Técnicas de Respiração Segundo Flautistas - Victor Faro
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE MSICA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MSICA
TCNICAS DE RESPIRAO SEGUNDO FLAUTISTAS: UMA PERSPECTIVA HISTRICA DE JOHANN JOACHIM
QUANTZ (1752) A MICHEL DEBOST (2002)
VICTOR PINHEIRO FARO HOMEM DE SIQUEIRA
Salvador 2012
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VICTOR PINHEIRO FARO HOMEM DE SIQUEIRA
TCNICAS DE RESPIRAO SEGUNDO FLAUTISTAS: UMA PERSPECTIVA HISTRICA DE JOHANN JOACHIM
QUANTZ (1752) A MICHEL DEBOST (2002)
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Msica da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obteno do grau de Mestre em msica. rea de concentrao: Execuo Musical. Orientador: Prof. Dr. Lucas Robatto
Salvador 2012
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ii
- AGRADECIMENTOS
A meus pais e familiares, a cujo apoio devo toda a minha carreira como msico;
A meu primeiro mestre, Jos Benedito Viana;
A meu segundo mestre e orientador, Lucas Robatto;
A Srgio Dias, por todos os ensinamentos;
A Jos Maurcio Brando, pelas indicaes de bibliografia;
Aos amigos, pelo apoio extra.
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iii
- RESUMO -
A dissertao que se segue consiste em uma pesquisa acerca das tcnicas de
respirao empregadas por flautistas ao longo de uma parcela significativa da histria
documentada do ensino e da prtica da flauta transversal. Vrias publicaes
diretamente relacionadas flauta foram consultadas a fim de se observar as diversas
abordagens ao assunto e as possveis modificaes sofridas por essas abordagens
durante o passar do tempo. Esta pesquisa tambm inclui uma descrio da anatomia do
sistema respiratrio, bem como de seu funcionamento, englobando apenas os aspectos
que interessam de forma direta prtica instrumental do flautista.
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iv
- ABSTRACT -
The following dissertation consists of a research concerning the breathing
techniques employed by flautists throughout a significant portion of the documented
history of the teaching and the practice of the transverse flute. Many flute-related
publications were examined in order to observe the diverse number of approaches to the
subject and how those approaches were modified over time. Also included are
descriptions of the anatomy of the respiratory system and some of its operation,
embracing specifically the functions that relate directly to the instrumental practice of
the flautist.
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v
- NDICE DE FIGURAS E TABELAS -
Figura 1 Pulmes e vias areas 5 Figura 2 rvore bronquial 6 Figura 3 Tronco enceflico: ponte e bulbo 7 Figura 4 A faringe e suas trs subdivises 10 Figura 5 Laringe e traqueia 11 Figura 6 Pregas vocais, glote e epiglote 11 Figura 7 Pulmes e corao 12 Figura 8 Volumes respiratrios 15 Figura 9 O diafragma (viso frontal) 17 Figura 10 O diafragma (viso posterior) e a crista ilaca 18 Figura 11 A caixa torcica (viso frontal), as vrtebras cervicais (formando a coluna vertebral cervical) e as lombares (formando a coluna vertebral lombar) 20 Figura 12 A caixa torcica (viso posterior), as vrtebras cervicais (formando a coluna vertebral cervical), as dorsais (formando a coluna vertebral torcica) e as lombares (formando a coluna vertebral lombar) 21 Figura 13 Um arco costal 22 Figura 14 Em azul, a caixa torcica e o diafragma em posio relaxada; em vermelho, a caixa torcica expandida e o diafragma contrado 22 Figura 15 A cintura escapular 23 Figura 16 O peitoral menor 24 Figura 17 O peitoral maior 25 Figura 18 O serrtil anterior 26 Figura 19 Os msculos supracostais 27 Figura 20 Os msculos espinais 27 Figura 21 Os serrteis posterior superior e posterior inferior, os oblquos do abdome e os intercostais externos (viso posterior do tronco) 28 Figura 22 O esternocleidomastoideo 29 Figura 23 Os escalenos 29 Figura 24 O reto, os oblquos e o transverso do abdome 32 Figura 25 Os intercostais internos e o transverso do trax 33 Figura 26 O quadrado do lombo e o reto do abdome 33 Figura 27 Os intercostais internos e externos Figura 28 Vivaldi: Concerto para flauta doce sopranino em d maior RV443, primeiro movimento, compassos 120-138 44 Figura 29 Vivaldi: Concerto para flauta transversa em r maior RV428, Op.10 N3 Il Gardellino, primeiro movimento, compassos 78-87 45 Figuras 30 e 31 Ilustraes do mtodo de Giovanni Battista Lamperti 84
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vi
Tabela 1 Histrico das tcnicas de respirao levantadas (autor[es] / data[s] / tcnica[s]). 87
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- SUMRIO - AGRADECIMENTOS ii RESUMO iii ABSTRACT iv NDICE DE FIGURAS E TABELAS v INTRODUO 1 CAPTULO I RESPIRAO 4
I.1 O ato respiratrio e suas funes 4 I.2 Vias areas e pulmes 9 I.3 A ventilao e os volumes respiratrios 13 I.4 O diafragma, a caixa torcica e os msculos inspiratrios 16 I.5 Os msculos expiratrios e os de ao varivel 30 I.6 A inspirao abdominal 34 I.7 A inspirao torcica 36 I.8 As expiraes abdominal e torcica e as respiraes paradoxais 36
CAPTULO II - MTODOS E TRATADOS DE FLAUTA DOS SCULOS XVIII E XIX 39
II.1 Fontes consultadas 39 II.2 Como respirar: conhecimento tcito? 42 II.3 Os tradados de Johann Joachim Quantz e Johann George Tromlitz 47 II.4 De Devienne a Alts: os mtodos publicados na Frana entre 1794 e 1880 51
CAPTULO III PUBLICAES FLAUTSTICAS DOS SCULOS XX E XXI 58
III.1 De Taffanel e Gaubert a Michel Debost 58 III.2 Uma genealogia flautstica 76
CAPTULO IV ALGUNS MTODOS DE CANTO E SUAS POSSVEIS INFLUNCIAS NAS TCNICAS RESPIRATRIAS DE FLAUTISTAS 79 CONCLUSO 87 BIBLIOGRAFIA 90
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1
- INTRODUO -
Em se tratando do ensino de e da performance em instrumentos de sopro, h
pelo menos uma temtica que concerne em grande grau a todos os msicos que lidam
com esse tipo de instrumento: a respirao. Enquanto que em outros instrumentos o ato
respiratrio constitui uma preocupao de cunho musical, praticado a fim de delinear
fraseados e deixar mais claras as intenes musicais do intrprete, em instrumentos de
sopro, tal ato, alm disso, imprescindvel para a produo do som o mesmo valendo
para o canto.
No de hoje que inmeros estudos so realizados com a inteno de se
alcanar uma melhor compreenso de como funcionam os mecanismos anatmicos e
fisiolgicos da respirao humana. Os resultados desses estudos tm sido aplicados no
s ao campo da sade, mas tambm ao do atletismo e ao das artes performticas
dana, teatro e msica , ajudando os profissionais das reas citadas a otimizarem suas
respectivas atuaes. No caso dos msicos que tocam instrumentos de sopro, as
pesquisas no mbito em questo contriburam para fazer com que estes passassem a ter
maior conscincia de quais prticas respiratrias so mais eficientes para se obter um
maior controle dos procedimentos de obteno, armazenamento e expulso do ar.
Tratando em especfico dos flautistas, supe-se, a partir da leitura de mtodos1 e
tratados2 de flauta dos sculos XVIII e XIX, entretanto, que as tcnicas de respirao
eram encaradas como algo muito natural e cuja discusso em detalhe no se mostrava
necessria, uma vez que pouqussimo foi escrito acerca do assunto. Os tratadistas e 1 (...) conjunto de regras e princpios normativos que regulam o ensino ou a prtica de uma arte (...); (...) compndio que apresenta detalhadamente as etapas desse mtodo (...). HOUAISS, Antnio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa. 1Ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001. p.1910. Mtodos de flauta podem ser definidos como obras que visam mostrar ao leitor uma srie de aes que, se seguidas risca, o levaro a tocar o instrumento a contento. 2 (...) obra que expe de forma didtica um ou vrios assuntos a respeito de uma cincia, arte etc. (...). HOUAISS; VILLAR. p.2756. Tratados de flauta podem ser definidos como obras que visam discutir de forma aprofundada a arte do fazer musical flautstico, levantando questes que vo alm do tocar do instrumento e no necessariamente tendo por objetivo fornecer ao leitor um mtodo de aprendizagem do instrumento.
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2
escritores de mtodos, em sua esmagadora maioria, ativeram-se a tratar do aspecto
musical da respirao um vasto mundo por si s. Tcnicas de respirao passam a ser
discutidas com mais frequncia e com embasamento mais slido em mtodos de
flauta do sculo XX em diante. Apesar disso, seria um equvoco afirmar que o flautista
de um passado mais distante (princpio do sculo XX para trs) no tinha qualquer
preocupao com o assunto, bem como qualquer conhecimento.
Naturalmente, msicos que tocavam outros instrumentos de sopro e cantores
tambm se interessavam de maneira especial pela temtica, de forma que esses nichos
musicais influenciavam-se mutuamente no que dizia respeito s suas respectivas
concepes de respirao. Pela insistente referncia de alguns autores de mtodos de
flauta (em especial Roger Mather) s tcnicas de respirao adotadas por cantores,
supe-se que a influncia da escola de canto lrico tenha sido forte a ponto de causar
mudanas significativas na maneira de respirar dos flautistas.
A presente dissertao tem por objetivo principal o levantamento de dados
relativos maneira como, ao longo da histria do ensino e da prtica da flauta
transversal, os flautistas procediam para acionar um ato respiratrio que atendesse s
necessidades do tocar do instrumento. Para tanto, vrios gneros de publicaes
relacionadas flauta vindas a pblico desde o ano de 1500 at a atualidade passando
tambm por escritos direcionados flauta doce foram consultados. Um objetivo
colateral a esse consiste no levantamento de um perodo razoavelmente preciso para o
momento em que a respirao abdominal passou a ser a tcnica de respirao dominante
entre flautistas. A fim de auxiliar nesta busca, algumas publicaes relacionadas
pedagogia do canto foram consultadas.
