Tecnologias de Smart Grid no Brasil: avanços ... · bem fundamental e imprescindível para o...

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Tecnologias de Smart Grid no Brasil: avanços regulatórios e institucionais *Cyro Vicente Boccuzzi Introdução Segundo pesquisa conduzida pela Academia de Engenharia dos Estados Unidos junto às maiores personalidades científicas mundiais, a eletrificação massiva das cidades foi a obra suprema de engenharia do século XX, pelo grande impacto que proporcionou na qualidade de vida das pessoas e no progresso científico e tecnológico da humanidade. A energia atualmente é normalmente produzida ou gerada longe dos grandes centros, e transmitida em alta voltagem até as cidades, onde é rebaixada para voltagem intermediária e conduzida, no alto dos postes ou em redes subterrâneas, pelas ruas, onde, junto aos consumidores finais, transformadores novamente reduzem para a voltagem que utilizamos em nossas casas. Toda a prestação do serviço envolve a necessidade de deslocamento de equipes para a prestação dos serviços: se um cliente está sem luz, a empresa precisa mandar um caminhão até a sua casa para consertar o defeito. Se o cliente não pagou a sua conta, a empresa também precisa mandar um caminhão até a casa para interromper o serviço. A grande maioria das atividades das empresas de eletricidade ainda hoje, mais do que em outros setores, envolve a necessidade de deslocamento de pessoas e de períodos de tempo consideravelmente elevados para a execução das atividades. Isto é verdade desde a leitura de medidores (feita

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Tecnologias de Smart Grid no Brasil: avanços regulatórios e

institucionais

*Cyro Vicente Boccuzzi

Introdução

Segundo pesquisa conduzida pela Academia de Engenharia dos

Estados Unidos junto às maiores personalidades científicas

mundiais, a eletrificação massiva das cidades foi a obra suprema de

engenharia do século XX, pelo grande impacto que proporcionou na

qualidade de vida das pessoas e no progresso científico e

tecnológico da humanidade.

A energia atualmente é normalmente produzida ou gerada longe

dos grandes centros, e transmitida em alta voltagem até as cidades,

onde é rebaixada para voltagem intermediária e conduzida, no alto

dos postes ou em redes subterrâneas, pelas ruas, onde, junto aos

consumidores finais, transformadores novamente reduzem para a

voltagem que utilizamos em nossas casas.

Toda a prestação do serviço envolve a necessidade de

deslocamento de equipes para a prestação dos serviços: se um

cliente está sem luz, a empresa precisa mandar um caminhão até a

sua casa para consertar o defeito. Se o cliente não pagou a sua

conta, a empresa também precisa mandar um caminhão até a casa

para interromper o serviço. A grande maioria das atividades das

empresas de eletricidade ainda hoje, mais do que em outros

setores, envolve a necessidade de deslocamento de pessoas e de

períodos de tempo consideravelmente elevados para a execução

das atividades. Isto é verdade desde a leitura de medidores (feita

somente uma vez por mês para cada cliente), até a normalização do

serviço após uma grande tempestade, como explicado

anteriormente. A necessidade de deslocamento de veículos e

pessoas para cada atendimento é incompatível com a atual

demanda dos serviços pela sociedade digital, que trabalha em

tempo real.

Em resumo, apesar do grande impacto que proporcionou, na

transformação e no conforto da sociedade moderna, o serviço de

eletricidade ainda não se beneficiou do espantoso avanço

tecnológico que proporcionou a esta mesma sociedade.

Smart Grid ou Redes Inteligentes, em português, são nomes

genéricos e populares dados a uma cesta de tecnologias que estão

disponíveis para modernizar e aprimorar os serviços de eletricidade

que atualmente são prestados pelas empresas de energia do

mundo. Estas tecnologias abrangem a incorporação de

componentes de sensoriamento (ou monitoramento, ou medição),

de telecomunicações e de capacidade de processamento

(tecnologia de informação) nos ativos de energia.

Estas tecnologias permitirão uma série de funcionalidades bastante

variadas, hoje não disponíveis para a grande maioria das pessoas

do mundo, tais como:

- equipamentos mais eficientes e inteligentes, que consomem

muito menos energia que os atuais, diminuindo a quantia de

energia gasta para fazer as mesmas atividades. Exemplo disso são

as lâmpadas de LED, que chegam a consumir até 5 vezes menos que

as eletrônicas compactas, que por sua vez já substituíram as antigas

lâmpadas incandescentes, consumindo até 4 vezes menos energia

para o mesmo iluminamento;

- medição eletrônica nas casas e possibilidade de uso de tarifas

diferenciadas, como a pré paga, com planos adequados a cada

realidade de consumo, com custos que variam ao longo do ano e do

dia;

- possibilidade de sincronização dos eletrodomésticos com estes

sinais tarifários, por exemplo, bloqueando determinados usos ou

equipamentos em determinados horários;

- geração e armazenamento de energia dentro das próprias casas,

com o uso de gás, etanol, biodiesel, mini turbinas eólicas ou de

células foto voltaicas, podendo ser a produção e o uso desta

energia otimizada entre os consumidores de um mesmo quarteirão

ou bairro;

- veículos elétricos, muito menos poluentes, mais eficientes

energeticamente e mais silenciosos, poderão armazenar também

quantidade de energia suficiente para abastecer parcialmente as

residências nos horários mais críticos, quando não se dispõe de

vento ou sol.

