmann (1862-1946) foi autor de um conjun-to significativo de obras, sendo que a maioria delas pertence (de acordo com a reflexão mais consensual) ao naturalismo. Pelas temáticas e personagens apresentadas em suas peças, protagonizadas por representantes de estratos sociais não considerados dramá-ticos (tendo em vista os paradigmas postos pelo realismo burguês), muitas delas foram censuradas e promoveram todo tipo de polêmica. Pela qualidade das obras e pelo seu conjunto, Hauptmann foi bastante premiado, ganhando, inclusive, o prêmio Nobel de Literatura em 1912. Devido à complexidade e à escolha de suas temáticas, Hauptmann não pode ser considerado apenas como um naturalista como muitos o apresentam. Suas obras acompanham, de maneira às vezes muito próxima, as mudanças políticas ocorri-das na Alemanha (lembrando que o autor viveu o Império, a República de Weimar e o Terceiro Reich) e, de um ponto de vista mais geral, apresentam o homem para além das condicionantes geográficas. Isto é, apesar de suas personagens serem alemãs, o autor fala da humanidade, não condicionada geograficamente a um país específico.

Sua obra mais importante chama-se Os tecelões e corresponde a um processo de greve ocorrido com os tecelões da Silésia, em fins do século XVIII (e da qual seu avô participara). Escrita em 1891 em linguagem dialetal e em 1892 em linguagem corrente, foi proibida durante muitos anos na Europa. A obra, naturalis-ta, é protagonizada por diferentes tecelões, vitimados pelas circunstâncias sociais do determinismo fundamentado nas proposições cientificistas do período e nas especu-lações filosóficas do positivismo de Augusto Comte (1798-1857).

Alicerçado nos conceitos de Émile Zola, o propositor da necessidade

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de o pensamento cientificista ser inserido nos procedimentos artísticos, concebendo as artes como um sucedâneo das ciências e o artista como cientista (o que exigiria dele um constante processo de pesquisa, por conta de não conhecer o universo das classes trabalhadoras), a primeira rubrica da obra de Hauptmann, Os tecelões, no que diz respeito à descrição do ambiente, é excepcional:

PRIMEIRO ATO(Um amplo aposento, pintado de cinza, na firma de Dreissiger, em Peterswaldau. É o compartimento onde os tecelões têm de entregar o tecido pronto. À esquerda há janelas sem cortinas, na parede do fundo, uma porta de vidro, à direita outra porta de vidro, idêntica à anterior, pela qual tecelões, tecelãs e crianças entram e saem continuamente. Ao longo da parede à direita, que, como as demais, está revestida, na sua maior parte, de prateleiras de madeira para tecidos, estende-se um banco sobre o qual os tecelões que foram chegando expuseram sua mercadoria. Adiantaram-se de acordo com a ordem de chegada e submetem sua mercadoria à inspeção. O almoxarife Pfeider está de pé atrás de uma grande mesa sobre a qual o tecelão coloca a mercadoria a ser inspecionada. Utiliza-se ele, durante a inspeção, de um compasso e de uma lente. Quando ele termina, o tecelão coloca o tecido na balança, onde um auxiliar de escritório confere o peso. A mercadoria recebida é empurrada pelo mesmo auxiliar para o almoxarifado. A cada vez, a importância a ser paga é dita pelo almoxarife Pfeider, em voz alta, ao caixa Neumann, que está sentado a uma pequena mesa. Estamos em fins de maio: o calor é sufocante. São 12 horas. A maioria dos tecelões, que esperam resignados, semelham pessoas que se acham diante das barras da Justiça, onde, em torturante expectativa, têm de aguardar uma decisão de vida ou de morte. Por outro lado, algo de deprimente domina a todos, algo típico aos mendigos, que, de humilhação em humilhação, conscientes de que são apenas tolerados, estão acostumados a esconder-se o mais possível. Acrescente-se a isso um traço rijo em todos os rostos, resultado de infrutí-fera e cansativa reflexão. Os homens, parecidos uns com os outros, todos mirrados, meio submissos, são na maioria pessoas pobres, de peito cavado e tossegosas, cujos

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rostos apresentam um colorido pálido-sujo: criaturas do tear, de joelhos dobrados devido a suas longas horas de trabalho. Suas mulheres, à primeira vista, não têm tantos traços típicos: têm um ar desanimado, atemorizado, desacorçoado – enquanto os homens ostentam uma gravidade um tanto forçada – e andrajosas, quando os homens usam roupas remendadas. As mocinhas, às vezes, têm certos encantos; neste caso destacam-se por palidez cerácea, formas delgadas, grandes olhos saltados e melancólicos.15

Apontamentos sobre o movimento simbolista

O movimento simbolista, inicialmente chamado decadentismo pe-los críticos, vinha impregnado por um mal-estar provocado pelo chamado fin de siècle (fim de século). Havia na França, sobretudo por parte de muitos intelectuais e artistas, uma profunda descrença no Estado francês e no mundo como um todo. Os artistas simbolistas, além de desconfiarem do Estado, seus políticos e a burgue-sia (classe à qual pertenciam), contestavam o movimento naturalista, afirmando o tédio de suas teses racionais e cientificistas que os teria induzido à criação de um fac-símile (cópia) do mundo pretensamente real. Em caminho inverso, a arte simbolista – ao recuperar e a ampliar os subjetivismos do último romantismo – in-duziu seus artistas a uma apologia incondicional ao anímico (estados d’alma), ao incognoscível (desconhecido) e aos sonhos, através daquilo que eles chamaram de tentativas de “exprimir os seres absolutos” ou o mundo das ideias: que nada mais eram do que os signos. Nessa perspectiva, não interessava aos artistas ligados ao movimento simbolista retratar os objetos tal e qual eles poderiam ser encontrados na realidade, mas, fundamentalmente, evocá-los por determinados aspectos que pudessem suscitar os (por ele denominados) estados de alma: fruto do subjetivismo

[ 15 ] Gerhart Hauptmann. Os tecelões. São Paulo: Brasiliense, 1968, p. 3-4. Coleção Brasiliense de Bolso.

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e do subconsciente. Dessa forma, a visão onírica (ligada ao sonho, à capacidade de sonhar), idealizada e prenhe de simbologia, seria caracterizada na única possibili-dade de a arte ser concebida e/ou alcançada apresentando o oculto (pré-lógico), o transcendente e o inexorável: que corresponderiam aos sentimentos verdadeiros e ideais. Baudelaire, por exemplo, acatando e repetindo Hegel, considerava que o pra-zer pelo artificial (ou seja, aquilo produzido pelo homem thesis para os gregos) era infinitamente superior, posto que a natureza era moralmente inferior. Dessa forma, em seu entusiasmo pela artificialidade, que representou uma nova abordagem ao escapismo romântico, Baudelaire afirmava que o mal era espontâneo (natural) e que, ao contrário disso, o bem seria sempre produto da intenção e do propósito construído pelo homem-artista. Com relação a símbolo, do grego symbolon, que guardaria a ideia de sinal de reconhecimento, o conceito pressuporia a conjunção de chaves ou conhecimento de senhas para facilitar o acesso interpretativo da coisa representada (a expressão indireta de um significado impossível de dar diretamente, posto ser indefinível e inesgotável).

A principal diferença entre símbolo e alegoria (do grego a, como união, + lego, verbo catar, selecionar) no período teria sido apresentada por Mallarmé, que concebia a alegoria como tradução de uma ideia abstrata em forma de uma ima-gem concreta. Dessa forma, ao se descobrir a ideia contida pela alegoria, seria possível lê-la e traduzi-la (posto que a traduzibilidade faria parte de sua constituição). Em oposição à alegoria, o símbolo16 reuniria a ideia e a imagem em uma unidade indi-visível, de modo que a transformação da imagem arrastaria consigo a metamorfose da “Ideia”, posto que o conteúdo de um símbolo não poderia ser traduzido de outra forma. Nesse sentido, Baudelaire (antecessor mais notável da poesia simbolista e o criador da lírica moderna em geral) foi o paradigma e condutor de um grupo de artis-tas que regressou a alguns dos expedientes do romantismo (metáfora como célula pri-mal e repúdio a toda poesia anterior), conciliando o novo misticismo à velha devoção

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fanática pela arte (de élite), por intermédio da utilização de símbolos. Sua síntese (em termos de movimento) poderia ser assim apresentada: o simbolismo caracterizou-se por uma busca, posto que a arte seria sua própria realidade17, não refletindo nada. Ou como disse Mallarmé em um de seus escritos: “O simbolista não deve retratar o objeto mas o efeito que este produz”.

Os simbolistas defendem a tese de criação de um teatro da men-te, isto é, o texto teatral deveria ser lido e não representado; mais que isso, e para muitos dos autores inseridos no movimento: o texto teatral funcionaria como um pretexto para sonhar! Dessa forma, aos artistas do movimento interessava a criação de atmosferas e de climas, a partir dos quais os espectadores e/ou fruidores teriam a função de decodificar a obra, cujo caráter preponderante seria o de obra enigmática. Tal princípio foi defendido por um dos representantes do movimento, Théodore de

[ 16 ] Há vários textos teóricos em que o símbolo (como conceito) é discutido. Dessa forma, entre o material à disposição, Hegel – em Estética: a arte simbólica. Lisboa: Guimarães Editores, s/d, p.16 e ss. – é um dos primeiros a fazê-lo e afirma: “O símbolo é algo de exterior, um dado direto e que diretamente se dirige à nossa intuição: todavia, este dado não pode ser considerado e aceito tal como existe realmente, para si mesmo, mas num sentido muito mais vasto e geral. É, assim, preciso distinguir no símbolo o sentido e a expressão. Aquele refere-se a uma representação ou um objeto qualquer que seja o seu conteúdo; esta constitui uma existência sensível ou uma imagem qualquer. Antes de tudo, o símbolo é um sinal. Mas na sua simples presença, o laço que existe entre o sentido e a expressão é puramente arbitrário. Esta expressão que aqui temos, esta imagem, esta coisa sensível representa tão pouco por si mesma que desperta em nós a ideia de um conteúdo que lhe é com-pletamente alheio, com o qual ela não tem, para falar com propriedade, nada de comum. (...) A arte implica, pelo contrário, uma relação, um parentesco, uma interpenetração concreta de significação e de forma”.

[ 17 ] Em consonância com as ideias dos impressionistas, pode-se entender que para os simbolistas a realidade não era um estado, mas um processo, e não podia ser concebida como um ser, mas como um devir.

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Banville18, autor da peça O ferreiro (Le forgeron – 1887), que afirmava ser o teatro para o público e para o solitário uma obra dirigida essencialmente aos movimentos interiores da alma.

A estética simbolista inicia-se com Mallarmé19, um dos maiores ar-tistas do movimento que sonhava com a criação de um teatro soberbo e (não parado-xalmente) realista, no concernente à capacidade do fantasiar humano, representado por excelência pelo espaço anímico. Dessa forma, o poeta elogiou um conceito em voga no período de “espetáculo em uma poltrona”: sentar para sonhar.

Com relação ao cenário, por exemplo, diziam alguns simbolistas que o espaço não deveria ser vazio, mas evitar todos os detalhes específicos. De acordo com certa lógica proposta pelos simbolistas, uma simples sombra verde daria uma melhor impressão do que papelões (telões) pintados imitando florestas. Em tese, a concepção teatral dessa segunda tendência ou grupo preconizava um idealizado teatro estático, al-tamente abstrato e semelhante a um transe, transformando-se: “[...] em espaço de jogo

[ 18 ] T. Banville (1823-1891), defensor da arte pela arte, escreve em 1857 Odes funanbulescas, com a qual tenta demonstrar a tese segundo a qual a criação poética deveria aglutinar e conciliar os conceitos de poesia e artifício, que acabou por levá-lo a ser chamado de acrobata do verso. Em 1872 escreve Pequeno tratado de versificação francesa.

[ 19 ] Stéphane Mallarmé (1842-1898), um dos mais significativos expoentes do movimento sim-bolista, foi chamado de “príncipe dos poetas”. Tem uma obra densa, mas reduzida e dividida em duas fases. Segundo a crítica especializada, o autor criou e recriou sempre tomando como mote um pequeno conjunto de ideias, sendo que para ele a poesia era a anunciação de todas as imagens suspensas oscilantes e em constante processo de evanescência. Acreditava e defendia que nomear um objeto representava destruir três quartos do prazer existente no adivinhar gradual da sua ver-dadeira natureza. Assim, a evocação da realidade representava a evocação como ideia, e esta seria sempre um símbolo. Obras poéticas: Parnaso contemporâneo, A tarde de um fauno, Tombeau d’Edgar Poe – Túmulo de Edgar Poe – e Um lance de dados jamais abolirá o acaso, de 1897. Além desses livros de poemas, tem suas obras em prosa publicadas no livro Divagações, de 1897.

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ou de sonho, o cenário simbolista propõe uma nova concepção da cor (...) ela assume agora uma função simbólica.”.20

Nessa perspectiva, neste teatro nada deveria ter uma função decorati-va, posto que todos os elementos deveriam confluir para criar uma visão, diretamente ligada àquilo que eles qualificavam/denominavam como sendo a alma; sublinhar um determinado efeito: normalmente de ordem metafísica; evocar, de todos os modos, o intraduzível, o imprevisível, o onírico.

Anna Balakian afirma que nas histórias do movimento simbolista pouca atenção é dada ao teatro que dele se originou. Lembra, ainda, haver estudos interessantes a respeito do diretor teatral francês, ligado ao movimento, Lugné-Poe, mas uma total ausência de estudos com relação à dramaturgia simbolista ou mais es-pecificamente à sua poética. Dessa forma, por ser o “movimento-mãe” do movimento de vanguarda, muita atenção é preciso ser prestada à sua poesia – de certa forma sinestésica – cujo:

(...) interesse principal seria determinar em que extensão ele [o movimento] conseguiu se desviar da convenção dramática a fim de dirigir o teatro para novos campos, nos quais o artista dramático da metade do século XX está mais apto a florescer. (...) As mutações que o simbolismo realizou na escritura do verso nada são, com efeito, quando comparadas aos assaltos feitos à forma dramática (...) porque na verdade existe um certo anulamento do ator exigido pelo dramaturgo-poeta, que está em todas as suas personagens e está procurando um médium em vez de um intérprete. (...) Aqui está, pois, “o primeiro defeito” do teatro simbolista: nenhuma caracterização e nenhuma oportunidade de interpretação.21

[ 20 ] Jean-Jacques Roubine. Linguagem da encenação teatral: 1890-1980. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 32.

[ 21 ] Anna Balakian. O simbolismo. São Paulo: Perspectiva, 1985, p. 99.

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Em 1890, o diretor Paul Fort (1872-1960), opondo-se fortemente às ideias de André Antoine e à produção desenvolvida no Théâtre Libre, funda o Théâtre de l’Art, convidando os poetas simbolistas franceses e, especificamente, Au-relian Lugné-Poe (1869-1940) – um dos atores do Teatro Livre – a incorporar-se ao elenco do novo grupo.

Inicialmente, esses artistas reunidos em torno de Fort – que defendia a tese de criação de um teatro que funcionasse como tribuna para os simbolistas, era preciso “[...] purificar o ambiente de mau cheiro que emanava das autênticas peças de carne no palco do Teatro Livre” – formaram um movimento de arte impressio-nista, como necessidade de oposição ao Naturalismo, preconizando a necessidade do retorno do subjetivismo em arte. Muitos desses artistas defendiam a tese de criação de um teatro do sonho ou de um teatro da alma. O espetáculo de estreia foi Fausto, de Christopher Marlowe, em 18/11/1890.

Para finalizar, o belga Maurice Maeterlinck (1862-1949), entre os mais significativos dramaturgos do movimento, em seus cuidados e zelos característi-cos, sugeria a substituição do ator por figuras de cera esculpidas, marionetes ou som-bras. Recomendava, ainda, o uso de máscaras para substituir o rosto do ator vivo. Ao defender a criação de um tipo de drama estático de ação e reflexão internas, conclui o autor que a vida interna do ser só poderia ser apresentada através de palavras e não de ações. Dentre sua obra dramatúrgica podem ser destacados os seguintes textos: A intrusa (1890), Pelléas e Mélisande (1892), O pássaro azul (1909).

Encenação moderna

Com a produção de obras dramatúrgicas radicais e altamente expe-rimentais, surge, no final do século XIX, o conceito de reteatralização do teatro. Em tese, esse conceito pressupõe uma crítica contundente aos reprodutivismos ilusionis-

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tas do naturalismo e o retorno de um “teatro teatral”, ou seja: o teatro como teatro. O diretor teatral que, normalmente, até aquele momento histórico cumpria as deter-minações apresentadas pelo autor, “obedecendo às rubricas do texto”, com as radica-lizações dramatúrgicas, ganha a condição de coautoria. O diretor traduz os enigmas propostos pelas obras e, como encenador, sozinho ou democratizando esse processo, cria uma obra única, original e, algumas vezes, autoral. Dentre esses encenadores22 podem ser destacados: Adolphe Appia (1862-1928), Edward Gordon Craig (1872-1966), Max (Goldmann) Reinhardt (1873-1943), Vsevolod Emilievitch Meyherhold (1874-1940/2?).

[ 22 ] Acerca desses encenadores e suas obras mais significativas, consultar Jean-Jacques Roubine, Linguagem da encenação teatral: 1890-1980, Rio de Janeiro, Zahar, 1982.

__ Criação de Assassino, esperança de mulheres, de Oskar Kokoschka (primeiro drama expressionista); encena-ção em 1908: expressionismo no teatro.

__ Publicação no jornal francês Le Figaro do manifesto de lançamento do futurismo, escrito por Filippo Tommazo Marinetti – o líder do movimento.

__ Na Rússia, criação do ego-futurismo. V. Maiakovski adere ao movimento e ajuda na criação do cubo-fu-turismo. Surge o agit-prop (agitação e propaganda).