Um terceiro e final objetivo desta pesquisa o de prestar esclarecimentos acerca
do ato respiratrio, suas funes, sua anatomia e sua fisiologia, procurando descrever os
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mecanismos envolvidos nos diversos tipos de respirao existentes. Com o
conhecimento levantado sobre esse assunto, o leitor poder entender melhor como
funciona o sistema respiratrio e ser capaz de identificar a quais tipos de respirao os
autores dos mtodos consultados se referem em seus escritos, uma vez que, na maioria
das vezes, os escritores no se utilizam de termos tcnicos para apresentar o tipo de
respirao que tinham em mente, descrevendo apenas os movimentos corporais
envolvidos na tcnica respiratria por eles preconizada.
Um levantamento de dados referente s tcnicas respiratrias adotadas por
flautistas ao longo da histria e o esclarecimento acerca dos mecanismos do ato
respiratrio justificam suas respectivas utilidades por duas razes. A primeira delas o
fato de que saber respirar com eficincia uma habilidade imprescindvel para qualquer
instrumentista de sopro sobretudo para o flautista, o qual, conhecidamente, precisa
lidar com grandes quantidades de ar para ser capaz de tocar seu instrumento a contento.
A segunda a realidade de que, infeliz e inexplicavelmente, ainda hoje, mesmo o acesso
ao vasto conhecimento que h disponvel sobre o assunto nunca tendo sido to fcil,
erros serissimos de concepo referentes ao ato respiratrio ainda permeiam o meio
flautstico. Por consequncia disso, tcnicas de respirao so ensinadas sem critrio e
embasamento algum, colocando em jogo o desenvolvimento tcnico e tambm
musical dos flautistas estudantes.
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- CAPTULO I - RESPIRAO
O ato respiratrio e suas funes
A respirao est inserida no rol dos atos imprescindveis manuteno do
funcionamento do organismo humano. Assim como o bater do corao, o ato
respiratrio acontece de forma automtica, ou seja, sem que necessitemos dar ordens
conscientes para que os msculos e rgos envolvidos acionem seu funcionamento.
Seus ritmos so constantes em indivduos saudveis e em situao de repouso. Se
qualquer uma das duas atividades cessar por uma determinada (e relativamente curta)
quantidade de tempo, o organismo entrar em colapso, podendo levar falncia de
rgos vitais e, consequentemente, morte do indivduo. Ao contrrio dos batimentos
cardacos, porm, a respirao pode ser interrompida (embora no o possa ser por tempo
indeterminado), acelerada ou desacelerada de forma voluntria e direta. Em outras
palavras, podemos acelerar ou desacelerar os batimentos cardacos ao entrarmos,
respectivamente, em estado de agitao ou repouso, mas no podemos dar uma ordem
direta aos msculos cardacos para que se contraiam e relaxem no ritmo que queremos
impor a eles algo que podemos fazer com uma boa parte dos msculos envolvidos na
respirao.
O principal objetivo do ato respiratrio realizar trocas gasosas entre a
atmosfera e o nosso sangue3. Ao inspirarmos, ou seja, ao permitirmos a entrada de ar
em nossos pulmes, fazemos com que as molculas de oxignio presentes no ar entrem
em contato com o sangue que corre pelas inmeras veias de nosso corpo. O ar percorre
as vias areas, das quais fazem parte o nariz (1), a boca (2), a faringe (3), a laringe (4), a
3 WEST, John B. Fisiologia Respiratria Princpios Bsicos. 8ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. p.10.
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traqueia (5) e os brnquios (6) e suas ramificaes4 (ver figura 1, logo abaixo),
chegando finalmente aos alvolos.
4 Respectivamente, pelo caminho que o ar faz desde a atmosfera at chegar aos alvolos: brnquios principais esquerdo e direito; brnquios lobares; brnquios segmentares; bronquolos terminais. WEST. p.13-14.
Figura 1 Pulmes e vias areas. CALAIS-GERMAIN, Blandine. Respirao: Anatomia Ato respiratrio.Barueri: Manole,
2005. p.56.
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Os alvolos so pequenas estruturas em formato quase esfrico, dotadas de um
dimetro de aproximadamente 0,3mm. Essas pequenas estruturas, das quais temos cerca
de 500 milhes5 dentro de nossos pulmes, so revestidas por um tecido repleto de veias
capilares as de menor calibre dentre as que existem em nosso organismo. O sangue
conduzido aos alvolos por essas veias extremamente finas conhecido como sangue
venoso. Ele repleto de gs carbnico, um composto altamente txico para nosso corpo
produzido por nossas clulas no momento em que elas executam processos metablicos
durante os quais a participao do oxignio imprescindvel. Chegando aos alvolos, o
sangue venoso entra em contato com o ar atmosfrico, liberando suas molculas de gs
5 WEST. p.19.
Figura 2 rvore bronquial. Imagem retirada do catlogo da exposio O
Fantstico Corpo Humano, 2010. p.41.
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carbnico. O ar inspirado, agora cheio de gs carbnico, expulso para a atmosfera,
processo ao qual damos o nome de expirao. Enquanto isso, o sangue reabastecido
com oxignio agora conhecido como sangue arterial percorre novamente todo o
corpo, participa de diversos processos metablicos, novamente saturado com gs
carbnico, retorna aos pulmes e, mais uma vez, sujeito troca gasosa em questo,
participando de um ciclo cuja interrupo irreversvel leva morte do indivduo. Todo
esse processo de converso do sangue venoso em sangue arterial conhecido por
hematose6 e o conjunto dos processos que a possibilitam (ou seja, a inspirao e a
expirao, a entrada e sada do ar nos pulmes) conhecido como ventilao.
O carter automtico da inspirao e da expirao devido ao controle que
determinadas estruturas cerebrais exercem sobre os msculos respiratrios. Os
neurnios localizados na ponte e no bulbo estruturas presentes no tronco enceflico7
(ver figura 3, logo abaixo) so estimulados por mecanismos denominados sensores, os
quais recolhem informaes acerca das condies nas quais nosso organismo se
encontra.
6 CALAIS-GERMAIN, Blandine. Respirao: Anatomia Ato respiratrio.Barueri: Manole, 2005. p.15. 7 WEST. p.154.
Figura 3 Tronco enceflico: ponte e bulbo Disponvel em: .
Acesso em: 27 fev. 2012.
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Dentre os sensores h, por exemplo, os quimiorreceptores centrais, cuja funo
consiste em responder a alteraes na composio qumica do sangue8. Colocando de
forma simplificada: sempre que tais sensores acusarem que a concentrao de gs
carbnico no sangue est elevada, as estruturas do tronco enceflico responsveis pela
respirao automtica faro com que os msculos respiratrios entrem em ao, a fim
de realizar a ventilao e, por conseguinte, a hematose, processo que culmina no
reequilbrio das concentraes de oxignio e gs carbnico no sangue.
Quando desejamos exercer um controle voluntrio sobre a respirao, porm, a
ao do crtex cerebral pode prevalecer sobre do tronco enceflico, mas vlido
ressaltar que tal controle limitado9. Sem dvida, podemos provocar um estado de
apneia, ou seja, de suspenso de quaisquer movimentos respiratrios10, mas no
podemos permanecer nele por tempo indeterminado. Em dado momento, os estmulos
dos sensores ponte e ao bulbo se tornam to fortes, que se torna impossvel fazer com
que a ao do crtex continue prevalecendo do tronco enceflico. A concentrao de
gs carbnico um fator importante na ativao desses sensores, mas tambm h vrios
outros fatores que podem interromper uma ao respiratria voluntria, tais como a dor
e a mudana da temperatura corporal do indivduo em questo11.
A respirao participa de outros eventos que ocorrem em nosso organismo alm
daquele da troca gasosa anteriormente descrita. Podemos colocar em ao um jogo
respiratrio voluntrio visando os mais diversos efeitos, dentre os quais: acompanhar o
mpeto de um movimento; modificar emoes, saindo de um estado de ansiedade para
um de calma, por meio da diminuio da velocidade do ritmo respiratrio e, como efeito
colateral, da frequncia cardaca, por exemplo; aumentar ou diminuir a tenso do tnus
8 WEST. p.157. 9 Ibid. p.156. 10 CALAIS-GERMAIN. p.21. 11 WEST. p.163.
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corporal; acompanhar sensaes de prazer ou amenizar sensaes de dor; mobilizar as
vsceras; sustentar a voz falada ou cantada12. Mas, acima de tudo isso, ela pode servir ao
fim que mais interessa ao leitor desta dissertao: tocar instrumentos de sopro a flauta
transversal, mais especificamente. Tambm possvel realizarmos movimentos
respiratrios sem que haja, necessariamente, a passagem de ar13, o que se d atravs da
ao dos msculos respiratrios aliada ao fechamento das vias areas.
Vias areas e pulmes
As vias areas so divididas esquematicamente em duas categorias: as inferiores
a as superiores. As inferiores so aquelas localizadas ao nvel do trax, como os
brnquios (e suas segmentaes) e os canais alveolares. As superiores, por sua vez, so
as que se encontram acima do nvel do trax. Trata-se da boca, do nariz, da faringe, da
laringe e da traqueia (figuras 1 e 2, pginas 5 e 6). A regio anterior da faringe divida
em trs diferentes zonas (figura 4, pgina 10): a rinofaringe (1), localizada na regio
posterior do nariz; a orofaringe (2), localizada na regio posterior da boca; a
laringofaringe (3), localizada logo acima da laringe. Em inspiraes e expiraes feitas
pelo nariz, o ar passa pelos trs nveis, enquanto que, quando feitas pela boca, o ar passa
apenas pelas duas ltimas regies descritas14.
O ar inspirado pelo nariz passa por estruturas que o aquecem, umedecem,
purificam e esterilizam antes que o mesmo chegue aos pulmes, fatores que depem a
favor da inspirao nasal. Respirar pela boca, porm, mostra-se mais vantajoso quando
surge a necessidade de mobilizar-se uma grande quantidade de ar em pouco tempo
(como quando se realiza uma atividade fsica intensa ou se toca um instrumento de
sopro), uma vez que o conduto bucal, por conta de sua largura, demonstra menos 12 CALAIS-GERMAIN. p.16. 13 Ibid. p.17. 14 Ibid. p.64-71.
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resistncia passagem de ar que os condutos nasais15. Alm disso, o caminho
percorrido pelo ar inspirado pela boca ligeiramente menor, j que apenas duas das trs
zonas nas quais a faringe dividida participam da respirao nessas condies.