Em vários países do mundo, como os Estados Unidos, Canadá,

Austrália, Inglaterra, Espanha, Itália, Suécia, Alemanha, Japão,

China, Coréia, entre outros, estas redes modernas, com inteligência

embutida, estão sendo implementadas com suporte e visão

estratégica dos Governos, que compreendem que Energia é um

bem fundamental e imprescindível para o conforto e a segurança

da sociedade moderna.

O Fórum Latino Americano de Smart Grid

O Fórum Latino Americano de Smart Grid foi criado em 2008 como

uma iniciativa pioneira, com o objetivo de avaliar como as novas

tecnologias de energia podem trazer benefícios à sociedade Latino-

americana, através da troca periódica e sistemática de informações

com profissionais de outras regiões do mundo, que já haviam

iniciado projetos nessa área.

O foco do Fórum é articulação e síntese institucional sobre essas

tecnologias, e a avaliação estruturada sobre seu impacto,

benefícios e custos. A abordagem adotada é guiada por valor mais

do que exclusivamente por tecnologia, ou seja, o Fórum busca

trabalhar a questão do valor que as tecnologias relacionadas às

redes inteligentes de energia ou Smart Grid possam trazer aos

países da América Latina. O Fórum procura atuar em colaboração

com outras iniciativas similares ao redor do mundo, uma vez que

estas tecnologias estão em desenvolvimento dentro de uma visão

globalizada, diferenciando-se, porem, em sua aplicação, que deve

ser adaptada à realidade de cada região ou país.

O Fórum é um veículo neutro, independente e inclusivo para

mobilizar a mais ampla matriz de interessados possível, ou seja, não

pretende ser mais uma associação que promove debates e estudos

sobre as tecnologias de Smart Grid. O Fórum é uma iniciativa que

busca trazer todas as associações já existentes, representativas dos

diversos grupos interessados, como reguladores, formuladores de

políticas públicas, agentes do mercado financeiro, consumidores e

entidades representativas e empresas provedoras de soluções na

área de energia, congraçando profissionais que militam em todos

os grupos interessados, bem como profissionais independentes e

cidadãos comuns, para que seja possível compartilhar diferentes

visões e discutir como essas tecnologias podem aprimorar as

condições de conforto, segurança e acesso à energia de qualidade,

com preços adequados, para a sociedade Latino Americana.

O Fórum, por ser uma iniciativa, não cobra taxas de seus

interessados: as reuniões e o site (www.smartgrid.com.br) são

mantidos pela realização de uma Conferência Internacional anual,

que já passou a fazer parte do circuito mundial de Conferências

sobre o tema, e que em 2012 a sua 5ª edição estará sendo realizada

nos dias 27 a 29 de novembro de 2012, em São Paulo, Brasil. Pela

5º ano consecutivo, portanto, o Fórum estará trazendo os maiores

expoentes, autoridades e líderes de aplicação dos estudos da

implantação do Smart Grid no mundo, para debater a aplicação

destas tecnologias na América Latina.

O Fórum realiza um grande esforço de mobilização e articulação de

uma ampla base institucional, contando com amplo apoio, sem

envolver aporte de recursos pelo Governo ou de entidades

apoiadoras. A Conferência anual financia as atividades do Fórum e

permite que o mesmo possa se manter atuante e acompanhar

evoluções relevantes na área, pelo contato com as várias entidades

locais e internacionais, desenvolvendo vigilância tecnológica que

permita trazer para a Conferência anual a nata da experiência

mundial existente no tema. Para disso, o Fórum possui um

Conselho Consultivo que atua e apóia agentes do setor e entidades

normativas e reguladoras. No evento de 2011, por exemplo, o

Fórum contou com o apoio institucional da ANEEL, da ANATEL e do

INMETRO, que são entidades oficiais e tiveram executivos

participando. O Fórum também contou com o apoio da ABRADEE,

que é a associação das empresas de distribuição de energia no

Brasil, que atualmente conduz P&D estratégico sobre o tema.

O Fórum possui adicionalmente apoiadores e colaboradores

internacionais, como, por exemplo, a ADEERA, que é a associação

de distribuidores da Argentina, a CIER, que é o Comitê de

Integração Elétrica Regional, que congrega todos os países da

América do Sul e Central. Entre os apoiadores internacionais

destacam-se também: o Edson Electric Institute, que é uma

entidade associativa de empresas de energia, com atuação em todo

o mundo, sediada nos Estados Unidos; o IEEE, que é a maior

entidade profissional do mundo, congregando Engenheiros

Elétricos e Eletrônicos; o JSCA, que é a Associação de Smart Grid no

Japão e, finalmente, o Smart Grid Austrália, entidade congênere

naquele país. O Fórum Latino Americano de Smart Grid é a

entidade com a mais ampla base de apoio internacional da nossa

região.

Finalmente, mas não menos importante, a Conferência possui

patrocinadores que participam da Exposição de tecnologias

associada ao evento, que são empresas que possuem produtos,

serviços, expertise e soluções no tema, e que, em ultima estância,

possuem uma participação essencial para a viabilização econômica

do evento, proporcionando a vinda dos mais relevantes líderes

mundiais na área.

Muitos avanços no Brasil nos últimos 5 anos, mas ainda sem

políticas governamentais

Desde a criação do Fórum e a realização do evento pioneiro em

2008 houve muitos avanços nos últimos cinco anos, especialmente

no Brasil.

A ANEEL tem adotado postura extremamente progressista na

regulamentação de tecnologias na área, conduzindo ações

intimamente relacionadas ao tema, como: a discussão sobre

padronização de medidores eletrônicos; a regulação na exploração

de serviços de Telecom pelas empresas de eletricidade; a revisão

completa da estrutura de tarifas; a definição de regulamentos para

a conexão de microgeração às redes publicas de energia; o

aprimoramento de regras para as revisões periódicas das tarifas das

distribuidoras de energia, agora no 3º ciclo.