__ Criação, em Paris, do Teatro do Vieux Colombier, por Jacques Copeau: reabili-tação do realismo burguês.

__ Em Zurique, Suíça, surge o dadaísmo. No Cabaré Voltai-re acontece a primeira noita-da (soirée) dadaísta.

__ Bertolt Brecht escreve seu primeiro texto: Baal. 1919: nacionalização do teatro soviético; na Alemanha, são apresentadas as primeiras experiências do teatro proletário alemão por Erwin Piscator.

Idade Contemporânea (século XX)

1907 1909 1911 1913 1916 19181914

__ Lançamento em Paris do primeiro manifesto do surrealismo, por André Breton. Nesta dé-cada, Bertolt Brecht inicia o teatro épico.

__ Na Espanha, Garcia Lorca dirige o grupo La Barraca. Primeiro manifesto do teatro da crueldade, de Antonin Artaud.

__ Os nazistas invadem Paris.

__ Publicação de O ser e o nada, de Jean-Paul Sartre. Década de construção do teatro do absurdo.

__ Decorrente da guerra e do lançamento pelos norte-americanos das bombas atômicas em Nagasaki e Hiroshima, em 1953 Samuel Beckett escreve Esperando Godot.

1924 1931 19411939 1943 1945

[1914 - 1918] – 1ª Grande Guerra Mundial[1939 - 1945] – 2ª Grande Guerra Mundial

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O movimento enfeixado pelas vanguardas históricas europeias, em teatro, compreende o desenvolvimento dos seguintes movimentos: expressionismo (Alemanha), futurismo (Itália), cubo-futurismo (Rússia), dadaísmo (Suíça) e o surre-alismo (França). Antes de apresentar as características de cada movimento, é signifi-cativo conhecer algumas comuns a todos eles. Correntes derivadas, principalmente do último romantismo alemão (Büchner e Kleist), segundo ensaio de Gerd Bornheim:

[...] o romantismo não é apenas uma reação contra o clas-sicismo ou contra a cultura que o antecedeu imediatamente. O romantismo é a crise da própria cultura ocidental – é o primeiro momento de um processo ao qual continuamos ainda hoje presos. O caráter avassalador dessa crise radica no fato de que a totalidade dos valores sobre os quais se apoia o mundo ocidental passam a ser problematizados; são valores que perdem a sua vigência, despidos que são de sua dimensão de fundamento último e estável. E o que afeta a todos os aspectos da cultura não poderia deixar de atingir também o teatro. Daí o caráter caótico, confuso, do teatro contemporâneo: também ele sofre essa avalanche de problemati-zação radical, que incide sobre os seus próprios alicerces – razão pela qual se pode afirmar que hoje já não se encontra uma forma única para o teatro, mas topa-se com o informe que busca formas.23

Reiterando alguns desses pontos de vista e aprofundando outros, Anatol Rosenfeld assim se refere à tendência-necessidade de ruptura com as ca-racterísticas determinantes do movimento realista, iniciadas pelos dois dramaturgos citados do romantismo alemão e construídas desde, principalmente, Strindberg:

O Eu racional evidencia-se como concepção precária, seus li-mites como que se esfarrapam, se revelam fictícios, ameaçados por poderes exte-

[ 23 ] Gerd Bornheim. Questões do teatro contemporâneo. In: O sentido e a máscara. São Paulo: Perspectiva, 1975, p. 26-7.

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riores e interiores. De um lado o Ego, sua racionalidade, é assediado por forças irracionais provenientes da própria intimidade psíquica, ampliada pela dimen-são do inconsciente; de outro lado, sua autonomia é posta em xeque pela imensa engrenagem do mundo tecnicizado e administrado. A partir daí se entende a “crise do diálogo”. (...) É, ademais e em particular, o diálogo – base do teatro tradicional – que agora se afigura obsoleto e como que desautorizado, quando se pretende apresentar as forças inconscientes, por definição inacessíveis ao diálogo racional ou consciente; e que parece ser igualmente desqualificado quando se pro-cura levar à cena a engrenagem anônima do mundo social.

São de fato essas duas tendências – a devassa da intimidade irracional e do mundo anônimo e coletivo – que impuseram as profundas transfor-mações estilísticas do teatro moderno, já que os problemas envolvidos dificilmente podem ser reduzidos ao entrechoque de vontades individuais (expresso no diálogo dramático) e a conflitos situados no nível da moral individual e racional. (...)

Na medida em que o palco, como um todo, reproduz a inti-midade ou memória de uma consciência, permitem-se também todas as defor-mações possíveis para projetar o mundo do ângulo – muitas vezes patológico ou onírico – dessa consciência; deformações que por si só interpretam os planos mais profundos da vida psíquica, como geralmente ocorre no expressionismo. O próprio diálogo passando muitas vezes a monólogo interior ou tornando-se murmúrio imaginário da memória ou procurando articular coisas nunca expressas no diálo-go interindividual empírico, prescinde da verossimilhança exterior para revelar ou desmascarar realidades mais essenciais, reprimidas pelo Ego consciente.24

Eduardo Subirats, ao analisar os pressupostos filosóficos, no concer-nente aos aspectos tecnocientíficos e tecnoculturais que teriam dado sustentação ao desenvolvimento dos movimentos de vanguarda, afirma:

[ 24 ] Anatol Rosenfeld. Aspectos do teatro moderno. In: Prismas do teatro. São Paulo: Perspectiva; Edusp; Campinas: Ed. Unicamp, 1993, p. 108-10.

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O conceito de vanguarda teve, até o advento da Segunda Guerra Mundial, um significado estritamente militar. Designava uma organi-zação e uma técnica ofensiva e defensiva na guerra tradicional de frentes. Toda-via, o próprio desenvolvimento tecnológico da indústria da guerra tornou obsoleto tanto a tática militar das vanguardas como o próprio significado do termo.

Porém, antes que caíssem em desuso no cenário da moderna guerra total, as vanguardas haviam adquirido uma nova dimensão, dessa vez social e política. Nas doutrinas revolucionárias do socialismo do século XIX a palavra vanguarda designava uma elite de intelectuais em sua ação política como dirigentes sociais, agentes da organização estratégica dos antagonismos da sociedade industrial e artífices de uma nova organização, racional e científica, da sociedade e do Estado. (...)

Contudo, nas primeiras décadas do século XX, aquelas mes-mas conotações metafísicas e histórico-filosóficas das vanguardas políticas e mili-tares recobram novo ímpeto no coração dos pioneiros da arte moderna. Cubistas e futuristas, dadaístas e construtivistas recuperaram para o que fazer artístico aqueles mesmos valores, ao mesmo tempo éticos e estratégicos, de força de choque, de destruição ou de ruptura das tradições e da memória histórica, e as caracterís-ticas de guarda avançada, de poder antecipador e normativo, além de político-organizativo, a que haviam aspirado os estrategistas militares das vanguardas e os dirigentes políticos das revoluções industriais do início da era industrial. Em alguns casos, como nas vanguardas futuristas, essa síntese do militar, do polí-tico e do artístico sob uma só e mesma bandeira das vanguardas adquiriu uma formulação explícita, em seus manifestos e em sua atuação no cenário político, artístico e social.25

No lugar de obra pronta e acabada, apropriada para a fruição pas-siva, algumas das vanguardas investem no conceito de práxis vital: concebido como experimentação ilimitada e irrefreada da capacidade imaginativa. Dessa forma, por

[ 25 ] Eduardo Subirats. A vanguarda tecno-industrial. In: A cultura como espetáculo. São Paulo: No-bel, 1989, p. 50-1.

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conter e contar com a participação direta do espectador, e à exceção do movimento expressionista, todas as vanguardas aqui citadas estimulavam, pelos mais variados ex-pedientes, a provocação do espectador, concebido como um ser atuante no processo, em um jogo de acaso, próximo ao que se convencionou chamar de performance.

A nova espécie de atitude neorromântica, trazida por várias das van-guardas históricas, busca sobretudo o novo (ineditismo) ou mais especificamente a surpresa – e cujo objetivo seria o de surpreender, chocar pelo inusitado – passou a ser buscado a partir de diferentes estimulações, sendo que o objeto artístico e seu processo de construção/elaboração passou a ser insistentemente procurado a partir do conceito de homogêneo intrinsecamente diverso: o homogêneo, quando estabe-lecido, ocorreria por contraste ou por semelhança entre opostos. Assim, o conceito de “aparentemente diverso” se constituiria em estratégia, programa de luta e alvo dos movimentos de vanguarda a partir de diversas combinatórias.

Dessa forma, nessa espécie de “universo paralelo à vida e à existência concreta” e/ou caleidoscópio estético, a linguagem teatral representou o espaço pri-vilegiado para todo tipo de experimentação mítica, agressiva, ritualística, chocante, primordial, “pronta para o uso”, fugaz, etc., tendo em vista que os espetáculos resul-tantes engendrados pelos artistas dos diferentes movimentos, articulados e montados a partir do conceito de noitadas performáticas: serate ou soirée (de cada movimento e principalmente do futurismo, do dadaísmo e do surrealismo) organizavam-se para abrigar, por intermédio das mais diferentes formas de provocação, todo tipo de mani-festação, sem tanta organicidade e/ou mesmo “concatenação estética”.

De modos mais e menos presentes, são características dos movi-mentos de vanguarda (junção das palavras francesas avant: antes, primeiro + garde: guarda, vigilância = aqueles que vêm/estão à frente, espécie de tropa de elite): o choque, o grotesco, a metalinguagem, a montagem, o deboche... Originados em diversos países da Europa e alastrando-se para além de suas fronteiras (às vezes

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com características análogas, outras de modo oposto, sendo que o exemplo mais contundente talvez possa ser encontrado entre o Futurismo italiano e o Cubo-Futurismo russo), esses movimentos de vanguarda, e à guisa de apresentação mais didática, apresentaram características mais ou menos comuns. Entre elas as mais significativas são:

Conceito de grotesco

Etimologicamente, a palavra grotesco significa, numa primeira acepção, gruta ou caverna (do italiano grottesca). Desse modo, Patrice Pavis, citando Victor Hugo, apresenta as seguintes correlações:

Grotesco é aquilo que é cômico por um efeito caricatural bur-lesco e estranho. Sente-se o grotesco como uma deformação significativa de uma forma conhecida ou aceita como norma. (...)

A forma grotesca aparece na época romântica como a forma capaz de contrabalançar a estética do belo e do sublime, de fazer com que se tome consciência da relatividade e da dialética no julgamento estético: “O grotesco an-tigo é tímido e procura sempre se esconder. (...) No pensamento dos modernos, ao contrário, o grotesco tem imenso papel. Encontramo-lo em toda parte; de um lado, cria o disforme e o horrível; de outro, o cômico e o bufo. (...) O grotesco é, segundo nosso ponto de vista, a mais rica fonte que a natureza pode abrir à arte.” (Victor Hugo, Prefácio a Cromwell, 1827). (...)

(...) a forma de expressão por excelência do grotesco: exagero premeditado, desfiguração da natureza, insistência sobre o lado sensível e mate-rial das formas.26

[ 26 ] Patrice Pavis. Dicionário de teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999, p. 188-9.

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À luz dessas observações iniciais, e tomando, fundamentalmente, o conceito etimológico referindo-se a gruta e/ou caverna, pode-se dizer que tais “trabalhos” da natureza têm como característica a umidade, a escuridão, a dificul-dade de acesso, o mistério, a descoberta, o desvirginamento. Enfim, trata-se de um “acidente geográfico” que acabou por fazer alusão, pela cultura popular, à genitália humana: significando prazer e saciedade de desejos biológicos, fundamentalmente carnais. Numa segunda acepção (e de modo absolutamente redutor), mais direta-mente ligada aos estudos e à psicanálise de Freud, a palavra ganhou conotação de sombra, de pesado tributo carregado pelos seres humanos, por conta de os desejos sexuais serem permanentemente reprimidos. Como decorrência desse recalque, o humano tem uma existência psíquica pobre e deformada. Por essa segunda acepção, o conceito de grotesco – pelo menos na produção artística do século XX, e funda-mentalmente na das vanguardas – acabou por adquirir duas faces integradas e in-terdependentes, numa relação antitética complexa. Isto é, se o homem é prisioneiro de si mesmo: condenado a carregar suas próprias sombras (consciente ou incons-cientemente), sua redenção somente seria possível por meio de atitudes escapistas, para-além-de ou para-além-do-si-mesmo, ou seja, pela sua potente e infindável capacidade imaginativa.

À luz dessa sumaríssima exposição, o conceito de grotesco, guar-dando suas acepções opostas e semelhantes, no âmbito da forma e na do conteúdo (passando principalmente pela construção de inusitadíssimas personagens) servirá, também, de modos distintos e contraditoriamente, às vanguardas históricas, tanto na forma de apologias às situações mais desbaratadas como na condição de aporias (a guerra, por exemplo, como “única higiene do mundo” para alguns dos futuristas), como ao uso das drogas (alucinógenos) pelos surrealistas, e a todo tipo de experimen-tação tanto estética como social.

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Conceito de metalinguagem e de montagem

Fundamentado em Eisenstein, a montagem em poesia de Georg Trakl deve ser entendida (ao pé da letra)

[...] como um processo que leva o poeta a constituir o seu produto na base da junção de imagens descontínuas. Apresenta-se, dessa forma, como um conjunto de metáforas visuais agrupadas sem necessidade “lógica”, ou seja, reunidas num sistema semiológico em que uma não decorre necessariamen-te da outra.27

Com as experimentações desenvolvidas desde o movimento simbo-lista, pressupondo certa desconexão com os vínculos que uniam o momento ao passa-do (fosse pela sua negação e/ou pela sua intensificação, e que as vanguardas históricas levarão ao paroxismo), inicia-se um intensíssimo processo de trabalho defendendo a ideia segundo a qual a arte seria fundamentalmente forma. A partir desse pressupos-to, o vislumbre da obra artística perfeita e acabada foi paulatinamente questionado e destruído. O percurso trilhado pelos artistas e por suas obras passou a ser mediado por um intenso trabalho imaginativo e desalinhado dos parâmetros e dos cânones clássicos de produção e circulação da obra. Acresça-se a isso, ainda, o fato de que para a quase totalidade dos artistas ligados aos movimentos de vanguarda (à exceção do movimento expressionista), a obra artística não se caracteriza mais no objeto central do processo/produção da própria obra. Os participantes do espetáculo sabem e são permanente-mente alertados de que se encontram em um tempo e espaço estético, teatral.

Ao colocar em cheque tanto a produção como o próprio sistema ar-tístico, surge o desenvolvimento de uma nova abordagem com relação à própria obra,

[ 27 ] Modesto Carone Netto. Metáfora e montagem. São Paulo: Perspectiva, 1974.

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que passa a ser percebida por um novo olhar: como produção, circulação e recep-ção, que se desenvolveria em processo. A construção desse novo conceito, amparado grandemente na gana do ineditismo-destruidor, usado e formulado na totalidade dos casos de modo absolutamente equivocado – posto que rigorosamente etnocentrado, alienado e deformador da própria realidade observada e vivida – aproximava-se àque-le denunciado, entre outros, por Walter Benjamin, segundo o qual certos artistas eram levados e/ou induzidos a cultuar uma cabal presunção quanto à sua autonomia com relação aos meios com os quais trabalhava, quando, na verdade, eram literalmente dominados por eles.

Com as vanguardas, de um modo geral, tem início a ideia e a constru-ção do conceito de obra polissêmica (constituída a partir de vários sentidos: portanto, aberta a muitas interpretações) e construídas a partir de diversas chaves e materiais. Assim, além de a obra caracterizar-se, em alguns casos, em uma espécie de enigma, ela se estabelece a partir de uma troca cabal de experiência em decorrência do jogo.

As primeiras, digamos assim, teorizações acerca do conceito de mon-tagem foram desenvolvidas pelo cineasta russo-soviético Sergei Eisenstein (1898-1948), para quem a montagem representava, também, uma “sintaxe da língua das for-mas da arte”, que o apresentou como uma junção artística, antecipadamente prevista pelo roteiro, de sequências de imagens e de cenas individuais em situações espácio-temporais diferentes, que não estariam ligadas por relações objetivas de ação ou pen-samento. Vale, nesse particular, ainda, lembrar que, para o cineasta:

Encarada em seu dinamismo a obra de arte é um processo de formação de imagens na sensibilidade e na inteligência do espectador. É nisso que consiste o aspecto característico de uma obra de arte verdadeiramente viva, o que a distingue das obras mortas, onde se leva ao conhecimento do espectador o resul-tado representado de um processo de criação que terminou o seu curso, em vez de o envolver no curso desse processo. (*)28

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Dessa forma, para Eisenstein, a montagem caracterizava-se em uma fusão ou síntese mental em que pormenores isolados ou fragmentos se uniriam em um nível mais elevado de pensamento, através de uma forma atípica de raciocinar e de se emocionar. Em termos cinematográficos: “Montagem é a forma que nasce da colisão de duas tomadas independentes”29. Nessa perspectiva, a justaposição ensejaria mais o produto do que a soma dos fragmentos; dessa forma, a justaposição assemelhar-se-ia “[...] ao produto, e não à soma, porque o resultado da justaposição difere sempre quali-tativamente de cada um de seus elementos componentes tomados em separado”.30

Em sua quase totalidade, o teatro das vanguardas históricas, ao pro-vocar os espectadores a um jogo que se desenvolve em processo, exigirá, pela adesão ou pelo choque, a interferência do espectador. A arte não é mais concebida como cópia ou reflexo. O evento artístico junta de tudo um pouco para incitar o espectador a ir para dentro da forma, da forma estética. Poemas; discursos; exposições de objetos artísticos ou não; pequenas performances, às vezes sem sentido aparente, para provocar os espectadores; apresentação de esquetes teatrais; leituras de manifestos provocati-vos; brigas e discussões entre os “espectadores”; projeção de película cinematográfica... tudo é amalgamado, buscando a criação de um mosaico, para tirar o espectador de seu torpor contemplativo. O espectador é acintosamente provocado. Segundo Anatol Rosenfeld, em alguns de seus textos, nesse jogo entre atores e espectadores os seres perderiam o seu aspecto familiar, ocorrendo, por conta disso, uma completa subversão da ordem ontológica.