Para uma boa conduo do ar aos pulmes, necessrio que as vias areas
estejam desobstrudas. A laringe (ver figura 5, pgina 11) dotada de estruturas que
podem obstruir seriamente o fluxo areo. Nela esto localizadas as pregas vocais
(popularmente conhecidas como cordas vocais, responsveis pela formao da voz nos
seres humanos) e a glote o espao entre elas (ver figura 6, pgina 11). Se as pregas
vocais estiverem em posio muito prxima, no h espao gltico e o ar no consegue
seguir para a traqueia. Acima das pregas vocais h outra estrutura potencialmente
obstrutora, conhecida como epiglote (ver figura 6, pgina 11), responsvel pelo
fechamento da traqueia no momento em que engolimos algum alimento. graas a ela
que o bolo alimentar conduzido ao estmago (passando pelo esfago) e no aos
pulmes. Por fim, o formato da traqueia (ver figura 5, pgina 11) tambm pode
15 CALAIS-GERMAN. p.77.
Figura 4 A faringe e suas trs subdivises. CALAIS-GERMAIN, p.70.
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11
influenciar na passagem do ar aos pulmes. Ela um tubo cartilaginoso semirgido e,
como no se fecha sem a ao das pregas vocais e da epiglote, encontra-se, em boa parte
do tempo, aberta para o fluxo de ar. No entanto, pode se curvar para frente, para trs, ou
at mesmo lateralmente16. A sua posio alongada a ideal para uma inspirao sem
dificuldades.
16 CALAIS-GERMAIN. p.67-69
Figura 5 Laringe e traquia. CALAIS-GERMAIN, p.67.
Figura 6 Pregas vocais, glote e epiglote. CALAIS-GERMAIN, p.69.
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Em um indivduo sem deficincias em sua formao fsica, encontramos um par
de pulmes os principais rgos da respirao. Podemos descrev-los
simplificadamente como cones abaulados, sendo que damos parte superior deste cone
o nome de pice, e chamamos de base a sua parte inferior. Sabe-se, porm, que os dois
pulmes no possuem o mesmo formato: o pulmo esquerdo possui um volume um
pouco menor, decorrente da concavidade de sua face interna, deformao que tem por
propsito criar espao para alojar o corao17 (ver figura 7, logo abaixo). Como dito
anteriormente, dentro deles que se encontram os milhes de alvolos em cujo interior
acontece a troca gasosa entre o ar atmosfrico (conduzido at eles pelas vias areas) e o
nosso sangue, atividade vital ao nosso organismo. O corao e os pulmes so os nicos
rgos pelos quais passam todo o sangue que corre em nosso corpo.
17 CALAIS-GERMAIN. p.59.
Figura 7 Pulmes e corao. Disponvel em: . Acesso em: 27 fev. 2012.
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O tecido pulmonar possui propriedades altamente elsticas, tendendo a resistir
expanso e a voltar ao seu estado de repouso passivamente. Cada um dos pulmes
envolvido por uma membrana denominada pleura, composta por dois folhetos que
recebem os nomes de pleura visceral (a face interna da pleura, que adere ao pulmo) e
pleura parietal (a face externa, que adere face interna das costelas e face superior do
diafragma)18. Essa aderncia da pleura parietal s costelas e ao diafragma que sero
descritos mais adiante uma das principais responsveis pelo aumento do volume
pulmonar. A contrao do diafragma e dos msculos aos quais se deve o movimento das
costelas resulta na trao das paredes dos pulmes de dentro para fora, aumentando
assim o volume de ambos.
A ventilao e os volumes respiratrios
O ato da ventilao composto por dois momentos principais: o da inspirao
a captao de ar atmosfrico pelas vias areas, conduzindo-o aos pulmes e a
expirao a expulso do ar previamente inspirado. Na respirao automtica, ambos
alternam-se incessantemente, havendo um breve momento de apneia entre a passagem
de um para o outro. Atravs desta alternncia constante, o nosso organismo permanece
sempre abastecido de oxignio e consegue se livrar do gs carbnico indesejado. A
inspirao caracterizada por uma expanso do abdome e das costelas; a expirao, por
um fechamento dos mesmos.
Quando acionamos os msculos cuja contrao resulta no aumento do volume
dos pulmes (conhecidos como msculos inspiratrios), fazemos com que seja criada
no interior destes uma zona de presso mais baixa que a presso atmosfrica,
mecanismo responsvel pela ativao do fluxo de ar no sentido que caracterstico da
18 CALAIS-GERMAIN. p.61-63.
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inspirao, ou seja, de fora dos pulmes para dentro deles. O inverso acontece na
expirao: atravs da compresso dos pulmes, a sua presso interna torna-se maior que
a atmosfrica, ocorrncia que leva expulso do ar de seu interior. Tal compresso se
d tanto pela contrao dos msculos conhecidos como expiratrios como pelo
relaxamento dos msculos inspiratrios e pelas j citadas propriedades elsticas dos
pulmes.
A cada expirao de carter automtico, cerca de 500mL de ar passam pelas vias
areas. Se considerarmos que realizamos um ciclo respiratrio completo (ou seja, que
inspiramos e expiramos) aproximadamente 15 vezes por minuto, um total de 7,5 litros
de ar participaria das trocas gasosas entre oxignio e gs carbnico a cada minuto.
Entretanto, nem todo ar expirado passou necessariamente pelos alvolos. Uma parte
dele (cerca de 150mL dos 500mL j citados) no trafega para alm das vias areas
desprovidas de alvolos. Essas regies do sistema respiratrio que no participam da
hematose so denominadas de espao morto anatmico. Assim sendo, dos sete litros e
meio que transitam nas vias areas a cada minuto, aproximadamente 5,25 litros
participam efetivamente das trocas gasosas19. importante frisar que os valores citados
so aproximados. Eles podem variar tanto de indivduo para indivduo (por conta de
diferenas de estatura), quanto no mesmo indivduo submetido a condies diversas.
Tambm importante ressaltar que o ar que se encontra no espao morto anatmico,
embora intil do ponto de vista hematose, precioso para outras atividades dentre
elas, cantar e tocar instrumentos de sopro.
Ao volume de ar descrito no pargrafo anterior proveniente da respirao
automtica e tranquila , damos o nome de volume corrente (VC). Quando realizamos
uma inspirao forada ficando acima do VC, portanto , podemos mobilizar, em
19 WEST. p.28-29.
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15
mdia, entre 2 e 3,5 litros de ar a mais, a depender da estatura e da aptido fsica do
indivduo. A esse volume damos o nome de volume de reserva inspiratrio (VRI). Quer
estejamos no VC ou no VRI, podemos realizar uma expirao forada, expulsando
ainda mais ar de nossos pulmes. Quando expiramos uma quantidade de ar que coloca
nossos pulmes abaixo do VC, damos ao volume expirado a partir da o nome de
volume de reserva expiratrio (VRE). O VRE nos permite expirar aproximadamente um
litro de ar alm do VC, podendo variar graas s mesmas causas que fazem variar o
VRI. No entanto, no nos possvel expirar todo o ar que h em nossos pulmes. Um
volume residual (VR) ainda permanece em seu interior20. Ao VRE e ao VR somados d-
se o nome de capacidade residual funcional (CRF); o volume expirado desde o VRI at
o VR chamado de capacidade vital (CV); por fim, damos o nome de capacidade
pulmonar total (CPT) soma de todos os volumes citados21.
20 CALAIS-GERMAIN. p.26-30. 21 WEST. p.25.
Figura 8 Volumes respiratrios WEST, John B. Fisiologia Respiratria Princpios Bsicos. 8Ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.
p.25.
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16
O diafragma, a caixa torcica e os msculos inspiratrios
O diafragma o mais importante dos msculos inspiratrios. Trata-se de uma
grande membrana muscular e fibrosa, em forma de cpula, inserida nas costelas
inferiores e localizada logo abaixo da base dos pulmes, com os quais entra em contato
atravs das pleuras parietais. Ele une e, ao mesmo tempo, serve como divisa entre o
trax e o abdome (ver figuras 9 e 10, pginas 17 e 18). Abaixo dele encontram-se as
vsceras abdominais mais altas, sobre as quais se apia e, devido sua maleabilidade
inerente, se molda. A sua contrao faz com que ele seja puxado para baixo, na direo
da pelve, o que acarreta em duas coisas: na deformao das vsceras abdominais,
facilmente visualizada pela projeo do ventre para frente; no aumento do volume
pulmonar, tracionado pela sua base, graas aderncia da pleura parietal ao msculo em
questo. Sentir a contrao do diafragma, entretanto, tarefa difcil. Por no ser dotado
de muitos nervos, sua ao no fcil de ser sentida. As pleuras e as vsceras
abdominais, entretanto, por serem altamente inervadas, provocam sensaes bem mais
ntidas22. Numa inspirao em VC, o diafragma move-se cerca de apenas um centmetro
em relao sua posio de relaxamento. Numa em VRI, entretanto, pode chegar a se
mover dez centmetros23. Alm de aumentar o volume pulmonar atravs da trao de
suas bases, a contrao do diafragma tambm provoca o levantamento e a abertura das
costelas inferiores. Dessa maneira, o diafragma infla os pulmes atravs dos dois
mecanismos que caracterizam a ao dos msculos inspiratrios, a saber: a trao pela
base; a trao pelas faces anterior, posterior e laterais.
22 CALAIS-GERMAIN. p.86. 23 WEST. p.120.
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17
Figura 9 O diafragma (viso frontal).
SCHNKE, Michael; SCHULTE, Erik; SCHUMACHER, Udo. Prometheus Atlas de Anatomia. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A., 2006. p.135.
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18
Figura 10 O diafragma (viso posterior) e a crista ilaca. SCHNKE, Michael; SCHULTE, Erik; SCHUMACHER, Udo. p.135.