Todas estas novas disposições regulamentares tem sido conduzidas,

entretanto, sem o direcionamento de uma Política Energética

Nacional, que atualmente tem como foco principal o crescimento

da oferta ou a EXPANSÃO dos sistemas. No Brasil, diferentemente

do resto do mundo, a promoção de Eficiência Energética está em

uma segunda prioridade, pois ainda existe um relevante espaço

para crescimento do consumo individual dos clientes,

especialmente residenciais, na medida em que ocorre a melhoria

de renda da população. O consumo residencial médio no Brasil é de

cerca de 150 kWh/mês enquanto que na Europa os lares

consomem, em média, 800 kWh/mês e, nos Estados Unidos, cerca

de 1.100 kWh/mês: guardadas as diferenças climáticas que podem

justificar parte desta diferença, ainda há muito espaço para

crescimento de conforto nos lares brasileiros.

Adicionalmente, deve-se considerar que a experiência do

racionamento de energia havido em grande parte do país em 2001,

quando as pessoas e empresas tiveram que reduzir forçosamente

seu consumo, aliado a um grande potencial hidráulico (e eólico, de

biomassa, solar, etc.) inexplorado, explicam em grande parte o

atual e quase exclusivo foco da política governamental na expansão

da oferta de energia.

Por outro lado, a pouca prioridade na busca de eficiência

energética pode ser entendida pelo fato da nossa matriz elétrica já

ser enormemente mais limpa que o resto do mundo, aonde cerca

de 85% da eletricidade já vem de fontes renováveis, principalmente

hidráulica e biomassa, enquanto no resto do mundo os países

buscam reduzir emissões de combustíveis fósseis e a todo custo

transformar sua matriz.

Entretanto, no Brasil as perdas totais montam em torno de 17% da

energia gerada, enquanto que na Europa e Estados Unidos este

mesmo índice chega a 7 e 8%, respectivamente. Em grande parte,

há oportunidade de redução significativa de perdas comerciais,

devidas ao furto e à fraude na medição de energia, que consiste na

forma mais elementar de busca de eficiência energética. Entretanto,

no balanço de direitos e deveres dos clientes, as distribuidoras

saem enfraquecidas nas ferramentas de combate a esta ineficiência,

pois isto gera desgaste político e deveria ser suportado por um

sério programa apoiado pelo Governo Federal, desdobrado em

ações efetivas nos níveis estaduais e municipais. O furto e o

desperdício de energia andam de mãos dadas, e a oportunidade e

os benefícios na recuperação de perdas podem efetivamente

proporcionar tarifas mais baixas no curto prazo e amenizar a

velocidade de construção de novas usinas e empreendimentos,

consequentemente reduzindo também impactos ambientais.

O Brasil tem excelentes exemplos de programas bem sucedidos nos

serviços públicos conduzidos com adequadas políticas

governamentais, como, por exemplo, na área de Telecomunicações,

que teve grande progresso nos últimos anos através do advento da

tecnologia celular, onde o serviço pré-pago trouxe disponibilidade

de serviços acessíveis às camadas menos favorecidas, ao mesmo

tempo completos, inclusivos e populares. Outros exemplos, na

própria área de energia, são a liderança do país em pesquisas e

produção de bio–combustíveis, em enriquecimento de urânio e,

mais recentemente, na prospecção de petróleo em águas

profundas, que resultaram na descoberta de significativas reservas

de óleo e gás.

Da mesma forma que os exemplos citados, com respeito ao smart

grid, são necessárias políticas governamentais que orientem a

regulação, e que ainda não estavam sendo construídas até o final

do ano passado. A Conferência organizada pelo Fórum em 2011

debateu em profundidade estas questões, lançando a discussão

sobre os rumos da política energética focada apenas em

crescimento até então: O Desafio entre crescer ou modernizar foi

o tema principal da Conferência organizada pelo Fórum em 2011.

Apenas no inicio de 2012 o Governo Brasileiro iniciou ação

integrada sobre o tema, integrando vários ministérios como o MCTI

– Ciência, tecnologia e Inovação; MME – Minas e Energia; MDIC –

Indústria e Comércio; IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada; ABDI – Agencia Brasileira de Desenvolvimento Industrial,

e outras entidades governamentais e setoriais, como a própria

ANEEL, a EPE – Empresa de Pesquisa Energética e o ONS –

Operador Nacional do Sistema. A coordenação no âmbito

governamental deverá ser realizada através da Casa Civil da

Presidência da República.

A ANEEL ainda não foi orientada para iniciar o desacoplamento das

tarifas das distribuidoras do volume de vendas, criando incentivos

reais para que as próprias empresas modernizem seus serviços e

adotem estratégias efetivas de promoção do uso eficiente de

energia. Sem o desacoplamento das tarifas, os esforços de

eficiência energética e de modernização dos serviços das empresas

de distribuição serão bastante limitados.

Mas enquanto o governo não define suas políticas de incentivo e o

regulador não adota o desacoplamento das tarifas, a quase

totalidade das empresas está, silenciosamente: implementando

novas plataformas de TI; reforçando estruturas de telecomunicação

próprias e contratadas; avançando em outras frentes,

principalmente em automação, que teve um grande impulso em

2010/ 2011, após graves críticas da sociedade aos serviços

prestados pelas distribuidoras a uma clientela cada vez mais

dependente de energia: implantando pilotos para cobrir diferentes

funcionalidades e estimar benefícios das tecnologias de smart grids;

implantando as primeiras (muitas) cidades inteligentes, em várias

regiões do país...