Dessa forma, além da incorporação no espetáculo de todos os expe-dientes imaginativos e característicos do teatro popular, dos de Max Reinhardt, dos de Gordon Craig e dos de Adolph Appia e de tantos outros, o conceito tradicional

[ 28 - 30 ] Citações extraídas de Sergei Eisenstein Reflexões de um cineasta. Rio de Janeiro: Zahar, 1969, e contidas no livro de Modesto Carone Netto. Metáfora e montagem. São Paulo: Perspectiva, 1974.

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de dramaturgia cai por terra e explode e, em seu lugar, surgem textos compostos e formados por uma série de elementos inusitados. A nova dramaturgia resultante – na condição de enigma a ser decifrado, posto que caleidoscópica – destrói o conceito de gênero, de estrutura e de estilo e, descaradamente, mistura tudo (às vezes a partir de um determinado ecletismo nervoso), inaugurando uma nova escritura: servil ou dia-metralmente oposta às ideias e crenças políticas, à confusão, ao deboche, à enervação, à total quebra de plausibilidade.

BreVes aponTaMenTos soBre aLGuns MoViMenTos De VanGuarDa

Futurismo

Inicia-se na Itália, ganhando notoriedade internacional a partir da publicação, em 1909, de seu primeiro manifesto – Lançamento do Movimento Futuris-ta – no jornal Le Figaro, de Paris. Apresentando uma forte oposição às características do realismo, e bastante pautado nos ideais positivistas, o movimento alicerçou-se em um princípio contraditório de destruição do passado e apologia à modernolatria, ao progresso, ao dinamismo e à velocidade. Seus seguidores, tendo como líder Filippo Tommazo Marinetti, escreveram mais de trezentos manifestos, paridos durante a efervescência do movimento (1909-1914). A dramaturgia mais característica do mo-vimento adotou assuntos e procedimentos do teatro de variedades (invariavelmente esquetes), mas apresentada a partir da junção dos conceitos de síntese e de surpresa. Nessa conjunção, a síntese significava obras de curta extensão e de redução, por exem-plo, de toda a obra de Shakespeare a uma hora; a surpresa significava trabalhar com o inusitado, com a provocação, com o estupor. Os esquetes teatrais eram apresentados

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em serate (plural de serata = noitada). Nessas noitadas futuristas, a partir de um roteiro repleto de lacunas, os espectadores eram provocados dos mais diferentes modos.

O futurismo italiano, de Aurora Fornoni Bernardini (São Paulo: Pers-pectiva, 1983) e As trombetas de Jericó: teatro das vanguardas históricas, de Silvana Garcia (São Paulo: Hucitec; Fapesp, 1997), oferecem excelentes pistas e informações acerca do movimento.

De maneira bastante contundente, o futurismo italiano espalhou-se pelo mundo de modos opostos, sendo que na Rússia (revolucionária) o movimento evoluiu das simples e burguesas provocações a proposições sociais da maior relevância e significado, ganhando dimensões políticas de um teatro de massa e transformador.

Alguns exemplos de textos sintéticos:

Ato negativo, de Corra e Settimelli, com tradução de Rodrigo Santiago.

Entra um senhor preocupado, atarefado, tira o capote, o chapéu, anda furibundo dizendo:

Homem – Uma coisa fantástica, incrível! (Vira-se para o público, fica irritado ao vê-lo, depois vai até o proscênio e diz categórico:) Eu não tenho nada a dizer aos senhores... Fecha o pano!

Para entender o choro, de Giácomo Balla, com tradução de Rodrigo Santiago.

Senhor vestido de branco (roupa de verão)Senhor vestido de negro (roupa de mulher enlutada)Cenário – Telão quadrado, metade vermelho, metade verde.Os dois personagens falam muito seriamente.

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Negro Para entender o choro...Branco Desbatetitotiti.Negro Quarenta e oito.Branco Brancabatarse.Negro Mil duzentos e quinze mas me...Branco Ulubusssssssut.Negro Um, parece que você está rindo.Branco Esnhacarsapinir.Negro Cento e onze ponto cento e onze ponto zero vinte e dois te proíbo de rir.Branco Parplicluplotorplanplint.Negro Oitocentos e oitenta e oito mas pordeusissssssimo! Não ria!Branco Iiiiirrrrriririririri.Negro Doze trezentos e quarenta e quatro. Chega! Para com isso! Pare de rir!Branco É preciso rir.

Detonação (Detonazione), de Francesco Cangiullo, tradução de Silvana Garcia.

Palco vazio e silencioso. Após um minuto, um estampido de revólver. Um minuto. Telão.

Flerte, de Volt, tradução de Alexandre Mate.Uma mulher nua. Um homem jovem de smoking está refestelado

numa poltrona com um jornal na mão.

Ela (timidamente) – Sou uma mulher respeitável. (Ele não se mexe. Ela, com ostentação) – Sou uma mulher respeitável. (Ele se volta, sem olhá-la, e reini-cia a leitura do jornal. Ela, furiosa) Sou um mulher respeitável.Ele (levanta-se, abre as mãos e os braços, pega um copo na bandeja e com voz suave) – Minhas condolências. (Ela tem um ataque histérico).

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Cubo-futurismo

E então, que quereis? Vladimir Maiakovski

Fiz ranger as folhas de jornalAbrindo-lhes as pálpebras piscantesE logo, de cada fronteira distanteSubiu um cheiro de pólvoraPerseguindo-me até em casaNestes últimos vinte anosNada de novo háNo rugir das tempestadesNão estamos alegres: é certoMas por que razãoHaveríamos de estar tristes?O mar da história é agitadoAs ameaças, as guerras, havemos de atravessá-lasRompê-las ao meio, cortando-asComo uma quilha corta as ondas.

Angelo Maria Ripellino, ao analisar a produção dos cubo-futuristas na Rússia (movimento desenvolvido sobretudo pelo processo desencadeado pela Re-volução Russa, desde 1905), afirma que o teatro desses artistas “[...] não deve ser procurado apenas nos textos dramáticos, mas também nos seus espetáculos semeados de extravagâncias, de algazarras e bate-bocas com o público.”31

O futurismo russo foi articulado em dois ramos principais. O pri-meiro deles, chamado de ego-futurismo de Petersburgo, fundado em novembro de

[ 31 ] Angelo Maria Ripellino. Maiakóvski e o teatro de vanguarda. São Paulo: Perspectiva, 1971, p. 22.

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1911 (em outras fontes, 1909), por Igor Sievierianin (ou Severjànin), foi um movi-mento que retomou fórmulas decadentistas superadas, cujos poemas eram amanei-rados e repletos de expressões estrangeiras; o segundo, chamado de cubo-futurismo de Moscou, surgiu em abril de 1910 por intermédio da publicação de um almanaque chamado Sadók Sudiéi (Viveiro de Árbitros), dirigido por Vielimir Khliebnikov, David e Nicolai Burliuk, Vasseli Kamienski e Elena Guro. Em fins de 1912, no almanaque Pochchótchina Obchchéstvi Enomu Vkussu (Uma Bofetada no Gosto do Público), os cubo-futuristas apresentam um manifesto exortando a repulsão a Puchkin, Dostoievsky e Tolstoi e a todo o passado, defendendo a tese de ser direito dos poetas aumentarem o vocabulário existente com novas e arbitrárias palavras e derivadas. Adotando a ex-centricidade nos espetáculos futuristas, em um artigo chamado I nam miassa! (Carne também para nós.), Maiakovski (para quem a poesia representava um ofício, afirmou “Também sou fábrica” – conceito de poeta operário) declarou que o futurismo repre-sentava para os jovens poetas a capa vermelha usada pelos toureiros.

Decorrente da transformação da Rússia em União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, era preciso contar com o teatro também como um espaço para que as ideias socialistas chegassem aos mais distantes e longínquos lugares. O cubo-futurismo russo apropriou-se das formas populares de cultura: teatro de feira, teatro de revista, circo e outros, articulados e orientados a pressupostos panfletários e polí-ticos na busca da criação da cultura proletária. Dessa mescla, surge o agitatsiya pro-paganda: teatro de agit-prop (agitação e propaganda socialistas). As obras passaram a ser levadas em qualquer espaço, principalmente em espaços públicos, a partir da junção: texto curto, problematização política, forma popular.

Obs.: Não há muito material publicado em português sobre o assunto, mas,

além do livro de Ripellino, já apontado, devem ser consultados:

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Boris Schnaiderman. • A poética de Maiakovski. São Paulo: Perspec-tiva, 1971. Silvana Garcia.• Teatro da militância: a intenção do popular no en-gajamento político. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004. Aleksandr A. Mikhailov. Maiakovski: o poeta da revolução. Rio de Janeiro: Record, 2008.

Expressionismo

Movimento decorrente principalmente do aprofundamento do ro-mantismo alemão. Oficialmente, sua eclosão ocorre em teatro com a encenação de Assassino, esperança de mulheres, de Oskar Kokoschka, em 1908. As obras expressio-nistas apresentam não o retrato do mundo exterior, mas, como afirmou o dramaturgo norte-americano Elmer Rice, uma radiografia do real. Em uma sociedade sempre premida pelo estado de guerra, o expressionismo, em todas as suas manifestações, tende a apresentar imagens resultantes da vida interior e manifestadas de modo pa-tético, primitivas, animalizadas, tipificadas. As personagens, como Georg Büchner já afirmava, são espécies de über-marionettes (supermarionetes), portanto, algo próximo a figuras.

Decorrente do romantismo e das experiências da Freie Bühne (Cena Livre, que desenvolveu o naturalismo alemão), o movimento pode ser dividido em duas tendências distintas: o expressionismo messiânico (niilista e individual), do qual fazem parte, entre outros, Franz Wedekind, Walter Hasenclever e Reinhold Sorge, e o expressionismo épico (que mergulha na história da Alemanha), do qual fazem parte, entre outros, Georg Kaiser e Ernst Toller.

O expressionismo alemão aprofunda as experiências radicais pelas quais o drama vinha passando, principalmente os processos criados por Strindberg

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(dream play) e cria o chamado drama de estações (stationen drama), que pensa a vida da personagem como uma espécie de calvário. Nesse tipo de drama, foi bastante comum as cenas se referirem àquilo que apenas uma personagem, a protagonista, sonha, pen-sa, idealiza.

O segundo texto de Ernst Toller, Hinkemann, corresponde a uma de suas experiências dramatúrgicas mais importantes, apresenta a trajetória de retorno do derrotado Hinkemann da guerra, sem conseguir [re]adequar-se ao mundo do pós-guerra. Trata-se, para a personagem, de um pesadelo da expressão de metáfora de uma Alemanha mutilada, vítima dos próprios mitos que forjou.

Hinkemann (sozinho) – Amanhã, disse ele... Amanhã... Como se pudesse haver um amanhã... Agora vejo... Oh, os meus olhos, os meus pobres olhos, os meus pobres olhos... A luz... Como doem meus olhos...(Desfalece. O que segue deverá desenrolar-se como um pesadelo do seu espírito conturbado. As personagens o cercam como para oprimi-lo e de-pois, reabsorvidas pela sombra, se afastam. De todos os lados, avançando em círculos concêntricos, aparecem inúmeros mutilados de guerra, uns sem um braço, outros só com uma perna. Todos trazem um realejo a tiracolo, cantando, indiferentes, uma canção militar:)

Vestiram-lhe um uniformee mandaram-no para a guerra,e deram-lhe por recompensasó quatro palmos de terra.

(Bruscamente, imobilizam-se. E, de repente, uns após outros, e por fim em coro, gritam:)

Tocou a reunir!A reunir!

(Alguns segundos de silêncio. Até que, como se obedecessem a uma ordem, sentam-se todos no chão, cantando e tocando os realejos. Depois, levantam-se e põem-se em marcha uns contra os outros, como se se preparassem para to-mar de assalto uma barricada, cantando e tocando furiosamente os realejos:)

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O diabo leve o Kaiser,leve o diabo o Czar,o diabo leve Lloyd George,e me leve a mim também.

(Os realejos entrechocam-se com um ruído violento. O choque obriga-os a recuar, avançando de novo em seguida uns contra os outros. Entram, cor-rendo, vários agentes da polícia militar, que gritam:)

Ordem! Ordem!Velhos combatentes!A pátria precisa de vós!Meia-volta, volver!

(Silêncio absoluto à voz de comando. Como que impelidos por uma mola, os mutilados perfilam-se, fazem meia-volta regulamentar e vão saindo em passo de marcha, conservando entre si as respectivas distâncias, enquanto cantam acompanhando-se ao realejo:)

A vitória será nossa!Esmagaremos a França!Será essa a nossa glória,a nossa maior esperança!

(A cena é invadida por vendedores de jornais.)Primeiro Vendedor de Jornais – Edição especial! O grande acontecimento do dia! Inauguração de um novo cabaré! Mulheres nuas! Jazz-band! Champagne! Bar americano!Segundo Vendedor de Jornais – Edição especial! Notícias da última hora! Massacre de judeus na Galícia! A sinagoga incendiada! Mil pessoas queimadas vivas!Uma Voz – Bravo! Morram os judeus!Terceiro Vendedor de Jornais – Últimas notícias! Tria-Trei, a mais bela de todas as estrelas de cinema! Protagonista do sensacional filme de aventuras “A mulher-vampiro”! Um filme brutal que sacode os nervos!Quarto Vendedor de Jornais – Últimas notícias! Peste na Finlândia! As mães afogam os filhos! A população revolta-se! O nosso governo envia tropas para manter a ordem!

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Quinto Vendedor de Jornais – Últimas notícias! O emocionante filme reli-gioso “A Paixão de Nosso-Senhor”! O despertar do sentimento moral! Uma su-perprodução que custou duzentos milhões de marcos! Completa o programa uma sensacional reportagem do match de boxe entre Dempsey e Carpentier!Sexto Vendedor de Jornais – Últimas notícias! A maior descoberta do século XX! O milagre da técnica! O mais poderosos de todos os gases asfixiantes! Uma esquadrilha de aviões capaz de destruir uma cidade inteira, com todos os seus ha-bitantes! O inventor foi eleito membro honorário de todas as academias do mundo e agraciado pelo Papa!Sétimo Vendedor de Jornais – Últimas notícias! A queda do dólar! Baixa na Bolsa de Nova York! Desvalorização da moeda!Oitavo Vendedor de Jornais – Últimas notícias! A aposta mútua para as clas-ses pobres! Cem por cento de dividendo! A questão social resolvida!Todos (em coro) – Edição especial! Últimas notícias! Últimas notícias!(Desaparecem enquanto dois velhos judeus atravessam a cena.)Primeiro Judeu – É sempre a mesma história. Arrancaram-nos da cama em plena noite, bateram-nos, levaram-nos as nossas mulheres e as nossas filhas... A mão do Senhor abateu-se sobre nós!Segundo Judeu – E chamam-nos de Raça Eleita! Eleita para o sofrimento e para a desgraça, sim!(Passam.)Uma Jovem Prostituta – Ele era tão simpático, tão meigo... E tão novo ainda... Por isso deixei-me ficar com ele a noite inteira... Pagou-me só quatro marcos – era todo o dinheiro que trazia.O Seu Companheiro – Quatro marcos? A próxima vez que tornares a fazer-me uma dessas encho-te a cara de bofetadas... Talvez assim te passe a mania do sentimento...(Passam.)Uma Velha Vendedora de Guloseimas – Não diga mal dele, meu senhor! Ele é o novo Messias, o que nos há de salvar a todos. Para ele vai toda a minha espe-rança, e já sinto aproximar-se a Terra Prometida.Um Cliente – E, entretanto, vai roubando as vossa economias!A Velha – Que importa o dinheiro, meu senhor, o dinheiro, o dinheiro é papel que

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se amarrota... E uma velha como eu tem porventura alguma coisa a perder? As desgraças deste mundo já não me afligem. Passei por todas elas e agora a minha alma anseia por libertar-se. E sei que meu salvador não me abandonará... (...)Diversas Vozes – Caiu um homem no chão! Teve um ataque! Chamem a polí-cia! É o homem da feira, aquele que engole ratos vivos! Ah, então não admira que se tenha sentido mal!Um Homem com Cassetete – É um vermelho, pela certa... Na Prússia Central é que sabem tratar-lhes da saúde... Põem-lhes um revólver na mão, e ai deles se não meterem logo uma bala nos miolos... “Deutschland, Deustschland über al-les”... A canalha tem de ser ensinada... Ao chicote se for preciso...Homem com Lança-chamas – É uma tolice prendê-los... O melhor sistema ainda é este: dar uma volta com eles num lugar retirado, um pontapé no cu e um tiro na nuca... E depois participa-se que o prisioneiro foi abatido ao tentar pôr-se em fuga...(De todos os lados acodem prostitutas.)A Primeira – Se ele quiser pode vir dormir comigo. Tragam-no para o meu quarto. Dar-lhe-ei vinho para o reanimar.A Segunda – Não, não, levem-no antes para minha casa!A Terceira – Para a minha! Para a minha!A Quarta – Isso querias tu, velha bêbada viciosa! Nem sequer tiraste a licença! Precisavas que eu te denunciasse! Põe-te mas é a sair daqui pra fora!(A Terceira e a Quarta prostitutas lutam. Burburinho. De repente estalam os acordes de uma marcha militar numa rua próxima: flauta e tambores, depois trombones e cornetas.)As Quatro – Os soldados! Vêm aí os soldados! Hip! Hip! Hurra!(A cena esvazia-se rapidamente. Hinkemann fica sozinho. As luzes que co-meçaram a baixar com os primeiros acordes da marcha militar extinguem-se gradualmente. A música afasta-se. Hinkemann levanta-se lentamente.)Hinkemann – E por cima de mim a eternidade do céu... a eternidade do céu...(obscuridade total.)32

[ 32 ] Nesse e como em boa parte de seus textos, Toller “inaugura qualitativamente” a novidade de misturar situações da realidade e de pesadelo, sendo que é na última delas que aparece a verdade.