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19
Os demais msculos inspiratrios so dotados apenas da capacidade de expandir
os pulmes atravs do segundo mecanismo descrito ao final do pargrafo anterior. O
grupo de msculos cuja ao nesse sentido mais ativa recebe o nome de msculos
inspiratrios costais24. Sua contrao resulta no afastamento e levantamento das
costelas, cujas faces internas aderem ao pulmo atravs da pleura parietal. As costelas
so ossos chatos, encurvados e flexveis, dos quais temos, normalmente, doze pares (ver
figura 11, pgina 20). Elas possuem uma capacidade nica dentre as demais estruturas
sseas das quais dispomos: so deformveis, podendo ser curvadas e at mesmo
torcidas sobre si mesmas, e so elsticas, tendendo a retornar ao seu formato e sua
abertura originais sem gasto de energia25. Juntamente com as doze vrtebras dorsais
(que formam a coluna dorsal, um segmento da coluna vertebral), as cartilagens costais e
o esterno, elas formam a caixa torcica (ver figuras 11 e 12, pginas 20 e 21), dentro da
qual se encontram os pulmes e o corao. O esterno, localizado na regio anterior da
caixa torcica, um osso em formato de espada, e se une s costelas graas s
cartilagens costais. As vrtebras dorsais, por sua vez, possuem formato semelhante ao
de discos e encontram-se na regio posterior da caixa torcica. As costelas se encaixam
no espao existente entre duas vrtebras. Ao conjunto de duas vrtebras, um par de
costelas, outro par de cartilagens costais e da poro correspondente do esterno, d-se o
nome de arco costal, justamente por tal estrutura ter formato de arco (ver figura 13,
pgina 22).
24 CALAIS-GERMAIN. p.87. 25 Ibid. p.37.
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20
Figura 11 A caixa torcica (viso frontal), as vrtebras cervicais (formando a coluna vertebral cervical) e as lombares (formando a coluna
vertebral lombar). SCHNKE, Michael; SCHULTE, Erik; SCHUMACHER, Udo. p.76.
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21
Figura 12 A caixa torcica (viso posterior), as vrtebras cervicais (formando a coluna vertebral cervical), as vrtebras dorsais (formando a coluna vertebral torcica) e as lombares (formando a coluna vertebral
lombar). SCHNKE, Michael; SCHULTE, Erik; SCHUMACHER, Udo. p.77.
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22
Figura 13 Um arco costal. CALAIS-GERMAIN, p.39.
Figura 14 Em azul, a caixa torcica e o diafragma em posio relaxada; em vermelho, a caixa torcica expandida e o diafragma contrado.
SCHNKE, Michael; SCHULTE, Erik; SCHUMACHER, Udo. p.134
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23
O dimetro dos arcos costais pequeno na parte mais alta da caixa torcica e vai
aumentando medida que descemos at o dcimo par de costelas, acompanhando o
aumento do tamanho das costelas e das cartilagens costais. Os dois ltimos pares so
bem menores que o dcimo e no se conectam ao esterno tais costelas so chamadas
de costelas flutuantes. At o nvel do stimo par, cada costela possui sua prpria
cartilagem costal. Os oitavo, nono e dcimo pares ligam-se ao esterno atravs do
alongamento das cartilagens do stimo par (ver figuras 11 e 12, pginas 20 e 21). As
propriedades elsticas das costelas e das cartilagens costais fazem da caixa torcica uma
estrutura extremamente mvel e flexvel. Tal mobilidade potencializada pela
flexibilidade da coluna dorsal, cujas tores tendem a deformar a caixa torcica26.
Os msculos inspiratrios costais podem ser divididos esquematicamente em
trs categorias: aqueles que elevam as costelas a partir da cintura escapular ou cngulo
do membro superior (ver figura 15, logo abaixo); os que elevam as costelas a partir da
coluna dorsal; os que elevam as costelas a partir da cabea e do pescoo27.A cintura
escapular formada pelo esterno, pelas clavculas (par de ossos localizados na frente do
trax, entre o esterno e as escpulas) e pelas escpulas (par de ossos achatados e de
formato triangular localizados atrs e sobre a lateral das costelas mais altas).
26 CALAIS-GERMAIN. p.45. 27 Ibid. p.87.
Figura 15 A cintura escapular. CALAIS-GERMAIN, p.52.
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24
Dentro da primeira categoria de msculos inspiratrios costais, enquadram-se os
peitorais menor e maior e o serrtil anterior. O peitoral menor um par de pequenos
feixes de msculos que partem das escpulas, formando um leque que termina sobre as
costelas superiores (ver figura 16, logo abaixo). Sua contrao eleva essas costelas para
frente. O peitoral maior, vindo da parte superior do brao, cobre por completo o peitoral
menor, terminando sobre as clavculas, os oito primeiros pares de costelas e o esterno
(ver figura 17, pgina 25). Sua ao afeta principalmente o esterno, levando-o para
frente. O serrtil anterior, por sua vez, se estende ao longo da lateral de todos os pares
de costelas, excetuando-se os dois ltimos (ver figura 18, pgina 26). Ele eleva as
costelas em um movimento lateral muito amplo, um movimento semelhante ao de uma
ala de balde.
Figura 16 O peitoral menor. SCHNKE, Michael; SCHULTE, Erik; SCHUMACHER, Udo. p.261.
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25
Figura 17 O peitoral maior. SCHNKE, Michael; SCHULTE, Erik; SCHUMACHER, Udo. p.269.
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26
Dentro da categoria de msculos que elevam as costelas a partir da coluna dorsal
esto os supracostais, o serrtil posterior superior e, indiretamente, os espinais. Os
supracostais so pequenos e numerosos feixes de msculos que partem das vrtebras
dorsais e se ligam parte posterior das costelas, elevando-as a partir da (ver figura 19,
pgina 27). Os msculos espinais, localizados ao longo de toda a coluna vertebral, tm
como principal funo a movimentao do tronco (ver figura 20, pgina 27). Entretanto,
podem agir sobre a respirao, uma vez que as deformaes da coluna dorsal acarretam
na deformao da caixa torcica (conforme descrito anteriormente). O serrtil posterior
(ver figura 21, pgina 28) superior origina-se a partir das trs ltimas vrtebras cervicais
localizadas no pescoo e as trs ou quatro primeiras vrtebras dorsais (ver figuras 11
e 12, pginas 20 e 21), unindo-se, tal qual os supracostais, regio posterior das
Figura 18 O serrtil anterior. SCHNKE, Michael; SCHULTE, Erik; SCHUMACHER, Udo. p.261.
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27
costelas. Ele executa o mesmo tipo de movimento que os msculos supracostais
executam, porm em costelas mais altas.
Figura 19 Os msculos supracostais. CALAIS-GERMAIN. p.143.
Figura 20 Os msculos espinais. SCHNKE, Michael; SCHULTE, Erik; SCHUMACHER, Udo. p.123.
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28
O serrtil posterior superior, por originar-se, em parte, a partir das ltimas
vrtebras cervicais, tambm se enquadra na categoria dos msculos que elevam as
costelas a partir da cabea e do pescoo. Alm dele, h o esternocleidomastoideo e os
escalenos. O esternocleidomastoideo origina-se na regio logo abaixo do ouvido e
termina nas partes superiores das clavculas e do esterno, elevando a caixa torcica pela
Figura 21 Os serrteis posterior superior e posterior inferior, os oblquos internos e externos do abdome e os intercostais externos (viso posterior
do tronco). SCHNKE, Michael; SCHULTE, Erik; SCHUMACHER, Udo. p.140.
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29
trao deste ltimo (ver figura 22, logo abaixo). Os escalenos, por fim, originam-se na
coluna cervical e ligam-se aos dois primeiros pares de costelas, elevando-as
lateralmente (ver figura 23, logo abaixo). O esternocleidomastoideo e os escalenos
tambm so chamados de msculos acessrios da inspirao, uma vez que a sua ao
em uma respirao tranquila quase que inexistente28.
28 WEST. p.121.
Figura 22 O esternocleidomastoideo. SCHNKE, Michael; SCHULTE, Erik; SCHUMACHER, Udo. p.288.
Figura 23 Os escalenos. SCHNKE, Michael; SCHULTE, Erik; SCHUMACHER, Udo. p.133.
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30
Os msculos expiratrios e os de ao varivel
A ao dos msculos expiratrios leva compresso dos pulmes, tanto por
meio do fechamento das costelas (atuando sobre as faces anterior, posterior e laterais
dos pulmes), quanto por uma fora de direo vertical e de sentido de baixo para cima
a agir sob a base dos pulmes (as vsceras abdominais empurrando o diafragma para
cima). So diversos os msculos que podem participar desse processo. Antes de
enumer-los, entretanto, necessrio ressaltar que a principal ao expiratria passiva:
trata-se da propriedade elstica dos pulmes, resistindo expanso e tendendo sempre a
retornar ao volume original depois de inflados. Para sairmos de uma inspirao em VRI
e retornarmos ao VC, basta permitir que a elasticidade pulmonar faa seu trabalho. Os
msculos expiratrios descritos a seguir s sero ativados caso queiramos fazer uma
expirao que nos leve at o VRE29.
Os msculos mais importantes da expirao so os da parede abdominal,
constituda pelos msculos abdominais, o transverso do abdome, os oblquos e o reto
abdominal. Os msculo abdominais aqueles que circundam o abdome agem tanto
sobre as vsceras abdominais quanto sobre determinadas estruturas sseas, tais como a
coluna vertebral, a pelve e principalmente as costelas. O transverso do abdome (ver
figura 24, pgina 32), por sua vez, age predominantemente sobre as vsceras. Quando
ele se contrai, o resultado a diminuio do dimetro do abdome. Ele se insere
superiormente na face profunda da poro mais baixa da caixa torcica, descendo pelas
vrtebras lombares e chegando finalmente crista ilaca. As vrtebras lombares so as
mais baixas da coluna vertebral e a elas fixam-se vrios outros msculos respiratrios
alm do transverso, dentre eles o diafragma (ver figura 9, pgina 17). A crista ilaca
29 CALAIS-GERMAIN. p.96.
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31
uma estrutura ssea que tem um formato que lembra um par de orelhas de elefante (ver
figura 10, pgina 18). Ela compe a pelve, situando-se em sua regio mais alta.