Todas as concessionárias, em maior ou menor grau estão

atualmente estudando e incluindo as tecnologias de smart grid em

seus planos normais, de forma silenciosa. Para as empresas, apesar

dos incentivos insuficientes, é também fundamental MODERNIZAR,

como forma de acompanhar uma maior e crescente complexidade

da regulação. Há poucos anos as empresas eram avaliadas por

poucos indicadores coletivos, como o DEC – Duração Equivalente

de Interrupção, o FEC – Frequência Equivalente de Interrupção e o

TMA- tempo médio de atendimento. Atualmente, além dos

indicadores agregados, existe mais de duas dezenas de indicadores

de variadas naturezas, que individualmente podem ensejar multas

consideráveis caso não sejam observados. Os sistemas legados

impossibilitam o atendimento a esta complexidade crescente de

regulação, que crescentemente demanda sistemas de gestão

também mais complexos e integrados – a motivação atual,

entretanto, e infelizmente, está quase que exclusivamente calcada

em redução de resultados, tarifas e aplicação de multas pelos

reguladores, em vez de incentivos pró-ativos para as empresas

aprimorarem seus serviços.

Breve histórico sobre as mudanças na legislação Brasileira para o

Smart Grid

Como já mencionado, foram muitas as iniciativas da ANEEL no

sentido de aprimorar procedimentos regulatórios que

considerassem as novas tecnologias de smart grid, mesmo sem a

necessária retaguarda de uma Política Nacional.

Em março de 2009 a Agencia lançou a consulta pública sobre

medição eletrônica adotando uma sistemática inovadora de

regulação, onde primeiramente formulou uma consulta aberta aos

agentes interessados, solicitando contribuições nessa área, para

somente depois, com base neste levantamento, colocar em

discussão uma minuta de Resolução, que ainda se encontra em fase

de publicação, provavelmente aguardando resultados dos estudos

de P&D estratégico encomendados pela própria agencia, em

desenvolvimento pelo Instituto ABRADEE.

Posteriormente, em agosto de 2009, foi publicada a

Regulamentação da Transmissão de dados pela rede elétrica das

empresas de energia, onde a Agencia definiu que a exploração de

serviços nesta área deve ser feita por empresa de Telecom, e parte

relevante das receitas potencialmente auferidas pelas

distribuidoras nesta área deveria ser revertida a favor da

modicidade tarifária, ou seja, os clientes de eletricidade não podem

financiar os serviços de outras áreas. A mesma resolução autorizou,

entretanto, o uso desta infra-estrutura para a operação dos

próprios serviços de eletricidade.

Posteriormente, em abril de 2010, foi constituído um Grupo de

Trabalho pela Portaria 440/2010, publicada pelo MME,

estabelecendo que em seis meses seria definida uma Política para o

desenvolvimento de smart grids no Brasil. Este trabalho ensejou

grande mobilização e muitas viagens ao exterior, mas até o Grupo

de Trabalho ainda não publicou nenhuma conclusão ou

recomendação.

Em 2010 a ANEEL publicou a chamada publica numero 11, para o

desenvolvimento de um P&D estratégico, que também em 6 meses

deveria estabelecer um política Pública para o desenvolvimento das

Redes Inteligentes no Brasil. Este P&D iniciou-se cerca de seis

meses depois, no início de 2011, sob a coordenação do Instituto

ABRADEE e com a participação de Centros de Pesquisa,

Universidades, Consultorias e inicialmente foi concluído em

dezembro de 2011, devendo gerar a publicação de dois livros a

respeito do tema. No final, o projeto ofereceu algumas

recomendações genéricas e apresentou alguns cenários de possível

penetração destas tecnologias, bem como estimou potenciais

benefícios dentro de cada um destes cenários. Entretanto, dentro

dos resultados que foram obtidos, o trabalho é mais rico em

aprendizado coletivo e mapeamento tecnológico e funcional, do

que propriamente em recomendações objetivas de efetivas

políticas públicas. A pedido da própria ANEEL, este estudo deverá

ter seus cenários mais aprofundados durante o ano de 2012 e

deverá servir de ponto de partida para os esforços de Governo e

multiministeriais que agora se iniciam.

Em paralelo a estes esforços, outros quatro temas serão avaliados

em mais detalhes a seguir: a alteração Metodológica da Estrutura

Tarifária; a Regulação sobre pré-pagamento; a Geração Distribuída

em pequena escala (Resolução 482/2012) e a metodologia do 3º.

Ciclo de revisão tarifária das distribuidoras.

Alteração Metodológica da Estrutura Tarifária

Desde 2008, em um estudo que vem sendo desenvolvido em cinco

etapas, também na forma de um P&D estratégico, a ANEEL esteve

realizando a reavaliação de toda a estrutura tarifária empregada no

Brasil, que havia sido desenvolvida com base em custos marginais,

na década de 90. Esta revisão abrange tanto as tarifas na vertical

(custos referentes ao fornecimento em cada nível de tensão), como

na horizontal (custos de fornecimento nas várias horas do dia).