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Dadaísmo

Movimento surgido em 1916, na tranquila capital da Suíça, Zurique. Tendo por objetivo estupidificar o espectador, o movimento surge a partir de uma soirée (noitada, em francês) desenvolvida no Cabaré Voltaire, fundado pelo alemão Hugo Ball. Defendendo a tese de que o dadaísmo era nada, de que a arte era nada, de que a estética era nada, o movimento radicaliza seus experimentos antiarte, princi-palmente, ainda em Zurique, com a participação dos romenos Tristan Tzara e Marcel Janco. Nessa noite foi apresentado o poema (sem qualquer sentido) Gadgi beri bimba (1916), de Hugo Ball:

Gadgi beri bimbaGadgi beri bim glandridi laula lonni cadoriGadjama gramma beriba bimbala glandri galassassa laulitalomini gadgi beri bin blassa glassala laula lonni cadorsu sassala bimgadjama tuffum i zimzalla binban gligla wowolimai bin beri bano katalominai rhinozerossola hopsamenbluku terullala blaulala loooozimzim urullala zimzim urullala zimzim zanzibar zimzalla zamelifantolin, brussala bulomen brussala bulomen tromtatavelo da bang bang affalo purzamai affalo purzamai lengado torgadjama bimbalo glandridri glassala zingtata pimpalo ögrögöööööviola laxato vilozimbrabim viola ali paluji malooo.

Trata-se daquilo que os arautos do movimento nomearão de poe-ma simultâneo: espécie de poema constituído por versos sem palavras ou poema sonoro ou poema fonético abstrato que, posteriormente, teria dado origem aos chamados poemas simultâneos (ou simultaneístas). O nome de “poema auto-

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mático” (ou poème simultan) foi dado pelos artistas ligados ao movimento surrea-lista à produção de poemas que saíam, segundo estes, diretamente das entranhas do poeta e sem nenhum crivo crítico e/ou elaboração intelectual. De modo mais esquemático, trata-se de um recitativo baseado no contraponto, em que várias vo-zes falavam, cantavam, assobiavam, faziam ruídos e sons inusitados, deixavam cair coisas ao mesmo tempo, buscando, por intermédio desse encontro, constituir o que eles chamavam de uma certa essência elegíaca, bizarra e alegre por meio da qual se buscava a criação de uma energia ensurdecedora que pudesse sugerir novas formas de recepção das obras artísticas. Historicamente, o primeiro poema simultâneo foi escrito por Huelsenbeck, Janco e Tzara, em francês, alemão, inglês e língua inven-tada, chamado O almirante procura uma casa para alugar, acompanhado pelos decla-mantes vestindo máscaras criadas por Janco. O paroxismo desse tipo de produção espontaneísta foi desenvolvido por Tzara que, em determinado momento, recortou palavras de jornal, juntou-as em um saco e jogou-as no chão. Juntando as palavras que caíram ao acaso, Tzara compôs uma obra ou antiobra a partir do resultado ob-tido por intermédio de justaposição casual.

A instância máxima da provocação ocorreu principalmente com os ready-mades (produtos industrializados, prontos para o uso, refuncionalizados), e cuja A fonte (um urinol), de Marcel Duchamp, transformou-se em um dos mais signifi-cativos exemplos na história das artes daquilo que se poderia chamar (tomando a expressão de Roberto Schwarz) “ideias fora do lugar”.

Como os artistas ligados ao movimento negavam a arte, não escre-veram textos teatrais, tendo em vista que pretendiam desenvolver relações esponta-neístas, imediatistas, improvisadas. Apesar disso, a obra O imperador da China (1916-1919) do francês Ribemont-Dessaignes (1884-1974), caracteriza-se como próxima às imagens dadaístas (non sense).

Além do livro já citado de Silvana Garcia, que comenta sobre as van-

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guardas históricas, consultar sobre o movimento: Hans Richter. Dadá: arte e antiarte. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

Além dessas indicações, a Editora Cosac & Naify tem a coleção “Movimentos da Arte Moderna”, primorosa, sobre as vanguardas.

Surrealismo

“Filhote” do dadaísmo, o movimento francês, liderado por André Breton (1896-1966), rompe com o original em 1922. Dando sequência a muitas das ideias e características do movimento dadaísta, o surrealismo nasce oficialmente com a publicação do Manifesto do Surrealismo, em 1924. Apesar do lastro anterior, o novo movimento preconiza o trânsito com o inconsciente, com o acaso e com as imagens maravilhosas: paridas por uma imaginação sem limites. A ideia desenvolvida nesse manifesto preconiza que o poeta deveria ser um dormidor (tendo em vista que seria por intermédio do sonho, sem crivos censórios, que faria o maravilhoso surrealista irromper, contaminando a vida como um todo).

O movimento também apresentou suas obras, ideias e manifestos nas soirées surrealistas. De modo diferenciado ao que se preconiza e realiza nas soirées dadaístas, os surrealistas buscavam criar climas e situações oníricas (que provocassem o sonho, o devaneio, o encantamento). As chamadas “paisagens surrealistas”, tanto em sua perspectiva abstrata como figurativa, podem ser apreendidas respectivamente nas obras de Juan Miró e nas obras de Salvador Dali. Mais que interpretar, as obras querem provocar o desejo de adentramento nessas paisagens.

Em teatro, dois dos maiores nomes do movimento surrealista são Roger Vitrac (1889-1952), sem dúvida o mais importante dos criadores do surre-alismo na área teatral (e que foi expulso do movimento sob alegação, por André Breton, de interesses econômicos) e que escreveu a inusitadíssima e interessante obra

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Victor ou as crianças no poder; e Antonin Artaud (1896-1948). Artaud foi aquilo que se chama “um homem de teatro”, dedicando-se aos mais diferenciados fazeres com a linguagem. Escreveu dois significativos manifestos: Teatro da crueldade (1932) e Teatro e seu duplo (1938).

No texto O teatro e seu duplo, Artaud vislumbra o teatro como um flagelo vitorioso, uma epidemia redentora, e defende a tese segundo a qual o teatro ocidental havia perdido seu sentido religioso, místico, mágico-ritualístico e coletivo: sendo necessário, portanto, injetar o vírus do teatro no corpo social para desintegrá-lo. “Duplo”, portanto, representaria o medo metafísico (já presente no teatro desde a Antiguidade), em que o espanto e o horror estariam plasmados em uma imagem (ou um signo). No sentido de recuperar os elementos perdidos pela humanidade, a proposta estética preconizada por Artaud dava conta de que o teatro (“filho do delírio e da paixão”) não seria o duplo da realidade socioeconômica, mas da realidade das forças ocultas que regeriam o mundo. Assim, as proposições artaudianas buscavam a criação de um teatro cuja linguagem fosse capaz de atingir o homem no mais fundo de si, revelando o interior humano onde habitariam a selvageria, a peste, os sonhos, o erotismo e o crime (numa espécie de metafísica agressiva e destruidora). Assim, Artaud afirmava que sua teoria teria por objetivo: “Drenar um abscesso gigantesco, que seria a própria vida moderna, prevenir a violência descontrolada que a todo o momento nela ameaça deflagrar, situando-a no palco, em ação com a intensidade exasperada de uma epidemia redentora”.

Urgia, portanto, à luz da decadência da sociedade e da arte ociden-tais, criar um teatro puro (desintegrador da forma cultural tradicional) e cruel em que os atores pudessem afigurar-se como vítimas ardendo em uma imensa fogueira, transmitindo sinais de dentro das chamas com o objetivo de libertar a humanidade das repressões da civilização ocidental. Tais princípios, fundamentalmente de ordem metafísica e mística, foram em muito construídos a partir de uma pesquisa desen-

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volvida por Artaud da cultura oriental e da mitologia primitiva dos povos da Améri-ca (fundamentalmente da mexicana, onde o artista permaneceu um tempo). Assim, além das imagens estupidificantes, em seu teatro as palavras não poderiam ser ditadas pela lógica, mas pelo misticismo mágico e por toda forma de violência (latente nos indivíduos), buscando refundir “[...] as ligações entre o que é e o que não é entre a virtualidade do possível e o que já existe na natureza materializada”.

No âmbito do espetáculo, Artaud defendia o princípio de que as ações deveriam ser desenvolvidas e apresentadas em vários planos e simultaneamente, o que tornaria mais eficaz o objetivo purificador do teatro através da conquista da compaixão e do terror. O ator, em seu teatro, por ser um signo vivo, deveria renunciar à sua liber-dade de intérprete através de uma grande disciplina e capacidade de entrega. Dessa forma, ainda, deveria fugir da falsa representação (característica de todos os outros ti-pos de teatro e especialmente aquele característico do realismo), sem entretanto deixar de submeter-se a uma gramática de efeitos “metodicamente calculados”.

Obs.: As obras de Guillaume Apollinaire (1880-1918) foram consideradas

precursoras do movimento realista. O fragmento de As mamas de Tirésias, escrita em 1903, sendo que o prólogo e a última cena do segundo ato foram escritas em 1916, é apontada como um marco do movimento surrealista.

Cena INo mesmo lugar, no mesmo dia, ao crepúsculo. O mesmo cenário apresentando numerosos berços com recém-nascidos. Um berço vazio está perto de enorme vidro de tinta, um gigantesco pote de cola, uma caneta descomunal, uma respeitável tesoura.

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Marido (com uma criança em cada braço. Gritos contínuos de crianças no palco, nos bastidores e na plateia, durante toda a cena, ad libitum. Indica-se somente quando e onde eles aumentam) – Ah que loucura as alegrias da paternidade[ele pariu] 40.049 crianças num só diaMinha felicidade é completaSilêncio silêncio (gritos de crianças do lado esquerdo da plateia)A felicidade em famíliaNada de mulher nos braços(deixa cair as crianças)Silêncio(gritos de crianças do lado esquerdo da plateia)É assombrosa a música modernaQuase tanto como os cenários dos novos pintoresQue florescem longe dos bárbarosEm ZanzibarNão é preciso ir aos balés russos ou ao Vieux ColombierSilêncio silêncio(gritos de crianças do lado direito da plateia)Talvez fosse melhor tratá-las a chineladasMas é preferível não se precipitarVou comprar-lhes bicicletasE esses patetas irão darSeus concertos noutros lugar(as crianças vão se calando aos poucos. Ele aplaude)

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aponTaMenTos soBre o TeaTro épico De BerToLT BrecHT

Eugen Friedrich Bertolt Brecht (1898-1956) representa um dos ca-sos mais polêmicos do teatro contemporâneo. Poeta, dramaturgo, ensaísta, diretor teatral, militante político, exilado (pelas mais diversas contingências e injunções, so-bretudo àquelas de ordem política), construiu uma obra complexa, radical, múltipla, coerente, ortodoxa e dialética.

No poema Caçado com boa razão, Brecht já tinha consciência de que trairia sua classe de origem:

Cresci como filho de gente rica.Meus pais deram-me uma gravata e me educaramNos hábitos de ser servido.Ensinaram-me também a arte de mandar.Mas quando eu cresci e olhei em voltanão gostei da gente de minha classe,nem de mandar, nem de ser servido.E deixei minha classe,indo viver com os deserdados.Deste modo, criaram um traidor.Ensinaram-lhe as suas artes e ele passou para o lado dos inimigos.Sim. Eu revelo segredos.Estou no meio do povo e relato como eles o enganam.Prevejo o que virá, pois estou a par de seus planos.O latim dos padres venaistraduzo palavra por palavra na linguagem comum.Assim todos veem os seus disparates. Pegonas mãos a balança da justiçamostro os falsos pesos. Os espiões

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me delatam, revelando que estou ao lado das vítimas.quando se dispõe a atacá-las.

Desse modo, com menos de 20 anos de idade, já estava inserido em importante coletivo teatral: a Freie Volksbühne de Berlim, dirigida por Erwin Piscator (1893-1966). Com Piscator, sobretudo, aprendeu que o teatro, além de es-tética, tinha uma função social também. No sentido de montar espetáculos dentro de associações de trabalhadores, que comentassem seu tempo e o modo como os homens se relacionavam, Piscator buscava a criação de uma nova forma. Ocorre que o naturalismo alemão, ao trazer novas personagens para a cena: a classe traba-lhadora, e novos assuntos: as lutas sindicais, as greves, etc., não conseguia fazê-lo bem por conta de adotar a estrutura do drama: que prioriza a intersubjetividade e os conflitos entre os indivíduos. Piscator, na busca da nova forma, junta a estrutura do drama à do teatro de revista; experimenta a projeção de filmes durante o espe-táculo; cria personagens-coro... essas tentativas de explodir a estrutura hegemônica é acompanhada por Brecht que, em 1919, escreve seu primeiro texto (ligado ao movimento expressionista): Baal.

Escrevendo textos e já como assistente de direção de Piscator, Brecht, no início da década de 1920, principia seus estudos, de modo programático, sobre o marxismo. Por meio desse processo de estudo, e com consciência de que a linguagem teatral se constituiria em seu ofício, o dramaturgo empreende verdadeira cruzada no sentido da construção de um teatro épico (anti-ilusionista); político-militante; poé-tico; tomando como assunto a história e, sobretudo, aquela de seu tempo; assumindo um lado: o da classe trabalhadora. Tais escolhas, estético-políticas, granjearam ao autor, ao longo da vida, uma série de inimigos e detratores, tanto aqueles que leram e conheceram suas obras quanto aqueles que apenas ouviram falar delas, e o condena-ram ao limbo dos preconceitos.

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Na década de 1920, Brecht escreveu uma série de peças, designadas didáticas, em alemão: Lehrstück, e, em inglês: learning play (peças de aprendizagem). Didáticas porque o ato didático, do grego, pressupõe um processo de troca, um pro-cesso de dupla mão. Por intermédio dessas obras, vislumbrava o dramaturgo construir textos que pudessem ser reescritos permanentemente, contando com a participação coletiva daqueles com os quais, ideologicamente, o autor se identificasse. Por conta da perseguição nazista (Hitler sobe ao poder, pelo voto, em 1933), e um longo pro-cesso de perambulação e fuga, da Europa aos Estados Unidos, Brecht abandona esse processo e não mais o desenvolve até sua morte. Reiterando: tratava-se de um pro-cesso de escrita e reescrita permanente, processo em que o texto pudesse de fato ser construído coletivamente, atendendo à dialética pressuposta pelos diferentes pontos de vista. Fazem parte dessa fase, entre outras: Aquele que diz sim. Aquele que diz não; A exceção e a regra; O voo sobre o oceano; A decisão. Ao mesmo tempo em que desenvolve as peças didáticas, na década de 1920, por influência sobretudo do teatro-cabaré ale-mão, Brecht escreve algumas óperas memoráveis: Ópera dos três vinténs, 1928; Queda e ascensão de Mahagonny, 1928-29. Com a escritura das óperas, articulando o teatro-cabaré alemão ao teatro naturalista (desenvolvido nas Freie Volksbühne), o teatro de feira, Brecht incorpora também à música um caráter épico: a música começa a narrar e a tomar um ponto de partida na obra.

Mesclando os estudos políticos aos estéticos, tanto das formas popu-lares como das eruditas, Brecht inicia uma última fase, que dará nome ao seu teatro como um todo, chamado de teatro épico (fundamentado na dialética). Opondo-se ao teatro aristotélico (ilusionista e emocional), que o autor vai chamar também de culiná-rio, o dramaturgo alemão escreve seus textos mais densos e importantes, entre os quais podem ser citados: Santa Joana dos matadouros (1936), em que reaviva o mito de Joana d’Arc, reambientado em Chicago, para discutir a crise do sistema capitalista, de 1929; A vida de Galileu (1938-39), em que tenta discutir as contradições e estratégias de sobre-

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vivência; A alma boa de Set-Suan (1934-41), em que discute, principalmente, o conceito abarcado pela bondade; Terror e misérias do Terceiro Reich (1935-38), em que apresenta um painel do que ocorreu na Alemanha de Hitler; Os fuzis da senhora Carrar (1937), no qual discute, principalmente, o conceito de neutralidade; Mãe coragem (1939); Senhor Puntilla e seu criado Matti (1940); A compra do cobre, inacabada, 1937-51.

O conceito pressuposto pela nova forma (épico dialética) parte das descobertas de Erwin Piscator e se aprofunda com a criação de Brecht, que compre-endia: a escritura de obras dramatúrgicas, ensaios teóricos (muitos deles comentando aspectos desenvolvidos nas obras dramatúrgicas e poemas). Por conta de o teatro ter para o teatrólogo uma função social, e na condição também de diretor, Brecht criou o conceito de distanciamento (do alemão verfremdungseffeket), cujo significado, par-tindo do verbo verfremdes = entender, significa afastar-se para ver/entender melhor. Pelos achados brechtianos, tratava-se de, por intermédio da dialética, contrapor per-manentemente: pontos de vista, fragmentação da narrativa, desenvolvimento de ati-tudes contraditórias (o autor chama esse processo de “mostração dialética” = mostrar que se é contraditório e que se está no teatro); de interromper as cenas com cartazes explicativos (em alemão merkmale); de deixar equipamentos do teatro à vista... En-fim, Brecht empreendeu, pela pesquisa teórica e prática (de diversas formas teatrais, ocidentais e orientais), a criação de um teatro que emocionasse mas que cumprisse com sua função pública e social (leia-se política). Desse modo, insiste o autor que a função do teatro é educar (a pensar de modo dialético, autônomo, social) e divertir (capacidade de entender e tomar um partido crítico por conta disso).

Em seu último ensaio crítico, de 1948, O pequeno organon para o teatro, Brecht revisita conceitos, (re)pondera acerca de outros, reitera crenças e pontos de vis-ta. Brecht tem vários comentaristas (a maioria muito bons), entre eles, para conhecer a vida e a obra do alemão, Fernando Peixoto, autor de Brecht: vida e obra (3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979), que é uma excelente leitura.