Os oblquos so de dois tipos: o interno e o externo. O interno fixa-se,
superiormente, caixa torcica e, inferiormente, crista ilaca (ver figuras 21 e 24,
pginas 28 e 32), chegando at o pbis (uma das estruturas sseas mais baixas da
pelve). O oblquo interno pode abaixar as costelas e diminuir o dimetro do abdome,
agindo freqentemente em parceria com o transverso. O oblquo externo, por sua vez,
est ligado ao exterior da poro inferior da caixa torcica (ver figuras 21 e 24, pginas
28 e 32), cobrindo todo o oblquo interno. Sua ao tem resultado semelhante do seu
msculo homnimo. O reto do abdominal fixa-se sobre o esterno e as quinta, sexta e
stima cartilagens costais, seguindo at o pbis. o msculo abdominal que tem o
formato tpico de quadrados (ver figuras 24 e 26, pginas 32 e 33). Ele atua abaixando o
esterno e elevando o pbis. H tambm alguns msculos expiratrios que agem
exclusivamente sobre as costelas. Um deles o triangular do esterno igualmente
conhecido como transverso do trax (ver figura 25, pgina 33). Originado na face
profunda do esterno (ou seja, voltado para dentro da caixa torcica), suas fibras dirigem-
se da segunda at a stima cartilagens costais. Sua contrao abaixa essas cartilagens e
as projeta para trs. Sua ao nitidamente sentida quando tossimos. O quadrado do
lombo, que vai da dcima segunda costela at a crista ilaca, atua abaixando a costela
em questo (ver figura 26, pgina 33). Por fim, o serrtil posterior inferior, que se
origina das vrtebras lombares mais altas e das dorsais mais baixas, age sobre os
ltimos quatro ou cinco pares de costelas, abaixando-os tambm (ver figura 21, pgina
28).
Finalmente, h um grupo muscular cuja ao pode favorecer tanto a inspirao
quanto a expirao. Trata-se dos msculos intercostais, os quais so divididos em
-
32
internos e externos (ver figuras 21, 25, e 27, pginas 28, 33 e 34), tal qual os oblquos.
Eles localizam-se nos espaos que h entre os dez primeiros pares de costelas, formando
duas camadas de feixes oblquos. Sua ao primeira de aproximar as costelas umas
das outras, exercendo um papel expiratrio, uma vez que tal comportamento leva,
inevitavelmente, diminuio do volume de caixa torcica. Entretanto, sua ao pode
ser modificada de duas maneiras. Se o par mais alto de costelas estiver fixo ou elevado
(graas ao dos escalenos) e os msculos intercostais entrarem em ao, o resultado
ser a elevao das demais costelas, conferindo a eles o papel de msculos inspiratrios.
Se, por outro lado, o par mais baixo de costelas estiver fixo ou abaixado (por obra do
oblquo externo), as demais costelas tendero a abaixar, atribuindo aos intercostais o
carter de msculos expiratrios.
Figura 24 O reto, os oblquos e o transverso do abdome. SCHNKE, Michael; SCHULTE, Erik; SCHUMACHER, Udo. p.149.
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33
Figura 25 Os intercostais internos e o transverso do trax. SCHNKE, Michael; SCHULTE, Erik; SCHUMACHER, Udo. p.133.
Figura 26 O quadrado do lombo e o reto do abdome. SCHNKE, Michael; SCHULTE, Erik; SCHUMACHER, Udo. p.129.
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34
A inspirao abdominal
Tambm conhecida como inspirao diafragmtica ou ventral, a inspirao
abdominal o tipo de inspirao mais comumente empregado para o VC. Ela acontece
por meio de dois mecanismos principais, denominados de primeiro e segundo
mecanismos ou fase um e fase dois. Vale frisar que tal nomenclatura arbitrria, no
refletindo necessariamente uma sequncia cronologia entre ambas as fases ou
mecanismos30.
O primeiro mecanismo, ou fase um, j foi descrito anteriormente aqui em linhas
gerais. Trata-se do abaixamento do centro frnico do diafragma, a sua poro central,
tambm conhecido como centro tendnio (ver figura 9, pgina 17), acarretando na trao 30 CALAIS-GERMAIN. p.134.
Figura 27 Os intercostais internos e externos. SCHNKE, Michael; SCHULTE, Erik; SCHUMACHER, Udo. p.133.
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35
das bases dos pulmes a ele aderidas atravs da pleura parietal, aumentando o volume
dos mesmos e criando em seu interior uma zona de baixa presso, a qual levar a uma
demanda de ar para o interior dos pulmes, produzindo, assim, a inspirao. Como
efeito colateral da contrao do centro frnico, as vsceras abdominais deformam-se,
projetando-se para frente de modo bastante visvel da o fato de chamarmos a
inspirao abdominal de ventral. A inspirao de segundo mecanismo, por sua vez,
caracterizada pela imobilizao do centro frnico. Nesse caso, a contrao se d em seu
entorno, o qual se levanta e causa a elevao das costelas mais baixas. Como dito
anteriormente, os dois mecanismos se misturam, podem agir isoladamente e podem agir
cronologicamente: se o centro frnico se abaixar at o seu nvel mximo (tendo,
portanto, deformado as vsceras abdominais o mximo possvel em altura), o seu
entorno levanta-se por conta da deformao das vsceras abdominais em largura.
Cada um dos mecanismos da inspirao abdominal possui suas vantagens e
desvantagens. As vantagens da primeira fase constituem: uma ventilao mxima com
esforo muscular mnimo; a mobilizao das vsceras abdominais, favorecendo sua
drenagem circulatria e at mesmo otimizando suas funes; maior relaxamento da
regio superior do tronco. Sua desvantagem maior consiste em seu uso exclusivo, que
acarreta uma disposio a ventilar apenas as bases dos pulmes em detrimento de seus
pices, alm de relegar a ltimo plano a ao da caixa torcica, a qual tender a
enrijecer se no for exercitada. J em se tratando de inspiraes diafragmticas de
segundo mecanismo, sua maior desvantagem o fato de ser difcil de ser distinguida,
uma vez que ela atua de uma maneira que pode ser considerada algo intermediria entre
a inspirao costal e abdominal.
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36
A inspirao torcica
Na inspirao torcica, tambm conhecida como inspirao costal, o aumento do
volume pulmonar se d exclusivamente pela abertura e pela elevao das costelas, a
cuja face interna os pulmes aderem atravs da pleura parietal, acompanhando
necessariamente todos seus movimentos. O movimento das costelas acontece,
basicamente, de duas maneiras: em um movimento de ala de balde, abrindo o dimetro
dos arcos costais atravs de sua elevao, causando um aumento de volume lateral; em
um movimento de ala de bomba, atravs do qual o esterno eleva-se e causa um
aumento de volume anteroposterior. Como vimos anteriormente, grande o nmero de
msculos que agem sobre as costelas. Dessa maneira, a inspirao torcica torna-se
multiforme, podendo mobilizar regies altas, baixas e intermedirias dos pulmes a
depender do grau de controle possudo pelo indivduo que a praticar.
A inspirao torcica aliada abdominal permite a explorao de grandes
volumes inspiratrios, uma habilidade perseguida por vrios tipos de atletas, por
cantores e por msicos que tocam instrumentos de sopro. Elas podem tambm
contribuir para a otimizao do estado de sade de indivduos sedentrios, uma vez que
conserva a abertura da caixa torcica. Mas utilizada isoladamente, ela no capaz de
mobilizar uma grande quantidade de ar e, se exagerada, pode promover rigidez na caixa
torcica e submeter o indivduo a estresse desnecessrio.
As expiraes abdominal e torcica e as respiraes paradoxais
As inspiraes abdominal e torcica (ou diafragmtica e costal) encontram seu
contraponto nas expiraes homnimas. A expirao torcica consiste no fechamento da
caixa torcica, fim para o qual dispomos de dois principais meios. Um deles
aproximar as costelas entre si, movimento que pode ser executado graas aos msculos
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37
intercostais e ao triangular do esterno (ou transverso do trax). O outro o abaixar da
caixa torcica, ou seja, o abaixamento das costelas. Ele ocorre naturalmente graas
fora da gravidade e ao relaxamento dos msculos que foram contrados durante a
inspirao, mas tambm pode ser provocado pelos msculos que tracionam as costelas
em direo pelve.
A expirao abdominal tambm conta com dois mecanismos principais: o
apertar da cintura e o subir do abdome, ambos levando deformao das vsceras
abdominais. Quando apertamos a cintura para expirar, estamos colocando em ao o
transverso do abdome, empurrando a metade superior do abdome para cima ao mesmo
tempo em que a metade inferior empurrada para baixo. Esse movimento associa-se
frequentemente flexo do tronco para frente. Quando expiramos por meio da subida
do abdome, toda a massa abdominal sobe, desde o assoalho plvico (a regio mais baixa
da pelve) at o diafragma, no havendo mais a diviso entre vsceras superiores e
inferiores caracterstica do apertar da cintura.
Uma respirao na qual podem ser observados movimentos inspiratrios e
expiratrios se confundindo chamada de respirao paradoxal. Durante uma
inspirao desse tipo de respirao, as costelas se abrem a tal ponto que o pulmo,
distendido por essa abertura excessiva, acaba elevando sua base, atraindo a massa
abdominal em sua direo. Assim, ao mesmo tempo em que a caixa torcica se expande,
o ventre se retrai fortemente. Na expirao que se segue, a caixa torcica se fecha e o
ventre se projeta para frente. A respirao paradoxal possui suas vantagens e
desvantagens. Uma de suas vantagens o desenvolvimento da fora dos msculos
intercostais. Alm disso, proveitoso utiliz-la em alternncia com a respirao
abdominal em situaes em que esta ltima muito intensamente empregada, a fim de
promover o equilbrio dos movimentos viscerais, uma vez que a respirao paradoxal
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38
mobiliza as vsceras das caixas torcica e abdominal em um sentido oposto ao de
respirao abdominal. Se for o nico tipo de respirao empregado, a paradoxal se
mostrar muito limitante no que diz respeito variedade de movimentos ventilatrios.
Por promover contraes muito fortes, ela pode enrijecer a regio torcica.
-
39
- CAPTULO II - MTODOS E TRATADOS DE FLAUTA
DOS SCULOS XVIII E XIX
Fontes consultadas
Como dito na introduo a esta dissertao, a metodologia de pesquisa
empregada para a realizao deste trabalho acadmico firmou-se basicamente em
consulta bibliogrfica. A esmagadora maioria do material levantado fora publicado na
Frana do sculo XVI ao XIX, material composto por mais de uma centena de itens
literrios de temtica flautstica. Foram examinados fac-smiles de mtodos e tratados
de flauta tanto doce quanto transversal, verbetes em enciclopdias gerais e de msica e
excertos de tratados gerais de instrumentao, alm de algumas edies mais modernas
de determinadas publicaes centrais da literatura flautstica do sculos XVIII e XIX.