Estes estudos resultaram em uma proposta que promoverá uma

redução significativa dos sinais ponta em relação aos de fora de

ponta para os grandes consumidores de energia, supridos em alta-

tensão, dos chamados sub-grupos A4, A3 e A2. Esta redução na

tarifa de usos do sistema de distribuição - TUSD no horário de

demanda de ponta, quando o sistema é forçado a novos

investimentos de expansão, e provocará simultaneamente um

aumento na TUSD da demanda fora de ponta, quando

teoricamente o sistema possui disponibilidade para o fornecimento

a custos menores. O possível impacto, em relação às tarifas hoje

vigentes, será um menor incentivo à modulação de demanda para

os grandes clientes e um significativo aumento das tarifas dos

consumidores supridos em baixa tensão a médio e curto prazo.

Estes efeitos trazem à consideração a pergunta inevitável sobre a

base econômica e a política de alocação de custos entre os

consumidores das várias classes de tensão e entre os vários

horários do dia: a base econômica para esta mudança foi realmente

bem avaliada?

As novas bandeiras tarifárias

Na nova estrutura tarifária foram criadas as chamadas bandeiras

tarifarias, com sinalização vermelha, amarela e verde, com o

objetivo de permitir um melhor espelhamento do preço do

mercado de energia no mercado livre, o PLD - Preço de Liquidação

das Diferenças, que reflete a disponibilidade e conseqüentemente

o custo da geração de energia.

Em tempos de mudanças climáticas e substituindo os

tradicionalmente conhecidos sinais tarifários, caracterizados pelos

períodos seco (outono e inverno) e úmido (primavera e verão),

onde os reservatórios das usinas hidrelétricas proporcionavam

menor ou maior conforto de abastecimento, as bandeiras vão

espelhar como um semáforo os níveis de disponibilidade de

energia: a verde, energia disponível em condições adequadas, a

amarela, onde pode haver risco de escassez no médio prazo e a

vermelha, nos meses onde não há disponibilidade de água nos

reservatórios e as fontes térmicas, mais poluentes e de maior custo,

devem ser acionadas.

Entretanto, os valores incrementais tarifa vermelha e amarela

foram pré-definidos em níveis fixos, respectivamente, com

acréscimo de R$30,00/MWh e de R$ 15,00/MWh em relação à

verde. Novamente a pergunta fundamental que se apresenta é se

esses valores econômicos pré definidos realmente se justificam em

uma base econômica, como um único sinal para um país como o

Brasil, com dimensões continentais e grandes diferenças regionais.

Ou seja, qual a base econômica da análise?

As Modalidades Tarifárias de baixa tensão – a chegada da tarifa

branca

Uma outra grande mudança é a criação da tarifa branca na baixa

tensão, também monômia como a atualmente utilizada, ou seja, só

com custo por consumo - KWh e não com custo por demanda - KW,

como as tarifas vigentes para os clientes da alta–tensão. Passarão a

existir duas modalidades tarifarias:

• A atual, com um único preço por KWh sem distinção de

horário.

• A Tarifa Branca, também monômia, com 3 preços em R$/KWh,

com 3 postos tarifários, detalhados a seguir:

• Ponta – período de 3 horas consecutivas diárias com

exceção aos sábados, domingos e feriados nacionais.

Esta Ponta é diferente para cada concessionária,

dependendo de vários fatores ligados à região e

mercado atendido.

• Intermediaria – Período formado pela hora

imediatamente anterior e pela hora imediatamente

posterior ao período de ponta, totalizando 2 horas por

dia.

• Fora Ponta – Período composto pelas 19 horas

complementares aos períodos de Ponta e Intermediário,

bem como aos sábados, domingos e feriados.

Novamente, depois de publicada a nova estrutura, os impactos

econômicos desta alteração ainda são desconhecidos. A

regulamentação inicial previu início de um período de testes em

2013, sendo que a nova tarifa tem previsão de entrar em vigor a

partir de 2014.

No caso do Brasil, a regulamentação novamente pré-definiu uma

série de fatores, para todo o país:

• Relação de preços Ponta/Fora Ponta: 5 vezes o Fora de

Ponta

• Relação de preços Intermediário/Fora Ponta: 3 vezes o Fora

de Ponta

• Relação entre tarifa Fora Ponta Branca e Convencional: será

estabelecida na Revisão Tarifária de cada empresa

• Duração e Relações: cada concessionária poderá propor

alterações

A adoção de tarifas que sinalizem aos clientes os diferentes custos

de fornecimento é sem dúvida um grande avanço, mas nos países e

regiões onde já foram implantadas, normalmente são feitas

avaliações e estudos prévios de elasticidade, preço e reposta à

demanda. Estas respostas a preços variam enormemente de região

para região em razão de hábitos culturais, renda, temperatura

média, e uma série de fatores. Dada a grande diversidade existente

entre as regiões do país, seria interessante rever estes patamares

fixos de relação entre as demandas de ponta, intermediária e fora

de ponta.

Alem disso, cabem algumas considerações finais sobre a nova tarifa

branca. A ANEEL definiu que a nova tarifa branca será obrigatória

para clientes com consumo acima de 500 KWh por mês, mas

facultativa ou ”opt in” para os clientes acima de 200 KWh/mês, ou

seja, só será aplicada pelos clientes que desejarem modular suas

cargas e seu uso. Isso, na prática, traz quebra de isonomia e um

potencial desestimulo para que uma massa significativa de clientes

gerencie seu consumo. Somente aqueles que visualizarem

oportunidade econômica o farão, privilegiando benefício pessoal

em detrimento do benefício sistêmico: os potenciais benefícios de

um maior uso otimizado do sistema existente não serão auferidos,

pois só irão aderir a esta tarifa os clientes que podem facilmente

modular e se beneficiar com isso. Além disso, devemos lembrar que

parte do estímulo à modulação, existente nas atuais tarifas dos

grandes clientes, também está sendo modificado.