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Para entender algumas das determinações pressupostas pelo teatro épico, consultar: Walter Benjamin, O que é teatro épico? (1ª e 2ª versões), no livro Walter Benjamin (São Paulo: Ática, 1985, Coleção Grandes Cientistas Sociais); as obras dos grandes germanistas: Anatol Rosenfeld e Gerd Bornheim; organizado por Fiama Pais Brandão: Estudos sobre Brecht (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005), para ter acesso, em português, aos mais importantes textos teóricos escritos por Brecht.

aponTaMenTos soBre o TeaTro Do aBsurDo ou Da aBsurDiDaDe33

A influência, direta ou indireta, de Schopenhauer sobre a arte moderna é incalculável. Na sua essência – a vontade irracional – o homem já não difere dos animais, nem das plantas e tampouco do queijo e dos pepinos (...). A ordem é apenas aparente, no fundo reina o caos. Reais, verdadeiros são as ruínas e os esgares atrozes. Agitamo-nos num mundo de aparências, de máscaras, num mundo que é “representação”. No fundo – e na tendência de desmascarar o ho-mem, Schopenhauer precede Marx, Freud e Nietzsche –, no fundo somos bonecos, estrebuchando, com trejeitos grotescos, nas cordas manipuladas pela vontade cega e inconsciente; palhaços que se equilibram, aos tropeços, no circo do Ser absurdo. Na falência de todos os sentidos e valores, resta só um sentido: o salto mortal para o nada. (Anatol Rosenfeld:Texto/contexto)

[ 33 ] A terminologia “absurdidade” refere-se à adoção do conceito de acordo com as formulações filosóficas apresentadas por Albert Camus na obra O mito de Sísifo (Rio de Janeiro: Guanabara, 1989). Essa obra, junto à de Jean-Paul Sartre O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica (9. ed. Petrópolis: Vozes, 2001) são fundamentais para apreender as bases filosóficas do movimento.

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Inúmeras são as polêmicas acerca da designação dada a certa produ-ção teatral europeia, apresentada em língua francesa, cuja eclosão ocorre durante a Segunda Grande Guerra Mundial. Em 1943, com a França ocupada pelos nazistas, Jean-Paul Sartre tem sua obra O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica, publicada em Paris. Defendendo sobretudo o conceito de no mundo contemporâ-neo não se negar o ser, mas as razões de ser, amplia-se, de modo significativo, por intermédio da obra, uma (des)crença e niilismo (do latim nihil = negação) no que concerne às relações sociais. Desse sentimento-descrença decorre principalmente um insistente e contundente: Nada a fazer!

Considerado por vários historiadores como um dos primeiros dra-maturgos inseridos na tendência da absurdidade, Luigi Pirandello, defende a tese segundo a qual todos os seres são obrigados a viver em constante estado de represen-tação e de embustes contra os outros e si mesmo. Na Introdução a Seis personagens em busca de um autor (São Paulo: Abril Cultural, p. 13) afirma:

Mas o que vem a ser para uma personagem o “seu próprio” drama?

Cada produto da fantasia, cada criação da arte deve, para existir, levar em si o seu próprio drama, isto é, o drama do qual e pelo qual é per-sonagem. O drama é a razão de ser da personagem. É sua função vital, necessária para que ela possa existir.

Dessas seis personagens, portanto, aceitei o “ser” e recusei a ra-zão de ser. Delas peguei o organismo, do qual tirei a função existente, emprestan-do-lhe outra mais complexa, onde a delas entra apenas como um dado de fato

O nada, em quilométricas e intermináveis páginas escritas a respei-to, faria parte do âmago das coisas humanas e ditas abstratamente essenciais. Por meio de infindáveis conceitos elaborados por intelectuais, o conceito, confundido

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e/ou substituído por inúmeros adjetivos, apresenta-se, principalmente, como tédio, imobilismo, descrença, rejeição... a partir de um em-si-mesmo, estendido para a hu-manidade como um todo.

Fernando Peixoto afirma com relação ao “movimento”:

Após a segunda guerra mundial, cresce no pensamento idea-lista a crise de valores, o homem está sozinho e oprimido por um cotidiano incon-trolável. Para os dramaturgos do absurdo o homem não é situado num contexto histórico. É um indivíduo isolado e angustiado, impotente e sem perspectivas. [...] Incapazes de uma compreensão materialista e dialética, descrentes no homem como construtor de seu próprio destino, estes dramaturgos se desesperam, e anun-ciam que este desespero é de toda a humanidade. Alguns de seus representantes, antes malditos, hoje são aceitos oficialmente pela cultura burguesa, que não mais se choca em suas obras. É o caso de Ionesco. Entretanto, mais vigoroso é Samuel Beckett, autor de Esperando Godot, tragicômica parábola do homem incapaz de crer, mas também incapaz de perder a esperança: seu negativismo é tão absoluto que Beckett quase funda uma espécie dilacerada de tragédia moderna. Mas é um teatro que desmobiliza espectadores, em vez de mobilizá-los para a luta.34

De modo mais esquemático, a incorporação/inserção, por parte da crítica, dos dramaturgos ligados à tendência da absurdidade (da vida e das relações humanas, numa perspectiva irracional), deve-se, por um lado, ao fato de seus textos serem rigorosa, assumida e metafisicamente especulativos (filosóficos) e a um modo específico de criação de personagens: incrédulas, desesperançadas, sozinhas, angustia-das, tartamudeantes (espécie de gagueira mental), sem vislumbres e despossuídas de quaisquer possibilidades de redenção e salvação, com relação a si mesmas e ao coletivo: plantadas em uma espécie de paisagem devastada, e cuja pátria seria a própria língua.

[ 34 ] Fernando Peixoto. O que é teatro? 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1984, p.103-4.

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São obras escritas sem a menor pretensão de servirem como balizas, como referência e paradigma. Algumas dessas obras menos que denúncia apontam alguns quadros da vida social, desesperançada. Obras circunstanciadas pelo estético. Escritas por uma necessidade pessoal. Escritas para denunciar a impossibilidade da dialogia. Em certa ocasião, Samuel Beckett teria afirmado que não tinha nada a dizer, mas apenas ele saberia como fazê-lo! Nessa mesma perspectiva, encontram-se designações bastante diversas ao “conjunto individualizado” desses autores como: teatro do absurdo, teatro niilista, teatro existencialista, teatro (ir)racionalista, teatro filosófico, teatro de situa-ções, teatro metafísico... Enfim, os autores ligados ao chamado teatro da absurdidade eram mestres da linguagem; assim, não há que lhes contestar tanto os rótulos alheios (conferido pelos críticos) quanto aqueles a que eles mesmos se deram.

Mesmo correndo todos os riscos, mas amparado na determinação segundo a qual os procedimentos ordenatórios têm uma função didática, é possí-vel distinguir as obras e seus criadores mais significativos do “movimento” em duas tendências dentro do teatro do absurdo (ou da absurdidade), que se complementam e que se negam em diversos aspectos, mas cujo alicerce deriva de certa especulação filosófica derivada dos irracionalistas:

- a primeira delas, que na ausência de expressão mais apropriada chamaria de absurdo plasmado por um niilismo existencial explícito, da qual fa-riam parte, sobretudo: Luigi Pirandello, Jean-Paul Sartre, Albert Camus, Samuel Beckett;

- a segunda, bastante diferenciada da primeira, sobretudo no âm-bito dos assuntos a partir dos quais os textos se estruturaram, chamaria de absurdo niilismo formal ou comportamentalista, da qual fariam parte, sobretudo: Eugène Ionesco, Fernando Arrabal, Jean Genet e Arthur Adamov.

Em ambas as tendências, o conceito mais tradicional de gênero tea-tral não dá conta de apreender a estrutura das obras. Ionesco, por exemplo, enquadrou

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muitos de seus textos como farsa-trágicas. Nelas, há tentativas mais e menos elabora-das de mostrar a impossibilidade de as pessoas se entenderem. Nessa espécie de lógi-ca ionescana, cada uma fala para si e responde para si, mesmo em situação de aparente dialogia. Nesse teatro, assim como na última fase do romantismo alemão, sobretudo com Büchner (e aprofundado pelo expressionismo, também alemão), não existem personagens, mas figuras. Há indivíduos dramáticos apresentados sem características apreensíveis: de onde vieram? Por que se encontram em determinado lugar? Quais suas motivações para viver? A maioria desses indivíduos dramáticos se caracteriza na condição de um esboço volátil: que não se reconhece, por isso com tênue propensão a mudar o que está dado.

À guisa de exemplo, os excertos abaixo podem ilustrar algumas das considerações aqui apresentadas, buscando articulá-las àquelas ligadas ao nada ou ao “sem-importismo” do viver. O nada parece ser o limite vislumbrado e o marco de onde se parte, em um eterno vice-versa permanentemente. As ações demandadas pelo viver não têm importância: tudo está num limiar, mas nada acontece... Mas, se viessem a acontecer, pouco ou nada mais significariam.

Volta ao lar, de Harold Pinter

SAM (de um jato) – MacGregor comeu Jessie no banco de trás do táxi enquanto eu dirigia. (Geme e cai. Fica inerte. Todos olham para ele.)MAX – Mas o que ele está fazendo? Resolveu morrer?LENNY – É.MAX – Um cadáver? Um cadáver no meu chão? Botem ele pra fora! Limpem isso daqui. ( Joey se curva sobre Sam.)JOEY – Não está morto.LENNY – Mas deu uma morrida, pelo menos uns trinta segundos.MAX – Nem de morrer é capaz! (Lenny olha Sam no chão.)

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LENNY – É sim, ainda respira.MAX (apontando para Sam) – Sabe o que é que ele tinha?LENNY – Tem.MAX – Tem! Uma imaginação doente. (Pausa.)

Prefácio a Seis personagens à procura de um autor, de Luigi Pirandello.

(...) existem outros que não param por aí. São dominados por uma necessidade espiritual mais profunda, e por isso não aceitam representar figuras, casos e paisa-gens que não estejam embevecidos, vamos dizer assim, por um sentido particular da vida, com que tudo assume um valor universal, são escritores cuja natureza é mais propriamente filosófica.

O DIRETOR – E onde está o texto?...O PAI – Está em nós, senhor. (Os atores riem.) O drama está em nós; somos nós! E é grande a nossa impaciência, o nosso desejo de representá-lo, impelidos que somos pela paixão que ferve dentro de nós e não nos dá trégua!... [...]O FILHO (sem sair de seu lugar, baixo, frio, irônico) – Sim, fiquem ouvindo e vão ver, agora mesmo, que rasgos de filosofia! Vai falhar-lhes o Demônio da Experiência!...O PAI – Você é um cínico imbecil, e já lhe disse isto mais de cem vezes! (Ao dire-tor, que já está na plateia.) Escarnece de mim, senhor, por causa dessa frase que encontrei para desculpar-me.

A cantora careca, de Eugène Ionesco

SRA. SMITH – Mas quem cuidará dos filhos? Você sabe muito bem que eles têm um menino e uma menina. Como eles se chamam?SR. SMITH – Bobby e Bobby, como os pais. O tio de Bobby Watson, o velho Bobby Watson, é rico e gosta do garoto. Ele poderia encarregar-se da educação de Bobby.

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SRA. SMITH – Seria natural. E a tia de Bobby Watson, a velha Bobby Watson, poderia, por sua vez, encarregar-se da educação de Bobby Watson, a filha de Bobby Watson. Assim, a mãe de Bobby Watson, Bobby, poderia casar-se novamente. Ela já tem alguém em vista? SR. SMITH – Sim, um primo de Bobby Watson.SRA. SMITH – Quem? Bobby WatsonSR. SMITH – De qual Bobby Watson você está falando?SRA. SMITH – De Bobby Watson, o filho do velho Bobby Watson, o outro tio de Bobby Watson, o morto.SR. SMITH – Não, não é este, é outro. É Bobby Watson, o filho da velha Bobby Watson, a tia de Bobby Watson, o morto.SRA. SMITH – Você está querendo dizer Bobby Watson, o caixeiro-viajante?SR. SMITH – Todos os Bobby Watson são caixeiros-viajantes.SRA. SMITH – Que profissão horrível! No entanto, dá bom dinheiro.SR. SMITH – Sim, quando não há concorrência.SRA. SMITH – E quando não há concorrência?SR. SMITH – Às terças-feiras, às quintas-feiras, às terças-feiras.SRA. SMITH – Ah, três dias por semana. E o que faz Bobby Watson neste pe-ríodo?SR. SMITH – Descansa. Dorme.SRA. SMITH – Mas por que ele não trabalha nesses três dias se não há concor-rência?SR. SMITH – Não posso saber tudo. Não posso responder a todas as suas per-guntas idiotas!

Esperando Godot, de Samuel Beckett

ESTRAGON (desistindo de novo) – Nada a fazer.VLADIMIR (avançando em pequenos passinhos, com as pernas bem sepa-radas) – Estou começando a concordar com essa opinião. Toda a minha vida eu disse: “Calma, Vladimir, você ainda não tentou tudo”. E recomeçava a luta. (Faz uma pausa e pensa na luta. A Estragon) Então você está aí de novo?

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ESTRAGON – Estou?VLADIMIR – Fico alegre em vê-lo. Pensei que você tivesse ido embora para sempre.ESTRAGON – Eu também.VLADIMIR – Juntos outra vez! Precisamos festejar isso. (Reflete.) Levante-se que eu lhe dou um abraço.ESTRAGON – (irritado) – Agora não, agora não.VLADIMIR – (magoado e frio) – Pode-se perguntar onde Vossa Alteza passou a noite?ESTRAGON – Num fosso.VLADIMIR – (admirado) – Num fosso! Onde?ESTRAGON – (sem gestos) – Por aí.VLADIMIR – E eles não lhe bateram?ESTRAGON – Se me bateram? Claro que me bateram.VLADIMIR – Os mesmos de sempre?ESTRAGON – Os mesmos? (Pausa.)VLADIMIR – Quando eu penso... em todos estes anos... eu me pergunto o que é que você seria sem mim. (Decidido) Você seria um feixe de ossos, nesta altura dos acontecimentos. Sem dúvida.

O arquiteto e o imperador da Assíria, de Fernando Arrabal

IMPERADOR [...] – Imperador... sabe que apostei a existência de Deus no bilhar elétrico? Se em três partidas eu ganhasse uma, Deus existia. Não tive medo da dificuldade. Além do mais, manejo os flippers com uma tal facilidade... e era uma máquina que eu conhecia. Acendi o jogo num fechar de olhos. Jogo na primeira par-tida: 670 pontos e precisava de mil. (Sai e volta com um espartilho.) Começo a segunda partida. Primeira bola, erro terrível, ela escorrega mal. Dezesseis pontos. Um recorde. (Veste o espartilho e o ajusta ao corpo.) Lanço a segunda. Senti uma inspiração, digamos divina. Os clientes do bar estavam abobados. Eu fazia a máquina vibrar como um negro dançando com uma branca. A máquina respondia

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a tudo: 300, 400, 500, 600, 700 pontos. Tudo dava certo, o bônus, o retrovalor, os pontos, a bola suplementar. Por fim obtive... (Ele se examina. Ajusta mais o espartilho.) Não fico mal, hein? O que acha do meu espartilho? Ah, se o Arquiteto estivesse aqui, nós ainda construiríamos Babilônia e seus jardins suspensos. 973 pontos, 973! Quer dizer que se eu tiro 16 pontos da primeira; 957 pontos, o que tinha feito com uma só bola. Quando obtivesse 1000, aí estaria tudo. Deus existia. Impacientava-me, Deus estava nas minhas mãos. Tinha a prova irrefutável de sua existência. Adeus ao grande relojoeiro, o Arquiteto supremo, o grande organi-zador: Deus existiria e ia demonstrá-lo da maneira mais peremptória, meu nome apareceria em todos os manuais de teologia, fim dos concílios, das elucubrações dos bispos e dos doutores, ia descobrir tudo sozinho. Falariam de mim em todos os jor-nais. (Sai e volta trazendo um par de meias pretas.) Prefiro as pretas, e você? (Veste as meias com vaidade e prende no porta-liga do espartilho.) [...] Se minha mãe me visse. Onde é que eu estava? 973 pontos! Por assim dizer, Deus estava nas minhas mãos e só faltavam 27 pontos para ganhar. Nunca, nem mesmo nos meus piores dias, faço menos que isso. Lanço a bola artisticamente e ela cai justamente no triângulo dos bônus. Um ponto cada vez que o tocamos e com meu estilo... Começo a empurrar a bola que vai e vem à minha vontade. Compreende, Imperador! Compreende, Majestade? (De repente, grita) Arquiteto! Volte, vou ter um filho, não me deixe só, sozinho. [...] Todos os clientes do café estavam em volta de mim e eu mexia na máquina como um diabo. Ela me obedecia, submissa: 988, 989, 990, 991, 992, 993... E era preciso completar só 1000 pontos... E a bola ainda estava em cima. Não podia mais perder: caindo ela daria automaticamente dez pontos. Estava louco de alegria. Deus tinha se servido do mais humilde dos mortais para provar sua existência. [...] Arquiteto! (Grita.) Escute, vou ser mãe, vou dar à luz uma criança. Venha para perto de mim. (Muda de tom.) Que no-jento, com seu barquinho na... O que é que ele sabe da vida? (Desabotoa a roupa para vesti-la.) É um hábito de freira. (Veste-se.) Escute-me bem, pois não poderá acreditar! Marcava cada vez mais pontos com a bola e mais e mais: 995, 996, 997, 998, 999 e nesse instante um cafajeste esbarra no bilhar e pá! A máquina fica travada, a partida tinha terminado e como uma idiota ela indicava 999, 999. (Olha-se com a roupa de freira.) Que carmelita eu teria sido! Mas descalça não, nem pensar. (Grita.) 999. Compreende, Imperador? No que devo acreditar? Devo

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considerar válidos os dez pontos ganhos automaticamente? A terceira partida, é melhor não falar nisso. Chocante! 999 pontos.