A totalidade dos fac-smiles consultados e aproveitados neste trabalho est
presente nas colees de fac-smiles editadas pela editora Fuzeau sob a coordenao de
Jean Saint-Arroman.31 As referncias feitas a esse material demandam uma formatao
ligeiramente diferenciada. Como se trata de coletneas de escritos previamente
publicados e que podem ser encontrados separadamente por meio de outras fontes ,
eles so dotados de dupla referncia: uma concernente localizao do fac-smile
dentro da coletnea e outra relativa ao fac-smile tratado isoladamente. Julguei til
deixar disposio do leitor ambas as referncias, escrevendo primeiro aquelas
relacionadas ao fac-smile como material independente32.
31 Trata-se da coleo Mthodes & Traits. Informaes mais detalhadas sobre tais publicaes sero encontradas ao longo do presente captulo e ao final desta dissertao, na seo dedicada bibliografia. 32 A ttulo de exemplo: DEVIENNE, Franois. NOUVELLE MTHODE Thorique et Pratique Pour la Flte. Paris: Naderman, 1794. Fac-smile presente em: SAINT-ARROMAN, Jean. Mthodes & Traits 10: Flte Traversire France 1600-1800. Vol.II. p.65-143. 2Ed. Bressuire: ditions J.M. Fuzeau s.a., 2003. p.6/72. Os nmeros de pginas escritos logo aps o nmero do volume da coleo dentro do qual o fac-smile est inserido se referem s pginas ocupadas por ele em sua totalidade no volume em questo. J os nmeros de pginas ao final da referncia dizem respeito pgina onde est a citao qual fao aluso, sendo, neste caso, 6 a pgina do fac-smile se considerado isoladamente e 72 a pgina na qual a citao se encontra dentro do volume da coletnea mencionada.
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40
Renderam maiores frutos a esta pesquisa os mtodos e tratados de flauta
transversal. Os mtodos de flauta doce consultados33 no trazem quaisquer informaes
acerca do objeto de interesse deste trabalho ou seja, como respirar. A preocupao
maior dos autores dos mtodos em questo consistiu em munir o leitor de noes
bsicas de leitura e teoria musicais, falar sobre a maneira correta de empunhar a flauta
doce e em elaborar tabelas de dedilhados (para notas simples e para trinados), partindo,
logo em seguida, para a prtica musical, utilizando-se de melodias populares na poca
em que foram escritos. Exemplos disso so os mtodos de John Hudgebut34 (c.1650-
1750) e Jacob van Eyck35 (c.1590-1657). Hudgebut dedica a pequena parcela inicial de
seu mtodo a ensinar ao leitor os valores das notas, a segurar a flauta e a uma tabela de
dedilhados, partindo logo para as melodias populares, as quais ocupam mais de quatro
quintos de seu mtodo. Eyck, em seu longo mtodo em duas partes, por sua vez, nem se
ocupa da teoria musical: fala logo sobre dedilhados e segue para as melodias populares
(a maior poro da primeira parte e a totalidade da segunda parte do mtodo consistem
apenas de melodias).
Ao ler vrios desses mtodos de flauta doce (especialmente aqueles de autoria
annima), o leitor notar um alto grau de repetio de contedo entre eles. So muitos
os mtodos que seguem a mesma estrutura e que ensinam exatamente os mesmos
preceitos, muitas vezes sequer alterando a escrita: pargrafos inteiros parecem ter sido
copiados letra por letra de um mtodo para outro. A nica variao substancial est na
33 SAINT-ARROMAN, Jean. Mthodes & Traits: Flte Bec Europe 1500-1800. Vols. I-IV. Bressuire: ditions J.M. Fuzeau s.a., 2006-2007. 34 HUDGEBUT, John. A VADE MECUM For the LOVES of MUSICK, Shewing the EXCELLENCY of the RECHORDER. London: N. Thompson, J. Hudgebut, 1679. Fac-smile presente em: SAINT-ARROMAN, Jean. Mthodes & Traits: Flte Bec Europe 1500-1800. Vol.II. p.141-163. 3Ed. Bressuire: ditions J.M. Fuzeau s.a, 2001. 35 EYCK, Jabob van. DER FLUYTEN LUST-HOF, Vol Psalmen, Paduanen, Allemanden, Couranten, Balletten, Airs, etc. Amsterdam: P. Matthysz, 1646 (1 parte) e 1654 (2 parte). Fac-smile presente em: SAINT-ARROMAN, Jean. Mthodes & Traits: Flte Bec Europe 1500-1800. Vol.II. p.7-124. 3Ed. Bressuire: ditions J.M. Fuzeau s.a, 2001.
-
41
escolha das melodias presentes em cada um deles. Todos os mtodos de autoria
annima constantes na coleo Fuzeau foram publicados em lngua inglesa e em datas
espaadas entre 1695 e 1790, sendo que as datas de publicao de alguns no foi
estimada. muito interessante notar que h pouqussima diferena entre os contedos
dos mtodos de 169536 e 179037, os quais seguem o padro de apresentao de contedo
citado neste pargrafo, mesmo que o ttulo deste ltimo mtodo d a entender que, se
comparado a seus predecessores, o mesmo esteja repleto de novidades.
Esse tipo de estrutura e contedo tambm caracterstico de grande parte dos
fac-smiles de mtodos de flauta transversal publicados at meados do sculo XVIII.
Um bom exemplo o tratado de Jacques-Martin Hotteterre Le Romain (c.1680-
c.1760)38. Impressa pela primeira vez em 1707, a obra dedicada tanto flauta doce
quanto transversal (e tambm ao obo), e nela esto contidos conselhos sobre como
resolver ornamentos, tabelas de dedilhados e direes sobre como segurar corretamente
os instrumentos sobre os quais versa.
Os verbetes de enciclopdias gerais e de msica consultados tambm no trazem
informaes a respeito de tcnicas de respirao para flautistas, muito embora sejam
dotados de informaes curiosas sobre os diversos tipos de flauta utilizados na poca
em que foram escritos suas construes, usos e origens, principalmente. Dois
exemplos dignos de nota so os escritos de Marin Mersenne39 (1588-1648) e Antoine
36ANNIMO. THE COMPLEAT Flute-Master OR The whole Art of playing on the Rechorder. London: J. Hare, J. Walsh, 1695. Fac-smile presente em: SAINT-ARROMAN, Jean. Mthodes & Traits: Flte Bec Europe 1500-1800. Vol.II. p.275-306. 3Ed. Bressuire: ditions J.M. Fuzeau s.a, 2001. 37 ANNIMO. NEW AND Complete Instructions for the COMMON FLUTE, Containing the easiest & most Improved Rules For Learners to Play. London: Preston & Son, c.1790. Fac-smile presente em: SAINT-ARROMAN, Jean. Mthodes & Traits: Flte Bec Europe 1500-1800. Vol.IV. p.243-259. 1Ed. Bressuire: ditions J.M. Fuzeau s.a, 2006. 38 HOTTETERRE, Jacques-Martin. Principles of the Flute, Recorder and Oboe. Traduo de Paul Marshall Douglas. New York: Dover Publications, 1968. p.X. 39 MERSENNE, Marin. Harmonie Universelle. Paris, 1636. Fac-smile presente em: SAINT-ARROMAN, Jean. Mthodes & Traits: Flte Traversire France 1600-1800. Vol.I. p.7-10. 3Ed. Bressuire: ditions J.M. Fuzeau, s.a., 2001.
-
42
Furetire40 (1619-1688). O primeiro fala, dentre outras coisas, sobre as dimenses da
flauta transversal, dos dimetros de seus orifcios e do uso do pfano na msica militar,
enquanto o segundo faz distino entre fluste dAllemad (flauta da Alemanha, descrita
como a flauta transversal) e fluste dAngleterre (flauta da Inglarerra, descrita como a
flauta doce).
Por fim, os excertos de tratados gerais de instrumentao nos mostram a que tipo
de msica os instrumentos da famlia da flauta se prestavam, quais afetos e efeitos os
mesmos eram capazes de reproduzir bem, em quais tonalidades as passagens a eles
dedicadas poderiam ser escritas sem provocar grandes problemas de digitao e
afinao ao instrumentista e quais eram suas tessituras; entretanto, so igualmente
desprovidos de material referente respirao. Bom exemplo o trecho destinado
flauta do tratado de instrumentao de Hector Berlioz41 (1803-1869). Alm de versar
sobre tudo o que foi citado no pargrafo anterior, ele ainda escreve sobre o flautim e, a
fim de falar sobre as capacidades expressivas da flauta, cita exemplos de solos
orquestrais famosos para o instrumento, como o grande solo da pera Orfeo ed
Euridice, de Christoph Willibald Gluck (1714-1787).
Como respirar: conhecimento tcito?
Mesmo nos mtodos de flauta transversal consultados, entretanto, nota-se que a
temtica dos mecanismos respiratrios no frequentemente abordada. Ao falar sobre
respirao, os autores de todos os mtodos dedicavam um grande nmero de pginas
40 FURETIRE, Antoine. Harmonie universelle. La Haye, 1690. Fac-smile presente em: SAINT-ARROMAN, Jean. Mthodes & Traits: Flte Traversire France 1600-1800. Vol.I. p.14. 1Ed. Breissure: ditions J.M. Fuzeau s.a., 2001. 41 BERLIOZ, Hector. GRAND TRAIT DINSTRUMENTATION ET DORCHESTRATION MODERNES. Paris: Schonenberger, 1844. Fac-smile presente em: SAINT-ARROMAN. Mthodes & Traits: Flte Traversire France 1800-1860. Vol.V. p.293-310. 1Ed. Bressuire: ditions J.M. Fuzeau s.a., 2005.
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discusso sobre onde respirar, enquanto escreviam pouco sobre a maneira de respirar.42
De tal fato podemos inferir que o debate sobre o aspecto musical da respirao, tratada
como demarcadora de limites entre uma ideia musical e outra, tinha, no meio flautstico,
supremacia em relao ao debate acerca do mecanismos fisiolgicos da mesma.
Mas no podemos de forma alguma concluir que o assunto era encarado como
algo sem importncia entre os flautistas da poca apenas por no haver, at o final do
sculo XIX, escritos mais aprofundados sobre o tema dentro da literatura flautstica.