Todas estas mudanças implicam em padronizar e viabilizar a

homologação de toda a nova geração de medidores, o que ainda

não ocorreu. Após a publicação das funcionalidades mínimas, todos

os fabricantes deverão ter seus equipamentos e protótipos

certificados pelo INMETRO, não só em hardware, mas também em

software, o que demandará tempo e investimentos da indústria.

As Distribuidoras terão que também preparar seus sistemas

computacionais para as novas regras e fazer investimentos

significativos na substituição de medidores e sistemas associados.

Além disso, terão ao longo do tempo maiores custos e

complexidade de gestão, e riscos de perda de receita em médio

prazo, pois no mercado de varejo somente deverão aderir ao novo

sistema os clientes que puderem reduzir suas contas. Neste

particular, as perdas devidas à fraude na medição devem ser ponto

de especial atenção das empresas, pois certamente os medidores

eletrônicos e as novas tarifas trarão novas modalidades de fraude,

agora mais sofisticadas e feitas apenas em determinados horários,

na “modulação” das tarifas de maior custo.

O pré-pagamento – ainda sem definição

Enquanto a regulação segue ampliando novas regras que

demandam alterações custosas e sofisticadas, o Brasil segue

deixando pra trás ferramentas e soluções importantes, como a

tecnologia de pré-pagamento.

Somente em setembro de 2011 o tema, adormecido durante

muitos anos, começou a ser recolocado na pauta da regulação, em

um seminário realizado pela ANEEL, trazendo experiências

internacionais. O pré-pagamento de energia é uma modalidade

antiga, já testada e aprovada em várias concessionárias no Brasil.

O sistema é apreciado tanto pelos clientes que já o

experimentaram, e também pelas concessionárias. Não somente se

aplica a clientes de baixa-renda ou com histórico de inadimplência:

existem implementações desde a década de 90, no Brasil, com alto

nível de aceitação entre clientes de média e alta renda e

concessionárias.

A modalidade de pré-pagamento promove adicionalmente a

eficiência energética, pois é simples e flexível de usar e sinaliza ao

cliente a velocidade de seu uso e a situação do seu consumo, de

forma similar à de um medidor de combustível existente em todos

os nossos veículos.

Já em larga utilização em vários países na América Latina, a ANEEL

autorizou recentemente a realização de novos testes em algumas

concessionárias, mas deveria pensar em antecipar rapidamente a

implementação em larga escala deste sistema no Brasil, pois é

inaceitável que o tema siga sem regulamentação, apesar da

experiência internacional e do amplo consenso de ser oportuno e

adequado à realidade do país.

Um marco histórico recente – a regulamentação da geração

distribuída de pequeno porte

Conservador ao extremo no pré-pagamento e progressista em

outros temas, o Brasil escreve seu nome como pioneiro na

regulamentação da geração distribuída de pequeno porte,

abrangendo instalações hidráulicas, eólicas, solares, sempre

renováveis, com até 1MW.

A chamada micro-geração é uma unidade de até 100 KW e é

conectada diretamente na unidade consumidora no sistema de

distribuição; a mini-geração é uma unidade de 100 a 1000 KW (1

MW), também conectada na unidade consumidora.

Os consumidores de energia poderão de forma facilitada construir

suas próprias instalações geração de energia para suprir parte ou o

todo de seu consumo, mantendo a conexão com a distribuidora

para receber da rede pública o serviço de energia quando do não

funcionamento ou do funcionamento parcial de seu gerador.

Havendo excesso de geração, estes kWh excedentes poderão ser

injetados no sistema da distribuidora de energia, e serem utilizados

para suprir outros clientes.

Para promover e incentivar o uso dessas modalidades, a ANEEL

criou o chamado sistema de compensação, chamado de “Net

Metering”, ou seja, a medição líquida de balanço entre os kWh

fornecidos pelo sistema publico da Distribuidora e os kWh

excedentes, fornecidos pela geração de pequeno porte ao sistema

público, para fornecimento a outros clientes.

A Resolução 482/2012, aprovada em 17/04/2012, representa um

marco histórico no setor de energia brasileiro – é a entrada

definitiva do Brasil na tecnologia energética do século 21 e o início

do fim do mercado cativo de energia.

A partir de 19/04/2012 as concessionárias terão 240 dias para

definir regras, adequar seus sistemas comerciais e elaborar as

normas para a aprovação, controle e operação destas usinas em

pequena escala após publicação da Resolução. A conexão será

direta ao sistema de baixa ou média tensão e a adesão será feita

por opção do cliente.

Alem disso, quem optar pela geração de energia de fonte solar terá

adicionalmente um desconto de 80% para os primeiros dez anos de

operação, nas tarifas de uso dos sistemas elétricos, incidindo na

produção e no consumo da energia comercializada.

O sistema de compensação é bastante simples, sempre vai ser

cobrado do cliente o liquido entre o consumido da rede publica e o

excedente gerado e o fornecido ao sistema de distribuição publico.

Será cobrada, no mínimo, uma tarifa de custo de disponibilidade,

ou de demanda contratada. Quando existe o excedente, ainda

assim é cobrada a tarifa mínima de disponibilidade ou demanda, e

a compensação desse excedente pode ser dar em outros horários,

respeitadas as relações de custos horários (ponta e fora de ponta)

na mesma unidade consumidora, ou pode ser consumida também

no mês subsequente, por 36 meses, ou em outras unidades do

mesmo consumidor.