O balcão, de Jean Genet

CARMEN – A verdade: que o senhor está morto, ou melhor, que o senhor não para de morrer e que sua imagem, como seu nome, repercutem ao infinito.ROGER – Ele sabe que minha imagem está em toda parte?CARMEN – Inscrita, gravada, imposta pelo medo, está em toda parte.ROGER – Nas mãos dos estivadores? Nas brincadeiras das crianças? Nos dentes dos soldados? Na guerra?CARMEN – Em toda parte.O CHEFE DE POLÍCIA (falando para uma personagem ausente) – Então, consegui?A RAINHA (enternecida) – Está feliz?O CHEFE DA POLÍCIA – Você trabalhou bem. Sua casa agora está completa.ROGER (a Carmem) – Está nas prisões? Está nas rugas dos velhos?CARMEM – Está. ROGER – Nas curvas do caminho?CARMEM – Não se deve querer o impossível.[...]ROGER – A vida está perto... ao mesmo tempo longe. Aqui, todas as mulheres são belas... A sua função é puramente ornamental. Nelas, a gente pode se perder...CARMEM (seca) – Sim. Na linguagem corrente nós somos chamadas de putas. Mas é preciso voltar...ROGER – Para onde? Para o mundo? Retomar, como se diz minhas funções...CARMEM (um pouco preocupada) – Não sei o que o senhor faz e não tenho o direito de me informar. Mas o senhor tem de partir. Já passou da hora.[...]ROGER – Nesta casa tudo é muito apressado. Por que devo voltar para o lugar de onde vim?CARMEM – O senhor não tem mais nada a fazer...

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ROGER – Lá? Não. Mais nada. E aqui tampouco. E lá fora, no que você chama de vida, tudo está perdido. Nenhuma verdade era possível...

O mal-entendido, de Albert Camus

MÃE – Não sei, mal olhei para ele. Sei por experiência que é melhor não os olhar. É mais fácil matar quem não se conhece. (pausa) Alegre-se, já não tenho medo das palavras.MARTA – Antes assim. Detesto alusões. O crime é crime, e é preciso saber o que se quer. E a senhora já sabia porque pensou nele quando respondeu ao viajante.MÃE – É injusto dizer que pensei nisso. Mas o hábito é uma grande força.MARTA – O hábito? Foi a senhora quem disse, as ocasiões são raras.MÃE – É, mas o hábito começa com o segundo crime. O primeiro não começa nada, termina alguma coisa. E apesar das ocasiões serem raras ele se fortifica de lembranças. Foi o hábito que me assegurou ser a imagem de uma vítima.MARTA – Mãe, é necessário matá-lo.MÃE (mais baixo) – Sem dúvida, é necessário matá-lo.MARTA – A senhora diz isso de um modo estranho.MÃE – Se ao menos esse fosse o último... Matar é terrivelmente cansativo. Para mim é indiferente morrer aqui ou perto do mar. Gostaria apenas que em seguida partíssemos juntas.MARTA – Partiremos, e que grande momento. Coragem, mãe. Há pouco a fazer. Bem sabe que nem sequer é questão de matar. Beberá seu chá, dormirá, e ainda vivo nós o levaremos ao rio. Muito depois será encontrado junto daqueles que não tiveram a mesma sorte, que precisaram se atirar na água de olhos abertos. Se chegarmos a assistir a limpeza do rio, a senhora se convencerá que são os nossos que sofrem menos, e que a vida é mais cruel que nós. Reaja, a senhora encontrará seu repouso, e eu verei enfim o que jamais vi.MÃE – Sossegue. Vou reagir. Às vezes fico satisfeita em saber que os nossos so-frem menos. Talvez seja até justo fazemos esta pequena intervenção em vidas desconhecidas. Aparentemente a vida é mais cruel que nós. Talvez por isso sinto dificuldade em me julgar culpada.

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Entre quatro paredes, de Jean-Paul Sartre

O CRIADO – Que interrupção?GARCIN (arremedando-o) – Que interrupção? (Desconfiado) Olhe bem para mim! Eu sabia. Aí está o que explica a indiscrição grosseira e insustentável de seu olhar. De fato, estão atrofiadas.O CRIADO – De que é que o senhor está falando?GARCIN – De suas pálpebras. Nós... nós batíamos as pálpebras. Chamava-se a isso piscar. Um pequeno relâmpago negro, uma cortina que cai e se ergue: deu-se a interrupção. Os olhos se umedecem, o mundo se aniquila. Não pode imaginar como era refrescante. Quatro mil repousos por hora. Quatro mil pequenas eva-sões. Quatro mil, digo eu... Como é? Então vou viver sem pálpebras? Não se faça de bobo. Sem pálpebras, sem sono, é a mesma coisa. Nunca mais hei de dormir... Como poderei me tolerar? Trate de compreender, faça um esforço: tenho um ca-ráter implicante, como você vê, e tenho o costume de implicar comigo. Mas... mas não posso estar implicando sem parar: por lá, havia as noites. Eu dormia. Tinha o sono leve. Em compensação, sonhava coisas simples. (...) e de dia?O CRIADO – Como vê, as lâmpadas estão acesas.GARCIN – De fato! É esse o dia de vocês? E lá fora?O CRIADO (estupefato) – Lá fora?GARCIN – Lá fora, do outro lado das paredes.O CRIADO – Há um corredor.GARCIN – E no fim do corredor?O CRIADO – Há outros quartos, outros corredores e escadas.GARCIN – E que mais?O CRIADO – Nada mais.GARCIN – Você, naturalmente, tem um dia de folga. Aonde costuma ir?O CRIADO – Em casa de meu tio, que é o chefe dos criados, no terceiro andar.GARCIN – Eu devia ter desconfiado. Onde está o interruptor da luz?O CRIADO – Não existe. GARCIN – Como é? Não se pode apagar?

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O CRIADO – A gerência pode cortar a corrente elétrica. Mas não me lembro se já aconteceu isso neste andar. Temos eletricidade à vontade.GARCIN – Muito bem. Quer dizer que a gente tem de viver de olhos, abertos...O CRIADO (irônico) – Viver...GARCIN – Não vá me aborrecer agora por uma questão de vocabulário. De olhos abertos. Para sempre. Será pleno dia nos meus olhos. E na minha cabeça. (Uma pausa.) E se eu atirasse esse bronze contra a lâmpada elétrica, será que ela se apagaria?O CRIADO – É muito pesado.(Um silêncio.)O CRIADO – Se não precisa mais de mim, vou retirar-me.GARCIN (sobressaltado) – Vai-se embora? Até logo. (O CRIADO chega até a porta.) Espere. (O CRIADO volta-se.) É uma campainha elétrica isso aí? (O CRIADO faz sinal que sim.) Posso tocar quando quiser, e você tem obri-gação de atender?O CRIADO – Em princípio, sim. Mas a campainha é caprichosa. Há qualquer coisa errada no seu mecanismo.GARCIN (Vai até a campainha, aperta o botão. Ouve-se tocar) – Funciona!O CRIADO (espantado) – Funciona. (Toca também.) Mas não se entusiasme muito. Isso não dura. Então, às suas ordens. GARCIN (num gesto para detê-lo) – Eu...O CRIADO – O que há?GARCIN – Não, não é nada. (Vai até a lareira e toma a faca de cortar papel) – Isto o que é?O CRIADO – Não está vendo? Um corta-papel.GARCIN – Há livros por aqui?O CRIADO – Não.GARCIN – Então, para que isto? (O CRIADO dá de ombros.) Está bem. Pode retirar-se.

HisTória Da Dança

Rosana van Langendonck*

[ * ] Rosana van Langendonck é Doutora em Comunicação e Semiótica – Artes pela PUC/SP, Pesqui-sadora do Centro de Estudos em Dança da PUC/SP, diplomada em dança pela Escola Municipal de Bailado de São Paulo. Autora de Merce Cunningham: dança cósmica, A sagração da primavera: dança e gênese (edições da autora) e Pequena viagem pelo mundo da dança (Ed. Moderna).

Danças priMiTiVas Danças MiLenares

__ 9000 e 8000 a.C. – Eras Paleolítica e Mesolítica

__ 6500 a.C. – Período Neolítico

__ 5000 a.C. – Egito

__ 2000 a.C. – Índia

__ Do século VII a.C. ao século III a.C. – Grécia

__ De 476 a 1453 – Idade Média

__ Séculos XI e XII

__ Séculos XIII e XIV

__ Séculos XV e XVI

__ Século XVII

__ Século XVIII

__ Século XIX – Balé romântico

__ Artistas que influenciaram a

dança no século XIX

__ O balé na Rússia

__ Século XX

__ Pesquisadores do corpo que

influenciaram a dança no século XX

Dança MoDerna Dança neocLÁssica Dança conTeMporÂnea

__ Os primeiros modernos

__ “Ballets Russes” – Companhia Balés Russos

__ Décadas de 1940 e 1950

__ Década de 1960

__ Transição para a dança contemporânea

__ Década de 1960

__ Década de 1970

__ Década de 1980

Pré-história: anterior a 3500 a.C.Idade Antiga: 3500 a.C. a 476Idade Média: 476 a 1453Idade Moderna: 1453 a 1789Idade Contemporânea: 1789 a atual

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Danças priMiTiVas

As danças primitivas eram executadas pelos homens das cavernas e seus movimentos ficaram registrados na arte rupestre, isto é, em desenhos gravados em rochas e nas paredes das cavernas.

9000 e 8000 a.C. – Eras Paleolítica e Mesolítica

Nessas eras, a dança estava diretamente relacionada à sobrevivência, no sentido de que os homens, vivendo em tribos isoladas e se alimentando de caça e pesca e de vegetais e frutos colhidos da natureza, criavam rituais em forma de dança que impediriam eventos naturais de prejudicar essas atividades.

Em cavernas como as da Serra da Capivara, no Piauí, no Brasil, Fulton’s Rock, na África do Sul, Altamira, na Espanha e Lascaux, na França pode-mos conhecer muitos desenhos dessas eras. Eles representam cenas de pessoas em roda, dançando em volta de animais e vestidas com suas peles; são figuras correndo e saltando, imitando as posturas e movimentos desses animais.

6500 a.C. – Período Neolítico

Nesse período, o homem deixa de ser nômade e fixa residência em um lugar determinado. Ele começa a plantar para comer e a criar animais para seu próprio consumo, surgindo, assim, a agricultura e a pecuária.

Os rituais e oferendas em forma de dança têm o sentido de festejar a terra e o preparo para o plantio, de celebrar a colheita e a fertilidade dos rebanhos.

A identificação, pela dança, com os movimentos e as forças naturais

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representa uma forma de o homem se sintonizar com o ritmo da natureza, auxilian-do-o na programação de suas ações.

Danças MiLenares

5000 a.C. – Egito

Nessa época, as danças no Egito tinham um caráter sagrado e eram executadas em homenagem aos deuses. Os mais homenageados eram a deusa Hathor, da dança e da música, e o deus Bés, que é considerado o inventor da dança; a ambos era atribuído um poder sobre a fertilidade.

Hathor é representada por uma vaca que, segundo a lenda, possuía o sol entre os chifres, e Bés, por um dançarino anão, coberto com pele de leopardo para se proteger de feitiçarias, que dava cambalhotas desajeitadas e fazia caretas para assustar os espíritos malfeitores.

O culto a Osíris, deus da luz, a quem era atribuído o ensinamento da agricultura aos homens, acontecia todos os anos, na época de cheia do rio Nilo. O ritmo das cheias e vazantes do rio Nilo comandava os trabalhos de semeadura e colheita, que eram celebrados com danças na primavera.

Muitas outras danças, sempre relacionadas aos deuses egípcios, eram executadas. Por isso são chamadas de danças divinas ou sagradas. Para o deus Amon acontecia a procissão da “barca sagrada”, na qual bailarinos acrobatas apresentavam suas proezas.

As danças apresentadas por ocasião das festas religiosas e dos fune-rais também eram consideradas sagradas. Nos funerais havia os “mouou”, persona-

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gens que surgiam de repente e vinham ao encontro do enterro, dançando em duplas. Os egípcios acreditavam que as movimentações desses dançarinos asseguravam ao morto a ascensão a uma nova vida.

Existiam também as danças profanas, que aconteciam por ocasião dos banquetes em honra aos vivos ou aos mortos, e também para entregar recompen-sas a funcionários ou por ocasião de elevação de cargo.

2000 a.C. – Índia

Na Índia as danças têm origem na invocação a Shiva (deus da dan-ça). Com suas danças e músicas, os hindus procuravam uma união com a natureza.

Assim como a egípcia, a dança de Shiva tinha por tema a atividade cósmica. Ela exprimia os eventos divinos. O ritmo da dança estava associado à cria-ção contínua do mundo, à manutenção desse mundo, à destruição de algumas formas para o nascimento de outras.

Os vários estilos de dança, sempre relacionados a deuses, tinham o mesmo princípio, o de que “o corpo inteiro deve dançar”. Por isso, as danças indianas apresentam movimentos muito elaborados de pescoço, olhos, boca, mãos, ombros e pés.

Cada gesto tem um significado místico, afetivo e espiritual. Todos os gestos das mãos, chamados mudras, têm um nome específico e expressam significa-dos diferentes. Trata-se de uma dança que se exprime por símbolos predeterminados, construídos pelo corpo.

A dança indiana não vê fronteira entre a vida material e a vida espiri-tual, pois, para os hindus, corpo e alma não estão separados. Suas danças são passadas de geração a geração. São chamadas de ragas e cada raga tem suas próprias cores, que re-presentam certos poemas e se referem a lendas e a estações do ano ou a horas do dia.

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Na Índia, a dança ainda hoje é ligada ao misticismo e à religião. As escolas de dança funcionam junto aos santuários.

Do século VII a.C. ao século III a.C. – Grécia

A dança na Grécia, como no Egito e na Índia, sempre integrou ri-tuais religiosos, mesmo antes de fazer parte das manifestações teatrais. Os cidadãos gregos, que acreditavam no poder das danças mágicas, usavam máscaras e dançavam para seus inúmeros deuses.

Ums das divindades gregas mais conhecidas é Dionísio, deus da fer-tilidade e do vinho.

Acredita-se que o início da orquestra grega nasceu com os agricul-tores, que traziam a uva para uma praça, no centro de Atenas, e as maceravam com os pés, em movimento coordenado. Os pisadores deslocavam-se em forma de roda e cantavam para dar ritmo, enquanto pisavam a uva para fazer o vinho. Essa cerimônia durava dias; quando esses pisadores estavam cansados, eram substituídos por outros, que ficavam sentados em volta da praça, nos bancos de pedra. Em torno deles, a população de cidadãos formava fileiras, sentada em degraus. Acredita-se que essa disposição deu origem ao famoso teatro grego no século V a.C.

A dança era muito valorizada entre os gregos. Para eles, o ideal de perfeição estava na harmonia entre corpo e espírito, que deveria aparecer em um corpo bem moldado, adquirido graças ao esporte e à dança. As crianças eram educadas para a guerra e acreditavam que a dança contribuía para o equilíbrio da mente e aprimora-mento do espírito, como também lhes daria a agilidade necessária para a vida militar.

Segundo o filósofo Sócrates (469-399 a.C.), a dança forma um ci-dadão completo. Platão (428-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.) consideravam a dança e a ginástica como uma iniciação para a luta e para a educação dos cidadãos.

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Ela era acessível a todos os cidadãos e, somente com o declínio da cultura grega, a dança passa apenas à esfera do entretenimento.

O gênero teatral comédia originou-se de cortejos populares e bailes de máscaras, muito apreciados no meio do povo grego. As danças apresentadas nessas comédias eram leves e ligeiras, com muitos saltos, piruetas e movimentos de rotação dos quadris. Sua característica sensual foi levada para o Ocidente e, na Idade Média, foi proibida pelos cristãos, que pretendiam a purificação dos costumes.

De 476 a 1453 – Idade Média

Chamada de “idade das trevas” pelos humanistas do Renascimento, a Idade Média foi, para a dança, um período contraditório. Nessa época, a Igreja tornou-se autoridade constituída. Manifestações corporais foram proibidas, uma vez que a dança foi vinculada ao pecado. Os teatros foram fechados e eram usados apenas para manifestações e festas religiosas.

A Igreja, porém, não conseguiu interferir nas danças populares dos camponeses, que continuaram a fazer suas festas nas épocas de semeadura e colheita e no início da primavera. Para não afrontar a Igreja, essas danças eram camufladas com a introdução de personagens como anjos e santos. Posteriormente, essas manifestações foram incorporadas às festas cristãs, com a introdução da dança dentro das igrejas.

Séculos XI e XII

Esse período é marcado pela peste negra e outras doenças epidê-micas que assolaram a Europa, causando muitas mortes. As pessoas, desesperadas, dançavam freneticamente para espantar a morte. Essa dança ficou conhecida como dança macabra ou dança da morte.

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O teatro religioso medieval abordava temas baseados no Antigo e no Novo Testamento, como a vida dos santos, aparições e milagres. Suas peças tinham um objetivo moralista. A dança macabra participava da história, na maioria das vezes em frente à “boca do inferno” do cenário, como representação do castigo para remis-são do pecado ou do flagelo da peste enviada por Deus.

Séculos XIII e XIV

A arte na pintura e tapeçarias, a arquitetura gótica e a literatura, como A divina comédia, de Dante Alighieri, apresentam uma forte inspiração religiosa.

A arte dos trovadores, menestréis e jograis, que acontecia nas ruas, entra nos castelos medievais para alegrar as festas. Esses artistas ensinam à nobreza uma dança lenta, a basse dance, assim chamada por causa dos trajes pesados usados pelas castelãs, diferente das roupas usadas pelas camponesas, que lhes possibilitavam pular, rodopiar e dançar a haute dance.

Entre as danças executadas pela corte na Idade Média está a polo-naise, originada das danças de camponeses poloneses que aconteciam na frente das igrejas e que vai ser, mais tarde, no século XIX, inserida em alguns balés.