Como escreve Harnoncourt:
preciso ter em mente que os tratados foram escritos para os contemporneos dos autores (...), e que estes autores podem ter imaginado que uma srie de importantes conhecimentos contidos em suas obras fossem evidentes e, por essa razo, no tinham por que explicit-los. (...) O no escrito, o suposto, seria, assim, de valor maior que o escrito!43
No podemos atribuir esse silncio total inexistncia de conhecimento sobre o
assunto. A comunidade cientfica j tinha, com toda a certeza, feito importantes
descobertas sobre a anatomia e sobre o funcionamento do sistema respiratrio quela
altura44. Ao compararmos mtodos de flauta e de canto45 de fins do sculo XIX e do
princpio do sculo XX, em especial, vemos um enorme descompasso entre o nvel de
profundidade em que a discusso se encontrava entre flautistas e cantores, os ltimos
demonstrando muito mais solidez de conhecimento acerca da respirao do que os
primeiros. Como, portanto, conhecimento cientfico palpvel sobre o assunto no
faltava naquela poca, podemos apenas concluir que sua difuso no se deu de forma
ampla entre flautistas por motivos desconhecidos. 42 Os tratados de Johann Joachim Quantz e Johann Georg Tromlitz, bem como os mtodos de Franois Devienne, Hugot e Wunderlich e Victor Coche so bons exemplos disso. Todas essas publicaes sero discutidas mais adiante neste captulo. 43 HARNONCOURT, Nikolaus. O Discurso dos Sons. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988. p.39. 44 o caso de Hygine de la Voix, escrito por Louis Mandl, publicao discutida com maior detalhamento no captulo quarto da presente dissertao. 45 O mais interessante dos escritos de canto consultados para esta pesquisa o tratado de Henri Lavoix e Thophile Lemaire, o qual ser discutido mais adiante, no captulo quarto.
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No caso dos mtodos de flauta doce, talvez seja mais simples compreender o
motivo pelo qual a temtica no foi abordada. A flauta doce, graas ao tipo de
embocadura que requer para ser tocada, um instrumento cuja emisso de som no
apresenta dificuldades do mesmo nvel das existentes quando tentamos produzir som em
uma flauta transversal. Essas flautas so dotadas de um bico por isso seu nome
francs: flte bec, ou flauta de bico que canaliza o ar soprado para a aresta contra
a qual ele deve colidir, dividindo-se e gerando as vibraes da coluna de ar dentro do
instrumento. Essa estrutura (muito semelhante dos apitos) faz com que pouco ar seja
desperdiado, podendo o instrumentista trabalhar com menor volume de ar. Respirao
no era, consequentemente, uma grande preocupao para quem tocava flauta doce.
Uma comparao entre alguns dos concertos escritos por Antonio Vivaldi (1678-1741)
ilustra bem o caso: a frase mais longa caracterizada por um fluxo ininterrupto de notas
musicais do primeiro movimento do concerto para flauta doce sopranino em d maior
RV443 (ver figura 28, logo abaixo) muito mais extensa do que a frase da mesma
natureza do primeiro movimento do concerto para flauta transversal em r maior N3 do
opus 10 (ver figura 29, pgina 45). As setas demarcam o incio e o fim de frase.
Figura 28 Vivaldi: Concerto para flauta doce sopranino em d maior RV443, primeiro movimento, compassos 120-138.
Disponvel em:
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Como a emisso de som na flauta transversal (durante o perodo barroco
conhecida simplesmente como traverso) exigia mais ar do que a mesma atividade
demandava para a flauta doce, natural, portanto, que as aluses iniciais aos
mecanismos respiratrios aparecessem nos mtodos e tratados dedicados primeira. O
assunto comeou a ser tratado com mais frequncia e maior critrio quando as
condies do fazer musical da poca comearam a sofrer mudanas gradativas,
acarretando modificaes na construo dos instrumentos. A partir do final do sculo
XVIII, mais potncia sonora passou a ser exigida aos instrumentistas, uma vez que estes
eram submetidos a apresentar-se em teatros maiores, para um pblico muito maior e em
conjuntos musicais mais numerosos. Os instrumentos de corda e de teclas, bem como
alguns dos instrumentos de sopro, conseguiram adaptar-se com relativa facilidade a essa
nova tendncia. O traverso, porm, s conseguiu acompanhar os demais instrumentos a
partir do final da primeira metade do sculo XIX, graas a Theobald Bhm (1791-
1881).
Flautista com esprito de cientista, Bhm estudou aprofundadamente as
propriedades acsticas da flauta, visando aprimorar o instrumento em quatro aspectos
principais: afinao, homogeneidade de timbre, potncia sonora e facilidade de
Figura 29 Vivaldi: Concerto para flauta transversa em r maior RV428, Op.10 N3 Il Gardellino, primeiro movimento, compassos 78-87.
Disponvel em: . Acesso em: 27 fev. 2012.
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digitao em todas as tonalidades. Para atingir seu objetivo, ele fez diversas alteraes
no design do traverso. Ele aumentou o tamanho do orifco da embocadura e
experimentou vrios formatos para ele, desde o oval at um formato de retngulo com
arestas arredondadas; aumentou a quantidade de orifcios da flauta e seus dimetros,
alm de ter modificado as distncias entre cada um deles; agregou vrios mecanismos
que permitiam que os numerosos orifcios da flauta fossem tapados ou abertos atravs
da ao de apenas nove dedos; modificou o formato do tubo: de cnico para cilndrico.
Tais mudanas exigiam e permitiam ao flautista o uso de maior quantidade de ar,
alcanando-se a potncia sonora desejada e forando os flautistas a prestarem mais
ateno na maneira de inspirar e controlar a expirao do ar.
Todas as caractersticas da sua nova flauta (denominada, hoje, flauta de sistema
Bhm) esto descritas em seus mnimos detalhes no tratado que Theobald publica em
187146, mas a primeira flauta que ele constri com essas novas caractersticas data de
1832. A flauta de sistema Bhm no adquiriu popularidade instantnea, coexistindo,
durante muito tempo, com flautas de sistema antigo (o traverso) e suas variantes
(traversos com chaves acrescentadas). Da o fato de alguns mtodos de flauta do sculo
XIX trazerem tabelas de dedilhados e trinados para flautas de diversos sistemas. o
caso do mtodo de Bousquet47, o qual traz tabelas de dedilhados para trs tipos de
flauta: a flauta com uma chave (o traverso), a flauta com cinco chaves e a flauta de
sistema Bhm48.
46 BHM, Theobald. The Flute and Flute-Playing in Acoustical, Technical, and Artistic Aspects. Traduzido por Dayton C. Miller. New York: Dover Publications Inc., 1964. 47 Datas de nascimento e falecimento no encontradas. 48 BOUSQUET, N. MTHODE DE FLTE DIVISE EN TROIS PARTIES ELEMENTAIRES ET PROGRESSIVES AVEC DES TABLATURES POUR LA FLTE A UNE CLE, LA FLTE A CINQ CLS ET LA FLTE SYSTEME BHM. Paris: Tondu Simon, 1858. Fac-smile presente em: SAINT-ARROMAN, Jean. Mthodes & Traits: Flte Traversire France 1800-1860. Vol.VII. p.27-55. 1Ed. Bressuire: ditions J.M. Fuzeau s.a., 2005.
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Os tratados de Johann Joachim Quantz e Johann George Tromlitz
Dentre os escritos consultados referentes flauta transversal, o primeiro a
abordar o assunto respirao o grande tratado de Johann Joachim Quantz (1697-
1773). Msico da corte de Frederico II da Prssia (e professor de flauta do monarca),
publica, em 1752, o seu Versuch einer Anweisung die Flte traversiere zu spielen (ou
Ensaio sobre um mtodo para se tocar a flauta transversal). Trata-se de uma obra de
grande flego, a qual trata de um sem-nmero de assuntos concernentes no apenas
flauta (sua histria, sua construo e a maneira de toc-la), mas tambm ao fazer
musical corrente em seu tempo, como um todo. Quantz discorre sobre as qualidades que
algum que almeja seguir a profisso de msico deve possuir caso queira obter algum
sucesso com ela, fala sobre estilos nacionais, esclarece questes de andamento, versa
sobre as vrias maneiras de se ornamentar um adagio, d conselhos sobre a disposio
dos msicos no palco para as mais diversas formaes camersticas, opina sobre o que
deve ser levado em conta ao julgarmos uma composio musical... Essa riqueza de
contedo o que afere ao seu tratado a grande importncia que ele tem para o
movimento da msica historicamente informada: uma das principais fontes de
conhecimento acerca do fazer musical do perodo barroco.
Nessa obra, a questo da respirao tratada, principalmente, sob uma tica
musical e artstica. Quantz explana de forma muito detalhada o que um msico deve
levar em considerao ao escolher um determinado momento da msica para recobrar
flego, fornecendo inmeros exemplos para tanto. Em outras palavras, o autor est mais
preocupado com a relao respirao x fraseado musical, argumentando que um bom
msico deve saber escolher com bom gosto o momento certo para respirar, a fim de no
quebrar o sentido musical estabelecido pelo compositor: Ele [o executante] nunca deve
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esperar at o ltimo momento para pegar flego, e muito menos deve peg-lo no
momento errado.49.