Eventuais custos de adequação do sistema para viabilizar o

atendimento serão de responsabilidade do consumidor interessado,

além da diferença do custo do net metering e do medidor

convencional. A Distribuidora será também responsável pela

operação, manutenção, eventuais substituições e adequações.

A adequação da rede, quando necessária, será de responsabilidade

da distribuidora, dentro do prazo de vistoria, e em 82 dias para a

micro-geração e em 112 dias para a mini-geração, o cliente deverá

estar ligado, conforme demonstrado a seguir:

• 30 dias para emissão do parecer de acesso, ou até 60 dias

caso haja necessidade de obras para implantação da mini GD

• 30 dias para vistoria após solicitação do consumidor

• 15 dias para entrega do relatório de vistoria e

• 07 dias para aprovação do ponto de conexão

O Sistema de Compensação de Energia regulamentado considera

apenas a troca de kWh entre o consumidor participante e a

distribuidora, não envolvendo qualquer circulação de valores

monetários. Por este motivo, a tributação dos créditos gerados pela

produção de energia própria ainda ficou para ser definida, pela

Secretaria da Receita Federal e pelas Secretarias de Fazenda

estaduais. Esse é um ponto que efetivamente pode comprometer a

aplicação pratica da nova regulamentação.

Esta nova regulamentação traz, na prática, necessidade de

adequação de procedimentos, sistemas e processos e também

novas preocupações para as distribuidoras, principalmente no que

diz respeito à remuneração adequada de seus sistemas e serviços,

que deverá ser apenas garantida pelo custo de disponibilidade.

Caso a remuneração não seja adequada, poderá haver um possível

ônus adicional aos consumidores, como já com certeza deve

ocorrer no caso da TUSD que deixará de ser recolhida em razão do

desconto nos empreendimentos de fontes de origem solar

fotovoltaica.

Além disso, por se tratar de tecnologias ainda em fase de

maturação e disseminação comercial, haverá uma difícil

previsibilidade e controle dos montantes que estarão sendo

instalados, e aqui também haverá uma necessidade de antecipação

de medidas para evitar um potencial aumento de fraudes e perdas

de natureza comercial, com consumidores alegando que seu

consumo decresceu em razão da instalação de fonte própria de

geração.

Soluções eficientes de armazenamento de energia estão em franco

desenvolvimento no mundo e estarão disponíveis em pouco tempo.

Isso tornará ainda mais atrativo o advento da geração individual em

escala residencial, pois o cliente poderá gerar energia durante o dia

para utilizar à noite, nos horários de maior custo, por exemplo, o

que deverá nos próximos anos tornar ainda mais restrito o mercado

cativo e mudará substancialmente o futuro papel das distribuidoras

de energia. As distribuidoras que hoje são a única supridora de

eletricidade nos mercados regulados, com a popularização da

micro-geração e do armazenamento de energia passarão a ser

apenas supridoras do excedente, devendo, entretanto, explorar

novos serviços de valor agregado e gestão, desde que a

regulamentação permita.

As importantes mudanças no 3º ciclo de revisão tarifaria

Finalmente, outras importantes mudanças estarão sendo

introduzidas no 3º ciclo de revisão tarifaria das distribuidoras de

energia, que afetarão diretamente as receitas das concessionárias e

consequentemente a sua capacidade de investimento.

Entre muitas mudanças importantes, para o escopo deste artigo

serão destacadas as seguintes:

- haverá a captura direta da qualidade do serviço prestado no fator

X – empresas que não estejam prestando um bom serviço, dentro

dos critérios definidos pelo regulador em cada caso, serão

penalizadas em até 1% das receitas autorizadas na parcela B, tendo

uma tarifa menor. De forma oposta, empresas que possuem índices

que não estejam alinhados com as expectativas da ANEEL e que

apresentem melhorias, poderão ter acesso a receitas aumentadas

em até 1% da parcela B. Ocorre, entretanto, que o ranking criado

pela ANEEL para a classificação das distribuidoras observa não

somente os índices apurados, mas também os limites julgados

apropriados pela própria Agência para cada empresa, que são

bastante questionados, por não serem estabelecidos por

metodologia reprodutível e comparável entre empresas. Além disso,

empresas que possuem desempenho muito melhor do que os

preconizados como limites pela ANEEL e que deteriorem estes

níveis atuais, serão penalizadas pela mesma regra, pois a Agencia

progressivamente irá reduzir estes limites.

- para o terceiro ciclo ocorreu o congelamento da empresa de

referência, ou seja, os custos das empresas para a operação dos

serviços ficam congelados, enquanto as obrigações de contrato tem

crescido sistematicamente nos últimos anos, inclusive pela

introdução de novos índices a serem apurados, associados a multas

progressivas na ultrapassagem de limites.

- a adoção de benchmarks de excelência olhando o passado

coletivo das distribuidoras, em vez do futuro individual do mercado

e circunstâncias de cada empresa - a Agência passou a adotar

comparações entre as empresas prevendo custos adequados ao

futuro e isso modificou toda a lógica do negocio, pois os modelos

não são capazes de considerar o significativo aumento de

obrigações que sistematicamente vem sendo imputado às

empresas.

- a redução do WACC líquido de 9,95% para 7,5% - ou seja, a

rentabilidade autorizada para a remuneração do capital próprio das

empresas será reduzida, entre outros motivos, pelo entendimento

de que houve expressiva redução no risco país ( embora em função

da criatividade profícua de criação de novas regras e obrigações

possa na pratica, segundo o entendimento de muitos, não ter

reduzido o risco regulatório efetivo), e a ANEEL esta dando com isso

um sinal para a sociedade na busca de maior modicidade tarifaria.