Séculos XV e XVI

A partir do século XV, com o intenso movimento de renovação em muitos âmbitos da vida social e cultural, chamado de Renascimento, as cortes reais também se transformaram. Pela necessidade de ostentar suas riquezas, passaram a comemorar, com grandes festas, datas como nascimento, casamento, aniversário.

A dança se desenvolve, particularmente em Florença, na Itália, no palácio da família Médici, onde, nas festas, eram apresentados espetáculos chamados

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de trionfi – triunfos, que simbolizavam riqueza e poder. Vários artistas eram convida-dos a colaborar na preparação desses espetáculos, entre eles Leonardo da Vinci.

1459 – Em uma festa de casamento, foi apresentado o primeiro triunfo considerado balé.

1500 – No carnaval de Veneza, foi encenado um dos triunfos mais suntuosos, no qual os dançarinos usavam máscaras bordadas com fios de ouro e pe-dras preciosas, leques de plumas e mantos de seda adamascada.

1548 – Catarina de Médici casa-se com o Duque de Orléans, que se tornou Henrique II na França, levando a ideia de espetáculo para a corte francesa.

Nessa época, o espetáculo era uma mistura de canto, dança e poesia e constituía um passatempo para o rei e a corte. Os temas escolhidos eram mitológicos, em sua maioria. O rei participava interpretando uma divindade, que as pessoas da corte adoravam.

1581 – O primeiro “balé da corte”, intitulado Le ballet comique de la reine (O balé cômico da rainha – neste caso, o termo cômico deve ser entendido no sentido de “dramaturgia de uma comédia”), foi um grande espetáculo, que durou seis horas, com participação de carros alegóricos e efeitos cênicos.

A dança, nessa época, era quase exclusivamente masculina, mas, nes-se balé, começou a haver a participação de algumas damas da corte, formando o que se pode chamar de primeiro corpo de baile (grupo de bailarinos que realizam movimentos iguais) da história da dança. Iniciou-se, então, a formação de muitos desenhos geométricos e direções no espaço na movimentação da dança, lançando-se os fundamentos de uma nova forma de arte.

Na passagem do século XVI para o XVII, a dança ainda continuava ligada à situação de festa, porém, na Itália, ela já se desenvolve como forma autônoma de representação, onde não há mais espaço para poesias, deuses e heróis. Os perso-nagens passam a ser plebeus vivendo paixões humanas, como retrata, por exemplo,

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o famoso trio Pierrô, Arlequim e Colombina. No rastro italiano, a França vai, aos poucos, retirando do espetáculo as partes recitadas, substituindo-as pelo canto.

Século XVII

1653 – O rei Luís XIV (1638-1715) proporciona um grande desenvol-vimento para a dança. Exímio bailarino, criou vários personagens para si próprio, como deuses e heróis. Sua grande aparição foi como “Rei-Sol”, aos catorze anos de idade, no balé real A noite. O personagem derrotava as trevas, usando um traje de plumas brancas.

1661 – Luis XIV fundou a Academie Royale de la Danse. A cha-mada “comédia-balé” veio para substituir o “balé da corte”. A primeira tentativa do gênero foi Les fâcheux (Os inoportunos). O esquema da comédia era entremeado e enriquecido com bailados.

1669-1700 – A dança saiu dos salões palacianos e chegou aos palcos dos teatros, ainda como mera coadjuvante de alguns trechos de óperas.

Jean Baptiste Poquelin, conhecido como Molière, criou temas para balé, pois incluía cenas de dança em todas as suas comédias. Nessa época, a dança per-tencia ao teatro, ainda não era uma arte autônoma, e os intérpretes, que participavam dos espetáculos, eram ciganos, dançarinos e acrobatas que divertiam a multidão.

Esses espetáculos com dança marcaram o início do seu desenvolvi-mento e de sua autonomia como arte.

O movimento assinalou a presença de coreógrafos e teóricos de dan-ça, que passaram a ensinar em academias abertas a alunos de todas as classes sociais. A exigência de uma técnica refinada para um profissional da dança fez com que Pier-re Beauchamp (1636-1705), músico e coreógrafo da Academie Royale de la Musique et de la Danse, criasse as cinco posições básicas de pés para balé, posições de braços e de cabeça que as acompanham e são conhecidas até hoje.

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Século XVIII

O Balé – Artistas que influenciaram a dança no século XVIII

O balé nasceu da união das acrobacias dos profissionais e da leveza e graça da dança das festas da aristocracia.

1713 – Luís XIV criou uma companhia de dança, com vinte bailari-nos, para a famosa Ópera de Paris.

A vestimenta dos bailarinos também está ligada ao desenvolvimento da técnica da dança. Os vestidos, compridos e pesados, impediam o virtuosismo de movimentos verticais. O sonho de voar de Ícaro, Leonardo da Vinci e Santos Du-mont também é o sonho dos bailarinos dessa época. Os temas para balé começam a exigir a ilusão do voo e, para isso, os cenógrafos utilizaram alavancas e roldanas para erguer os bailarinos.

1726 – Marie-Anne Cupis de Camargo (1710-1770), La Camargo, grande bailarina da época, foi a primeira a ser erguida por máquinas e enriqueceu a dança com movimentos verticais. Encurtou a saia na altura dos joelhos para facilitar sua elevação e os movimentos de bateria dos pés, que antes eram executados somente pelos homens.

Contemporânea de La Camargo, Marie Sallé (1707-1756) procurou usar roupas mais leves, como as túnicas gregas, em um bailado chamado Pigmaleão, mas esse tipo de vestimenta só ganhou popularidade duzentos anos mais tarde, com a moderna Isadora Duncan.

A rivalidade entre La Camargo e Sallé era marcada por seus estilos diferentes de dançar. Enquanto Sallé se apresentava com uma dança solene, mais expressiva e dramática, La Camargo era mais ágil e leve, realizando saltos e passos rápidos, criando uma forma mais acrobática na dança.

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A luta contra as saias pesadas e a busca de liberdade dos movimentos continua até depois da Revolução Francesa (1789), quando o costureiro da Ópera de Paris, Maillot, criou a malha, dando ao bailarino maior liberdade e mobilidade.

1738 – O czar Pedro, o Grande (1672-1725), fundou a Escola Im-perial Russa, no Teatro Imperial Mariinski, hoje Kirov, berço de uma tradição que fez a glória do balé russo.

1760 – Jean-Georges Noverre (1727-1810) publica as famosas Lettres sur la danse (Cartas sobre a dança), um manifesto válido até hoje, no qual é defendida uma dança espontânea, com roupas leves e rostos expressivos, buscan-do exprimir ideias ou paixões. Idealizou uma nova forma de dança, que preconiza o balé de ação, que se constitui numa obra coreográfica baseada em uma história dramática. Contribuiu, também, para que a dança fosse definitivamente para os teatros.

1786 – Foi montado o balé La fille mal gardée (A filha mal vigiada), seguindo fielmente as ideias de Noverre. Trata-se de um balé-pantomima, que usa muitos gestos e expressões faciais, com muita dramaticidade.

1789 – Durante a Revolução Francesa, a dança, que era financiada pela corte francesa, parou de se desenvolver por causa de problemas econômicos. O centro de interesse passou a ser a Itália, onde o napolitano Salvatore Vigano (1769-1821) inspirou-se nos princípios de Noverre para criar seus balés.

Século XIX – Balé romântico

1820 – Carlo Blasis (1795-1878), italiano, grande estudioso da es-cultura e da anatomia, escreveu Treatise on the art of dancing (Tratado sobre a arte da dança), onde resumiu e codificou o que se conhecia até então sobre dança. Acrescen-tou à estética de Noverre uma técnica mais elaborada.

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Tanto Noverre quanto Blasis declararam que é de grande importân-cia para um bailarino conhecer a pintura e a escultura a fim de refinar sua percepção artística, para elaboração dos gestos e passos de dança.

1830 – O balé romântico se desenvolve na França e se estende por toda a Europa.

As histórias românticas mostravam, em sua maioria, uma heroína triste, capaz de morrer ou enlouquecer por amor. O balé modificou-se, em busca des-se novo mundo de sonhos. Os passos não serviam mais unicamente para a evolução da ação, mas estavam carregados de um conteúdo emocional profundo.

O balé criava um mundo de ilusão, esboçava o ideal das concepções românticas. A fada, a feiticeira, o vampiro e outros seres imaginários eram seus personagens.

O homem, considerado figura principal na dança do século XVIII, passa a ocupar um lugar subalterno no princípio do século XIX. A mulher foi elevada a uma esfera sobre-humana e o homem deixou de ser herói e se limitou a elevar a mulher, quando necessário.

Os ideais da bailarina romântica, sublime, provocaram uma grande modificação da técnica de dança, introduzindo as sapatilhas de ponta. As roupas ficaram mais leves, o que permitiu a ilusão do etéreo da figura feminina e facilitou a fluidez dos movimentos.

Os coreógrafos enriqueceram as evoluções do corpo de baile, no qual os bailarinos dançavam movimentando-se em diversas direções no palco e não fica-vam mais como molduras, que formavam figuras geométricas sem grandes desloca-mentos no espaço.

A iluminação da cena, anteriormente apresentada com luz ambiente ou luz do dia, recebeu um novo tratamento estético e os cenógrafos passaram a utili-zar a iluminação a gás para a criação de novos ambientes.

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Artistas que influenciaram a dança no século XIX

1832 – O italiano Felipe Taglioni (1777-1871), grande mestre de balé, apresentou um balé considerado o carro-chefe do romantismo, La Sylphide. A sílfide representava um ser sobrenatural, na figura de uma jovem com asas envolta em névoa. As bailarinas vestiam saias brancas de tule, os chamados “tutu”, dando maior claridade e leveza à cena. A figura principal foi interpretada pela bailarina Marie Taglioni (1804-1884), filha de Felipe, primeira a usar sapatilhas de ponta inventadas por seu pai, incorporando-as naturalmente à sua dança.

A importância de Felipe Taglioni na história da dança deve-se, tam-bém, à renovação do vestuário. Popularizou o tutu, o corpete rígido e as meias de ma-lha, exatamente como se pode observar atualmente nas apresentações dos chamados “balés brancos”.

A segunda estrela da dança romântica foi Fanny Elssler (1810-1884), que estreou na Ópera de Paris aos 24 anos. Bailarina de grande vivacidade e muito sensual, contrastava com o estilo leve de Marie Taglioni.

A italiana Carlotta Grisi (1819-1899), outra grande bailarina desse período, fez seus primeiros estudos no Teatro Scala de Milão dirigida por Carlo Blasis.

1837 – Carlo Blasis fundou a Academia de Dança de Milão.1841 – O poeta e crítico da Ópera de Paris, Théophile Gautier

(1811-1872), criou, especialmente para Carlotta Grisi, o balé Giselle, obra conside-rada o grande exemplo de balé romântico. A dança é narrativa e identifica-se com a ação, o que agradou ao público da época.

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O balé na Rússia

Na Escola Imperial de Dança do Teatro Mariinski, em São Peters-burgo, grandes mestres, como o francês Marius Petipa (1818-1910) e o italiano En-rico Cecchetti (1850-1928), encontraram um campo fértil para seus ensinamentos.

A união do estilo nobre francês ao forte virtuosismo italiano deu ori-gem ao método russo, mais vital e adequado ao temperamento e ao físico dos bailarinos russos.

Na década de 1890, Petipa montou três grandes balés sob a partitura de Piotr Ilyich Tchaikowsky (1840-1893), que são remontados e apresentados até hoje: A bela adormecida no bosque (1890); O quebra-nozes (1892) e O lago dos cisnes (1895).

1900 – O bailarino e coreógrafo Mikhail Fokine (1880-1942) aderiu às ideias de Noverre, que defendia a fusão harmoniosa das artes: música, pintura e artes plásticas. Para ele, a dança não deveria se degenerar em pura técnica, pois seu valor estava na interpretação.

Criou, em 1904, com música de Camille Saint Saens (1835-1921), o célebre “pas seul” – solo: A morte do cisne, que a bailarina Anna Pavlova (1881-1931) imortalizou.

Século XX

O século XX se anuncia como o tempo do progresso, das descobertas científicas, da rapidez, de expansão de fronteiras, da modernidade.

Grandes transformações nas tradições e valores adotados até então marcam esse momento de início da era industrial. Nasce uma nova sociedade, com outros anseios e necessidades.

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Configura-se a ideia de modernidade, que comporta a noção de mo-vimento: o automóvel, o avião, as imagens do cinema, os corpos liberados pela moda e pelo esporte e realçados pela iluminação elétrica.

A dança, por participar dessa dinâmica, vai buscar novas formas, e podem ser observadas duas grandes tendências: o apego aos códigos clássicos, rema-nejados de acordo com o gosto da época, no balé neoclássico, e a contestação daquelas antigas propostas pela dança moderna e contemporânea.

Pesquisadores do corpo que influenciaram a dança no século XX

Três pesquisadores da arte do corpo elaboraram teorias que deram base à dança moderna. Essas teorias não constituem, propriamente, a forma coreo-gráfica, mas um trabalho de corpo e um estudo do movimento humano.

François Delsarte (1811-1871), cantor francês, abandonou sua pro-fissão quando sua voz começou a falhar. Seu interesse se voltou para os estudos da relação entre o gesto e a voz. A partir da observação das pessoas nas ruas, nos parques, nos hospitais, construiu uma teoria codificada das relações entre o gesto e a emoção.

Para ele, as emoções são transmitidas principalmente pelo tronco, uma das características da dança moderna, diferente da dança clássica, onde o rosto e as mãos são utilizados para exprimir sentimentos. As pesquisas de Delsarte influen-ciaram diretamente os trabalhos dos dançarinos modernos, como Isadora Duncan, Ruth St. Denis e Ted Shawn.

Émile Jaques-Dalcroze (1865-1950), músico suíço cuja pesquisa parte de uma reflexão sobre o ensino da música. Como músico, ele constatou que, para se aprender música, ficaria mais fácil se o corpo se integrasse aos movimentos rítmicos.

Desenvolveu um método pedagógico que consiste em decompor o ritmo e dar uma interpretação ao movimento, instaurando uma relação estreita de

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dependência entre o movimento e a música. Seu trabalho também contribuiu princi-palmente para o estabelecimento das fundações da dança moderna alemã.

Rudolf Laban (1879-1958), nascido na Bratislava, no então impé-rio austro-húngaro, viveu na França, Suíça e Alemanha e emigrou para a Inglaterra. Ocupou um lugar fundador na história da dança moderna e sua influência é mais direta e imediata do que a de Delsarte ou de Dalcroze.

Sua proposta é baseada em princípios básicos da linguagem corporal. Movimentos considerados simples em nosso cotidiano, que na maioria das vezes executamos automaticamente, são transportados para a dança moderna de um modo mais estudado e pensado para que o corpo se movimente de maneira artística.

Dança MoDerna

Nesse período da história da dança, o que vai separar o clássico do moderno não é simplesmente a técnica, mas, também, o pensamento que norteou sua elaboração.

Nos Estados Unidos e na Europa apareceram novos modos de dan-çar bastante diferentes da tradição clássica em relação aos espaços utilizados, concep-ção de dança e movimentos do corpo.

O embrião da dança moderna é tradicionalmente associado à esta-dunidense Isadora Duncan (1878-1927), mas na realidade ela nasce quase que simul-taneamente em dois países: Estados Unidos, não somente com Isadora, mas também com Loïe Fuller (1862-1928) e Ruth St. Denis (1877-1968), e na Alemanha, com Rudolf Laban (1879-1958) e Mary Wigman (1886-1973).

Duncan e Fuller fizeram sucesso principalmente na Europa. Ruth

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St Denis e seu companheiro Ted Shawn (1891-1972) criam uma escola de dança na qual se formaram os primeiros grandes mestres da dança moderna nos Estados Unidos.

Mary Wigman representa um movimento coreográfico expressionis-ta que surgiu na Alemanha dos anos 1920.

Muitos modernos mantiveram as estruturas formais estabelecidas pelo balé clássico, porém alguns foram em direção a uma técnica de dança mais livre, ou seja, não seguindo uma determinada técnica e conquistando maior liberdade para a escolha dos movimentos. Eles estavam mais abertos às sugestões de um mundo em mudança e às descobertas da arte de seu tempo.

Os primeiros modernos

As três dançarinas estadunidenses – Duncan, Fuller e Ruth – nasce-ram em um país onde a dança clássica não tinha uma tradição como na Europa.

A necessidade dos norte-americanos de afirmar sua própria identi-dade perante a Europa está nas danças de Duncan e St. Denis, que introduzem uma atmosfera de misticismo em suas práticas gestuais.

1880 – Löie Fuller (1862-1928) iniciou sua carreira ainda no século XIX, quando dançava em shows de revista nos Estados Unidos. Sua primeira coreo-grafia foi um espetáculo solo, Serpentine dance (1890), onde apareceu com efeitos de luzes e com grandes pedaços de seda esvoaçantes, que ela movimentava com bastões amarrados em seus braços. Descobriu o poder da ilusão cênica com projeções lumi-nosas sobre suas vestimentas em movimento.

Fez sucesso principalmente na Europa. Sua influência marcou a arte e a moda dessa época, anunciando a modernidade que brotava na dança.

1904 – Isadora Duncan foi à Rússia e provocou grande sensação, influenciando Mikhail Fokine (1880-1942) em uma nova forma de pensar o balé,

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como veremos mais adiante no tópico “Companhia Balés Russos”.Usava túnicas soltas, inspiradas nas dos antigos gregos, vestimenta

que Sallé tentou introduzir dois séculos antes. Dançava com os pés descalços, rejei-tando as sapatilhas de ponta usadas no balé, símbolo sagrado da dança clássica.

Isadora é considerada uma revolucionária, com grande ousadia. Não dançava com músicas compostas para balé, mas com músicas que geralmente eram tocadas em concertos, o que a maioria dos baletômanos (amantes do balé) era incapaz de compreender/aceitar.

1890 – Ruth St. Denis (1877-1968) iniciou sua carreira com o balé Rhada, baseado em temas orientais. Suas danças revelavam influência da cultura dos países do Oriente e elementos sobre o divino e o sagrado, com iluminação e guarda-roupa minuciosamente elaborados.