A questo mecnica da respirao no abordada de forma to sistemtica
quanto so os demais assuntos discutidos pelo autor. No obstante, Quantz fala
indiretamente sobre respirao quando d conselhos posturais ao leitor:
A cabea deve permanecer constantemente ereta, mas de forma natural, a fim de no prejudicar a respirao. Voc deve manter seus braos um pouco levantados e para fora, o [brao] esquerdo mais do que o direito, e no deve pression-los contra seu corpo, evitando manter a sua cabea inclinada para o lado direito; pois isso no apenas produz uma m postura, como tambm impede seu sopro, uma vez que a garganta constringida, e a respirao no to fcil quanto deveria ser.50
Mais adiante em seu tratado, ele acrescenta: Um iniciante no deve permitir que
sua cabea caia para frente e para baixo enquanto toca, cobrindo o buraco da
embocadura alm do ideal, e obstruindo a passagem superior do ar.51. H, entretanto,
um momento ao longo de seu trabalho, em que Quantz fala de forma mais direta sobre a
maneira de se respirar:
Para tocar uma longa passagem musical, voc deve, lentamente, inalar um bom suprimento de ar. Para esse fim, voc deve alargar sua garganta e expandir seu peito completamente, levantar seus ombros e procurar reter o ar em seu peito o mximo possvel, soprando-o de forma bem econmica para dentro da flauta.52
49 QUANTZ, Johann Joachim. On Playing the Flute. Traduo de Edward R. Reilly. 2Ed. Boston: Northeastern University Press, 2001. p.110. He must never wait until the last moment to take breath, much less take it at the wrong time..Todas as tradues presentes nesta dissertao so de autoria minha, bem como todos os termos entre colchetes presents nas citaes. 50 Ibid. p.37. The head must be held constantly erect, yet naturally, so that respiration is not impaired. You must hold your arms a little outwards and up, the left more than the right, and must not press them against your body, lest you be compelled to hold your head obliquely toward the right side; for this not only produces bad posture, but also impedes your blowing, since the throat is constricted, and respiration is not as easy as it should be. 51 Ibid. p.110. A beginner must not allow his head to fall forwards and down when playing, so that the mouth hole is covered too far, and the upward passage of the wind is obstructed. 52 Ibid. p.88. To play long passage-work you must slowly inhale a good supply of breath. To this end you must enlarge your throat and expand your chest fully, draw up your shoulders, and try to retain the breath in your chest as fully as possible, blowing it very economically into the flute.
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Comparada profundidade com a qual os demais assuntos do tratado so
abordados pelo autor, essas poucas linhas podem parecer extremamente rasas e at
desimportantes. No obstante, elas nos do algumas pistas valiosas sobre a maneira de
respirar do prprio Quantz. Ao que tudo indica, o tratadista levava em considerao
apenas a ao dos msculos que agem sobre as costelas, levantando-as e expandindo-as,
acarretando no aumento do volume dos pulmes. Ele, inclusive, aconselha o leitor a
executar uma ao que ser constantemente criticada em mtodos de flauta posteriores
(crtica que persiste at nos mtodos mais atuais) e proibida ao estudante de flauta: a de
levantar os ombros durante a inspirao a chamada inspirao clavicular. O abdome
no citado sequer uma vez ao longo de todo o tratado. No que diz respeito expirao,
ele apenas ressalta a necessidade de contrabalancear a ao elstica dos pulmes,
retendo o ar dentro deles o mximo possvel. Tudo isso nos d base para inferir que
Quantz pensava em mecanismos torcicos ao respirar, e no em mecanismos
abdominais.
Johann George Tromlitz (1725-1805) publica, em 1791, o seu Ausfhrlicher und
grndlicher Unterricht die Flte zu spielen (ou Guia prtico e completo para tocar a
flauta). Assim como o tratado de Quantz, uma obra extensa, tratando praticamente
dos mesmos assuntos abordados e da mesma maneira detalhada. A preocupao maior
do tratadista tambm dar direes a respeito de como encontrar na msica os
momentos mais adequados para respirar:
Eu tenho freqeentemente testemunhado cantores, assim como instrumentistas de sopro, quebrando o sentido da msica ao separar, por meio de respiraes inadequadas, ideias musicais conectadas (...). Esse defeito mais amide encontrado em flautistas; presumivelmente, a razo se apoia no fato de que (...) na flauta mais ar necessrio por conta da maneira artificial pela qual o som produzido, uma vez que o ar que
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produz o som precisa primeiro passar pelo ar exterior [aos pulmes], resultando em muito desperdcio [de ar].53
Havendo um intervalo de quase quarenta anos entre a publicao de ambos os
tratados, natural que o de Tromlitz traga algumas novas perspectivas acerca da
temtica desta dissertao: Deslocar os ombros ao levant-los durante a respirao
deve ser evitado (...).54. Esse, porm, o nico aspecto em que o autor discorda de
Quantz no que tange maneira de respirar:
Uma vez que muito ar necessrio em passagens longas, obviamente importante fazer uma boa reserva dele antes que elas comecem, mas no uma reserva excessivamente grande, evitando-se seu mau proveito por conta de um peito superinflado (...). Para que tais passagens disponham sempre de ar e de fora suficientes, [o ar] deve ser usado economicamente e nunca at a ltima gota, mas sempre necessrio prover-se dele na primeira oportunidade adequada. 55
Comparado ao que diz Quantz, h, na citao acima, apenas uma novidade
relevante: o conselho que Tromlitz d ao leitor de no inflar excessivamente os
pulmes: Ao respirar, uma boa ideia no inflar demais o peito, pois a habilidade de
utilizar e regular [o ar] com a fora e o vigor adequados prejudicada em tal condio
(...).56, e segue dizendo que (...) tudo o que necessrio consiste em inspirar com
relativa fora enquanto se est com a postura devidamente ereta e relaxada e em usar [o
53 TROMLITZ, Johann George. The Virtuoso Flute-Player by Johann George Tromlitz. Traduo de Ardal Powell. Cambridge e New York: Cambridge University Press, 1991. p.275. I have often witnessed singers as well as wind-players () breaking up the sense of the music by separating connected ideas by means of unsuitable breathing (). This fault is most often heard in flute-players; presumably the reason lies in the fact that () on the flute more breath is needed on account of the artificial manner of tone-production, since the wind that produces the sound must first go through the outer air, and consequently much is wasted. 54 Ibid. p.276. Displacing the shoulders by raising them when breathing is to be avoided (). 55 Ibid. p.281. Since much air is needed in long passages, it is of course important to take in a good reserve of it before they begin, but not too much, so that one is not prevented by an over-filled chest from using it properly (). So that such long passages should always have breath and strength enough, it must be used sparingly and never to the last drop, but one must always provide oneself with it at the first suitable opportunity. 56 Ibid. p.276. When taking breath it is a good idea not to gorge the chest too much, for the ability is thereby forfeited of using and regulating it with proper strength and vigour ().
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ar] economicamente (...).57. Tal recomendao (a de no expandir exageradamente os
pulmes) extremamente procedente:
(...) a elevao das costelas no provoca mais um aumento real do dimetro [dos arcos costais] e pode, at mesmo, ao ultrapassar a horizontal, provocar sua diminuio. por essa razo que uma posio de abertura excessiva das costelas no incio da inspirao no permite uma inspirao costal eficaz, contrariamente ao que pensamos frequentemente.58
interessante averiguar como, mesmo sem os conhecimentos anatmicos e
fisiolgicos dos quais dispomos hoje, ambos os tratadistas, atravs de suas respectivas
experincias, foram capazes de pressentir com eficincia determinados aspectos dos
processos fisiolgicos da respirao. Inclusive, foram capazes de antecipar um conceito
importantssimo para instrumentistas de sopro: o de air management (ou
gerenciamento do ar), o qual consiste no controle da sada do ar durante a expirao59.
De Devienne a Alts: os mtodos publicados na Frana entre 1794 e 1880
Dos mtodos consultados publicados na Frana, o primeiro a tratar sobre
respirao o de Franois Devienne (1759-1803). Ele escreve: Deve-se, acima de
tudo, tomar grande cuidado para no empurrar o ar com o peito, (...) uma vez que isso
serviria apenas para fatigar [o flautista] sem produzir qualquer efeito.60, agregando
uma nova perspectiva ao que Quantz escreve em seu tratado. O tratadista, conforme
citado anteriormente, aconselha o flautista a reter o ar dentro de seu peito o mximo
57 TROMLITZ. p.277. () all that is necessary is to take breath rather strongly while standing properly straight and relaxed, and use it economically (). 58 CALAIS-GERMAIN, Blandine. Respirao: Anatomia Ato respiratrio. Barueri: Manole, 2005. p.49. 59 O conceito de air management ser esclarecido mais adiante, no captulo referente s publicaes flautsticas modernas pertencente a esta dissertao. 60 DEVIENNE, Franois. NOUVELLE MTHODE Thorique et Pratique Pour la Flte. Paris: Naderman, 1794. Fac-smile presente em: SAINT-ARROMAN, Jean. Mthodes & Traits 10: Flte Traversire France 1600-1800. Vol.II. p.65-143. 2Ed. Bressuire: ditions J.M. Fuzeau s.a., 2003. p.6/72. Il faut surtout avoir le plus grand soin de ne pas pousser le vent avec la poitrine,(...) dautant plus que cela ne servirait qu fatiguer sans produire aucun effet.
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possvel, aludindo contrafora muscular que o instrumentista deve fazer para
desacelerar o retorno elstico dos pulmes. Devienne acrescenta a isso a recomendao
de no forar a sada do ar com o peito, acionando os msculos expiratrios costais,
provocando um esgotamento precoce das reservas de ar do msico e causando-lhe
cansao desnecessrio.
J Amand Van der Hagen (1753-1822) escreve: Evite tambm projetar a cabea
e o pescoo para frente, pois isso prejudica a respirao e d [ao flautista] um aspecto
pouqussimo gracioso.61. Esse conselho no representa nenhuma novidade em relao
quilo que escreveram Quantz e Tromlitz, mas o que h de curioso nele seo do
mtodo dentro da qual ele se encontra: quela dedicada posio dos dedos na flauta, a
qual trata de questes posturais gerais. No captulo de fato dedicado respirao e ao
fraseado musical, ele concorda com os tratadistas alemes ao escrever:
Muitos estudantes tm o defeito de respirar apenas quando o flego lhes falta totalmente. (...) No se deve jamais esperar essa extremidade e [deve-se] respirar em todos os lugares em que possvel faz-lo, por esse meio cansando-se menos e executando-se melhor [a msica].62
Antoine Hugot (1762-1803) e Johann Georg Wunderlich (1755-1819), co-
autores do mtodo de flauta adotado no conservatrio de Paris no incio do sculo XIX,
esto de acordo com Devienne e vo um pouco alm ao escreverem: (...) o sopro ser
colocado dentro do instrumento sem estocadas ou esforos advindos do peito. Deve-se
61 VAN DER HAGEN, Amand. Nouvelle MTHODEde Flute. DIVISE EN DEUX PARTIES. Paris: Playel, s.d. (1798). Fac-smile presente em: SAINT-ARROMAN, Jean. Mthodes & Traits 10: Flte Traversire Srie I France 1600-1800. Vol.II. p.179-297. 2Ed. Bressuire: ditions J.M. Fuzeau s.a., 2003. p.8/188. Gardez vous aussi dalonger la tte et le cou en avant car cela gne la respiration et donne trs mauvaise grace. Para esclarecer alguma dvida sobre a formatao deste tipo de referncia, reto