- a captura de outras receitas também será destinada para a

modicidade tarifária, fato que desencoraja as empresas a buscar

outras receitas nos novos negócios decorrentes do smart grid, pois

estas outras receitas serão em 90% destinadas à modicidade

tarifaria. Aqui falta a sensibilidade de rever esta posição e iniciar o

desacoplamento das tarifas, para que as empresas possam realizar

a modernização de seus sistemas vislumbrando uma segurança

mínima de garantia de retorno e estabilidade de regras, contando

apenas com os riscos do próprio investimento em tecnologia, e com

a certeza regulatória da possibilidade de sua recuperação caso o

plano de negócios se revele promissor.

De todas estas regras, a redução significativa das receitas e

conseqüentemente da capacidade de endividamento e de

investimento necessária para viabilizar a transformação tecnológica,

e a redução de incentivos para a transformação do negócio com a

geração de outras receitas são barreiras muito fortes,

estabelecidas na regulação, que podem e que certamente

comprometerão a implantação das redes inteligentes no país, caso

não sejam revistas.

Quais os próximos passos , afinal, o que o Brasil precisa?

Entre as recomendações necessárias para o Brasil, a prioridade

numero um será a consideração das novas tecnologias de smart

grid no Planejamento Energético Nacional, buscando estabelecer

ESTRATÉGIAS de GOVERNO e uma VISÃO e COMPROMISSO de

longo prazo, envolvendo vários Ministérios, com a existência de um

patrocinador. Tomando exemplo do que ocorre em vários países

que elegeram a energia e o seu uso eficiente como prioridade

absoluta para a segurança, conforto e desenvolvimento, a

presidente Dilma Roussef, considerando seu passado como

profissional do setor de energia, deveria ser a grande mentora e

patrocinadora dessa visão.

Toda regulação decorrente desta estratégia governamental deve

ser precedida pela avaliação econômica dos impactos e a absoluta

transparência na alocação dos custos, responsabilidades,

oportunidades e benefícios ao longo da cadeia produtiva do setor,

fato que merece aprimoramentos e complementação em algumas

das regulamentações já publicadas, antes de sua efetivação.

Um dos alicerces para que a transformação e modernização

possam ocorrer é a estabilidade de regras e da regulação, para que

as empresas possam ter segurança do retorno dos investimentos

requeridos para a infra-estrutura, que são significativos em volume,

mas amortizados somente a longo prazo. Da mesma forma, caso o

Governo decida promover a transformação com investimentos

viabilizados pelas próprias empresas, deve haver incentivo para a

busca de novas receitas e serem também priorizados mecanismos

que promovam o desacoplamento entre vendas e receitas para que

as empresas passem a enxergar a eficiência energética, a

implementação da política governamental e as novas

oportunidades de negócio, sem o atual mercado cativo, como uma

questão de sobrevivência.

Finalizando, a própria Política e as Estratégias governamentais iriam

acabar por oferecer e adequar a capacidade de financiamento do

setor para a modernização.

Conclusões

Dentro de uma transformação tecnológica que é global, o Brasil

somente agora iniciou a formatação da necessária política de

governo para o setor, liderada de forma clara e inequívoca, de

forma interministerial. Esta política, entretanto, precisa ser ainda

definida e colocada em prática, com liderança efetiva e muita

comunicação aos agentes.

Enquanto isso, a ANEEL vem e deverá continuar buscando atuar

com modernidade e transparência, submetendo e implementando

resoluções progressistas à apreciação dos agentes, sendo que suas

ações deverão ao longo do tempo estar alinhadas e operacionalizar

a necessária política governamental.

Mesmo assim, o aumento sistemático de novas obrigações, ano a

ano, para as concessionárias, já está a requerer significativos

investimentos em tecnologia e gestão das empresas nos próximos

anos.

As regras do 3º ciclo trazem, entretanto, redução significativa da

receita e da capacidade de endividamento e investimento destas

empresas, bem como desestímulo à busca de novas receitas.

As mudanças já anunciadas na estrutura tarifária precisam ser

melhor avaliadas em termos de impacto econômico aos diferentes

segmentos de clientes e às concessionárias, numa visão de

equilíbrio econômico financeiro de longo prazo. A regulação da

micro geração traz, na pratica, o inicio do fim do fim do mercado

regulado para as distribuidoras e coloca o Brasil no século 21, mas

ao mesmo tempo questões tributárias importantes acabaram

ficando para definição posterior.

Muitas mudanças simultâneas deverão progressivamente entrar

em cena até 2014, o que traz a necessidade de melhor avaliação

conjunta dos impactos no setor e simultaneamente o inicio da

educação dos consumidores nestes temas.

A chegada do Smart Grid é inevitável e apenas questão de tempo:

precisamos nos preparar, criando o ambiente de regulação e os

modelos econômicos para sua viabilização sustentável.

Por esse motivo, o Fórum Latino Americano de Smart Grid

continuará cumprindo com seu importante papel de incluir agentes

nestes debates, com isenção, independência, neutralidade, inclusão

e diligência, oferecendo sua contribuição para a sociedade latino

americana, onde os agentes e a sociedade possam participar e

contribuir com a discussão sobre a modernização dos sistemas

atuais de eletricidade na medida em ela for técnica, econômica,

ambiental e socialmente justificável.

Sobre o autor

*CYRO VICENTE BOCCUZZI, fundou e Preside o Fórum Latino

Americano de Smart Grid e possui 30 anos de experiência no setor

de Energia participando do corpo diretivo de empresas e entidades

do setor, no Brasil e no exterior.