Ruth casou-se com Ted Shawn (1891-1972), que compartilhou com ela a ideia de dança como religião.

1915 – Ruth e Ted fundaram uma companhia de dança, a Denisha-wn, onde se formaram muitos dos bailarinos modernos, como Martha Graham (1894-1991) e Doris Humphrey (1895-1958).

Na Europa, suas ideias não foram bem-aceitas, pois seus espetáculos eram apresentados com coreografias que cultuavam os príncipes astecas e as deusas hindus, não afinando com as preferências da geração dessa época.

St. Denis ainda teve de enfrentar a concorrência dos “Balés Russos” de Diaghlev, que estavam fazendo muito sucesso nos Estados Unidos naquela época.

1927 – Martha Graham, discípula da escola Denishawn, afastou-se daquela escola para iniciar sua própria carreira, sendo considerada por historiadores a grande profetisa da dança moderna, pois conquistou um verdadeiro espaço coreográ-fico para essa modalidade de dança.

Fundou a Martha Graham School of Contemporary Dance, onde

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criou e aperfeiçoou uma técnica que se baseia principalmente em contração e des-contração do abdome, técnica de dança que se espalhou por muitos países, sendo utilizada, ainda, por muitos coreógrafos.

1928 – Doris Humphrey (1895-1958), companheira de escola de Graham, saiu da Denishawn School e fundou uma companhia de dança nos moldes do pensamento moderno.

Humphrey teorizou o equilíbrio e o desequilíbrio do corpo humano com quedas e recuperações. Sua arquitetura coreográfica, ou seja, a construção de suas coreografias, não era dramática ou narrativa. Ela dizia que a dança tem dois extremos: em um deles está o completo abandono à lei da gravidade; no outro, a busca do equilí-brio e estabilidade. O drama dos bailarinos está em lutar contra as forças da gravidade e contra a inércia, correndo sempre o risco de perder o equilíbrio.

1932 – O balé clássico se mescla com a dança expressionista nascen-te na obra do alemão Kurt Joos (1901-1979) A mesa verde, na qual pretendeu mostrar a hipocrisia das conferências de paz e os horrores da guerra. Nessa coreografia apre-sentou alguns trechos de pantomima, que procura refletir a inquietude da época. Essa obra venceu o concurso de coreografia em Paris, no Théätre de Champs Elysées.

1940 – Martha Graham coreografou a peça Letter to the world (Carta para o mundo), baseada nos poemas de Emily Dickinson e na observação da diversi-dade cultural de seu país.

1944 – A coreografia de Graham Appalachian spring (Primavera apalache), com cenário de Isamu Noguchi e música de Aaron Copland, fez sucesso com o tema sobre os velhos pioneiros dos Estados Unidos.

1957 – Mary Wigman (1886-1973) produz, na escola de Berlim, A sagração da primavera. Intérprete de suas próprias coreografias, conseguiu um grande reconhecimento do público com sua violenta carga expressionista.

Apareceu como uma personagem perturbadora, tanto na Europa

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quanto nas Américas. Especialista em papéis fortes, detinha as qualidades essenciais de uma atriz de tragédia, desprezando toda e qualquer forma de candura.

“Ballets Russes” – Companhia Balés Russos

1909 – A companhia Balés Russos, criada e dirigida pelo empresário e mecenas Sergei Diaghilev (1872-1929), chocou os parisienses com suas cores e sons fortes e “selvagens”.

As novas coreografias de Mikhail Fokine, com cenários e guarda-roupa dos grandes pintores, fugiam do academicismo, incorporando passos da técnica clássica a temas folclóricos e apresentando personagens cheios de energia.

Essa companhia imortalizou Vaslav Nijinski (1890-1950) como grande bailarino, que se tornou o preferido do público parisiense.

1912 – Nijinski, encorajado por Diaghilev, criou seu primeiro balé, L’aprés-midi d ’un faune (A tarde de um fauno), inspirado em um poema de Stéphane Mallarmé (1842-1898), com música de Claude Debussy (1862-1918) e cenografia de Leon Bakst.

Essa obra foi o primeiro grande escândalo de Nijinski. Composta de movimentos retirados dos afrescos gregos e egípcios, seus personagens foram apre-sentados de perfil em movimentos sensuais para um público que, acostumado com ninfas e fadas, ficou desorientado.

1913 – Outra obra polêmica criada por Nijinski foi A sagração da primavera. A ideia é a representação de um ritual pagão em uma tribo pré-histórica, culminando com o sacrifício de uma virgem, que dança até morrer. Com música de Stravinski e com a intenção de provocar o mundo da música e da dança, músico e coreógrafo trabalharam o tema com um grupo de bailarinos, abandonando a ideia de corpo de baile e retirando dos movimentos qualquer intenção narrativa. Na coreo-

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grafia não foram utilizados os códigos do balé clássico, mas propostos movimentos difíceis para os bailarinos, pois eles tinham treinamento nessa técnica.

A apresentação no Teatro da Ópera de Paris foi tumultuada, chocan-do o público acostumado com a forma de apresentação coreográfica do balé clássico.

1914 – Eclode a Primeira Guerra Mundial. Os Balés Russos não viajam mais pelo mundo, porém continuam a produzir novas coreografias.

1917 – É criada Parade, obra com cenários de Pablo Picasso (1881-1973), música de Erik Satie (1866-1925) e coreografia de Léonide Massi-ne (1896-1979).

1929 – Diaghlev morre em Veneza e com ele o tempo glorioso e arrojado da companhia dos Balés Russos.

Dança neocLÁssica: expoenTes

1920 – A bailarina e coreógrafa Marie Rambert (1888-1982) fun-dou em Londres sua própria companhia. Seus bailarinos e coreógrafos alimentaram o Royal Ballet, criado em 1956 por Ninette de Valois (1898-2001) para a rainha Elizabeth II.

A grande dama Margot Fonteyn (1919-1991) foi uma das mais im-portantes figuras do Royal Ballet, como também seu parceiro por muitos anos, o bailarino russo Rudolf Nureyev (1938-1993).

1933 – O coreógrafo russo George Balanchine (1904-1983), que havia trabalhado com Diaghlev, viaja para os Estados Unidos e funda a Escola de Bailado Americana, que culminou no New York City Ballet (1948).

Balanchine teve como meta conceber uma identidade estadunidense

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para a dança. Com ele, deu-se o início da dança neoclássica nos Estados Unidos, em uma tentativa de síntese entre a dança clássica e a moderna, que se desenvolvia para-lelamente a outras manifestações neoclássicas.

Balanchine desenvolveu uma estética própria, propondo a dança pela dança – somente movimentos sem qualquer referência dramática. O biótipo dos bai-larinos foi uma das principais características de sua estética: pernas e pescoço longos, busto imperceptível e cabeça pequena.

1934 – Sua primeira coreografia foi Sérénade, em que apresentou uma dança liberta da tutela de um tema, em favor da abstração, livre de qualquer necessidade narrativa.

1948 – Seu trabalho é reconhecido com a criação do New York City Ballet, companhia oficial subvencionada pela prefeitura dessa cidade, que era alimen-tado com bailarinos da escola de Balanchine, e, portanto, eram raros os artistas de fora que se integravam à companhia. O mais conhecido é o russo Mikhaïl Barych-nikov (1948), que se aventurou a dançar novas versões dos clássicos: O Quebra-nozes (1954), Coppélia (1974) e Dom Quixote (1978), danças que requeriam uma interpre-tação mais instrumental, ou seja, com mais técnica e menos emoção.

Décadas de 1940 e 1950

Na França, Roland Petit (1924) e Maurice Bejart (1927-2007) são dois grandes coreógrafos dessas décadas. Suas obras pertencem ao neoclássico, tendo em vista que nenhum deles questiona a linguagem coreográfica herdada da dança tradicional clássica. Escolhiam o tema e procuravam colaborações de outros artistas que refletiam sua época, mas jamais renunciaram ao vocabulário clássico que os mo-dernos irão questionar.

Roland Petit destacou-se por seu gosto requintado e por suas preferên-

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cias pelo gestual espalhafatoso do music hall americano – espécie de comédia musicada da qual participavam cantores, bailarinos, músicos, acrobatas e, também, mágicos.

1946 – Criou, junto com Jean Cocteau (1889-1963), com música de Bach, uma de suas mais conhecidas coreografias, Le jeune homme et la mort (O jovem e a morte), um bailado ao mesmo tempo romântico e neoclássico, dançado pelos bai-larinos Jean Babilée (1923) e Natalie Philipart (1926).

1949 – O talento de Petit foi mostrado, também, em Carmen, versão do texto de Prosper Mérimée (1803-1870), com música de Georges Bizet (1838-1875).

1957 – Maurice Bejart reinventou A sagração da primavera, despo-jando-a das características russas e do significado pagão e de representação de sacri-fício, para fazer uma apoteose do amor que salva a vida.

1960 – Sua coreografia para Bolero de Ravel (1960), onde o papel principal é de uma bailarina, rodeada por homens, foi um grande sucesso. Aparece no filme Les uns et les autres, de Claude Lelouch (1937), só com homens e com o baila-rino Jorge Donn (1947-1992) no papel principal.

Bejart mostrou-se muito interessado em experiências de dança com música moderna. Trouxe para a cena os problemas da vida cotidiana e o drama do homem contemporâneo.

Década de 1960

Na Alemanha do pós-Segunda Guerra Mundial, as cidades destruídas pelos bombardeios começam a reconstruir seus teatros e uma atividade coreográfica se desenvolve, ao mesmo tempo em que surge o chamado “milagre econômico alemão”.

1961 – Para a modernização do balé na Alemanha são recrutados coreógrafos de outros países, como o africano radicalizado na Inglaterra John Cranko (1927-1973), que toma a direção do Balé de Stuttgart.

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Cranko apresentou, com estética neoclássica, coreografias narrativas, como Eugene Onegin (1965) e Caprichosa (1969). As qualidades de artistas como a brasileira Márcia Haydée (1937) e o norte-americano Richard Cragun (1944) deram vida e dinamismo às suas coreografias.

Nessa companhia formaram-se grandes coreógrafos como John Neumeier, que se tornou diretor do Balé de Hamburgo em 1977; Jiri Kylian, diretor artístico do Nederlands Dans Theater de 1978 à 1991, e Willian Forsythe, codiretor do Balé de Stuttgart em 1976 e depois diretor artístico do Frankfurt Ballet.

Transição para a dança contemporânea

Décadas de 1940/50 – Alguns coreógrafos passam a questionar os modos de se construir a dança, criando uma verdadeira revolução no mundo da dança moderna.

Na fronteira entre a dança moderna e a contemporânea está o coreó-grafo e bailarino Merce Cunningham.

Os pioneiros da dança moderna se dedicaram à construção das fun-dações de uma nova dança.

Cunningham, chamado pelos críticos de precursor da dança con-temporânea, posiciona-se contra a permanência de modelos acadêmicos na dança moderna. Em sua maioria, tais modelos ainda respeitam uma regra narrativa e te-mática; isto é, as relações dança e música, apesar de mais abertas, ainda permanecem na dependência uma da outra, e o espaço cênico continua a respeitar a perspectiva frontal da cena italiana do século XVII.

Cunningham buscou novas fórmulas e com seus parceiros, o compo-sitor John Cage, uma das mais interessantes figuras do mundo da música contempo-rânea, e o artista plástico Robert Rauchenberg, um dos expoentes da pop-art, constrói

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uma nova estética para a dança, lançando os princípios da Dança Contemporânea. Cria uma nova linguagem coreográfica ao introduzir as seguintes

proposições:•década de 1940 – a independência entre as artes de um espetáculo de dança, onde coreografia, música e cenografia são construídas inde-pendente uma da outra;•década de 1950 – o método do acaso em suas construções coreo-gráficas, fazendo sorteios e jogando dados no momento de criação de uma coreografia; •décadas 1960/70 – a criação de coreografias para vídeos e filmes e a descoberta da diferença entre o olho da câmera e o olho humano na visualização do palco;•década de 1990 – o uso da tecnologia nas construções de suas co-reografias, com o software Life Forms e, mais recentemente, na ceno-grafia, com a apresentação de Biped .

Cunningham, inimigo de toda e qualquer teatralidade ou dramati-zação, pretende a objetividade formal da técnica criada por ele e a absoluta indepen-dência da dança em relação a qualquer condicionamento narrativo.

Dança conTeMporÂnea

A dança contemporânea não impõe modelos rígidos; os corpos dos artistas não têm um padrão preestabelecido, bem com os tipos físicos. São gordos, magros, altos, baixos e de diferentes etnias. A maioria desses trabalhos incorpora

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novos movimentos e não mais os movimentos convencionais do balé ou das técnicas de dança moderna.

Na segunda metade do século XX, a dança contemporânea ganhou estabilidade não só nos países de nascimento da dança moderna, como os Estados Unidos e a Alemanha, mas também na França, na Inglaterra e no Brasil.

Surge um novo estilo, fora dos parâmetros antigos nos quais acon-tecimentos se sucedem linearmente. Agora, a narrativa é fragmentada. O público é convidado a colocar os “pedaços” juntos e extrair um significado para o trabalho de dança apresentado, tecer variados caminhos na construção de sentidos por meio da fruição dos espetáculos.

Década de 1960

As ideias de Cunningham e de Cage exercem grande influência na revolução que ocorreu nas artes em geral em Nova Iorque e principalmente na dança, com o grupo do Judson Dance Theater.

Esse grupo abrigava coreógrafos alegres, irreverentes e idealistas, que procuravam entender a essência da dança em uma época de grandes mudanças no clima social e político.

Seus participantes, considerados como a primeira onda de pós-mo-dernistas na dança, são Yvonne Rainer, que defende as ações cotidianas transfor-madas em dança; Trisha Brown, que trabalha com os problemas de acumulação de movimentos; Steve Paxton, que explora contato e improvisação; David Gordon, que joga com a teatralidade; Simone Forti, que toma como base os movimentos dos ani-mais, e vários outros. Essas novas transformações não estavam limitadas à dança, mas se espalharam também para a música, a pintura e a poesia.

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Década de 1970

A febre da dança contemporânea foi se alastrando e marcou o come-ço de um grande intercâmbio entre os bailarinos e coreógrafos franceses e estaduni-denses. O teatro da Ópera de Paris, a partir de 1974, iniciou essa troca de informações com um grupo de pesquisas teatrais e depois de pesquisas coreográficas.

A coreografia contemporânea francesa costuma revelar um interesse na conexão com a literatura ou o cinema, em particular os surrealistas e os adeptos da vertente “teatro do absurdo”. É comum, também, o uso de diálogos e textos junto com os movimentos.

1973 – A bailarina Pina Bausch, nascida na Alemanha e conside-rada um expoente na dança-teatro contemporânea, torna-se diretora do Balé da Ópera de Wuppertal.

Seu trabalho chama-se Tanztheater (dança-teatro), movimento que se origina na época de Rudolf Laban e Kurt Joss, que foi um dos mestres de Pina. A dança-teatro busca uma intensificação da expressividade e para isso faz um diálogo entre o movimento, a música e a palavra.

As obras de Pina Bausch mostram, por exemplo, pessoas comuns an-dando nas ruas, pois o treinamento, repetido à exaustão, faz parecer que os movimentos são “naturais”. Entretanto, no decorrer da representação de ações cotidianas, ela procura provocar o público com situações inesperadas, quando os bailarinos costumam cantar, gritar, falar e rir, colocando a plateia diante de sentimentos perturbadores.

Em 2001, criou Água, repleta de referências ao Brasil, ao mesmo tempo exaltando e criticando os clichês (estereótipos, padrões, caricaturas) de nosso país: “as belezas naturais”; “o povo brasileiro”, “o samba”.

1978 – Foi criado, em Angers, na França, o Centre National de Dan-se Contemporaine (CNDC), importante centro de referência mundial.

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Década de 1980

1980 – Formou-se um novo grupo de pesquisas coreográficas na Ópera de Paris, do qual participaram os estrangeiros Karole Armitage, Lucinda Chil-ds, David Gordon e Paul Taylor, e os franceses Dominique Bagouet, Jean-Christophe Paré, Jaques Garnier e Jean Guizerix.

1980 – A coreógrafa belga Anne Teresa de Keersmaeker faz uso de procedimentos minimalistas em suas coreografias: são estruturas coreográficas sim-ples, repetidas várias vezes, em velocidades diferentes.

1981 – A bailarina Maguy Marin cria a coreografia May B, com diálogos e textos apresentados durante a dança e inspirada em peças do teatrólogo Samuel Beckett.

1983 – A coreografia Rosas danst Rosas marcou o início da compa-nhia Rosas, dirigida por Keersmaeker, que, em sua composição, além da estrutura minimalista, utilizou técnicas de espirais, dando maior vigor e velocidade aos movi-mentos dos bailarinos.

Esse gestual violento e de “choque” é reflexo das imagens contempo-râneas expostas na mídia, uma estética nomeada de “nova dança”, que impregnou o trabalho de vários coreógrafos a partir dos anos 1980 até os dias de hoje.

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BiBLioGraFia

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RENGEL, Lenira e LANGENDONCK, Rosana. Pequena viagem pelo mundo da dança. São Paulo: Moderna, 2006.

Fundação para o Desenvolvimento da Educação – FDE

Diretoria de Projetos EspeciaisGerente de Educação e CulturaDevanil Tozzi

OrganizadoresDevanil TozziMarta Marques CostaThiago Honório (colaborador)

Diretoria Administrativa e FinanceiraChefe do Departamento EditorialBrigitte AubertPreparação de originais e revisão de textoLuiz Thomazi FilhoProjeto gráfico e editoração eletrônicaGlauber de Foggi

Desenhos: Vânia MignoneAcrílica sobre colagem com papel impresso, 2009

Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores.É permitida a reprodução toral ou parcial dos artigos desta publicação, desde que seja citada a fonte.

Impressão e acabamentoGráfica Brasil

Tiragem10.000 exemplares